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DOSSIÊ CLUBE MBL

Indústria das Fake News:


O caso Choquei como
modelo de negócio

29 de dezembro de 2023

COORDENADOR DE PESQUISA
Orlando Lima

PESQUISADOR DESTA EDIÇÃO


Orlando Lima

PESQUISADORES DO CLUBE
Airton Nunes
André Levi Pereira
Gabriel Matos
Juliana Wandenkolk
Nils Alexandre
Pablo Aragon

REVISORES
Carlos Sena
Igor Thawan
Thiago de Sá Gomide

ARTE-FINALISTA E DIAGRAMADOR
Vitor Ferreira Mateus

fake news - o caso choquei


29 de dezembro de 2023
01 conteúdo exclusivo para membros
do clube mbl. não compartilhe.
introdução

O
presente texto, a princípio, teria
como escopo uma análise da dife-
rença entre o jornalismo que de-
pende do leitor e o jornalismo corporativo.
O caso de fake news mortal cometido pela
página Choquei acabou por abrir um novo
flanco em minha observação. Se antes en-
tendia que o jornalismo corporativo ainda
era a forma dominante de exercício da im-
prensa, agora trabalho com a perspectiva
de que um novo modelo de negócio emer-
giu. Nele, os riscos são ainda menores e as
camadas cada vez maiores. Uma sequência
de páginas em redes sociais, influenciado-
res e contas fantasmas acabam por prote-
ger os propagadores de notícias – e seus fi-
nanciadores – de qualquer sanção legal.

A palavra certa para entender a diferença


entre os modelos de negócios é exatamente
“risco”. Quanto menor o risco assumido por
aquele que toma decisões editoriais, maior
o risco para o público que o consome. É uma

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relação de equilíbrio e simetria. Se não es-
tou em risco pelas bobagens que publico,
posso socializar os danos com aqueles que
passivamente se prostram diante da má-
quina de propaganda que comando.

E essa relação é o que condiciona o modelo


de negócio atual. O caso em questão é apenas
sintomático de uma nova forma de se pro-
duzir notícias e de se vender engajamento.
Em tese, você não precisa mais de clientes
– sua necessidade é de público. Como uma
grande praça em que artistas de rua dispu-
tam atenção, neste modelo atual sequer é
preciso esperar por esmolas. A sustentação
monetária desse jornalismo não factual se
baseia numa intricada rede de agentes, em
que a publicidade paga a conta.

A vida da jovem Jéssica Vitória Canedo foi


um dano colateral dentro da indústria de fake
news e “holofotação” (conceito cunhado pela
youtuber Senhorita Bira). É, por isso mesmo,
necessário que nos debrucemos com respon-
sabilidade sobre este caso, que entendamos
a engenharia de propagação de notícias e fi-
nanciamento da mentira. É, acima de tudo,
uma necessidade de superação dessa espé-

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03 conteúdo exclusivo para membros
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cie de jornalismo que em sua fase de ascen-
são já parece dar margens de lucros de um
modelo consolidado e danos de um modelo
decadente, ou seja, é um método fracassado
ainda que pareça ter sucesso.

@choquei | X/Twitter

Imagens da Capa:
Raphael Sousa – @raphaelsoux | Instagram
Jéssica Vitória – @jessicavitoria.canedo | Instagram
Whindersson Nunes – @ whinderssonnunes | Instagram

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fake news
sua conexão com a publicidade

A
nthony Daniels escreveu um arti-
go interessante para a revista The
New Criterion, onde ele afirma que
vivemos em um estado de propaganda to-
tal, que é composto por uma classe formado-
ra de opinião que quer nos fazer acreditar, ou
nos entusiasmar, em algo ao qual antes éramos
indiferentes ou mesmo hostis. Esta é de fato
uma boa definição de nosso estado de coi-
sas atual. Há um intenso trabalho para que
uma reforma do pensamento – o tal “senso
comum” – seja feito.

Na semana passada, diversos veículos de


fofoca, incluindo a Choquei, que ostenta
uma base de seguidores superior a 30 mi-
lhões, divulgaram capturas de tela de uma
suposta troca de mensagens entre uma jo-
vem de 22 anos e o comediante Whinders-
son Nunes. Apesar de Whindersson ter ne-
gado a veracidade das informações, o boato
ganhou ampla circulação, causando sérios
danos à integridade moral de Jéssica. Em

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uma série de cinco relatos compartilhados
pelo seu Instagram pessoal, ela expressou
suas angústias relacionadas aos desafios
enfrentados em sua saúde mental ao longo
do último ano, destacando que 2023 foi um
dos piores anos de sua vida.

O modo como isso ocorreu demonstra uma


espécie de engenharia de propaganda con-
tínua que, até então, acontecia de modo tão
orgânico que passava despercebido. Como
toda publicidade paga, ela não deve parecer
ser paga. A forma como essas páginas fun-
cionam, em conjunto, se baseia num méto-
do que pode ser comparável a uma cebola:
uma série de camadas sobrepostas que for-
mam o todo organicamente.

A estratégia diferenciada desse hall de pági-


nas para impulsionar a visibilidade do conte-
údo gerado por seus influenciadores é como
um jogo de xadrez, onde cada peça move-se
estrategicamente para consolidar a supre-
macia. Ao criar uma estrutura em forma
de pirâmide para a distribuição do material
produzido, a agência atinge um novo pata-
mar de eficiência. O êxito do elenco de in-
fluenciadores não apenas permite à agência

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replicar campanhas em diversas localida-
des, mas também alimenta incessantemen-
te sua importância, resultando na potencia-
lização de marcas, tópicos e influenciadores.

Quando essas gamas de agentes digitais


sincronizam suas ações, criam a ilusão de
que a totalidade da internet está imersa na
discussão de um mesmo tema. Os seguido-
res entram em cena, contribuindo com seu
engajamento, enquanto o restante da equa-
ção fica a cargo do algoritmo. Este, saturado
por postagens que convergem para o mes-
mo assunto, propaga ainda mais conteúdo
para além das fronteiras da bolha inicial.
Em resumo, é um fenômeno viral, porém,
meticulosamente orquestrado.

@whinderssonnunes | Instagram

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Como conclui de maneira assertiva o jor-
nalista Rodrigo da Silva, do Sputniks, que
visualizou bem esse padrão: O pulo do gato
da Mynd (agência de publicidade que admi-
nistra essas páginas) é a distribuição do con-
teúdo produzido por seus influenciadores em
forma de pirâmide.

Esse formato de agenciamento e organicida-


de contribuem para um estado permanen-
te de propaganda. Um case de sucesso dessa
orquestra, também levantado pelo mesmo
jornalista, é a Farofa da GKay. Em sua pri-
meira edição, em 2021, ou seja, pós-pande-
mia, a Farofa da Gkay reuniu um destacado
grupo de influenciadores, cujo alcance con-
junto ultrapassava a marca impressionante
de 334 milhões de seguidores. A Mynd de-
sempenhou um papel significativo, contan-
do com a participação notável da própria
Gkay. Esse verdadeiro exército de perfis não
apenas deixou sua marca na festa, mas tam-
bém impactou mais de 66 milhões de pes-
soas por meio de posts dedicados ao evento.

A transformação para a edição de 2022 da


Farofa, sediada em um resort cinco estrelas
em Fortaleza e transmitida pelo canal Mul-

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tishow, que faz parte do grupo GloboSat,
representou um salto qualitativo. O custo
monumental do evento, ultrapassando os
R$ 8 milhões, foi suportado por pesos pesa-
dos do mundo publicitário, incluindo Avon,
Listerine, XP, Latam e Vivara. Ou seja, o
destacamento de influencers gerou uma ho-
lofotação, isso é, um destaque artificial ao
evento, que se transfigurou em verba pu-
blicitária de grandes empresas nacionais.

Ao contar com a influente máquina da prin-


cipal agência de marketing de influência do
país, o estrondo era inevitável. A sinergia
entre a cobertura de Multishow, Gshow e
Globoplay gerou um total de 1.700 posts de-
dicados à Farofa, acumulando mais de 400
milhões de visualizações para as marcas as-
sociadas. Por outro lado, os perfis de fofoca
da Banca Digital não ficaram para trás, acu-
mulando mais de 300 milhões de impres-
sões na cobertura da Farofa, reforçando e
revitalizando a relevância do evento.

Esse mesmo padrão se repetiu no caso que


levou ao suicídio de Jéssica. A primeira pá-
gina a noticiar a fake news envolvendo Jés-
sica e o humorista Whindersson Nunes foi

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uma chamada Garotx do Blog, que é agen-
ciada pela mesma Mynd. Logo após, diver-
sas páginas fizeram seu compartilhamento
em massa, seguindo o padrão já revelado.
Acontece que há, neste caso em específico,
algo a nos atentar. O post inicial da página
Choquei no Instagram, apesar de ter seu
logo estampado na arte, é print de um tuí-
te supostamente feito por outra página, a
Mega Fofocas. Contudo, essa página inexis-
te. Na verdade, existe como uma miríade
de pequenas páginas vazias. O que de fato
pode ser é um perfil laranja, feito exclusiva-
mente para ser o emissor zero da mentira,
retirando qualquer responsabilidade das
páginas que divulgarem posteriormente.

@music2mynd | Instagram

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a ampla atuação
das agências de publicidade

A
indústria, representada por di-
versas empresas, não se limita
à atuação exclusiva da Mynd, e
seu campo de atividade está longe de ser
considerado ilícito. Muito pelo contrário, a
agência alcança notável êxito ao satisfazer
a demanda das marcas por relevância nas
redes sociais, o que lhe permite auferir re-
ceitas na casa dos centenas de milhões de
reais anualmente. No entanto, é pertinente
adentrar a discussão de maneira mais pro-
funda e detalhada.

Ao final do dia, essa indústria dispõe de


uma extraordinária máquina de influência
no cenário público, capaz de disseminar
agendas, personagens, ideias e conceitos de
maneira por vezes artificial, transcenden-
do os limites do universo político. Mais do
que um mero instrumento de alcance, trata-
-se de um verdadeiro canhão de influência,
dotado do poder não só de impulsionar crí-
ticas e elogios, mas também de salvaguar-

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dar a reputação de marcas e agenciados, en-
quanto, inadvertidamente, pode destruir a
integridade de indivíduos inocentes.

Mesmo que agências como a Mynd optem


por renunciar a esse poder aparentemente
desmedido, a realidade é que tal influência
permanece concentrada nas mãos de um
seleto grupo de publicitários, cujos nomes
jamais ecoaram aos seus ouvidos. Em últi-
ma análise, independentemente de seguir
ou não tais perfis, compreender de manei-
ra clara e transparente a extensão dessas
agendas pode contribuir para cultivar uma
relação mais equilibrada e saudável com as
redes sociais.

Grande parte do conteúdo que se torna vi-


ral na internet provém de figuras fictícias
promovendo controvérsias fabricadas, en-
quanto, simuladamente, sustentam ima-
gens de probidade para promover produtos
ou serviços de marcas renomadas no mer-
cado. No entanto, no âmago dessas repre-
sentações fictícias e altamente lucrativas,
existem vidas sendo efetivamente prejudi-
cadas. Esta é a realidade fundamental que
merece a sua atenção.

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Fátima Pissara (Marcos Duarte | Divulgação)

Fátima Pissarra desempenha o papel de


CEO na Mynd, a principal agência de marke-
ting de influência no país, em uma emprei-
tada construída em parceria com a cantora
Preta Gil e o publicitário Carlos Scappini. A
Mynd, uma peça-chave no cenário da inter-
net brasileira, representa um ponto crucial
para compreender a dinâmica on-line do
país. Com mais de 400 influenciadores sob
sua gestão, o catálogo da Mynd ostenta no-
mes como Luísa Sonza, Pabllo Vittar, Cleo,
Bela Gil, Pequena Lo, Deolane Bezerra, Esse
Menino, Bruna Louise, Lexa, Yuri Marçal,
e Gil do Vigor, totalizando um elenco com
mais de 1 bilhão de seguidores – uma ver-
dadeira mina de oportunidades.

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A clientela da Mynd é composta por gigan-
tes do mercado, incluindo os principais
anunciantes do país, como Magazine Luiza,
Americanas, Ambev, TV Globo, Amazon e
C&A. O faturamento da Mynd em 2022 ul-
trapassou a marca de R$ 500 milhões, e as
projeções indicam uma expectativa de al-
cançar a expressiva cifra de R$ 1,5 bilhão
em 2025. Essa empresa não apenas figura
como uma protagonista, mas se consolida
como a entidade mais significativa na his-
tória do marketing digital brasileiro.

A Mynd não se limita à receita provenien-


te da publicidade; seu portfólio se estende
e abarca também o lucrativo universo do
House of Brands, um braço do grupo dedica-
do à promoção de produtos, incluindo per-
fumes, cremes hidratantes e maquiagens.
A diversificação de fontes de renda destaca
a versatilidade da empresa, que vai muito
além do tradicional campo publicitário.

Paralelamente às colaborações com cele-


bridades, a Mynd realiza uma incursão no
cenário das fofocas por meio de páginas
como Fuxiquei, Fofoquei, Gina Indelicada,
Diferentona, Otariano e Alfinetei. Essas pá-

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ginas integram a Banca Digital, um proje-
to ambicioso da Mynd que reúne mais de
30 perfis de fofoca, agregando centenas de
milhões de seguidores. Dentre os represen-
tados pela Mynd, destaca-se a notável pre-
sença da página Garoto do Blog.

Recentemente, esta última página gerou


controvérsia ao publicar um print falso de
um suposto diálogo entre Whindersson Nu-
nes e a jovem Jessica. O trágico desfecho
desse episódio foi a notícia do suicídio da ga-
rota, que sofria de depressão. A interseção
entre o digital e o impacto real da dissemi-
nação de informações, mesmo que falsas,
destaca a complexidade e as consequências
profundas que podem advir das atividades
da Mynd e de toda essa indústria de notí-
cias falsas e engajamento artificial.

@jessicavitoria.canedo | Instagram

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No ano de 2021, a Globo firmou uma par-
ceria com o perfil Gina Indelicada, perten-
cente à Banca Digital, com o intuito de pro-
mover positivamente a novela Um Lugar ao
Sol. A repercussão dessa colaboração ga-
nhou ainda mais destaque quando o cria-
dor do perfil foi agraciado com uma maté-
ria elogiosa no programa Fantástico. Este
episódio exemplifica a dinâmica de como
a Mynd utiliza suas páginas de fofoca para
impulsionar os perfis que agencia.

Um caso que deve ser visto como exemplifi-


cador é a gestão de imagem da cantora Luí-
sa Sonza. Após ser acusada – e admitir – de
racismo, as notícias em relação ao ocorrido
foram soterradas por uma série de polêmi-
cas vazias e produções televisas positivas.
O escândalo em torno de seu término de
namoro, com direito a leitura de uma car-
ta em rede nacional enquanto chorava, ala-
vancou sua imagem de forma significativa.
A Mynd ajuda a explicar como uma acusa-
ção de racismo pode não ser forte o sufi-
ciente para destruir uma carreira.

Contudo, surge uma questão significati-


va: a Mynd enfrenta acusações de receber

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pagamentos para difamar personalidades
públicas, o que sugere uma prática de pro-
moção ativa de cancelamento. A empresa
refuta qualquer alegação de coordenação
entre suas diversas páginas de fofoca, mas
as dúvidas persistem. Em 2021, uma aná-
lise realizada pela Aos Fatos examinou os
posts de 24 perfis agenciados pela Mynd ao
longo de uma semana, revelando que qua-
se a metade desse conteúdo estava presen-
te em mais de um perfil. Ou seja, há uma
replicação programada de conteúdo dentro
do universo de agenciados.

Além disso, vale destacar que entre os te-


mas abordados pelo elenco da Mynd, ques-
tões políticas ganham espaço, evidenciando
um alcance que transcende o mero entre-
tenimento. Este impacto não é trivial, espe-
cialmente quando se observa que, durante
a última eleição, a cada três posts sobre os
candidatos presidenciais, um foi produzido
por perfis vinculados ao universo do entre-
tenimento. Este dado ressalta a influência
substancial que esses perfis exercem no
cenário político, sublinhando a complexi-
dade das interseções entre entretenimen-
to, publicidade e percepção popular.

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17 conteúdo exclusivo para membros
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o jornalismo
e um novo modelo de negócio

A
escritora palestino-americana
Batya Ungar-Sargon desenvol-
ve, em seu livro Bad News – How
Woke Media is Undermining Democracy, uma
ideia de contraposição de dois modelos de
jornalismo que têm como seus principais
expoentes contrastantes Joseph Pulitzer e
Henry Raymond.

O modelo de jornalismo inaugurado por Jo-


seph Pulitzer é um jornalismo “democráti-
co”, que direciona seus esforços editoriais a
ser lido e comentado pela população mais
pobre. Como parte de sua crença, Pulitzer
acreditava que a forma de dar dignidade aos
menos abastados era possibilitar que estes
fossem, de alguma forma, seus clientes. Se
este tem o poder de comprar ou não deter-
minado produto, ele é soberano.

A Nova York de 1830 já tinha uma taxa de al-


fabetização na casa dos 90% da população,
um nível assustadoramente superior ao de

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qualquer outro país no mundo àquela altu-
ra. O boom econômico da década de 1840 fez
com que uma grande parcela de Nova York
tivesse patrimônios acima de US$ 10.000,00.
No entanto, Pulitzer não fazia parte dessa
elite pequeno-burguesa.

Ele, um imigrante húngaro, passara fome e


frio morando pelas ruas de Manhattan. Seu
faro de jornalista e empreendedor observou
que as massas estavam impossibilitadas de
acessar as informações dos jornais, mesmo
sabendo ler. Uma assinatura anual de um
jornal custava US$ 10, o equivalente ao sa-
lário de um mês de um agricultor comum
em New England. Uma empregada domés-
tica gastaria dois meses de seu salário para
arcar com esse custo.

A grande sacada proposta por Pulitzer foi


tornar o mercado editorial barato para as
massas. Ao custo de 1 cent, em 1883, seu
jornal The World tornou-se o com maior cir-
culação no mundo, vendendo cerca de ses-
senta mil cópias por dia na semana e cerca
de cem mil cópias aos domingos. Poucos
anos depois, em 1890, produzia cerca de
um milhão de cópias por dia e já contava

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19 conteúdo exclusivo para membros
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com mais de mil funcionários. Seu modelo
era claro: permitir ao mais pobre acessar
as informações.

O modelo que contrastava com o seu foi de-


senvolvido por Henry Raymond, que não
hesitou em ser elitista em suas pretensões.
Sem querer competir com o modelo popu-
lista de Pulitzer, Raymond decidiu que não
precisava vender um milhão de cópias se
convencesse os anunciantes de que quem o
lê é quem verdadeiramente importa, ou seja,
aquele que detém muito dinheiro. Foi assim
que Raymond fundou o The New York Times.

Joseph Pulitzer (posterazzi.com)

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20 conteúdo exclusivo para membros
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O modelo pode ser chamado de corporati-
vista, pois destina-se a fechar-se. A ideia de
sustentabilidade financeira de Henry Ray-
mond estava de certa maneira correta, pois,
prescindia dos riscos. Quem é rico tende a
ter mais capital disposto a investir, mas não
tanto quanto ele tenha para se proteger. Em
outras palavras, vale ao anunciante publici-
zar no New York Times, pois o seu leitor tem
dinheiro para gastar, e vale para Raymond,
pois seu leitor não está na iminência de um
desemprego ou falência.

A diferença essencial entre ambos é essa: o


nível de riscos assumidos. Joseph Pulitzer
foi em busca de um mercado inexplorado e
que assim o era por ser um mercado volúvel.
Como confiar que o agricultor deixará de
comprar grãos, roupas ou pão para investir
em leitura todos os dias? Ainda que o preço
seja mais popular, o risco mantém-se.

Raymond fez uma aposta em sentido con-


trário, era arriscar menos e faturar mais.
Ou, mesmo que não fosse um faturamen-
to maior, ou uma margem de lucro menor,
era uma margem de lucro certa, com me-
nos volatilidade. Como o modelo populis-

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21 conteúdo exclusivo para membros
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ta de Pulitzer era criticado pelas elites, ter
uma imprensa corporativa para chamar de
sua fez com que o capital fluísse quase que
naturalmente para as mãos de Raymond.

Na ideia inicial desse ensaio, esse modelo


seria o triunfante final, explicando, inclusi-
ve, por que jornais com menos leitores man-
têm redações cheias, ou como canais de te-
levisão com menor audiência ainda cobram
absurdos em seus espaços de publicidade. A
resposta, após entender o modelo de negó-
cio de Henry Raymond, parece clara: são as
caixas de ressonância ideológica para aque-
les que pagam. Mas entender o formato da
Mynd na era digital acabou por ajudar com
um insight: estamos diante de um novo mo-
delo de negócio no jornalismo. E seu prin-
cipal trunfo é não parecer ser jornalismo.

Henry Raymond (Library of Congress)

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22 conteúdo exclusivo para membros
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O esquema piramidal das páginas de fofoca
e entretenimento produzem notícias e são,
muitas vezes, as fontes de informação dis-
poníveis para uma grande parcela de seu
público. Na mescla entre uma fofoca benig-
na de um famoso agenciado e uma notícia
política enviesada, as agências e seus agen-
ciados promovem o fluxo informacional que
antes era exclusivo do jornalismo corpora-
tivo. E não foram os blogs políticos a suplan-
tarem as velhas marcas da imprensa; é a
engenharia publicitária que está o fazendo.

O fator risco é ainda mais dirimido, como


demonstra o caso Jéssica. São tantas cama-
das sobrepostas que dificilmente se con-
segue responsabilizar uma determinada
marca ou pessoa. Ainda que uma página
como a Choquei sofra um boicote imenso e
encerre suas atividades, ou, em última ins-
tância, responda criminalmente (algo que
parece impossível dada a complexidade da
operação), a estrutura mantém-se intacta.

A monetização desse modelo se dá pelo en-


gajamento artificial que puramente gera
impressões. O algoritmo é indiferente en-
tre a avaliação positiva e negativa. Quanto

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menor o risco assumido por aquele que de-
tém o meio de propagação da notícia, maior
é o risco para quem é alvo dessa máquina.
A degradação dos modelos de jornalismo,
saindo de um modelo aberto a um mode-
lo mais fechado de monetização apenas de-
monstra como o fenômeno de massas é cada
vez mais um subterfúgio das elites.

@raphaelsoux | Instagram

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24 conteúdo exclusivo para membros
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conclusão

E
m um panorama onde a Mynd en-
tra como protagonista, tecendo
uma teia intricada de influência
que transcende os limites da publicidade,
a conclusão que se desenha apresenta um
emaranhado de questionamentos e ponde-
rações. A dinâmica da empresa, desde sua
incursão no marketing de influência até seu
envolvimento nas esferas de fofoca digital,
delineia um cenário complexo, com múlti-
plas fontes de receita da Mynd.

Além da tradicional publicidade, se emerge


uma narrativa onde a empresa não apenas
dita as tendências do entretenimento digi-
tal, mas também se posiciona como uma
força influente na arena política. A interse-
ção entre o elenco de influenciadores agen-
ciados pela Mynd, as páginas de fofoca da
Banca Digital e os possíveis impactos nas
esferas pública e privada sinaliza para um
terreno instigante, onde o poder de influ-
ência transcende os limites do esperado.

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As alegações de coordenação entre páginas
de fofoca e a potencial utilização desses ca-
nais para promover cancelamentos adicio-
nam uma camada de complexidade ética à
equação. A Mynd, por sua vez, nega qual-
quer forma de coordenação, mas as análises
de conteúdo e as controvérsias que envol-
vem a empresa permanecem como pontos
de interrogação.

Este quadro revela não apenas o impacto


palpável da Mynd no cenário digital brasi-
leiro, mas também levanta questionamen-
tos sobre os limites éticos e morais dessa
influência. Assim, a conclusão sugere que
o alcance da Mynd, longe de ser unidimen-
sional, é digno de uma reflexão mais pro-
funda sobre a interseção entre entreteni-
mento, política e responsabilidade.

O que esse caso ajudou a demonstrar é que


há uma espécie de novo modelo de jornalis-
mo, que supera o modelo corporativo, que
se baseia na holofotação e no engajamen-
to criado artificialmente, e que ajuda por
montar uma série de camadas que criam
uma rede de propaganda e propagação de
certos players.

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É terminantemente proibida a
reprodução, cópia, distribuição,
resumo, extraído ou de outra forma
referenciado, no todo ou em parte,
do conteúdo deste material sem o
expresso e prévio consentimento
dos membros do Clube MBL.

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