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RESENHA

MIGUEL, L. F. Jornalismo, polarização política e a querela das Fake News. In: Estudos de
Jornalismo e Mídia, v. 16, n. 2, 2019. p. 46-58.

Resenha por Giulia Di Giovani Silva e Raquel Gomes Valadares1

O texto discute a posição da imprensa diante da disseminação de notícias falsas e da


polarização política no Brasil. O autor, notável pesquisador da ciência política, faz uma análise
panorâmica dos acontecimentos que indicaram mudanças na compreensão e nos rumos da
democracia e aponta a mudança no ambiente informacional como consequência ou efeito
colateral da atual crise. Tem-se que as funções elementares do jornalismo são: fiscalizar o
governo e estabelecer um terreno comum de problemas e de informações factuais; no entanto, o
crescimento das notícias falsas (fake news), disseminadas por sistemas alternativos de
comunicação, tem comprometido a democracia e o real serviço do jornalismo.
No Brasil, as chamadas fakes news e a polarização política caminham lado a lado desde
2013, culminando com a eleição do presidente Jair Bolsonaro, em 2018. Segundo Miguel, essa
polarização política é assimétrica, com a esquerda, buscando aplacar os índices gritantes de
desigualdade e ampliando as oportunidades aos menos favorecidos, e a direita, rompendo
radicalmente com elementos dos princípios igualitários. A polarização dificultou o debate entre
os grupos, possibilitando o crescimento da disseminação de fake news.
Utilizar inverdades nas disputas eleitorais não constitui uma estratégia recente,
entretanto, as fakes news fazem parte de um ecossistema informacional com características
próprias, quais sejam: o ceticismo quanto às fontes de conhecimento; a atração por teorias
conspiratórias; e o uso das novas tecnologias da informação e da comunicação.
Isto posto, com o propósito de argumentar sobre a polarização política e postura da mídia
em relação a tal problema no Brasil, o autor secciona o artigo em duas partes, sendo a primeira
fomentando o debate sobre jornalismo, fake news e novas tecnologias; e a segunda focada no
comportamento da imprensa diante a disparidade na política do país causada pela vilanização do
Partido dos Trabalhadores (PT), a ascensão do bolsonarismo e “ameaça ao capital político do
próprio jornalismo” (p. 48).
O jornalismo é apresentado no texto como sistema que disponibiliza regularmente
informações selecionadas sobre fatos relevantes que impactam a vida do receptor e que
direcionam o debate público. O processo de checagem da veracidade destas informações
decorreria da própria concorrência jornalística; os veículos de informação concorrentes seriam

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Graduandas em Ciências Sociais na Universidade Federal de São Carlos - UFSCar; Temas em Política
Contemporânea I.
responsáveis por retificar ou ratificar o conteúdo produzido. A credibilidade jornalística estaria
fundada em sua posição imparcial, objetiva e neutra na mediação entre o discurso científico e o
público.
No entanto, a circulação de informação nos novos meios tecnológicos desestruturou este
sistema. Tendo em vista que tudo o que é produzido possui um custo e simultaneamente existe
um interesse na divulgação de uma marca, produto ou conteúdo, a necessidade do financiamento
para a produção de informações constitui um entrave e ao mesmo tempo mostra-se como um
negócio rentável. Existe a combinação do interesse por publicidade online, a introdução de
conteúdo específico no debate público e o acesso à informação rápida e gratuita. A
disponibilidade inesgotável de conteúdo possibilita a formação de agenda, que no meio digital
incorre na formação de comunidades específicas, além disso os algoritmos selecionam essas
redes ampliando estes efeitos. Este novo parâmetro de fluxo informacional fragilizou o
jornalismo profissional e, consequentemente, afetou o seu financiamento.
De acordo com o autor, entre os novos agentes e o jornalismo profissional surge a disputa
da legitimidade de informação; o jornalismo profissional é questionado quanto à posição política
das suas opiniões, enquanto que os novos agentes tomam a posição de desvelador da realidade
oculta. Diante da crescente produção de fake news, o jornalismo profissional tem lutado para
retomar o controle da produção das informações pautado pela neutralidade, objetividade,
imparcialidade e veracidade. No entanto, ao terceirizar a função de checagem das informações,
o jornalismo profissional perde este espaço de legitimidade. Paralelo ao crescimento das fake
news surgiram os fact checking (a verificação ou checagem dos fatos).
No Brasil, os fact checking surgiram como resposta à discordância da relação da imprensa
com determinadas posições partidárias. A partir do momento em que o antipetismo se tornou a
força motriz na grande mídia, tornou-se um desafio encontrar produções jornalísticas que
mantivessem a neutralidade, objetividade e imparcialidade necessária neste meio.
Miguel toma como exemplos o comportamento desses veículos midiáticos durante o
impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016, onde foi amplamente divulgado que o
processo ocorria sob os ritos da legalidade e portanto, não violava a democracia vigente; e a ação
judicial movida contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que serviu de instrumento para
a narrativa antipetista, construindo discursos volúveis acerca de seus supostos crimes. O
orquestramento do aparelho repressivo do Estado brasileiro para a incriminação, condenação e
perda de direitos de elegibilidade violou os princípios da neutralidade e imparcialidade jurídica,
chancelados pelo jornalismo profissional, sob a justificativa de aplicação inequívoca da lei.
É significativo ressaltar que o jornalismo corporativo brasileiro já havia esboçado
alinhamento com a agenda da direita, de demérito e isolamento político da centro-esquerda,
especificamente sobre o Partido dos Trabalhadores. A atitude tomada pela mídia nesses casos
apresentados foram, não apenas significativas para a produção de notícias falsas, como também
um dos pilares da triangulação aparelho repressivo, mídia e fábrica de fake news no país. No
qual, informações vazadas contra Lula e/ou PT, transformavam-se em furos de notícia
amplamente divulgados e motivavam investigações comandadas pela polícia e pelo Ministério
Público. Essa sequência de acontecimentos gerou um ambiente promissor para a ascensão de
materiais organizados pela extrema-direita, onde conteúdo baseados nas informações dadas pela
mídia hegemônica se converteram em versões fantasiosas ou exageradas da realidade, criando-
se assim fake news.
Neste vazio gerado pela falta de isenção jornalística e fake news surgiram as agências de
fact checking, cujo propósito era conferir dados, nomes e alegações apresentadas pela acusação
e defesa dos envolvidos nas investigações, e do material publicado pelos veículos da grande
imprensa. Citando o caso controvertido de um terço enviado pelo papa ao ex-presidente Lula, o
autor ressalta que a checagem de fatos não está meramente no fato, mas na complexidade do
processo de formação de sentido social. Por isso, apesar das fact checking no combate às fakes
news, o jornalismo se faz necessário para a ampliação e qualificação do debate democrático.
Outro momento destacado foram as eleições de 2018, em que as agências de checagem e
o jornalismo profissional se concentraram na verificação das fake news produzidas. Nas eleições
brasileiras os meios de disseminação foram especialmente via Whatsapp e Youtube. As fakes
news compartilhadas em redes sociais aberta possibilitam a averiguação direta e explícita,
enquanto que o compartilhamento por envio particulares/privado, como o aplicativo de
mensagem Whatsapp, o processo de checagem é bem menor.
Os impactos de uma notícia falsa quando não são combatidos com veemência são
desastrosos, a exemplo do kit gay. Em 2011 tramitou um projeto de educação e combate à
homofobia nas escolas, no entanto, a extrema-direita desvirtuou a implementação do mesmo, se
utilizando deste argumento no impeachment de Dilma e na campanha à presidência pelo então
candidato Jair Bolsonaro. Como a notícia não foi confrontada em sua totalidade muitos deram
crédito que seria uma informação verdadeira.
O autor enfatiza a crise do modelo democrático retomando argumentos apresentados no
início do texto. Elementos como trabalho, remuneração, direitos sociais, modelo econômico e
avanço tecnológico também compõem o cenário da instabilidade democrática. A participação
política dos governados reduzida ao voto, sem esclarecimento e a informação formulada sob o
viés partidário preocupam e faz questionar qual será o futuro do modelo democrático.
Pensar maneiras de coibir o mercado informacional de notícias falsas e proibir a venda
de dados de grandes corporações para rastrear o perfil do consumidor constitui uma tarefa árdua,
no entanto o controle amplo e irrestrito das informações não é a solução plausível, vez que limita
a liberdade de expressão e pensamento. Por fim, o autor indica um caminho possível para o
enfrentamento da crise democrática: a educação política popular continuada e a democratização
e pluralização da produção de informações.
As discussões e os textos apresentados durante a disciplina permitiram compreender
como é importante a informação no processo democrático e os prejuízos causados pela crença
em notícias falsas. As disputas políticas sempre se valeram da construção de uma narrativa e das
estratégias de desmerecer o oponente, o que foi ressaltado é que as novas tecnologias de
comunicação permitiram a amplificação desta estratégia, uma experiência que nos últimos anos
assumiu um tom de apreensão. Não se trata de uma preocupação infundada e a ameaça não se
circunscreve apenas aos veículos de comunicação profissionais, esta estratégia política põe em
risco a própria democracia.
O texto em discussão esclarece como o falseamento das notícias, a manipulação da
narrativa e a indução da interpretação das informações culminaram no cenário político atual, de
fortalecimento do antipetismo e vocalização da extrema-direita. A preocupação do autor é
pertinente, coibir a desordem informacional numa censura explícita ou velada põe em risco
demais direitos. A solução proposta em promover a educação política é razoável, porém o sistema
educacional também está em crise e sob constante ataque de descrédito; ademais, o processo
educacional demanda tempo e requer reajustes na estrutura política atual. Como afirma Ituassu
(2018), apesar da crise democrática decorrente da produção de notícias falsas ser identificada em
outros países, os baixos índices de educação, leitura, a ausência de um jornalismo profissional e
a democracia instável e recente agravam o contexto brasileiro. Deste modo, repensar os modos
de fazer jornalismo no Brasil e promover educação completa torna-se o caminho necessário para
o combate das inverdades, a fim de que a crise democrática não se torne um completo colapso,
mas requer urgência.

Referência Bibliográfica
ITUASSU, A. et al. “POLITICS 3.0”? De @realDonaldTrump para as eleições de 2018 no
Brasil: campanhas, internet e fake News. In: XXVII Encontro Anual da Compós, Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018

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