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na Perspectiva Disposicionalista
Cultura e Classes Sociais
na Perspectiva Disposicionalista
Organizadora:
Lília Junqueira
Colaboradores:
Bernard Lahire
Jessé Souza
João Paulo Lima e Silva Filho
José Augusto Amorim
Lília Junqueira
Marcio Sá (e equipe)
Maurício Antunes Tavares
Raldianny Pereira dos Santos
Recife, 2010.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
Reitor: Prof. Amaro Henrique Pessoa Lins
Vice-Reitor: Prof. Gilson Edmar Gonçalves e Silva
Diretora da Editora: Profª Maria José de Matos Luna
COMISSÃO EDITORIAL
Presidente: Profª Maria José de Matos Luna
Titulares: André Luiz de Miranda Martins, Artur Stamford, Christine Paulette Yves Rufino, Elba Lúcia C. de Amorim,
Emanuel Souto da Mota Silveira, José Dias dos Santos, José Wellington Rocha Tabosa, Kátia Cavalcanti Porto, Lívia
Suassuna, Marcos Gilson Gomes Feitosa, Marlos de Barros Pessoa, Sônia Souza Melo Cavalcanti de Albuquerque.
Suplentes: Alexandre Simão de Freitas, Arnaldo Manoel Pereira Carneiro, Augusto César Pessoa Santiago, Benício de
Barros Neto, Bruno César Machado Galindo, Carlos Alberto Cunha Miranda, Carlos Sandroni, Ivandro da Costa Sales,
José Gildo de Lima, Luiz Carlos Miranda, Vera Lúcia Menezes Lima, Zanoni Carvalho da Silva
CONSELHO CIENTIFICO
Edistia Maria Abath Pereira de Oliveira – Serviço Social – CCSA, Denis Antônio de Mendonça Bernardes – Serviço
Social – CCSA, Marco Antônio Mondaini de Souza – Serviço Social – CCSA, Fernando Gomes de Paiva – Administração
– CCSA, Luís De La Mora – Arquitetura – CAC, José Zanon de Oliveira Passavante – Oceanografia – GTG, Allene
Carvalho Lage – Núcleo Formação Docente – CAA, Carlos Eduardo Ferreira Monteiro – Psicologia e Orientação
Educacional – CE, Ana Emília Gonçalves de Castro – Design - CAC
CÂMARA DE EXTENSÃO
Solange Galvão Coutinho – Presidente - Pró-Reitora de Extensão – Design – CAC, José Mariano de Sá Aragão
– Assessor - Engenharia Civil – CAA/CTG, Leonor Costa Maia – Micologia – CCB, Márcia Ângela da Silva Aguiar –
Métodos e Técnicas da Educação – CE, Moacyr Cunha de Araújo Filho – Oceanografia – CTG
COMISSÃO ORGANIZADORA
Djanyse Barros de Arruda Mendonça, Miriam Vila Nova Maia – Divisão de Apoio Institucional – Pró-Reitoria
de Extensão
REVISÃO
A organizadora
Sumário
Apresentação 09
Anexos 360
Apresentação
Apresentação
zado em 2009, ambos ministrados pela professora Lília Junqueira.
Além disso, o Núcleo de Pesquisa Sociedade, Cultura e Comunicação
realizou amplas sessões de discussão envolvendo alunos de nível de
graduação, mestrado e doutorado através de um grupo de estudos
permanente sobre os temas de pesquisa e teóricos trabalhados. O
trabalho envolveu também a orientação de bolsistas de iniciação
científica dentro do Programa Proext através da parceria com o
professor Jessé Souza.
Apresentação
diz 6 Universitário”, um reality show, é visto neste texto como um
“laboratório televisivo” da luta cotidiana de jovens que almejam se
tornar executivos de negócios. Para a análise dos reais motivos que
fazem com que os jovens participantes sejam, um a um, eliminados
do programa, recorre-se ao aporte teórico de corrente sociológica
que busca desvelar as disposições que orientam as ações dos indi-
víduos nos mais diversos contextos sociais. Observando a questão
nestes termos, os candidatos não estão apenas em luta uns contra
os outros pela vitória no programa, mas também travam grande
embate interno, cada um consigo mesmo, em busca de pensar, agir
e sentir de modos os quais ainda não tiveram a oportunidade de
incorporar por estarem no início de suas trajetórias profissionais.
Finalmente Raldianny Pereira dos Santos em “Socialização e inti-
midade: considerações sobre os modos de vida de homens e mulhe-
res” faz uma reflexão sobre as mudanças nas relações de intimidade
12 a partir das novas relações sociais. Partindo da idéia de que acentu-
adas e aceleradas transformações na configuração geral do mundo
contemporâneo, em suas mais variadas esferas e dimensões, têm se
manifestado também no terreno das relações de gênero, tornando-
-se fecundo e instigante território de análise, seu artigo visa con-
tribuir para o debate e compreensão dos fenômenos da sociedade
atual. O artigo apresenta uma breve trajetória da construção social
da noção de intimidade, que perpassa as relações entre os gêneros,
e sua imbricação com o processo da reflexividade.
João Paulo Lima e Silva apresenta parte de sua tese no artigo in-
titulado “Graciliano Ramos e o universo da escrita: informações 13
biográficas e processo criativo em ‘Caetés’” no qual propõe tratar
a obra de Graciliano Ramos levando em conta a interligação entre
as informações biográficas (lidas a partir do recorte de uma sociolo-
gia disposicionalista) e o processo criativo de seus romances. Neste
sentido são apresentadas análises buscando captar direta e indireta-
mente aquilo que vemos ser condição para o entendimento da obra
do autor de Caetés: por um lado, a objetivação da condição de inte-
lectual que ele realiza em suas obras e, por outro lado, a objetivação
de sua condição existencial. Uma dupla objetivação que trará con-
tornos característicos aos seus romances. Lília Junqueira no texto
“Limitações do conceito de campo para entender a teledramaturgia
brasileira”, coloca em questão como pensar o espaço da produção
da ficção, se a pluralidade dos indivíduos que nele agem é a cada
dia mais vasto. Apesar do fato que a teledramaturgia e o cinema
já sejam considerados como campos profissionais em diversos paí-
ses, o número de agentes responsáveis pela produção e pela criação
das histórias aumenta progressivamente. Desenvolve-se neste texto
uma reflexão sobre as transformações no espaço da criação da tele-
dramaturgia nacional, ocorridos a partir dos anos 2000 apontando
Apresentação
como estas transformações dificultam a continuação da utilização
do conceito de campo de Bourdieu. Finalmente Augusto Amorim
em “O espectador de cinema na perspectiva disposicionalista” rea-
liza uma reflexão sobre as relações entre habitus narrativo e a recep-
ção de cinema. O habitus narrativo é entendido como a disposição
geral do campo do cinema em produzir, distribuir, exibir e promover
filmes cuja linguagem se vincula à narrativa linear clássica, de fácil
compreensão e adesão por parte dos espectadores, constituindo-se
consequentemente também em habitus da recepção. Trata-se da
lógica que orienta o mercado cinematográfico, dominado pelo dis-
curso do cinema norte-americano. O habitus narrativo é, então, uma
disposição socialmente condicionada do campo profissional, mas
que implica, mesmo com sua característica de “núcleo duro”, em
processos de recepção espectatorial relativamente diversos, em fun-
ção de aspectos subjetivos específicos de cada espectador.
14
Jessé Souza abre a terceira parte, intitulada “Perspectiva disposi-
cionalista das classes sociais no Brasil” com sua conferência “As
classes populares no novo capitalismo brasileiro”, na qual apre-
senta a pesquisa realizada em parceria com o Núcleo de Pesquisa
Sociedade, Cultura e Comunicação da UFPE: “O trabalho sobre a
nova classe média, parte da idéia de fazermos uma análise de classe
do Brasil que seja contraposta a essa interpretação conservadora
do personalismo patrimonialista. Temos que repensar esse país de
outro modo, mostrando os conflitos. Esses conflitos estão todos nas
relações de classe. É a classe que é a grande invisibilidade. Não é a
classe no sentido marxista nem a classe no sentido liberal, já que o
liberalismo liga classe à renda. Se você liga classe à renda, tem-se
uma forma de falar de classe sem perceber nada de importante em
relação a ela (...) É isso que é feito para a dominação de todos os in-
teresses pelos conservadores, esse conceito não cai, embora ele não
tenha nenhuma solidez e não significar coisa alguma, só erro. Quer
dizer, é só erro você pensar em termos de você separar Estado de
mercado, é só erro você imaginar uma sociedade como a brasileira
como sendo pré-moderna, que é um absurdo, como se fosse assim
Apresentação
apresenta trecho de sua tese de doutorado intitulada “De aprendiz
a sabedor: os jovens e as mudanças sociais no mundo rural”. No
sertão nordestino, uma região triplamente periférica, em relação ao
Nordeste, ao Brasil e aos países centrais do sistema capitalista, os
processos de mudanças da sociedade mais ampla da qual a região é
parte atingem as relações sociais não só no plano econômico, mas
também no plano das relações privadas. É isto que contribui para a
difusão de uma “cultura jovem”. Essa cultura, que é parte de outra
que se pretende global – a cultura ocidental –, contribui com sua
parte para tensionar as relações intergeracionais nas comunidades
rurais a partir das mudanças nas formas de compreender o mundo.
Este artigo trata do desencaixe entre as velhas tradições camponesas
e as novas formas de sociabilidade dos jovens que vivem no campo,
a partir dos processos de modernização do campo e de difusão de
uma “cultura jovem global”, e também das adaptações que os jovens
16 operam nas tradições para usá-las como mecanismos criadores de
identidades e identificações. Embora localizado em um contexto ru-
ral específico do Sertão nordestino, este estudo também possibilita
uma leitura sobre mudanças sociais na sociedade brasileira, tratando
das conexões do lugar com o espaço regional e nacional.
17
3 O habitus, da forma como é definido por Bourdieu é apenas um caso possível. Ele corresponde a um
tipo de patrimônio individual de disposições muito coerente. Tal patrimôniode disposições só pode
surgir em condições extremamente homogêneas de socializações primárias e secundárias.
4 Todas as citações são retiradas deste texto.
5 Idéia pela qual ele não pode ser seguido pelos pesquisadores em ciências sociais.
É evidente que Adão, com toda sua ciência, não teria jamais sido
capaz de demonstrar que o curso da natureza deve permanecer uni-
formemente o mesmo, e que o futuro deve ser conforme o passado.
[...] Esta conformidade é uma coisa de fato, e se ela deve ser prova-
7 Pode-se sempre notar o fato que ele ultrapassou os limites deste tipo de análise quando ele passou
ao estudo preciso de um caso (por exemplo, o de Mozart [1991b]).
9 Uma disposição ou um esquema pode, portanto, se reforçar por solicitação contínua ou ao contrá-
rio, enfraquecer-se por falta de treinamento.
10 Weber escrevia que « nada é, sem dúvida, mais perigoso do que a confusão entre teoria e história
», o que pode conduzir a utilizar « quadros teóricos e conceituais [...] como um tipo de cama de
Procusto na qual se introduziria à força a história » ([1904-1917] 1992 :178). Procusto é esta figura
da mitologia grega que amarra suas vítimas numa cama, cortando os membros das pessoas grandes
e altas que ultrapassam os limites da cama e esticando os pequenos e baixos até que eles atinjam o
tamanho necessário.
11 O pesquisador terminará então, por não mais ver os contra-exemplos que deveriam, no entanto,
permitir-lhe perceber a exitência de outras séries concorrentes caracterizando os mesmos indivíduos.
12 Sem dúvida um dos limites do empirismo de Hume é recolocar radicalmente em questão a coe-
rência das experiências individuais. Falta aqui ao filósofo uma teoria das instituições ou dos quadros
socialisadores que colocam em forma e em ordem as experiências, organizam sua recorrência e tornam
possíveis, uma vez incorporados pelos indivíduos, modos de percepção ou de representações e tipos
de comportamentos relativamente estáveis e coerentes.
15 Frequentemente se disse que os trânsfugas de classe tinham sucesso contra sua família de origem,
mas o exame detalhado das situações mostra que os trânfugas obtém sucesso tanto com sua família
(apoiando-se sobre os recursos familiares existentes) quanto contra ela (aprendendo a colocar em
latência, pelo menos no tempo escolar, as disposições culturais inadequadas).
Referências bibliográficas
37
1 Parte deste texto foi objeto de publicação em livro da autora: “Desigualdades sociais e telenovelas:
relações ocultas entre ficção e reconhecimento, São Paulo, Annablume, 2009.
2 Nicholas Garnham, professor da Universidade de Leicester, que lançou a revista Media, Culture and
Society nos anos 70 para divulgar a produção de outro grupo de pesquisadores (James Halloran, Peter
Golding, Phillip Elliot e Grahan Murdock) sobre os mesmos temas trabalhados pelos Estudos Culturais,
mas que defendiam uma abordagem mais centrada na economia. (Mattelart e Neveu, 2002)
Segundo Gomes
Referências bibliográficas
61
Introdução
2 Este interesse é decorrente da pesquisa maior da qual este trabalho toma parte – pesquisa na qual
se busca explicar e compreender os modos de pensar, agir e sentir dos homens de negócios de nosso
tempo e que teve sua primeira etapa concluída e publicada em Sá (2010b). Deste modo, este artigo
soma-se aos esforços investigativos que visam à compreensão deste fenômeno por acreditarmos que,
ao conhecermos o que falta aos jovens que almejam vir a se tornar um homem de negócios, possamos
dar passo importante no sentido investigativo apontado.
3 Esta seção toma por base Sá (2010a) e seus pontos principais também podem ser vistos em Sá
(2010b).
4 “As estruturas constitutivas de um tipo particular de meio (as condições materiais de existência
características de uma condição de classe), que podem ser apreendidas empiricamente sob a forma de
regularidades associadas a um meio socialmente estruturado, produzem habitus, sistemas de disposi-
ções duráveis estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é,
como princípio gerador e estruturador das práticas e das representações que podem ser ‘objetivamente
reguladas’ e ‘regulares’ sem ser o produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu fim
sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-
los e coletivamente orquestradas, sem ser produto da ação organizadora de um regente” (Bourdieu,
1994, p. 61-62). E, em nota, esclarece que: “A palavra disposição parece particularmente apropriada
para exprimir o que recobre o conceito de habitus (definido como sistema de disposições): com efeito,
ele exprime, em primeiro lugar, o resultado de uma ação organizadora, apresentando então sentido
próximo ao de palavras tais como estrutura; designa, por outro lado, uma maneira de ser, um estado
habitual (em particular do corpo) e, em particular, uma predisposição, uma tendência, uma propensão
ou uma inclinação” (grifos do autor).
5 Ver figura explicativa na p. 193 da edição brasileira. Obviamente tanto o conceito de habitus quanto
os de capital e campo não deveriam ser vistos fora do sistema teórico elaborado pelo autor (em espe-
cial porque estes conceitos são desenvolvidos, desdobrados e levados ao plano de teorias ao longo da
obra de Bourdieu), entretanto, não é pertinente apresentar neste trabalho este sistema e, ao mesmo
tempo, fica muito difícil avançar nele sem apresentar e explicar estes conceitos sucintamente para que
então a contribuição da sociologia disposicionalista possa ser devidamente explanada.
6 Mas que não é somente adquirido por meio de instituições formais como a escola ou representado
por diplomas, mas também por meio de inserção e convívio sociais em determinados espaços, afinal,
saber bater palmas no momento adequado num concerto de música clássica, ou escolher o vinho
apropriado à temperatura ou momento do dia são tipos de conhecimentos também denominados
como “capitais culturais” por Bourdieu.
7 Foi o próprio Lahire, em reunião de pesquisa realizada no dia 9/11/2009 na UFPE, promovida pelo
Núcleo de pesquisa Sociedade, Cultura e Comunicação, que fez esta contextualização.
72
Um laboratório de mercado na TV
Origem do programa
8 Trump é um magnata dos negócios americano que se tornou, com seu modo extravagante de ser e
maneira direta de agir, uma celebridade. Seu status cresceu ainda mais com a exibição do seu reality
show na rede americana NBC.
O Aprendiz no Brasil
Episódios em síntese
74
Ao longo dos episódios do programa, os participantes enfrentam
provas que são geralmente relacionadas a empresas de destaque em
diversos segmentos de mercado. O objetivo das provas é avaliar as
capacidades e os potenciais dos participantes em tarefas que en-
volvem ações relacionadas a empreendedorismo, comunicação, ma-
rketing, administração financeira, vendas, publicidade e propagan-
da e administração geral. Podemos identificar ainda outro objetivo
central ao qual as tarefas se destinam: Avaliar os concorrentes em
relação as suas atitudes no decorrer dos episódios (autocontrole,
disciplina, motivação, entusiasmo, entre outros).
Na sala de reunião...
Os eliminados
A vencedora
9 Como Max Weber, acreditamos que a realidade é caótica, infinita e complexa, e, em decorrência dis-
so, não podemos apreendê-la por completo. Deste modo, o que podemos fazer é selecionar os fatores
mais importantes que podem vir a explicá-la. É exatamente isso que procuraremos fazer em termos
disposicionais, apresentar os principais conjuntos de disposições que identificamos como sendo mais
relevantes em termos explicativos das eliminações dos candidatos do programa.
CONJUNTO DE
DISPOSIÇÕES
DISPOSIÇÕES GERAIS TRECHOS ILUSTRATIVOS
ESPECÍFICAS
AUSENTES
- “... a ansiedade não controlada da Stepha-
a. disposição para nie pode levá-la a cometer excessos.” (T1)
autocontrole - Lucas põe a mão no rosto e começa a
chorar inconsolavelmente. (T2)
- “O Guilherme, não que ele esteja me afe-
b. disposição para
tando, assim, atrapalhando. Eu acho que as
concentração
vezes desconcentra um pouco.” (T3)
82
c. disciplina /
- “Toda hora tomava bronca do oficial, pois
obediência a
queria bater sempre de frente com ele.” (T4)
superiores
Disposições gerais
necessárias ao ingresso - “...faltava nexo em cada uma das decisões
no mercado de trabalho de vocês. O resultado, comparando com
moderno d. disposição para o outro, pra nós era como se perguntasse
pensamento e assim: você quer ser rico com saúde ou pobre
ação prospectivos doente?” (T5)
- “São decisões incoerentes. Decisões que
não fazem o menor sentido.” (T6)
- “Faltou uma coisa que o Walter trouxe: co-
nhecimento do produto é a base da condição
e. disposição
de venda do produto.” (T7)
para aplicar
- “... apesar de ser uma pessoa muito inteli-
conhecimento
gente, não está mais conseguindo converter a
inteligência em resultado.” (T8)
DISPOSIÇÕES ESPE-
CÍFICAS AO CAMPO DISPOSIÇÕES
TRECHOS ILUSTRATIVOS
DOS NEGÓCIOS ESPECÍFICAS
AUSENTES
- “ O tempo era fundamental e vocês ficaram
a. disposição para
paradas invés de pedir o próximo número
raciocínio rápido
ficava parada pensando.” (T13)
- “... ele conseguiu ser absolutamente
b. disposição
inconveniente, em minha opinião, na relação
retórica para
da forma como ele abordou, e não, por
justificar-se
questionar.” (T14)
84 Disposições para agir
sob pressão - “... porque faltou a ele vigor e decisão na
prova anterior e de certa maneira isso se
repetiu nesta prova...” (T15)
c. disposição
- “E você sozinho, (referindo-se a Pedro) com
para demonstrar
aquele microfone que passeava mais na sua
firmeza
mão do que um balão de festas com gás
Helio. Eu nunca vi um negócio que ia pra lá,
ia pra cá.” (T16)
- “A motivação do Álvaro tá péssima, não
tem, não existe motivação desde o primeiro
d. automotivação dia de tarefa ele passou o dia assim [Faz
uma expressão para exemplificar sua fala]
apático...” (T17)
- “Eu acho engraçado ele falar desse aprendi-
e. aprendizagem zado porque ele foi o único que virou assim e
Disposições para inves-
continuada falou: “eu não aprendi nada até agora com o
tir em si mesmo (para
programa.” (T18)
fazer-se empresa)
- “... ela não consegue vender seu trabalho
ao líder. Ela faz muita coisa e fala pouco.”
(T19)
f. autopromoção - “... a Maytê não conseguiu se posicionar de
uma maneira que as qualidades que a gente
conhece dela se sobressaíssem e marcas-
sem.” (T20)
Conclusões
Referências Bibliográficas
89
Xavier de Brito, A. (2002), Rei morto, rei posto? As lutas pela su-
cessão de Pierre Bourdieu no campo acadêmico francês, Revista
Brasileira de Educação, n.º 19, pp. 5-19, jan/fev/mar/abr.
103
3 Apontei, aliás, os problemas de redução dos atores sociais à seu « ser como membro do campo).
Cf. L’Homme pluriel, op. cit. et « Champ, hors-champ, contrechamp », in B. LAHIRE (sous la dir.), Le
Travail sociologique de Pierre Bourdieu. Dettes et critiques, La Découverte, Paris, 1999, p. 23-57.
Por sua vez, a teoria dos mundos da arte considerou a arte como
produto de um trabalho coletivo e colocou prioritáriamente o foco
sobre as « formas de cooperação » e sobre as « convenções » que tor-
nam possível a coordenação de diferentes participantes, e não sobre
as obras ou sobre os criadores. O universo que desenha a noção de «
mundo da arte » é mais amplo que aquela definida pelo campo : se
Pierre Bourdieu coloca claramente no centro do campo os agentes e
instituições em luta pela apropriação do capital específico ao campo
e exclui expressamente todos os que não concorrem, mas que so- 107
mente estão lá para tornar possíveis estas competições, H.S. Becker
considera, por exemplo, que os fabricantes de instrumentos de mú-
sica ou de papel de desenho, como o conjunto dos empregados de
uma editora « são parte integrante do mundo da arte considerada
». Nesta perspectiva, o mundo literário integra, portanto, todos os
que se designa comumente como os atores da vida literária: escrito-
res e editores, mas também pessoal das editoras (leitores, revisores,
assessores de imprensa, etc.), trabalhadores das gráficas, difusores,
livreiros, bibliotecários, representantes do Centro nacional do livro
ou dos centros regionais de letras, etc. H.S. Becker os considera to-
dos como participantes da fabricação coletiva da obra e de seu valor.
Privilegiando o estudo das formas de cooperação e de coordenação
assim como as convenções a partir das quais elas se organizam, ele
se desvia dos indivíduos criadores, e negligencia, consequentemen-
te, o fato de que eles não são ao todo definíveis por seus engaja-
mentos no seio do mundo em questão.
O jogo literário
112 A situação de vida dupla que vive a grande maioria dos escritores
não é nova nem ocasional. Ela é pluri-secular e estrutural. O modelo
flaubertiano de escritor rentista concentrado em sua obra e somente
em sua obra é um modelo pouco operacional para pensar o jogo
literário em seu conjunto. Flaubert, solteiro e sem filhos, rentista,
sem segundo emprego, « o homem-pluma » (como ele dizia de si
mesmo) cuja existência cotidiana tende a se resumir a sua escrita
(seja ela literária ou epistolar) e cuja força das disposições literárias
lhe faz viver a literatura como seu elemento natural, é a excessão à
regra do acúmulo de atividades.
Autonomia e especifidade
7 Aspas da tradutora.
8 Consagrei recentemente um estudo à obra de Franz Kafka (Franz Kafka. Éléments pour une théorie
de la création littéraire, Paris, La Découverte, Laboratoire des sciences sociales, 2010). Nesta obra,
proponho uma maneira sociológica de estudar precisamente a obra de criação literária que coloca em
evidência, em contraste, todos os limites do conceito de « campo ».
117
Introdução
1 Na falta de estudos quantitativos que revelem como de fato vivem e trabalham os escritores no Brasil
de hoje, estudamos a condição literária de Graciliano tomando seu caso como exemplar de uma situação
estrutural que parece ser de extrema fragilidade e insegurança, a profissão de escritor. Os escritores são
agentes centrais no universo literário, mas aparecem frequentemente, como o caso de Graciliano eviden-
cia, como as figuras mais frágeis na engrenagem econômica das profissões ligadas ao livro. Mesmo em
países como a França, onde existe a consolidação do público leitor e dos outros elementos da autono-
mização do campo literário, diferentemente de outras profissões mais estáveis, como a de médico, a de
professor ou a de empresário, os escritores vivem em uma situação ambivalente, obrigados a acumular
a atividade literária e um outro emprego que eles chamam de “second métier”. É interessante ressaltar
que, apesar de se chamar “second métier”, normalmente a atividade não-literária é a principal do ponto
de vista da remuneração. Como consequência prática dessa ambivalência, os escritores alternam com
relativa frequência o tempo de trabalho de escrita com as atividades extra-literárias. Para ler mais a esse
respeito ver La condition littéraire: la double vie des écrivains (Lahire, 2006). Sobre as condições de
trabalho intelectual no Brasil, ver (Broca, 2004); (Miceli, 2001a).
2 Só um trabalho mais específico sobre a relação dos subgrupos de intelectuais atuando no Nordeste
na sua relação com o espaço de produção do Rio daria uma real dimensão dos fatores que contribuíram
para feitura de um livro como Caetés.
3 Temos em mente para essa análise o estudo de Bourdieu em seu La noblesse d’etat, em que analisa detalha-
damente as propriedades sociais ambíguas presentes nas avaliações das escolas de elite francesas (Bourdieu,
1989). Através dessa leitura, percebemos melhor como as escolas francesas, principalmente as de elite, são
agentes institucionais que inculcam a “segurança” nos agentes que, ao passarem pelas etapas previstas pela
instituição, sentem-se investidos da autoridade produzida pela própria instituição. Detentores da legitimidade
do saber, porque criados sob as condições da produção coletiva, eles recebem das instituições a marca da
legitimidade. E, “depois de percorridos os caminhos”, sentem-se responsáveis por criar os “ caminhos a serem
percorridos”. As instituições de ensino têm a função de delimitar no corpo social os agrupamentos de pessoas
que se sentirão capazes de dizer como saber as coisas relacionadas ao saber. Em sentido contrário, a escola
também cria seus “burros”, seus “preguiçosos”, seus “esforçados”. Mas, quando designa seus “brilhantes”,
conseguimos com mais clareza identificar as categorias com conotações sociais que só são bem decifradas
na medida em que as ambiguidades antinômicas contidas nesses adjetivos são sobrepostas à estrutura de
características sociais correspondentes, isto é, toda vez que o fato de ser “brilhante” corresponde a alunos
que demonstram “facilidade” e “rapidez” no aprendizado, desempenho que é muitas vezes produzido pela
correspondência entre a cultura da classe social da qual é proveniente (a classe dominante) e a cultura da
própria escola. Para nossa análise tentamos captar esses sentimentos ambíguos em relação à cultura tantas
vezes expostos por Graciliano Ramos. É evidente que o papel institucional das escolas de elite francesas não
é comparável aos das instituições escolares brasileiras, mesmo as de elite. Contudo, o papel de atribuição de
legitimidade relativo às maneiras de fazer e dizer inscritos nas relações de dominação concretas no universo
intelectual brasileiro podem ser descritos a partir desse modelo de análise.
4 Em carta a amigo revela que recebeu seu almanaque para estudar :“meu velho: fiz um papel desgraçado
em não te escrever quando recebi o almanaque. [...]” (Ramos, 1982, p.19) Também podemos destacar a
leitura intensa que fez dos romances que, segundo lemos em Infância, funcionaram como uma espécie de
refúgio para o frágil menino que ele pareceu ser.
126
Notemos primeiramente que Graciliano finalizava Caetés “entre
um despacho e outro”, o que caracteriza uma relação ao tempo de
trabalho bastante peculiar. Voltaremos a isso mais adiante. O que
queremos ressaltar nesse momento é que, se Aurélio Buarque se
divertia com o modo extravagante de Graciliano fazer julgamentos,
é porque algo denunciava a hexis corporal de Graciliano e sua falta
de conformidade com o habitual nos intelectuais do período. Isto é,
no seu jeito de falar e de afirmar as coisas, percebia-se uma diferen-
ça que pontuava o “sotaque” de sua formação. Como caracterizar
sociologicamente essa diferença?
6 Pensamos em questões sociológicas tiradas de análises similares do The uses of Literacy de Richard
Hoggart (1970). Não é sem paralelo, tomados os devidos cuidados, o fato de Graciliano conseguir, como
efeito irônico de sua obra, criticar e transpor as imagens intelectuais da vida popular, tornado sua obra
uma forma de negação contra leituras fáceis que insistem em lutar contra a “degradação da cultura
autenticamente popular”. Como na obra do sociólogo inglês, Graciliano consegue, na trama narrativa de
Caetés, desmontar algumas ilusões intelectuais a respeito das classes populares. Ao criar um protagonista
incapaz de escrever sobre o mito de formação de seu país, põe em relevo a fragilidade dos intelectuais
que, ao falarem do povo (do outro que não ele), o fazem como pretexto para tratar de suas próprias
contradições culturais.
Pensamos não ser possível entender bem como Caetés foi escrito,
sem que se levem em conta as duras penas e a base insegura que
alimentavam Graciliano Ramos em seu desejo de tornar-se escritor.
Entendamo-nos: queremos apenas mostrar que Graciliano escrevia,
também, de maneira a suprir sua insegurança íntima. A insegurança
7 Levamos em consideração para essa análise a tese de doutorado intitulada Infância: uma história
da formação do leitor no Brasil em que Marcia Cabral da Silva estuda o que ela chamou de “mate-
rialidade da leitura em Infância” (Silva S. A., 2004, p. 57-78). A autora analisou os aspectos sensíveis
dos objetos descritos por Graciliano em Infância e organizou os aspectos mais imediatamente sensíveis
ao leitor (ilustração, tipos de suporte, formato do livro, qualidade do papel) que, segundo ela, “podem
interferir na recepção da obra, na produção de significados, que variam no tempo e no espaço e acabam
delineando o personagem para o qual se destina a obra – o leitor” (Silva S. A., 2004, p. 57). Interessamo-
nos, porém, mais atentamente, pela análise do “processo de incorporação das mediações cognitivas” no
menino Graciliano Ramos, mediações analisadas pelo Graciliano adulto em Infância para representar-se
na idade de menino.
“Fiz a carta com inveja. Ora ali estava aquela viúva antipá-
tica, podre de rica, morando numa casa grande como um
convento, aumentando a fortuna com avareza para a filha de
Voltemos, então, ao que escreveu a fim de, mais uma vez, perceber
como as fontes biográficas de Graciliano Ramos são importantes
para identificar as informações mais concretas sobre a precariedade
do exercício do seu ofício e de seu personagem. Caetés, seu primei-
ro romance, começou a ser escrito em 1925 e Graciliano o dava por
finalizado em 1926, apesar de continuar a fazer retoques e modifi-
cações até 1928, quando foi entregue ao seu primeiro editor.
“[...] muitos dos conceitos que ele [Miceli, fala a respeito de 145
Bourdieu] usava, na época, inclusive a idéia de campo, eram
pouco aplicáveis no Brasil. Não havia a rigor aqui um campo
intelectual, o qual precisa de adensamento.” (Bastos, 2006,
p.231)
8 Muitos intelectuais amigos de Graciliano leram os originais e o resenharam em alguns veículos impor-
tantes, gerando expectativa que se prolongaria por alguns anos devido ao atraso gerado aparentemente
pela perda temporária dos originais pelo primeiro editor, Augusto Frederico Schmidt.
148 Ramos, Graciliano. Caetés. 29. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.
149
151
A partir dos anos 2000 novas pesquisas têm lançado luz sobre novos
problemas. Um dos resultados deste esforço foi apresentado em um
livro de minha autoria, publicado em novembro de 2009, com o
título: “Desigualdades sociais e telenovelas: relações ocultas entre
ficção e reconhecimento”1 Neste livro, utilizei o conceito de campo
de Pierre Bourdieu para descrever a teledramaturgia brasileira, não
somente enquanto simples setor de uma empresa monopolista de
comunicação, mas como uma dimensão da ação social que com-
porta lutas por legitimidade e por capital entre os agentes. Mesmo
3 O incorruptível senador Roberto Caxias (Carlos Vereza), que acaba sendo assassinado no final da no-
vela. Observe-se que tanto o nome da personagem quanto seu final trágico denunciam o parentesco da
linha inversa rural com o Personalismo dos anos 70.
4 Segundo o Censo do IBGE de 2000, os “sem religião” compõe 7,4% da população brasileira. Eles se
concentram no Sudeste e Centro-Oeste com 8%, em seguida o Nordeste com 7,8% , o Norte com 7% e
o Sul com 4,1% de pessoas. Os evangélicos são cerca de 15% e os católicos, 70%.
5 Fonte: Ibope, média das 18 h à 0h. Cada ponto equivale a 550 mil domicílios.
8 É importante assinalar que o horário das 18 horas torna-se muito importante nesta década, acumu-
lando audiência e investimento para suas novelas.
9 “Paraíso Intelectual”, reportagem de Rafael Cariello e Laura Mattos, Caderno Ilustrada. Folha de São
Paulo, 26 de agosto de 2007.
10 O artigo recolhe ainda posições favoráveis sobre a novela e a obra do autor de Sérgio Miceli (sociólo-
go) e Renato Janine Ribeiro (filósofo), ambos da Universidade de São Paulo.
A questão da autoria
11 idem
12 idem
13 idem
187
Introdução
1 Este texto é uma adaptação de partes da tese Sentido e valoração nas práticas e no discurso do espec-
tador sobre o cinema brasileiro: estudo sobre o subcampo do cinema e seu habitus narrativo, defendida
e aprovada no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
2 José Augusto Amorim Guilherme da Silva é doutor em Sociologia e analista sênior da Fundação Joa-
quim Nabuco (Recife-PE).
Aspectos teóricos
3 Bernard Lahire opta, por óbvias razões, pela terminologia “indivíduo”, mais apropriada a identificar
singularidades, enquanto Bourdieu utiliza mais frequentemente a palavra “agente”.
A recepção espectatorial
4 Hierarquia e estratificação social são noções clássicas da Sociologia, embora preferencialmente neste
trabalho se utilize os conceitos de distinção e diferenciação social.
5 Este amplo perfil é resultado da pesquisa Hábitos de consumo no mercado de entretenimento, encomen-
dada ao Datafolha Instituto de Pesquisas pelo Sindicato das Empresas Distribuidoras Cinematográficas do
Município do Rio de Janeiro. Em dezembro de 2007, foram realizadas entrevistas com 2.120 pessoas, ho-
mens e mulheres, a partir de 12 anos, por meio de aplicação de questionário estruturado, nos dez maiores
mercados de salas de cinema do Brasil: Salvador, Recife, Fortaleza, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, Porto
Alegre, Campinas, Região Metropolitana do Rio de Janeiro e Região Metropolitana de São Paulo.
6 Informações oriundas dos grupos focais realizados com espectadores do Rio de Janeiro e São Paulo, para
o Projeto Cinema - Estudo Qualitativo (Datafolha Instituto de Pesquisas / Sindicato das Empresas Distri-
buidoras Cinematográficas do Município do Rio de Janeiro, abril/maio, 2008).
7 Funcionário do cinema, que munido de lanterna se encarrega de indicar lugares vazios aos espectadores
que entram na sala depois de iniciada a sessão do filme; é atualmente uma figura praticamente extinta.
O processo de recepção
As etapas da recepção:
No Cine Rosa e Silva9, uma senhora por volta dos 70 anos adentra
a sala de exibição, acompanhada de uma moça mais nova, talvez
Não é difícil supor que essa espectadora foi assistir ao filme por
conta da figura do espiritualista que viveu no século XIX. Nesse
caso não é a obra que atrai a espectadora e sim o tema abordado.
Do ponto de vista da utilização da razão como critério de adesão
ao filme, o mais comum é o interesse acontecer pela temática. No
200 caso da senhora mencionada acima, é possível que ela seja adepta
do espiritualismo, ou que essa característica seja aspecto impor-
tante de sua subjetividade e o motivo pelo qual foi ao cinema
assistir ao filme.
12 ibidem.
13 A respeito de Bourdieu sobre Goffman ver:, Pierre. Bourdieu,. Goffman, o descobridor do infini-
tamente pequeno. In: Erving Goffman: desbravador do cotidiano. 1. ed. Édison Gastaldo (org.). Porto
Alegre: Tomo Editorial, 2004.
As salas alternativas (ou “de arte”) são quase sempre bem diferen-
tes fisicamente das salas convencionais dos cinemas multiplexes.
Observa-se que em cinemas de shopping Center há lanchonetes
que vendem cachorro quente, pipoca, refrigerante a preços altos,
enquanto nas salas alternativas há cafés, que vendem cardápio
mais elaborado (croissant, torta salgada e doce, chocolate quente,
208 espumante), mas igualmente caro. Curiosamente, lanchonetes de
multiplex e cafés de salas alternativas dimensionam (e metafori-
zam) o que cada um dos espaços simboliza, com as primeiras ofe-
recendo refeições fast food, que remontam a uma representação
clássica do cinema narrativo hollywoodiano (pipoca e refrigeran-
te). No multiplex, o filme e a refeição são práticos e descartáveis,
enquanto na sala alternativa, senta-se à mesa e degusta-se com
vagar o cardápio, assim como deve ser também com a “degusta-
ção dos filmes” - pausada e reflexiva. Consequentemente, as salas
são espaços físicos destinados a tipos específicos de exibição. Os
espaços “dizem” sobre como os agentes percebem e significam os
filmes. O espaço para filmes fora do grande circuito conota prova-
velmente um estilo de espectador mais intelectualizado, alternati-
vo ao gosto médio.
Considerações finais
213
1 Palestra proferida na Universidade Federal de Pernambuco, como parte da programação dos Semi-
nários de Sociologia do Programa de Pós-graduação em Sociologia, e no ciclo de conferências orga-
nizado pelo Núcleo Sociedade, Cultura e Comunicação, no dia 30 de abril de 2010.
2 Jessé fala do projeto do seu núcleo de pesquisa (CEPEDES: Centro de pesquisas sobre o desenvol-
vimento da Universidade Federal de Juiz de Fora) de produzir uma nova teoria de classes para pensar
o Brasil. Este projeto prevê a produção de três volumes baseados em amplas pesquisas empíricas de
espectro nacional. Cada volume é dedicado ao estudo de uma classe social. O primeiro já se encontra
publicado: A ralé brasileira, quem é e como vive (UFMG, 2009), trata da classe dos excluídos da so-
ciedade brasileira. O segundo sobre as classes populares no Brasil tem uma parte em andamento, cuja
pesquisa foi encomendada pelo Ministério dos Assuntos Estratégicos e outra parte dedicada às classes
populares no nordeste, cuja pesquisa encontra-se em fase final na ocasião da composição deste livro.
Como assim? Quem fez esses 80 anos? Dentro desses 80 anos, po-
demos pegar Sérgio Buarque. O que é que Sérgio Buarque faz? Sér-
gio Buarque, um filho de Freyre, que depois nega essa paternidade,
No caso brasileiro, o que nós estamos chamando aqui de ralé são 225
pessoas que não tem acesso a nenhuma quantidade significativa
nem de capital econômico nem de capital cultural. E esse é um
tema que Bourdieu não estudou tanto porque não era a questão
francesa, mas é de fato a questão brasileira (e é isso que é legal em
pesquisa empírica porque ela esclarece coisas que não haviam sido
pensadas antes) a ralé não só não tem acesso à capital cultural e
a capital econômico, mas ela fica fora de todas as lutas por esses
recursos escassos. Ela não tem também acesso aos pressupostos e
é este ponto que é extremamente interessante: ela não tem acesso
aos pressupostos para incorporação desses capitais, coisas que po-
dem parecer óbvias, mas que descobrimos na pesquisa. Alguns dos
entrevistados nos contaram histórias de vida que indicavam que
eles tiveram acesso à educação. Quer dizer, praticamente todo o
pobre do Brasil tem escola, não é a falta da escola que é o proble-
ma, mas o fato é que essas pessoas iam à escola pra ficar fitando
o quadro negro, vendo o quadro negro, três, quatro horas e não
conseguiam aprender. Esses entrevistados diziam assim “eu acho
que eu não tenho cabeça boa, eu sou burro mesmo”. O incrível é
que isso foi repetido diversas vezes. E aí, indo para a casa dessas
Falar que renda é classe é falar de classe pra não falar de classe.
Essa é uma estratégia do poder, falar superficialmente pra não falar.
E isso não é só no Brasil, isso é na sociedade moderna. No novo
capitalismo financeiro, até mesmo na Inglaterra, empresas não con-
tratam trabalhadores com passado sindical. Dentro desse escopo,
quando começamos a ouvir essa coisa de nova classe média, eu
comecei a pensar qual a maldade que estaria dentro desse conceito,
porque de que existia maldade eu estava certo. Qual seria essa mal-
dade? Por que todos os jornais conservadores do Brasil estão dis-
seminando essa idéia de nova classe média, que seria uma coisa só
boa, uma classe de empreendedores que mostraria que o capitalismo
brasileiro está bombando, saindo em todas as revistas, fazendo uma
comemoração de tudo isso?
O capitalismo financeiro vai fazer uma coisa importante, ele vai su-
perar o capitalismo fordista na medida em que nos cento e cinquen-
ta ou cento e oitenta anos de história do capitalismo até a entrada
da hegemonia do capitalismo financeiro, a fábrica era uma guerra
de classes e sempre foi. Colocava-se o trabalhador dentro da fábrica
Ao pensarmos o que é que isso tem a ver com essa nova classe
média, vemos que tem tudo a ver. É a forma como esse capitalismo
financeiro está entrando nos países periféricos. Essa classe C não
está acontecendo só no Brasil, não são só trinta milhões de brasilei-
ros, são quatrocentos milhões de almas e na China muito mais. Nós
estamos desenvolvendo a hipótese de que isso é uma nova classe
trabalhadora e que esta não substitui a antiga classe trabalhadora
do Fordismo que continua a existir. O trabalho torna-se precarizado.
Boa parte da produção que antes era feita em fábricas é feita agora 231
em fundo de quintal, em pequenas empresas familiares e isso atende
também a outro grande elemento dos altos lucros do capitalismo
financeiro, ou seja, não só cortar os gastos de vigilância e controle,
como também aumentar o giro do capital. Quer dizer, o capital não
precisa mais ficar esperando o fim do mês para ter a remuneração,
ele pode agora em uma semana ou em um dia ter o lucro. Você
acelera o processo de valorização. Essas são as duas estratégias do
capitalismo financeiro.
A história de vida dessas pessoas é para sempre o que elas têm de di-
ferentes em relação à ralé. É a possibilidade de incorporação de uma
ética de trabalho e de disciplina. Têm um contexto familiar que se
mantêm aonde as famílias da ralé são destruídas por abusos sexuais,
por exemplo, e todas as mazelas que se possa imaginar. Essa “nova”
232 classe tem outro tipo de família, tem um pai e mãe, existe transmis-
são de valores. Não tem grande capital cultural, exatamente como
a classe trabalhadora, mas tem uma ética do trabalho. Por que cha-
mar essa classe de classe média? Ela não tem nada de classe média,
não tem nenhum estilo de vida de classe média. Vocês entendem a
apologia que está aí? É a de que esse capitalismo só é bom, é rosa.
Esse mercado merece dominar, ele está mudando o país. Nisso você
esconde contradições, você esconde conflitos.
233
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
Procurando benefícios de infra-estrutura e trabalho , parte desta
população ocupou pouco a pouco diversas áreas do bairro, à medida
que ele foi sendo urbanizado, formando favelas. O resultado é um
padrão ocupacional semelhante ao das faixas urbanas do litoral do
Rio de Janeiro, onde convive no mesmo espaço a população mais
rica e a mais pobre da cidade. Assim, Boa Viagem é o bairro com o
maior preço de terrenos por metro quadrado, onde há uma especu-
lação imobiliária extraordinária para os padrões da região nordeste,
e ao mesmo tempo, nas áreas das favelas há o Índice de desenvol-
vimento humano mais baixo, com precariedade de infra-estrutura
como rede de esgotos e fornecimento de água.
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
uma pequena burguesia que emerge da ralé. O primeiro discurso
que se observa na mídia, e sem dúvida o mais forte, é aquele que
define a atividade dos ambulantes como uma “bagunça na praia”.
Para este grupo, a praia é ocupada por “diversas máfias usurpado-
ras dos espaços públicos que não diferem o público do privado e
onde manda quem pode e obedece quem tem juízo”.2
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
soluções para o problema seriam o cadastro sócio-econômico e a
seleção dos mais capacitados para exercerem a atividade em ter-
mos de higiene. Os vasilhames de vidro devem ser proibidos por-
que podem ser transformados em armas. Aqui, uma preocupação
de segurança pública.
5 Reportagem “A praia é uma boca só”. Coluna “mesa posta” do Jornal do Comércio, assinada por
Bruno Albertim. 24 de maio de 2009.
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
de alimentação que não foram vendidos no período da validade.
Foi permitido colocar a carroça numa avenida paralela, mas não foi
possível vender nada, pois as pessoas não iam até lá.
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
um resto humano amontoado nas favelas. Eles se vêem como traba-
lhadores fixos e profissionais, mesmo sendo informais e temporários.
A segunda, conseqüência da primeira, é a possibilidade de ter havido
uma ascensão social real, desde já, reconhecida por parcelas da clas-
se média, que se solidarizaram de várias formas com os ambulantes.
Batalhadores Ambulantes
Ralé
6 Este esquema representa a metade inferior do sistema de posições sociais, e contém apenas as classes
adjacentes à pequena burguesia que estamos estudando, ou seja, as que são atingidas mais direta-
mente pelo seu processo de ascensão social. Estão fora do esquema as classes rurais, por exemplo. A
metade superior do esquema representaria o espaço entre a classe média e a classe mais alta ou elite.
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
não é só no Brasil, isso é na sociedade moderna. No novo
capitalismo financeiro, até mesmo na Inglaterra, empresas
não contratam trabalhadores com passado sindical. Dentro
desse escopo, quando começamos a ouvir essa coisa de
nova classe média, eu comecei a pensar qual a maldade
que estaria dentro desse conceito, porque de que existia
maldade eu estava certo. Qual seria essa maldade? Por que
todos os jornais conservadores do Brasil estão disseminan-
do essa idéia de nova classe média, que seria uma coisa
só boa, uma classe de empreendedores que mostraria que
o capitalismo brasileiro está bombando, saindo em todas
as revistas, fazendo uma comemoração de tudo isso. Como
sempre, a análise do poder elimina conflitos e contradições
e o que nós encontramos aqui (nós começamos denomi-
nando esta classe de “batalhadores”), seriam essas pessoas
que trabalham de dez a quatorze horas por dia. A nova
244 classe média tem muito pouco dos privilégios da classe mé-
dia, eles trabalham muito, o tempo inteiro. A família se
transforma em uma unidade produtiva. O que nós vimos é
uma coisa muito contraditória.”(2010)
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
estas dificuldades, Suzana lembra com muito carinho do ambiente
do orfanato, principalmente dos professores. Segundo ela, lá apren-
deu tudo que é essencial para a vida.
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
“Foi uma briga, uma confusão. Eu e minha outra irmã acom-
panhamos ela (ao orfanato onde ficaria o sobrinho). Quando
chegou lá, nenhuma sabia ler,só eu que sabia ler, aí eu li o
papel e disse: ‘-Aqui você tá dizendo que vai dar seu filho
pra adoção, você tá dando o seu filho nas mãos de outra
pessoa.’ Aí meu pai achou ruim e veio querer bater em mim
lá dentro. Eu disse: ‘-o senhor nunca me deu nada, o senhor
nunca foi meu pai, porque é que o senhor tem direito de
levantar a mão pra dar em mim¿ O senhor tá enganando
ela.’ Aí ele jogou na cara da gente: ‘-Ela tem condições de
sustentar o filho? Então ela tem que dar!’ Eu disse: ‘- O
senhor tá fazendo errado, eu vou chamar a polícia!’ Eu não
sabia, eu não tinha conhecimento, mas eu sempre tive ins-
trução. (...) Toda a instrução que eu tive, de educação, tudo
hoje, que eu tenho, foi devido a lá. À criação que eu tive no
colégio interno.”
248
Lúcia ficou doente, trabalhando em casa de família em certos perí-
odos, em outros desempregada, vivendo na rua. Em certo momento
viveu junto com um homem que a espancava e teve outros filhos
que foram, igualmente doados. Não resistindo à pressão, apresentou
problemas mentais irreversíveis. Hoje está internada em um hospi-
tal psiquiátrico porque não tem recursos para morar em uma casa
próxima das irmãs. O pai delas, já de idade, foi abandonado pela
esposa e voltou a procurar as filhas, não por sentimento de famí-
lia, mas para tentar satisfazer impulsos sexuais. Tendo a filha mais
velha aceitado sua presença em sua casa, ele tentou molestá-la se-
xualmente e também às outras filhas. Elas o expulsaram de casa e
ele acabou falecendo como indigente, dormindo sobre uma pedra.
Em seu coração, Suzana conta terem passado desde o amor até o
ódio na relação com este pai. Mas se orgulha, principalmente de ter
conseguido sentir perdão, que no caso dela era muitíssimo difícil.
Segundo Suzana, a justiça de Deus tarda mas não falha, ou seja,
não seria necessário que ela punisse o pai, já que a própria vida es-
tava oferecendo a ele as provas e sofrimentos pelas quais ele deveria
passar para pagar o que fez contra os filhos.
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
mento em seus cuidados e em sua educação. Falta de afeto e de
controle dos seus impulsos, podendo chegar ao extremo do abuso
sexual dos próprios filhos (Carneiro e Rocha, 2009). Outros indica-
dores mais objetivos reforçam esta afirmação, como a ocupação do
pai e o bairro popular em que moravam.
Muito pequena, Suzana passa a viver num lugar onde ela aprende
o valor da pessoa humana, a necessidade de ter cuidados, afeto e
cultura. De repente, aos 12 anos, ela é devolvida para este lugar de
onde havia saído, mas do qual nada sabia. Para ela foi a própria
descida ao inferno. O orfanato era como uma espécie de fortaleza
da qual, aqueles que saíssem seriam devorados pelos animais e vio-
lentados pelos bárbaros. Foi o que aconteceu com Lúcia, cujo des-
tino ainda hoje tortura suas irmãs. Dando provas de uma coragem
extraordinária, Suzana encontrou formas de fazer sobreviver em si
250 mesma o habitus internalizado no orfanato, através da construção
de uma vida pessoal equilibrada e do apego aos estudos. “Minha
irmã, meus irmãos me guardavam muito por eu ser a mais nova e
ter tido mais cabeça, não ter me entregado muito fácil (...) eu sem-
pre tive mais cabeça.” A expressão ter mais cabeça significa para
Suzana escapar das decisões erradas, que a prejudiquem ou que a
destruam. A base para a permanência desta atenção de Suzana para
com a própria vida vem do fato de ela ter tido a capacidade de não
retroceder na aquisição de valores e de um habitus superior ao dos
pais e de sua classe de origem, através do uso da razão, da fé e do
conhecimento. Pensar antes de agir, planejar o futuro, sonhar o me-
lhor para si mesma e para os seus, amar e respeitar sua família foram
princípios que ela guardou no seu íntimo e potencializa ainda hoje
em forma de ação. Segundo Lahire,
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
para o vestibular, mas acabou não fazendo a segunda fase por falta
de dinheiro para pagar a taxa exigida:
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
“Ele viu todo o meu sofrimento e das minhas irmãs e um dia
ele disse:- tá vendo, minha filha, hoje você se ergueu. Diga
que você é uma pessoa vitoriosa, você tem sua casa, não
precisa tá sofrendo humilhação de ninguém. Você tem saú-
de, tem seu filho. Você só precisa de um emprego. Se você
tiver um emprego, você tem tudo. Você já tem sua casa. E o
emprego você consegue, que você é uma mulher esforçada.”
255
Roberto ajudou Suzana na atualização e renovação do habitus que
ela adquiriu na educação do orfanato de várias e diferentes manei-
ras. Mas a que nos interessa mais aqui foi a transmissão para Suzana
de um conjunto de disposições econômicas voltadas para a autono-
mia, que ela não tinha antes.
As disposições econômicas
“Nada é mais estranho com efeito (ou indiferente)
à teoria econômica do que o sujeito econômico concreto”
Pierre Bourdieu
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
trezentos e oitenta e cinco reais. Recentemente, a área onde Suzana
mora foi cadastrada nas empresas de fornecimento de energia e
água do Estado. Antes disso, ela não pagava estas taxas. Mas agora
elas representam o elemento de maior peso no conjunto de suas
despesas. Cerca de setenta e seis reais de energia elétrica e vinte re-
ais de água. Sobram duzentos e oitenta e nove reais para as demais
despesas mensais, numa casa onde moram duas pessoas. Muitas
vezes Suzana tem que optar entre pagar as contas e a alimentação:
“A gente não vai deixar de se alimentar para pagar conta. Paga-
se? Paga-se, mas com atraso, guardando um pouquinho aqui, um
pouquinho ali.”
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
que eu queria mesmo, mesmo, mesmo, mesmo era fazer um curso
completo de português. Um curso completo, toda a base do por-
tuguês, me aprofundar bastante...era o que eu queria.” Mostrou
ter conhecimento da mudança das regras da língua portuguesa, e
contou que mandou o filho corrigir a professora na escola, que não
estava levando as novas normas em consideração. Autodidatismo,
auto-policiamento e um uso médio do capital cultural legítimo são
fenômenos típicos das classes que passam por processos de ascen-
são, segundo Bourdieu: “Sem fundamento consistente para suas
classificações e divididos entre seus gostos de tendência e os seus
gostos de vontade, os pequeno-burgueses estão condenados a pro-
ceder a escolhas (culturais) desconexas”(Bourdieu,2007:306) As-
sim, a língua, como outros domínios da cultura, é utilizada de uma
maneira “tipicamente média”, na qual, no caso de Suzana, resulta
uma mistura da terminologia gramatical legítima e de termos de
258 gíria criados e utilizados pela ralé, por exemplo.
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
aí eu fui pra casa, aí quando foi no domingo ele disse ‘nós
não precisamos mais do seu trabalho”, eu disse ‘tá certo, faça
as minhas contas que eu venho buscar, e eu só espero não
ter intriga com você’. Aí ele disse ‘certo’ ”.
Esta altivez com que ela se dirige ao patrão como se fosse igual a
ele, como se não estivesse em posição social inferior, irrita profunda-
mente os empregadores porque quebra as regras da ordem social do
domínio da classe proprietária sobre a classe trabalhadora. Aquela
tem internalizada a disposição para mandar e espera ser obedecida.
Já Suzana, é funcionária altamente dedicada e esforçada, mas ao
mesmo tempo, está pronta a colocar o patrão em seu devido lugar, a
explicar coisas a ele, a ensiná-lo como deve dirigir seus empregados.
Estamos diante, portanto, de um conjunto de disposições claramen-
te contraditório, que pode também ser explicado pela condição de
260 trânsfuga social de Suzana.
A carroça de alimentação
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
preparar a alimentação e preparar a carroça. Ficava na praia até as
dezessete horas aproximadamente. Não era possível dar a atenção de-
sejada ao filho, pois Suzana não tinha quem a substituísse na carroça.
Mas segundo ela, no final de cada dia, valia muito a pena o esforço.
Já para comercializar em eventos, a rotina é ainda mais pesada, pois
é necessário um grande deslocamento, mas o lucro é bem maior. É
preciso acordar às três horas, abastecer a carroça e seguir empurrando
por cerca de cinco quilômetros até chegar no centro da cidade, onde
acontece o carnaval. Chega-se no local da comercialização por volta
de quatro e trinta da manhã, e lá se permanece até às dezenove horas.
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
for inevitável, pedir somente a pessoas de confiança, que no seu
universo de relações são muito poucas: suas irmãs e seu ex-esposo.
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
Devo não nego, pago se puder:
a socialização midiática na resistência ao crédito
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
uma vida que você já se acostumou aquela vida monótona,
né? De fazer aquilo e ser conhecido por aquilo. E se você
fosse conhecido por coisas assim, que você, exemplo, como
ele mesmo ganhou o prêmio, se ele tivesse a partir dai ter...
Porque ele foi bem mais conhecido, né? Muita gente “oxe,
fulano de tal ganhou”, “e não ganhou mesmo? Vamo lá”. E
encheu de gente, tumultuou. “Oxe, eu conheço ele”, muita
gente conhecida tava em cima, tudo mais, entende? Mas ele
não soube aproveitar e eu acho que ele foi pouco orientado
pelo que ia fazer. E outra, não é me gabando, mas eu acho
que é pessoas pobre de espírito, entendeu? Que não olha
pra si próprio, não olha pra sua família, gosta de viver essa
vida ao relento, que não, num quer um futuro melhor pra si.
Porque se ele quisesse realmente um futuro pra ele, ele tinha
feito a vida dele.
Ascensão social e ética econômica na classe popular: habitus dissonante de uma trânsfuga de classe
O “Super-homem” de Negócios
Marcio Sá, Marianny Jessica Silva, Genildo de Almeida,
Elisabeth dos Santos, José Rafael Barbosa,
Thyago Fernandes da Silva, Cássio Lucena.1
271
Introdução
Quando lemos os discursos e relatórios dos executivos sobre
o tipo de homem necessário, não podemos deixar de chegar
a essa confusão simples: ele tem de adaptar-se aos que já
estão no alto. Isso significa que ele deve corresponder às
expectativas de seus superiores e de seus pares; pessoal e
politicamente, social e comercialmente, seu estilo deve ser
idêntico aos que estão no alto, e de cujo julgamento depen-
de seu êxito. Para ter importância na carreira da empresa, o
talento, qualquer que seja sua definição, dever ser descober-
to pelos superiores talentosos. É da natureza da ética interna
das empresas que os da cúpula não admiram, nem podem
admirar, aquilo que não compreendem nem podem compre-
ender. C. Wright Mills, em A Elite do Poder (1981 [1956])
O “Super-homem” de Negócios
Este trabalho tem como objetivo a construção e apresentação de
um tipo puro (ideal), nos moldes propostos por Max Weber, que visa
apoiar uma investigação maior na qual se insere – voltada para a
compreensão dos modos de pensar, sentir e agir do homem de ne-
gócios contemporâneo. Na realidade, o título e o foco deste artigo
podem ser melhor compreendidos a partir da sigla que denomina o
tipo específico de homem de negócios em questão, o CEO – Chief
Executive Officer, o diretor-presidente ou diretor geral de uma em-
presa, seu mais alto executivo. Eles estão no topo da hierarquia
do mundo dos negócios contemporâneo. Sentam nas cadeiras mais
almejadas por aqueles que se projetam para este mundo e alimen-
tam a esperança de chegar “ao topo”. Personificam o sucesso mer-
cadológico bastante cultuado e reconhecido em nosso tempo. Eis
o porquê de nosso título provocativo. É nosso entendimento que a
construção de um tipo puro do que aqui chamaremos de super-
272 homem de negócios é de significativa importância à compreensão
dos modos de pensar, sentir e agir do homem de negócios comum,
afinal, de um modo geral, este toma como referência ou ideal a ser
alcançado, o CEO.
2 Pontos abordados nesta seção podem ser vistos com mairo profundidade em Sá (2010b).
O “Super-homem” de Negócios
econômico. Esse desenvolvimento seria desencadeado por mudan-
ças no mundo como um todo (não apenas na esfera econômica), e
cujas causas e explicações só podem ser encontradas “fora do grupo
de fatos que são descritos pela teoria econômica” (p.47).
3 Sobre o que ou quais seriam estas “novas combinações”, ver Schumpeter (1934, p. 48-9).
4 Esse empresário não é controlado por terceiros, mas por si próprio. Essa questão também será
apontada por Boltanski e Chiapello (2009, p. 110), como uma das características do mundo capitalista
dos anos 90.
O “Super-homem” de Negócios
O conceito de campo na sociologia disposicionalista5
O “Super-homem” de Negócios
hoje ser encontrado na literatura de gestão de negócios6, volta-se
“prioritariamente aos executivos, cuja adesão ao capitalismo é in-
dispensável para o funcionamento das empresas e para a formação
do lucro” (p.46).
7 Reler a epígrafe do trabalho pode ajudar o leitor a observar estas questões no contexto para o qual
se volta este artigo.
O “Super-homem” de Negócios
O habitus e as disposições
9 Foi o próprio Lahire, em reunião de pesquisa realizada no dia 9/11/2009 na UFPE, que fez esta
contextualização.
O “Super-homem” de Negócios
terpretativamente e ser visto como “molas propulsoras” de diversos
pensamentos, ações e sentimentos observáveis por meio das ações
e falas dos CEO.
Os capitais bourdieusianos
O “Super-homem” de Negócios
social (relações sociais que podem ser convertidas em recursos) e o
capital simbólico (aquilo que chamamos de prestígio ou honra e
que permite identificar os agentes no espaço social). Nesta perspec-
tiva, as desigualdades sociais não decorreriam somente de desigual-
dades econômicas, mas sim do volume e da estrutura destes capitais
distribuído entre os membros das diferentes classes sociais (Socha,
2008, p. 46). Deste modo, seguindo com Bourdieu, será o volume
destes capitais articulados, que são decisivos aos distintos habitus
(ou então às “disposições” em Lahire) que diferenciam dois atores
que ocupam posições diferentes num mesmo campo, como é o caso
de um jovem trainee e um alto executivo.
11 Todas as citações somente acompanhadas dos números das páginas nesta seção são referentes a
esta obra.
O “Super-homem” de Negócios
Nesta função, o tipo ideal é, acima de tudo, uma tentativa
de apreender os indivíduos históricos ou os seus diversos
elementos em conceitos genéticos. » (p. 140, grifos nossos)
A constituição do Corpus
O “Super-homem” de Negócios
tipo de esporte (como futebol e/ou natação) e/ou malhar.
12 As informações aqui reunidas sobre o caso e o documentário Enron foram obtidas nas seguintes
fontes: 1. Fonte: http://www.webartigos.com/articles/24670/1/O-Caso-Enron/pagina1.html; Acessa-
do em: 22.mar.2010. 2. Fonte: http://empresasefinancas.hsw.uol.com.br/fraudes-contabeis.htm/prin-
table; Acessado em: 22.mar.2010.
O “Super-homem” de Negócios
parada à personalidade de um psicopata. Tendo em vista que um
psicopata age conforme seus interesses e é incapaz de sentir preo-
cupação por outras pessoas, a analogia torna-se bastante acurada
quando são mostradas ações agressivas e destrutivas das empre-
sas para com o meio ambiente e a sociedade onde estão inseridas.
The Corporation, portanto, revela uma abordagem personificada do
símbolo de excelência capitalista.
O corpus em análise
O “Super-homem” de Negócios
caótica, deste modo, nela estas características não estão separadas,
apenas aqui o fazemos em termos analíticos, seguindo a orientação
metodológica do próprio Weber, para que, procedendo deste modo,
possamos compreendê-las melhor.
Para análise do corpus, procedemos do seguinte modo. Após a reunião
de todas as suas partes, realizamos diversos encontros de discussão e
análise conjunta, sempre em diálogo com a literatura revisada à luz da
sociologia disposicionalista. Em nossas mentes, uma questão: Quais
seriam as características mais relevantes a serem selecionadas para
a construção do tipo puro do super-homem de negócios (CEO)? Foi
progressivamente que selecionamos aquelas que seriam, dentre tan-
tas observadas, as características mais fundamentais ao tipo puro em
construção. Em seguida, estas características são agrupadas em três
conjuntos e apresentadas acompanhadas (1) de trechos ilustrativos ou
descrições das diversas fontes que compõem o corpus, e (2) de breves
292 análises sobre tais conjuntos de características e de sua relevância na
composição do tipo. Em síntese, aqui iremos responder à questão que
mantivemos em mente ao longo desta etapa do trabalho.
CARACTERÍS- TRECHOS OU
TICAS DESCRIÇÕES / FONTE
- “O relacionamento entre ele e a direção se estreitou e em janeiro de
2008 Carlos virou CEO. Para ele, construir relacionamentos duradouros foi
importante para o sucesso da carreira.” (Revista Você S.A.. Agenda do CEO,
out., 2009)
293
O “Super-homem” de Negócios
“Eu acho que todo universitário já percebeu que adquirir conhecimento é
estar muito mais do que estar bem informado. É ter poder. Por isso, mais
do que um personagem de uma escola, o universitário hoje em dia é per-
Possuir
sonagem da história. Essa bagagem que eu adquiri aqui (na Mackenzie),
diplomas bem
esse conhecimento, me ajudaram a construir a minha vida e o sucesso nos
conceituados
meus negócios graças a tudo o que eu consegui aprender. (...) Cursar uma
pelo mercado
universidade com um ciclo de estudos, por isso, é perceber que tudo que
existe pode ser aprendido e que tudo o que existe é informação”. (Roberto
Justus em O Aprendiz 6 Universitário, Episódio 1).
“Prepare-se para falar um pouco de finanças, marketing e logística, mesmo
que essas não sejam suas áreas. É isso que se espera no trabalho em
Ser generalista
equipe no mundo pós-crise: multidisciplinariedade.” (Revista Você S.A.. 68
ideias, pessoas e tendências para 2010, dez., 2009).
- “Para exercitar minha criatividade, gosto de ler livros que tratam de
temas diferentes do que eu vivo no dia a dia.” (Revista Você S.A.. Agenda
do CEO, jun., 2009).
Ter conhecimen-
tos gerais - “O que mais me interessa é justamente avaliar até onde pode chegar a
abrangência da percepção de cada um em termos não só técnicos e profis-
294 sionais, mas especialmente culturais e simbólicos.” (JUSTUS e ANDRADE,
2006, p.124).
- “Devo ao esporte a consciência de que para fazer bem uma coisa é preciso
Práticas de ralar.” (Revista Você S.A.. Carreira – o segredo dos campeões, jan., 2010).
lazer “úteis” ao
desempenho - “Para Jeff, o risco era glamouroso. Ele corria riscos enormes. Falava em
nos negócios viagens perigosas onde alguém podia até morrer. [Onde começaram a
(esportes, praticar esportes radicais como MotoCross e viagens terrestres em terrenos
música, viagem, de condições bastante irregulares – vários acidentes ocorreram entre eles]
leituras, etc) Essas histórias viraram lenda na Enron e alimentaram a cultura machista da
empresa.” (Enron: Os mais espertos da sala. Peter Elkind - Coautor do filme).
“Está havendo uma internacionalização, com empresas brasileiras indo
Falar língua(s) para o exterior e investidores estrangeiros chegando. Com isso, o idioma
estrangeira(s) [refere-se a inglês] virou uma questão fundamental.” (Revista Você S.A..
Mercado, É hora de crescer, nov. 2009).
- “A apresentação diz muito. Saber se vestir é o primeiro passo.” (Revista
Saber e
Você S.A.. Carreira, marketing pessoal, jun., 2009).
apresentar-se /
portar-se
- Comportar-se adequadamente em reuniões executivas, almoços de negócios
adequadamente
e festas onde estarão presentes outras pessoas importantes. Além de vestirem-
ao padrão e às
se bem, os CEO apresentam conversas, posturas, gestos e atitudes adequados
situações
que podem ser vistos de diversos modos em todas as fontes do corpus.
11 As capas de duas das últimas edições da revista Você S.A. sintetizam imageticamente isso que aqui
coloco, afinal, nelas aparecem homens de negócios em poses que fazem jus aos mais cultuados super-
heróis de nosso tempo. Edições 138 (dez) e 136 (out). Na edição 137 (nov), um executivo reproduz
a clássica cena de Charles Chaplin em O Grande Ditador, quando ele no papel de Hickel brinca com
o globo terrestre. (Ver capas mencionadas em: http://vocesa.abril.com.br/edicoes-anteriores/2010.
shtml; acessado em: 12/02/2010)
O “Super-homem” de Negócios
CARACTERÍS- TRECHOS OU
TICAS DESCRIÇÕES / FONTE
Walter: “Infelizmente um deles teve que sair e o único jeito é esse. A gente
não tem, não sei se a gente tem ainda coração pra aguentar emoções
Aparentar
como esta né Roberto?!”
impessoalidade
nas decisões
Roberto: “Tem que ter, a vida de um empresário é passar por esse tipo de
situação e olhar pra frente.” (Roberto Justus em O Aprendiz 6 – episódio 7).
- “Luiz Augusto Ferrari começou a fabricar painéis solares, de forma artesa-
nal, na garagem de casa. ‘Construí o primeiro experimento com uma furadei-
Capacidade de ra e uma serra tico-tico.’” (Revista Você S.A.. Agenda do CEO, fev., 2010).
correr riscos, ser
criativo, - “O preço das ações nunca nos satisfaz. Deve subir sempre. Encorajamos
empreendedor nosso pessoal a fazer coisas novas, a experimentar, ousar. Começamos
atraindo pessoas que gostam de um ambiente dinâmico.” (Enron: Os mais
espertos da sala .Kenneth Lay).
- “Para inovar, é preciso pensar não só no que os consumidores querem
296 agora, mas também no futuro.” (Revista Você S.A.. 68 ideias, pessoas e
tendências para 2010, dez., 2009).
Ter visão de - “Ken Lay se considera visionário e gosta de gente visionária, de gente
negócios com grandes idéias. E Jeff Skilling era o maioral nisso.” (Enron: Os mais
espertos da sala. Bethany McLean - Coautora do filme).
- “A visão de mundo de Skilling realmente impulsionava e afetava o
funcionamento da Enron.” (Enron: Os mais espertos da sala. Peter Elkind -
Co-autor do filme).
297
CARACTERÍS- TRECHOS OU
TICAS DESCRIÇÕES / FONTE
-“Exponha-se a novas ideias e questione os modelos vigentes. Enfrente
os desafios de maneira positiva.” (Revista Você S.A.. Mercado – é hora de
Crescer, nov., 2009).
- “A primeira lição que aprendi foi simples: se você quiser nadar entre tubarões
é melhor se tornar um deles. Um tubarão nunca é desleal ou desonesto; é
implacável – e sabe muito bem o que quer.” (JUSTUS e ANDRADE, 2006, p.36).
Agressividade
- “Nossa cultura é implacável. É uma cultura muito agressiva.” (Enron: Os
mais espertos da sala. Jeff Skilling).
O “Super-homem” de Negócios
- Tanto o comportamento de Roberto Justus no programa O Aprendiz,
quanto o modo como os executivos do documentário Enron se portam nas
diversas situações, demonstra que eles têm um alto conceito sobre eles
mesmos e se tomam como referências tanto para os mais jovens quanto
Autoestima
para seus colegas de trabalho que ocupam posições inferiores.
elevada
- “Quando Skilling se candidatou à Harvard Business School, um professor
perguntou se ele era esperto. Ele respondeu ‘Sou muito esperto.’” (Enron:
Os mais espertos da sala. Peter Coyote – Narrador).
- “Não basta ter poder para decidir – quem é o responsável pelo negócio
precisa sempre ter a melhor justificativa possível para cada decisão.”
Poder de persu- (JUSTUS e ANDRADE, 2006, p.123).
asão, capacida-
de retórica - “Eles representavam tão bem que convenceram os Estados Unidos de
que eram os mais espertos.” (Enron: Os mais espertos da sala. Mimi Swartz
- Editora da “Texas Monthly”).
- “No futebol ou no trabalho, você pode passar por um período ruim.
Você entende que isso pode acontecer e que é importante reunir forças
para se levantar sozinho.” (Revista Você S.A.. Carreira – o segredo dos
298 Capacidade campeões, jan., 2010).
de resistir a
diversos tipos - “Agora, vocês imaginam meninas, é o seguinte, vocês vão estar numa si-
de pressão do tuação de pressão no dia-a-dia. Vocês vão estar numa situação de pressão
mercado no trabalho. Vocês vão tá na frente de um cliente. Vocês vão trabalhar na
maior agência de publicidade desse país. Vocês vão ter pressão diariamen-
te. Concorrente poderosíssimo, gente pressionando...” (Roberto Justus em
O Aprendiz 6 Universitário, Episódio 10).
- “A consolidação de uma marca pessoal também está intrinsecamente li-
gada a uma conduta pautada por ética, caráter e dedicação. O sucesso não
deve ser a meta, mas a consequência de uma série de esforços.” (Revista
Você S.A.. Carreira, marketing pessoal, jun., 2009).
Discurso
- “E a corporação precisa assumir essa responsabilidade, assumir essa
“politicamente
autoridade e, efetivamente comportar-se como um cidadão corporativo do
correto”
mundo. Ela precisa respeitar as comunidades onde opera e precisa assumir
a autodisciplina que, no passado, os governos exigiam dela.” (Documen-
tário The Corporation - Sam Gibara – Presidente, ex-CEO da Goodyear Tire).
- “Somos os mocinhos. Estamos com os anjos.” (Enron: Os mais espertos
da sala. Jeff Skilling).
299
O “Super-homem” de Negócios
que apresenta traços de personalidade específicos socialmente cons-
tituídos, tais como: Agressividade; autoestima elevada; poder de
persuasão, capacidade retórica (“ares proféticos” em suas falas ao,
muitas vezes, “aparentar saber mesmo quando não sabe”); discurso
“politicamente correto”; carisma, postura de líder e inspirar segu-
rança (ilustrados na Figura 3). Como recuperamos em Mills (1981,
p. 172), “ser compatível com os que estão no alto é agir como eles,
ter a aparência deles, pensar como eles: ou pelo menos mostrar-se
de modo a criar neles tal impressão.” É deste modo que, “para que
a empresa se perpetue, os principais executivos julgam que devem
perpetuar-se, ou a homens como eles – homens do futuro não só
preparados mas doutrinados” (Mills, 1981, p. 169).
Referências bibliográficas
O “Super-homem” de Negócios
López-Ruiz, Osvaldo. Os executivos das transnacionais e o espírito
do capitalismo: capital humano e empreendedorismo como valores
sociais. Rio de Janeiro : Azougue, 2007.
Fontes do corpus
O “Super-homem” de Negócios
Revista Seu Sucesso. Entrevista: Roberto Justus. Ed. 38. Dis-
ponível em: http://www.europanet.com.br/site/index.php?cat_
id=410&pag_id=12146. Acessado em: 30/03/2010.
304
“Aí cheguei até meu avô. Meu vô já é um senhor de idade e ele 305
tava colocando fogo numa coivara. Aí cheguei pra ele e disse:
“vô, não faça isso não, que o senhor vai tá prejudicando a ter-
ra do senhor”. Ele olhou pra mim e falou que em setenta anos
ele nunca tinha chegado a uma pessoa pra dar um conselho
desse e porque era que “um cego recém saído de um ovo” ia
fazer ele mudar de opinião? Aí, pronto... eu me senti total-
mente constrangido com essas palavras que ele disse, porque
eu sabia que ele tava certo, mas ele não tinha tomado conhe-
cimento que aquilo era errado. Aí eu continuei falando com
ele. Hoje ele parou de queimar, mas minha tia e meus primos
não.” (Ranulfo, 18 anos, entrevista ao autor, 2007).
3 A tese orientada pela Prof. Dra. Maria de Nazareth Wanderley e defendida no PPGS/UFPE em maio
de 2009, teve o seguinte título - “Caminhos cruzados, trajetórias entrelaçadas: vida social de jovens
entre o campo e a cidade no Sertão de Pernambuco”. Na pesquisa vários métodos foram aplicados:
pesquisa documental, etnografia e entrevistas em profundidade com 34 jovens de 16 a 27 anos de
idade, moradores de sítios, vilas, agrovilas e da sede do município de Ibimirim.
4 A noção de semi-árido vem substituindo a noção de Sertão, como uma das lutas simbólicas que fa-
zem parte das lutas sociais mais gerais. A noção de Sertão foi constituída, historicamente, associada ao
que é rústico, selvagem e incivilizado. A noção de semi-árido busca resgatar os aspectos geomorfoló-
gicos, usando o vocabulário científico para, desta forma, adequar o termo para os propósitos políticos
dos movimentos sociais que lutam por políticas públicas que mudem o foco de “combate à seca” para
“convivência com o semi-árido”. Preferi manter o uso da noção de Sertão por ainda ser muito presente
no vocabulário popular, e por isto ser revelador, a meu ver, das lutas por reconhecimento identitário,
e neste caso, os jovens se dizem “sertanejos”, resignificando essa noção.
5 Elias, 1995.
6 Elias, 2005.
7 Rambaud, 1982.
8 Segundo fontes orais e documentais consultadas, numa primeira etapa o DNOCS privilegiou famílias
vindas de outras regiões, supõem-se, como forma de pressionar os antigos proprietários que estavam
em litígio desde a desapropriação das terras a desistir das reclamações.
9 Halbwacks, 2004.
10 O açude sangrou em 1986 e só depois de 18 anos voltou a sangrar novamente, em 2004. Em 2001
o açude estava com menos de 5% da sua capacidade total.
11 Nos anos 1990, a taxa média de crescimento anual em Ibimirim foi de -1,64%, passando de 28.101
habitantes em 1991 para 24.340 no ano 2000. Fonte Atlas do Desenvolvimento Humano, disponível
em http://www.pnud.org.br.
12 Dados da Contagem Populacional realizada pelo IBGE em 2007 mostram que a população de
Ibimirim atingia 27.261 habitantes, recuperando parte da população que migrou na década de 1990,
mas ainda inferior ao total da população que o município tinha em 1991, antes da crise.
14 Gomes, 1998.
15 Garcia Jr., 1989.
Educação e socialização:
do habitus de classe às trajetórias desviantes dos jovens
Mas essa incorporação não é feita de forma pura, ou seja, de for- 317
ma a que tudo o que foi ensinado ao jovem, via socialização, será
assimilado por ele. Segundo Mannheim, que influenciou Elias em
muitos aspectos, como neste de abordar as gerações como fonte de
renovação da sociedade26, cada geração herda da outra um repertó-
rio cultural que, no entanto, nunca será absorvido completamente
em virtude da experiência de cada nova geração ser diferente das
gerações que a antecederam. Esse repertório é formado através das
experiências das pessoas, que “testam” as idéias, valores e com-
portamentos que apreenderam nos processos de socialização e os
adaptam às condições em que vivem e às necessidades e anseios
25 Faço aqui uma analogia da relação entre estabelecidos e outsiders que é feita por Elias em uma de
suas obras clássicas, onde o sentido construído de outsiders deriva da relação desses com os estabe-
lecidos, adquirindo, portanto, o sentido de novatos. Cf. Elias & Scotson, 2000.
26 Elias foi assistente de Mannheim antes do exílio. Foi Mannheim quem primeiro publicou artigos
sobre a “questão da geração”. Importante ressaltar, devido aos diversos sentidos atribuídos ao concei-
to, que tanto para Elias, quanto para Manheim, uma geração não se define exclusivamente pela idade,
tampouco, pelo estilo de vida ou por comportamento, uma vez que esses podem ser comuns tanto
entre jovens quanto entre adultos. Ter a mesma idade não é suficiente para caracterizar uma geração,
na medida em que as visões de mundo, as diferenças de classe, gênero, etnia, região, entre outros
aspectos, fazem que os grupos juvenis se diferenciem tanto entre si que não podem ser agrupados
em uma mesma “geração”.
27 Mannheim, 1982.
28 Elias, 1994, p. 48
29 Elias, 1994, p. 134
30 Elias, 1994, p. 27
31 Exemplo disto é dado pelo próprio Bourdieu em seu livro autobiográfico, Esboço de auto-análise,
quando se refere à forma deselegante e um tanto grosseira, a seu ver, de como ele ministrou a con-
ferência de ingresso no Collège de France, fazendo críticas ácidas ao pensamento sociológico que
alguns de seus pares, ali presentes, representavam, e ouviam sem poder contestá-lo, devido à regra
do ritual. Bourdieu, em autocrítica, disse que entendia isto como uma manifestação de seu habitus
familiar e escolar: o seu comportamento, explicou ele, era de quem sempre se sentiu discriminado
por sua origem de família de funcionário modesto do interior da França, e que se sentia impelido, no
ambiente escolar, a afirmar-se através de acirradas disputas intelectuais com os colegas.
Família e comunidade:
velhas formas de controle e novas formas de subjetivação
Os interesses de cada uma das partes não são os mesmos, mas uma
negociação permite estabelecer as condições para que os dois lados
sejam contemplados, abrindo mão de posições rígidas, o que é im-
Anita, filha de uma professora de Ibimirim que educou ela e sua irmã
sem a participação do pai, estava cursando Licenciatura em Química
na Universidade Rural de Pernambuco, no campus de Serra Talhada.
A crítica que ela faz focaliza essa dimensão da subjetividade forma-
da na submissão ao homem, sendo sua descrição das situações das
amigas uma demonstração daquilo que Bourdieu chamou de vio-
lência simbólica da dominação masculina, que não usa a força, mas
328
se impõe através dos princípios de percepção, da sensibilidade e da
maneira de ver e julgar as situações que foram formadas dentro dos
parâmetros dessa dominação37.
37 Bourdieu, 1999.
40 Ver, entre outros estudos sobre sucessão na agricultura familiar, os estudos de Silvestro, Milton Luiz
et alii. Os impasses sociais da sucessão hereditária na agricultura familiar. Florianópolis: Epagri;
Brasília: Nead / MDA, 2001; Woortmann, Ellen F. Herdeiros, parentes e compadres. São Paulo: HUCI-
TEC/Brasília: Ed.UnB, 1995; Wanderley, Maria de Nazareth B., “Jovens rurais de pequenos municípios
de Pernambuco: que sonhos para o futuro”. In: Carneiro, M.J. e Castro, E.G.de (orgs.). Juventude rural
em perspectiva. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007
41 Elias, 1997.
42 Elias, 1997, p. 255
43 Elias, 1994, p. 33
44 O afeto à terra, expressa uma ideia presente no senso comum dos agricultores, de que para formar
agricultores é preciso começar desde cedo, para que a criança crie esse sentimento de apego à terra.
Cf. Brandão, 1999b.
46 Baumann, 2003.
47 Castro, 2005.
48 Novaes, 2002.
49 Tuan, 1983.
50 Pais, 2006, p. 36
Considerações finais
51 Wanderley, 2006, p. 19
353
Referências bibliográficas
Resumo
valoração nas práticas e no discurso do espectador sobre o cine-
ma brasileiro: estudo sobre o subcampo do cinema e seu habitus
narrativo. Analista sênior da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).
359
Resumo
Anexos
360
Anexos
Cultura e Classes Sociais na Perspectiva Disposicionalista
Coordenação Geral
Jowania Rosas
Design Gráfico
Bureau de Design da UFPE
Manuela Braga / Solange Coutinho
Capa
Marcel Scherz
Formato
15,5 x 22 cm
Tipografia
Frutiger 57 Condensed
Libre Semi Serif SSi
Libre Serif SSi
Papel
Miolo: Pólen - 80g/m2
Capa: Triplex 270 - g/m2