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Trincheiras Civis:

guerra da informação e
censura no século XXI.

Cristian Derosa
Sumário

A guerra da informação
O problema das Bolhas
Ressurgimento do conservadorismo
Fact-checking e a caça às bruxas
O poder narrativo
Efeitos de longo prazo
Estrutura de um movimento político
segundo Olavo de Carvalho
CRISTIAN DEROSA

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esde que Donald Trump utilizou para classificar
a CNN, durante a campanha, o termo fake news
vem sendo apropriado pelos próprios ofendidos
para devolver o rótulo de maneira sistemática e organiza-
da, tendo como base o conceito expresso no influente artigo
The Science of fake news, que conceitua o fenômeno como a
“mentira politicamente orientada”, ou seja, conteúdo de di-
reita ou conservador. Desde que se tornou evidente a práti-
ca do Facebook e Twitter de perseguir vozes anti-establish-
ment nos EUA e no Brasil, não é mais possível negar que o
termo fake news é definido pela esquerda. E é de lá que os
jornais importam o seu significado, assim como setores da
política tradicional.

Definido pela esquerda, o termo fake news ganhou os

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jornais e chegou à magistratura e o Legislativo. Com a
CPMI das Fake news, os setores conservadores que ga-
nharam voz após a eleição de Jair Bolsonaro temeram a
instalação de um aparato de censura e perseguição por
meio do judiciário. Mais do que isso: a comissão preten-
deu inicialmente punir qualquer cidadão que compar-
tilhasse conteúdo considerado falso, uma prática muito
comum em países com tradição de controlar ativamente
a opinião pública, como China e Rússia.
As redes sociais são a principal preocupação dos cen-
sores atuais. A grande transformação da internet nas
últimas décadas trouxe um crescimento assustador da
participação da sociedade na política, uma ampliação do
debate político que alcançou as massas populares. Mas o
que deveria ser motivo de comemoração dos apóstolos da
pluralidade, porém, vem causando medo em quem sem-
pre teve o controle das informações.

O problema das “bolhas”

Uma das justificativas para a repentina “histeria pela


verdade”, é a preocupação com as chamadas “bolhas” de
opinião ocasionadas pelas redes sociais, o que na visão
de especialistas em mídia, vem causando radicalização e
polarização política no mundo. Se as pessoas estão se en-
contrando nas chamadas bolhas, é porque antes não en-

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CRISTIAN DEROSA

contravam facilmente quem pensasse como elas, sendo


tragadas pelo efeito de espirais de silêncio, devido o medo
do isolamento social. Este foi o efeito da descentralização
da comunicação. A mídia centralizada tradicional criava
a situação constante de ameaça de isolamento social em
uma sociedade de opiniões vistas como majoritárias. Os
barões da mídia querem que isso retorne o quanto antes,
pois a descentralização, segundo eles, “ameaça a demo-
cracia”.
A origem dessa preocupação está em crenças sobre o pa-
pel da propaganda, da educação e das técnicas de mani-
pulação psicológica utilizadas por países ditatoriais. Após
a Segunda Guerra, acreditou-se que só um sistema equi-
valente, mas baseado nos valores democráticos, poderia
proteger as sociedades abertas do assédio totalitário. O
pacifismo do pós-guerra embasou, da mesma forma, o
medo do contraditório, das divergências mais produndas
entre as pessoas, que eram vistos como causas de confli-
tos e guerras. A solução só poderia ser a organização das
opiniões, a harmonização das relações humanas por ins-
trumentos de controle da opinião pública.
Walter Lippmann diz, em seu livro Opinião Pública, em
1922, que as opiniões deveriam ser “organizadas para a
mídia e não pela mídia”, sonho que foi ouvido e seguido
por milionários como George Soros, um dos maiores fi-
nanciadores de pautas ligadas às agendas belamente cha-
madas de pluralismo, diversidade, diálogo etc, mas que
no fundo se baseiam na intenção da homogeneização da
opinião, que em última instãncia necessita do controle

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sobre a comunicação e a informação no mundo.
É assim que as chamadas “bolhas” terminam colaboran-
do para uma polarização que, na visão dos arquitetos do
mundo, só leva à discórdia, à intolerância, preconceito,
enquadrando nisso a liberdade opinativa e expressiva da
Internet.
Aliados a partidos, movimentos organizados e entida-
des da esquerda internacional, os gigantes da mídia vêm
utilizando seu poder para impor censura a ideias contrá-
rias. A participação livre nas redes sociais acabou crian-
do obstáculos para a construção de uma nova ordem e
a população passou a apoiar espontaneamente políticos
conservadores que prometem enfrentar os monopólios
da mídia e da política tradicional, uma situação contra a
qual os gigantes já vêm buscando saídas.
No Brasil, as manifestações de 2013 culminaram em um
processo de retomada da consciência política por parte
das massas, que afinal elegeram Jair Bolsonaro, passando
pelo Impeachment de Dilma Rousseff, que representou
o início da queda da esquerda na América Latina. Mani-
festações contra exposições artísticas impróprias, além de
diversos outros episódios acenderam o alerta para os ris-
cos políticos e econômicos que corriam os barões da es-
querda, resultado da liberdade que vem das redes sociais.
O tema do controle social da mídia, que culmina no
controle total da internet, já é tema tradicional nos de-
bates da esquerda, embora só recentemente tenha ganha-

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CRISTIAN DEROSA

do os contornos de censura. Técnicas de sabotagem da


informação, construções narrativas que traduzissem a
crítica marxista em “chave democrática” já vinham sen-
do estudados, como as críticas ao modelo tradicional do
jornalismo, que se pautava no livre fluxo de informação,
dispensável diante das novas formas de “conscientiza-
ção” através do uso de relatos singulares no jornalismo,
versão midiática da “micro-história”, nos quais a repor-
tagem utiliza personagens não apenas para a função de
singularidade, mas de representatividade. Reportagens
sobre minorias viraram moda nas redações e os próprios
financiadores das redes de militância concediam prêmios
e condecorações.
Com a mudança do eixo definidor de pautas, que veio
a reboque da transformação do modelo de negócio, das
empresas para as ONGs, o jornalismo se tornou instru-
mento de agendas internacionais cuja abrangência não
podia mais ser captada pelo ceticismo tradicional do faro
jornalístico. A teoria do agenda-setting nunca foi tão atu-
al: para a geração de debates públicos sobre temas caros
aos movimentos, bastava o enquadramento do tema à
predisposição da sociedade no seu “estágio revolucioná-
rio”, usando os estudos de recepção para embasar técnicas
de manipulação da opinião. Os definidores estão acima
dos repórteres e editores e a definição vai além da pauta:
abarca o critério.

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Ressurgimento do conservadorismo

Deveria ter sido prevista uma certa desconfiança diante


da homogeneização total dos discursos. Nos EUA, Brasil,
e Europa, movimentos conservadores, alguns radicais an-
ti-establishment, renovam suas expectativas a cada pleito.
Brexit e outros movimentos crescem a olhos vistos. Mas
os jornais já têm a narrativa pronta: trata-se de uma dis-
função social, um problema a ser resolvido. O enigma a
ser desvendado ainda é chamado de “fake news”.
Esquerdas nacionais e globais unem-se em objetivos co-
muns. Se de um lado os partidos de esquerda represen-
tam a revolução total e escatológica, no sentido de uma
ruptura com a cultura ocidental para o “fim da história”,
a esquerda internacional encarna o outro aspecto da dia-
lética, o retorno à continuidade humanista de uma espe-
rança pacifista: a nova ordem global. Utopias tecnicistas
e cientificistas anseiam o controle dos recursos naturais
(ambientalismo) e da população (aborto e gênero), por
meio de um planejamento detalhado das economias glo-
bais, como fica evidente na Agenda 2030.
Mas nenhuma dessas etapas será cumprida sem um
controle seguro da difusão dos discursos que irão dar o
significado aos termos em debate para que o debate cami-
nhe na direção imaginada.
A vitória do Presidente Donald Trump, nos EUA, e de
Jair Bolsonaro, no Brasil, têm contribuído ainda mais para

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CRISTIAN DEROSA

um alinhamento entre as forças políticas da esquerda re-


gional que ambiciona retornar ao poder, juntamente com
as forças globais que desejam o controle dos discursos. A
preocupação do bilionário George Soros, com o que ele
chamou de “narrativas falsas” que estariam dominando a
América Latina, em um post no seu Twitter, deixa claro
quem está perdendo com o crescimento da liberdade de
informação e opinião.
Há algum tempo, o Facebook, de Mark Zuckerberg,
vem censurando ativamente perfis e páginas que contra-
riem os ideais que a empresa compartilha com a agen-
da LGBT, feminismo, aborto, migração e diversidade. O
que todos já suspeitavam, começou a aparecer ao final de
2017, quando dono do Facebook anunciou que passará a
destinar milhões de dólares anualmente aos projetos da
Fundação Bill e Melinda Gates, outra gigante que destina
sua atividade para a promoção do aborto e controle po-
pulacional no mundo.
A ligação de Zuckerberg com o casal Gates também
indica sua ligação com o bilionário Warren Buffet, que
apesar de ter sua própria fundação filantrópica (Susie
Thompson Foundation), destina maior parte de sua for-
tuna para Fundação Bill e Melinda Gates, por conta da
competência ímpar da Fundação Gates nos programas de
planejamento familiar realizados na África.
Buffet não deixa de ser um protagonista importante. Ele
tem altíssima influência nos meios de comunicação e no
meio empresarial internacional, sendo sócio com 23% do

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capital do The Washington Post nos EUA, sócio com 16%
do capital da agência de notícias NBC, 8,92% da Coca-
-Cola e a 4,57% da Liberty Media (também no ramo de
comunicação), além de bancos e empresas na área da saú-
de. A Coca-Cola tem investido em campanhas de promo-
ção da Ideologia de Gênero e outras causas progressistas.

Fact-checking, a caça às bruxas

Em 2015, o Facebook anunciou a criação de uma es-


trutura de checagem de fake news, chamado IFCN (In-
ternational Fact-Checking Network). A IFCN seria uma
organização isenta e responsável por avaliar as notícias
e informações na rede social e, se constatada que é fake
news, deve retirar do ar. Mas se formos um pouco mais a
fundo nas relações dessa entidade, chegamos facilmente a
um nome já mencionado nesta matéria: a IFCN foi criada
pelas organizações National Endowment for Democracy
e Omidyar Network, em uma parceria com a Open Socie-
ty Foundations, a famosa ONG de George Soros.
Apenas em 2016, a fundação de George Soros e a Omi-
dyard injetaram 1,3 milhão de dólares na IFCN para re-
gular as fake news. Para operar, a IFCN conta com deze-
nas de parceiros em vários países do mundo. No Brasil,
seus parceiros são a Agência Pública, Agência Lupa e o
site Aos Fatos.

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CRISTIAN DEROSA

A organização Aos Fatos atua no Brasil há alguns anos,


tendo atuado na checagem de dados nas eleições de 2016.
Para as eleições de 2018, contou com um robô de checa-
gem de fake news, em parceria com o Facebook.
Já a Agência Lupa é um departamento do site da famosa
revista ‘Piauí’. Hoje a revista e o site da piauí fazem parte
do grupo UOL, dentro do site da Folha de S. Paulo. É nes-
se contexto que se criou a Agência Lupa, responsável por
dizer ao Facebook que o seu perfil ou página pratica fake
News, subsidiando a censura e o controle do que pode ou
não ser dito na internet. A isso se dá o nome de “checa-
gem de fatos” (fact-checking).
O bilionário George Soros, que doou pelo menos 25 mi-
lhões de dólares para campanha de Hillary Clinton, defi-
nitivamente não ficou contente com a vitória de Donald
Trump, tampouco com a queda da esquerda no Brasil.
Soros tem ligações comprovadas no Brasil por meio do
projeto Alerta Democrático, que tem entre seus integran-
tes o ex-BBB deputado Jean Wyllys e Pedro Abramovay
(PT). Também comanda sites de observadores midiáti-
cos como a Agência Pública e o Observatório da Impren-
sa, por meio de sua entidade Open Society. O bilionário
mantém sua influência nos maiores jornais do mundo
por meio do site Project Syndicate (PS), criado por ele.
O Syndicate é uma “agência de opinião”, com colunistas
como Jimmy Carter, Tony Blair, Peter Singer e outros po-
líticos e intelectuais de grande influência. Editoriais do
mundo inteiro são feitos com base nas opiniões dos colu-
nistas desse site, mantido pela Open Society. O PS reali-

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za o sonho do jornalista Walter Lippmann, que em 1922,
recomendou que “as opiniões fossem organizadas para a
imprensa e não pela imprensa”, como era feito então.
Embora Soros compartilhe interesses com Buffet, Bill e
Melinda Gates e Zuckerberg, recentes notícias pareciam
caracterizar um clima de guerra entre Soros e o Face-
book. Soros afirmou que tanto Google como o Facebook
estariam tendo um monopólio da informação e portanto
deveriam ser controlados ou censurados. Parece que todo
o controle da informação exercido pelo Facebook tem se
mostrado insuficiente diante da iminente queda das es-
querdas pelo mundo. Soros não gosta da versão livre do
Facebook.
A solução para o problema enfrentado pelos grandes ve-
ículos, que há décadas sofrem com a vertiginosa queda
de credibilidade, veio a calhar: o rótulo fake news, popu-
larizado por Trump durante as eleições, está sendo usado
em favor do próprio establishment midiático que detém
o controle do fluxo das informações. Todo canal, página,
site ou blog que “furar” a mídia, isto é, que divulgar in-
formações sonegadas por eles, será fatalmente carimbado
e estereotipado com o rótulo que ninguém quer. A Folha
de São Paulo divulgou uma lista de sites confiáveis e outra
dos não confiáveis, praticantes de fake news.
Recentemente, analistas do jornal El País manifestaram
temor pelas consequências da democratização da mídia.

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CRISTIAN DEROSA

Para eles, o fake news é uma ameaça “não só para a im-


prensa livre, mas para a própria democracia”.
Evidentemente, para comprovar sua análise, utiliza
exemplos escabrosos, de mentiras que foram difundidas
por sites irresponsáveis. Afinal, a existência de um pro-
blema muito previsível quando existe liberdade de infor-
mação, não pode ser usado para neutralizá-la. Para isso,
é preciso usar de muita generalização e estereótipos, uma
técnica retórica muito comum, para diagnosticar uma su-
posta epidemia de mentiras e assim desacreditar a totali-
dade dos sites e páginas de pequeno ou médio porte que
estejam trazendo pautas inconvenientes para os grandes
conglomerados da comunicação.

2018: a nova estratégia do Facebook

Mark Zuckerberg anunciou que uma das principais al-


terações feitas no Facebook para 2018 foi a priorização
dos conteúdos relacionados a interações entre pessoas,
em detrimento das notícias. Como consequência, “você
verá menos conteúdo público, incluindo notícias, víde-
os e posts de organizações”, explicou Zuckerberg. Mas
a recente alteração do algoritmo preocupa também aos
jornalistas. Para o diretor da Folha, com esse algoritmo
o fake news ganha do jornalismo tradicional em compar-
tilhamento e propagação nas redes sociais. A mudança

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buscava converter as redes sociais em uma via de mão
única, que poderia facilmente ser usada para angariar
apoio a causas e pautas de maneira controlada. Mas per-
deu a capacidade de influenciar a sociedade a partir da
rede social, pela difusão de informações, o que deveria
ser feito por outros meios. A informação passa a ser um
bem relativo no tempo da “pós-verdade”, termo que ficou
na moda e significa o uso da informação, verdadeira ou
falsa, para a legitimação de pautas e causas. O ativismo,
mais do que nunca, vai ganhando mais credibilidade e a
informação (ou a verdade) sendo relativizada em nome
de conveniências.

Aparatos de poder narrativo

As análises marxistas acertam quando definem as rela-


ções de poder como paralelas e até independentes do po-
der constituído, cabendo a este último muitas vezes forta-
lecer, dar suporte. Mas quando é oposto ao poder de fato,
a política nada pode fazer exceto responder às demandas
que lhe chegam de baixo, já que não é da sua natureza
debater pressupostos.

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CRISTIAN DEROSA

Com a hegemonia cultural e jornalística, a esquerda


vem ganhando apoios de última hora dos leitores e segui-
dores da narrativa midiática, os chamados “isentões”, ce-
lebridades, jornalistas e políticos que falam em nome de
entidades abstratas como Estado democrático de direito,
improbidade administrativa, anti-corrupção e outras fi-
guras vazias, encarnadas em poucas propostas como Re-
forma da Previdência e CPI Lava Toga, que em si mesmas
podem ser boas, mas descontextualizadas da luta polí-
tica concreta se tornam armas poderosas nas mãos dos
que desejam impor uma cortina de fumaça. Um exemplo
disso, tem sido uma brincadeira feita nas redes sociais,
na qual um “isentão” diz: “sou a favor do Estado Demo-
crático de Direito”. Em seguida, aparece a frase em tom
noticioso: “Estado Democrático de Direito solta 160 mil
presos”. Ou seja, declamar valores abstratos pode ser uma
boa forma de torná-los impraticáveis.

Estrutura narrativa: as fontes

O conceito de Revolução das Fontes, de Carlos Chapar-


ro, tem hoje um significado mais abrangente: as fontes são
ativas e ativistas, promovem eventos e organizam uma es-
trutura de premissas e pressupostos que fundamentam a
narrativa dos meios noticiosos. São elas, as fontes, e não
os repórteres e editores, que definem grande parte do en-
quadramento de um objeto noticioso, seja ele evento, um

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político ou entrevistado. O rótulo já vem pronto antes
mesmo do repórter fazer a primeira pergunta.
Em tempos de hegemonia de esquerda nas redações, o
aparato midiático tem uma estrutura bastante simples,
que pode ser percebida fonte a fonte, na estrutura discur-
siva dos jornais. Nela o que mais importa não são as in-
formações, mas o critério narrativo de seleção das infor-
mações, fornecido por fontes específicas. Os especialistas,
os estudos consultados ou personagens representativos
de um determinado “drama social” são fornecidos aos
jornais e dificilmente descobertos por eles. Este aspecto
é o que muitas vezes determina o tom de uma cobertura
e impossibilita respostas ou discussões, já que o nível dos
pressupostos dificilmente é tocado pelo eixo argumenta-
tivo tradicional em que transcorrem os debates públicos.
Não é da natureza dos debates públicos questionar as
premissas de uma discussão

O eixo de premissas e pressupostos da esquerda é rece-


bido em uma narrativa ditada nos meios universitários,
onde ele é adaptado à prática jornalística e ensinado como
tal, assim como ocorre com outras profissões atualmente.
É muito difícil para um estudante universitário, hoje, dis-
cernir a ideologia da técnica que está aprendendo. Isso faz
dele um militante inconsciente.
Formados assim, eles vão parar na Folha de S.Paulo. Nil-
son Lage, marxista teórico do jornalismo, acabou enfati-

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CRISTIAN DEROSA

zando essa situação em seu livro Ideologia e Técnica da


Notícia, no qual faz a crítica esquerdista da técnica antes
consagrada da apuração de informações, enfatizando os
aspectos “ideológicos”, isto é, mantenedores da “ideolo-
gia burguesa” ou capitalista. Por sua vez, Adelmo Genro
Filho, em O segredo da pirâmide, trata da técnica jorna-
lística como método de crítica marxista à sociedade bur-
guesa. São livros acadêmicos lidos na graduação.
Jornais como a Folha de São Paulo recebe seus critérios
narrativos de sites ou blogs de extrema-esquerda, como o
The Intercept, entre outros. O site de Glenn Greenwald,
por sua vez, recebe-os de outras fontes, como sites mais
analíticos e com estudos aprofundados, embora pro-
fundamente enviesados para responder às necessidades
dos movimentos de esquerda nacionais e internacionais
simultaneamente. Ao mesmo tempo, simpósios e pales-
tras constantemente organizados, frequentemente em
universidades, abastecem os redatores desses sites com
elementos e métodos de adequar a linguagem jornalís-
tica à narrativa que acreditam. Identificar possíveis pa-
drões narrativos expressos na realidade, selecionar fatos
conforme a consonância com um contexto artificial para
gerar soluções preexistentes, entre outras coisas, são ha-
bilidades aperfeiçoadas através dessa estrutura de fontes
e repertórios.

Estrutura: Universidade >> movimentos so-


ciais >> ONGs >> blogs >> jornais

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Dinâmica histórica (marxista) >> análise
de conjuntura >> diagnóstico dos problemas
>> eleição de problemas >> critério de rele-
vância noticiosa >> fatos representativos >>
Livre “debate” de soluções.

As soluções só são debatidas após uma triagem de op-


ções feita pelo afunilamento narrativo, oriundo de um
conjunto de discussões prévias. A estrutura narrativa cria
o critério de seleção dos fatos. O resultado é que todos os
fatos selecionados confirmam os diagnósticos, as narrati-
vas e obrigam as conclusões das soluções. Este processo
não é iniciado sem que existam estruturas aptas a realizar
as ações quando solicitadas.
Essa estrutura é obedecida de cima abaixo, sem ques-
tionamentos ou afetações de independência, como ocorre
na emergente direita. Assim, um repórter da Folha não
precisa se preocupar com o eixo narrativo, pois ele já o
recebeu na própria prática jornalística que aprendeu na
universidade, além de ser diariamente cobrado por ami-
gos e colegas de trabalho, para que acompanhe as discus-
sões internas da esquerda. Mas mesmo que não o faça,
que seja um repórter novato atento apenas à técnica e sen-
do ele, talvez, até mesmo um liberal ou social-democrata,
repetirá o critério da consonância narrativa pela simples
convivência com os demais e, se isso não bastar, pelo efei-

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CRISTIAN DEROSA

to agendador da própria atividade jornalística do veículo


em que trabalha. Critérios noticiosos são transmissíveis
na atividade, compartilhados inconscientemente. Essa si-
tuação não se repete na direita da mesma maneira, pois
não resulta em uma linguagem compreensível a todos os
públicos ao final do processo, como ocorre com a esquer-
da.

Efeitos de longo prazo

A esquerda gradua sua linguagem conforme o nível de


compreensão dos seus leitores, critério que advém da per-
cepção dos movimentos sobre o estágio revolucionário
da sociedade. A chamada “janela de Overton” diz respei-
to a um método de convencimento que adapta a mensa-
gem aos aspectos aceitáveis do receptor. Se o aborto é mal
visto na sociedade, o tema pode virar debate como um
problema a ser resolvido. A proposição virá somente após
um longo estágio informativo, cujas informações são se-
lecionadas pelo critério da consonância com a proposta
final, no caso do aborto a legalização. Assim, escolhe-se
informações específicas que levarão o ouvinte ou leitor
à conclusão da necessidade de uma medida urgente ou
ação política. A pressão política em um determinado sen-
tido se torna uma realidade e a classe política pouco ou
nada pode fazer.

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A estrutura da Janela de Overton é expressa pela Teoria
do Agendamento, na qual a primeira etapa é a do agen-
damento de objeto, a definição da pauta de discussão pú-
blica. Em segundo lugar, o enquadramento ou atributos
associados ao objeto, definindo assim uma estrutura per-
suasiva de longo prazo.
Em 2013, delineei um esquema persuasivo utilizando
o padrão da Teoria do Agendamento, que foi admitida-
mente utilizado por ativistas ambientais para gerar deba-
tes nos jornais. O padrão se iniciava com a etapa infor-
mativa, seguida pela pressão política e terminando com
a abordagem pedagógica. A última abordagem, de cunho
educativo e conscientizador, define-se pela ausência total
de debate sobre as informações, que são tomadas como
premissas inquestionáveis das soluções propostas, pois já
partem da definição prévia dos problemas.

Criação de movimento político,


segundo Olavo de Carvalho

Tudo isso vem confirmar a recomendação do filósofo


Olavo de Carvalho, que expõe a estrutura básica e histó-
rica de todo movimento político.

Diálogo intelectual

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CRISTIAN DEROSA

A partir da formação de uma classe intelectual, os de-


bates científicos e artísticos não têm pretensões políticas
ou de transformações de curto prazo, mas respondem à
busca humana por questões universais e existenciais, in-
serindo-se na tradição intelectual ou literária de um país,
mas em geral dando origem a uma etapa nova e mais pro-
funda dela.
Debate de ideias políticas
De dentro do diálogo intelectual, saem diversos anseios
por mudança e ideias para soluções de problemas de lon-
go prazo no campo da política, abrindo espaço para um
debate mais científico e histórico para a estruturação de
um programa político. Ao final desse processo, surgem
naturalmente lideranças políticas cujo repertório de ideias
e perspectivas se liga à classe intelectual anteriormente
formada, mas acrescendo-a de pragmatismo. Os líderes
políticos, então, estão estreitamente ligados e submetidos
à classe dos intelectuais, não tendo ideias políticas muito
diversas das deles.
Formação da militância
Criado um ambiente de discussões que favoreceu o sur-
gimento de ideias políticas e líderes, faz-se necessária a
formação de um corpo de militantes capazes de integrar a
doutrina política às suas carreiras profissionais, embasan-
do uma atividade política que se articula perfeitamente
com a atividade social. Militantes não são massa amorfa
de manifestantes de rua, mas ativistas submetidos à au-

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toridade intelectual e política que utilizam, vez por ou-
tra, massas de manifestantes para as suas causas. São os
organizadores das massas e influenciadores da opinião
pública. Difere-se da classe intelectual primordial pela
intenção política clara, sem intenções científicas ou inte-
lectuais, mas submetendo-a à atividade estritamente po-
lítica.
Estudos e informação estratégica
Segundo Washington Platt, no livro A Produção de In-
formação Estratégica, a informação com função estraté-
gica difere-se da informação pura ou descontextualizada
pela função que integra-se no seu corpo de critérios. Platt
se refere a Intelligence (informações estratégicas) divi-
dindo-a em dois tipos básicos: o dado bruto, descontex-
tualizado e inacabado (raw information) e a informação
acabada (finished intelligence).
A informação deve ser objetiva e oportuna. Por opor-
tuna entendemos a necessidade em dado momento, o
que no jornalismo chamamos de relevância. Mas rele-
vância é um conceito bem mais complexo do que sim-
plesmente uma necessidade. Afinal, grupos e movi-
mentos ideológicos sempre necessitam de informações
que exemplifiquem, confirmem e deem a sensação de
continuidade às suas narrativas históricas, sociológicas.

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CRISTIAN DEROSA

A propaganda democrática surgiu no pós-guerra, quando


cientistas políticos e estudiosos de comunicação das mas-
sas, assustados com a propaganda nazista, viram a neces-
sidade de responder na mesma moeda. Harwood Childs,
autor do livro An Introduction of Public Opinion, foi até a
Alemanha no tempo de Hitler e ficou entusiasmado. Para
ele, a sociedade liberal, democrática por excelência, pre-
cisava de instrumentos de defesa contra aquela agressiva
propaganda: precisava de “manipular para a liberdade”. A
propaganda funcionou para os liberais, mas os marxistas
souberam utilizá-la a seu favor.

Até hoje, os chamados isentões ou liberais propagandistas


de valores abstratos da democracia (instituições etc), são
produtos dessa propaganda que se beneficia de raciocí-
nios metonímicos.

Já virou até meme a “defesa das instituições” por políticos


e celebridades já consagrados pelo rótulo de “isentões”,
pessoas que pensam por metáforas e veem perfeita cor-
respondência entre conceitos teóricos normativos como
se fossem descrições objetivas de situações particulares
da política. Essa confusão, que só tem sido desfeita pela
malandragem cognitiva típica do brasileiro, é fruto de
uma construção cuja manutenção é vista como necessária
e pedagógica. Daí a postura de tutores sociais com a qual
falam os isentões e “cientistas políticos”.

Conceitos como direitos humanos, igualdade, têm fun-

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ções específicas dentro de um sistema democrático e seus
significados, sempre cambiantes, vão abastecendo a so-
ciedade com normas de conduta e pensamento. A palavra
“empatia”, por exemplo, veio da área da psicologia com-
portamental, no âmbito de um modo normativo de agir
para alcançar consensos em negociações. Assim como as
“dinâmicas de grupo”, que viraram febre a partir dos anos
90, técnicas de transformação comportamental acabaram
se normalizando como se fossem conceitos descritivos da
realidade, como veremos.

Verdade x opinião: breve história do jornalismo


O jornalismo americano, herdeiro do britânico, têm pro-
funda influência do protestantismo dos Puritanos ingle-
ses que migraram para as colônias. Para eles, a Bíblia, a
Revelação, a Verdade, não poderia ser conciliada com
opiniões subjetivas, base de então no jornalismo extre-
mamente politizado do restante da Europa. O jornalismo
havia surgido na Europa pré-revolucionária como uma
prática panfletária e extremamente combativa.

A imagem teórica e filosófica da oposição entre opinião


subjetiva e verdade objetiva, na Europa, remonta à dis-
cussão entre fé e razão, na Idade Média, mas isso é outra
história. Afinal, sendo a fé considerada, a partir do Ilu-
minismo, uma questão subjetiva, sobrava à razão o papel
de instância legítima para uma política que pretendesse
alcançar a justiça. A democracia, assim, viria de um “an-
seio racional”, não subjetivo, embora a motivação íntima
e humana pudesse ser a fé ou simplesmente uma ética ra-

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CRISTIAN DEROSA

cional. Primeiro, a fé é posta de lado como questão de


gosto ou opinião. Depois, a valorização da ideia verdade
objetiva como oposta à fé, que era vista como terreno do
subjetivo, consolida-se no que chamamos de progresso
da secularização.

As utopias de sociedade virtuosa, que tiveram origem na


Inglaterra calvinista, não podiam prescindir de meios de
controle social para as massas e de um reforço moral para
as elites aristocráticas que viam a virtude pública como
pedagogia essencialmente civilizadora. O poder simbóli-
co dos predestinados era o exemplo, o testemunho públi-
co do Evangelho. A elite católica da burguesia europeia já
sentia-se especialmente ofendida com o jornalismo espe-
culatório sobre suas condutas e abraçou a ideia, imediata-
mente justificada, de um jornalismo isento, objetivo e que
precisaria prestar contas à justiça caso mentisse. A defesa
contra a difamação dessas elites predestinadas moldou a
prática da difusão de informação política na Europa, o
que migrou para o Novo Mundo e originou o jornalismo
norte-americano, base do jornalismo brasileiro.

Verdade e mentira passaram a ser oposições sociais im-


portantes para a propaganda das empresas jornalísticas.
A diferença entre elas, mais do que moral, passou a ser
mercadológica e apropriada à luta política. É deste perío-
do a chamada “metáfora do espelho”, para a qual o jorna-
lismo espelharia a realidade. Em meio à ideologia positi-
vista e ao entusiasmo do empirismo cientificista do final

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do século XIX e início do XX, jornais tentavam criar a sua
versão de método científico, com investigação em cober-
turas de campo, confrontação de versões e contrapontos,
hipóteses e uma vasta gama de figuras análogas ao méto-
do científico.

O jornalismo norte-americano se fortaleceu a partir desta


trajetória, sendo importado para o Brasil quando da cria-
ção do Grupo Globo, a partir de um investimento do gru-
po americano Time Life. A Globo se torno líder desde en-
tão graças ao método norte-americano, que praticamente
dominou o mercado jornalístico com a sua avassaladora
crença na credibilidade do próprio método. Afinal, um
método “herdado das ciências naturais”. É claro que este
não é o único motivo.

Outras forças entraram em cena, levando à prática jor-


nalística uma luta política mais acirrada e menos isen-
ta. O jornalismo panfletário sempre existiu, tal como o
sensacionalista e popular. Mas as empresas que desejas-
sem se manter no mercado e vender assinatura (ao invés
de exemplares nas ruas apenas) precisavam de uma forte
propaganda de prática profissional na apuração dos fatos.

Acontece que a seleção dos fatos que serão narrados de


maneira pretensamente neutra, nunca é objetiva e neu-
tra. Essa seleção é e sempre foi ditada por grandes grupos
detentores das empresas jornalísticas, que apenas adap-
tavam sua prática aos interesses desses grupos. Essa era
uma situação que gerava críticas da esquerda e de veícu-

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CRISTIAN DEROSA

los menos favorecidos por esses grupos.

A virada marxista no jornalístico


Mais tarde, os marxistas precisaram fazer frente a esse
método de apuração, já que a ideologia trazia conceitos
diversos. Até por volta de metade do século XX, o princi-
pal método do jornalismo revolucionário consistia na crí-
tica e denúncia da submissão das empresas jornalísticas
aos interesses dos grandes grupos comerciais, chamados
de “o grande capital”. Críticas mais profundas, porém, co-
meçaram a surgir, vinculando a própria técnica jornalísti-
ca aos interesses capitalistas, mas de maneira subliminar.

Por essas críticas ficaram famosos os frankfurtianos, ou


a contribuição deles aos estudos da comunicação. O jor-
nalista marxista Nilson Laje, no livro Ideologia e Técnica
da Notícia, traz uma profunda análise do modelo norte-
-americano e como atua nele o que chama de “ideologia
capitalista”. Essa crítica, embora aparentemente negativa,
traz uma proposta positiva: a de um jornalismo atento às
oportunidades de trabalhar, através dos fatos e da apura-
ção objetiva, a ideologia marxista em seus termos mais
ortodoxos dentro da sociedade democrática.

Aquela tentativa de fazer frente à propaganda totalitária


foi assimilada pelos próprios totalitários

O livro de Laje é apenas um exemplo, entre tantos, de


como a prática jornalística das universidades veio, ao

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longo do tempo, adaptando-se e desconstruindo a ideia
de objetividade originária, a “metáfora do espelho”, reco-
nhecendo os méritos da investigação isenta, mas trazen-
do possibilidades de construção específicas para o que os
professores de jornalismo passaram a chamar de “contex-
tualização”.

Um dos exemplos dessa adaptação é o valor jornalístico


da singularidade. Um evento, personagem ou situação
singular é algo que sai do trivial. Mas a singularidade não
tem apenas esse sentido. Ela também pode ser apresen-
tada como símbolo de “representatividade”, mais ou me-
nos na linha do que defende a escola historiográfica da
“micro-história”, na qual um fato ou personagem históri-
co comum, desconhecido ou popular, torna-se represen-
tação simbólica de uma época ou contexto social.

O uso da teoria democrática e sua ideologia propagan-


dística foi crucial para a esquerda marxista, que sempre
se utilizou da expressão “democracia” com o sentido pra-
ticamente inverso. Assim, ela beneficiou-se facilmente de
todas as estratégias linguísticas traçadas pelos liberais do
livre-mercado quem que estes sequer percebessem. Infe-
lizmente, ainda há liberais, no Brasil, que pensam que o
mundo se divide entre partidários do livre-mercado e os
da “economia estatizada”. Sequer imaginam o longo pro-
cesso de escolha e decisão, pela esquerda, das palavras de
gravitam a esmo em suas cabeças ocas.

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CRISTIAN DEROSA

Termos como “aprofundar” ou “fortalecer” a democracia


são amplamente usados sem que ninguém absolutamente
se questione sobre o significado concreto a que se refe-
rem, assim como a ideia de que existiriam “instituições
democráticas” por si mesmas. Aliado à decadência edu-
cacional e o franco progresso do analfabetismo funcional,
esses termos ganham peso de argumentos, palavras de
ordem e ideias-força que funcionam como gatilhos para
reações emocionais, tão automatizadas quanto coerentes
com a estratégia da esquerda.

Quando, a partir dos anos 90, a internet dividiu o bolo


publicitário das empresas, os jornais sentiram-se órfãos
e buscaram outras fontes. A escolha foi o Terceiro Setor,
que mais do que mercadorias, oferecia pautas e belas cau-
sas sociais para as editorias, fortalecendo um conteúdo
que antes era obrigado a ficar refém do que as empresas
chamavam de realidade. Ao menos antes as empresas de-
tinham alguma representatividade social. O Terceiro Se-
tor responde apenas às agendas das elites financeiras que
o mantém. Podemos chamar esse momento de uma “vi-
rada globalista” mais profunda do que antes.

A prática jornalística, antes modificada pela esquerda,


pôde ser transformada ainda mais pelo novo fator de
definição de pautas. Aliada aos seus velhos inimigos do
“grande capital”, a esquerda fortaleceu ainda mais o do-
mínio sobre o jornalismo noticioso, deixando de lado as
colunas de opinião até que uma nova geração de opina-
dores surgisse naturalmente pelo efeito de longo prazo da

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seleção de notícias, poder definidor que dispensa o uso de
outros esforços.

A longa luta contra o conceito de “livre fluxo de informa-


ção”, sobre a qual falei em A transformação social, mostra
como a informação noticiosa é mil vezes mais importan-
te e estratégica do que a simples opinião de celebridades
ou analistas. Quando a instância opinativa é dominada é
porque tudo o mais foi domesticado.

A crença na identificação (correspondência) perfeita


entre fato jornalístico e fato concreto é um dos mais efi-
cientes instrumentos de manipulação da linguagem e de
comportamentos que os liberais puderam instalar e usar
ainda hoje. Os marxistas se valem disso para, inseridos na
prática dita isenta, manipular linguisticamente o método
“cientificista” do jornalismo tradicional a seu favor sem
que opinadores “direitistas” percebam. Afinal, a opinião é
sempre sobre um fato previamente selecionado para tal.
A seleção é hoje a forma mais poderosa de manipulação
e definição de prioridades, critério que raramente é ques-
tionado, já que a resposta a uma interpretação noticiosa
parece sempre mais sedutora para os apetites socialmente
estimulados na democracia.

Isso tudo quer dizer que a oposição entre “fato ou fake” é


tão complexa quanto inabarcável pelo jornalismo contem-
porâneo. Os debates sobre isso sempre terão um aspecto
cômico ou superficial, já que por trás de uma apuração

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CRISTIAN DEROSA

de veracidades estão outras mil escolhas tão arbitrárias


quanto silenciosas.

Um fato jornalístico é a adaptação humana de uma parte


da realidade adequada a interesses específicos. Pode ser
o mero interesse informativo, humano e universal, da
orientação no mundo. Mas cada elemento textual precisa
estar em conformidade com esse objetivo. Ademais, não
é mais permitido, ao jornalismo da direita, abstrair os en-
godos subliminares que a “extrema-imprensa” prega to-
dos os dias em nossas mentes incautas.

Quando o editor da Piauí dá com a língua nos dentes e


revela o objetivo de “fingir fazer jornalismo”, ele estava
dando um recado importante ao jornalismo conserva-
dor: dizer a verdade não é suficiente. O problema está em
achar que “a verdade vence a mentira”, uma das maiores
armadilhas que a mentalidade liberal, e sua propaganda
democrática, criou na sociedade ocidental. A realidade é
inabarcável pelo jornalismo, que precisa recorrer à sele-
ção que obedeça narrativas em jogo. Não é possível, nem
desejável, que relatos factuais estejam desconectados dos
interesses e das agendas concorrentes na política e na
cultura. Na situação atual, um jornalismo conservador
precisaria libertar-se primeiro da crença ingênua da neu-
tralidade para poder adaptar eficientemente a linguagem
político-jornalística a seu favor. Isso nada tem a ver com
manipulação e muito menos com apuração objetiva e
isenta da realidade. Mas sem isso o jornalismo integrador
da esquerda irá sempre ditar as regras.

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É preciso entender as forças em jogo e saber articular seus
símbolos e mitos, suas imagens mentais, suas contradi-
ções e idiossincrasias, para comunicar à sociedade seden-
ta por entendimento do mundo em que vivem.

Poucos liberais ou conservadores sabem fazer uma “aná-


lise de conjuntura” como fazem os marxistas. Mas são
essas análises que definiram, há anos, o ensino da prá-
tica jornalística nas universidades de onde vieram os ar-
ticulistas e repórteres da Folha. Enquanto isso, resta aos
conservadores usar termos como “fato ou fake”, que até
a Folha usa para enganar os incautos e liberais ingênuos,
cujo imaginário jaz inerte nas metáforas do espelho e do
método científico de apuração de fatos.

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