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OPINIÃO
Dar nome não é uma atividade trivial. A forma pela qual nos referimos às pessoas,
relações, fenômenos e coisas revelam a nossa visão sobre o que (ou quem) está sendo
nomeado.
Nas relações de trabalho, por exemplo, “colaborador” pretende transmitir a imagem de
que existe uma relação horizontal entre empregado e empregador, sem hierarquias. Mas
sabemos que a realidade é outra: as relações de trabalho são caracterizadas pela
subordinação. E, quando a empresa passa por dificuldades, a corda invariavelmente
arrebenta do lado mais fraco.
A disseminação do uso de plataformas digitais em diversos setores da economia, como o
de transporte de pessoas e o de entrega, estimulou a produção de diversas análises.
Conforme a perspectiva, variam os termos utilizados. Vamos tratar de quatro, que são os
mais populares:
- Economia de bico
- Economia de compartilhamento
- Uberização
- Capitalismo de Plataforma
O debate sobre o trabalho via plataformas digitais no Brasil geralmente fala dos setores
de transporte de passageiros e de entregas. Isso ocorre por dois motivos. O primeiro é a
existência de uma quantidade expressiva de trabalhadores nesses setores: um milhão de
motoristas e entregadores trabalham para somente uma empresa, a Uber. O segundo é
a visibilidade dessas atividades: esses trabalhadores estão nas ruas e, durante a
pandemia, as más condições de trabalho a que estão submetidos foram colocadas no
centro das discussões, especialmente a partir de manifestações como o Breque dos
Apps.
O trabalho via plataformas digitais, entretanto, também existe em outros setores e sob
outras formas. Uma de suas expressões, ainda pouco conhecida no Brasil é o crowdwork
(ou trabalho-de-multidão, em uma tradução literal). No crowdwork, pessoas contratadas
via plataforma digital executam tarefas online para empresas ou outros indivíduos. Por
isso também é chamado de terceirização online.
A maior demanda é pelas microtarefas. Suas principais categorias são busca por
informações (procurar dados na internet, como o endereço de um estabelecimento),
verificação e validação (conferir a veracidade de um perfil em uma rede social),
interpretação e análise (classificar de produtos vendidos por uma empresa) e criar
conteúdo (resumir um documento ou transcrever uma gravação de áudio).
Em pesquisa desenvolvida no meu doutorado com brasileiros que atuam para a MTurk, a
maioria contou receber baixos valores pelas atividades executadas, a ausência de
instruções suficientes para realizar as tarefas, trabalhar sem a correspondente
remuneração e o desejo de ser pago em espécie (o pagamento dos brasileiros é feito
com créditos para serem usados na loja virtual da Amazon). Ou seja, seus problemas são
diferentes dos vivenciados por motoristas e entregadores.
Há, ainda, plataformas de crowdwork que operam com projetos e estão ganhando
popularidade no Brasil, como a Appen e a Lionbridge, cujas condições de trabalho são
diferentes da MTurk.
Conhecer o crowdwork é essencial para ampliar o debate sobre as condições de trabalho
via plataformas digitais, de forma que as tentativas de regulação levem em consideração
a realidade desses trabalhadores.
Renan Kalil. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo e Procurador do Trabalho.
Fontes:
https://www.cartacapital.com.br/opiniao/capitalismo-de-plataforma-o-conceito-que-melhor-explica-
as-relacoes-de-trabalho-digitais
https://www.cartacapital.com.br/opiniao/crowdwork-a-terceirizacao-online/