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Subjetividade neoliberal e precarização do


trabalho
 19/04/2023(https://aterraeredonda.com.br/2023/04/19/)

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Imagem: Aleksandar Pasaric

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Por MATHEUS SILVEIRA DE SOUZA*

A luta contra o neoliberalismo e as formas de precarização do trabalho não exigirá


apenas a revogação da reforma trabalhista e de outras legislações
“Dentro do pássaro há uma grade, \ Um eterno con nar de gaiola \ Quando abrirem as portas, \ Eu serei, en m \ O
meu único carcereiro” (Mia Couto, Versos do prisioneiro).

O trabalho precarizado virou lugar comum na sociedade neoliberal, impondo cargas


horárias excessivas em empregos sem direitos, sem estabilidade e com
remuneração reduzida. O espraiamento da precarização chegou a tal ponto que
podemos visualizá-la não apenas nos cargos que exigem baixa quali cação, mas
também em ocupações classi cadas tipicamente como de classe média, que em tese
exigem algum nível de quali cação pro ssional.

Não é raro vermos advogados com contrato de trabalho intermitente, trabalhando


em três escritórios para ganhar, ao m do mês, o que receberiam atuando em um
único escritório. Professores e professoras contratados como PJ, sem direito a férias
remunerada, 13º ou previdência. Psicólogas angariando clientes em plataformas
digitais ou atendendo em parcerias com convênios para ganharem valores irrisórios
por cada consulta. Paulo Galo, líder dos entregadores antifascistas, já disse algo
sobre essa questão: “se você acha que a uberização é um problema dos
entregadores, você tá errado, a uberização vai avançar pra todo mundo. Se já não
chegou, ela vai chegar”.

A precarização das condições de trabalho se torna mais palatável em ambientes de


desemprego estrutural, pois a ampliação do exército de reserva aumenta, também,
o poder de barganha do empregador. “É melhor trabalhar com menos direitos do
que não trabalhar”. Entretanto, a ampliação dessas condições precárias não vem
acompanhada apenas pela necessidade de subsistência, mas também pela
constituição de subjetividades que se adequem a essas novas expectativas laborais.

Em outras palavras, a cristalização de novas relações de trabalho necessita não


apenas de normas jurídicas que lhes garantam legitimidade e legalidade, mas
também de um cimento ideológico que possa amoldar as novas formas de trabalho
ao horizonte de vida dos indivíduos. Como já diria Margareth Thatcher: “A
economia é o método. O objetivo é mudar o coração e a alma”.

Antonio Gramsci demonstra em seu clássico texto, Americanismo e fordismo, como a


criação do fordismo enquanto forma de organização do trabalho veio acompanhado
da construção de um novo modo de vida do trabalhador fordista. Nas palavras do
autor italiano: “os novos métodos de trabalho são indissociáveis de um
determinado modo de viver e pensar”.[1] Desse modo, apostando que a
subjetividade neoliberal está espalhada entre as diferentes classes sociais na
sociedade brasileira, podemos nos perguntar quais os modos de viver e pensar que
são difundidos por essa racionalidade.

Essa re exão ajuda a pensarmos nos motivos pelos quais uma parte dos motoristas
de aplicativo não querem carteira assinada.[2] O neoliberalismo conseguiu não
apenas implementar reformas jurídicas que exibilizaram as relações de trabalho,
mas também instituir uma imagem de que direitos trabalhistas são prejudiciais aos
trabalhadores, pois diminuem sua liberdade de escolha. Assim, precarização virou
sinônimo de modernização e a rede de proteção social instituída na Constituição de
1988 foi pintada como algo velho e retrógrado, a ser superado pelo moderno mundo
da tecnologia.

Empreendedorismo e a captura do desejo


O neoliberalismo foi capaz de capturar o desejo de trabalhadores e trabalhadoras. A
estabilidade entediante do mundo fordista, em que o indivíduo passava 30 anos no
mesmo emprego, foi substituída pela suposta liberdade conferida ao indivíduo
empreendedor, que poderá escolher os destinos do seu negócio, contando com
emoção e imprevisibilidade. Carteira de trabalho, seguro desemprego,
aposentadoria são elementos de um mundo antigo, que precisa ser modernizado.

Segundo Mark Fisher, “de diversas maneiras, a esquerda nunca se recuperou da


rasteira que o capital lhe passou ao mobilizar e metabolizar o desejo de
emancipação frente à rotina fordista”[1]. Para utilizar uma imagem como exemplo,
o mundo fordista é representado pelo sujeito que guarda todo mês uma pequena
quantia na poupança, sem nenhum risco ou imprevisibilidade. A sociedade
neoliberal seria o trader, que compra ações na bolsa para vende-las no mesmo dia,
de acordo com as utuações do mercado, em uma dinâmica de risco e emoção.

A captura do desejo é fundamental para a formação do que é chamado de


subjetividade neoliberal, de modo que é válido compreendermos a relação dessa
subjetividade com o empreendedorismo e a concorrência intrapessoal. Um dos
mecanismos constitutivos desse processo é a lógica da concorrência. Os indivíduos
devem se assemelhar com empresas e estarem em permanente competição entre si,
mesmo quando não estão no ambiente pro ssional.

A concorrência se intensi ca a ponto de não se limitar ao nível interindividual, mas


se transformar em uma disputa consigo mesmo, em que o sujeito deve a todo
momento superar a si próprio. “Seja a melhor versão de si mesmo”. Essa lógica
torna-se fundamental para a multiplicação de doenças psíquicas, como burnout,
ansiedade e depressão. Isso não signi ca que não haja resistência por parte dos
trabalhadores e que todos indivíduos reajam de forma passiva ao neoliberalismo,
entretanto a difusão dessa ideologia por diferentes frentes, como mídia, igreja,
família, política, empresas e escolas amplia a pressão dessas ideias sobre as
consciências individuais.

Outra premissa da sociedade neoliberal é a responsabilização individual pelos riscos


sociais. Assim, não há espaço para um Estado de bem-estar social, responsável por
corrigir as desigualdades herdadas historicamente por meio da implementação de
políticas públicas e construção de redes de proteção social. Problemas relacionados
ao desemprego, à saúde, moradia e aposentadoria são colocados como
responsabilidade exclusiva do indivíduo.[3] Quando muito, a rede de proteção social
é “privatizada”, deslocando a responsabilidade do Estado para a família.

A lógica do mercado deve preencher todos os poros da sociedade civil, sendo


utilizada não apenas na esfera econômica, mas na esfera pessoal e afetiva. O
empreendedor de si é uma espécie de sujeito empresa, que deve ter produtividade e
performance de excelência, trabalhando para um terceiro como se fosse para si
mesmo. Entretanto, se a ideologia neoliberal está presente no ar que respiramos,
ela não nasce espontaneamente na mente dos indivíduos, mas possui locais
privilegiados de disseminação e difusão.

É possível identi carmos alguns think tanks no Brasil que foram responsáveis pela
circulação e propagação de ideias neoliberais. O Instituto Atlântico, fundado na
década de 1990, tinha como objetivo não apenas in uenciar políticos e burocratas
na formulação de políticas públicas, mas também propagar ideias de livre mercado
para os trabalhadores. O Instituto chegou a realizar um convênio com a Força
Sindical – importante central de sindicatos no país – e ao longo da década de 1990,
foram distribuídas mais de 1 milhão de cartilhas aos trabalhadores e trabalhadoras,
abordando temas como privatização da previdência e capitalismo popular.[4]

Outros think tanks, como Instituto Liberal (IL) e o Instituto de Estudos Empresariais
(IEE) foram responsáveis pela tradução e publicação de obras inéditas no Brasil, de
autoria de cânones do pensamento neoliberal, formação de lideranças pró-
mercado, reedição de livros esgotados, organização de eventos, ou seja, criação de
uma rede de acadêmicos, empresários, juristas, jornalistas e economistas alinhados
com a ideologia neoliberal. O Instituto Millenium, criado em 2006, conta com
nomes conhecidos entre seus membros fundadores, como Paulo Guedes e Rodrigo
Constantino e foi nanciado por grandes grupos empresariais e conglomerados da
mídia, como o Grupo Abril, Grupo Gerdau, Organizações Globo, entre outros.

A luta contra o neoliberalismo e as formas de precarização do trabalho não exigirá


apenas a revogação da reforma trabalhista e de outras legislações, mas também a
disputa do imaginário dos trabalhadores e trabalhadoras. O fetiche do
empreendedorismo deve ser desmontado em várias frentes, começando por
demonstrar que trabalhar 14 horas por dia e 6 dias por semana não é sinônimo de
liberdade de escolha. Explicitarmos que as jornadas de trabalho atuais têm
sequestrado o tempo de convivência com nossos familiares e amigos e multiplicado
as doenças psíquicas pode ser um primeiro passo para reconstruir os nossos desejos
e criar outros horizontes de sociabilidade.

*Matheus Silveira de Souza é doutorando em sociologia na Unicamp.

Notas

[1] GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, volume 4. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 2001.

[2] UOL. Uber e Ifood com CLT? Por que motoristas e apps temem propostas de Lula.
Disponível em: https://www.uol.com.br/carros/colunas/paula-
gama/2022/11/30/uber-e-ifood-com-clt-por-que-motoristas-e-apps-temem-
propostas-de-lula.htm (https://www.uol.com.br/carros/colunas/paula-
gama/2022/11/30/uber-e-ifood-com-clt-por-que-motoristas-e-apps-temem-
propostas-de-lula.htm)

[3] FISHER, Mark. Realismo capitalista. São Paulo: Autonomia Literária, 2020.

[4] BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política


antidemocrática no Ocidente. São Paulo: Politeia, 2019.

[5] ROCHA, Camila. Menos Marx, mais Mises: o liberalismo e a nova direita no Brasil.
São Paulo: Todavia, 2021

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