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Ambos faziam cobertura das obras literárias ela a estreita ligação entre jornalismo e lit-
e artísticas, além de relatarem as novidades eratura).
sociais. “A resenha de livros foi uma in-
O gosto nacional pelas crônicas,
venção do fim do século XVII” (BURKE,
até certo ponto, sempre foi uma
p.78, 2004).
forma de atrair a literatura para
Mas, certamente o representante mais
o jornalismo, praticada por jor-
conhecido e marcante do Jornalismo Cul-
nalistas, escritores e sobretudo
tural viria depois, em 1711, também na
por híbridos de jornalista e es-
Inglaterra, com a criação do periódico “The
critor. De Machado de Assis
Spectator”. Criado por dois ensaístas,
a Carlos Heitor Cony, passando
Richard Steele (1672-1729) e Joseph Addi-
por João do Rio, Carlos Drum-
son (1672-1719), o periódico, segundo seus
mond de Andrade, Rubem Braga,
idealizadores, tinha o objetivo de: “trazer a
Paulo Mendes Campos, Otto Lara
filosofia para fora das instituições acadêmi-
Resende, Ivan Lessa entre outros
cas para ser tratada em clubes e assembléias,
(PIZA, p.33, 2004).
em mesas de chá e café”. Assim, “o jor-
nal cobria desde questões morais e estéticas E será a partir dos anos 50 que os jor-
até a última moda das luvas” (BURKE, p.78, nais impressos brasileiros criariam o caderno
2004). de cultura como seção obrigatória em suas
No Brasil, o jornalismo cultural só se con- edições diárias e, especialmente, no fim de
solidaria dois séculos depois, mas nasce bem semana. Quem inaugura tal seção de forma
representado por Machado de Assis (1839- pioneira é o Jornal do Brasil em 1956, com o
1908) e José Veríssimo (1857-1916). A “Caderno B”. Editado por Reynaldo Jardim
partir desse momento o jornalismo cultural e diagramado por Amílcar de Castro, o
ganha contornos mais definidos sendo ainda caderno “se tornou o precursor do moderno
conduzido por grandes nomes da literatura, jornalismo cultural brasileiro” (PIZA, p.37,
política e filosofia, como Oswald de An- 2004). Reunindo os mais significativos rep-
drade e Mário de Andrade. Ganha expressão resentantes da cultura nacional em suas pági-
máxima em 1928, com a criação da Revista nas como Ferreira Gullar, Clarice Lispec-
“O Cruzeiro”, que teve como colaboradores, tor, Bárbara Heliodora e Décio Pignatari en-
entre outros, José Lins do Rego, Vinícius tre outros, o caderno torna-se uma referên-
de Morais, Manuel Bandeira, Raquel de cia para a crítica cultural de sua época e até
Queiroz e Mario de Andrade, e era ilustrada hoje é lembrado como ponto alto da prática
por Di Cavalcanti e Anita Malfati. do bom Jornalismo Cultural.
Aqui há um rico casamento entre o poder O caderno do JB funda uma tendência
mediador do jornalismo (como forma de nar- dentro do cenário das publicações abrindo
rar para todos os públicos as obras culturais) frentes para outras experiências como a do
e a complexidade (como densidade literária “Suplemento Literário” de O Estado de São
e estética) de vários nomes importantes da Paulo, dirigido por Décio de Almeida Prado.
história brasileira. O que se materializa, es- E, para o aparecimento de nomes impor-
pecialmente, nas crônicas (forma que rev- tantes para a crítica cultural como Paulo
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Jornalismo Cultural 3
Francis, que inicia sua carreira como crítico as formas artísticas tradicionais eram (e são)
de teatro no Diário Carioca em 1957 e passa, merecedores de um status e um tratamento
posteriormente, pela Última Hora e Pasquim crítico diferenciado. A designação de “arte”
pela Rede Globo e GNT. seria conferida a poucos e eram esses os
denominados artistas que mereceriam trata-
mento mais crítico, interpretativo e analítico
do jornalismo. Ao contrário disso, os pro-
2 Os Desafios Contemporâneos
dutos da Indústria Cultural (novelas; “reality
da Formação em Jornalismo shows”, programas de auditório e músicas
Cultural populares) são sempre alvo de críticas sev-
eras, ganhando apenas destaque nas colunas
de fofoca e da agenda de eventos.
Feito esse percurso, estamos hoje diante de
No entanto, é a própria proliferação das
novos desafios para a formação em Jornal-
formas comunicativas e seu alcance mas-
ismo Cultural. Isso, porque o sentido de
sivo (fato já vislumbrado por Walter Ben-
Cultura foi profundamente alterado nas so-
jamin no artigo “A obra de Arte na Era
ciedades contemporâneas. Essa mudança
de sua Reprodutibilidade Técnica”) que irá
paradigmática implica em reconfigurar o que
produzir uma mudança profunda em uma
entendemos por jornalismo cultural, cuja
série de significações culturais. Ou seja, a
identidade tem de encontrar novos elemen-
chegada dos meios de comunicação de forma
tos para definir a sua prática social. Torna-
generalizada potencializou a dissolução dos
se, dessa forma, fundamental que a formação
monopólios de interpretação da vida social
em jornalismo seja atualizada, sendo capaz
ou, nos termos de Lyotard, acelerou a crise
de abarcar essas mudanças. Entre esses de-
das grandes narrativas representadas princi-
safios para a formação dos futuros jornalistas
palmente pela Ciência e História. Os meios
culturais, temos: a abordagem de temáticas
de comunicação potencializaram o conhec-
clássicas (política, economia e etc), por meio
imento do que era distante, iluminando e
de um olhar cultural/reflexivo; a inclusão
revelando diferenças que já existiam, mas
de novas temáticas, que ganham status cul-
que eram dominadas por paradigmas total-
tural: objetos/design; moda/comportamento
izantes.
e culinária, além do desafio de tratar sem pre-
E, as diferenças, ao contrário de serem el-
conceito e com profundidade os objetos da
ementos dissonantes, são o que fundamenta
Indústria Cultural.
o movimento comunicacional. Ao invés de
Assim, antes se entendia (e, por vezes,
pretender o consenso (nos termos de Haber-
ainda se entende) que há uma Cultura “alta”
mas), a comunicação é um movimento de
e uma Cultura “baixa”, esta de menor quali-
troca sem uma finalidade última ou, que
dade, compreendendo todas as criações pop-
possua a previsibilidade de um fechamento
ulares, massivas e mercantis como obje-
e concordância. Fica a provocação: “é a
tos que não mereceriam reconhecimento e
ausência de unanimidade uma condição in-
análise de sua importância nas práticas soci-
dispensável de conhecimento verdadeiro?”
ais. Ao contrário disso, os artistas eruditos e
(MILL, p.68, 2006).
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nos meios de comunicação? Pois, pensando Definir essas duas regularidades é mais do
assim os outros cadernos, como Política, que um esforço epistemológico, mas trata-
Economia etc, já cumpririam a cobertura dos se da construção de uma identidade para
elementos culturais. o Jornalismo Cultual que é, assim, capaci-
Dessa forma os dois caminhos adotados tado a reconhecer suas potencialidades e lim-
até então para definir o jornalismo cultural itações. Passo, esse, fundamental para que
ora recorriam a idéia de cultura como “cul- os alunos de jornalismo encontrem a força
tura erudita” (desqualificando, em contra- do que é e do que pode vir a ser o Jornal-
partida , os produtos da Indústria Cultural), ismo Cultural como forma de fazer encontrar
ora perdiam-se em uma definição muito am- a democratização do conhecimento e a re-
pla e pouco elucidativa do que seja cultura, flexividade. Para tanto, analisemos com mais
tornado-se, ambos, insuficientes. É nesse atenção esses dois pontos aqui destacados:
momento que o jornalismo cultural se vê di-
ante da necessidade de trilhar um terceiro
caminho. Eis a crise de identidade do jornal- 3.1 Democratizar o
ismo cultural e simultaneamente a crise no
ensino de jornalismo cultural.
conhecimento
Mas, afinal, o jornalismo cultural é singu-
lar? O que o caracteriza? Quais elementos o Nos primórdios do jornalismo cultural, “The
distinguem ou não das outras áreas de con- Spectator” já colocava como missão “trazer
hecimento? Enfim, o que é o jornalismo cul- a filosofia para fora das instituições acadêmi-
tural e como ele pode ser compreendido, at- cas para ser tratada em clubes e assembléias,
ualmente, diante de tantas mudanças? em mesas de chá e café” (BURKE, p.78,
Há, para buscar respostas a essas inda- 2004). Assim, o jornalismo cultural nasce
gações, um recurso teórico muito rico com a função de mediar o conhecimento e
quando estamos diante de algo em transfor- aproximá-lo do maior número de pessoas. A
mação ou em crise, que é, paradoxalmente, intenção era a de não restringir a uma elite
voltar ao passado. E, por mais que o Jor- a esfera das artes, da filosofia e da literatura.
nalismo Cultural tenha sofrido muitas mu- Havia nisso um entendimento da função so-
danças durante sua história há sempre al- cial do jornalismo cultural como lócus ade-
guns aspectos que se mantém vivos e po- quado para dar acesso irrestrito a todo saber,
tentes em sua trajetória. Assim, se recorre- fato esse que se torna uma regularidade no
mos ao passado é para encontrar nele o que jornalismo cultural.
permaneceu, apesar da passagem do tempo e Como podemos observar, mais de duzen-
das mudanças. E, nessa busca, encontramos tos anos depois, no Brasil, o “Caderno
duas regularidades fundamentais. Primeiro, B” (Jornal do Brasil) continua a defender
a necessidade de democratizar o conheci- a mesma missão para o jornalismo cul-
mento e, segundo, o seu caráter reflexivo. tural, convicção essa que podemos compro-
São elas que definem o Jornalismo Cultural var na fala de um de seus articulistas, Fer-
como uma prática singular e importante para reira Gullar. Em depoimento, Gullar rejeita
a sociedade. uma linguagem elitista e aristocrática para o
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não combinam com seu tratamento segmen- nalismo cultural” é um gênero ou espe-
tado; afinal, a cultura está em tudo, é de sua cialidade dentro do jornalismo?
essência misturar assuntos e atravessar lin-
guagens” (PIZA, p.7, 2004). Nesse sentido, • Capacitar o aluno a fazer leituras re-
é da natureza da própria disciplina o diálogo flexivas dos produtos culturais através
com as disciplinas humanísticas e práticas. de uma formação teórica cultural que
Dialoga, assim, com Filosofia, Antropolo- tanto contemple a realidade local como
gia, Mídia e Cultura, Ética e Legislação e, global. O que implica conhecer as com-
simultaneamente, relaciona-se com as disci- plexas interações contemporâneas en-
plinas práticas e específicas como jornalismo tre o local e o global; a identidade e a
on-line, rádio, TV, técnicas de reportagem e massividade; a alteridade e o compartil-
texto em revista. Se as primeiras fundamen- hamento na sociedade contemporânea.
tam e sensibilizam os alunos para compreen- • Desenvolver o sentido estético, sen-
der com mais abrangência a realidade social sível e reflexivo para a observação e
e culturalmente dada, as segundas oferecem descrição das obras culturais. Para
as potencialidades e variedades de suportes e tanto, é importante conhecer as dis-
formas de mediação necessários para o con- cussões da experiência estética na co-
hecimento cultural. municação. O que implica no aprimora-
mento do campo sensível, aliado a ca-
pacidade reflexiva na cobertura jornalís-
5 Dos Princípios Gerais para a tica das obras culturais.
Formação em Jornalismo • Apresentar o processo produtivo e os
Cultural gêneros do Jornalismo Cultural. É
necessário, então, conhecer os atores
Formar jornalistas que sejam capacitados a sociais, as instituições e sua relação
compreender e codificar em diversas nar- com os jornalistas na cobertura cultural.
rativas e suportes as obras culturais com O processo de seleção (gatekeeper) e
a complexidade e riqueza que possuem, enquadramento (framing) dos aconteci-
cientes de sua importância e responsabili- mentos culturais nos cadernos e veícu-
dade como mediadores culturais, é o objetivo los especializados. E, por fim, as es-
de uma boa formação na área. Para tanto é pecificidades da linguagem nos diver-
necessário, minimamente: sos gêneros jornalísticos: a crônica,
a crítica, o colunismo social, a re-
• Problematizar o conceito de jornalismo portagem e a notícia.
cultural. E, para tanto, devemos nos in- • Capacitar o aluno para compreender e
terrogar: o que entendemos como cul- explorar as potencialidades dos meios
tura? O que é o jornalismo cultural? E, na cobertura noticiosa cultural. Os jor-
por fim, cabe indagar se todo o jornal- nais impressos: dimensão espacial e
ismo é uma obra cultural ou se o “jor-
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nesse ponto que técnica e a ética se encon- Trata-se de um conjunto paradoxal de coisas
tram no jornalismo segundo Eugênio Bucci, que transitam entre o absurdo e a beleza; en-
tre a beleza e a fragilidade e a transitoriedade
Jornalismo ético é jornalismo de da vida. Pois o jornalismo “está aí para
qualidade. Jornalismo de quali- informar o homem sobre o que está acon-
dade é jornalismo ético. Uma apu- tecendo com o homem” (ABRAMO, 1988,
ração mal feita conduz a desvios p.192). Cabe, então, ao jornalismo cultural
éticos, do mesmo modo que uma dar a aparecer as obras culturais, abordando-
edição mal feita. E aí nem esta- as em sua complexidade, sem que, com isso,
mos falando de más interpretações, perca a comunicabilidade da mensagem.
mas apenas das exigências técnicas Assim, os futuros jornalistas culturais de-
da profissão que, é bom saber, con- vem ser sensíveis para representar as obras
stituem também exigências éticas culturais. Pois, do contrário, se utilizarem
(BUCCI, p. 93-94, 2000). uma mesma forma de enquadrar, acabarão
por simplificar e amputar a força do que de-
screvem. Uma boa representação do real é
aquela capaz de transportar o sujeito para o
6.4 Sobre a função poética do fato, revivê-lo para ter dele a maior aprox-
Jornalismo Cultural na imação possível. Nesse ponto, a busca
pela objetividade jornalística, não está lig-
sociedade ada, como pensam e criticam alguns, ao re-
lato frio e burocrático do acontecimento. Ao
O jornalismo cultural cumpre simultanea- contrário, quanto mais elementos sensíveis e
mente uma função informativa e poética na materiais conciliarem-se, mais próximo es-
vida dos sujeitos. É sua habilidade tocar a tou do real. Eis, o bom jornalismo, aquele
integralidade das pessoas que, ao buscarem capaz de informar sem perder a força do
essa seção ou essa especialidade do jornal- acontecimento (suas cores, sensações, ruídos
ismo, estão em busca de um conhecimento e clímax).
sensível e reflexivo. Ou seja, buscam uma Conciliar a sensibilidade com a capaci-
experiência estética que ora cumpre uma dade reflexiva e crítica é o norte fundamen-
função puramente sensível, ora uma função tal para os futuros jornalistas dessa especial-
política e reflexiva. Assim, o jornalismo cul- idade. Já que, como mesmo considera o jor-
tural descortina as obras culturais (a liter- nalista Cláudio Abramo, para o jornalismo
atura, a música, o cinema, as artes plásticas “não existe fórmula. A fórmula é determi-
etc) em seu sentido forte; no que possuem nada pelo clima – pelo pathos e pelo ethos –
de estético e ético. Em que a dimensão es- isto é, o clima emocional e o clima moral da
tética deve ser então entendida como “aque- situação” (ABRAMO, 1988, p.191)
las coisas cujos fins devem incorporar qual- Dessa forma, “preenchidas as condições
idades de sentir” (Peirce) comuns – precisão, clareza, concisão, cul-
Há um sentido profundo em tudo o que tura – então a liberdade, em vez de ser
é humano e a cultura abarca esse “tudo”. condicionada pelo gênero, é uma exigência
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12 Isabelle Anchieta de Melo
dele mesmo e da condição do próprio jornal- MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repen-
ista, que é um artista como outro qualquer” sar a reforma, reformar o pensamento.
(LIMA, 1969, p.59). Rio de Janeiro: Bertrand, 2001.
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