Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Fundamentos
Socioantropológicos
UNIDADE I
Chanceler
Prof. Antonio Colaço Martins Filho
Reitora
Profa. Denise Ferreira Maciel
Diretora Executiva
Ana Cristina de Holanda Martins
Diretora Executiva
Sandra de Holanda Martins
Revisão Textual
Cristiana Castro
Diagramação
Wanglêdson Costa
Sumário
Apresentação 05
Para começo de conversa 06
01 - Sociologia e Antropologia 07
Referências 29
Anotações 30
Apresentação
educacaoonline.unifametro.edu.br
BONS
ESTUDOS!
5
Para começo de
conversa
A disciplina Fundamentos Socioantropológicos é dividida em 4 unida-
des, nas quais você encontrará o conteúdo, bem como conteúdos adicio-
nais e sugestões de leituras. Ao longo do texto, você irá se deparar com
vários ícones que irão ajudá-lo neste percurso em busca do conhecimento,
tais como:
6
01
Sociologia e
Antropologia
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
OBJETIVOS
Sociologia e
Antropologia
Essa unidade tem como Objetivos de Aprendizagem:
COMPETÊNCIAS
E como competência:
Ter uma consciência inicial ou básica sobre as lógicas sociais e culturais
que fundamentam e movimentam os mais variados âmbitos das realidades
humanas.
8
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
Imagem: Freepik
Você já se indagou porque milhões de pessoas ao redor do mundo hoje acordam
cedinho, se asseiam, tomam café da manhã e pegam um meio de transporte coletivo,
em alguns lugares do mundo, nem sempre confortáveis, e vão passar por volta de 8
horas do seu dia exercendo alguma atividade para “ganhar a vida” enquanto outras,
que moram em mansões e apartamentos de luxo, talvez alguns milhares de pessoas,
não precisam passar por isso, necessariamente, para também “ganhar a vida”?
E você sabia que segundo dados da FAO (Food and Agriculture Organization) de
2016, órgão das Organizações das Nações Unidas (ONU).
Há 800 milhões de pessoas desnutridas no mundo e que, de acordo com as es-
timativas atuais, 30 mil crianças morrem de fome a cada dia no mundo e 15 milhões
por ano? Repito: 30 mil crianças a cada dia morrem de fome no mundo e 15 milhões
por ano. Dados e estimativas atuais, recentes.
Você já imaginou o porquê disso? Como em um mundo cheio de cidades com
supermercados lotados de alimentos ainda possa se imaginar (e aceitar) que crian-
ças morram de fome? Mas antes que você pense que isto seja apenas mais um “papo
chato” ou “que não resolve nada” de cunho político e ideológico, alertamos que essas
indagações são apenas algumas entre muitas outras feitas e, por vezes, satisfatoria-
mente respondidas pelas ciências humanas e sociais desde os seus inícios.
As questões inicialmente referidas dizem respeito a um dos fenômenos sociais
mais recorrentes na história humana: a desigualdade social. As ciências sociais e hu-
manas, na verdade, não se ocupam apenas com este fenômeno social nas sociedades,
pois tudo, e reafirmamos categoricamente, TUDO que forma, informa e resulta das
ações e relações humanas é mote para os questionamentos e investigações dessas
ciências.
As ciências sociais que, em particular, aqui nos interessarão são a Sociologia e a
Antropologia. E ambas são ciências que, a partir de abordagens e perspectivas dife-
rentes, procuram compreender, explicar e descrever quais são as lógicas e as causas,
sempre diversas, que constituem, sustentam e movimentam o mundo humano – de-
masiado humano.
9
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
PARA REFLETIR
10
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
Fundamentos dizem respeito a bases e alicerces, bases sob as quais essas duas
próximas, mas diferentes, ciências sociais, a Sociologia e a Antropologia, se erguem
para lançar luz sobre os mais diversos fenômenos e problemas sociais e humanos.
Trata-se de formar e informar aqui, para você, um olhar, um olhar socioantro-
pológico ou, ainda, uma consciência sociológica e antropológica que possibilita, sem
dúvidas, uma maior compreensão e entendimento de nós mesmos e do mundo em
que vivemos.
E isto já é muito. O bastante creio sim. E creio no estrito significado da palavra
crer, pois é sim um ato de fé, de confiar que a Sociologia e a Antropologia, se entendi-
das como formas de consciências e não apenas como ciências, se seus estudos forem
encarados com a devida seriedade e importância requeridos, podem com certeza
contribuir para um mundo mais humano, mais justo, mais consciencioso, mais ético,
mais cidadão, mais responsável acerca dos nossos direitos e deveres para conosco,
para os outros, para todos e todas e para o planeta e sua abundante vida.
Se ainda assim você insistir perguntando: “mas, será que servem para tudo isso
mesmo tais ciências sociais? ”. Responderemos sem gastar mais nossos português e
juízo:
Imagem: Freepik
11
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
Imagem: Internet
O roteiro imaginado para seguirmos com esta disciplina foi pensado com a in-
tenção de abordar os alicerces fundantes e, ainda, fundadores dessas ciências sociais
a partir de uma leitura geral e acessível, uma vez que, supõe-se, visa a um público
amplo e de pouco contato com as leituras socioantropológicas. Leitura que foca nas
concepções teóricas clássicas e contemporâneas e nos principais temas abordados
pela Sociologia e a Antropologia sem menosprezar, importa ressaltar, o esforço cien-
tífico e acadêmico com que foram e são feitas essas ciências.
12
02
O surgimento das
Ciências Sociais
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
OBJETIVOS
O surgimento das
Ciências Sociais
Essa unidade tem como Objetivos de Aprendizagem:
COMPETÊNCIAS
E como competência:
Ter uma consciência inicial ou básica sobre as lógicas sociais e culturais
que fundamentam e movimentam os mais variados âmbitos das realidades
humanas.
14
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
Imagem: Freepik
Tratar sobre surgimento, na verdade, principalmente em se tratando das ciên-
cias humanas e sociais, é tratar sobre em que circunstâncias sociais, históricas, cultu-
rais, econômicas e políticas elas apareceram. Aqui, você irá notar como a ascensão de
uma cultura baseada nos conhecimentos racionais e científicos possibilitou direta-
mente a emergência dessas ciências. E para iniciarmos essa demonstração é preciso
começar pensando, diria melhor, filosofando sobre o básico: o que é ciência?
A palavra “ciência”, na sua etimologia1, tem raízes históricas tanto no termo
grego scire, que significa saber, como do latim scientia, que significa conhecimento.
Partindo dessa origem da palavra arrisco afirmar que “ciência”, como hoje se conhe-
ce, trata de um “saber do conhecimento” ou um saber desenvolvido no esforço do co-
nhecer. É, na verdade, um tipo de saber que se diferencia daqueles produzidos pelo
senso comum e o pensamento religioso. O senso comum e o pensamento religioso
são saberes compartilhados e gestados pelas experiências de vida dos indivíduos
inseridos em determinados meios sociais como o grupo familiar e as comunidades
religiosas, por exemplos. É preciso salientar que esses são saberes ricos, variados e
sim importantes para a manutenção do convívio das coletividades humanas. Contu-
do, ambos são saberes bastantes diferentes do tipo de saber que é construído pela
ciência.
Alves (1981), na sua obra Filosofia da Ciência, ao indicar uma relação entre os
saberes do senso comum e da ciência, por exemplo, afirma que a ciência, diferen-
te do senso comum, é uma especialização do saber ou um conhecimento refinado.
Aprender uma ciência, para este filósofo brasileiro, enfim, é um processo de desen-
volvimento progressivo. Toda ciência é um tipo de saber dominado por poucos e mais
aprofundado sobre determinado fenômeno humano ou natural, um saber construí-
do pela especialização e dedicação dos que o produzem: os cientistas. Como sugere
esse autor, a ciência poderia ser, assim, um saber de muitas pessoas, pois embora
seja um saber de poucas pessoas, poderia ser alcançado por muita gente desde que
houvesse esforço e dedicação, enfim.
15
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
Chauí (2015), para definir ciência, também parte da comparação com o senso
comum. E, diferente deste, segundo Chauí, o saber científico possuiria a atitude de
desconfiar das certezas da vida, ser crítico, curioso e objetivo. Objetivo e objetivida-
de, palavras importantes para toda ciência e para os propósitos explicativos racionais
deste tipo de saber. Chauí (2015, p. 276) sublinha que a ciência “baseia-se em pes-
quisas, investigações metódicas e sistemáticas”. Pesquisa é a investigação de algo.
Método é o caminho a ser percorrido para se chegar aos resultados de uma pesquisa.
Sistematização é a organização de teorias, métodos, objetos de estudo, leis e concei-
tos em um sistema coerente e racionalmente lógico de explicação das realidades. Em
síntese, a ciência é coisa bem diferente do senso comumente compartilhado sobre a
vida e as coisas do mundo, ou seja, das opiniões baseadas no “eu acho que...” ou no
“eu não sei, mas acredito que seja assim...”.
A ciência é a portadora das verdades racionais, verificáveis e prováveis – porque
se podem racionalmente verificá-las e comprová-las. A “verdade científica” só é acei-
ta depois de muitos questionamentos e sempre está disposta a ser questionada ou
verificada repetidas vezes se for preciso. Um exemplo de verdade científica compro-
vada recentemente foi desenvolvida por Galileu Galilei (1564-1642) há mais de 400
anos atrás quando ele afirmou na sua Teoria dos Corpos em Queda que em um espa-
ço vazio de ar, ou seja, no vácuo, “todos os corpos caem com aceleração constate,
uma vez que o efeito da aceleração gravitacional à mesma altura é igual”. Quer
provar?! Solte uma bola de basquete e penas em um espaço vazio de ar na mesma
altura e comprovará que ambas atingirão igualmente o solo... ou simplesmente veja
o vídeo no link indicado abaixo. É ciência!
VÍDEO
Tempo: 04 min
https://www.youtube.com/watch?v=E43-CfukEgs
16
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
17
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
É notório em Comte uma leitura evolutiva ou evolucionista com esses três está-
gios da humanidade, como se a Europa em que ele viveu e o pensamento filosófico,
científico e racional que ajudou a fundar fossem os ápices ou os pontos finais de
chegada da vida humana. O cientista natural britânico Charles Darwin (1809-1882)
foi também fortemente influenciado por essa teoria na sua explicação da evolução
das espécies animais em meados do século XIX. Segundo a concepção evolucionista
filosófica e científica assim como os organismos evoluem ao longo do tempo, em um
progresso constante, mas ordenado pelas lógicas e leis naturais, assim também as
sociedades humanas evoluiriam – como procura atestar a Teoria dos Três Estados de
Comte – das consideradas sociedades primitivas ou simples até chegar às ditas socie-
dades modernas e complexas, mais recentes.
Contudo, o que importa ressaltar é que as explicações evolucionistas sobre a
vida animal e o mundo social são a prova de que passaram a predominar os pensa-
mentos racionais e científicos mais fortemente a partir do século XIX. E isto em todos
os âmbitos das sociedades, grupos e organizações humanas ao redor do mundo. Não
havia dúvidas, assim, para os primeiros cientistas sociais, de que a realidade social
possuía leis iguais às que governam o mundo natural. Foi a vitória da razão científica
sobre os misticismos, as crendices religiosas e o saber do senso comum.
A ciência antropológica nasce justamente, também no século XIX, influencia-
da por essa concepção evolucionista. O evolucionismo como paradigma científico
na nascente Antropologia postulava que os povos não ocidentais, à época, como as
populações nativas indígenas das Américas, África e Oceania, estariam em um está-
gio inferior em relação aos povos europeus e “civilizados”. Neste sentido, Azcona
(1992) aponta que a Antropologia se constitui no século XIX como disciplina científi-
ca compartilhando com as ciências da época a “ideologia do evolucionismo”. Um dos
18
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
O chargista aqui evoca através do humor duas concepções diferentes, uma cien-
tífica e outra religiosa, sobre a origem da vida: o evolucionismo de Charles Darwin e o
Criacionismo, pensamento teológico que defende a criação divina da vida.
A ciência, no geral, foi e tem sido tão importante para o mundo humano que as
instituições modernas como as empresas e os Estados foram e são montados des-
de então com os critérios dos pensamentos lógico-racional e técnico-científico. As-
sim como tudo hoje passa por explicações produzidas pelas diversas ciências: por
que chove? O que causa os terremotos? Como a vida surgiu na terra? Como e por
que ocorrem greves e revoltas dos trabalhadores? Que fatores sociais influenciam
no suicídio? Como pensamentos religiosos podem contribuir para a organização e
produção econômicas? Essas entre muitas outras questões possuem respostas nas
explicações dadas com autoridade e responsabilidade pelas ciências.
E, em síntese, as ciências sociais, como a Sociologia e a Antropologia, procuram
explicações racionais para tudo que nós fazemos, desfazemos, inventamos e des-
construímos em sociedade, nos nossos grupos e em qualquer estrutura social de que
façamos parte. Todas as ciências, inclusive as sociais, são herdeiras diretas dos movi-
19
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
mentos intelectuais europeus dos séculos XVII e XVIII baseados na busca pela razão.
Movimentos levados a cabo por diferentes pessoas e grupos, mas que receberam
o rótulo de “Iluminismo”. Lembra na escola, das aulas de História? Pois sim. Movi-
mentos culturais formados por homens, na sua maioria, interessados em descobrir
e explicar de maneira lógica, racional e sistemática os fenômenos dos mundos natu-
rais, físicos e humanos: os “iluministas”. A palavra “Iluminismo” significava que essas
pessoas lançavam a luz da razão sobre as trevas da ignorância e do desconhecimento
que teria reinado durante a Idade Média europeia com a predominância dos conheci-
mentos místicos e religiosos.
A razão, a ciência, precisamente, passou a ser encarada como a responsável por
desvendar as verdadeiras causas de tudo que existe no mundo. E isto influenciou, de
modo muito específico, o surgimento de todas as ciências. O despertar da Sociologia
e da Antropologia, as ciências sociais que tratamos neste curso, assim, está precisa-
mente e estreitamente ligado a esta herança intelectual iluminista.
Em tempo, antes do término de nossa aula virtual aqui é preciso ressaltar que
essas ciências sociais são consideradas filhas da modernidade. Por modernidade en-
tenda o mundo que se transformou com a emergência de determinados elementos
que hoje existem em praticamente todo o planeta: a industrialização e a urbanização
das cidades; a proletarização de parcelas consideráveis das populações que consti-
tuem os atuais Estados nacionais; a concepção cada vez mais abrangente de direitos
e deveres individuais e coletivos; o contínuo avanço técnico-científico, principalmen-
te afetando áreas como a saúde pública, os transportes e os meios de comunicação.
Este mundo moderno, neste âmbito, trouxe transformações perturbadoras
para as sociedades com a chegada de tais elementos elencados acima. Em poucas
décadas, as cidades europeias entre os séculos XVIII e XIX, antes de vida socioeco-
nômica majoritariamente fundada na agricultura e no modo de vida rural passaram a
ser o palco para indústrias com suas chaminés e seus batalhões de operários que en-
cheram tais lugares, acelerando a modificação dos costumes campesinos. As ciências
sociais, como a Sociologia, tomaram como objeto de estudo e de investigação todo
este cenário de mudanças.
No caso da Antropologia, de modo diferente, todas essas modernizações na Eu-
ropa entravam em contrastes com as sociedades tribais de outros lugares do planeta
20
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
que ainda não tinham sofrido mudanças com a chegada dessa modernidade. Nos fins
do século XIX e inícios do XX, algumas populações nativas das ilhas do Pacífico Sul,
por exemplo, estavam ainda vivendo um estilo de vida tribal e eram vistos pelos colo-
nizadores europeus como “primitivos” e “não-civilizados”. A Antropologia, a ciência
social da diversidade cultural humana, teve quando surgiu, como se verá, nesses po-
vos chamados de “primitivos”, seus primeiros objetos de estudo.
21
03
Sociologia e
Antropologia: formas
de consciência
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
OBJETIVOS
Sociologia e Antropologia:
formas de consciência
Essa unidade tem como Objetivos de Aprendizagem:
COMPETÊNCIAS
E como competência:
Ter uma consciência inicial ou básica sobre as lógicas sociais e culturais
que fundamentam e movimentam os mais variados âmbitos das realidades
humanas.
23
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
Imagem: Freepik
Para além de conhecimentos científicos, a Sociologia e a Antropologia podem
ser encaradas, também, como maneiras especiais de enxergar as dimensões sociais
e culturais das coletividades humanas. Ambas possibilitam, sem dúvidas, uma maior
compreensão e entendimento de nós mesmos e do mundo em que vivemos. Essas
ciências sociais e humanas, desde que entendidas como conhecimentos importantes
e legítimos podem, com certeza, contribuir para um mundo mais humano, mais justo,
mais consciencioso, mais ético, mais cidadão, mais responsável acerca dos nossos
direitos e deveres para conosco, para os outros, para todos e todas e para o planeta
e sua abundante vida.
Mas, será que servem para tudo isso mesmo essas ciências sociais?!
Respondo que servem para pensar melhor e, assim, proporcionar melhores estraté-
gias de ação para o mundo que queremos em conjunto.
24
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
fé. Porém, continua Bauman (2010), essa desfamiliarização do familiar pode trazer
benefícios evidentes como abrir novas e insuspeitadas possibilidades de conviver
com mais consciência de si e mais compreensão do que nos cerca nos tornando indi-
víduos mais conscienciosos sobre a nossa realidade social.
Similar ao raciocínio de Bauman, para Berger (2010), sociólogo americano, a
Sociologia é, além de uma ciência do social, uma forma de consciência. Uma consciên-
cia que enxerga os fenômenos sociais para além da forma cotidiana e comum que
a maioria das pessoas os veem ou os entendem. Essa consciência sociológica é, em
outros termos, uma maneira de compreender que os fenômenos sociais e humanos
possuem diferentes níveis de significados para além dos comumente aceitos como
certos ou únicos. Vejamos o casamento, por exemplo. Aliás, exemplo sugerido por
Berger (2010) para fundamentar sua argumentação.
Desde por volta do século XVIII, mais ou menos, passou-se a acreditar, muito
mais nos países ocidentais e ocidentalizados, a partir de uma visão patriarcal e mo-
nogâmica, que homens e mulheres se casam porque estão apaixonados ou, para se
referir a um sentimento mais forte e nobre, o amor – como muitos acreditam –, as
pessoas se casariam porque se amam. Contudo, continua Berger, ao se investigar um
número significativo de casamentos percebe-se que o nobre e romântico sentimento
tenha pouca influência na decisão dos pombinhos para o casório. A flecha do cupido
costuma atingir, sugere Berger (2010), casais que se encontram por condições pari-
tárias de classe social, carreira profissional, nível de renda, grau de educação, afini-
dades religiosas e que, por vezes, possuem motivações não tão românticas, como
segurança econômica e, em certos casos, por ambição de poder e prestígio.
Todavia, alerta Berger (2010), não é que a crença no amor seja uma ilusão, mas
é que a Sociologia deve enxergar além quando tratar de relações afetivas e de casa-
mentos nas nossas sociedades contemporâneas. Todas essas variantes antes mencio-
nadas sobre as condições e motivações do casamento podem estar como que escon-
didas do olhar comum pela crença nesse sentimento arrebatador (como acreditam
as nossas mentes românticas e religiosas) que é o amor. A consciência sociológica é,
assim, inegavelmente desmistificadora.
25
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
Vamos para outro exemplo: você acredita que os jogadores de futebol no Brasil
ganham muito bem? Ser jogador de futebol é sinônimo de “se dar bem na vida” aqui
no país do futebol? Segundo matéria jornalística do site da revista Época de feve-
reiro de 2016, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tinha registrado 28.203
atletas profissionais, e desses um total de 23.238 ganhavam até R$ 1000,00 mensais
no ano de 2015. Assim, a enorme maioria desses jogadores no Brasil ganha a mesma
coisa que um servente de pedreiro com carteira assinada, categoria que segundo da-
dos de 2016 do Ministério do Trabalho teve média salarial de R$ 1000,17. De acordo
com as informações da reportagem, em fevereiro de 2016, 226 jogadores no Brasil
tinham vencimentos mensais nos seus contracheques de mais de R$ 50.000,00. En-
tretanto, esses jogadores representam apenas 0,8% da população total de atletas
profissionais do futebol brasileiro, aqueles que estão devidamente registrados pela
CBF. Repito: 0,8% dos jogadores de futebol profissional no Brasil ganhavam acima de
50 mil reais no ano de 2016.
Existem algumas razões que explicam tamanha desigualdade de oportunida-
des, as mesmas razões em muitos países onde o futebol é um grande negócio para al-
gumas poucas empresas: “no Brasil e na Inglaterra, por exemplos, os clubes do topo
dispararam em arrecadação depois que valorizaram contratos de televisão e patro-
cínio, reformaram estádios e criaram programas de associação. Os times de baixo
continuam sem ter acesso a essas fontes de receita.”2 A reportagem citada sobre o
mundo do futebol nos ajuda e muito a desmistificarmos uma crença corriqueira de
que o jogador de futebol ganha muito dinheiro no Brasil e no mundo. Corrigindo,
poucos, muito poucos ganham sim. Há nessa matéria jornalística, na verdade, bastan-
te dessa consciência desmistificadora própria da Sociologia.
Como ciência social a Sociologia investiga e demonstra as lógicas que movimen-
tam ou dão sustentação aos mais variados aspectos da realidade social, seja o casa-
mento ou a vida profissional no Futebol. Como forma de consciência a Sociologia, en-
tão, pode fazer enxergar para além das fachadas ou das superfícies das estruturas e
dos fenômenos sociais. Uma consciência sociológica, assim, desmistifica “verdades”
ou crenças como as que dizem que o casamento é um ato de amor ou que jogador de
futebol ganha muito dinheiro.
26
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
e, mesmo, como “não humanos”. O conhecimento produzido por essa ciência social
ao longo de sua existência é, certamente, um testemunho dos muitos “outros”, tanto
os que ficam perto como os que ficam longe de nós, geograficamente falando, cujas
formas de existência serão sempre a presença do humano em sua singularidade (RO-
CHA, 1994).
A Antropologia, quando dos seus inícios como ciência na Europa do século
XIX, se ocupou em estudar as “sociedades longínquas” as quais, sublinha Laplantine
(2012), possuíam características comuns: sociedades de dimensões restritas; de pou-
cos contatos com outras sociedades ou povos; de tecnologia pouco desenvolvida; e
com pouca especialização das atividades e funções sociais, ou seja, de pequena di-
visão social do trabalho. Tais sociedades foram também rotuladas, ainda nos inícios
dessa ciência, como “simples”, “primitivas” ou “selvagens”. Neste sentido, a Antro-
pologia, naquele começo, atribuía a si o estudo das populações humanas que não
pertenciam à “civilização ocidental”.
Todavia, caros estudantes, a Antropologia logo se deparou com um grande pro-
blema: o seu objeto de estudo, as sociedades “simples” ou “primitivas” estariam, se-
gundo alguns antropólogos, desaparecendo. Tal preocupação se deu por conta do
avanço da “civilização ocidental” por todo o planeta.
No século XIX, o Neocolonialismo europeu na África e Ásia conjugado com a ex-
pansão do capitalismo industrial e financeiro pelo mundo espalhava aos povos “não
civilizados” não apenas as mercadorias das indústrias europeias, mas todo um modo
de vida urbano e de consumo, próprio das sociedades ocidentais.
O Brasil é um exemplo de um país fundado primeiramente sob o quase total
aniquilamento físico e cultural de variados povos que aqui viviam antes das chegadas
das naus europeias que vieram “descobrir” e invadir um território já descoberto e
ocupado há milhares de anos. No século XIX, o Brasil passou pela remodelação civili-
zadora oriunda da Revolução Industrial na Europa. Remodelação que atingiu os mo-
dos de vida de sua população, mudando devagar os costumes da vida de base agrária
e rural para os inícios de um convívio urbano embasado no consumo. Não apenas o
Brasil, mais a grande maioria dos países não europeus pelo mundo passaram por es-
sas mudanças se transformando em países “ocidentalizados”.
E justamente diante desse processo de mudanças pelo mundo encabeçado pela
Europa no século XIX que a Antropologia se deparou com o desaparecimento do seu
objeto de estudo: as sociedades “não civilizadas”. Tal acontecimento recebeu mesmo
o nome de a “morte do primitivo”. Contudo, a Antropologia não sucumbiria. Segundo
Laplantine (2012, p. 16), o objeto teórico desta ciência social não está ligado a um
espaço geográfico, cultural ou histórico em particular: “A Antropologia não é senão
um certo olhar, um certo enfoque que consiste em: a) o estudo do homem inteiro; b)
o estudo do homem em todas as sociedades, sob todas as latitudes em todos os seus
estados e em todas as épocas.” Para este autor, a Antropologia é o estudo do ser
humano em sua integridade, considerando as múltiplas dimensões que o compõem
em sua sociedade.
Ciência pretensiosa! – pode pensar o mais intrigado e inquieto leitor ou leito-
ra. Talvez! Mas é justamente neste caminho de ver o “ser humano inteiro” inserido
nos contextos socioculturais de que ele é o produto e, ao mesmo tempo, produtor,
que a Antropologia procura enxergar todos os aspectos que constituem as socieda-
27
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
28
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
REFERÊNCIAS
29
unifametro.edu.br - Fundamentos Socioantropológicos - Unidade I
ANOTAÇÕES
30
/unifametro @unifametro unifametro.edu.br