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Como sair do neoliberalismo?

Desde a primeira vez que entrei em contato com o termo neoliberalismo em ocasião da monografia
apresentada para conclusão do curso de economia, não pude deixar de imaginar e tentar encontrar saídas para
o neoliberalismo. No mesmo ano de 2021 esbocei uma breve análise, a partir das leituras realizadas na
matéria de Antropologia Social, sobre a luz no fim do túnel do neoliberalismo, apontando para a experiência
ameríndia da sociedade contra o Estado como um horizonte para se pensar uma sociedade contra o mercado.
O ensaio não buscou dar diretrizes concretas sobre esta conduta anti-mercado, nem mesmo apontar exemplos
atuais sobre isso (muito por conta da minha falta de contato com estes movimentos), mas buscou, de maneira
até um pouco saudosista, ver nas experiências não-ocidentais uma inspiração para a transformação de nossas
formas de vida.
Outro momento importante para pensar o fim do neoliberalismo foi o contato com o livro de Dardot e Laval
A nova razão do mundo. Nas suas páginas conclusivas os autores comentam que o caminho para a saída do
neoliberalismo não deve se dar por uma nova solução de compromisso entre capital e Estado, tal como foi
feito nos “30 anos gloriosos”, isto é, no welfare state. A saída deve se dar antes pela contraconduta, por uma
mudança da racionalidade empresarial-de-si para outra, ou seja, ser capaz de subjetivar, de tornar-se sujeito
considerando uma lógica do comum ao invés da lógica da concorrência entre todos.
Contudo, aqui aparece o problema típico de qualquer solução micropolítica: o prejuízo para os indivíduos
que se arriscam pela contraconduta é enorme e não há garantia nenhuma do sucesso de suas ações. Imagine
por exemplo o caso de alguém que decide deixar de apresentar suas qualificações pessoais e educacionais
como algo monetizável ou rentável e, portanto, adota uma conduta de si que o torna pouco atraente para o
mercado de trabalho. Em poucos anos, este indivíduo estará minguando o infortúnio de sua postura
“revolucionária”.
Este tipo de ação só faz sentido se for feito em massa, se for possível convencer uma quantidade razoável de
pessoas que elas não precisam fazer cursos de programação para conseguir um salário um pouco maior.
Tivemos a nossa oportunidade crucial de tentar convencer os entregadores de aplicativo que eles não
deveriam se arriscar a pegar covid para servir comida à classe média. Mas convenhamos, este discurso soa
como um idealismo imoderado para os trabalhadores de aplicativo. Se a falsa dicotomia posta por Bolsonaro
entre saúde e economia - isto é, entre a possibilidade de morrer de covid e a iminência da morte por fome -
fez tanto sucesso foi porque ela era real.
Parece contradição dizer que um discurso é ao mesmo tempo falso e real, mas o que procuro mostrar é que a
falta de comida e a urgência das contas a serem pagas é um fato na realidade da maioria dos trabalhadores
autônomos no Brasil. Ele disse algo que está muito presente na vida dessas pessoas e soa então como algo
concreto, real. Mas se raciocinamos do conforto do nosso “home-office” percebemos a falsidade desse
discurso. É sempre possível para o congresso aprovar verba (tanto que o fez) para que as pessoas tenham
suas necessidades básicas atendidas enquanto não fosse seguro sair de casa. O discurso é falso pois diz que o
governo não teria como agir, afinal a analogia entre orçamento doméstico e orçamento do governo funciona
melhor do que a complexa explicação dos mecanismos da dívida pública e da especulação do mercado
financeiro sobre ela (e, consequentemente a determinação da taxa de juros).
Evitarei discutir aqui assuntos demasiadamente econômicos como inflação, juros e orçamento. O foco é
pensar saídas para o neoliberalismo. Como é possível sair da lógica da concorrência de todos contra todos?
da lógica de pensar a si como uma empresa que há de ser produtiva a todo momento e vender-se a todo
momento? Como é possível escapar da lógica neoliberal sem percorrer o caminho suicida de Paulo em Terra
em Transe?
Não abandono a ideia da contraconduta, da transformação das subjetividades, mas é preciso mais sustentação
para isso. É necessário algum objetivo no campo macropolítica. Alguma pauta que todos nós concordamos
que será um alívio no meio dessa tensão permanente. Ela pode ser a transferência de responsabilidades
orçamentárias para níveis mais locais como prefeitura ou subprefeitura com maior participação do povo.
Pode ser o tratamento humano aos dependentes químicos com acesso contínuo a psicólogos, moradia e
comida. Pode ser a garantia de renda para todos os estudantes, seja com mais bolsas de pesquisa, com mais
oportunidades de estágio e trabalho na universidade ou até mesmo com parcerias que permitissem ao
estudante trabalhar meio período e ainda ter tempo para estudo.
Todas as alternativas acima são debatíveis e fruto de pouco confrontamento de ideias. O que é necessário ser
feito no momento é fomentar ideias para a superação do neoliberalismo e da subjetivação neoliberal. É
imprescindível que criemos grupos dentro das universidades - com abertura para o público externo participar,
opinar, nos contar sua realidade - para que criemos e experimentemos práticas que nos guiarão a uma luz no
fim do túnel do neoliberalismo.

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