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Experimentos em Psicologia - A unanimidade burra de Solomon Asch

O próximo pesquisador apresentado por Lauren Slater (em Opening Skinner's Box: Great Psychological
Century é Stanley Milgram, que realizou
Experiments of the Twentieth Century) lizou um dos mais perturbadores
Experimentos em Psicologia de que se tem notícia. Enquanto cursava Ciências Políticas no Queens
College,, Nova Iorque, ele participou como assistente de Solomon Asch em algumas de suas pesquisas.
Da admiração pelo seu mentor, Milgram decidiu mudar de área. E do mais famoso estudo de Asch - o
efeito da pressão social na conformidade - buscou o tema central do seu próprio experimento.
Vejamos, então, que extraordinárias teorias o teriam levado a tomar tais decisões.

Solomon Asch nasceu em Varsóvia, na Polônia, em 14 de setembro de 1907 e mudou-se


mudou se para os EUA
com sua família em 1920. Completou seu Doutorado em 1932 na Universidade de Colúmbia e na década
de 1950 começou a elaborar suas pesquisas acerca da pressão social exercida pelos grupos. A pergunta
que ele pretendia respoder era: como e até que ponto as forças sociais moldam as opiniões e atitudes
das pessoas? Era uma época em que as telecomunicações experimentavam
experimentavam crescentes avanços e, desde
então, já havia a preocupação do poder de influência que a mídia poderia exercer na população
população.

Imagine a leitora numa sala com mais sete outros estudantes, cuja tarefa no experimento sobre
acuracidade visual, para o qual se ofereceram como voluntários, era olhar
olhar a linha vertical da figura mais
à esquerda e encontrar sua correspondente
dentre as três linhas da outra figura. Moleza!,
você pensa. E todos respondem letra "C". No
próximo par de figuras, nenhum problema e
todos respondem a mesma óbvia opção.

Quando a leitora já começava a se arrepender


de estar ali - pois tudo indicava uma tediosa
atividade para identificar aspirantes a cego - o
primeiro colega da sala a responder claramente
cometia um erro. "Como ele pôde? Uma linha é
visivelmente maior do que a outra!",
ra!", você pensa
inconformada. Mas aí o seguinte comete o
mesmo erro. E também o terceiro e todos os
demais. Você é a última e responde diferente
dos demais. Todos olham para você. Que coisa estranha!

No par de figuras seguinte, aquele idiota da primeira cadeira


cadeira erra novamente. E todos vão atrás. Você
tem certeza que eles estão errados. Mas como podem todos estarem errados e você estar certa? Você
responde de maneira diferente novamente.

Na próxima rodada você já não tem tanta certeza se está certa. Sua insegurança
insegurança começa a dar lugar à
angústia. Será que você não está enxergando direito? Que constrangimento responder de maneira
diferente de todos! Ah, quer saber? posso até errar, mas acho melhor responder igual aos outros. Não
estou me sentindo bem discordandodo de todo mundo, divergindo dessa estranha unanimidade.

No fim do experimento você descobre, porém, que o único voluntário de verdade era você.. Os outros
sete ali presentes eram atores que faziam parte da pesquisa. Todos foram orientados para dar as
respostas erradas para ver até que ponto você resistiria sendo a única dissidente da sala. Pouco, muito
pouco. Você não agüentou ser a única respondendo diferente e passou a acompanhar o grupo, mesmo
tendo certeza (ao menos no início) de que estava dando a resposta
resp errada.

Mas espere um pouco! Como reagiram os outros voluntários? Quantos deles teriam capitulado ante à
pressão do grupo e passado a dar respostas erradas também? Curiosamente, os resultados do
experimento
o haveriam de lhe trazer algum conforto...
**********

No total, 123 voluntários (reais) participaram da pesquisa e eles sempre eram os últimos ou penúltimos
a responder. Nos dois primeiros testes os assistentes respondiam de forma correta, para deixar o
voluntário à vontade, confiante. Mas nos quatorze seguintes eles deveriam errar doze, de modo que o
voluntário não desconfiasse de alguma armação - o que ocorreu em poucas ocasiões e os resultados
foram desconsiderados no cômputo final. Além disso, eles erravam juntos, apontando a mesma linha.
Considerando que a estimativa de respostas erradas nesse tipo de teste é de menos de 1 em 35
(menos de 3%), os resultados foram assombrosos:

• 75% dos participantes escolheram a alternativa errada ao menos uma vez;


• 37% dos voluntários erraram a maioria das respostas;
• 5% deles acompanharam a opção incorreta todas as vezes.

Asch e seus colegas ficaram intrigados com o efeito opressor que um grupo poderia exercer sobre seus
indivíduos e resolveu investigar mais a fundo os fatores que mais determinavam esse tipo de influência.

As posteriores variações do experimento verificaram que:

.: O tamanho do grupo influi negativamente de forma diretamente proporcional e até um certo limite.
Quando confrontado com apenas um outro participante, o indivíduo praticamente não mudava de
opinião. Contra dois assistentes, o voluntário aceitava a resposta errada em 13,6% das vezes. Se fossem
três adversários, o erro subia para 31,8% e permanecia estável. Isto é: a partir de três oponentes o
tamanho da unanimidade já não
fazia mais tanta diferença.

Na prática, isso parece sugerir que


trabalhar com grupos muito
grandes pode ser
contraproducente, na medida em
que algumas opiniões dissidentes
podem se perder no caminho, em
virtude da pressão da maioria. Por esse motivo os especialistas recomendam que o ideal é formar
pequenos conjuntos de até três ou quatro indivíduos.

.: Um aliado aumenta a resistência, pois quando o inocente voluntário tinha o apoio de outro indivíduo
na sua discordância, as chances de ele mudar de opinião em favor da maioria caíam em 75%. O
interessante era que o aliado nem precisava escolher a resposta certa. Bastava que ele divergisse da
maioria. No caso ilustrado anteriormente, por exemplo, se todos escolhessem "A" e o aliado escolhesse
"B", já era suficiente para que o voluntário se sentisse mais à vontade para apontar a correta resposta
"C".

Mas a importância desse aliado está em sua convicção, não em sua presença física. Se após discordar
da maioria nas primeiras respostas o aliado
mudasse de lado e passasse a errar junto
com os demais, o voluntário perdia sua
coragem. Após a deserção do seu aliado, os
índices de erro passavam a ser iguais ao do
experimento original. Por outro lado, se o
aliado fosse retirado da sala no momento
em que ainda dava respostas corretas, o
voluntário mantinha-se independente,
respondendo diferente da maioria.
Particularmente considero essa variação uma das mais intrigantes, pois ela ilustra como somos sensíveis
à opinião de estranhos quando nos encontramos numa situação de desvantagem ou de informações
insuficientes. Este é, basicamente, o formato mais comum dos chamados Contos-do-Vigário, onde um
desconhecido oferece ajuda, convencendo a vítima a confiar no golpista que lhe aborda.

Ela sustenta, também, a importância da heterogeneidade dos grupos, como destaca James Surowiecki
em The Wisdom of Crowds. Surowiecki lembra que a diferença não só contribui trazendo novas
perspectivas para o ambiente, mas também ajuda os integrantes a expressarem mais livremente suas
opiniões - sejam elas divergentes ou não (pp. 38-39).

Mas a mais pitoresca de todas as adaptações do estudo de Asch foi realizada por Vernon Allen.
(Infelizmente não encontrei a fonte original nem a referência do artigo/livro e, assim, baseio-me na
descrição de Ori e Rom Brafman em Sway: The Irresistible Pull of Irrational Behavior.) Antes de iniciar os
supostos experimentos de acuracidade visual, os voluntários tinham que preencher um formulário
qualquer isolados numa sala. Assim que iniciavam essa tarefa, um dos pesquisadores alegava falta de
salas e introduzia um segundo "voluntário" na sala.

Este era, na verdade, mais um ator com uma característica


muito peculiar: ele usava óculos de lentes grossíssimas,
denunciando uma acentuada dificuldade visual.
Reforçando essa característica, ator e pesquisador
encenavam um diálogo, onde o primeiro perguntava se a
tarefa incluía algo em que fosse necessário enxergar de
longe. O segundo respondia que sim e pede que o ator leia
um cartaz pregado na parede, no que ele, previsível e
propositadamente, falha. O pesquisador diz, então, que
precisam terminar o estudo de qualquer forma (estão
atrasados, com falta de pessoal, blá, blá, blá...) e sugere
que ele responda às perguntas de qualquer maneira,
prometendo não computar suas respostas.

O resultado mostrou que os voluntários reais reduziam sua


conformidade em 30%, ou seja, aproximadamente um
terço deles sentiam-se mais à vontade para discordar da
maioria, ainda que fossem amparados por um aliado
visivelmente (que beleza de trocadilho!) incompetente.

.: A discrepância do erro não influi no resultado, apesar


de a intuição sugerir o contrário. Ainda que as figuras
fossem exageradamente diferentes umas das outras, isso
não diminuía a incidência de respostas erradas do voluntário.

Isso significa que, independente do absurdo da situação, a cega imitação das atitudes de um grupo pode
nos levar a comportamentos que sequer cogitaríamos individualmente.

**********

Nas entrevistas posteriores ao experimento, os 25% que se mantiveram firmes em suas decisões em
todos os testes mostraram uma grande capacidade de se recuperar das dúvidas que experimentaram ao
confiar em seus julgamentos. E, diga-se de passagem, sentiram-se aliviados ao saber que o estudo
continha uma pequena farsa...

Já dentre os que mais se conformavam com o grupo, suas principais características eram a baixa auto-
estima ("devo estar errado") e o desejo de não comprometer o estudo discordando nas respostas. O
mais intrigante, porém, era o fato de eles não se considerarem conformistas.
Em seu brilhante Iconoclast: A Neuroscientist Reveals How to Think Differently*, o neurologista
americano Gregory Berns chega a questionar a influência do grupo sobre a percepção das pessoas.
Apesar de os voluntários garantirem terem dado a resposta incorreta (mesmo sabendo a verdadeira),
eles honestamente questionavam suas convicções. Alguns duvidavam daquilo que estavam
vendo. Aparentemente as percepções permaneciam intactas, mas a fé das pessoas nos seus sentidos,
esta sim, parece irremediavelmente abalada pela influência externa alterando, aí sim, as decisões
tomadas. E, no fim do dia, o que importa mesmo são as decisões.

**********

O estudo de conformidade de Solomon Asch dá indícios sobre o poder de influência que os grupos
exercem sobre os indivíduos. Mostra que o simples desejo de pertencer a um ambiente homogêneo faz
com que as pessoas abram mão de suas opiniões, convicções e individualidades.

Imagine crianças e adolescentes que são forçados a permanecer longos períodos de tempo convivendo
em grupos a que eles não escolheram pertencer, como a classe da escola, por exemplo. Em ambientes
onde o diferente acaba marginalizado ou ridicularizado, a pressão por seguir o grupo pode ser
irresistível a um jovem com pouca maturidade ou personalidade. E, assim, muitos começam a fumar,
beber e usar drogas.

Mas nem só em ambientes mais inocentes


encontramos indivíduos sucumbindo à
multidão. A tendência de seguir a opinião
dos outros comumente é chamada de
efeito manada em finanças, identificando
um movimento onde os investidores
seguem determinada direção, polarizando
a tendência do mercado. Atitudes
semelhantes podem ser observadas,
também, em algumas religiões,
agremiações políticas, moda e diversos
outros grupos de indivíduos cujas
preferências mudam com o tempo. Ou
seja, todos.

Ainda que a vida em sociedade dependa


de consensos, eles só serão produtivos na medida em que os indivíduos contribuirem com suas
experiências pessoais e considerações particulares. Quando o consenso é produto da dominação ou da
conformidade, o processo social é corrompido e os valores individuais são deixados de lado.

Fato é que, de maneira consciente ou não, estamos todos sujeitos às pressões do ambiente, seja ele
físico ou psicológico. Há várias situações em que nossas atitudes são fortemente influenciadas por essas
pressões e muitas formas de explorar tal comportamento - para o bem e para o mal. O que precisamos é
estar atentos a essas armadilhas e identificar - de forma sincera, humilde e desprendida - que tipo de
decisões tomamos por nossa própria e independente vontade e quais as que visam a paz de espírito de
não ir contra a multidão.

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O experimento de Asch mostra uma forma de tomar decisões inocentes quando sob efeito da influência
do comportamento do grupo. Mas o que acontece quando as decisões não são assim tão inocentes?
Como reagem as pessoas que são instigadas a inflingir dor e sofrimento a um desconhecido? A seguir, os
perturbadores estudos de Stanley Milgram.

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