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À verdade
Armando Medeiros
Vice-presidente da ABCPública/ Brasil
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O desafio determinante Se a então presidente brasileira jamais colocou
o dedo em riste em direção à imprensa, postu-
é a capacidade do jornalismo
ra oposta tem sido adotada pelo atual presidente
de enfraquecer os construtores norte-americano.
interessados em meias-verdades
Nos EUA, para sustentar sua narrativa, o candi-
ou falsidades inteiras
dato e hoje titular da Casa Branca disparou du-
ras críticas sobre o comportamento da imprensa.
Trump, conhecido por disseminar crenças e abor-
norte-americana, fica claro que guerrilheiros da dagens extremistas, utiliza amplamente as redes
“verdade” e guerrilheiros da “mentira” – ambos sociais, um ambiente onde a checagem tem crité-
alternando posições – prosperam em contextos rios frouxos. E é exatamente nas redes sociais que
altamente inflamáveis e radicalizados. A disputa o presidente e seu núcleo duro ecoam, aos qua-
entre aqueles que gritaram “é golpe” e aqueles tro cantos, o que ele próprio dissemina como sua
que gritaram “é constitucional”, no Brasil, duran- “verdade”: “a imprensa é mentirosa”. As tensões
te a queda de Dilma Rousseff, cristalizam a ideia chegaram ao ponto de o próprio Trump declarar
de um mundo movido a paixões e crenças. Onde os jornalistas como as espécies mais desonestas
a verdade não é mais necessária. do planeta.
O fenômeno remete à pergunta de como o jorna- Em ambos os casos, a disputa crucial é quem
lismo, ou a imprensa, convive com os novos tem- tem poder para estabelecer a “verdade” numa
pos, extremamente polarizados, além de caracte- era de (pós) verdade. É uma realidade na qual os
rizados por audiências fragmentadas e dispersas. emissores de notícias – na concepção de apurar,
checar, ouvir diferentes vozes – não são mais fa-
O cenário brasileiro pré-impeachment da presi- cilmente identificáveis.
dente Dilma Rousseff e a trajetória de Trump rumo
ao cargo de presidente dos Estados Unidos – re- Os novos capítulos na equação comunicativa –
velam realidades distintas nas quais o novelo con- Estado, Imprensa e Cidadãos –, talvez sejam ca-
trovertido da pós-verdade envolveu fontes oficiais racterizados pela apropriação do burburinho digi-
e a imprensa. tal das redes sociais e de escancaradas lutas em
torno da “verdade” (brigas com a imprensa).
No Brasil, durante o processo de impeachment
(fenômeno claramente recheado de verdades al- Para o jornalismo, a pós-verdade significa ameaça
ternativas), as promessas de um futuro radiante, e oportunidade.
sobretudo na economia, alardeados pelos anti-
-dilmistas, foram endossadas com baixo grau de Em um primeiro momento, o jornalismo sai en-
questionamento por significativa parte da mídia fraquecido neste cenário no qual “todo mundo”
brasileira. A então presidente pouco investiu nesta é produtor de conteúdo e cujo imperativo é com-
disputa de narrativas e suas reações mais contun- partilhar nas redes sociais imediatamente. Ler a
dentes, no campo da comunicação, ocorreram íntegra de um post raramente é a prática. Veri-
somente no mês de março de 2016, três meses ficar a credibilidade da fonte, questionar o teor
após o acolhimento do pedido de impeachment ou levantar dúvidas são comportamentos igno-
na Câmara dos Deputados. rados. O importante é dar um clique e transmitir
manchetes que, via de regra, apontam culpados,
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criam bodes expiatórios e oferecem soluções ra-
sas para temas complexos.
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