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"Nos termos da Lei n.º 9.610/98, o autor desta obra é titular de todo o complexo de
direitos autorais sobre a presente criação. Assim, é vedada a cópia, reprodução,
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e, ainda é vedado utilizar, citar, publicar esta obra integral ou parcialmente sem
deixar de indicar ou anunciar o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor
sob pena da aplicação das medidas previstas nos Art. 101 a 110 da Lei n.º 9.610/98."
ISBN: 978-85-64293-06-9
Individualismo e estigma 31
Modernidade e globalização 38
UNIDADE II
Evolucionismo social 53
Natureza e cultura 59
Etnocentrismo e Alteridade 65
UNIDADE III
Formação nacional 85
Referências 152
Videoaula 2
13
DEBATES
FUNDAMENTAIS
EM SOCIOLOGIA
A NOÇÃO DE “CIÊNCIA
SOCIAL”
Anotações:
zendo uma análise no percurso histórico e as suas
transformações ao longo do tempo. A antropologia
analisa a distinção das culturas humanas, a diversi-
dade dos grupos sociais ou étnicos e as mudanças
que ocorrem, devido à interação entre os grupos.
Ao passo que a Ciência Política estuda a siste-
matização do poder do estado, as instituições e o
processo político partidário de um país, as políticas
públicas em todas as suas etapas, ou seja, na elabo-
ração, implantação e avaliação do resultado de sua
aplicação. Neste livro, nosso enfoque será sobre
Sociologia e Antropologia, duas áreas das Ciências
Sociais, que têm origens aproximadas, mas formas
distintas de observar e refletir sobre as relações
sociais.
Numa percepção clássica, a Sociologia se
constrói a partir de três principais teóricos, que
produzem visões diferentes sobre a sociedade
e as transformações modernas. Primeiramente,
veremos a consolidação da Sociologia como uma
Ciência moderna, a partir de Émile Durkheim, na
França. Em seguida, estudaremos outros dois
teóricos fundadores de problemas sociológicos
modernos, mas que não estiveram intrinsecamente
ligados à formação da Sociologia como um campo
disciplinar, mas cada um adotando compromissos
diferentes em relação à ciência e à compreensão
das transformações da modernidade. São eles: Karl
Marx e Max Weber, ambos alemães.
15
Anotações:
A formação da Sociologia como Ciência
Anotações:
Movidos por essas questões, dois autores do
final do século XIX buscaram consolidar abordagens
científicas sobre a vida social. O primeiro foi
Gabriel Tarde, que propôs a literatura (por meio da
interpretação literária) como meio para a análise
social. Essa ideia não repercutiu com a mesma
proporção que a proposta de Auguste Comte, que
inaugurou a noção de “física social”, uma ciência
que seria capaz de analisar a sociedade, a partir
do método científico já consolidado nas ciências
“duras” (exatas e da natureza, principalmente).
Comte teve grande influência na educação
francesa, sendo primeiramente um crítico do
elitismo em torno do acesso ao conhecimento, o
que o levou a ser apoiado por diversos intelectuais
da época. Foi mentor de Émile Durkheim, quem o
ajudou a formular as primeiras ideias em torno da
“física social’’. Ocorre que Comte, antes de finalizar
suas formulações em torno da nova ciência, fora
acometido de “colapsos nervosos”, o que abalou
seu trabalho e, sobretudo, sua criatividade. Assim,
foi Émile Durkheim, aluno de Auguste Comte, quem
seguiu com a tarefa de construir a primeira ciência
social, a qual chamou de “Sociologia”.
Anotações:
“escola” durkheimiana, que teve muitos discípulos,
entre eles, seu sobrinho Marcel Mauss (fundamental
para os estudos em Etnologia, como veremos
posteriormente).
Anotações:
os fatos sociais, implica na construção do conceito
de “sociedade”, na sociologia durkheimiana, para a
qual a “sociedade” existe acima (sobrepondo) dos
indivíduos. Para Durkheim, “sociedade” não significa
meramente uma coletividade de sujeitos, mas uma
“consciência pública ou coletiva que exerce um
poder de coerção ou se impõe, de maneira mais ou
menos perceptível, aos indivíduos” (CASTRO, 2014).
O método sociológico seguirá, portanto,
algumas premissas importantes, distinguindo-
se de outras ciências, da Filosofia e da Religião.
Durkheim afirma que o fato de ter nascido a partir
das doutrinas filosóficas consideradas relevantes,
a Sociologia não alterou o hábito de se apoiar
em qualquer sistema no qual se sinta solidário,
a exemplo de ser positivista, evolucionista,
espiritualista, ao invés de cultivar simplesmente a
Sociologia (idem).
Quanto às ideologias, a Sociologia de
Durkheim não deve “tomar partido” entre as grandes
hipóteses que dividem os metafísicos. Tampouco
lhe cabe defender a liberdade ou o determinismo.
Nesse aspecto, distingue-se muito das teorias
socialistas que ganharam força na Europa no final
do século XIX, principalmente com a publicação
das obras de Karl Marx. A Sociologia, segundo o
princípio da tradução francesa, deve limitar-se
a que o “princípio de causalidade seja aplicado
aos fenômenos sociais’’. Isso significa tratar os
fenômenos sociais como dotados de “causas” que
também produzem “efeitos” próprios. Além disso,
esse princípio é estabelecido por ela não como uma
necessidade racional, mas tão somente como um
postulado empírico, produto de legítima indução.
19
Anotações:
Durkheim (apud CASTRO, 2014, p. 38) reafirma:
O suicídio (1897)
Anotações:
alismo se expressava também na desagregação das
comunidades religiosas, nas quais os protestan-
tes prezavam mais pela individualidade, enquanto
católicos costuravam suas relações de forma mais
comunitária.
A segunda, a altruísta era caracterizada pelas
mortes auto cometidas em nome de um grupo ou
causa. Nesta, ao contrário da primeira motivação,
o sujeito estaria tão imerso pelo pertencimento e
pelas crenças de um grupo (religiosas, políticas,
ideológicas, culturais), que sua morte ocorre como
um serviço final, ou uma defesa, do conjunto de
crenças que o grupo representa.
A terceira, chamada de anômica, categoriza
situações em que um indivíduo está se sentindo
sem direção social. Diferente da primeira, em
que o suicídio se baseia na ausência e diminuição
da integração social, na anômica, a morte está
relacionada aos eventos de ruptura da crença no
grupo social. Está relacionado aos momentos
de crise social profunda, como grandes crises
econômicas, guerras e situações pós-traumáticas.
22
Anotações:
Figura 2 - Karl Marx
Anotações:
após a morte de Marx, onde o autor apresenta sua
teoria econômica sobre a lógica do Capital, seu
processo de produção, circulação e o sistema de
Mais-Valia.
Aqui falaremos sobre “A ideologia Alemã”,
publicado originalmente em 1932, quando Marx
desenvolveu, em parceria com Engels, as princi-
pais noções sobre o “materialismo histórico”. O ar-
gumento de “A Ideologia Alemã” segue como uma
resposta aos filósofos alemães seguidores de He-
gel, cujas teorias partiam do pressuposto de que
o mundo das ideias antecede à realidade material
(nunca alcançada). Marx e Engels argumentam que
a história é material, existe no mundo real e são as
condições histórico-materiais que dão suporte às
relações de poder.
Essa concepção materialista da história hu-
mana permitiria compreender como as relações
dos indivíduos entre si e suas formas de proprie-
dade se alterariam, à medida que fossem se desen-
volvendo forças produtivas novas e mais podero-
sas. Para Marx, o cerne das relações sociais são as
formas de como os homens produzem seus meios
de existência, transformando inclusive a natureza.
Anotações:
reflete exatamente o que eles são. O
que eles são coincide, pois, com sua
produção, isto é, tanto com o que
eles produzem quanto com a maneira
como produzem. O que os indivíduos
são depende, portanto, das condições
materiais da sua produção (MARX
apud CASTRO, 2014, p. 12).
Anotações:
Figura 3 - Max Weber
Anotações:
mentando que o termo nos levaria a um sentido
muito generalizado da realidade, tornando por
vezes, indeterminado: “se é encarado no seu sig-
nificado geral, não oferece qualquer ponto de vis-
ta específico a partir do qual se possa iluminar
a importância de determinados elementos cul-
turais” (WEBER apud CASTRO, 2014, p. 62). Contu-
do, a proposta de Weber para a construção de uma
análise sociológica, que apreenda as complexi-
dades da realidade social de forma abrangente
(sem desconexão com o social e o real), é a elabo-
ração de “tipos ideais”.
O “tipo ideal” é uma consolidação de padrões
sociais em um conceito emblemático. Lançando
mão da construção de “tipos ideais” sobre as
instituições, Weber consegue apontar elementos
constituintes da sociedade, dos fenômenos
históricos e das organizações.
Anotações:
Nessa elaboração sobre o método e a
construção dos objetos da Sociologia, Weber não
deixa de criticar Durkheim por conta do debate
sobre “distanciamento” e “neutralidade” em torno
dos fatos sociais. Para Weber, nossa interpretação
da realidade social não poderia ser feita sem
“pressuposições”, mas seria de antemão elaborada
a partir de alguns significados atribuídos sobre
as coisas sociais. Além disso, em sua teoria, os
tipos ideais são o caminho para a análise social,
e não o seu fim. Constituí-los é, portanto, criar as
ferramentas da análise sociológica.
A construção de tipologias mais importante
dentre as obras de Weber se dá em torno do conceito
de poder e dominação, que são os meios pelos quais
um sujeito ou organização conseguem a submissão
ou obediência a partir de certos comandos.
Anotações:
“legitimidade”, e o abalo dessa cren-
ça na legitimidade costuma acarretar
consequências de grande alcance.
Em forma totalmente pura, as “bases
de legitimidade” da dominação são
somente três, cada uma das quais se
acha entrelaçada – no tipo puro – com
uma estrutura sociológica fundamen-
talmente diversa do quadro e dos
meios administrativos (WEBER apud
CASTRO, 2014, p. 65).
Anotações:
estipuladas para a atividade do funcionário. O tipo
do funcionário é aquele de formação profissional,
pois as condições de serviço baseiam-se num
contrato, com pagamento fixo, graduado segundo a
hierarquia do cargo e não do volume de trabalho, e
direito de ascensão conforme regras fixas.
Sua administração é trabalho profissional em
virtude do dever objetivo do cargo. Corresponde
naturalmente ao tipo de dominação “legal” não
apenas à estrutura moderna do estado e do
município, mas também a relação do domínio numa
empresa capitalista privada, numa associação com
fins utilitários ou numa união de qualquer outra
natureza que disponha de um quadro administrativo
numeroso e hierarquicamente articulado.
2. Dominação tradicional em virtude da
crença na santidade das ordenações e dos poderes
senhoriais existentes. Seu tipo mais puro é o da
dominação patriarcal. A associação dominante é
de caráter comunitário. O tipo daquele que ordena
é o “senhor”, e os que obedecem são “súditos”,
enquanto o quadro administrativo é formado por
“servidores”. Obedece-se à pessoa em virtude de
sua dignidade própria, santificada pela tradição: por
fidelidade. O conteúdo das ordens está fixado pela
tradição, cuja violação desconsiderada por parte
do senhor colocaria em perigo a legitimidade do
seu próprio domínio, que repousa, exclusivamente,
na santidade delas.
No quadro administrativo, as coisas ocorrem
exatamente da mesma forma. Ele consta de
dependentes pessoais do senhor (familiares ou
funcionários domésticos) ou de parentes, ou de
amigos pessoais (favoritos), ou de pessoas que
31
Anotações:
lhe estejam ligadas por um vínculo de fidelidade
(vassalos, príncipes tributários). Falta aqui o
conceito burocrático de “competência” como esfera
de jurisdição objetivamente delimitada.
3. Dominação carismática em virtude de
devoção afetiva à pessoa do senhor e a seus dotes
por graça (carisma) e, particularmente faculdades
mágicas, revelações ou heroísmo, poder intelectual
ou de oratória. O sempre novo, o extracotidiano, o
inaudito e o arrebatamento emotivo que provocam
e constituem aqui a força de devoção pessoal.
Seus tipos mais puros são a dominação do profeta,
do herói guerreiro e do grande demagogo. A
associação dominante é de caráter comunitário,
na comunidade ou no séquito. O tipo que manda é o
líder. O tipo que obedece é o “apóstolo”.
INDIVIDUALISMO E ESTIGMA
Anotações:
a relação das pessoas com o tempo e com as
implicações em torno dos laços de solidariedade.
Simmel viveu no tempo dos primeiros relógios
de bolso, do controle mais aguçado do tempo,
do surgimento dos automóveis e do ritmo das
máquinas de fábrica na vida social.
Anotações:
tivação está agindo: a pessoa resiste
a ser nivelada e uniformizada por um
mecanismo sociotecnológico
(SIMMEL apud CASTRO, 2014, p.11).
Anotações:
menos sujeitos a mudanças (SIMMEL,
1973 apud CASTRO, 2014, p. 16).
Anotações:
ais. Goffman é um dos primeiros autores modernos
a refletir sobre a noção de “Estigma” como resul-
tado de certas regras de convívio, que corroboram
em atitudes preconceituosas e discriminatórias
contra grupos e pessoas. Apesar de ser usado
como um termo sobre a depreciação, o conceito
de Estigma vai além disso.
Anotações:
2. As culpas de caráter individual percebidas
socialmente como vontade fraca, paixões
tirânicas ou não naturais, crenças falsas
e rígidas, desonestidade, sendo essas in-
feridas a partir de relatos conhecidos de,
por exemplo, distúrbio mental, prisão,
vício, alcoolismo, homossexualidade, de-
semprego, tentativas de suicídio e com-
portamento político radical.
3. Estigmas raciais, de nação e religião, que
geralmente são repassados para uma
família inteira.
Anotações:
sejam as regras da tradição, que não são escritas
e normatizadas como leis, mas tem força de
imposição social e são transmitidas entre gerações.
Anotações:
nos levam a ver o transgressor como um verdadeiro
marginal.
Com essa análise sobre como reagimos
às violações das regras sociais, e a partir disso,
como estabelecemos quem é ou não um outsider
(marginal), Becker pretende desenvolver uma
sociologia do desvio, deixando de absorver
unicamente as noções patologizantes do desvio
como verdades absolutas, mas problematizando
quais os pesos sociais, os valores morais, envolvidos
na classificação do desvio e dos desviantes. Em sua
concepção sociológica, afirma que “desvio é a falha
em obedecer às regras do grupo’’. O desvio como a
infração de alguma regra, geralmente, aceita.
Se um ato é ou não desviante, depende de
como outras pessoas reagem a ele. As violências
domésticas podem ser um exemplo disso. No caso
do Brasil, são absolutamente criminalizadas, mas
ainda pouco denunciadas. Essas violências que
ocorrem no ambiente doméstico podem se tornar
queixas policiais, ou se manter como segredo de
família e vizinhança, sem gerar sanções legais aos
agressores. Portanto, o grau em que outras pessoas
reagirão a um ato dado como desviante varia
enormemente. “O grau em que um ato será tratado
como desviante depende de quem o comete e de
quem se sente prejudicado por ele” (idem, p. 108).
MODERNIDADE E GLOBALIZAÇÃO
Anotações:
tores como “globalização”, “mundialização” ou até
mesmo “pós-modernidade”. Essa era das transfor-
mações globais tem classificações ainda não total-
mente consolidadas, pois diz respeito ao passado
recente e ao presente. Contudo, alguns sociólogos
trataram de debater essas mudanças. Para Giddens
(1991), sociólogo britânico, o fim do século XX é de
fato uma era de transição, marcada pelo consumo
desenfreado e pela informação.
Anotações:
gar — e era geralmente impreciso e
variável. Ninguém poderia dizer a hora
do dia sem referência a outros marca-
dores socioespaciais: “quando” era
quase, universalmente, ou conectado
a “onde” ou identificado por ocorrên-
cias naturais regulares (idem, p.21).
Anotações:
Por que a separação entre tempo e espaço
é tão crucial para o extremo dinamismo da
modernidade? Giddens (1991, p. 23) explica:
Anotações:
tempo e espaço são recombinados para
formar uma estrutura histórico-mundial
genuína de ação e experiência.”
Anotações:
A crise do Estado-Nação é a provável ruptura
histórica e epistemológica nas ciências sociais. A
partir do fim da dualidade, URSS e EUA (Comunismo
e Capitalismo), que abriu as possibilidades para um
processo de globalização, visto que as instituições
internacionais, principalmente, as que lidam com
dinheiro ou com o comércio, trataram de promover
ou até exigir uma reformulação nas economias do
globo, passando a controlá-las e dando início a um
processo de mundialização do capital. São diver-
sas, diferentes e insistentes as pressões externas
e internas destinadas a provocar a reestruturação
do Estado.
A sujeição das economias (e políticas) nacio-
nais, a uma ordem global, é justificada como forma
de ideais capitalista ou socialista para que sejam
incogitados diante de uma dinâmica capitalista
que depende e se relaciona numa rede transna-
cional, que pode ser administrada dos diversos
lugares do globo, mas nunca internamente. Desta
forma, a nação transforma-se em mera província
do capitalismo mundial, sem soberania assegu-
rada para construir suas políticas independente-
mente dos órgãos financeiros internacionais ou
das grandes multi e transnacionais.
Anotações:
dual, o sistema oficial das “economias
nacionais” dos Estados, e o real, mas
não oficial, das unidades e instituições
transnacionais. Ao contrário do Esta-
do com seu território e poder, outros
elementos da “nação” podem ser e são
facilmente ultrapassados pela glo-
balização da economia. Etnicidade e
língua são dois exemplos óbvios. Sem
o poder e a força coercitiva do Esta-
do, sua relativa insignificância é clara.
Como a globalização da economia
procede aos saltos, “comprar gover-
nos” é, certamente, cada vez menos
necessário. A clara incapacidade dos
governos de equilibrar as contas com
os recursos que controlam (isto é, os
recursos que eles podem estar certos
de que continuarão no domínio de sua
jurisdição independente do modo que
escolham para equilibrar as contas)
seria suficiente para fazê-los não só
se renderem ao inevitável, mas tam-
bém colaborarem ativamente e de
bom grado com os “globais” (BAUMAN
apud CASTRO, 2011, p. 200).
Anotações:
Estados após a queda do muro de Berlim, o aumento
das desigualdades sociais em todo o planeta e a
negação da existência de mudanças climáticas,
são processos de uma mesma situação histórica
em que as elites perceberam que não existe mais
espaço para sua existência (e de seus hábitos,
relações com o capital e o consumo) no mesmo
tempo e nas mesmas condições que o restante dos
habitantes do planeta.
Se nos anos 90 havia um notório esforço das
lideranças globais e redes de ativistas e organi-
zações sociais em torno do debate ambientalista,
vide a realização de grandes eventos sobre o Clima,
como a ECO 92 no Rio de Janeiro, como respos-
ta ao escasseamento de recursos naturais diante
do avanço predatório das demandas capitalistas,
houve também a compreensão de que o modo de
vida industrial moderno, não era sustentável para
a manutenção da vida, principalmente humana, no
planeta. As elites optaram, então, por incentivar a
negação do fim dos recursos naturais, do desgaste
das condições climáticas, assim como construir
comunidades muradas para si, entre outras es-
tratégias de proteção como a exploração de novos
planetas e viagens espaciais. Dessa forma, tam-
bém incentivaram a negação da globalização, para
assim apregoar a ideia de que não somos codepen-
dentes e interligados por relações e decisões políti-
co-econômicas.
Para Latour, é possível identificar dois mar-
cos temporais que evidenciam essa estratégia
de negação à globalização. O primeiro é a saída
dos EUA, por meio da decisão de Donald Trump,
do acordo de Paris em 2017; o segundo é o Brexit,
46
Anotações:
movimento de desvinculação da Inglaterra à União
Europeia. O autor defende que o movimento ini-
cial das ondas negacionistas globais, começa com
a negação das mudanças climáticas. Seu ápice é
o engajamento produzido pelo movimento políti-
co de Trump, pautado pela questão ecológica, e
pela negação da globalização. Fazer a “América
grandiosa de novo [Make America Great Again]” no
trumpismo, pressupõe o acirramento das relações
de fronteira, a negação da escassez de recursos, o
retorno ao modelo de crescimento americano dos
anos 60/70.
Se antes, as disputas ideológicas eram
marcadas pelas diferenças entre os projetos de
futuro, entre progressistas e reacionários, esquerda
e direita, atualmente vivemos numa retração
dessa disputa, que produz, de ambos os “lados”,
um efeito de recolhimento desses movimentos
ideológicos às suas próprias bolhas. As posições
políticas, agora, baseiam-se principalmente na
defesa de territórios ideológicos (e delimitação
destes). Assim, para Latour (2020), o Antropoceno
– era da intervenção humana na biosfera – impõe
desafios em torno de habitar a Terra. Nesse novo
processo político, capitaneado pelas alterações
climáticas e sua negação, a Terra se torna um
sujeito político, mobilizando os seres humanos a
refletirem sobre suas ações no planeta, indicando
através das catástrofes globais, do surgimento de
novos vírus, que as consequências da ação humana
serão vivenciadas comunitariamente, seja pelos
que ficarão sem casa e terão de migrar de seus
territórios de origem, seja pelos que serão afetados
pelas alterações num território que “não é seu”.
47
Anotações:
Por fim, o autor sustenta que a negação da
mudança climática global é, em si mesma, a negação
da racionalidade científica. As elites produziram e
optaram por negar a evidente finitude de recursos
naturais, criando e patrocinando uma atmosfera de
negacionismo, principalmente em torno da ciência
e de suas evidências, de modo que confundiu as
classes populares em relação aos fatos, engajando
milhares de fake news, que além de distorcerem as
verdades, distraem as massas sobre os problemas
que virão. Nas palavras do autor, “não se trata de
uma política da ‘pós-verdade’, mas sim de uma
política da pós-política, ou seja, literalmente sem
objeto, na medida em que ela rejeita o mundo que
reivindica habitar” (LATOUR, 2020, p. 35).
48
Para seguir:
Videoaula 2
52
Anotações:
53
DEBATES
FUNDAMENTAIS EM
ANTROPOLOGIA
EVOLUCIONISMO SOCIAL
Anotações:
a. Antropologia Francesa1: originada a par-
tir da Escola de Sociologia francesa, com
influência de Émile Durkheim e, principal-
mente, Marcel Mauss, com preocupações
teóricas voltadas para a compreensão de
sistemas e estruturas universais da hu-
manidade. Nos anos 50, tem grande re-
percussão a partir da obra de Claude Lévi-
Strauss e sua Antropologia Estruturalista.
b. Antropologia Britânica: é uma escola de
pensamento com grande ênfase na Et-
nografia e no Trabalho de Campo. A an-
tropologia britânica é sobretudo empírica.
Esteve diretamente ligada aos projetos
coloniais ingleses, principalmente no con-
tinente africano, provocando intensos de-
bates nos anos 80 sobre a ética da finali-
dade do trabalho antropológico.
c. Antropologia Americana: marcada por
diferentes fases, do Evolucionismo Social
ao Culturalismo e Interpretativismo, a
Antropologia Americana tem a noção
de Cultura como ponto de partida,
destacando sua diversidade. É a partir dela
que o olhar para os problemas internos —
da sociedade em que se situa — tiveram
destaques e confrontamentos.
1
LAPLATINE, Françoise. Aprender Antropologia. São Paulo,
Ed. Brasiliense, 2010.
55
Anotações:
de objeto da Antropologia e, sobretudo, com as
mudanças em torno do conceito de Cultura. O
primeiro paradigma teórico em Antropologia foi
o “Evolucionismo Social”, tendo como principais
autores:
Lewis Morgan (EUA)2: os interesses de
Morgan nos estudos antropológicos se iniciam a
partir dos temas “família”, “herança” e “parentesco”.
Dedicou muitos anos ao estudo e comparação de
sistemas de parentesco humanos, distinguindo
como os “selvagens” faziam suas classificações
em comparação às sociedades “civilizadas”. Suas
pesquisas resultaram na publicação de “Sistemas
de Consanguinidade e Afinidade da Família Humana”
e, posteriormente, “a sociedade antiga”, a qual
demonstra os estágios de progresso da sociedade
humana através da análise de cinco casos
exemplares: os aborígines australianos, os índios
iroqueses, os astecas, os gregos e os romanos.
Edward Tylor (UK/EUA)3: foi o primeiro
autor a estabelecer uma definição para o conceito
de “cultura”, em seu livro “Cultura primitiva”.
Descreveu Cultura como equivalente à Civilização,
estabelecendo, a partir desse pressuposto, que
os povos “não civilizados” (todos os povos fora da
Europa e não-colonizados) não detinham cultura.
Seu conceito dizia “Cultura ou Civilização, “é aquele
todo complexo que inclui conhecimento, crença,
arte, moral, lei, costume e quaisquer outras
2
CASTRO, Celso. Evolucionismo Cultural: textos de Morgan,
Tylor e Fazer. Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 2009.
3
Ibidem.
56
Anotações:
capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na
condição de membro da sociedade.”
James Frazer (UK)4: sua obra principal foi
“O Ramo de Ouro”, publicado pela primeira vez em
1890, em dois volumes, com um total de oitocentas
páginas. A segunda e a terceira versões foram
publicadas com respostas a várias críticas de
outros autores da mesma época, chegando a 13
exemplares no total. Em 1922, Frazer preparou uma
versão condensada em um volume que se tornou
a versão mais conhecida, publicada até os dias
atuais.
É importante destacar que o Evolucionismo
Social é uma perspectiva teórica considerada
superada, porém, estudá-la é necessário para
entender qual o percurso da Antropologia, como
surgem as compreensões modernas do conceito
de cultura, e quais as “sombras” do evolucionismo
social que ainda permanecem. O postulado básico
do evolucionismo, em sua fase clássica, era o de
que, em todas as partes do mundo, a sociedade
humana teria se desenvolvido em estágios
sucessivos e obrigatórios, numa trajetória unilinear
e ascendente. Nessa lógica, toda a humanidade
deveria passar pelos mesmos estágios de evolução
social, seguindo uma direção que ia do mais simples
(os selvagens) ao mais complexo (civilização).
Como decorrência da visão de um único
caminho evolutivo humano, os povos “não
ocidentais”, “selvagens” ou “tradicionais” existentes,
no mundo contemporâneo, eram vistos como uma
4
Ibidem.
57
Anotações:
espécie de “museu vivo” da história humana, tidos
como representantes de etapas anteriores da
trajetória universal do homem rumo à “civilização”;
como exemplos vivos daquilo “que já fomos um dia”.
Na medida em que a arqueologia era, então,
pouco desenvolvida e não havia registros históricos
disponíveis para a reconstituição dos estágios
supostamente mais “primitivos”, o estudo dessas
sociedades assumia enorme importância, pois
assim se poderia reconstituir o caminho evolutivo
da humanidade, através de suas diferentes etapas.
Passava-se a dispor de uma espécie de
“máquina do tempo” que permitia, observando o
mundo dos “selvagens” de hoje, ter uma ideia de
como se vivia em épocas passadas. Para Frazer
(apud CASTRO, 2009, p. 107), “a selvageria é a
condição primitiva da humanidade e, se quisermos
entender o que era o homem primitivo, temos que
saber o que é o homem selvagem hoje”. A solução
para preencher as “lacunas” do longo período
“primitivo” de evolução cultural humana era utilizar
o método comparativo, aplicando-o ao grande
número de sociedades “selvagens” existentes
contemporaneamente.
58
Marcel Mauss
Anotações:
NATUREZA E CULTURA
Anotações:
balhadores e pouco inteligentes;
que os japoneses são trabalhadores,
traiçoeiros e cruéis; que os ciganos
são nômades por instinto, e, final-
mente, que os brasileiros herdaram a
preguiça dos negros, a imprevidência
dos índios e a luxúria dos portugueses.
Anotações:
é o apanágio de todos os seres
humanos. Ela constitui, de fato, uma
das características específicas do
Homo sapiens.
15. b) No estado atual de nossos
conhecimentos, não foi ainda provada
a validade da tese segundo a qual os
grupos humanos diferem uns dos
outros pelos traços psicologicamente
inatos, quer se trate de inteligência
ou temperamento. As pesquisas
científicas revelam que o nível das
aptidões mentais é quase o mesmo
em todos os grupos étnicos (UNESCO
apud LARAIA, 2001, p. 13).
Anotações:
pessoal, quando sua biografia demonstra uma
série de privilégios sociais e uma herança farta que
explica o “sucesso incomum”.
Anotações:
talvez em casos excepcionais como
o dos Tasmanianos (e ainda aí para
um período limitado). As sociedades
humanas nunca se encontram isoladas;
quando parecem mais separadas, é
ainda sob a forma de grupos ou de
feixes. Assim, não é exagero supor
que as culturas norte-americanas e as
sul-americanas tenham permanecido
separadas de quase todo o contato com
o resto do mundo durante um período
cuja duração se situa entre dez mil e
vinte e cinco mil anos (LÉVI-STRAUSS,
2017, p. 341).
Anotações:
papéis sociais. Também foi uma das intelectu-
ais responsáveis pela desnaturalização dos ditos
“papéis sexuais”. Em seu livro "Sexo e Tempera-
mento", Mead (1969) fez uma comparação sobre
como homens e mulheres desempenhavam pa-
péis diferentes de acordo com cada cultura, (que
atualmente compreendemos como relações de
gênero) a partir de três tribos da Nova Guiné, (Ara-
pesh, Mundugumor e Tchambuli). A cultura Arapesh
é caracterizada como maternal, tendo seu valor
atribuído por meio da “doçura” nas expressões e
comportamentos. Quanto aos Mundugumor, tinham
o comportamento agressivo e fomentado a homens
e mulheres.
A comparação entre sociedades com proxi-
midade geográfica ajuda a esclarecer que, embora
certas ideias vigentes em determinados lugares
sociais relacionem certos trabalhos com um dos
sexos, em outra sociedade a coisa se passa de modo
muito distinto. Mead nos ajuda a compreender que
os ditos “instintos”, não são aspectos inatos da hu-
manidade, mas são elaborados a partir de nossa
educação e se reproduzem por meio de aprendiza-
gem social. A autora afirma, por exemplo, que até
a amamentação, ato que poderia ser considerado
exclusivo das mulheres (que possuem mamas,
seios), pode ser transferida a um marido moderno
por meio da mamadeira. Se ideias como “instinto
materno” ou “instinto sexual” fossem padrões ge-
neticamente determinados, todas as sociedades
agiriam da mesma forma diante das mesmas
situações.
65
Anotações:
ETNOCENTRISMO E ALTERIDADE
O etnocentrismo, de fato, é um
fenômeno universal. É comum a cren-
ça de que a própria sociedade é o
centro da humanidade, ou mesmo a
sua única expressão. As auto denomi-
nações de diferentes grupos refletem
este ponto de vista. Os Cheyene, ín-
dios das planícies norte-americanas,
se autodenominavam “os entes hu-
manos”; os Akuáwa, grupo Tupi do Sul
do Pará, consideram-se “os homens”;
os esquimós também se denominam
“os homens”; da mesma forma que os
Navajo se intitulavam “o povo”. Os
australianos chamavam as roupas
de “peles de fantasmas”, pois não
acreditavam que os ingleses fossem
parte da humanidade; e os nossos
Xavantes acreditam que o seu ter-
ritório tribal está situado bem no cen-
tro do mundo. É comum assim a cren-
ça no povo eleito, predestinado por
66
Anotações:
seres sobrenaturais para ser superior
aos demais. Tais crenças contêm o
germe do racismo, da intolerância, e,
frequentemente, são utilizadas para
justificar a violência praticada con-
tra os outros. A dicotomia “nós e os
outros” expressa em níveis diferentes
essa tendência (op.cit., p. 70).
Anotações:
“pré-lógicos” em relação à ciência das sociedades
brancas, ditas civilizadas. Muitas sociedades tidas
como “primitivas” confirmam valores e constro-
em seus sistemas de crenças em torno da magia,
de cosmologias próprias que dão sentido ao seu
mundo. Lévi-Strauss comprovou que o pensamen-
to mágico ou cosmológico tem uma estrutura com-
plexa e bem articulada.
Ao contrário do que as teorias evolucionistas
faziam crer, o pensamento mágico não antecede
o pensamento científico, ambos existem simulta-
neamente. A Antropologia constitui-se como uma
ciência que se opõe ao etnocentrismo. Essa não
é uma tarefa fácil, pois o antropólogo quase sem-
pre se constitui como um sujeito que não com-
partilha do mesmo ponto de vista daquelas culturas
ou sociedades que estuda. Para desvencilhar-se do
etnocentrismo, a Antropologia recorre à noção de
“alteridade”:
Anotações:
culturas, somos aos poucos levados
a romper com a abordagem comum
que opera na naturalização da vida
social (como se nossos comporta-
mentos estivessem inscritos em nós
desde o nascimento e não fossem
adquiridos no contato com a cultura
em que nascemos) (...) (LAPLAN-
TINE, 2010, p. 22).
Anotações:
produzindo documentos sobre nossas impressões,
conversas, sobre festividades e momentos rituais,
entre outras circunstâncias importantes da vida
social.
A pesquisa de campo realizada por Malinowski
teve as Ilhas Trobriandesas, na região ocidental
do Pacífico, como lócus de pesquisa. Dessa
experiência, escreveu “Argonautas do Pacífico
ocidental”, “A vida sexual dos selvagens” e “Jardins
de coral”. Dessas três obras, “Argonautas” é a de
maior destaque, pois além de descrever o circuito
do kula (sistema de trocas e hierarquias) e a
construção das wagas (navegações), é nessa obra
que apresenta seu método e as etapas de sua
pesquisa. Segundo Malinowski (2018),
Anotações:
primeiras tentativas de entrar em
contato com os nativos, e o momento
em que redige a versão final de seus
resultados (p. 57).
Anotações:
Figura 4 - Malinowski, em pesquisa de campo nas
Ilhas Trobriand
Anotações:
encontrar palavras para expressá-la
em um idioma nativo. Mas um caso
imaginário ou, melhor ainda, uma
ocorrência real estimulará o nativo
a expressar sua opinião e a fornecer
informações abundantes (p. 68-69).
Anotações:
concreta, estatística, é o meio pelo qual
esse esboço deve ser feito.
2. Os imponderáveis da vida real e o tipo
de comportamento devem ser inseridos
no interior dessa estrutura. Eles têm
de ser colhidos mediante observações
minuciosas, detalhadas, na forma de algum
tipo de diário etnográfico, possibilitando
estreito contato com a vida nativa.
3. Uma compilação de depoimentos et-
nográficos, narrativas características, pro-
nunciamentos típicos, itens de folclore e
fórmulas mágicas devem ser considerados
um corpus inscriptionum, como documen-
tos da mentalidade nativa.
Anotações:
chamam, quais os pronomes de tratamento dados,
os status atribuídos aos membros de um grupo.
Por fim, Oliveira (2006) fala sobre o ato de
escrever, subdividindo-o em dois momentos: “Estar
aqui” e “Estar lá”. Se recorrermos ao exemplo de
Malinovski, veremos que ele tinha registros locais,
cadernetas e diários de campo, mas construiu as
etnografias finais sobre os Trobriandeses em seu
escritório. No campo, nós também construímos
registros escritos sobre as experiências imediatas,
mas o exercício intelectual de construção da
etnografia e sua relação com a teoria, é feito nos
momentos de solidão, distantes do espaço de
pesquisa.
Anotações:
Compreendendo esse conjunto complexo
que engloba as “populações tradicionais”, po-
demos inferir que as populações tradicionais são
aquelas que exercem impactos sustentáveis so-
bre a natureza, mantendo ou não relações com o
mercado global, que têm status étnico — social,
administrativo ou jurídico — reconhecido. São os
sujeitos chamados de “índios”, “indígena”, “tribal”,
“nativo”, “aborígene” e “negro”, a partir do contato
com o mundo branco.
Anotações:
de intelectuais indígenas e de seus grupos étnicos,
dos quais destacamos dois a seguir.
Davi Kopenawa (2015) escreve “A Queda do
Céu” em parceria com o antropólogo Bruce Albert.
Para muitos teóricos, a cosmologia Yanomami
apresentada por Kopenawa é um vislumbre da
ideia de “filosofia ameríndia”, no sentido proposto
por Eduardo Viveiros de Castro, de que os povos
ameríndios teriam perspectivas epistemológicas
próprias e não dicotômicas, sobre a relação entre os
humanos (a cultura) e os seres da natureza. Mas aqui,
podemos escapar um pouco dessas categorizações
e pensar no trabalho do Xamã yanomami, como um
alerta sobre o avanço predatório “dos brancos”.
Esse alerta, escrito com muita beleza, apresenta
aspectos da cosmologia Yanomami e a história
de como Davi se tornou um Xamã politicamente
engajado que se encarrega do trabalho de impedir a
Queda do Céu, que significaria o recomeço da Terra,
pela vontade de Omama.
Anotações:
Uma das partes mais sensíveis do livro
é aquela em que Kopenawa, ainda criança, é
chamado pelo Xapiri nos sonhos. Os sonhos de
uma criança que poderá se tornar Xamã, são
sonhos febris, geralmente, sentidos por meninos
delicados, frágeis, que precisam ser ornados de
artefatos culturais, carregados de poder simbólico
que fazem a relação entre o mundo físico e o
mundo dos espíritos. Davi, vai sendo construído
como um homem Ianomami, feito de cautelas
e sensibilidades, sobre a caça, a relação com
a natureza, o sexo, sobre seu o povo e com os
espíritos. Ele aprende a ver que a vida é bonita (nas
danças dos Xapiri nos sonhos, nas visões de pó de
Yãkoana), por isso, importa manter o Céu.
Kopenawa nos ajuda a perceber que as
cosmologias contra-capitalistas, que também são
epistemologias “não-brancas”, dependem também
de um engajamento sensível na relação com a
natureza. Num tom semelhante ao de Kopenawa,
Ailton Krenak, intelectual indígena e liderança do
povo Krenak, às margens do Rio Doce (MG), tece um
conjunto de propostas sobre como evitar a extinção
da humanidade, diante da crise do clima, provocada
pela lógica da mercadoria, do sistema capitalista.
O autor utiliza a dicotomia ocidental entre
“natureza” e “cultura” (que também é um problema
antropológico ocidental), como ponto de partida
para afirmar que os povos ameríndios não fazem a
mesma separação entre humanidade e natureza.
Afirma que essa distinção é meramente conceitual,
e do mundo dos brancos, propondo que nossa
existência como humanidade depende do aparato
completo que só a natureza, na Terra, nos dá. O
78
Anotações:
livro “Ideias para adiar o fim do mundo” (2019) é
uma mensagem de alerta e esperança, diante da
predação da indústria, do consumismo e destruição
do meio ambiente. Seu livro mais recente, intitulado
“A vida não é útil” (2020), adota um tom mais
duro, quase uma decepção com a humanidade,
e principalmente com o Brasil – pois foi em parte,
escrito durante a pandemia do coronavírus.
É importante salientar que diversos povos
do planeta vivenciaram tempos difíceis diante das
incertezas da pandemia do coronavírus iniciada
em 2019, com primeiros casos reportados pela
China. Contudo, alguns grupos sociais foram mais
vulneráveis do que outros, entre eles, os povos
indígenas. Krenak (2020) reflete sobre como o
drama vivenciado pela humanidade diante da
COVID-19, é resultado da nossa relação predatória
com a natureza e dos descasos sociais entre nós
mesmos.
Anotações:
Basta olhar em volta. O melão-de-
são-caetano continua a crescer aqui
do lado de casa. A natureza segue.
O vírus não mata pássaros, ursos,
nenhum outro ser, apenas humanos.
Quem está em pânico são os povos
humanos e seu mundo artificial,
seu modo de funcionamento que
entrou em crise. É terrível o que
está acontecendo, mas a sociedade
precisa entender que não somos o
sal da terra. Temos que abandonar
o antropocentrismo; há muita vida
além da gente, não fazemos falta na
biodiversidade (KRENAK, 2020, p. 39).
Para seguir:
@campopodcast (ins-
tagram e spotify): pod-
cast com curadoria e
pequenas aulas sobre
autores e autoras clás-
sicas e contemporâneas
da Antropologia. Idealizado
por Carol Parreiras e Paula
Maria.
81
Unidade 3
Videoaula 1
Videoaula 2
84
85
PROBLEMAS
SOCIAIS DO
BRASIL
FORMAÇÃO NACIONAL
Há uma ideia sobre a formação
nacional que gira em torno da cor-
dialidade, das relações amistosas e
pacíficas entre diferentes povos que
constituiriam o que conhecemos
como povo brasileiro. Contudo, essa
ideia tem uma compreensão que foi
internalizada pelo senso comum e
por movimentos que apregoam a
negação das diferenças sociais e do
racismo, e outra que percebe a cor-
dialidade como um efeito corruptivo
das relações hierárquicas no Brasil.
Deixando de ser uma colônia portu-
guesa, a sociedade brasileira con-
86
Anotações:
quistou sua independência nacional em 1822, sob
um regime monárquico.
Anotações:
isto é, uma estrutura de dominação cuja legitimi-
dade se constrói tendo como bases as relações en-
tre grandes proprietários rurais, representantes do
estado burocrático e clientelas locais mantidos a
partir de trocas de favores ou de apoio político.
Fonte: Google.
Anotações:
apadrinhamento e familiaridade. Em nível ideal,
o Estado e suas relações não deveriam ser uma
ampliação do círculo familiar ou da realização de
vontades privadas. Buarque de Hollanda afirma que:
Anotações:
e cidadania, terá a “cordialidade” como base
civilizacional.
Anotações:
xintoísta, não diferem essencialmente
das maneiras sociais de demonstrar
respeito. Nenhum povo está mais
distante dessa noção ritualista da
vida do que o brasileiro. Nossa forma
ordinária de convívio social é, no
fundo, justamente o contrário da
polidez. Ela pode iludir na aparência —
e isso se explica pelo fato de a atitude
polida consistir precisamente em
uma espécie de mímica deliberada de
manifestações que são espontâneas
no “homem cordial”: é a forma natural
e viva que se converteu em fórmula
(idem, p. 147).
Anotações:
palavras, que servem para criar mais familiaridade
com as pessoas ou os objetos. “É a maneira de
fazê-los mais acessíveis aos sentidos e também
de aproximá-los do coração.” Podemos pensar nos
desdobramentos dessa “cordialidade” nas relações
de poder patrimonial e político, por exemplo. Há
muitos casos em que um patrão que exerce grande
domínio sobre uma mesma região, estabeleça
vínculos de familiaridade com famílias ao redor,
ampliando assim sua autoridade. O mesmo ocorre
com políticos de perfil coronelista, aqueles que se
mantêm por muitas décadas em posições de poder,
por exercitarem essa dicotomia entre autoridade
estatal e cordialidade familiar.
Anotações:
A quebra desse paradigma higienizador sobre
as relações étnico-raciais no Brasil, se dá a partir
da obra de Florestan Fernandes, “A integração do
Negro na Sociedade de Classes”. Essa obra buscou
compreender o que resulta do encontro dos negros,
mulatos e brancos, a partir da promulgação da Lei
Áurea, de abolição da escravatura, em 1888. Foi um
contraponto à tese freyriana de que as relações
entre brancos e negros, casa grande e senzala,
eram complementares, tendo contribuído com
a formação de uma identidade nacional (mito da
democracia racial).
Florestan (2008) afirma que o processo de
“integração” de pessoas negras foi desde o princípio
deformador, e que não era possível se pensar que
o cruzamento ou o processo de branquização que
ocorrera no “meio negro” havia sido tão eficiente
para se pensar numa “democracia racial”.
Anotações:
seguintes a Abolição) um “déficit
negro” perceptível na cidade de São
Paulo (FERNANDES, 2008, p. 27).
Anotações:
avam sendo fiéis à cor dos indivíduos (declaradas
como negras/mulatas quando mortas).
Dessa forma, começou a ter um número
muito pequeno de nascimentos discrepantes em
relação ao número de mortes. No entanto, como
já fora mencionado, o decréscimo na população de
cor existiu, mas não atingiu proporções alarmantes
e também não foi causado por inadaptabilidade
dos negros e mulatos às precárias condições
de existência em relação aos brancos. Esse não
foi o maior problema que os negros e mulatos
enfrentaram em sua luta por sobrevivência no
mundo do branco.
Anotações:
consciência histórica eram uma das
estratégias utilizadas pela escravidão
e pela colonização para destruir a
memória coletiva dos escravizados
e colonizados. Nas bases populares
negras sem vínculos com as comuni-
dades religiosas de matriz africana, a
consciência histórica e, consequen-
temente, a identidade se diluíriam nas
questões de sobrevivência que toma
o passo sobre o resto e pode desem-
bocar num outro tipo de identidade: a
da consciência do oprimido economi-
camente e discriminado racialmente.
Na militância negra há uma tomada
de consciência aguda da perda da
história e, consequentemente, a bus-
ca simbólica de uma África idealizada
(MUNANGA, 2012, p. 7).
Anotações:
Se historicamente a negritude é,
sem dúvida, uma reação racial negra
a uma agressão racial branca, não
poderíamos entendê-la e cercá-la
sem aproximá-la do racismo do qual
é consequência e resultado. Para ser
racista, coloca-se como postulado
fundamental a crença na existência
de “raças” hierarquizadas dentro da
espécie humana. De outro modo, no
pensamento de uma pessoa racista
existem raças superiores e raças infe-
riores. Em nome das chamadas raças,
inúmeras atrocidades foram cometi-
das nesta humanidade: genocídio
de milhões de índios nas Américas,
eliminação sistemática de milhões de
judeus e ciganos durante a Segunda
Guerra Mundial. Como se não bastasse
o antissemitismo, a persistência dos
mecanismos de discriminação racial
na África do Sul durante a Apartheid,
nos Estados Unidos, na Europa e em
todos os países da América do Sul
encabeçados pelo Brasil e em outros
cantos do mundo demonstra clara-
mente que o racismo é um fato que
confere à “raça” sua realidade política
e social (idem, p. 08-09).
Anotações:
Anotações:
acesso na participação e na as-
censão econômica. Ao separar raça
e classe numa sociedade capitalis-
ta, comete-se um erro metodológi-
co que dificulta a sua análise e os
condena ao beco sem saída de uma
explicação puramente economicista
(idem, p. 14).
Anotações:
CONFLITOS AGRÁRIOS E AS LUTAS
PELA TERRA
Anotações:
foram instalados no estado, com predominância
visível da Zona da Mata e do Agreste sobre o
Sertão. Dentre esses núcleos, destacavam-se
os de Pau d’Alho, São Lourenço da Mata, Escada,
Goiana e Vitória de Santo Antão. A partir de 1959,
as ligas camponesas se expandiram rapidamente
em outros estados, como a Paraíba, estado do Rio
(Campos) e Paraná, aumentando o impacto político
do movimento.
Dentre esses núcleos, o mais importante foi
o de Sapé, na Paraíba, o mais expressivo e o maior
de todos. A expansão da Liga de Sapé acelerou-se a
partir de 1962, quando foi assassinado seu principal
líder, João Pedro Teixeira, a mando do proprietário
local. Pouco depois esse núcleo congregava cerca
de dez mil membros, enquanto outros núcleos iriam
se espalhar pelos municípios limítrofes.
De um modo geral, as associações criadas
tinham caráter civil, voluntário e por isso mesmo
dependiam de um estatuto e de seu registro em
cartório. Para constituir legalmente uma liga, bas-
tava aprovar um estatuto, registrá-lo na cidade
mais próxima e lá instalar a sua sede. As finalidades
das ligas eram prioritariamente assistenciais, so-
bretudo jurídicas e médicas, e ainda de autodefesa,
nos casos graves de ameaças a quaisquer de seus
membros. As lideranças pretendiam também, a
médio e longo prazos, fortalecer a consciência dos
direitos comuns, que compreendiam a recusa em
aceitar contratos lesivos, dia de trabalho gratuito
para aqueles que cultivavam a terra alheia e outras
prestações de tipo “feudal”.
Nesse momento, o uso do termo “camponês”
constituiu-se, no Brasil, como categorias unitárias
101
Anotações:
para classificar diferentes modos de trabalho sobre
a terra, com o intuito de unificar trabalhadores
rurais em oposição aos “latifundiários” (os donos
da terra — grandes propriedades rurais — que não
exerciam seu trabalho sobre ela). A desagregação
do movimento, em 1964, eliminou as organizações,
mas não desarticulou suas reivindicações básicas,
que seriam incorporadas pelos sindicatos rurais
no período seguinte (1965-1983). Convém notar que
esses sindicatos rurais têm sido, particularmente,
ativos nas antigas zonas de influência das ligas.
A ditadura militar, com início em 1964, forçou
e perseguiu as lideranças que compunham as ligas
camponesas. Um documentário clássico sobre
o impacto da ditadura sobre os movimentos de
reforma agrária no Brasil é “Cabra Marcado para
Morrer”, de Eduardo Coutinho. Além de narrar de
forma brilhante como se deu a expansão das ligas,
Coutinho segue os rastros de Elisabete Teixeira,
esposa de João Pedro Teixeira, assassinado a
mando dos coronéis.
Nos últimos 30 anos, próximo ao fim da
Ditadura Militar, os movimentos pela terra ganharam
novas configurações no Brasil. O Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é, sem
dúvida, o movimento sindical mais influente na vida
rural brasileira, que tem como principal bandeira a
reforma agrária. Sigaud (2004), ao explicar como
funcionam os acampamentos e a estrutura de
organização do MST, afirma:
Anotações:
nas, centenas de famílias. As pri-
meiras foram organizadas por jovens
filhos de pequenos produtores, com
apoio da Comissão Pastoral da Ter-
ra (CPT), vinculada à Igreja Católica.
Foi este núcleo que criou, em 1984, o
MST. Em meados da década de 80 há
registros de ocupações em vários es-
tados brasileiros, graças a uma políti-
ca de expansão da organização. Em
1993, o Congresso Nacional estabele-
ceu que a improdutividade das terras
caracterizava o não cumprimento da
função social da propriedade, caso
previsto pela Constituição de 1988
para proceder à desapropriação. As
ocupações generalizaram-se em todo
o país. Durante o período, o Instituto
Nacional da Reforma Agrária (INCRA),
que até então tinha uma atuação
modesta, começou a desapropriar
as terras ocupadas e as redistribuiu
entre os que estavam nos acampa-
mentos, tornando-os titulares de uma
parcela de terra. As ocupações, os
acampamentos e as desapropriações
indicam uma inflexão no modo de pro-
ceder das diversas organizações no
mundo rural e do Estado. Daí poder-se
falar de um fato novo (p. 11).
Anotações:
uma pessoa ou família. A ideia de Reforma Agrária
também está vinculada ao tipo de trabalho sobre a
terra, uma disputa entre o mercado agroindustrial
brasileiro e as famílias agricultoras (agricultura
familiar, modelos de produção orgânica de
alimentos, agriculturas de subsistência. O Estado
brasileiro tem conferido legitimidade à pretensão
dos movimentos, ao desapropriar as fazendas
ocupadas e redistribuir as terras entre os que
se encontram nos acampamentos. Utilizando o
exemplo da Zona Rural pernambucana, Sigaud
(2004) explica como ocorreram as disputas em
torno da terra e dos modelos de produção rural.
Anotações:
estava em situação tida como sólida
e equilibrada. A segunda saía de um
pedido de concordata; a terceira não
havia moído na safra de 96-97 e desde
1995 não pagava regularmente seus
trabalhadores; a quarta entregara ao
Banco do Brasil treze de seus enge-
nhos para pagar dívidas e habilitar-se
a novos empréstimos (p. 15).
Anotações:
continuidade dos acampamentos de ocupação
como meio de adquirir o reconhecimento do
Estado sobre a propriedade. Isso ocorre a partir
de uma série de disputas políticas e jurídicas em
torno de como a propriedade foi adquirida, como
os regimes de trabalho são administrados. O INCRA
passou, então, a consolidar “assentamentos rurais”,
reconhecendo os direitos de propriedade para
muitos grupos “sem-terra” e comunidades.
Anotações:
terceiro terço do século XX, evolução
quase contemporânea da fase atual
de macrourbanização e metropoli-
zação. O turbilhão demográfico e a
terciarização são fatos notáveis. A
urbanização se avoluma e a residên-
cia dos trabalhadores agrícolas é
cada vez mais urbana. Mais que a
separação tradicional entre um Bra-
sil urbano e um Brasil rural, há, hoje,
no País, uma verdadeira distinção en-
tre um Brasil urbano (incluindo áreas
agrícolas) e um Brasil agrícola (in-
cluindo áreas urbanas). Registra-se,
todavia, uma atenuação relativa das
macrocefalias, pois além das cidades
milionárias desenvolvem-se cidades
intermediárias ao lado de cidades
locais, todas, porém, adotando um
modelo geográfico de crescimento
espraiado, com um tamanho desme-
surado que é causa e é efeito da espe-
culação (SANTOS, 1993, p. 9).
Anotações:
dos crimes contra o patrimônio (rou-
bo, extorsão mediante sequestro) e
de homicídios dolosos (voluntários);
b) a emergência da criminalidade or-
ganizada, em particular em torno do
tráfico internacional de drogas, que
modifica os modelos e perfis con-
vencionais da delinquência urbana
e propõe problemas novos para o
direito penal e para o funcionamen-
to da justiça criminal; c) graves vio-
lações de direitos humanos que com-
prometem a consolidação da ordem
política democrática; d) a explosão
de conflitos nas relações intersub-
jetivas, mais propriamente conflitos
de vizinhança que tendem a conver-
gir para desfechos fatais. Trata-se
de tendências que, conquanto rela-
cionadas entre si, radicam em cau-
sas não necessariamente idênticas
(ADORNO, 2002, p. 84).
Anotações:
Mesmo que algumas atividades comecem a
crescer, persistirão a pobreza e a desigualdade,
uma vez que sem investimentos, sem nivelação
técnica e educacional, a população pobre terá suas
condições de existência cada vez mais degradadas.
A violência letal produzida intencionalmente,
a circulação de armas e a facilitação de sua
comercialização são desafios para as instituições
democráticas do Brasil, atualmente. Mais do
que meros problemas de segurança pública, a
concentração de assassinatos letais em territórios
urbanos demonstra como estão localizadas as
ações de grupos armados e seus domínios em
zonas e bairros das cidades.
Anotações:
Justiça. (...) Quando esses grupos
são mais bem estruturados, como
ocorre no Rio de Janeiro, tendem
a funcionar como uma espécie de
governo territorial ilegal, assumindo
o monopólio do uso da força em
seus territórios e desenvolvendo
com a população uma relação ao
mesmo tempo tirânica, paternalista
e clientelista. Na capital fluminense,
nas centenas de bairros controlados
pelas facções criminosas — Comando
Vermelho, Terceiro Comando Puro,
Amigo dos Amigos e os grupos para-
militares — o poder político tende a
ser medido pela quantidade de fuzis
que tais grupos têm para se defender
(MANSO e ZILLI, 2021, p. 09).
Anotações:
violência policial deliberada, mais também agem
como grupos criminosos organizados, ou milícias,
aproveitando o status de agentes públicos. Com
isso, fragilizam ainda mais a credibilidade das insti-
tuições de ordem do Estado, que representam.
Para Santos (1993), a cidade em si, como
relação social e como materialidade, torna-se
criadora de pobreza, tanto pelo modelo socioeco-
nômico de que é o suporte como por sua estrutura
física, que faz dos habitantes das periferias (e dos
cortiços) pessoas ainda mais pobres. A pobreza não
é apenas o fato do modelo socioeconômico vigen-
te, mas, também, do modelo espacial.
Anotações:
O primeiro se dá em nível do sistema financeiro,
da informação, do domínio do poder efetivamente
das potências; o segundo tem relação com a
internacionalização dos movimentos sociais, por
meio de ONGs, por exemplo:
Anotações:
é a percepção de seu território como uma
imensa unidade de conservação, que deve ser
preservada integralmente, com vistas a assegurar
a sobrevivência do planeta, devido aos danos
provocados pelo desmatamento e exploração de
recursos minerais sobre o clima e a biodiversidade.
Anotações:
produtividade da soja, a terra não é mais ocupada
como reserva de valor, como foi na época da
fronteira anterior. Agora o que sucede é o uso
produtivo da terra. Acrescem mudanças também na
pecuária, principalmente no Sudeste do Pará e no
Mato Grosso, onde ocorrem melhorias com respeito
às pastagens, aos rebanhos e à indústria de couro
e de leite. Mudanças bastante significativas em
termos econômicos. As redes e cidades permitem
a expansão dessa área econômica avançada que é
chamada de “arco de fogo”, ou do desmatamento ou
“de terras degradadas”, porque foi onde se expandiu
a fronteira e o desmatamento. Como proposta
diante dessas posturas, quase sempre externas,
sobre a Amazônia, Becker (2005) sugere que:
Anotações:
nas capitais. Com exceção do Pará, nenhum dos
demais Estados da Região apresentava em 1991,
outras cidades que não as capitais com mais de 100
mil habitantes.
No caso apresentado por Oliveira (2004),
a cidade de Manaus, capital do Amazonas,
concentrava até os anos 2000 quase a metade da
população de todo o Estado. Atualmente, esses
dados mantêm praticamente o mesmo padrão, ou
seja, Manaus é a capital mais populosa da região
Norte do Brasil e concentra 52,8% da população
do Estado do Amazonas (IBGE, 2021). Com mais
da metade da população amazônica residindo nas
cidades é, especialmente, nas pequenas cidades,
que os problemas urbanos são percebidos de
forma mais intensa, com as ausências de políticas
públicas e desigualdades amplificadas.
115
Para seguir:
Anotações:
118
Anotações:
Unidade 4
Videoaula 1 Videoaula 2
Videoaula 3 Videoaula 4
120
Anotações:
121
DESIGUALDADES
SOCIAIS E DIREITOS
HUMANOS
Anotações:
Representantes de 50 países reuniram-se para
elaborar um organismo mundial que visava a garantir
a paz e o respeito entre os povos, que viria a ser a
Organização das Nações Unidas (ONU). A primeira
ação elaborada foi a formação de uma Comissão de
Direitos Humanos da ONU, que ficaria responsável
pela redação de um documento prescritivo para
listar todos os direitos fundamentais dos seres
humanos. Em 1948, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos foi concluída e aprovada durante a
Assembleia Geral da ONU naquele mesmo ano.
Atualmente, 193 países são signatários da
ONU. Isso significa que, entre outras coisas, eles
devem garantir em seus territórios o respeito aos
direitos básicos dos cidadãos. Não há uma maneira
expressa e objetiva da organização fiscalizar e
regular o cumprimento dos Direitos Humanos, mas
as legislações da maioria dos países ocidentais
democráticos, bem como seus sistemas judiciários,
recorrem aos artigos expressos no documento
para formularem seus textos legais e aplicarem as
decisões e medidas jurídicas.
Os direitos fundamentais da pessoa humana
são reconhecidos e protegidos em todos os Es-
tados, embora existam algumas variações quan-
to à enumeração desses direitos e à extensão
de cada um deles, bem como quanto à forma de
protegê-los. Esses direitos não dependem da na-
cionalidade ou cidadania, sendo assegurados a
qualquer pessoa. Entretanto, podem existir cer-
tos meios de proteção que as leis de um Estado
criam especialmente para os seus cidadãos.
As Constituições, geralmente, referem-se a
esses direitos como “direitos individuais”, o que
123
Anotações:
não significa que eles possam ser exercidos pelo
indivíduo sem responsabilidade social. Na Consti-
tuição brasileira existe um capítulo especial sobre
os direitos individuais, dispondo-se que eles são
assegurados aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no Brasil. Como se trata de direitos
fundamentais da pessoa humana, a interpretação
dos dispositivos da Constituição, em caso de dúvi-
da, deve ser feita sempre do modo que for mais fa-
vorável à proteção das pessoas. Assim, por exemplo,
um estrangeiro que esteja apenas de passagem
pelo território, sem a intenção de aí residir, tam-
bém tem direito à mesma proteção.
A estreita relação entre paz e direitos hu-
manos, assim como entre paz e desenvolvimento,
já foi reconhecida pela Carta das Nações Unidas
que, em seu preâmbulo, declara: “Nós, os povos
das Nações Unidas, determinados a preservar as
próximas gerações do flagelo da guerra (...) e a
reafirmar a fé nos direitos humanos fundamen-
tais...”. O artigo 55 acrescenta, além disso a fim
de criar condições de estabilidade e bem-estar,
necessários para as relações pacíficas entre os
Estados. As Nações Unidas deverão promover as
condições para o progresso e o desenvolvimento
econômico e social e, ao mesmo tempo, o respeito
universal — e a observância — dos direitos humanos
e das liberdades fundamentais.
Debates:
Direito à Vida: relativamente ao direito à
vida, existe um artigo da Constituição afirmando
expressamente que ela é um direito inviolável, que
124
Anotações:
ninguém tem o direito de tirar de outra pessoa.
Além disso, o reconhecimento e a proteção do
direito à vida estão expressos no conjunto dos
direitos e garantias. Basta assinalar que a própria
Constituição prevê o julgamento pelo júri dos
crimes dolosos contra a vida, estando aí contida a
afirmação de que os atentados contra a vida humana
são considerados crimes. Há também expressa
proibição da pena de morte, com a ressalva de que
ela poderá ser estabelecida por lei apenas para
punir crimes praticados durante guerra externa
formalmente declarada. Assim, nem mesmo os
criminosos mais violentos e cruéis perdem o
direito à vida. Mas, ainda que não houvesse na
Constituição aqueles dispositivos, o direito à vida
estaria implícito, pois, sem ele, nem o Estado nem a
sociedade humana sobreviveriam.
Direito à igualdade: a igualdade mais
proclamada e aparentemente mais assegurada é
a igualdade de todos perante a lei. Em princípio,
as obrigações legais são dirigidas a todos, sem
qualquer diferenciação, além do que a lei deve
ser aplicada de maneira igual para todos. Pelo
princípio da igualdade jurídica, acolhido pela
Constituição brasileira, será inconstitucional uma
lei que conceda privilégios em relação a direitos e
obrigações. Mas por força de vários fatores, como
a condição social e econômica, os preconceitos,
as preferências e até os interesses dos aplicadores
da lei, não existe igualdade na aplicação das leis.
São também expressões do direito à igualdade a
garantia de direitos iguais para homens e mulheres
e a proibição de discriminações que ofendam os
direitos e a liberdade das pessoas.
125
Anotações:
Os Direitos Humanos estão quase sempre
sendo ampliados. Esse processo de ampliação
dos direitos gera inúmeros debates sociais. Um
exemplo de debate em torno de Direitos Humanos
é a legalização do Aborto. Atualmente, no Brasil, o
aborto legal só pode ocorrer em casos de risco à
vida da gestante ou em casos de estupro. Outros
países da América Latina, como Argentina, Chile e
Colômbia, já preveem o direito ao aborto nos meses
iniciais da gestação, conferindo às mulheres o
direito de optar ou não pela maternidade.
Rita Segato (2006), antropóloga Argentina que
trabalhou por muitos anos no Brasil, argumenta que
esses movimentos em torno de novas reivindicações
e reconhecimentos de direitos da pessoa humana,
podem ser chamados de “ética da insatisfação”. Tal
postura pode ser encontrada entre os cidadãos de
qualquer nação e nos membros da mais simples e
coesa das comunidades morais, o que constitui o
fundamento dos direitos humanos. É por meio das
insatisfações de certos grupos, principalmente
os tidos como subalternos em relação a outros,
que as mudanças legais, em torno da justiça, do
reconhecimento de novos valores sociais, podem
ser inscritas, inclusive na lei.
GÊNERO: DESIGUALDADES E
VIOLÊNCIAS
Anotações:
contra a mulher”) tem início nos anos 60. Desde
então, tanto a militância feminista, quanto as
intelectuais, vêm discutindo e evidenciando as
diferentes formas de violência contra a mulher.
O período dos anos 60 a 80 é marcado pelo uso
da categoria “mulher”, e teve como fundamento
teórico, as noções de “estudos das mulheres”,
“universalização dos problemas da mulher”, e o
combate à opressão universal das mulheres pelo
patriarcado.
No Brasil, a abordagem das teorias do
“patriarcado” e da “opressão universal das mulheres”
é iniciada por Heleieth Saffioti, no fim dos anos 60,
com a defesa de sua tese “A mulher na sociedade de
classes”. Essa abordagem preocupava-se em como
analisar a opressão da mulher nas sociedades
patriarcais, e foi marcada pela relação com o
conceito de “classe” (GROSSI, 2000).
Após esse período, a categoria “patriarcado”
entra em desuso a partir das críticas feitas à
universalização das mulheres, o acentuamento
teórico das diferenças entre mulheres e o destaque
para os diferentes níveis de “opressão”. A categoria
“gênero”, formulada a partir das relações entre
homens e mulheres, além da relação entre pessoas
do mesmo gênero (mulheres e mulheres, homens
e homens), passa a ser a mais adequada para falar
das relações, desigualdades e poder entre homens
e mulheres. Usamos o conceito de Joan Scott, para
o qual, gênero refere-se ao:
Anotações:
a tudo aquilo que constitui as relações
sociais. O discurso é um instrumento
de organização do mundo, mesmo se
ele não é anterior à organização social
da diferença sexual. Ele não reflete
a realidade biológica primária, mas
constrói o sentido desta realidade.
A diferença sexual não é a causa
originária a partir da qual a organização
social poderia ter derivado; ela é mais
uma estrutura social movediça que
deve ser ela mesma analisada em
seus diferentes contextos históricos.
(SCOTT, 1998, p. 88).
Anotações:
reram alguns avanços nas políticas públicas para a
proteção e criminalização da violência doméstica.
Esses avanços seguem em outras leis, como as
leis que tipificam crimes sexuais, modificadas em
2008, 2012 e 2014, passando a reconhecer estu-
pros como sexo sem consentimento, com ou sem
penetração, estupro de vulnerável, além de dar
mais crédito ao depoimento das vítimas.
Fonte: Google.
Anotações:
Esbarram na inexistência de uma política de não
violência voltada para homens.
Anotações:
pelo marido, sob argumentos de que ela “era vaido-
sa demais para uma mulher de família”, e que cer-
tamente “tinha um amante”. Sob suspeita de que
estava sendo traído, com base nessas argumen-
tações, ele executou a mulher quase em frente a
filha.
Os argumentos da suspeita do marido foram
levados ao tribunal do júri, e a defesa investiu for-
temente em desmoralizar a conduta da vítima, as-
sociando sua família à prostituição, sua vaidade
“anormal” a uma suposta traição; o fato de ela tra-
balhar fora ajudou a sustentar a ideia de que ela
era uma péssima mãe. O assassino foi absolvido
pelo júri, que acatou a motivação do crime como
“legítima defesa da honra”. Isso ocorreu entre os
anos 60, mas o padrão de desmoralização da víti-
ma, perdura até hoje, recebendo mais resistência
em casos que se tornam emblemáticos, dadas al-
gumas transformações sociais provocadas pelo
movimento feminista no Brasil. Contudo, essas
transformações não estão cristalizadas na socie-
dade, muito menos no aparato policial e sistema
judiciário brasileiro.
Os casos de estupro são continuamente
moralizados, em todas as esferas sociais, da família
até a mídia. A vida da vítima, já fragilizada pela
violência e exposição das agressões e intimidades,
é esmiuçada, para que todos possam dar sua
legitimidade sobre a violência. E foi, se não foi, “por
que foi?”.
Outro ponto importante das reflexões de
Corrêa (1983) sobre os casos analisados em sua
dissertação, dos anos 70: “os atores jurídicos
usam os poderes que a lei lhes confere para
131
Anotações:
reforçar uma ordenação existente na sociedade,
obscurecendo-a, ao agir como se ela não
existisse”. As performatividades do judiciário e
as decisões decorrentes delas, não são isentas,
mas são investidas de verdade, por meio da fábula
espetacular construída pela defesa e acatada pelo
júri ou juiz. Corrêa (1983) adverte sobre a diferença
entre a lei (escrita) no Brasil, que nem sempre
corresponde à norma social não escrita, indicando
que a justiça não é isenta, mas machista, branca,
heterossexual, burguesa, e manipula, através do
poder da lei, a vida social, moralizando a vida.
Por fim, devemos lembrar as proximidades e
identificações sociais possíveis entre os homens
que julgam e o homem acusado. Já sabemos,
pela ampla discussão que existe sobre estupro
e estupradores no Brasil, que as punições são
mais rígidas para homens em posições sociais
não hegemônicas. Corrêa (1983) aponta que, na
comparação entre decisões sobre assassinatos e
tentativas de assassinatos de mulheres, as penas
mais pesadas recaíam sobre homens em posições
subalternas (negros, “crioulos”, desempregados,
tidos como desocupados).
132
Patriarcado
Anotações:
seu poder, tanto a sua própria extensão familiar (es-
posa, filhos, netos, etc), quanto todos os habitantes
da sua propriedade, inclusive a Senzala.
Esse esquema familiar foi bastante criticado
por autoras feministas, sob o argumento de que
ao reconhecer a família patriarcal como o modelo
familiar do Brasil, deixavam-se de lado todas as
diferentes configurações familiares, inclusive dos
negros escravizados nas senzalas, que tinham suas
próprias famílias e relações.
Atualmente, as feministas usam a expressão
“lutar contra o sistema patriarcal”, que significa
a luta contra a permanência do poder familiar e
social na mão dos homens e contra a manutenção
dos papéis sociais de subserviência atribuídos às
mulheres.
134
Anotações:
Masculinidades
Anotações:
Deste modo, a autora formula o conceito
de “masculinidade” a partir de seu estudo dos
comportamentos de meninos em escolas
australianas. Ela buscava entender como os
meninos reproduziam os valores sociais sobre ser
homem relacionando sua pesquisa, na época, com
a teoria produzida por Pierre Bourdieu, sociólogo
francês que, entre outras coisas, dedicou-se
a compreender a relação entre prática social,
estrutura e símbolo.
As noções sobre o que é “ser homem”
começam a se tornar um problema diante das lutas
históricas das mulheres por igualdade nos direitos
civis. Elas têm repercussão na França e EUA, com
eclosão mundial a partir dos anos 1960. A luta
das mulheres por direitos civis (o voto, a jornada
de trabalho, a reprodução sexual e doméstica, a
violência) explicita uma distinção entre os gêneros.
Mostra que existe uma desigualdade social entre
direitos de homens e mulheres.
A partir de então, vão sendo desnaturalizadas
as noções sobre o que são papéis masculinos e
femininos. Isso embaralha as concepções tidas
como naturais relativas ao significado do gênero
e do tipo de relação que se queria. Os homens não
“precisaram” pensar nisso, pois “ser homem” parecia
algo natural e confortável. A partir do movimento
das mulheres, principalmente em meados dos anos
70, muitos homens começaram a acompanhar
mulheres em suas reivindicações. E isso faz com
que eles próprios comecem a refletir sobre sua
masculinidade, descobrindo novas formas de
“ser homem” que não sejam associadas à ideia do
masculino viril, controlador, violento, etc.
136
Anotações:
Um dos grandes problemas do mundo,
em relação à violência contra as mulheres e a
desigualdade de gênero, é a ausência de uma
política de gênero. A questão que nos interessa
é a dificuldade que há em fazer esse esforço de
construção de uma “masculinidade” não violenta.
Pois, homens e mulheres, somos informados desde
muito cedo sobre os significados de “ser homem”,
e desde então, afastados de todos os riscos ao
padrão de masculinidade. Connell (1995) criou duas
categorias para definir tipos de masculinidade:
1. Masculinidade hegemônica: é o padrão
idealizado de masculinidade em uma so-
ciedade. Como algo idealizado, é também
inatingível. Na sociedade ocidental, esse
padrão pode ser representado pelas ideias
de “homem viril”, heterossexual, “chefe de
família”, etc;
2. Masculinidades subalternas: são as mas-
culinidades tidas como desviantes. Na
sociedade ocidental, exemplos dessas
masculinidades são as homossexuais, as
paternidades afetivas, entre outros es-
forços de homens contra as práticas he-
gemônicas de masculinidade.
MIGRAÇÃO E FRONTEIRAS
Anotações:
como a chegada a um lugar estranho. Nas Ciências
Sociais, a noção de fronteira pode ser concebida
também a partir da ideia de interstício entre formas
de ser no mundo, identidades, compreensões sobre
gênero, família, raça, pertencimento e moralidades.
A migração pode ser caracterizada a partir da
mobilidade entre fronteiras, carregando consigo
não apenas o afastamento espacial/geográfico,
mas também valores, cultura, estranhamentos e
estigmas. Se nos debruçarmos para compreender
“corpos em movimento” como os dos refugiados,
podemos notar que existem diversas formas de
criação e estabelecimento de fronteiras.
Anotações:
preenchimento de formulários das agências es-
tatais e organismos internacionais. Fassin (2005)
nos ajuda a compreender essas práticas estatais
de acolhimento de refugiados, como controle das
fronteiras, assim como demarcação de identidades
e fluxos migratórios. O conceito de “governamen-
talidade”, articula as noções de “fronteiras sociais”
e “fronteiras físicas”, demonstrando que, se por um
lado, concede-se ao migrante um visto por “razões
humanitárias”, permitindo-lhes a inserção no mer-
cado de trabalho, por outro, limitam-se o acesso à
plena cidadania, requerendo a eles, uma série de
comprovantes de vínculos de trabalho ou estudo no
país. Tais aspectos foram notados por Silva (2016),
ao pesquisar a presença de haitianos em Manaus,
acolhidos pelos processos de ajuda humanitária.
No caso estudado por Silva (2016), dos pontos
de vista dos manauaras sobre os migrantes, há uma
percepção generalizada de que a presença dos
haitianos é boa, na medida em que são percebidos
como “trabalhadores e educados, que não se
envolvem com a criminalidade” e, ao senso comum,
acrescenta-se a percepção de que “a cidade
está mais colorida” (uma vez que haitianos são
predominantemente, negros/pretos). Apesar dessa
presença cotidiana nas relações com a cidade,
o autor percebe a ausência de políticas públicas
que desenvolvam relações socioculturais entre os
migrantes e os cidadãos nacionais. Isso cria outro
estigma em torno dos migrantes, pois a diversidade
não é encarada como troca cultural, mas como
mera exotização da diferença física e cultural.
139
Anotações:
A migração tem implicações econômi-
cas, sociais e culturais, tanto no local
de partida quanto no de chegada ou
de passagem. Se do ponto de vista
econômico a integração se dá de al-
guma forma via mercado de trabalho
formal ou informal, o mesmo não se
pode dizer do ponto de vista social e
cultural, já que a condição de imigran-
te, considerado como “trabalhador
temporário”, impõe uma série de
limites, seja no exercício da ci-
dadania política, seja no âmbito das
trocas culturais, em razão de pre-
conceitos que poderão enfrentar
(SILVA, 2016, p. 147).
Anotações:
processos de “divisão” subjetiva, como silenciam
em torno das violências, do rapto em si mesmo,
ou dos novos casamentos. O caso de Asha, é uma
das descrições/conversas emblemáticas da autora
sobre a temática.
Asha, tendo enviuvado jovem, no seu caso, o
potencial para desordens do desejo surgiu dentro
da família, depois das rupturas brutais da Partição.
Envolveu-se em várias traições, quebrando as
regras correntes da viuvez, mas recusando-se
a viver em má-fé, movendo-se através de suas
intrincadas relações com as mulheres de sua rede
familiar, quase forçando os outros a reconhecerem
a singularidade de seu ser. A via de saída do
“conhecimento venenoso” não foi uma ascensão
para a santidade ou a renúncia; foi uma queda em
direção a um cotidiano diferente.5
Todos os dias eu tentava ser útil. Estava dividida
entre a lealdade a meu marido morto, sua irmã, que
eu amara muito, e os novos tipos de necessidade
que pareciam brotar da possibilidade de uma nova
relação.
Apesar de repudiada, tanto por sua família
de origem, como por sua família conjugal, por ter
quebrado o tabu de casta alta quanto a um segundo
casamento, ela continuou tentando refazer seus
laços rompidos.
Uma vez reconhecido o seu ser sexual, nos
modos novos como passaram a vê-la seus afins
masculinos, ela teve de fazer uma escolha. Ou
assumia uma relação clandestina, ou aceitava o
5
DAS, Veena. Vidas e Palavras - a violência e sua descida ao ordiná-
rio. Ed. UNIFESP, 2020.
141
Anotações:
próprio público e até colocava em risco a honra da
família, por uma nova definição de si mesma que
prometia uma certa integridade, embora invia-
bilizasse os projetos de vida que tinha formulado
anteriormente para si mesma. No processo dessa
decisão, o self pode ter-se fragmentado radical-
mente e se tornado fugitivo, mas que foi descrito
é uma espécie de operação complexa que se tor-
na evidente, não necessariamente no momento
da violência, mas nos anos de trabalho paciente
ao longo dos quais Asha e a irmã de seu primeiro
marido reataram os laços rompidos.6
Das (2020) argumenta que as violências mar-
cam “limites” (fronteiras), pois esgotam nossa ca-
pacidade de representar os fatos do horror. Fazem
com que perguntemos “como seres humanos po-
dem ter sido capazes de atos tão hediondos”, como
os crimes de guerra, as violações indescritíveis das
invasões coloniais, as cenas cotidianas de violência
familiar e estupros.
6
Idem.
142
Anotações:
está acontecendo de forma repetida
e não-melodramática, como dizê-lo,
não numa narrativa única, mas na
forma de um texto que é constante-
mente revisado, revisto e acrescido
de comentários (DAS, 2020, p. 118).
PODER E SUBALTERNIDADES
Anotações:
2001). Diversos teóricos nas Ciências Sociais se
desdobraram sobre o conceito de Poder. Aqui
restringimos sua discussão ao debate promovido
por Michel Foucault, filósofo francês que se dedicou
a investigar diferentes aspectos da dominação, do
poder, da sexualidade, das instituições de controle
e do Estado.
Para Foucault, ao contrário de outros analis-
tas, principalmente marxistas, poder não se esta-
belece como uma via de mão única, como se per-
cebe, por exemplo, no poder econômico. Para o
filósofo, o poder é exercitado de forma relacional
e em microrrelações. O conceito de poder é usa-
do como instrumento de interpretação social e as
“práticas sociais” ou “relações de poder” são o cen-
tro nervoso de suas análises (SILVA, 2001).
Como capilaridades de microrrelações, o
Poder em Foucault deve ser entendido:
1. Como algo produtivo, como saber, e,
portanto, não somente repressivo, mas
também pedagógico;
2. Uma relação que se estabelece entre
indivíduos, ao invés de um objeto estático
e transferível;
3. Não se estabelece em um só sentido
(de cima para baixo) nem deve ser
compreendido unilateralmente.
Anotações:
de relações, argumentando que há sujeitos que são
completamente alijados do poder: os subalternos.
Em seu ensaio “Pode o subalterno falar?”,
Spivak (1996) apresenta argumentos do ponto de
vista não-ocidental sobre a ausência completa da
capacidade de dizer algo e ser ouvida, por sujeitos,
instituições e posições que ocupam o poder. Para
ilustrar seus argumentos, a autora apresenta três
exemplos na história indiana, em que tentativas
de estabelecer um diálogo com o poder ou ocupar
o poder, foram completamente silenciados ou
assimilados pelas forças que de fato ocupam e
detém o poder:
Anotações:
anos envolvida na luta armada pela in-
dependência da Índia, e que se enforcou
em Calcutá em 1926 por não conseguir
realizar um assassinato político ao qual
foi incumbida. Para que sua morte não
fosse diagnosticada como ligada a
uma paixão ilegítima da qual teria re-
sultado uma gravidez, Bhuvaneswari
esperou sua menstruação para com-
eter o suicídio. Mesmo assim, seu ato
foi traduzido pelos familiares e intelec-
tuais como um caso de amor ilícito, e
somente tomou seu sentido real a par-
tir do discurso dos líderes e partici-
pantes masculinos do movimento pela
independência (SPIVAK, 1996 apud
FREITAS, 2020, p. 34).
Anotações:
ESTADO E INTERVENÇÃO SOCIAL
Anotações:
É dos governos a responsabilidade pela
implementação de políticas públicas a partir de
ações do Estado. Governar adquire o sentido
de implementar um projeto político, validado
socialmente, dentro dos limites e obrigações
constitucionais. As ações do Estado, como políticas
públicas, devem ocorrer por meio de programas
sociais, não sendo reduzidas à mera burocracia.
As políticas públicas são de responsabilidade
do Estado, tanto em sua implementação, quanto
na manutenção a partir de processos de tomada
de decisão democráticos e transparentes, que
envolvem órgãos públicos, diferentes organismos
institucionais e agentes sociais relacionados às
políticas que serão implementadas.
Neste sentido, políticas públicas não podem
ser reduzidas a políticas estatais. E políticas sociais
referem-se às ações que determinam o padrão
de proteção social implementado pelo Estado,
voltadas, em princípio, para a redistribuição
dos benefícios sociais visando a diminuição
das desigualdades estruturais produzidas pelo
desenvolvimento socioeconômico. As políticas
sociais têm suas raízes nos movimentos populares
do século XIX, voltadas aos conflitos surgidos
entre capital e trabalho, no desenvolvimento das
primeiras revoluções industriais.
Para Bourdieu (2020), as esferas do Estado e
Governo confundem-se, uma vez que os agentes do
estado, que ocupam posições legislativas ou mesmo
administrativas também têm o poder de regular
(criar leis, implementá-las, interpretá-las, efetivar
denúncias ou não e cumprir regimentos), mesmo
estando eles próprios submetidos ao conjunto de
148
Anotações:
regras e obrigações em torno das próprias funções
estatais.
Portanto, o Estado é uma entidade de poder,
que regula e implementa políticas sociais. Por esse
mesmo motivo, é um espaço de disputas entre
ideologias políticas, principalmente partidárias,
legitimadas socialmente a partir da liberdade de
manifestação política e expressão, assim como das
disputas de grupos que compõem a sociedade civil
organizada (associações, ONGs, coletivos, etc.).
As lutas em torno do Estado podem ocorrer
entre agentes sociais do mesmo campo políti-
co-ideológico, administrativo e também entre
diferentes esferas constituidoras do Estado
(jurídica, política, econômica, intelectual, etc.).
Essa disputa se dá, principalmente, porque as
possibilidades de intervenção do Estado sobre
diferentes espaços da sociedade são muito am-
plas. As decisões tomadas a partir do poder es-
tatal, influenciam no reconhecimento de violações
contra mulheres, crianças, negros e negras, LGBTs,
assim como operam em torno de decisões sobre a
economia, distribuição de renda, que podem culmi-
nar no aprofundamento da desigualdade social, da
fome e da miséria.
Butler (2016) alerta para como o Estado
também produz “enquadramentos” que negam
a existência e, por sua vez, o acesso às políticas
públicas e sociais a certos sujeitos, corpos e
grupos. A história do reconhecimento do Estado à
diversidade e diferença, assim como as mudanças
nas leis e direitos sociais, são exemplos desses
enquadramentos. Outros são as leis contra as
violências domésticas e sobre feminicídios, ganhos
149
Anotações:
sociais que só foram possíveis a partir de 2006 e
2014, respectivamente. Antes do reconhecimento
legal dessas violências, houve décadas de lutas das
mulheres contra as violências machistas e, mesmo
com o reconhecimento legal desses direitos,
ainda são muitos os casos de violações, mortes de
mulheres e dificuldades em realizar as denúncias.
Portanto, pensar sobre o Estado e suas pos-
sibilidades de intervenção é uma tarefa contínua,
uma vez que há sempre sujeitos à margem do
reconhecimento e dos direitos sociais.
150
Anotações:
Filmes para conferir:
Para seguir:
Anotações:
REFERÊNCIAS
Anotações:
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157
Anotações:
158
Caderno de Exercícios
159
160
QUESTÃO 01
QUESTÃO 02
Quando desempenho meus deveres de irmão,
de esposo ou de cidadão, quando me desincumbo
de encargos que contraí, pratico deveres que estão
definidos fora de mim e de meus atos, no direito e
nos costumes. Mesmo estando de acordo com sen-
timentos que me são próprios, sentindo-lhes inte-
riormente a realidade, esta não deixa de ser obje-
tiva; pois não fui eu quem os criou, mas recebi-os
por meio da educação. Assim, também o devoto, ao
nascer, encontra prontas as crenças e as práticas
da vida religiosa; o sistema de sinais de que me sir-
vo para exprimir pensamentos; o sistema de moe-
das que emprego para pagar dívidas; os instrumen-
tos de crédito que utilizo nas relações comerciais;
as práticas seguidas na profissão etc., funcionam
independentemente do uso que delas faço.
QUESTÃO 03
QUESTÃO 04
QUESTÃO 05
produção.
164
QUESTÃO 06
QUESTÃO 07
Americana.
166
QUESTÃO 08
QUESTÃO 09
QUESTÃO 10
a. Relativismo cultural.
b. Determinismo sociológico.
c. Determinismo biológico.
d. Determinismo geográfico.
e. Racismo.
Unidade 2
168
QUESTÃO 11
QUESTÃO 12
QUESTÃO 13
gais.
170
QUESTÃO 14
QUESTÃO 15
A urbanização brasileira vem-se caracteri-
zando, nas últimas décadas, por intenso processo
de metropolização, ou seja, concentração de popu-
lação em grandes cidades conturbadas. O mais alto
escalão da urbanização brasileira é representado
por 26 grandes concentrações urbanas, formadas,
em sua maioria, por arranjos populacionais com
população acima de 750 000 habitantes. Em con-
junto, esses arranjos populacionais, nos centros ur-
banos brasileiros, totalizam 79,124 milhões de habi-
tantes e reúnem 41,5% da população do país. (IBGE,
Arranjos populacionais e concentrações urbanas
do Brasil, 2016).
QUESTÃO 16
QUESTÃO 17
QUESTÃO 18
QUESTÃO 19
QUESTÃO 20
a. Ética da insatisfação.
b. Dramas culturais.
c. Movimento mimimi.
d. Ética da negação.
e. Ética da expressão.
Unidade 4
Unidade 4 178