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AS FAKE NEWS E A CRISE DE CREDIBILIDADE JORNALÍSTICA

Para discorrermos sobre o assunto, primeiramente, é preciso definir os


fundamentos jornalísticos. Dessa maneira, é possível avaliar de forma adequada as
mudanças no papel do jornalismo no ecossistema midiático contemporâneo. E assim,
traçar uma análise da conturbada relação entre a imprensa e a descentralização da
informação junto a maior participação social que, consequentemente, resulta na
proliferação de notícias falsas.

Sabe-se que o jornalismo é regulamentado no Brasil há mais de 30 anos, pelo


Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, tendo sido atualizado em 2007, durante o
Congresso Extraordinário dos Jornalistas. No documento, é dito que: “o compromisso
fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela
precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação” (ABI, Art.7). Entretanto,
depois de três décadas, a matéria-prima do jornalismo – o compromisso com a
veracidade dos fatos – está sendo posta à prova.

Afinal, pensar o jornalismo, atualmente, dentro dos limites aos quais sempre esteve
reservado torna-se insuficiente. A produção jornalística contemporânea enfrenta o
desafio de sustentar seu protagonismo como detentora da informação diante do
crescimento da internet. A era da pós-verdade e o seu principal produto – as fake news
- afetam diretamente as bases da comunicação. Junto a isso, o advento das redes
sociais promove uma mudança cultural complexa, em que o jornalismo perde o
monopólio da novidade, da produção e disseminação da informação. Desse modo,
surgem novos personagens para disputar o cenário da informação, no qual cada
cidadão se torna produtor de conteúdo.

É nessa democratização da comunicação que reside o problema: a difusão de


informações sem nenhum compromisso com a checagem de dados, fatos ou eventos.
Diante disso, não é uma casualidade os consumidores de informação estarem cada
vez mais confusos e desconfiados em relação à imprensa, o que se observa é uma
resistência intuitiva à epidemia de notícias falsas e a complexidade informativa gerada
pelas redes sociais. Nessas condições, a sede do imediatismo atropela a verificação
de fontes, que se tornou uma prática cada vez mais rara.
Contar um fato, hoje, já não é suficiente, agora é imprescindível
envolver o destinatário das informações para que, com um
simples clique, este deixe um registro de sua “aprovação” em
relação à mesma e seja capaz, como nunca antes, de expressar
uma opinião ou incluir uma nova informação, que voltará ao
mercado – sendo verdade ou mentira – para competir com a
informação elaborada jornalisticamente (PALMA, 2017, pg. 18,
Revista UNO)

Nesse cenário, não faltam exemplos de casos que ganharam notoriedade, tendo a
eleição de Donald Trump como protagonista. O próprio presidente norte-americano foi
responsável por alimentar o mercado de notícias falsas e disseminá-las no seu perfil do
Twitter. Além disso, o republicano travou uma guerra contra a grande imprensa nunca
vista antes, quando chamou de fake news veículos reconhecidos por sua credibilidade,
como a emissora de televisão CNN.

De acordo com matéria publicada pelo The Guardian (2017), durante uma coletiva
de imprensa, Trump recusou-se a responder uma pergunta feita por um repórter da
CNN e o desmoralizou devido a uma reportagem produzida pelo canal, que denunciara
supostas conexões entre o magnata e a Rússia. Este tipo de posicionamento, vindo de
uma figura pública, contribui ainda mais para manchar a imagem da imprensa perante
a sociedade.

Segundo uma análise publicada pelo Buzzfeed (2016), durante os três últimos
meses de campanha, histórias falsas de sites e blogs relacionados às eleições geraram
8 milhões de compartilhamentos, reações e comentários no Facebook. Na medida que
a eleição se aproximava, o engajamento por conteúdo falso na rede social disparou e
ultrapassou as informações das principais agências de notícias.

Dentre eles, as notícias falsas que mais repercutiram foram: “Wikileaks confirma
que Clinton vendeu armas para o Estado Islâmico” e “Papa Francisco choca o mundo e
apoia Donald Trump”. Outro caso de destaque aconteceu na Carolina do Norte, onde
um homem, motivado por uma teoria da conspiração que viralizou nas redes, entrou
atirando em uma pizzaria. De acordo com o boato, o restaurante mantinha um cativeiro
de tráfico sexual de crianças financiado pelo partido democrata. Felizmente, ninguém
se feriu e o ocorrido não teve graves consequências, mas este é um exemplo dos
riscos reais que as notícias falsas representam para a sociedade.
No Brasil, a história se repete, como por exemplo, um boato envolvendo a ex-
primeira dama Marisa Letícia, morta em 2017, que, segundo as fake news, estaria viva
e escondida na Itália. O site UOL (2017) desmentiu outro boato que afirmava que seu
viúvo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), teria solicitado pensão no valor de
R$ 68 mil, referente ao salário da esposa como servidora do Congresso Nacional.

Os sites que disseminam esse tipo de desinformação criam manchetes


sensacionalistas para atrair cliques, com a audiência que recebem, a divulgação acaba
sendo incentivada pela publicidade do Google. Um estudo conduzido pelo BuzzFeed
(2017) chegou à conclusão de que, em abril de 2017, mais de 60 sites que publicam
informações falsas ganharam dinheiro com o serviço do Google AdSense e outras
plataformas de anúncios.

Boa parte dos sites de notícias falsas que surgiram durante as eleições norte-
americanas foram criados na pequena cidade de Veles, na Macedônia, onde
adolescentes publicam histórias sensacionalistas para ganhar dinheiro com
publicidade. A GloboNews (2017) entrevistou um deles, identificado como Christian, de
19 anos, que é apenas um entre centenas de jovens que trabalham com a produção de
fake news e que espalham na rede diversas notícias favoráveis a Donald Trump. "Os
americanos amaram nossas histórias e queremos tirar dinheiro disso. Quem se importa
se são verdadeiras ou falsas?", afirmou o jovem.

As questões de confiabilidade, a mudança dos modelos de negócios e o papel das


plataformas insere-se no contexto do Índice de Confiança na Justiça – ICJBrasil de
2017, mensurado pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. A
pesquisa aponta que a confiança dos brasileiros nas redes sociais é de 37% e que está
acima da credibilidade depositada na imprensa escrita, que atingiu 35%. Segundo o
índice, atrás das Forças Armadas e da Igreja Católica, as redes sociais ocupam o
terceiro lugar no ranking, seguidas da imprensa escrita, em quarto lugar.

O jornalismo vai ter que incorporar transformações nas suas


dinâmicas, não apenas como estratégia para dialogar com seus
públicos ou fidelizá-los, mas de forma mais radical, assumindo
suas precariedades e vulnerabilidades. Em contrapartida, penso
que o jornalismo pode se fortalecer exatamente naquilo que é da
sua natureza: a construção de narrativas fundadas na apuração,
na checagem. Diante de um universo ruidoso de intensas
informações, o jornalismo ainda teria o que ofertar como
instituição que age na produção de sentidos, mas já trazendo
dentro de si os tensionamentos e disputas, ampliando as
possibilidades desses sentidos. Também é necessário um
investimento acentuado em base de dados, tanto na perspectiva
de geração de narrativas mais inventivas, efetivamente
interativas, como no tratamento de informações armazenadas
em diversas bases que podem se converter em notícias
importantes. (HENN, 2017- site IHU Online).

Considera-se, então, que a multiplicidade de opiniões, levada pela liberdade de


expressão presente na realidade digital, são confundidas, frequentemente, com fatos e
verdades absolutas. Mas há uma diferença crucial entre esse tipo de informação e as
notícias, principalmente as que são checadas, analisadas e divulgadas por meios de
comunicação idôneos, que é justamente a credibilidade. A composição da credibilidade
requer um processo árduo e vulnerável. Cada etapa exige esforço e tempo para ser
remunerada com a reputação e confiabilidade de seus leitores.

Cada geração cria seu próprio jornalismo, mas o objetivo é sempre o mesmo:
contar a verdade de forma que as pessoas disponham de informação para sua própria
independência. Tendo a notícia como seu principal produto, a produção jornalística se
sustenta por uma necessidade do ser humano: o instinto de percepção. Os indivíduos
precisam saber o que acontece na cidade, no país e no mundo, o conhecimento
proporciona segurança, planejamento e administração das próprias vidas. Além disso,
o compromisso do jornalismo com a verdade é apurar bem os fatos, buscar a exatidão
e a equidade.

Para desempenhar esse papel com maestria, ele está munido da checagem de
dados. Diante da disseminação de notícias falsas e o comportamento do público em
relação ao que se produz, a tendência é de que os grandes veículos de comunicação,
diante de suas redações cada vez mais enxutas, tenham que usar cada vez mais a
mão de-obra de agências de checagem para auxiliar nesse processo.

O instinto da verdade não é menor hoje, na era da nova mídia e das


fontes proliferantes, do que era antes. Mais interpretação pode acabar
em cacofonia e desviar a atenção do leitor para o lado mais superficial da
verdade, o nível que deve ser parte do processo de seleção depois que
os fatos foram estabelecidos. É um erro passar ao estágio interpretativo
antes de apurar o que realmente aconteceu. Em lugar de correr para
acrescentar contexto e interpretação, a imprensa precisa se concentrar
na síntese e na verificação. Que tire fora o rumor, a insinuação, o
insignificante e engraçadinho e se concentre no que é verdadeiro e
importante em uma história. À medida que os cidadãos encontram um
grande fluxo de dados – e não menos – fontes identificáveis para
verificar aquela informação, apontando o que é mais importante para
saber e descartando o que não é. (KOVACK, ROSENSTIEL, 2003, p. 77)

Em entrevista ao site A Tarde (2018), a presidente da Federação Nacional dos


Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, declara que a melhor e mais eficiente forma de
combater a difusão de notícias falsas é o fortalecimento do jornalismo, baseado no
conhecimento, dedicação e investimento que a profissão requer. Segundo ela, muitas
empresas passaram a praticar o imediatismo próprio das redes sociais, mas este é
incompatível com a prática jornalística. Ainda de acordo com a presidente, é preciso
valorizar o jornalismo como uma atividade humana essencial para a democracia e para
a constituição da cidadania.

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