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O Brasil tem um novo presidente, Jair Bolsonaro, que não só fez das redes
sociais e do ambiente on-line o principal palco para sua campanha, como se
pronuncia pela primeira vez como eleito através dessas plataformas e ainda
vem anunciando seu ministério em primeira mão pelo Twitter.
Assim, observa que não se trata de demonizar as redes, nem acreditar que
delas só é capaz de emergir o que de pior existe na política. “O uso das
redes de forma fulminante em uma disputa eleitoral é o veneno, mas
também o remédio”, aponta. Portanto, compreende que o grande desafio é
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pensar em como reinventar uma outra democracia, aquela que se dá em
tempo real, no tempo das redes on-line. “Voltando a Paul Virilio, temos
que pensar profundamente sobre a „dromoscopia‟, sobre a relação entre
velocidade e política, sobre o presentismo, sobre nossa capacidade de
sobreviver ao aceleracionismo e inventar dispositivos que liberem essas
forças potentes para o bem comum”, aponta.
Confira a entrevista.
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produção de “fatos” fabricados para dar credibilidade a opiniões de nichos,
para funcionar como “viés de confirmação” de crenças, preconceitos,
medos, operações de desmontes de reputações, de personalidades,
criminalização de grupos políticos e sociais de forma avassaladora.
Obviamente essa não foi uma operação que começou nas eleições, mas se
intensificou de tal forma que em sinergia com outros fatores (o descrédito
com a política partidária, o discurso seletivo anticorrupção, o antipetismo
alucinatório etc.) criaram um estado de exceção digital em que mentiras e
fatos produziram uma nuvem tóxica capaz de criar um efeito de verdade,
uma onda, um contágio, um “vazamento”, difícil de conter.
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entupimento dos canais de mídia, por clicks,
visualizações e listas de transmissão” – Ivana
Bentes
Há uma interconexão entre esse fluxo digital e seus efeitos no tecido social
e vice-versa. O estado de hipnose e histeria que vivemos durante as
eleições produziu ações reais: ataques aos opositores, violências e até
crime. Não se trata de causa e efeito, mas sem dúvida que a liberação dos
instintos mais primitivos, que leva um eleitor de Bolsonaro a assassinar um
opositor político, como no caso do mestre capoeirista Moa do Katendê[4], é
um efeito da hiperpolarização e dos discursos dogmáticos, onde se passa do
discurso para a ação. Esse transbordamento não tem mão única. Temos
dificuldade hoje para traçar as fronteiras entre real e virtual. Estamos no
mesmo regime e ecossistema em que coevoluímos com as redes, as mídias
digitais e as tecnologias.
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políticas, sociais e culturais. Mudam nossa percepção de tempo e de espaço
e, agora, podemos dizer que mudam nossa percepção de verdade.
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inspirariam algo novo. Diante do que vemos hoje, podemos afirmar
que esse projeto fracassou? Por quê?
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IHU On-Line – Por que a internet, e em especial as redes sociais, se
tornam canais de disseminação e potencialização do ódio, nutrindo
uma realidade sombria e totalitária?
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em que construímos zonas de conforto para não encarar o contraditório, o
dissenso etc. Mas mesmo nesses ambientes “protegidos” não controlamos
os conflitos. As redes sociais fazem isso de forma muito mais eficaz,
através dos algoritmos direcionados para nossas afinidades que funcionam
como um filtro diante do caos. Além dos algoritmos, que não controlamos,
mas que trabalham criando nichos, cercas, focando nossa atenção, as
pessoas bloqueiam outros usuários, apagam mensagens desagradáveis,
direcionam o que querem ver primeiro. Tudo isso restringe os repertórios e
cria essa ilusão de um mundo perspectivado, a partir de nossos valores e
crenças.
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social da vocalização de discursos e valores conservadores ou de extrema
direita?
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WhatsApp não têm o total controle dos efeitos e riscos desses dispositivos
e plataformas. Então, a sociedade tem que se proteger, tem que exigir que
se quebre a caixa-preta dos algoritmos, tem que exigir resposta para a
enxurrada de fake news que incide no resultado de uma eleição, tem que
questionar eticamente o descontrole das redes. Porque se um modelo de
negócio produz tantos efeitos colaterais, tem que ser questionado. As fake
news, por exemplo, não são um acidente, a produção de notícias falsas
direcionadas para um nicho são o próprio modelo de negócio do Facebook.
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etc. É essa linguagem pop, esse ativismo mainstream, com a mesma força
das milícias digitais, que pode derrotar o obscurantismo.
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O que isso representa? Que relações sobre a comunicação social e a
democracia podemos inferir a partir dessas experiências de
campanha?
O anti-Junho de 2013
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sobreviver ao aceleracionismo e inventar dispositivos que liberem essas
forças potentes para o bem comum.
Notas:
[1] O Instituto Humanitas Unisinos – IHU, na seção Notícias do Dia de 19-10-2018, em seu
sítio, reproduziu essa informação. (Nota da IHU On-Line).
[5] Paul Virilio (1932): urbanista e filósofo francês. Estuda e critica efeitos perniciosos da
velocidade nas relações sociais contemporâneas, desde os seus reflexos no processo cognitivo
até suas implicações na política. É autor, entre outros, de Guerra pura (São Paulo: Brasiliense);
O espaço crítico (Rio de Janeiro: Editora 34); A máquina de visão (Rio de Janeiro: José
Olympio); Velocidade e política (São Paulo: Estação Liberdade); A bomba informática (São
Paulo: Estação Liberdade) e Ville panique (Paris: Galilée). Reproduzimos duas entrevistas com
Virilio sobre o seu livro Ville Panique, uma na edição 108 da IHU On-Line, de 05-07-2004, e
outra na edição 136, de 11-04-2005. Dele, também foi publicada outra entrevista na 95ª edição
da IHU On-Line, de 05-04-2004. (Nota da IHU On-Line).
[7] Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação): é uma rede descentralizada
de mídia de esquerda, com atuação em mais de 250 cidades no Brasil. Sua abordagem é
conhecida pela militância sociopolítica, declarando-se ser uma alternativa à imprensa
tradicional. O grupo ganhou repercussão internacional na transmissão dos protestos no Brasil
em 2013. (Nota da IHU On-Line).
[8] Movimento Brasil Livre (MBL): movimento político brasileiro que defende o liberalismo
econômico e o republicanismo, ativo desde 2014. Em seu manifesto, cita cinco objetivos:
"imprensa livre e independente, liberdade econômica, separação de poderes, eleições livres e
idôneas e fim de subsídios diretos e indiretos para ditaduras". (Nota da IHU On-Line).
[9] Queermuseu – Cartografias da diferença na arte brasileira: foi uma exposição artística
brasileira apresentada no Santander Cultural, na cidade de Porto Alegre. A exposição gerou
polêmica devido a inúmeras acusações de apologia à pedofilia, à zoofilia e ao vilipêndio
religioso. O Instituto Humanitas Unisinos – IHU, na seção Notícias do Dia, em seu sítio,
publicou uma série de textos sobre a polêmica. Entre eles Queermuseu e o avanço da direita na
rede; e “Caso Queermuseu mostra que são tempos de intolerância. Da direita, mas também da
esquerda”. Leia mais aqui. (Nota da IHU On-Line)
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[10] Marielle Franco [Marielle Francisco da Silva] (1979-2018): socióloga, feminista,
militante dos direitos humanos e política nascida no Rio de Janeiro. Filiada ao Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL), elegeu-se vereadora do Rio de Janeiro na eleição municipal de
2016, com a quinta maior votação. Crítica da intervenção federal no Rio de Janeiro e da Polícia
Militar, denunciava constantemente abusos de autoridade por parte de policiais contra
moradores de comunidades carentes. Em 14 de março de 2018, foi assassinada a tiros. Os
autores do crime ainda não foram identificados. (Nota da IHU On-Line).
[11] Fernando Holiday [Fernando Silva Bispo] (1996): político nascido em São Paulo (SP),
filiado ao Democratas (DEM), elegeu-se vereador de São Paulo com 48.055 votos nas eleições
de 2016, sendo o primeiro homossexual assumido a ocupar tal cargo. É um dos coordenadores
do Movimento Brasil Livre – MBL e ficou conhecido por convocar protestos favoráveis ao
impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. (Nota da IHU On-Line).
[12] Kim Kataguiri (1996): político, ativista conferencista, conhecido por ser cofundador e
coordenador do Movimento Brasil Livre, sendo uma das principais figuras do movimento
liberal brasileiro moderno. Kataguiri é neto de imigrantes japoneses. Em outubro de 2015, a
revista americana Time classificou Kataguiri como um dos jovens mais influentes do mundo
naquele ano. Nas eleições de 2018, foi eleito deputado federal por São Paulo pelo DEM. Foi o
quarto candidato mais votado. (Nota da IHU On-Line).
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