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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Graduação em Psicologia – Campus São Gabriel

Avaliação Final
Psicologia e Políticas Públicas

Logan Andrade dos Santos

Belo Horizonte
2021
EU SEI, MAS NÃO DEVIA
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamento dos fundos e a não ter outra vista que
não as janelas ao redor. E porque não tem outra vista, logo se acostuma a não olhar
para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as
cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a
luz. E à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
(...) A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E aceitando a
guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos. E aceitando os
números, aceita não acreditar mais nas negociações de paz. (...) A gente se
acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para
as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto
ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo que deseja e o que necessita. E a
lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a
fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada
vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter
com o que pagar nas filas em que se cobra. (...) A gente se acostuma a coisas
demais para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando
uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a
gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está
contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está
duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não
há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono
atrasado. A gente se acostuma para não ralar na aspereza, para preservar a pele.
(...) A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, de
tanto acostumar, se perde em si mesma.

Marina Colassanti

Questão 01 – Leia o texto e faça uma reflexão pessoal sobre ele, a partir das
discussões desenvolvidas na disciplina.

A reflexão, exposta por Marina no texto, remete a muitos termos estudados na


disciplina de psicologia e políticas públicas, a saber: Invisibilidade e exclusão social,
violência... entre outros. O “se acostumar” acontece no cotidiano, isto é, funciona
como uma naturalização da qual, como sujeitos e como sociedade, temos culpa
parcial. Mas ao escutar ou ler sobre isso eu sempre me pergunto, será que podemos
exigir uma reação de um sujeito já tão explorado sem lhe dar meios para reagir?
Devemos sempre considerar que esse sujeito é aquele que usa até a última gota de
vitalidade para produzir e conseguir, com isso, satisfazer as suas necessidades
básicas. O contexto neoliberalista do mercado, focado na acumulação do capital e
na flexibilização do trabalho forma trabalhadores cansados, e o objetivo é esse...
cansá-los até não aguentarem mais. Para impedir que eles, enquanto grupo, lutem
unidos e reivindiquem seus direitos de cidadãos e de humanos. O sujeito que se
acostuma é o trabalhador que está exausto, adoecendo, e que teve suas
oportunidades cerceadas. E na sua falta de entendimento, alienação ou estafa,
acaba deixando outros grupos retirem os poucos direitos que seus pais e avós ainda
conseguiram conquistar por meio da luta e dos movimentos sociais.

Mas também devemos ter em mente que essa relação é cíclica, de forma que
é preciso quebrar a continuidade desse ciclo. É dessa invisibilidade e naturalização,
expostas no texto acima, que surge essa realidade que descrevo, e que ajudam a
manter a invisibilidade e a naturalização em funcionamento. A meu ver, política
pública surge nesse meio como uma forma de “ascensão dos cansados”, dando um
pequeno folego para os pulmões extenuados que não conseguem pensar em nada
mais além de seu cansaço. A partir dela, os invisíveis ganham certo tom de
visibilidade, o que pode vir acompanhado de ataques advindos daqueles que não
gostariam de vê-los... por isso é extremamente importante lutar pelas políticas
públicas, incitar a participação popular e requisitar um repasse de verba que seja
adequado pera a manutenção e aprimoramento dos direitos previstos na
constituição federal.

Coronavírus: teto de gastos emperra ações de combate

Nara Lacerda e Lu Sudré


Brasil de Fato | São Paulo (SP)
18 de Março de 2020
O Brasil enfrenta a pandemia global do coronavírus com cerca de R$ 20 bilhões a
menos para o Sistema Único de Saúde. Resultado da Emenda do teto de gastos
(EC 95), que congela gastos públicos por 20 anos, o corte nos investimentos ocorre
desde a promulgação do texto, em 2016.

Ideia do governo de Michel Temer (MDB), endossada pelo Congresso Nacional e


mantida pela gestão de Jair Bolsonaro (sem partido), a EC 95 foi vendida como
essencial para equilíbrio das contas públicas, criação de confiança no mercado e
retomada da economia. Os resultados percebidos nos últimos quatro anos, no
entanto, estão longe desse cenário.

https://www.brasildefato.com.br/2020/03/18/coronavirus-teto-de-gastos-emperra-
acoes-de-combate

Questão 02 – Faça uma análise da concepção presente na noticia acima, a


partir dos conceitos de políticas sociais e neoliberalismo apresentadas no
texto “A psicologia frente às políticas públicas”.

A busca pelo estado de bem-estar social se tornou uma ameaça para a lógica de
acumulação do capital, e assim surgiu o neoliberalismo, que sugere a existência de
um estado mínimo que tem pouquíssimas interferências na lógica de funcionamento
excludente e desigual do mercado. A EC 95 surge no Brasil como mais uma forma
de manifestação dessa lógica de funcionamento livre, que cerceia o espaço e a
capacidade de atuação das políticas públicas, em especial das políticas sociais. A
política de saúde brasileira, com um agravamento proporcionado pela crise da
pandemia de COVID-19, é a que mais demonstra as consequências de um governo
que se isenta de gerir os problemas sociais do seu país em prol da economia.
Contudo, o que fica evidente é a ineficácia desse sistema mercadológico, visto que
cada vez mais a riqueza se concentra nas mãos dos que detém os meios de
produção e o capital, relegando o restante da população a sobreviver com os restos
de “um cavalo com prisão de ventre”, que graças a contribuição da EC 95, tem a
quantidade de “excrementos” contabilizada, sendo ainda insuficiente para garantir os
direitos básicos de todos aqueles que necessitam deles.

Questão 03 - De acordo com o texto “A Psicologia frente às políticas públicas”,


responda:

“Gradativamente, a presença da psicologia vem se consolidando no campo das


políticas públicas, especialmente das políticas sociais, a partir das respostas às
novas demandas colocadas pela sociedade.”

a) Identifique dois problemas da sociedade brasileira que justificam a


atuação da psicologia nas políticas públicas.
Pensando na sociedade brasileira, acredito que os dois pontos principais que
justificam e que solicitam a presença da psicologia na política pública são:

1- A naturalização das desigualdades econômica, social e cultural: O olhar


da psicologia tem potencial performático para a mudança desse paradigma,
visto que ela deve ter como um de seus compromissos a compreensão da
realidade histórica da nação e as diferentes e variadas formas de
existência/sobrevivência humana, que são proporcionadas pelas
desigualdades.
2- A forte presença de ideias, como a de mérito, que influenciam a
realidade do mercado de trabalho: A meritocracia é uma das ideias que
estão engendradas no imaginário social brasileiro, e que tem o potencial de
causar danos psíquicos, materiais e físicos que podem se tornar irreparáveis
na vida de um sujeito. A psicologia tem o papel de desmistificar esse
paradigma, mostrando a realidade humana sempre como um processo em
constante construção, que pode e deve ser repensado e desconstruído, em
prol de uma sociedade mais saudável e de um ambiente mais saudável.

b) Aponte duas concepções importantes a serem consideradas na atuação


da psicologia na política pública.

As duas concepções, como afirma Saadallah (2007), são:

1- A de uma atuação tradicional e descontextualizada, na qual o sujeito aparece


isolado em si mesmo, correndo risco de sofrer com a psicologização das
situações sociais em que está inserido, já que essas são desconsiderados na
sua análise.
2- A de uma atuação que funciona pela perspectiva sócio-histórica, se valendo
do contexto social para proporcionar a transformação social com foco na
promoção da saúde do sujeito.

Fica evidente que a segunda concepção é a mais adequada para a atuação de


psicólogos, não só nas políticas públicas mas em toda a prática que pretenda ser
humanizada, pois como sabemos, o ser humano é um ser complexo e atravessado
por múltiplos fatores, que não pode ser entendido corretamente quando visto de
forma isolada.

REFERÊNCIA:

SAADALLAH, Márcia Mansur. A Psicologia Frente às Políticas Públicas. In


MAYORGA, Claudia; PRADO, Marco Aurélio Máximo (orgs.). Psicologia social:
Articulando Saberes e Fazeres. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2007.
Avaliação Qualitativa da Disciplina:

Faça uma avaliação da disciplina Psicologia e Políticas Públicas, levando em conta


os seguintes itens:

- Interesse pela temática: Antes da disciplina eu não saberia responder como a


psicologia poderia atuar no campo das políticas públicas, não entendia muito bem
sobre o seu funcionamento, nem sua base constitucional. Posso afirmar que meu
interesse nas políticas públicas foi crescendo conforme avançávamos no conteúdo
do curso, se tornou um tema que desperta muita curiosidade.

- Conteúdos trabalhados: As pequenas temáticas trabalhadas, como a


desigualdade, o direito, a exclusão, a cidadania, a política, as relações raciais...
entre muitos outros temas, todos esses conteúdos foram de suma importância e com
toda certeza contribuíram muito para a minha formação humana e profissional. Cada
tema foi colocado de forma crítica e responsável, considerando todas as
interferências às quais esses assuntos estão à mercê.

- Metodologia utilizada: A maioria do conteúdo foi passada por meio de textos ou


documentários. Para mim foi uma forma adequada, pois impede que o conteúdo se
torne pesado demais com uma leitura muito densa, mas também não passa a
impressão de algo muito amplo e sem base, como seria se não houvesse nenhum
texto.

- Avaliação da professora: A professora é uma querida. Trata todos os alunos com


respeito e igualdade, sempre aberta a escutar opiniões diferentes nos temas
abordados. Considero que o trabalho realizado por ela nessa disciplina marcou a
minha formação de uma maneira muito positiva. Só tenho elogios para você Márcia!
Foi um privilégio passar esse semestre estudando contigo.

- Participação do aluno: No que se refere ao interesse, compromisso, presença e


produção dentro da disciplina, acredito que tenha sido tudo muito bom. Consegui
acompanhar a leitura e discussão de todos os textos, estive presente em todas as
aulas e me esforcei ao máximo para ser um observador participante, colocando meu
entendimento do conteúdo e tentando contribuir para com a aula.

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