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no Enfrentamento
à Violência
CONTRA MULHER

4
Homens na
Sociedade Ocidental
os impactos produzidos
pelas mudanças nas
relações de gênero
Rose Marques
Kevin Batista
Hugo Dantas
50 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA
UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE

Copyright © 2021 Fundação Demócrito Rocha

FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR)


Luciana Dummar Presidente
André Avelino de Azevedo Diretor Administrativo-Financeiro
Marcos Tardin Gerente Geral
Raymundo Netto Gerente Editorial e de Projetos
Chico Marinho Gerente do Canal FDR
Andrea Araujo Gerente Marketing & Design
Aurelino Freitas, Emanuela Fernandes e Fabrícia Góis Analistas de Projetos
Isabel Vale Editora de Mídias

UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (Uane)


Viviane Pereira Gerente Pedagógica
Marisa Ferreira Coordenadora de Cursos
Joel Bruno Designer Educacional
Isabela Marques Desenvolvedora Front-End

CURSO O PAPEL DO HOMEM NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA MULHER


Valéria Xavier Concepção e Coordenadora Geral
Leila Paiva Coordenadora de Conteúdo
Raymundo Netto Coordenador Editorial
Andrea Araujo Editora de Design e Projeto Gráfico
Miqueias Mesquita Designer
Kamilla Damasceno Estagiária de Design
Daniela Nogueira Revisora
Carlus Campos Ilustrador
Beth Lopes Analista de Projetos
Fábio Júnior Braga Analista de Marketing
ISBN 978-85-7529-964-7 (Coleção)
ISBN 978-65-86094-99-2 (Fascículo 4)

Este fascículo é parte integrante do curso O Papel do Homem no Enfrentamento


à Violência contra Mulher, em decorrência do Termo de Fomento celebrado entre
a Fundação Demócrito Rocha e Assembleia Legislativa sob o nº 011/2021.

Todos os direitos desta edição reservados à:


Fundação Demócrito Rocha
Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora
CEP: 60.055-402 - Fortaleza-Ceará
Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148
fdr.org.br | fundacao@fdr.org.br
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no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER

SUMÁRIO
Introdução 52
1. Gênero e transformação
das representações sociais 55
2. Mídia, masculinidade e violência 58
Referências 63
52 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA
UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE

INTRODUÇÃO

S
e você chegou até aqui, é prová- reflexão sobre a construção da masculini-
vel que já tenha refletido sobre dade”. Neste vídeo você encontra uma sé-
como educamos nossos filhos, rie de entrevistas e falas que estimulam
sobre as masculinidades que a reflexão sobre o que pode ser um ho-
são legitimadas socialmente e tantas ou- mem, enfatizando a pluralidade das mas-
tras inquietações. Você, sendo homem, já culinidades e suas construções ao longo
parou para pensar sobre suas atitudes e/ da história de brasileiros e brasileiras.
ou omissões no exercício dessas masculi- Nas próximas páginas, você será convi-
nidades? E você, mulher, como tem perce- dada/convidado a pensar sobre a constru-
bido a construção dessas masculinidades ção dessas masculinidades no Ocidente e
no cenário em que vive? como as mudanças nas relações de gênero A masculinidade
A história nos conta a imagem de um mobilizam o questionamento da masculi- hegemônica
É um referencial estático
homem necessariamente provedor, chefe nidade hegemônica (branca, heterosse- sobre “ser homem”.
e ativo. Aliás, a atividade é colocada sem- xual e dominante) e a visibilidade e a pro- Incorpora a ideia de
pre como um atributo essencial do mascu- dução de outras e novas masculinidades. “honra” de ser homem
lino/homem, pois “homem de verdade” é A imagem do homem na sociedade e defende que todos os
aquele que nada teme, nem mesmo usar a ocidental passa da lógica de guerra à ló- homens devem tê-la
como ideal. Segundo
força para exercer seu poder. Mas, afinal, gica capitalista. Desloca-se da Era Medie- esse referencial, os
o que é ser homem em nossa sociedade? val e a defesa do rei por meio da paixão, homens são superiores
Até aqui, você também pôde acessar da violência e da crueldade, atravessan- às mulheres e o homem
algumas perguntas e outras respostas do as formas violentas de defesa da hon- branco, cisgênero,
sobre homens, masculinidades e como ra da família e da Nação pelos duelos, heterossexual, urbano
e de classe média
eles são construídos na sociedade. Para para, enfim, chegar à imagem de homem
está em um patamar
saber mais como essa construção acon- moderno que sabe usar da polidez e do maior na hierarquia
tece aqui, no Brasil, você pode assistir ao cavalheirismo. Esse último serviria ao Es- social (CONNELL;
documentário “O que te torna viril? Uma tado, à família e ao trabalho. MESSERSCHMIDT, 2013).
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no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER

#FICAADICA
• Assista a “O que te torna viril?
Uma reflexão sobre a construção
da masculinidade”.
Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=znQaRkcNblg&t=70s
• Veja o documentário
“O silêncio dos homens” (2019).
Disponível em: https://
www.youtube.com/
watch?v=NRom49UVXCE&t=2768s
• “Precisamos falar com os
homens? / Do we need to talk
to men?: uma jornada pela
igualdade de gênero” (2017)
Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=jyKxmACaS5Q&t=2354s
54 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA
UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE

As alegrias, a sensibilidade, a cordiali-


dade, a leveza e a cooperação são tidas
como indesejáveis características “de mu-
lherzinha”; também são tidas por fraque-
zas e precisam ser negadas e distanciadas.
Daí a compreensão de autores e autoras
que percebem que essa masculinidade
ocidental se dá pelo imperativo “seja ho-
mem” e a negativa “não seja mulherzinha”
(WELZER-LANG, 2001; ZANELLO, 2020).
Diante disso, muitos são os diálogos, os
trabalhos e as pesquisas contemporâneas
sobre os problemas que envolvem homens e
masculinidades; sua construção social; saúde
e saúde mental dos homens; afetividades e
sexualidades; paternidades e parentalidades;
homens autores de violência, dentre outros.
Para compreender melhor como têm
acontecido esses diálogos, veja o docu-
mentário “O silêncio dos homens” (2019).
Essa imagem do homem ocidental é Esse filme, realizado pelo Instituto Papo
trazida e imposta pela colonização. O co- de Homem, aborda as dores, as qualida-
lonialismo, como exercício de força de des, as omissões e os processos de mu-
nações sobre outras pela conquista e do- dança dos homens em nossos contextos
minação, forma a masculinidade à sua brasileiros. O documentário é fruto de
imagem e semelhança. Sustenta que ho- uma pesquisa com mais de 40.000 respos-
mens devem ser dominadores e conquis- tas obtidas e meses de gravações.
tadores (LUGARINHO, 2013). Você pode também ampliar essa dis-
Ao mesmo tempo, o ideal de masculi- cussão com o documentário “Precisamos
nidade dominante torna invisível a pró- falar com os homens? / Do we need to talk
pria humanidade desses homens, pois ele to men?: uma jornada pela igualdade de
forma uma verdadeira armadura de ferro gênero” (2017) fruto do movimento #Eles-
que esconde as dores, dúvidas, angústias PorElas (HeForShe). O filme debate que a
e traumas. Essa humanidade é encarada igualdade de gênero é uma questão que
como fraqueza que precisa ser eliminada afeta a todos e todas, fruto de uma pesqui-
para sustentar o homem todo poderoso. sa qualitativa realizada em todo o Brasil.
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no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER

1
GÊNERO E TRANSFORMAÇÃO
DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

O
s mesmos questionamentos As representações sociais de mulheres
que lhe trouxeram até este tex- e homens foram construídas a partir dessa
to têm afetado muitas outras divisão entre papéis de homens e papéis de
pessoas para um grande movi- mulheres. Esses papéis são determinados
mento de mudança. Não é mais admissível social e historicamente, sendo os papéis de
viver numa sociedade estruturada pelas cuidado e reprodução atributos considera-
desigualdades de gênero, com ampla tole- dos “naturais” das mulheres, e os papéis
rância às violências contra mulheres. Mas de liderança, produção, trabalho e supri-
você sabe o que é gênero? Provavelmente já mento são “essencialmente” dos homens.
ouviu alguma explicação abstrata ou mes- Essas fronteiras de gênero, em que um lado
mo restrita ao sexo biológico e noções de é a dominação e o outro é a subordinação,
“masculino” e “feminino”. Mas gênero é, so- alimentam a existência de um ideal de fa-
bretudo, um jeito de pensar e ver o mundo, mília nuclear, heterossexual e monogâmi-
sempre considerando a forma como os in- ca, que é considerado o núcleo central da
divíduos são afetados a partir de suas iden- sociedade. Tal modelo de família é patriar-
tidades, performances e construção social. cal, herança da colonização.
Gênero também é uma categoria de aná-
lise, como sustentam algumas autoras fe-
ministas, podendo ainda ser entendido de
muitas outras formas. É possível aprofun-
dar essa leitura a partir das referências ao
fim do texto e também assistindo ao vídeo
“Vulnerabilidade social, gênero e masculini-
dades: leituras interseccionais”, produzido
pelo Núcleo Feminista de Pesquisas em Gê-
nero e Masculinidades (Gema), da Universi-
dade Federal de Pernambuco (UFPE).
56 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA
UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE

Essa família nuclear patriarcal como


padrão único de existência, tem sido mui-
to reivindicada por discursos religiosos
fundamentalistas, atribuindo a esse mo-
delo de família a sustentação da estrutura
social. Entretanto, quando se referenda
um padrão de família heterossexual, mo-
nogâmica, branca, cristã e detentora de
propriedades como absoluto, há um efei-
to revés perigoso e nocivo, sobretudo ao
SAIBA MAIS alimentar violências das mais diversas
formas e ódio a todas as pessoas e identi-
Muitos são os estudos sobre gênero
como categoria de análise. dades que não cumpram esse dispositivo.
Esse perigo é potencializado quando
Podemos destacar um texto cânone
os fundamentalismos influenciam tam-
de Joan Scott (SCOTT, 1990) e muitas
bém as políticas públicas e a elaboração
outras reflexões críticas feministas a
de leis. Você conhece alguém que acredi-
partir dele, sobretudo em tempos de
ta que a família é composta apenas por
olhares e perspectivas decoloniais.
homem e mulher, cabendo ao homem o
SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria papel de provedor e chefe da família? É
útil de análise histórica. Educação e bem possível que sim. E isso não é um
Realidade, v. 15, n. 2, p. 5-22, 1990. problema, desde que as crenças, os va-
lores e as religiões de cada pessoa não
determinem a forma como o Estado res-
ponde às questões sociais, que deve con-
siderar todas as realidades. Sobre mas-
culinidades e religiosidades, é possível
aprofundar o estudo a partir do trabalho
da professora Fernanda Lemos (2011).
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no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER

A violência doméstica e familiar contra as


mulheres, algo já conhecido e muito aborda-
do neste curso, encontra guarida nesse pa-
drão de família. Sobre as mulheres recaem
TÁ NA LEI
responsabilidades sobre-humanas de ma- Código Penal Brasileiro (CPB)
nutenção da harmonia do lar a qualquer cus- Divulgação de cena de estupro ou de
to, inclusive o da violência. O papel sagrado cena de estupro de vulnerável, de cena
(e sacralizado) na mulher na família está inti- de sexo ou de pornografia
mamente relacionado à forma como as mas- Art. 218-C. Oferecer, trocar,
culinidades são construídas nesse espaço. disponibilizar, transmitir, vender ou expor
A reafirmação perversa dessa masculini- à venda, distribuir, publicar ou divulgar,
dade hegemônica e da validação da virilida- por qualquer meio – inclusive por meio
de se manifesta, por exemplo, na chamada de comunicação de massa ou sistema de
pornografia de vingança. É quando a internet informática ou telemática –, fotografia,
se torna palco da violência e há a divulgação vídeo ou outro registro audiovisual que
de imagens íntimas, normalmente como re- contenha cena de estupro ou de estupro
vanche para a reparação da masculinidade de vulnerável ou que faça apologia
perdida (MILNER, 2020). No Brasil, essa divul- ou induza a sua prática, ou, sem o
gação não autorizada de imagens e conteúdo consentimento da vítima, cena de sexo,
sexual foi criminalizada pela Lei 13.718/2018. nudez ou pornografia:
Seja na internet, seja na vida real, mui-
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos,
tas são as demonstrações de que as vio-
se o fato não constitui crime mais grave.
lências baseadas no gênero têm um refle-
xo perverso sobre nossa sociedade, mas
inegavelmente é contra as mulheres que
ela se revela. Assim, pensar criticamente #FICAADICA
como construímos ou validamos repre- Vulnerabilidade social, gênero e
sentações das masculinidades é vital para masculinidades: leituras interseccionais.
superar padrões de dominação.
Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=B4k_xL9XKEE
58 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA
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2
MÍDIA, MASCULINIDADE
E VIOLÊNCIA
O
“homem ocidental” tem a es- A família já foi abordada no primeiro
cola, as mídias e a família pa- tópico como espaço de pedagogia da vio-
triarcal como pilares para sua lência e subordinação. As pedagogias atra-
construção e sustentação. Es- vessam a família e se intensificam na esco-
ses âmbitos por séculos fundamentam e la. No período colonial, apenas os meninos
naturalizam a superioridade dos homens eram levados à escola para consolidação
sobre mulheres e crianças, enaltecendo as da moral colonial, princípios fundamentais
qualidades ditas “masculinas” como ide- da masculinidade hegemônica (branca,
ais e desejadas. Mas você já pensou sobre heterossexual, dominante). E por mais que
a base histórica deste edifício? atualmente a escola seja lugar de educação
Perceba que a estrutura colonial euro- para todas e todos, esse espaço reproduz,
peia impôs aos povos latino-americanos muitas vezes, a estrutura de dominação
e brasileiros modos, costumes e visões de masculina e subordinação das mulheres
mundo que sustentam a violência como desde meninos e meninas. Para ampliar
força da civilização e a violação do corpo esse diálogo sobre a escola, sugerimos a
das mulheres como sinônimo de povoa- playlist “Desafio da igualdade” no perfil da
mento. Neste processo de colonização, a Plan Internacional Brasil no YouTube.
oposição entre masculino e feminino con- Nesse contexto educacional, caracte-
tribuiu para uma cultura de exclusão das rísticas como dominação, protagonismo,
mulheres dos espaços públicos e das de- competitividade e liderança são algumas
cisões políticas, intensificando o sexismo, associações ao “universo masculino” es-
a misoginia e a homofobia. Isso signifi- timuladas, ao mesmo tempo, como cami-
ca, respectivamente, a discriminação das nhos de sucesso na vida adulta. Prepara-
mulheres por serem mulheres; o ódio e a -se o menino para se tornar o homem viril
aversão às mulheres; e a discriminação e a e de sucesso nos negócios.
aversão a homens “afeminados”, os quais Portanto, atrelar atributos ditos mascu-
se assemelham de alguma forma a carac- linos ao reconhecimento, sucesso e cresci-
terísticas femininas, pela forma de falar, mento profissional é um mecanismo que
de comportar-se ou de amar. sustenta os homens e as masculinidades
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no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER

VOCÊ
SABIA? em lugar de poder, tomada de decisão e pri-
Os mecanismos de homofobia e vilégios a partir de comportamentos como
sexismo são faces da mesma moeda agressividade, competitividade e arrogância.
do machismo. Para o pesquisador Enquanto isso, leveza, parceria e cooperação
Daniel Welzer-Lang (2001; 2004), eles são tidas por atitudes fracas, não cabem no
promovem a hierarquização entre empreendedorismo e no ramo comercial.
homens/homens, mulheres/mulheres Certamente você já deve ter ouvido a ex-
e homens/mulheres. São formas de pressão “mercado predatório”. Essa carac-
controle social que se exercem entre os terística exigiria dos trabalhadores (a priori,
homens desde os primeiros passos da homens) agressividade, coragem e violên-
educação masculina. Assim, para que o cia para sobreviver a essa “selva”. Um curta
homem seja valorizado, ele precisa ser Síndrome que expressa muito isso é o “Purl”, da Dis-
viril e demonstrar superioridade, de Burnout ney Pixar, também disponível no YouTube.
força e competitividade. Distúrbio Mas, então, você pode se perguntar:
psíquico “E esses comportamentos são negativos?
produzido
Qual é o problema de essas característi-
pela exaustão
extrema no cas masculinas serem estratégias dentro
âmbito do do mundo capitalista?”. Aqui é preciso
trabalho. parar e refletir. Por ser violenta e viola-
dora, essa masculinidade (hegemônica)
imposta e convocada pela sociedade é
danosa a todas e todos que estão em vol-
ta do homem, inclusive contra ele mesmo
(ZANELLO, 2020). São justamente esses
comportamentos que promovem assédio
moral e sexual no ambiente de trabalho,
produzem trabalhadores compulsivos
(workaholics) e Síndrome de Burnout.
Dentre os veículos de propagação,
imposição e convocação dessa mascu-
linidade danosa, estão as mídias. Desde
a invenção da rádio e das revistas, são
estratégias de grande propagação de
informações. Mas não só isso: elas pro-
duzem cultura e ditam comportamentos.
Após as duas grandes guerras mundiais,
consolidaram-se também o cinema e a
televisão na produção da cultura de mas-
sa. E após os anos 1980, com a chegada
da internet ao Brasil, a propagação de no-
tícias, conteúdos e discursos sociais man-
tém-se crescente entre as populações.
60 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA
UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE

Esses instrumentos de propagação dos


papéis de gênero foram esquematizados
primeiramente em revistas femininas e re-
vistas masculinas. As revistas femininas,
como Cláudia, Marie Claire, Cosmopolitan,
Nova, Capricho e Boa Forma, por muitos
anos ensinaram as mulheres a manter a
boa performance para conquistar os ho-
mens ou se manterem atraentes, dentro do
padrão da moda e conforme o comporta-
mento esperado das mulheres. Para visua-
lizar mais sobre o início desse contexto das
revistas femininas nos anos 1950 e 1960,
assista à série “Coisa mais linda”, na Netflix,
e atente ao episódio 2: “Garotas não são
bem-vindas”. Você também pode conferir
algumas das dicas e conselhos dados nes-
sas revistas na reportagem “A mulher no
mundo machista: revistas femininas nos
anos 50 e 60”, da Revista Prosa e Verso.
As revistas masculinas, como Status,
Homem, Playboy e VIP, por décadas esti-
mularam a performance do conquistador
e “pegador”. Também produziram a ob-
jetificação das mulheres, assemelhando-
-as a alvos de conquista e reduziram-nas
a corpos desnudos. E há ainda GQ, Men’s
Health, Alfa e Forbes, que também operam
pedagogias sobre corpos perfeitos e per-
formance do homem predador e do pro-
dutor. Para pensar mais sobre as atuais re-
vistas masculinas, ouça o podcast Papo H
Podcast #3 – “Existem revistas masculinas
com conteúdo? – Top 3: Filmes de macho”.
Desde as propagandas da famosa mar-
ca de cigarros Marlboro até as vinhetas
das telenovelas e séries como “Malha-
ção”', as mídias têm propagado padrões Veja que o gênero, assim como a se-
de masculinidade a partir de mensagens xualidade, é fruto de pedagogias e práti-
em imagens, palavras e sons. Esses veícu- cas de ensino-aprendizagem no “conjunto
los tendem a evidenciar e reproduzir es- inesgotável” de instâncias sociais e cultu-
tereótipos tradicionais de masculinidade rais (LOURO, 2008). As mídias, juntamente
e feminilidade, associando aos homens com as instituições de educação espalha-
atributos como poder e dinamismo; e às das por toda a parte, acabam por cons-
mulheres, sensibilidade, submissão e de- tituir potentes pedagogias culturais dos
pendência (MEDRADO, 1997). ideais de masculinidade dominantes.
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no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER

SAIBA MAIS Os veículos de propagação da masculi-


nidade hegemônica em peças publicitárias,
“Vem Verão” como a propaganda “Vem Verão”, da cerve-
Disponível em: https://www.youtube. ja Itaipava, são exemplos da naturalização
com/watch?v=_aRRwrlO4LU), da objetificação da mulher. Essa, a serviço
dos homens, traz ao consumidor da peça
publicitária a sensação de poder de atração
sexual no consumo do produto.
Dentre as pedagogias midiáticas, a
pornografia opera um desserviço afetivo
aos homens, ensinando a violência e a
objetificação das mulheres como práti-
ca sexual e naturalização da subjugação,
com performances de domínio e controle
(ZANELLO, 2020).
Filmes, músicas, desenhos, novelas e
séries, juntamente às plataformas digitais,
como TikTok e Instagram, formam um pa-
cote de produtos das mídias contemporâ-
neas que sustenta a situação de sexismo,
misoginia, violência contra as mulheres
e cultura do estupro em que vivemos (ou
morremos). Uma história surpreendente
e envolvente que exemplifica um pouco
desse contexto é o filme “Bela Vingança”
(2020), ganhador do Oscar de melhor ro-
teiro original. Outras duas produções em
formato de séries que abordam a relação
das redes sociais e a violência contra mu-
lheres são “Euphoria”, da HBO, e “Grand
Army High School”, da Netflix.
62 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA
UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE

Ainda na discussão sobre redes so- • Movimento #ElesPorElas


ciais, a segunda temporada da série #HeForShe (ONU Mulheres)
“Homens?” (Comedy Central, 2020) apre- • Dia laranja pelo fim da violência
senta cenas muito criativas com perso- contra as mulheres – todo dia 25 de
nagens na tela do WhatsApp dando vida cada mês (ONU Mulheres) #DiaLaranja
a um grupo só de homens. Agora, pense • Campanha do Laço Branco
em seu WhatsApp neste momento. Quais (Instituto Papai)
#FICAADICA grupos são mais usados por você? Se
você é homem, você tem grupo só com • Campanha Una-se pelo fim da
violência contra as mulheres (ONU
As masculinidades vão ao cinema. homens? Quais conteúdos circulam en-
tre vocês? Essa curiosidade sobre o que Mulheres, 2014)
Segue uma lista de filmes para ampliar o
se passa em um grupo só com homens foi • Projeto O valente não é violento
diálogo sobre homens e masculinidades
transformada em pesquisa pela psicólo- (ONU Mulheres, 2014)
nas produções fílmicas:
ga e pesquisadora Valeska Zanello. • Instituto Papo de Homem
• “Madame Satã” (2002) Com seis informantes que compar- (https://papodehomem.com.br/)
• “Vergonha” (2011) tilharam por meses os conteúdos de • Projeto Homem Paterno
• “Tatuagem” (2013) grupos só com homens, a pesquisadora (@homempaterno)
• “O lobo de Wall Street” (2013) “infiltrada” conseguiu levantar e analisar
• Memoh - Grupos reflexivos com
634 publicações, elencando seis catego-
• “A máscara em que você vive” (2015) homens (https://memoh.com.br/)
rias de conteúdos: objetificação sexual
• “Moonlight: Sob a luz do luar” (2016) da mulher para provar que se é homem; • Instituto NOOS (https://noos.org.br)
• “Eu não sou um homem fácil” (2018) ser homem é não ser gay; o homem é • ONG Promundo
• “Dias sem Fim” (2020) guiado pelo sexo; mulher e comida são (https://promundo.org.br
sinônimos; mulher gosta é de dinheiro; • Espaço PrazerEle (@prazerele)
riso e cumplicidade diante da violência • Comercial Gillette – “The best a man
Confira a playlist “Desafio da igualdade”
contra as mulheres (ZANELLO, 2020). can get” (https://www.youtube.com/
no perfil da Plan Internacional Brasil no
Entretanto, como os demais fenôme- watch?v=2RIWPdM0KtY)
YouTube. Disponível em:
nos sociais, as mídias e os discursos não
• https://www.youtube.com/playlist?l • Movimento #ehproblemameu
são estáticos. Há metamorfoses em suas
ist=PLwkbok3gzd80YH10C3PHV4WM (https://www.youtube.com/
formatações e intenções. E neste último
dhNxal33n watch?v=nneEFCHcQRQ&t=8s)
século veem-se mudanças possíveis pe-
• Veja o curta “Purl”, da Disney los mesmos veículos de comunicação E aqui está posto um desafio para o
Pixar, também disponível em: (se não os mesmos, outros) nas produ- presente/futuro: produzir novas masculi-
https://www.youtube.com/ ções de discursos sobre as masculini- nidades, que sejam plurais, pela igualdade
watch?v=B6uuIHpFkuo. Para assistir, dades, apresentando e possibilitando de gênero, lutando pelo fim da violência
ative a legenda em português. visibilidades às masculinidades negras, contra mulheres e pessoas LGBTQIA+, ten-
• Assista ao filme “Bela Vingança” GBTQIA+ e às paternidades monoparen- do as mídias (e novas mídias) como aliadas
(2020), ganhador do Oscar de tais, homoparentais e outras. e envolvendo atores diversos na socieda-
melhor roteiro original. Exemplos dessas metamorfoses estão de. É preciso mobilizar pessoas para este
em campanhas, movimentos e projetos que desafio, mas também é preciso mobilizar
• Ouça o podcast Papo H Podcast #3
debatem as masculinidades pelas mídias (e transformar) as instituições, sobretudo
– “Existem revistas masculinas com
sociais na atualidade. Veja a seguir uma lista a partir das políticas públicas. Trata-se de
conteúdo? – Top 3: Filmes de macho”.
desses movimentos nas redes sociais. Pes- uma agenda urgente, necessária e inadiá-
quise e amplie seus conhecimentos. vel. É muito bom poder contar com você!
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no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER

MEDRADO DANTAS, Benedito. O masculino na


mídia. Repertórios sobre masculinidade na
propaganda televisiva brasileira. / Benedito
Medrado Dantas. São Paulo: s.n., 1997
MILNER, Marcos. Masculinidades ameaçadas:
o pornô de vingança como prova de virilidade.
Csonline - Revista Eletrônica de Ciências
Sociais, Juiz de Fora, v. 1, n. 31, p. 324-344,
11 ago. 2020. Universidade Federal de Juiz
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https://periodicos.ufjf.br/index.php/csonline/
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WELZER-LANG, Daniel. A construção do
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Acesso em julho de 2021.
CONNELL, Robert W.; MESSERSCHMIDT, WELZER-LANG, Daniel. Os homens e o
James W.. Masculinidade hegemônica: masculino numa perspectiva de relações
repensando o conceito. Estudos Feministas, sociais de sexo. In: SCHPUN, Mônica Raisa
Florianópolis, v. 21, n. 1, 2013. Disponível (org.). Masculinidades. São Paulo: Boitempo
em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/ Editorial; Santa Cruz do Sul, Edunisc, 2004.
article/view/S0104-026X2013000100014/24650. ZANELLO, Valeska. Masculinidades,
Acesso em: 14 jul. 2021. cumplicidade e misoginia na “casa dos
LOURO, Guacira Lopes. Gênero e sexualidade: homens”: um estudo sobre os grupos de
pedagogias contemporâneas. Pro-Posições, whatsapp masculinos no Brasil. In: Larissa
v.19, n.2, 2008. Ferreira. (Org.). Gênero em perspectiva.
LEMOS, Fernanda. A representação Curitiba: CRV, 2020, v. 1, p. 79-102
social da masculinidade na religiosidade LUGARINHO, Mário César. Masculinidades e
contemporânea. Revista da Graduação em colonialismo: em direção ao “homem novo”
Ciências das Religiões – UFPB, Paraíba, v. 1, (subsídios para os estudos de gênero e para os
n. 1, p. 1-17, out. 2011. Universidade Federal estudos pós-coloniais no contexto de língua
da Paraíba - UFPB. Disponível em: https:// portuguesa). Abril – Revista do Núcleo de
periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/dr/article/ Estudos de Literatura Portuguesa e Africana da
view/10736/6007. Acesso em: 14 jul. 2021. UFF, vol. 5, n° 10, abril, 2013.
64 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA
UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
AUTORES
Rose Marques é advogada e militante feminista. Possui atuação
profissional no campo das políticas públicas em diversos níveis,
especialmente nas políticas de atendimento às mulheres em situação
de violência. Foi tutora nos cursos Gênero e Diversidade na Escola
e Educação em Direitos Humanos, do Instituto UFC Virtual. Hoje,
atua junto à equipe técnica do Projeto Contexto: Gênero, Educação,
Emancipação, do Instituo Maria da Penha - IMP. É aluna do Programa
de Pós-graduação em Avaliação de Políticas Públicas (mestrado
acadêmico) da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Kevin Batista é graduado em Psicologia pela Universidade de Fortaleza


(Unifor). Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará
com bolsa Capes. Atua na clínica e em âmbitos da Psicologia Social
e Comunitária. Professor universitário, palestrante e formador de
profissionais na atuação com a temática de homens, masculinidades
e violência de gênero. Atualmente, coordena o Grupo de Estudos
em Psicologia Social da Faculdade Princesa do Oeste (FPO), onde
desenvolve estudos transversais e interdisciplinares sobre a
Psicologia Rural, agrária e implicada com as questões dos
sertões brasileiros. Também coordena o Grupo de Estudos
e Extensão Gêneros e Feminismos nesta mesma instituição.
É integrante do Paralaxe: Grupo Interdisciplinar de Estudos,
Pesquisas e Intervenções em Psicologia Social Crítica (UFC).

ILUSTRADOR
Carlus Campos é artista gráfico, pintor e gravador,
começou a carreira em 1987 como ilustrador no jornal O
POVO. Na construção do seu trabalho, aborda várias técnicas
como: xilogravura, pintura, infogravura, aquarelas e desenho.
Ilustrou revistas nacionais importantes como a Caros Amigos
e a Bravo. Dentro da produção gráfica ganhou prêmios em
salões de Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Apoio Patrocínio Realização

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