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TDAH

Medicalizar?
JOÃO LEOPOLDO ARAUJO
REGINA DE CÁSSIA RONDINA
Sobre este livro
Este e-livro é produto de uma das
etapas de pesquisa desenvolvida
dentro da dissertação de
mestrado intitulada “A
Medicalização de Crianças e
Adolescentes com TDAH em
tempos de pandemia de COVID-
19”, apresentada ao Programa de
Pós-Graduação Scricto Sensu em
“Ensino e Processos Formativos”
da UNESP – Universidade
Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”. Este produto
educacional foi elaborado com o
intuito de auxiliar profissionais
educadores que cotidianamente
se deparam com o tema da
medicalização de seus alunos, em
especial, aqueles diagnosticados
com TDAH – Transtorno do
Déficit de Atenção e
Hiperatividade.

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TDAH
Medicalizar?
JOÃO LEOPOLDO ARAUJO
REGINA DE CASSIA RONDINA

Todos os direitos reservados. 2023


O “medicalizar” da vida.
Considerado como um dos precursores da utilização do termo
“medicalização” e uma referência muito importante no campo da
saúde e da sociologia, o ativista e escrito Irving Kenneth Zola em
seu texto “Medicina como uma instituição de controle social” do
ano de 1972, fundamentou sua preocupação quanto ao
fortalecimento do papel da medicina como uma instituição de
controle social, onde julgamentos eram feitos em nome da saúde,
e promoviam um fenômeno insidioso e por muitas vezes
dramático de “medicalizar” a vida diária (ZOLA, 1972; SANTOS,
2013). Abortando t/ambém o papel da medicina moderna no
processo de medicalização, o teólogo e sociólogo Ivan Illich
publica na década de 1970 uma contundente obra chamada de “A
expropriação da saúde: nemesis da medicina”, que debate o tema
a partir de uma abordagem cultural e política, considerando a
medicalização da saúde como um resultado da industrialização
das companhias farmacêuticas, que por consequência ampliam
as possibilidades produtos e de comercialização de
medicamentos; trazendo assim ao debate o aspecto mercantilista
do estimulo ao consumo (des)necessário de fármacos (GUARIDO,
2007; SANTOS, 2013; TABET et al., 2017).

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Contribuições Foucaultianas.
Posteriormente, e de forma muito mais abrangente, a
conceituação da medicalização ganhou maior destaque e uma
elaboração teórica aprimorada com as obras de Paul-Michel
Foucault, professor e filósofo francês, que apresenta de forma
muito clara o caminho da ampliação dos objetivos da
medicina, ou seja, o processo histórico pelo qual a
intervenção médica passa a incluir objetivos que a princípio
não faziam parte dela (ZORZANELLI & CRUZ, 2018;
SANTOS, 2013). Foucault introduz reflexões sobre o grande
impacto que a medicina pode exercer na padronização dos
indivíduos, atingindo os seus corpos, seus gestos, suas
atitudes, discursos, aprendizados e vida cotidiana;
massificando comportamentos através de fármacos capazes
de alterar significativamente todas as respostas do indivíduo
aos problemas do dia a dia (SANTOS, 2013; ZORZANELLI &
CRUZ, 2018; FOUCAULT, 1977).
Em âmbito escolar, muitos comportamentos antes vistos
como próprios da infância agora adentram a esfera da
patologia e abrem possibilidades para que os problemas da
aprendizagem sejam analisados sobe uma ótica médica
(LIMA & DOS SANTOS, 2021); promovendo, a interrupção de
uma cadeia de afeto e relações sociais na qual as crianças e
adolescentes estão inseridos, transformando-os em corpos
silenciados e apassivados (BARBOSA, 2019).

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A solução mais rápida?
Em um estudo realizado com o objetivo de analisar a visão de
pais e professores acerca do efeito do diagnóstico do TDAH
sobre as crianças, foi possível concluir que ao receber o
diagnóstico produzem-se efeitos dúbios, ambíguos e
complexos; por um lado, o diagnóstico do TDAH auxilia na
resolução dos problemas imediatos das crianças nas escolas,
bem como os problemas da escola em relação às diferenças
das crianças; por outro lado, as consequências do diagnóstico
do TDAH pode trazer prejuízos na vida adulta da criança,
que poderá não se ver mais capaz de realizar atividades
cotidianas (LIMA & DOS SANTOS, 2021; BRZOZOWSKI &
CAPONI, 2009).
Atualmente, em nosso país, existem dois medicamentos
aprovados pela ANVISA para o tratamento do TDAH, o
Cloridrato de Metilfenidato (MPH) e o Dimesilato de
lisdexanfetamina (LDX), ambos estimulantes do SNC -
Sistema Nervoso Central, que podem ser adquiridos com
receituário médico controlado em drogarias e farmácias.
Entretanto, por recomendação da CONITEC – Comissão
Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único
de Saúde, estes medicamentos não foram incorporados no
âmbito do Sistema Único de Saúde para o tratamento de
crianças e adolescentes devido as incertezas ainda presentes
na literatura atual com relação ao seu grau de eficácia na
melhora clínica dos pacientes e aos eventos adversos em
geral; e consequentemente, esses dois medicamentos não
estão disponíveis no SUS (BRASIL, 2020).
A literatura atual, que ampara a decisão da CONITEC de não
inclusão de intervenções medicamentosas para o TDAH no
SUS, propõe que no plano de tratamento deve-se enfatizar as
intervenções psicossociais (em destaque a terapia cognitivo
comportamental) especialmente para crianças e adolescentes
(BRASIL, 2022). Fato, que fortalece ainda mais a
preocupação da comunidade científica, com relação à
frequência e ao aumento progressivo da escolha primária de
intervenção farmacológica no tratamento do TDAH
(SANTOS & ALBUQUERQUER, 2019; FREEDMAN et al., 2023;
GIMBAC et al., 2023), desencadeando discussões mais amplas
sobre a precoce medicalização de crianças e adolescentes
(KATO, 2022; SANTOS & ALBUQUERQUER, 2019).

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Referências:
ZOLA, I. Medicine as an institution of social control. Sociol Ver. 20(4): p.487-504, 1972. Disponível em:
<https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1467-954X.1972.tb00220.x>. Acesso em 12 out 2023.
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(Mestrado em Ciências Humanas e Saúde; Epidemiologia; Política, Planejamento e Administração em Saúde;
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GUARIDO, R. A medicalização do sofrimento psíquico: considerações sobre o discurso psiquiátrico e seus
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<https://www.scielo.br/j/ep/a/mJ9399tTm597mJXRgPhVNkf/#>. Acesso em 12 out 2023.
TABET, L. P. et al. Ivan Illich: da expropriação à desmedicalização da saúde. Saúde em Debate, v. 41, n. 115,
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PROGRAMA PÓS-
GRADUAÇÃO EM ENSINO
E PROCESSOS
FORMATIVOS

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