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Mentiras que p&cem verdades:
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argumentos neoliberais'Jõbre a crise educacional
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A construção de /{verdades"
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/ Pablo Gentili*
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(.l c o c o (.i
• Professor da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro -
UERJ
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• EKolhen, publicado no início dos anos oitenta, tinha vendido Obdamente, a penetração social destes discursos n;lu loi
~-"'· rapidamente, nos Estados Unidos, mais de 400 . 000 exemplares produto elo acaso nem apenas uma questão decorrente elos !llé-
em sua edição de luxo e várias centenas de milhares em sua
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ritos intelectuais daqueles obstinados professores uniYersitários.
edição pop~lar. O principal expoente da Escola de Chicago se Será a partir da intensa c progressi\·a crise estrutural do rcgillle
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perguntava sobre as razões do incrível êxito deste \'olume, so- de acumulação fordista que a retórica ncoliberal ganhará espaco
1". bretudo se comparado à "tímida" recepção que h;n·ia tido político e densidade social. Tal contcxtu olet:cccrá a oportunida- '"'-.../
/--,, Capitalism aud Freedom [Capitalismo e Liberdade], seu antece- de necessária para que se produza esta conf1uênci;t histórica en-
dente mais direto, embora publicado ,-inte anos antes. Por que tre um pensamento Yigoroso no plano filosófico c econômico \- ..../ '
~ liberdade de Escolher tinha vendido em apenas poucas semanas (embora, até então, ele escasso impacto tanto acadêmico quanto \
o que Capitalismo e Liberdade vendeu durante vinte longos anos' social) e a necesidade política do bloco dominante de fazer fren-
:.--,\ Como explicar semelhante fato, se os dois livros abordavam a te ao desmoronamento da fórmula keynesiana cristalizada nos
mesma problemática e defendiam as mesmas idéias? O espetacu- Estados de Bem-Estar. A intersecção ele ambas as dinâmicas per- ~"' ./
"- lar impacto de Free to Cboose, segundo o próprio Friedman, não mite compreender a força hegemônica do neoliberalismo.
I podia ser exclusivamente atribuído à difusão alcançada pela sé- Neste artigo discutirei algumas das supostamente irrefutá,·cis
I/" rie televisiva de mesmo nome que acompanhou o lançamento "verdades" a partir das quais se configura a retórica neoliberal no
do livro e que o teve corno protagonista . Antes disso, existia urna
/,, mudança mais profunda: a opinião pública havia mudado, as
campo educacional. Tentarei criticar certos princípios que orien- ',v/
\
tam o diagnóstico que o neoliberalisrno formula sobre a natureza
pessoas estavam mais receptivas à prédica insistente dos defen- da crise educacional, em função dos quais é definido, um con- \~ I
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sores do livre-mercado; as pessoas, agora, estavam alertas para junto de estratégias políticas destinadas, ao menos teoricamente.
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se defenderem da voracidade de um Estado disposto a monopo- a superá-la.
lizar tudo, inclusive o bem mais apreciado pelo ser humano - a Voulcntar avanrar aqui na m·cess{tria clec()IJStruç·ao de trí·s
liberdade individual. Em seu prefácio de 1982 à nova edição de argumentos supostamente milagrosos sempre presentes rwsta
Capitalism and rreedom, Milton Friedman reconhecia satisfeito:
"" "as idéias expostas em nossos dois livros ainda se acham muito
distantes ela corrente intelectual predominante, mas são agora,
retórica:
·:v"'
""
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pelo menos, respeitadas pela comunidade intelectual e parece
que se tornaram quase comuns entre o grande público" (1985:
6). Margaret Thatcher já era Primeira Ministra da InglateJTa e
1. A educação funciona mal porque se gasta mal.
2. Os principais responsáveis pela crise educacional são os pro-
fessores porque estão mal formados.
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Llí.JLJLJLJLJ dades. O problema não seria tão graYe se se tratasse apenas de \
• Já consolidados estes regimes, Friedman questionaria a lentidão verificada nas polí- um inocente debate de idéias, ou de urna polêmica acadêmica
ticas de liberalização implementadas pela gestão Reagan. A tirania do status quo- ''-./"
sustentaria com a veemência que sempre o caracterizou - impõe-se implacavelmente sobre os motivos que dão origem à crise educacional no capita-
se os defensores do livre-mercado baiXam a guarda. Além disso, tratava-se de levar
até as últimas conseqüências um programa que, agora sim, a sociedade exigia: "l!onald ,,
I
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lismo contemporâneo. Acontece que estas fórmulas neoliberais
A receita é válida para qualquer governo, seja de esquerda ou de
têm conseguido penetrar no senso comun de nossa sociedade,
I direita, já que se trata de um diagnóstico ineludível que, em
sendo, inclusive, argumentos defendidos geralmente pelos seto-
---~ aparência, descreve com precisão o que ocorre em nossos siste-
res que mais sofrem os terríveis efeitos excludentes provocados mas educacionais.
~ por esses regimes. Deparamo-nos com algo mais do que um
debate de opiniões discordantes. Trata-se de um problema polí- A "democratização da escola" deixou de ser, na perspecti-
~ tico já que, a partir de tais argumentos, o neoliberalismo desen- va neoliberal, um problema central. Inclusive porque a possibili-
volve urna série de estratégias de reforma educacional baseadas dade mesma de alcançar a desejada democratização se subordi-
na a uma questão de ordem maior: a possibilidade de adminis-
l" na necessidade de frear as conseqüências geradas por esses diag-
trar de forma eficiente os recursos já existentes. Em resumo, a
nósticos. O caráter persuasivo dessas mentiras que parecem ver-
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educação funciona mal porque se gasta mal. •
dades se traduz em uma série de receitas políticas que adquirem
I densidade social na medida em que parecem as únicas e No entanto, a realidade transita por uma senda cuja paisa-
;.~ gem é bastante diferente da que nos descrevem os neoliberais e
ineludíveis estratégias a serem levadas a cabo, caso se pretenda \
superar a crise. É neste preciso instante que o neoliberalismo seus intelectuais reconvertidos. Alguns dados podem nos ajudar
~. começa a triunfar. Demonstra-se aí toda a sua força hegemônica. a entender melhor o que ocorreu em matéria de financiamento '\
I E, tragic;uncntc, ~ nesse IIIOIIlcnto que as grandes maiorias co- da educação na América Latina durante os anos 80. Tendência
,(r, ·•
meçam a escolher de forma democrática governos neoliberais, já que, ccitarnente, não foi revertida nos anos 90. \
que são eles os mais confiáveis para fazer aquilo que, definitiva-
~. mente, todos sabem que deve ser feito. Quadro 1 \
I América Latina: gastos do governo por setores, 1980-81 e 1985-87
I
f..-~l. Primeiro argwnento (primeira "mentira"): "a educação (porcentagens do gasto total) \
funciona mal porque se gasta mal" \'
\
;...---........ ...
1980-81 1985-87
Conforme temos discutido em outros trabalhos, sob a pers-
pecth·a neoliberal, a crise educacional reflete, basicamente, a in-
\
0.. Saúde e educação 24,4 18,4
capacidade gerencial dos estados em garantir urna administração Serviços econômicos 19,3 13,6
v \
eficiente dos serviços sociais. • Em tal sentido, o sistema educaci- Administração geral 13,1 9,6
y-....-.....,
Defesa
onal funciona mal não porque faltem recursos, mas sim porque
Pagamento dos juros da
7,7 6,8 \
falta uma melhor administração dos recursos disponíveis. O de- dívida externa 9,0
~
safio é claro (pelo menos para os neoliberais): um gerenciamento Outros I 29,6 I 19,3
33,6
\
mais eficiente das verbas disponíveis podem nos permitir supe-
.~
rar a alta irnprodutividade da escola e, a partir daí, assentar as
Fonte: Comia, G. & F. Steward, 1991, Sistema.ftscal, ajusteypobreza, Colección Estudios
Cieplan N.31, com base em dados do FMI; citado em: Calcagno, A. E. & A. F. Calcagno, \
i bases de uma verdadeira "revolução educacional".•• Enfrenta- 1995, E/ unit'í!rSo neolibera/. Recuento de sus lugares comunes, Alianza Editorial, Buenos
~
mos hoje uma crise de qualidade, crise que pode e deve ser
Aires.
\
~ resokida mediante uma decidida reforma administrativo-gerencial.
\
CJ C i..HJ L.J IJ IJi.JLJLJIJIJ
:--"" • Veja-se: Gentil i (1995); Gentil i & da Silva (1994).
• Veja-se: Moura Castro (1994).
\
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•' Esta é a visão subjacente ao programa de governo que levou Fernando Henrique
Cardoso à Presidência da República. Veja-se Cardoso (1994). \
~
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'~• .... PABLO GENTILI MENTIRAS QUE PARECEM VERDADES
\'/
~
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~ \
Quadro 3 ~
~ \
Quadro2 América Latina: gastos da administração central para o setor edu-
l Crescimento do PIB por habitante, 1981-89 cação e para o pagamento dos juros da dívida. Dados comparati- \
vos, 1972-89 (porcentagens dos gastos totais)
~
\
América latina -8,3 Educação Pagamento de Juros
Argentina -23,5 \~
1972 1989 1972 1989
Bolívia -26,6
Argentina 20,0 9,3 20,0 18,7
\
Brasil -0,4
Bolívia s/d 20,3 s/d 22,2 ~
Colômbia \
+13,9 Brasil 8,3 4,2 18,3 56,7
Costa Rica -6,1 Costa Rica 28,5 17,0 17,2 25,9 \
Chile 14,5 10,1 16,3
Chile +9,6 33,0
Equador 27,5 23,4 22,6 \
32,3
Equador -1,1 El Salvador 21,9 17,6 39,0 26,9
El Salvador -17,4 Honduras 22,3 s/d 18,1 s/d \
México 16,4 12,3 13,4 61,1
Guatemala -18,2 I
Panamá 20,7 19,1 29,1 23,6 \
Haiti -18,6 Paraguai 12,1 11,4 32,7 39,1
Honduras -12,0 Peru 23,6 15,6 23,6 40,4
\
República \/~f
México -9,2 Dominicana 14,2 s/d 18,3 s/d
Nicarágua -33,1 Uruguai 9,5 7,9 12,2 19,1
Panamá -17,2
Venezuela 18,6 s/d 24,8 s/d
\
Paraguai 0,0 Ponte: Elaborado com base em dados do Banco Mundial, Rapport sur le developpement
dans le monde 1991; citado em: Calcagno, A. E., 1992, Elfinanctamtento de la educación
\
Peru -24,7 en América latina, Organización de Estados Iberoamericanos.
\
República DominiCana q.
+2,0 O Quadro 1 evidencia como, na América Latina, a redução
Uruguai
J '
· -7,2 do gasto público social esteve diretamente vinculada à definida \
Venezuela prioridade governamental de fazer frente ao pagamento dos ju-
-24,9
ros da dívida externa e à necessidade de recobrar o equilíbrio \
fiscal das economias. Os recursos orçamentários para o setor edu-
Ponte: Weffort, P., 1992, Qual democracia?, Companhia das Letras, São Paulo. Quadro
elaborado com base em dados da C!::PAL, excluída Cuba. cação diminuíram gradativamente durante os últimos anos, o que \
adquire maior relevância quando se considera o processo de
\
\
f" menor renda perderam um mecanismo compensador. A fessores. E se eles trabalham mal é porque sabem pouco. Seme- \
lhante argumento se associa a outro aparentemente indiscutível:
regressão sefez maior ainda pela supressão de certos sub-
a formação dos professores é uma responsabilidade dos próprios \/
~ sídios, em especial para os alimentos" (Calcagno, A. E.,
professores. A "competência técnica" é, nessa perspectiva, uma
1992: 10). \
questão de esforço e mérito individual, de responsabilidade e
~ dedicação constante de cada um para melhorar seu próprio de-
A conclusão é eloqüente e pouco tem a ver com a aparen-
sempenho profissional. Se a escola funciona mal é porque tem se \
~ temente inegável "verdade" revelada pelos gurus neoliberais: os
~
governos latino-americanos não gastam "mal'' em educação; gas-
tam pouco e cada vez menos. 1
difundido uma "cultura terrivelmente preguiçosa" entre os pro-
fessores.
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.............
'.0.. PABLO GENTIL!
MENTIRAS QUE PARECEM VERDADES
\
~.
Apesar da suposta coerência lógica do citado argumento, a Quadro 4 \
~ realidade nos apresenta outros matizes cuja importância não é Evolução do salário docente na Argentina para três categorias
destacada nos discursos neoliberais. Efetivamente, estudos re- 1987-92 (base 1987=100) \
k centes demonstram que, no que se refere ao desempenho profis-
sional dos professores, duas tendências se aprofundaram nos úl- \
k. Ano• .. I Primário I ~dário Universitário••
t-..
~
timos anos: o pluriemprego e a deterioração salarial. Os docen-
tes trabalham mais horas, em mais de um estabelecimento edu-
cacional, em piores condições e recebendo salários cada vez 1987 .
1988
100,0
79,3
.
f·
,.,.
100,0.
. 94,0
100,0
107,6
\
\
~
I
menores. O problema central está nas condições de trabalho, as
quais, como é óbvio, não são definidas individualmente pelos
professores, mas são produto de decisões e opções políticas as-
1989
1990 'c'\
66,1
54,8
177,5
.
; 64,3
56,7
100,0
74,6
'\'/
\
49,9 69,2 \
~ uma tendência presente e constante em todos os países da América 1992 . 47,0 '
'
. 52,7 64,6
Latina, principalmente naqueles que aplicaram os intransigentes pro- \
t-.. gramas de ajuste econômico promovidos pelo Banco MundiaJ.3
A Argentina é um trágico, ainda que ilustrativo, exemplo
• São consideradas as médias anuais.
•• Corresponde a: professor primário (escola comum); professor de ensino médio com 30
\/
~ desta tendência. 4 Com efeito, como assinala, a partir de dados horas/aula; professor universitário, categoria titular com dedicação exclusiva. Em todos
oficiais, um relatório recente do Sindicato Único de Trabalhado-
os casos é considerado o salário corrrespondente a 24 anos de tempo na docência.
Fonte: Dados elaborados por Bernardino Gurrnan, segundo infonnação do Ministério de \
/.__; res da Educação de Buenos Aires (SUfEBA), quase 50% dos Educação da Nação e Secretaria de Fazenda.
I
.>''-...
PABLO GENTILI MENTIRAS QUE PARECEM VE~DES
....
•
.\
\
/.
.
Quadro 5 deste processo, ou atribuí-la aos próprios professores de forma
~
Deterioração salarial do professor universitário comparado com individual, é apenas um recurso discursivo coerente com os prin-
\
salários correspondentes a pessoal não-qualificado em algumas cípios que normatizam a retórica conservadora de nossas elites \
1---. atividades industriais e da construção (base 1988=100) intelectuais. Nada disto pode ser defendido com o mínimo apoio
/,, empírico. Em primeiro lugar, porque, tal como demonstramos, \
1988 I 1991 os dados indicam uma clara deterioração nas condições de traba-
h-.. ~~'"
- lho docente (baixos salários e pluriemprego). Em segundo lugar, \
Professor universitário 100 64,3 porque várias experiências levadas a cabo na América Latina evi-
~- Alimentação 100 81,5 denciam a determinação das organizações democráticas do pro- \
Têxtil 100 76,1 fessorado (sindicatos e associações profissionais) de compensar
/
i--'->. Calçado 100 109,1 os terríveis efeitos que a falta de formação produz no desempe- \
Madeira 100 85,2 nho cotidiano dos trabalhadores da educação. Um número nada
1---. Gráficos
':."
100 82,7 desprezível de experiências de formação docente implementadas
\
Metalúrgicos 100 77,7 pelas organizações sindicais de professores e, em alguns casos,
l. Mecânicos 100 84,8 pelas universidades públicas, demonstram o interesse crescente
\
Plásticos 100 86,3
j,, Construção
~t ',
100 74,8
destas entidades em superar os efeitos perversos de um conjunto
de políticas que, deliberadamente, geraram uma intensa e pro-
\
~
Ponte: Elaboração própria com base em dados do Ministério de Trabalho e Seguridade
Social e idem Quadro 4.
gressiva desvalorização da atividade do magistério (sendo a \
desqualificação formativa dos docentes apenas um de seus indi-
I
~ nossos intelectuais reconvertidos se deixa deslumbrar pelo que exclusão social. Poderíamos, por exemplo, mencionar a óbvia
não passa de mentiras que parecem verdades. O mercado de
~ trabalho, para cujo desempenho "competitivo" devem ser forma-
das nossas crianças, é um espaço brutalmente discriminador. Pen-
corretação entre discriminação racial e analfabetismo; o fato de
que as mulheres sofrem mais intensamente os mecanismos de
\
fJ
semos, por exemplo, no caso brasileiro, onde:
exclusão existentes tanto no mercado de trabalho quanto no mer- \ q
!.:_. cado educacional; o terrível impacto que tais processos têm so-
:I
'\---./'
I
\
~
,.
PABLO GENTIL!
MENTIRAS QUE PARECEM VERDADES
··•
.....
~-.
Se as conseqüências de semelhante argumento são óbvias, Notas y ..
~ não menos óbvia pode ser nossa conclusão: a educação funcio-
f__. na mal- entre outras razões- porque o mercado de trabalho 1 A correlação existente entre um tipo de estrutura tributária v
funciona ''mal': porque exclui, discrimina, porque ele é em nos- profundamente regressiva, característica das economias latino-
sas sociedades um mecanismo de diferenciação profundamente americanas, e a redução do recursos existentes. Mais do que um "\:'
l--. aumento dos investimentos orçamentários supostamente neces-
antidemocrático. \
I
f/'-.. ••••• sário, precisa-se de uma "revolução gerencial" na sua administra-
O aumento da pobreza e da exclusão conduz à conforma-
ção. Semelhante explicação baseia-se, claro, numa realidade \
I~ ção de sociedades estruturalmente divididas nas quais, necessaria-
ficcional. Com efeito, nos países da América Latina produziu-se
I mente, o acesso às instituições educacionais de qualidade e a
uma série de tendências que refutam os aparentemente \
~ tranqüilizadores dados sobre o investimento em educação leva-
permanência nas mesmas tendem a se transformar em um privi-
do a cabo pelos governos da região. Por um lado, o PIB per \
t-.. légio do qual gozam apenas as minorias. A discriminação educa-
cional articula-se, desta forma, com os profundos mecanismos
capita diminuiu ou, no melhor dos casos, manteve-se estável.
Por outro, a desigualdade distributiva se aprofundou. Esta ques- \
f__. de discriminação racial, sexual e regional historicamente existen-
tão é particularmente relevante. Segundo dados da CEPAL (Pa-
tes em nossas sociedades. Tais processos caracterizam a dinâmi-
norama Social de América Latina- Edición 1994), enquanto os \
ca assumida pela economia-mundo capitalista, apesar de se con-
I" cretizarem com algumas diferenças regionais evidentes.
40% mais pobres, entre 1980 e 1992, sofreram variação negativa
\
em sua renda real de -13% (para o caso argentino), -19% (para o
I Nesse contexto, os neoliberais estão tendo um grande êxi-
I~ brasileiro), -lo/o (para o mexicano); os 10% mais ricos gozaram,
to em impor seus argumentos como verdades que se derivam da no mesmo período, de um significativo incremento: +13% (na \
natureza dos fatos. Desarticular a aparentemente inquestionável
t-.. racionalidade natural do discurso neoliberal constitui apenas um
Argentina), +5% (no Brasil), +51% (no México). O caso chileno é
sumamente interessante. No Chile, entre os anos de 1980 e 1992,
\
dos desafios que temos pela frente. No entanto, trata-se de um os 40% mais pobres da população viram reduzir-se a sua renda
f__. desafio do qual depende a possibilidade de construir uma nova real em -5%, enquanto os 10% mais ricos tiveram um incremento
\
hegemonia que dê sustentação material e cultural a uma socieda-
~ de plenamente democrática e igualitária.
de +21% (Calcagno, A. E. & A. F. Calcagno, 1995, op. cit.). Final- \
mente, longe do otimismo oficial, o gasto real per capita com
educação sofreu, na América Latina, uma brutal deterioração \
~ durante os últimos anos (em 1988 era aproximadamente 30%
/
inferior ao ano de 1980). Quando se apresentam os gastos totais \
~ com educação como porcentagem do PIB se diluem estas ten-
dências que, de fato, marcam a brutal diferença existente entre o \
I
~ investimento em educação realizado nos países centrais e o, por
assim chamá-lo, "investimento em educação" realizado pelos go- \
~ vernos das nações do Terceiro Mundo. Vejamos:
\1
t-.. v
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