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1 Este artigo, organizado especialmente para a Revista da Presidência da República, traz extratos do
texto introdutório, de minha autoria, do Caderno de Investigações Científicas, vol. I, intitulado “Pre-
venção e Tratamento do ‘superendividamento’”, escrito em co-autoria com Clarissa Costa Lima e Káren
Bertoncello, publicado pelo MJ-SDE-DPDC, Brasília, 2010.
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Consumption as equality and social inclusion: the need of a special law to avoid
and treat consumer over-indebtedness
CONTENTS: 1 Introduction 2 Can consumption and credit concession comprise solidarity and fair
renegotiation? 3 Analysing the treatment of over-indebtedness in credit contracts: the second
part of the draft Bill 4 References.
Consumo como igualdad e inclusión social: la necesidad de una ley especial para
prevenir y tratar el sobre-endeudamiento de los consumidores individuales
CONTENIDO: 1 Introducción 2 ¿Consumo y crédito pueden ser un momento de la solidaridad
y la renegociación de buena fe? 3 Analizando el tratamiento del sobre-endeudamiento de los
individuos en los contratos de crédito al consumo: la Parte II del Proyecto de Ley 4 Referencias.
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1 Introdução
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3 Veja sobre a situação nos EUA e no Canadá: LOPES, 1996, p. 109 e ss. Veja também ZIEGEL, 2003, p.
13 e ss; KHAYAT, 1997; COSTA, 2002, p. 10 e ss.; PAISANT, 2002, p. 26.
4 “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.”
(BRASIL, 2009).
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capital restante segundo as prestações previstas. As somas por ele já pagas a título
de juros serão restituídas pelo credor ou imputadas sobre o capital restante devido.
No Brasil, o direito de retratação do consumidor de boa-fé poderia ser de três
dias, sempre que o crédito fosse maior que seis meses e, neste caso, devolveria
somente o principal, sem juros, podendo haver um juro pro rata até a data do efeti-
vo pagamento, já fixado na parte destacável do contrato de crédito que informaria
sobre este novo direito de reflexão do consumidor. Na Europa este direito de ar-
rependimento significa que a pessoa não recebe o valor até completarem-se os três
a sete dias, mas uma inversão aqui me parece preferível: em caso de abuso ou má-
-fé, o consumidor perderia o direito de se arrepender e ficaria mantido o contrato.
Mister a nova lei especificar que os contratos de crédito conexos a contratos
de consumo sofrem de seu mesmo destino, se o contrato principal de compra, por
exemplo, de uma geladeira foi invalidado ou houve arrependimento, o de crédito –
mesmo se crédito consignado em folha de pagamento – deve ter o mesmo destino.
Por fim, mencione-se que a nova lei só vai ajudar a prevenir o “superendividamento”
se tiver “dentes”; logo, deve incluir uma sanção. Parece-me que o fornecedor que des-
cumprir as regras sobre a publicidade, o dever de conselho e informação, a oferta
prévia e a concessão responsável de crédito poderá, a critério do julgador e conforme
a gravidade do descumprimento, perder todo ou parte do direito aos juros remunera-
tórios, ficando o consumidor obrigado ao reembolso do capital, na forma deliberada
pelo magistrado. A perda do valor principal não me parece necessária, nem a descons-
tituição do contrato, se bem que este direito poderia ser dado sempre ao consumidor,
em especial em caso de descumprimento do direito de arrependimento.
Outra sanção necessária – a evitar as atuais protelatórias e demoradas ações
sobre documentos e notificações – seria a inversão ex vi lege do ônus da prova em
matéria de contratos de crédito. Assim, competiria ao fornecedor de crédito fazer
prova do cumprimento das obrigações de informação, conselho e crédito respon-
sável previstas nesta lei e a negativa deste de apresentar o contrato de crédito
presumiria o descumprimento dos deveres previstos na lei, abrindo azo para a san-
ção e desmotivando o descumprimento destes novos direitos dos consumidores.
Aqui somente o julgador poderia intervir com a sanção, mas o Sistema Nacional
de Defesa do Consumidor, em especial o Ministério Público e as Defensorias Públi-
cas poderiam entrar com ações civis públicas e ações coletivas se identificassem
instituições financeiras que descumpram estas novas normas sistematicamente no
mercado brasileiro. Mister, pois, a lei autorizar as condenações a irem para os fun-
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boa-fé na sociedade brasileira. Mister pois termos uma lei que ajude a “tratar”, como
se o “superendividamento” fosse uma doença da sociedade de consumo.
O modelo norte-americano do fresh start (falência total, com perdão das dívidas,
após a venda de tudo, de forma a permitir o começar de novo deste consumidor “falido” e
sua nova inclusão no consumo) merece ser estudado (KILBORN, 2004, p. 260), mas é por
demais avançado para ser implantado no Brasil, que possui uma sociedade conhecedora
de leis do bem de família e de limites à liquidação dos bens dos consumidores.
Melhor parece ser o modelo francês (KHAYAT, 1997, p. 12 e ss), que tem três
momentos: o primeiro é extrajudicial, com uma comissão que, computando todas
as dívidas do particular de boa-fé, elabora um plano, depois de ouvir e identificar
todos os credores, para o pagamento da dívida. Este plano é supervisado pelo juiz
que homologa o acordo. Em minha opinião, esta fase pode ser facilmente implantada
no Brasil, seja como projeto especial dos magistrados de primeiro grau, em Escolas
da Magistratura ou nos Juizados Especiais Cíveis. Criado este mecanismo, certamente
este seria preferido às ações revisionais, que hoje abarrotam as varas judiciais no Bra-
sil inteiro. Nesta comissão poderia estar o juiz ou um juiz leigo, árbitro ou mediador,
um representante da Defensoria, pelos consumidores, e um representante dos bancos
ou financeiras, que poderia ajudar nos cálculos e na elaboração financeira do plano de
recuperação e pagamento, tudo sob a supervisão do Estado, através do juiz, que homo-
logaria o acordo extrajudicial com a coletividade dos credores. É um processo global
de cooperação entre o devedor consumidor de boa-fé e os credores especialmente
sobre as dívidas não profissionais contratadas frente a bancos, financeiras e cartões de
crédito, visando diretamente o consumo, idéia que foi implantada no projeto-piloto, e
cujas experiências de sucesso de vários anos nos serviram de exemplo.
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jeto não é uma lei sobre crédito ao consumo, uma vez que pressupõe que o CDC
aplica-se sim a todas as operações bancárias, principais e acessórias ao consumo.
Também merece destaque o fato de o anteprojeto não tratar dos juros, do spread
bancário, da usura ou da onerosidade excessiva e sequer de cláusulas abusivas, pre-
servando e mantendo o sistema do CDC intacto. O texto aposta na informação, en-
trega da cópia do contrato e prevenção do “superendividamento”. Prevê, após, uma
primeira fase conciliatória quando, de boa-fé (com base na exceção da ruína), o
consumidor renegociará com todos os seus credores os débitos, sem exame maior
dos detalhes e eventuais abusividades de cada contrato. Esta fase conciliatória visa
justamente “cooperar” de boa-fé para que o consumidor pessoa física possa pagar,
com mais tempo (e quem sabe alguns descontos) o total de suas dívidas.
Apesar do sucesso das atuais mediações na Fundação de Proteção e Defesa do
Consumidor do Estado de São Paulo (PROCON-SP) e da Defensoria Pública do Estado
do Rio de Janeiro, o anteprojeto opta pelo modelo do “projeto-piloto” do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, que mereceu o prêmio INNOVARE em 20085. Assim, o
acordo com os credores que cooperarem participando da audiência será um título
judicial. Esta sentença/título apresenta várias vantagens: para o fornecedor, poupa
o processo de conhecimento e permite recuperar dívidas muitas vezes considera-
das já perdidas pelos fornecedores (geralmente o acordo prevê o pagamento em
primeiro lugar das dívidas pequenas, deixando as maiores e o próprio consignado
para depois); e, para o consumidor de boa-fé, permite – já no primeiro pagamento a
qualquer dos credores – a retirada do seu nome do Serviço de Proteção ao Crédito –
SPC (e outros bancos de dados negativos) e mantém plena sua dignidade (e de sua
família), ao reservar o mínimo existencial.
Os países principais para uma análise de Direito Comparado são a França, a Ale-
manha, os Países Baixos, os Estados Unidos e o Reino Unido, que conhecem a falência
civil (ou bankruptcy) ou procedimentos assemelhados, que conduzem (à exceção da
Alemanha) ao desaparecimento de toda ou parte da dívida do particular após a liqui-
dação de seus bens, com participação judicial ou acordo supervisionado pelo juiz para
o re-escalonamento da dívida, redução do montante, diminuição dos juros, etc6.
A lição mais importante do Direito Comparado é que frente à crise de solvência
da pessoa física-leigo, o consumidor, dois são os caminhos possíveis: “temporizar”,
re-escalonando, planejando, parcelando as dívidas a pagar, ou reduzir estas, perdo-
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Bem, para concluir esta já muito longa exposição, mencione-se que, após vinte
anos de promulgação do Código de Defesa do Consumidor, consideramos – a autora,
as co-autoras do “projeto-piloto”, o Brasilcon e o movimento consumerista – esta a
lei mais necessária para complementar as conquistas do CDC e assegurar a plena
liberdade, igualdade e dignidade do consumidor brasileiro no século XXI.
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4 Referências
BAUMANN, Zygmunt. Trabajo, consumismo y nuevos pobres. Barcelona: Gedisa,
2003.
KILBORN, Jason J. The Innovative German Approach to Consumer Debt Relief: Revo-
lutionary Changes in German Law, and Surprising Lessons for the United States. 24
Nw. J. Int’l L & Bus. 2004.
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MARQUES, Claudia Lima; LIMA, Clarissa Costa de; BERTONCELLO, Karen Rick Danile-
vicz. Anteprojeto de Lei dispondo sobre a prevenção e o tratamento das situações de
superendividamento de consumidores pessoas físicas de boa-fé. Revista de Direito
do Consumidor, São Paulo, v. 73, ano 19, jan/mar 2010.
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