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A CARACTERIZAÇÃO DOS DANOS SOCIAIS A PARTIR

DA DISSEMINAÇÃO DE FAKE NEWS

The characterization of social damages from the dissemination of Fake News

Gabriela Colomé Moreira1, Laura Melo Cabral2,


Marcelo Cacinotti Costa3

Resumo: O presente artigo discorre a respeito das Fake News e a Responsabilidade Civil no
Direito brasileiro, buscando evidenciar o dano social (coletivo) causado por estas e as
possíveis consequências de uma condenação. Acerca da problemática, apresenta-se alguns
revéis causados pela Fake News, sendo que, elas se instalam no cotidiano das pessoas,
impulsionando a informação de notícias falsas, rebaixando a qualidade de vida e a segurança
da coletividade como um todo, causando assim a violação do direito à informação. A
importância do trabalho se dá pelo fato de apurar o cabimento da responsabilidade civil por
violação de direitos coletivos, mais nomeadamente pelo surgimento das denominadas Fake
News. Para a criação desse trabalho fez-se uso do método dedutivo, com o levantamento
bibliográfico elaborado a partir da análise de livros, artigos, periódicos, textos disponíveis em
sites, e demais meios eletrônicos.

Palavras-chave: Dano coletivo. Direito à informação. Responsabilidade civil.

Abstract: This article discusses Fake News and Civil Liability in Brazilian law, seeking to
highlight the social damage caused by these and the possible consequences of a conviction.
Regarding the problem, there are some setbacks caused by Fake News, and they are installed
in people's daily lives, boosting false news information, lowering the quality of life and safety
of the community as a whole. The importance of the work is due to the fact that it determines
the appropriateness of civil liability for violation of collective rights, more specifically due to
the emergence of the so-called Fake News. For the creation of this work, the deductive
method was used, with a bibliographic survey elaborated from the analysis of books, articles,
periodicals, texts available on websites, and other electronic media.

Keywords: Collective damage. Rights to information. Civil responsability.

1
Discente do curso de Direito, da Universidade de Cruz Alta - Unicruz, Cruz Alta, Brasil.
E-mail: gabi_mcolome@hotmail.com
2
Discente do curso de Direito, da Universidade de Cruz Alta – Unicruz, Cruz Alta, Brasil.
E-mail: lauracabral2000@gmail.com
3
Doutor em Direito, docente do Programa de Pós-graduação em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento
Social e do Curso de Direito da Unicruz, Cruz Alta, Brasil. E-mail: marcosta@unicruz.edu.br

1
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O direito privado que predominou durante todo o período de sedimentação do Direito
Civil no Brasil (pós 1916), conferindo legitimidade apenas ao sujeito singularmente
considerado, cede espaço para um novo paradigma no que toca ao tema da responsabilidade
civil.
Com a virada linguística que introduziu as constituições para o centro do ordenamento
jurídico dos países ocidentais, o princípio da solidariedade se instaura com um cariz
coletivista intenso e predominante. Enquanto cada indivíduo possui sua carga de valores, a
comunidade jurídica se apresenta com uma dimensão moral, que irradia efeitos para todos.
Assim, a violação de aspectos culturais em seu aspecto imaterial produz dano moral coletivo.
Com a ordem constitucional centrada no princípio da dignidade da pessoa humana,
todo e qualquer dano à personalidade que atinja bens imateriais de repercussão
transindividual, evidentemente irá ingressar no âmbito de uma possível reparação civil pela
geração de uma obrigação de indenizar.
Na medida em que se reconhece bens jurídicos coletivos4, e o direito à informação é
certamente um deles, as denominadas Fake News se instauram no cotidiano das pessoas como
uma violação a direito fundamental, decorrendo daí a lesão a um bem jurídico relevante.
Daí a relevância do presente trabalho no sentido de buscar investigar o cabimento da
responsabilidade civil por violação de direitos coletivos, mais especificamente pelo
surgimento das denominadas Fake News.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para a criação desse trabalho fez-se uso do método dedutivo, e a pesquisa realizada
para o desenvolvimento do trabalho, bibliográfica, com a finalidade de reunir e analisar
conteúdos que servirão de base para a construção da investigação proposta, a partir da
temática abordada. O levantamento bibliográfico elaborado a partir da análise de livros,
artigos, periódicos, textos disponíveis em sites, e demais meios eletrônicos.

2
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1 O acontecimento das Fake News
As Fake News são as notícias falsas publicadas por veículos de comunicação como se
fossem informações reais. Sob tal ótica, elas possuem um grande poder viral e de persuasão,
pois, além de se espalharem rapidamente, apelam para o emocional do leitor e espectador,
fazendo com que as pessoas consumam o material sem ao menos confirmar a veracidade do
conteúdo.
Conforme estudo realizado por Langin (2018, p. 1) foi exposto que:
[...] as pessoas são as principais culpadas quando se trata da propagação de
desinformação por meio de redes sociais. E elas são também são boas nisso: tweets
contendo falsidades alcançam 1.500 pessoas no Twitter, seis vezes mais rápido do
que os tweets verdadeiros, revela pesquisa. (tradução nossa). 5

Já o poder de persuasão tende a atingir as populações com menor escolaridade e que


dependem das redes sociais para adquirir informações. No ponto, tem-se que pessoas com
mais estudo também estão sendo enganadas, principalmente, quando ligado ao viés político.
De acordo com matéria realizada pelo Correio Braziliense (2018, p. 2), “quando a notícia falsa
é ligada à política, o alastramento é três vezes mais rápido”.
Entretanto, ao contrário do que se presume, as Fake News não são um fenômeno
moderno, de modo que, consoante o historiador Robert Darnton, os precursores das mentiras e
do sensacionalismo, remontam à Idade Antiga, cerca do Século VI, “[...] Procópio, historiador
bizantino, escreveu um texto secreto, chamado de “Anekdota”, que ele recheou de “fake
news”, assim comparadas por Darnton (2017), e arruinou a reputação do imperador Justiniano
e de outros, [...]” (STEPHANOU, 2018, p. 3).
Assim, Darnto evidencia a relevância das Fake News, e as designa como armadilhas da
mídia:
Notícias inventadas, calúnias, intrigas, difamações e injúrias constituem, para o
autor, redes difamatórias de comunicação. Para entender essas redes da mídia, seus
documentos e práticas, para Darnton, é importante estudar seus autores e o mundo
que habitam/habitavam. Mas também podemos deixá-las de lado, qual lixo que se
acumula em qualquer época. (STEPHANOU, 2018, p. 4).

4
A Lei nº 8.078/90, art. 6º, inc. VI explicita a existência de um direito coletivo.
5
No original: [...] people are the prime culprits When it comes to the propagation of misinformation through
social networks. And they’re good at it, too: Tweets containing falsehoods reach 1500 people on Twitter six
times faster than truthful tweets, the research reveals.

3
Desse modo, repara-se na importância e influência que as Fake News podem causar,
uma vez que criam uma rede de mentiras, da qual se acumula de tal forma, tornando-se as
armadilhas da mídia. A partir disso, expõe Guimarães e Silva (2019, p. 4-5):
Os últimos anos foram em grande medida marcados pelo termo Fake News, uma vez
que a expressão encabeçou algumas das notícias mais relevantes destes anos, e
possibilitaram uma profunda modificação nos meios digitais e, de modo indireto, no
mundo. As Fake News se apresentam como uma releitura do antigo fenômeno social
da “mentira”, remodelado, a fim de se amoldar as mudanças sociotecnológicas do
século XXI.

É nesse cenário que as redes sociais se demonstram como o principal meio de


instrumento para o compartilhamento das Fake News, a qual, além de se moldar as mudanças
sociotecnológicas, acaba por impulsionar a Post Truth, sendo esta definida como, “[...] à
circunstância na qual os fatos objetivos têm menor influência em moldar a opinião pública do
que aqueles que apelam a emoções e crenças pessoais”. (tradução nossa).6
Desta forma, a Post Truth procura moldar a opinião pública apelando para o lado
sentimental e das crenças, ao invés dos fatos. Assim, limita-se a uma análise superficial da
mensagem vinculada, e ao que apenas interessa o usuário.
[...] a enorme quantidade faz com que o leitor prefira ler apenas manchetes e
chamadas a se aprofundar nos assuntos, o que lhe faz ter uma informação meramente
superficial e que quase nunca lhe permite compreender o que leu. Além disso, muitas
vezes o título não traduz toda a extensão da notícia, por isso, ler tudo é fundamental.
(ANDRADE, 2018)

Compreende-se que, nas redes sociais, tais como, Facebook ou Twitter,


cotidianamente, os usuários são apresentados a inúmeras publicações compostas por Fake
News, apresentando-se o risco que os usuários são expostos e que, muitas vezes, por conta da
Post Truth, acabam por acreditar no falso e ou em seu entendimento particular, especialmente,
quando se trata de notícias com caráter político.

3.2 Responsabilidade civil no direito brasileiro


Com o início do uso da internet, repara-se que, ocorreu uma transformação no modo
de vida das pessoas, a começar pela forma como interagem com as demais pessoas, tal como
buscam as informações e conhecimentos sobre variados assuntos. Sob esta concepção, o dano

6
“Relating to or denoting circumstances in which objective facts are less influential in shaping public opinion
than appeals to emotion and personal belief” (OXFORD, 2016, p. 1).

4
se apresenta como uma possível causa, tendo em vista as alterações e as características da
internet, assumindo assim novos contornos e contextos.
Em primeiro lugar, o dano passa a tomar proporções antes nunca imaginadas. O
sistema jurídico da responsabilidade civil está fundado na ideia de dano local ou
dano regional. Mas tendo em vista a comunicação em massa transfronteiriça das
redes sociais, a extensão do dano é muito maior (LIMA, 2015, p. 157).

Os aspectos de comunicação e transfronteiriça do dano em ambiente digital concede


que seja definido de forma específicas das pressuposições de dano. Em razão que a internet
autoriza uma grande propagação das informações veiculadas, assim, o dano designa-se de
forma onerosa nesse ambiente (GUIMARÃES; SILVA, 2019).
Caracteriza-se o dano motivado pelas Fake News como objetivo e pessoal, posto que,
estas notícias falsas, ocasionam grandes malefícios à dignidade da pessoa, a sua honra,
insultando os seus direitos pessoais (GUIMARÃES; SILVA, 2019).
Por tudo isso, parece que a ideia de responsabilidade por danos pode ser uma
importante ruptura com a perspectiva de responsabilidade civil, por se basear
em outros pressupostos, quais sejam: (i) foco na vítima; (ii) pressuposto ético na
alteridade; (iii) rompimento com a ideia de culpa e dolo; (iv) substituição do
nexo de causalidade pela ideia de formação da circunstância danosa; (v)
prioridade na precaução e na prevenção, sempre em um viés prospectivo, e a
tutela dos hipervulneráveis, dos vulneráveis e dos hipossuficientes: pela resposta
proporcional ao agravo e concretizadora de justiça social; (vi) mitigação das
excludentes do dever de reparar. (FROTA, 2017, p. 219-220).

Conforme é esclarecido por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery
(2018), afirmam que dois pontos chamam atenção dos juristas que realizam estudos voltados
para a responsabilidade civil por Fake News, o dano associado aos crimes contra a honra e o
dano que afetam os direitos civis, econômicos ou políticos.
No ponto, evidencia-se os tipos de danos existentes no Código Civil brasileiro
(GAGLIANO; PAPLONA FILHO, 2021, p. 77-97):
O dano patrimonial traduz lesão aos bens e direitos economicamente apreciáveis do
seu titular. [...]. [...] quebrando a linha tradicional que dividia as espécies de dano em
patrimonial e moral (ou extrapatrimonial), considerou o Superior Tribunal de Justiça
que o denominado “dano estético” comportaria uma modalidade autônoma de dano.
[...]. [...] merece referência o denominado “dano social”, aquele que rebaixa a
qualidade de vida em sociedade, geralmente no âmbito da segurança. [...]. [...] o
dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da
personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e
imagem [...].

Por conseguinte, ao visualizar os tipos de danos expostos, e tendo em vista os tipos


de danos que as Fake News podem atingir, principalmente, no se refere aos danos morais,uma

5
vez que ocasiona e alcança a dignidade da pessoa humana, bem como sua honra. Faz-se
necessário entender a conduta do usuário que dissemina e publica informações falsas.
Verifica-se que, o usuário age de forma comissiva, ou seja, mediante ação, isto é, ele
causa mudanças no ambiente em que se encontra, tal qual, a conduta do usuário omissivo,
dado que, quando se tratar de meio jornalístico, este descumpre sua função de consultar a
veracidade das notícias, agindo de forma negativa e não exercendo a sua responsabilidade.
Diante disso, a responsabilidade civil possui grande importância no ordenamento
jurídico brasileiro, pois, “nada mais é que uma obrigação derivada [...] de assumir as
consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar [...] de acordo com
os interesses lesados”. Sendo assim, nota-se que, este instituto busca responsabilizar cada um
pelos seus atos, que por vezes, geram diferentes resultados e interferem de variadas formas no
cenário que se atua.
Desta forma, tanto os danos quanto a responsabilidade civil se posicionam como
institutos a fim de resguardar os interesses do lesionado, o que nas Fake News, amplia-se o
conceito de dano, em face das diversas possibilidades e consequências constituídas, havendo a
procura por novos estudos da responsabilidade civil pela dispersão de Fake News, ocorrendo
novos danos.

3.3 Fake News e o dano social


A partir do exposto, demonstra-se necessário a discussão da existência ou inexistência
dos novos danos causados a partir da propagação de Fake News, assim como, evidenciar a
responsabilidade civil.
Às figuras mais comuns de dano não patrimonial (dano à integridade psicofísica,
dano estético, dano à saúde etc.) vêm se somando outras, de surgimento mais recente
e de classificação ainda um tanto assistemática. Para designá-las, a doutrina de toda
parte tem empregado expressões como novos danos ou novos tipos de danos.
(SCHREIBER, 2015, p. 92).

No ponto, ressalta-se o dano social, posto que se diferencia do individual em relação à


pessoa que sofre a lesão, podendo ou não gerar um dano patrimonial, pois, trata-se de um
dano com características próprias.
Os danos individuais são os patrimoniais, avaliáveis em dinheiro – danos emergentes
e lucros cessantes – e os morais, - caracterizados por exclusão e arbitrados como
compensação para a dor, para lesões de direito de personalidade e para danos
patrimoniais de quantificação precisa impossível. Os danos sociais, por sua vez, são
lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio
moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição de sua
qualidade de vida (AZEVEDO, 2009, p. 382).

6
Os danos sociais são capazes de alcançar a sociedade como um todo, incidindo sobre a
segurança e qualidade de vida. Com as Fake News uma nova ameaça surge, a qual ocasiona
lesões na sociedade, e prejudica o patrimônio moral como um todo. Assim, tem-se as Fake
News como causadoras de um dano, este que pode se desenvolver e fomentar os danos sociais,
e tanto o Post Truth como as Fake News devem ser consideradas compatíveis com o dano
gerado, e quais seriam as consequências a serem analisadas.
Como visto, o artigo 944 do Código Civil7 versa sobre a indenização e como está se dá
de acordo com a extensão do dano sofrido, todavia, não são destacados quais as possíveis
espécies de dano. Dessa maneira, a fim de esclarecer as espécies de dano, cita-se o Enunciado
n. 456 da V Jornada de Direito Civil do CJF (CJF, 2011, p. 1), que expôs “a expressão ‘dano’
no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os
danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos
legitimados para propor ações coletivas”.
É nessa ótica que a discussão em torno das Fake News, e o fato dessa impulsionar a
Post Truth se torna importante, uma vez que, os danos causados, com o intuito de “viralizar” e
ou disseminar uma falsa informação, além de moldarem a opinião pública, acarretam o dano
social, e o risco de rebaixar a qualidade de vida da sociedade, tal como a segurança e a
confiança pública como um todo.
[...] o Estado tende a se preocupar cada vez mais com o controle e a veiculação de
notícias falsas, ou, fake news. Isso ocorre porque o detentor da informação
(especialmente dados sigilosos) poderá manipular a opinião pública, inclusive em
relação a assuntos políticos e estratégicos da maior complexidade e relevância.
Ampliou-se, portanto, a preocupação não só dos governantes, mas, também, dos
próprios governados, em relação à disseminação de informações falsas sobre fatos e
personalidades públicas relacionados ao universo político, social e econômico, de
modo a influenciar negativamente a opinião pública. Ressalta-se que as informações
falsas têm por objetivo desvirtuar a veracidade das informações repassadas e em
grande maioria, sem que se saiba a origem do financiamento de tais notícias. [...]
(MARTINEZ; NASCIMENTO JUNIOR, 2018).
.
Compreende-se que, as Fake News se disseminam de forma perigosa, podendo assim
manipular a opinião pública, e violar o princípio da boa-fé objetiva em nível social. A
veracidade com que as Fake News ganham espaço em diferentes ambientes só demonstra a
complexidade e relevância da temática. Ademais, conforme o salientado anteriormente, as

7
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

7
Post Truth (impulsionada pela Fake News), possuem um grande papel nesse cenário, dado
que, apelam para as emoções e crenças dos indivíduos, levando consigo informações falsas.

3.4 Fake News sobre a COVID-19 no Brasil


O Brasil no ano de 2019 ficou marcado pelo início da pandemia da COVID-19,
sendo está tornou-se uma das maiores preocupações da população mundial. Dando início ao
um enfrentamento epidemiológico. No decorrer da pandemia foram criadas diversas formas de
enfretamento, que começaram por intermédio da portaria ministerial, Organização Mundial de
Saúde (OMS), normativas expostas pelos governos estaduais e municipais.
No dia 25 de fevereiro de 2021, data que ficou marcado no Brasil ano logo depois do
registro do primeiro caso de COVID-19 no país, com mais de 250 mil óbitos pela doença no
país, visto que foram informados 1.582 em um único dia, ocorrendo uma morte por minuto
(MOREIRA, 2021, p. 222).
Ao longo desta pandemia, verificou-se uma segunda onda, consequentemente, as
plataformas digitais informavam que inúmeras estruturas hospitalares se encontravam com
ocupações máximas e a vacinação dos grupos prioritários estavam recentemente na primeira
etapa, tornando-se lento o impacto ao combate.

Nesse panorama, a informação válida e baseada nas evidências científicas constitui


ferramenta necessária para a conscientização da população, sendo uma das
estratégias de combate à pandemia. Entretanto, percebe-se que, apesar das
orientações existentes e da divulgação de informações recorrentes pelos veículos
jornalísticos de comunicação e pelos canais virtuais governamentais, a população
continua buscando notícias relacionadas à COVID-19. Para isso, utiliza mecanismos
que possibilitam a divulgação rápida da informação, como as redes sociais, porém,
sem se preocupar em certificar-se quanto à veracidade do que lê, vê ou ouve
(MOREIRA, 2021, p. 222).

Existe um risco muito grande a disseminação de notícias falsas (Fake News), que
conseguem agravar a situação, visto que há pessoas capitando estas informações e resultando
comportamentos inadequados de proteção, que podem causar agravamento no estado de
saúde.
É importante destacar que as fake News sobre assuntos de saúde antecedem ao
surgimento da COVID-19, pois no ano de 2018, o Ministério da Saúde emitiu
esclarecimentos sobre notícias falsas que prejudicavam o combate a febre amarela,
gripe e sarampo. Fato semelhante vem ocorrendo com as notícias sobre a COVID-19
disseminadas para induzir a erro, com chamadas apelativas, exageradas ou
claramente falsas, veiculadas nas redes sociais e aplicativos de mensagens, sendo
este último o meio disseminador mais difícil de ser monitorado pelas entidades
oficiais da saúde (MOREIRA, 2021, p. 222).

8
Considere-se que as Fake News associadas à prevenção, tratamento ou cura da
COVID-19 são encontradas de forma ambígua nas mídias, diversas vezes, amedrontando o
leitor ao apresentar lacunas ou limitações de forma inadequada, outras vezes, servindo de
informações totalmente distorcidas para incentivara de práticas perigosas, como a
automedicação, o uso de misturas que são falsamente expostas como eficazes no combate à
doença ou ainda a não utilização de máscaras.

3.5 As consequências de uma possível condenação


A priori, com o advento da Constituição Federal de 1988, preocupou-se em integrar a
reparação pelo dano moral a recensão dos direitos fundamentais da pessoa humana, expondo
no artigo 5º, inciso X, que serão “invioláveis a intimidade, a vida provada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material, ou moral decorrente de
sua violação”. Ainda, destaca-se o inciso V do referido dispositivo, “o direito de resposta,
proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.
Diante disto, por muitas vezes o dano moral foi visto como algo intrínseco e subjetivo
de cada pessoa, não indo além do direito privado individual. Assim, percebe-se a
desconsideração pelo direito privado coletivo, ao grupo e classes de pessoas, que são atacadas
em toda a coletividade, mas não pertencentes aos sujeitos de direito. Entretanto, conforme
dispõe Farias, Netto e Rosenvald (2019, p. 422-423):
[...] em uma sociedade de massa, o direito privado alcança a esfera social, pois
prevalece o princípio da solidariedade. Transitamos do sujeito isolado para o
“sujeito situado”, que se coloca diante de bens públicos escassos. Isso requer uma
tutela jurídica diferenciada. Enquanto cada indivíduo titulariza a sua própria carga de
valores, a comunidade possui uma dimensão ética, independentemente de suas
partes. Ela possui valores morais e um patrimônio ideal a receber tutela. A violação
da própria cultura de certa comunidade em seu aspecto imaterial produz o dano
moral coletivo. Cuida-se de interesses afetos a uma generalidade indeterminada de
sujeitos, seja uma comunidade ou um grupo com maior ou menor grau de coesão. A
titularidade é difusa, pois, ao contrário do que se passa no direito privado individual,
não há um vínculo de domínio ou imediatismo entre a pessoa e o interesse .

Nessa ótica, tendo em vista uma constituição que preza pela dignidade da pessoa
humana8, nota-se a necessidade de discutir o dano coletivo e social que atinge toda uma

8
“[…] a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental, exige e
pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações, se assim
preferirmos […]”. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. rev. atual. Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2012,
p. 71.

9
comunidade e ou viola uma cultura, a fim de diminuir sua qualidade de vida, ou atingir a
moral desta como um todo. Segundo Farias, Netto e Rosenvald (2019, p. 423):
[...] A personalidade não mais se relaciona aos aspectos internos da pessoa, mas
também a aspectos exteriores relativos às interações de grupos e da própria
coletividade com os bens imateriais, de caráter transindividual e indivisível.
Enquanto os interesses coletivos ostentam como titular um grupo de pessoas que se
reúnem em defesa de objetivos comuns, os interesses difusos correspondem a um
conjunto indeterminado e impreciso de pessoas não ligadas por qualquer base
associativa, mas que se identificam em torno de expectativas comuns de uma melhor
qualidade de vida.

No ponto, cabe esclarecer a diferença entre os interesses coletivos e difusos, como


visto, no primeiro, tem-se um grupo, classe ou categoria de pessoas que estão ligadas entre si
ou com a parte contrária por uma relação jurídica, objetivando a defesa de interesses comuns,
já, no segundo, trata-se de pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de um fato,
buscando expectativas comuns e melhor qualidade de vida.
À vista disso, começa-se a se tornar mais evidente uma possível reparação em danos
sociais e ou morais de uma coletividade, o que, se tratando das Fake News, configura-se a
transindividualidade9. No instituto da responsabilidade civil, por exemplo, repara-se cada vez
mais no caráter prospectivo, pois, discute-se em uma responsabilidade civil objetiva,
permitindo uma ampla tutela a qualquer forma de interesse jurídico que é ameaçado e sofre
um risco, cabendo a incidência de uma reparação integral. Portanto, para que aconteça a
reparação, faz-se evidente que:
[...] não será qualquer atentado a interesses coletivos ou difusos que poderá acarretar
dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e
desborde dos limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir
verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem
coletiva (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2019, p. 432).

As Fake News, conforme já disposto anteriormente, podem atingir uma coletividade


como um todo, rebaixando a qualidade de vida, tal como a segurança da população. Estas
infringem em um dano social que ameaça uma conjuntura de pessoas, podendo, se tratar aqui
dos direitos difusos. Na pandemia da Covid-19 restou-se evidente o risco que as Fake News

9
Que ultrapassa aquilo que pertence ou diz respeito a somente uma pessoa, sendo de interesse coletivo ou
pertencente a uma coletividade. Dicio, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2021. Disponível em:
https://www.google.com/search?q=como+citar+dicion%C3%A1rio+online+abnt&oq=como+citar+dicion%C3%
A1ri&aqs=chrome.1.0i512l2j69i57j0i512l7.4055j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8. Acesso em: 03 set. 2021.

10
podem proporcionar, uma vez que atingiram a saúde da população que duvidava das medidas
de segurança, ante impostas ao mundo todo.
Farias, Netto e Rosenvald discutem a questão da pena civil, destacando que:
A melhor forma de se encontrar uma noção autônoma para a sanção punitiva civil é
justamente a demonstração de sua distinção quanto à reparação de danos, ambos
operando em planos diversos com os seus próprios desideratos. A pena como
retribuição ao autor do ilícito, a reparação como reação ao dano e seus efeitos.
Enquanto a primeira incide em função da própria natureza ilícita do ato, a última
incide em função de seus efeitos danosos. As penas civis se propõem a realizar uma
tutela definitiva efetiva, com critério funcional preventivo/punitivo, naquelas
hipóteses em que a reparação por si só não é idônea a desestimular o ofensor à
prática de ilícitos, principalmente nas hipóteses em que a calculadora do potencial
ofensor acena positivamente para a efetivação do ato antijurídico, pela matemática
da diferença entre os lucros obtidos com a conduta reprovável e o valor da
compensação restrito ao equivalente dos danos praticados (e provados!).

Dessa maneira, no dano moral coletivo e ou social é objetivado, no primeiro momento,


um valor de desestímulo para o ofensor, visto que, agravou interesses coletivos e dignos de
tutela. Busca-se assim, desestimular a prática do infrator e servir de forma pedagógica e de
alerta para toda sociedade e indivíduos que aquela prática é reprovável e digna de sanção.
Além de que, ao reprovar uma conduta danosa, a sociedade pode se sentir protegida e
satisfeita ao ver seu direito ser assegurado e o dano sofrido reparado. Todavia, Faria, Netto e
Rosenvald, informam que:
[...] o dano moral coletivo só poderá ser legitimamente traduzido como pena civil no
momento em que se der uma reforma legislativa, acrescendo-se à lei da Ação Civil
Pública um dispositivo capaz de estabelecer os critérios objetivos e subjetivos
mínimos para a sua aplicação como sanção punitiva. Um dispositivo que condicione
a sua fixação e quantificação à apuração da conduta deliberada do lesante (dolo ou
culpa grave), a sua indiferença perante o ilícito e a sorte do bem lesado, além de sua
condição econômica avantajada, sobretudo naquilo que diga respeito ao proveito
econômico por ele obtido como consequência do ilícito difuso.

Desta forma, enquanto não se definir concretamente uma reparação para os atos
danosos coletivos, diversos serão os danos causados a coletividade, se fazendo imprescindível
uma rápida normatização a ser realizada pelos tribunais no sentido de minimizar ou coibir
maiores desdobramentos danosos decorrentes de violação ao direito à informação adequada e
verdadeira. É evidente que ter um instituto que se destine a indenizar a coletividade pela
divulgação de Fake News é essencial, pois, como consequência lógica, os riscos de danos são
imensos e cada vez mais se concretos no mundo real e patrimonial, principalmente com o
advento da pandemia da Covid-19.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo atingiu os objetivos propostos ao passo que abordou a problemática
em torno do dano social a partir da disseminação de Fake News. No primeiro momento, tendo
em vista que as Fake News são as notícias falsas publicadas por veículos de comunicação, e
como alcançam rapidamente diversos usuários e os manipulam, tem-se evidente o poder de
persuasão que estas possuem, e como podem apelar para o lado emocional do leitor e do
espectador, impulsionando as Post Truth, fazendo com que os usuários utilizem o material
sem ao menos confirmar a autenticidade do conteúdo.
Ademais, conforme o exposto, verifica-se que as Fake News apresentam grande riscos
para o tratamento da Covid-19 durante a pandemia, posto que, muitas vezes as Fake News
demonstraram-se de forma ambígua nas mídias, e incentivando práticas perigosas, tais como,
a automedicação e a não utilização de máscaras.
Portanto, observa-se a importância de haver uma indenização para os danos sociais e
ou morais que atingem toda uma coletividade, rebaixam a qualidade de vida e a segurança dos
indivíduos. Assim, discutir sobre uma possível indenização é essencial, a fim de conter os
riscos, principalmente os proporcionados pelas Fake News, que se movem cada vez mais
rápidas no mundo real, atingindo até mesmo bens patrimoniais, e com a pandemia da Covid-
19, restou-se incontroverso os perigos.

REFERÊNCIAS

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