Você está na página 1de 3

Resumo – Dossiê Revista Frontiers in Sociology (máx.

1000 palavras)

Título:

Nas últimas décadas, temos vivenciado grandes transformações no mundo do


trabalho, caracterizadas pela desconstrução da sociedade salarial, advento do
neoliberalismo, desregulamentação do mercado de trabalho, crescimento do desemprego
e da informalidade, configurando um extenso e evidente processo de precarização do
trabalho (Harvey, 1993; Castel, 2015). À uma lógica organizacional renovada, somam-
se importantes transformações tecnológicas centradas, sobretudo, nas tecnologias da
informação e comunicação (Castells, 1999), propiciando processos de flexibilização,
enxugamento e desterritorialização do trabalho. No entanto, essas dinâmicas adquirem
uma nova dimensão e exigem novos esforços de análise com o surgimento e difusão dos
processos de plataformização do trabalho (Abílio; Amorim; Grohmann, 2021; Van
Doorn, 2017; Casilli, 2019; Graham; Woodcock, 2018) citar outros).
Em um contexto de trabalho flexível, o jovem passa a representar o “modelo
ideal” de trabalhador”, na medida em que, de acordo com certa representação social
(hegemônica) da juventude, ele seria, necessariamente, mais afeito aos riscos e desafios,
aberto às constantes mudanças e às inovações tecnológicas, hábil para novos
aprendizados, disponível para trabalhar em diferentes espaços e jornadas e,
principalmente, em atividades que propiciem liberdade e autonomia (Canclini, 2012;
Pozo, 2012; Sennett, 2009; Pires, 2018). Nesse sentido, algumas modalidades de
trabalho plataformizado têm atraído, de modo especial, jovens trabalhadores em busca
de inserção no mercado de trabalho e de condições de trabalho supostamente menos
hierárquicas e que propiciem maior liberdade em termos de horários e espaços, além de
relações menos marcadas pela subordinação. Isso adquire um sentido particular
considerando uma realidade social e histórica como a brasileira, em que as alternativas
de trabalho que se apresentam para os jovens menos qualificados se caracterizam por
baixas remunerações, contratos precários (quando há), pouca ou nenhuma realização
pessoal e, não raro, situações de discriminação e violência simbólica.
Os chamados “bikeboys” ou “bikers” – entregadores (em geral de refeições) por
aplicativos que utilizam a bicicleta como meio de transporte – são, em geral, jovens,
negros e moradores de periferias (Aliança Bike, 2019). Por viverem distantes do local
de trabalho e dependerem de sua própria força física para a realização da atividade,
passam o dia perambulando, dormindo e repondo as energias pelas ruas da cidade à
espera da próxima entrega (MACHADO, 2019). Responsáveis pelos seus meios de
trabalho, realizam jornadas prolongadas, fisicamente extenuantes, expostos a diversos
riscos e submetidos ao controle de algoritmos opacos (Abílio, 2020), sem qualquer
contrato ou garantia. Tamanha precariedade, no entanto, é eclipsada pelo discurso de
que as plataformas digitais possibilitam um trabalho “sem patrão”, para “trabalhar onde
e quando quiser”, valorizando a “autonomia” de seus “parceiros”.
Desse modo, o artigo tem como proposta analisar as percepções de jovens
entregadores por aplicativos (essencialmente bikers) sobre sua atividade e suas
perspectivas de inserção no mundo do trabalho. Essa discussão se soma a esforços
anteriores de pesquisa (LIMA; PIRES, 2017; PIRES, 2018; PIRES, 2021) voltados a
compreender quais os sentidos que os jovens trabalhadores atribuem ao trabalho no
momento contemporâneo, considerando que se trata de uma geração que já foi
socializada em um contexto marcado pela flexibilidade e pelo ideal do
empreendedorismo. Buscaremos refletir sobre as razões que levam esses jovens a aderir
a uma atividade plataformizada e, em alguma medida, conferir sentidos positivos a ela,
considerando suas experiências anteriores e as oportunidades de trabalho a que têm
acesso.
Essa discussão tem como embasamento empírico uma pesquisa que vem sendo
conduzida junto a jovens entregadores por plataformas na cidade de São Paulo, com
destaque para os que utilizam a bicicleta como meio de trabalho e deslocamento. Esse
estudo integra um convênio internacional que visa analisar o trabalho por aplicativos no
Brasil e na França – "Zonas cinzentas e território: a transformação do trabalho e a figura
emergente do trabalhador de plataforma. Uma comparação França-Brasil"
(ANR/FAPESP) – e está sendo realizado a partir de observações de situações de
trabalho, entrevistas e análise de trajetórias de jovens em diversos pontos de
concentração na cidade de São Paulo. Nas análises aqui apresentadas, o foco será dado a
um grupo de bikeboys que se concentra em um ponto próximo à Praça da República no
centro de São Paulo, com os quais foi possível realizar uma pesquisa de cunho
etnográfico, estabelecendo uma relação de maior confiança e profundidade.
Na introdução do artigo, apresentaremos uma breve revisão bibliográfica
articulando a discussão sobre juventude e a literatura sobre o trabalho por plataformas,
destacando algumas categorias que serão mobilizadas nas análises. Na segunda parte,
apresentaremos uma visão panorâmica da pesquisa campo, analisando alguns elementos
mais gerais sobre o cotidiano e as condições de trabalho dos jovens em tela. Na terceira
seção, aproximaremos o olhar e discutiremos as percepções e experiências dos
entregadores do ponto da região central de São Paulo. A proposta é analisar
sociologicamente suas impressões sobre alguns aspectos principais: as possibilidades de
regulamentação da atividade; o discurso pautado no empreendedorismo que é
mobilizado pelas plataformas; os sentidos que estão por trás de uma avaliação positiva
da “liberdade” propiciada por essa atividade; suas perspectivas em relação ao futuro no
trabalho.

A pesquisa tem indicado que esses jovens trabalhadores têm rejeitado relações
de trabalho cujo cenário normativo é o assalariamento formal e acoplado a direitos. A
todo momento, os entregadores discutiam entre eles sobre como direitos trabalhistas
“seguravam o ser humano” e “impediam-no de crescer”. A ideia de salário mínimo era
sempre atribuída como algo que “acomoda as pessoas” em sua situação de vida atual e
que gera uma “perda de inúmeras possibilidades de se ter uma rentabilidade maior”. O
horizonte de expectativas se fez entorno da presença da liberdade e autonomia em suas
atividades ou ocupações. A capacidade de estabelecer horários de entradas e saídas, ou
mesmo determinar sua jornada de trabalho se revelou como um ganho positivo para
esses entregadores. Muitos afirmavam que resolver problemas pessoais em qualquer
instante e comer em qualquer momento e lugar, eram benefícios que em um trabalho
formal qualquer, você seria mandado embora ou levaria bronca de seu patrão. O
empreendedorismo passou a significar uma possibilidade real de vida e trabalho que se
mostra compatível a esses valores e benesses. Através do trabalho de entregas por
bicicleta, esses jovens veem uma forma de empreender que não necessita de muitos
recursos materiais ou financeiros para se iniciar no mundo do trabalho.

[Fechar com a contribuição deste artigo para um campo de conhecimento em


construção e destacando qual o nosso olhar sobre esse trabalho – que destaca a agência,
as resistências e o ponto de vista dos sujeitos.]
Para além de olharmos a questão da precarização, a condição social indigna e a
intensificação da exploração, este artigo é necessário que direcionemos o olhar para
um universo de estratégias de vida e sobrevivência que não são recentes no cenário
brasileiro. Este artigo busca contribuir dando luz às formas e cálculos feitos na
condução da vida, e conhecer a capacidade de agência, reflexão e racionalidade desses
jovens entregadores. Esse resgate é importante na medida em que revela
componentes intrínsecos das subjetividades estudadas, podendo apresentar
contradições e complexidades não captadas em análises mais superficiais sobre o
tecido social, que não consideram as formas pela qual o próprio agente lida com suas
escolhas.

- Citar algumas referências da literatura internacional.

Você também pode gostar