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Fundamentos
Socioantropológicos
UNIDADE I
Chanceler
Prof. Antonio Colaço Martins Filho

Reitora
Profa. Denise Ferreira Maciel

Diretor Administrativo Financeiro


Edson Ronald de Assis Filho

Diretora Executiva
Ana Cristina de Holanda Martins

Diretora Executiva
Sandra de Holanda Martins

Assessoria de Desenvolvimento Educacional – ADE


Profa. Elane Pereira
Prof. Silvio Rodrigues

Revisão Textual
Cristiana Castro

Diagramação
Wanglêdson Costa
Sumário

Apresentação 05
Para começo de conversa 06

01 - Sociologia e Antropologia 07

02 - O surgimento das Ciências Sociais 13

03 - Sociologia e Antropologia: formas de consciência 22


Sociologia como forma de consciência 24
Antropologia como modificação do olhar 26

Referências 29
Anotações 30
Apresentação

Seja bem-vindo à disciplina Fundamentos Socioantropológicos. A


metodologia adotada pela UNIFAMETRO na modalidade a distância con-
ta com aulas ministradas no Ambiente Virtual de Aprendizagem Moodle,
favorecendo atividades colaborativas, aproximando professores e alunos
distantes fisicamente.
Para a melhor compreensão do assunto, é importante que, além da
leitura desse conteúdo, você participe das atividades e tarefas propostas
no cronograma e consulte dicas e complementos sugeridos no decorrer
da disciplina. Este material também está disponível para impressão ou
para download em formato pdf cliancando no botão abaixo:

educacaoonline.unifametro.edu.br

É importante ressaltar que, nessa metodologia, o seu compromis-


so com a aprendizagem é fundamental para que ela aconteça. Portanto,
participe, lendo os textos antes de cada aula para interagir melhor nos
momentos de comunicação virtual e presencial, nas discussões com os tu-
tores, professores e colegas de curso.

BONS
ESTUDOS!

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Para começo de
conversa
A disciplina Fundamentos Socioantropológicos é dividida em 4 unida-
des, nas quais você encontrará o conteúdo, bem como conteúdos adicio-
nais e sugestões de leituras. Ao longo do texto, você irá se deparar com
vários ícones que irão ajudá-lo neste percurso em busca do conhecimento,
tais como:

SUGESTÕES PARA REFLETIR OBJETIVOS

PARA LER ATENÇÃO EXEMPLO

SAIBA MAIS VOCÊ SABIA VÍDEO

Esses ícones nortearão a sua leitura, oferecendo amplas possibilidades de


aprofundamento. A linguagem dialógica aqui utilizada também irá aproxi-
málo das aulas ora apresentadas, levando-o à motivação e ao entendimen-
to da disciplina. Esperamos, por meio da diagramação desse material, con-
tribuir com sua interação plena com os conteúdos. Agora que já estamos
“conectados”, mãos à obra!

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01

Sociologia e
Antropologia
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OBJETIVOS

Sociologia e
Antropologia
Essa unidade tem como Objetivos de Aprendizagem:

• Identificar as bases teóricas e os princípios metodológicos da Sociologia e


Antropologia na formação de um olhar mais complexo sobre as realidades
sociais e culturais.
• Aplicar na vivência de qualquer contexto das relações humanas uma visão
para além das percepções individuais e do senso comum.
• Perceber a força e a influência do social e do cultural na formação de qual-
quer realidade humana.

COMPETÊNCIAS

E como competência:
Ter uma consciência inicial ou básica sobre as lógicas sociais e culturais
que fundamentam e movimentam os mais variados âmbitos das realidades
humanas.

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Você já se indagou porque milhões de pessoas ao redor do mundo hoje acordam
cedinho, se asseiam, tomam café da manhã e pegam um meio de transporte coletivo,
em alguns lugares do mundo, nem sempre confortáveis, e vão passar por volta de 8
horas do seu dia exercendo alguma atividade para “ganhar a vida” enquanto outras,
que moram em mansões e apartamentos de luxo, talvez alguns milhares de pessoas,
não precisam passar por isso, necessariamente, para também “ganhar a vida”?
E você sabia que segundo dados da FAO (Food and Agriculture Organization) de
2016, órgão das Organizações das Nações Unidas (ONU).
Há 800 milhões de pessoas desnutridas no mundo e que, de acordo com as es-
timativas atuais, 30 mil crianças morrem de fome a cada dia no mundo e 15 milhões
por ano? Repito: 30 mil crianças a cada dia morrem de fome no mundo e 15 milhões
por ano. Dados e estimativas atuais, recentes.
Você já imaginou o porquê disso? Como em um mundo cheio de cidades com
supermercados lotados de alimentos ainda possa se imaginar (e aceitar) que crian-
ças morram de fome? Mas antes que você pense que isto seja apenas mais um “papo
chato” ou “que não resolve nada” de cunho político e ideológico, alertamos que essas
indagações são apenas algumas entre muitas outras feitas e, por vezes, satisfatoria-
mente respondidas pelas ciências humanas e sociais desde os seus inícios.
As questões inicialmente referidas dizem respeito a um dos fenômenos sociais
mais recorrentes na história humana: a desigualdade social. As ciências sociais e hu-
manas, na verdade, não se ocupam apenas com este fenômeno social nas sociedades,
pois tudo, e reafirmamos categoricamente, TUDO que forma, informa e resulta das
ações e relações humanas é mote para os questionamentos e investigações dessas
ciências.
As ciências sociais que, em particular, aqui nos interessarão são a Sociologia e a
Antropologia. E ambas são ciências que, a partir de abordagens e perspectivas dife-
rentes, procuram compreender, explicar e descrever quais são as lógicas e as causas,
sempre diversas, que constituem, sustentam e movimentam o mundo humano – de-
masiado humano.

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As explicações construídas e desenvolvidas por tais ciências são racionais, con-


ceituais, teóricas, sistemáticas. Tratam-se, obviamente, de ciências. E, para além da
racionalidade, conceitos, teorias e sistematização, o que mais identifica uma ciência?
Sabes dizer? Dizemos de pronto: método e objeto de estudo. Porém, diferentes das
ciências biológicas e naturais, os objetos estudados por essas ciências sociais são
gente e os sujeitos (os cientistas sociais) que os estudam são, assim, uns e outros,
seres humanos, e, neste sentido, seres sociais e culturais.

PARA REFLETIR

E isto é o que dá à Sociologia e à Antropologia, características específicas na


condução de suas explicações sobre os mundos sociais e culturais formados
e, ao mesmo tempo, formadores de seres humanos. São ciências que procu-
ram explicações racionais para tudo que nós mesmos fazemos, desfazemos,
inventamos e desconstruímos.

A Sociologia e a Antropologia são ciências filhas e herdeiras diretas dos movi-


mentos intelectuais europeus baseados na razão dos séculos XVII e XVIII. Movimen-
tos levados a cabo por diferentes pessoas e perspectivas, mas que receberam o rótu-
lo homogeneizador de Iluminismo. Lembra na escola, das aulas de História? Pois sim.
Movimentos culturais de homens, na sua maioria, envolvidos com uma explicação
lógica, racional, sistemática dos fenômenos dos mundos naturais, físicos e humanos,
que receberam o rótulo de “iluministas” – pois lançavam a luz da razão sobre as tre-
vas da ignorância e do desconhecimento que, segundo eles, reinou na Idade Média
na Europa com a predominância dos conhecimentos místicos e religiosos.
A razão, a ciência, precisamente, passou a ser encarada como a responsável por
desvendar as verdadeiras causas dos fenômenos naturais, físicos e sociais do mundo.
É preciso ainda falar mais como isso influenciou, de modo mais específico, o surgi-
mento dessas ciências sociais. Faremos isso. O que importa, por enquanto, é afirmar
que o despertar de ciências das sociedades humanas ou das ações e relações sociais
que formam os mundos humanos está estreitamente ligado a esta herança intelec-
tual iluminista.

Quadro de intitulado “A philosopher lecturing


Imagem: Joseph Wright

with a mechanical planetary” (1766) do pintor


inglês Joseph Wright (1734-1797). Pintura co-
mumente usada para ilustrar o pensamento
iluminista com a metáfora da luz do conheci-
mento científico e racional que dissipa as tre-
vas da ignorância e do não saber.

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Sem mais delongas, gostaríamos de agora acertar os rumos da nossa “via-


gem” – colocamos entre aspas, pois este é termo comum escutado por cien-
tistas sociais sobre suas falas e discussões acadêmico-científicas – e estabele-
cer algumas rotas inevitáveis e outras alternativas que seguiremos. Vamos lá!
Mas antes é preciso afirmar nossos objetivos nesta disciplina a distância de
“Fundamentos Socioantropológicos”.

Fundamentos dizem respeito a bases e alicerces, bases sob as quais essas duas
próximas, mas diferentes, ciências sociais, a Sociologia e a Antropologia, se erguem
para lançar luz sobre os mais diversos fenômenos e problemas sociais e humanos.
Trata-se de formar e informar aqui, para você, um olhar, um olhar socioantro-
pológico ou, ainda, uma consciência sociológica e antropológica que possibilita, sem
dúvidas, uma maior compreensão e entendimento de nós mesmos e do mundo em
que vivemos.
E isto já é muito. O bastante creio sim. E creio no estrito significado da palavra
crer, pois é sim um ato de fé, de confiar que a Sociologia e a Antropologia, se entendi-
das como formas de consciências e não apenas como ciências, se seus estudos forem
encarados com a devida seriedade e importância requeridos, podem com certeza
contribuir para um mundo mais humano, mais justo, mais consciencioso, mais ético,
mais cidadão, mais responsável acerca dos nossos direitos e deveres para conosco,
para os outros, para todos e todas e para o planeta e sua abundante vida.
Se ainda assim você insistir perguntando: “mas, será que servem para tudo isso
mesmo tais ciências sociais? ”. Responderemos sem gastar mais nossos português e
juízo:
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Servem para pensar melhor e,


assim, nos proporcionar melhores
estratégias de ação para o mundo
que queremos em conjunto.

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Imagem: Internet

À esquerda a escultura de bronze O Pensador do francês Auguste Rodin (1840-1917)


e a direita uma adaptação para os tempos conectados de hoje.

O roteiro imaginado para seguirmos com esta disciplina foi pensado com a in-
tenção de abordar os alicerces fundantes e, ainda, fundadores dessas ciências sociais
a partir de uma leitura geral e acessível, uma vez que, supõe-se, visa a um público
amplo e de pouco contato com as leituras socioantropológicas. Leitura que foca nas
concepções teóricas clássicas e contemporâneas e nos principais temas abordados
pela Sociologia e a Antropologia sem menosprezar, importa ressaltar, o esforço cien-
tífico e acadêmico com que foram e são feitas essas ciências.

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02

O surgimento das
Ciências Sociais
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OBJETIVOS

O surgimento das
Ciências Sociais
Essa unidade tem como Objetivos de Aprendizagem:

• Identificar as bases teóricas e os princípios metodológicos da Sociologia e


Antropologia na formação de um olhar mais complexo sobre as realidades
sociais e culturais.
• Aplicar na vivência de qualquer contexto das relações humanas uma visão
para além das percepções individuais e do senso comum.
• Perceber a força e a influência do social e do cultural na formação de qual-
quer realidade humana.

COMPETÊNCIAS

E como competência:
Ter uma consciência inicial ou básica sobre as lógicas sociais e culturais
que fundamentam e movimentam os mais variados âmbitos das realidades
humanas.

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Tratar sobre surgimento, na verdade, principalmente em se tratando das ciên-
cias humanas e sociais, é tratar sobre em que circunstâncias sociais, históricas, cultu-
rais, econômicas e políticas elas apareceram. Aqui, você irá notar como a ascensão de
uma cultura baseada nos conhecimentos racionais e científicos possibilitou direta-
mente a emergência dessas ciências. E para iniciarmos essa demonstração é preciso
começar pensando, diria melhor, filosofando sobre o básico: o que é ciência?
A palavra “ciência”, na sua etimologia1, tem raízes históricas tanto no termo
grego scire, que significa saber, como do latim scientia, que significa conhecimento.
Partindo dessa origem da palavra arrisco afirmar que “ciência”, como hoje se conhe-
ce, trata de um “saber do conhecimento” ou um saber desenvolvido no esforço do co-
nhecer. É, na verdade, um tipo de saber que se diferencia daqueles produzidos pelo
senso comum e o pensamento religioso. O senso comum e o pensamento religioso
são saberes compartilhados e gestados pelas experiências de vida dos indivíduos
inseridos em determinados meios sociais como o grupo familiar e as comunidades
religiosas, por exemplos. É preciso salientar que esses são saberes ricos, variados e
sim importantes para a manutenção do convívio das coletividades humanas. Contu-
do, ambos são saberes bastantes diferentes do tipo de saber que é construído pela
ciência.
Alves (1981), na sua obra Filosofia da Ciência, ao indicar uma relação entre os
saberes do senso comum e da ciência, por exemplo, afirma que a ciência, diferen-
te do senso comum, é uma especialização do saber ou um conhecimento refinado.
Aprender uma ciência, para este filósofo brasileiro, enfim, é um processo de desen-
volvimento progressivo. Toda ciência é um tipo de saber dominado por poucos e mais
aprofundado sobre determinado fenômeno humano ou natural, um saber construí-
do pela especialização e dedicação dos que o produzem: os cientistas. Como sugere
esse autor, a ciência poderia ser, assim, um saber de muitas pessoas, pois embora
seja um saber de poucas pessoas, poderia ser alcançado por muita gente desde que
houvesse esforço e dedicação, enfim.

1 Etimologia é o estudo das origens das palavras.

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Chauí (2015), para definir ciência, também parte da comparação com o senso
comum. E, diferente deste, segundo Chauí, o saber científico possuiria a atitude de
desconfiar das certezas da vida, ser crítico, curioso e objetivo. Objetivo e objetivida-
de, palavras importantes para toda ciência e para os propósitos explicativos racionais
deste tipo de saber. Chauí (2015, p. 276) sublinha que a ciência “baseia-se em pes-
quisas, investigações metódicas e sistemáticas”. Pesquisa é a investigação de algo.
Método é o caminho a ser percorrido para se chegar aos resultados de uma pesquisa.
Sistematização é a organização de teorias, métodos, objetos de estudo, leis e concei-
tos em um sistema coerente e racionalmente lógico de explicação das realidades. Em
síntese, a ciência é coisa bem diferente do senso comumente compartilhado sobre a
vida e as coisas do mundo, ou seja, das opiniões baseadas no “eu acho que...” ou no
“eu não sei, mas acredito que seja assim...”.
A ciência é a portadora das verdades racionais, verificáveis e prováveis – porque
se podem racionalmente verificá-las e comprová-las. A “verdade científica” só é acei-
ta depois de muitos questionamentos e sempre está disposta a ser questionada ou
verificada repetidas vezes se for preciso. Um exemplo de verdade científica compro-
vada recentemente foi desenvolvida por Galileu Galilei (1564-1642) há mais de 400
anos atrás quando ele afirmou na sua Teoria dos Corpos em Queda que em um espa-
ço vazio de ar, ou seja, no vácuo, “todos os corpos caem com aceleração constate,
uma vez que o efeito da aceleração gravitacional à mesma altura é igual”. Quer
provar?! Solte uma bola de basquete e penas em um espaço vazio de ar na mesma
altura e comprovará que ambas atingirão igualmente o solo... ou simplesmente veja
o vídeo no link indicado abaixo. É ciência!

VÍDEO

Tempo: 04 min

Brian Cox visits


the world’s biggest
vacuum
Canal: BBC

>>> CLIQUE NESSA IMAGEM E ASSISTA AO VÍDEO <<<

https://www.youtube.com/watch?v=E43-CfukEgs

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O Físico e Professor Brian Cox da Universidade de Manchester e apresentador


de programas científicos da emissora pública de rádio e televisão do Reino Unido,
BBC, realizou o experimento de Galileu Galilei na Câmara de Vácuo da Agência Espa-
cial Americana, NASA, com uma bola de boliche e penas. O vídeo do Canal da BBC do
Youtube está disponível no link acima. Assista e veja como a ciência é mesmo incrí-
vel!! Enfim, agora já dá para entender que ciência é um conhecimento lógico-racional,
metódico, sistemático e verificável? Ok? Se sim, gostaria agora de complexificar um
pouco mais essa história ou, se permitem a metáfora culinária, é preciso colocar um
pouco mais de ingredientes nessa feijoada. É preciso afirmar o seguinte a qualidade
do que é complexo não é aquilo que não tem boa explicação porque é confuso, nada
disso, pois complexo vem do latim complexus que quer dizer “o que rodeia, o que
inclui” ou, também, aquilo que é tecido em conjunto, como alerta Morin (2011), so-
ciólogo francês.
O que é complexo aqui é o fato de que as ciências sociais apesar de se diferen-
ciarem do senso comum partem dele e mesmo precisam dele para existir. Diferente-
mente dos saberes produzidos pelas ciências físicas, naturais e biológicas que tratam
de objetos bastantes peculiares e específicos, como estrelas, planetas, átomos, ór-
gãos, animais, tipos de solo e reagentes químicos, para ficarmos nesses exemplos, as
ciências sociais têm como objetos de estudo os resultados das sociedades, culturas,
ações e relações humanas.
Bauman (2010), sociólogo polonês, radicado na Inglaterra, aponta que ao falar
da Sociologia – uma das ciências sociais que daremos foco nesta nossa disciplina –
é preciso entender que os objetos estudados por esta ciência social já receberam
nomes e já foram analisados pelos próprios agentes sociais e são, assim, também,
objetos de conhecimento do senso comum: Redes de Parentesco, Relações Afetivas,
Famílias, Igrejas, Aldeias, Tribos, Cidades, Nações, Bairros, Transações Econômicas,
Costumes, Moral, enfim, tudo que é fruto e é mantido pelos seres humanos em con-
junto. É possível afirmar, então, que ser cientista social, sociólogo ou antropólogo,
é estudar uma variedade de objetos de estudo que já foram antes nomeados pelo
saber cotidiano ou senso comum.
Todas as ciências existentes hoje surgiram da Filosofia, mas as ciências sociais
têm com este conhecimento racional uma mais estreita ligação do que com as outras
ciências exatas e naturais, pois tanto as ciências humanas e sociais como, também,
a Filosofia, se preocupam nas suas análises com o mundo sociocultural humano. E
estudar racionalmente a vida humana era coisa até por volta dos fins do século XIX
de filósofos e foi propriamente dos quadros da Filosofia que surgiram na Europa os
primeiros cientistas sociais.
Uma corrente filosófica surgida na França do século XIX chamada de Positivis-
mo, encabeçada pelo filósofo francês Auguste Comte (1798-1857), este o inventor da
palavra “Sociologia”, pretendia estudar, imitando os métodos das ciências naturais,
físicas e biológicas, as relações necessárias, as leis e as lógicas regulares que movi-
mentavam as realidades sociais. Comte cunhou o termo “Sociologia” para substituir
o termo “física do social”, também inventado por ele anteriormente. Este filósofo
criou a concepção de Sociologia como ciência com a Lei dos Três Estados para expli-
car os estágios históricos por qual evoluiu a humanidade até atingir a época (então
século XIX) e o lugar (França, Europa) em que ele vivia.

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Ao longo de sua existência os seres humanos, segundo Comte, viveram através


de três estágios/períodos: o Estado Histórico Teológico, no qual o espírito humano
explicava os fenômenos reais como obra de agentes sobrenaturais; depois, adveio o
Estado Metafísico, no qual as pessoas explicavam filosoficamente os fenômenos hu-
manos como forças abstratas e metafísicas; e, por último, o Estado Positivo ou Cien-
tífico, no qual o espírito humano buscaria conhecer cientificamente as causas íntimas
dos fenômenos, combinando raciocínio, observação e métodos a fim de descobrir as
leis e relações invariáveis que constroem os mundos natural e humano.

O filósofo francês Auguste Comte (1798-


1857) é um dos fundadores da corrente filosó-
fica do Positivismo e criador da palavra “Socio-
Imagem: Internet

logia”, que seria, segundo ele, mais apropriada


para designar esta ciência do social. Em tempo,
a filosofia positivista tem este nome por ter se
contraposto a uma “filosofia negativa” que não
reconhecia o conhecimento racional-científico
como legítimo.

É notório em Comte uma leitura evolutiva ou evolucionista com esses três está-
gios da humanidade, como se a Europa em que ele viveu e o pensamento filosófico,
científico e racional que ajudou a fundar fossem os ápices ou os pontos finais de
chegada da vida humana. O cientista natural britânico Charles Darwin (1809-1882)
foi também fortemente influenciado por essa teoria na sua explicação da evolução
das espécies animais em meados do século XIX. Segundo a concepção evolucionista
filosófica e científica assim como os organismos evoluem ao longo do tempo, em um
progresso constante, mas ordenado pelas lógicas e leis naturais, assim também as
sociedades humanas evoluiriam – como procura atestar a Teoria dos Três Estados de
Comte – das consideradas sociedades primitivas ou simples até chegar às ditas socie-
dades modernas e complexas, mais recentes.
Contudo, o que importa ressaltar é que as explicações evolucionistas sobre a
vida animal e o mundo social são a prova de que passaram a predominar os pensa-
mentos racionais e científicos mais fortemente a partir do século XIX. E isto em todos
os âmbitos das sociedades, grupos e organizações humanas ao redor do mundo. Não
havia dúvidas, assim, para os primeiros cientistas sociais, de que a realidade social
possuía leis iguais às que governam o mundo natural. Foi a vitória da razão científica
sobre os misticismos, as crendices religiosas e o saber do senso comum.
A ciência antropológica nasce justamente, também no século XIX, influencia-
da por essa concepção evolucionista. O evolucionismo como paradigma científico
na nascente Antropologia postulava que os povos não ocidentais, à época, como as
populações nativas indígenas das Américas, África e Oceania, estariam em um está-
gio inferior em relação aos povos europeus e “civilizados”. Neste sentido, Azcona
(1992) aponta que a Antropologia se constitui no século XIX como disciplina científi-
ca compartilhando com as ciências da época a “ideologia do evolucionismo”. Um dos

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precursores dessa Antropologia de cunho evolucionista foi Edward B. Tylor (1832-


1917) que defendia uma unidade psíquica da humanidade, ou seja, todos os seres
humanos possuem a mesma capacidade mental, embora indicasse como os “orga-
nismos culturais” não civilizados, como os povos indígenas do Brasil, por exemplo,
estavam em estágios evolutivos inferiores. Porém, segundo Tylor afirmava, entre os
“primitivos” e os “civilizados” a diferença não era de “natureza humana”, mas de grau
evolutivo em que esses povos se encontravam no tempo. Uns estavam à frente, os
brancos europeus, e outros bem atrasados na linha evolutiva da humanidade, os na-
tivos negros e amarelos das sociedades tribais da Ásia, África, Américas e Oceania.
Imagem: Internet

Deus e Darwin, tirinha de Carlos Ruas.

O chargista aqui evoca através do humor duas concepções diferentes, uma cien-
tífica e outra religiosa, sobre a origem da vida: o evolucionismo de Charles Darwin e o
Criacionismo, pensamento teológico que defende a criação divina da vida.
A ciência, no geral, foi e tem sido tão importante para o mundo humano que as
instituições modernas como as empresas e os Estados foram e são montados des-
de então com os critérios dos pensamentos lógico-racional e técnico-científico. As-
sim como tudo hoje passa por explicações produzidas pelas diversas ciências: por
que chove? O que causa os terremotos? Como a vida surgiu na terra? Como e por
que ocorrem greves e revoltas dos trabalhadores? Que fatores sociais influenciam
no suicídio? Como pensamentos religiosos podem contribuir para a organização e
produção econômicas? Essas entre muitas outras questões possuem respostas nas
explicações dadas com autoridade e responsabilidade pelas ciências.
E, em síntese, as ciências sociais, como a Sociologia e a Antropologia, procuram
explicações racionais para tudo que nós fazemos, desfazemos, inventamos e des-
construímos em sociedade, nos nossos grupos e em qualquer estrutura social de que
façamos parte. Todas as ciências, inclusive as sociais, são herdeiras diretas dos movi-

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mentos intelectuais europeus dos séculos XVII e XVIII baseados na busca pela razão.
Movimentos levados a cabo por diferentes pessoas e grupos, mas que receberam
o rótulo de “Iluminismo”. Lembra na escola, das aulas de História? Pois sim. Movi-
mentos culturais formados por homens, na sua maioria, interessados em descobrir
e explicar de maneira lógica, racional e sistemática os fenômenos dos mundos natu-
rais, físicos e humanos: os “iluministas”. A palavra “Iluminismo” significava que essas
pessoas lançavam a luz da razão sobre as trevas da ignorância e do desconhecimento
que teria reinado durante a Idade Média europeia com a predominância dos conheci-
mentos místicos e religiosos.
A razão, a ciência, precisamente, passou a ser encarada como a responsável por
desvendar as verdadeiras causas de tudo que existe no mundo. E isto influenciou, de
modo muito específico, o surgimento de todas as ciências. O despertar da Sociologia
e da Antropologia, as ciências sociais que tratamos neste curso, assim, está precisa-
mente e estreitamente ligado a esta herança intelectual iluminista.

Quadro de intitulado “A philosopher lecturing


Imagem: Joseph Wright

with a mechanical planetary” (1766) do pintor


inglês Joseph Wright (1734-1797). Pintura co-
mumente usada para ilustrar o pensamento
iluminista com a metáfora da luz do conheci-
mento científico e racional que dissipa as tre-
vas da ignorância e do não saber.

Em tempo, antes do término de nossa aula virtual aqui é preciso ressaltar que
essas ciências sociais são consideradas filhas da modernidade. Por modernidade en-
tenda o mundo que se transformou com a emergência de determinados elementos
que hoje existem em praticamente todo o planeta: a industrialização e a urbanização
das cidades; a proletarização de parcelas consideráveis das populações que consti-
tuem os atuais Estados nacionais; a concepção cada vez mais abrangente de direitos
e deveres individuais e coletivos; o contínuo avanço técnico-científico, principalmen-
te afetando áreas como a saúde pública, os transportes e os meios de comunicação.
Este mundo moderno, neste âmbito, trouxe transformações perturbadoras
para as sociedades com a chegada de tais elementos elencados acima. Em poucas
décadas, as cidades europeias entre os séculos XVIII e XIX, antes de vida socioeco-
nômica majoritariamente fundada na agricultura e no modo de vida rural passaram a
ser o palco para indústrias com suas chaminés e seus batalhões de operários que en-
cheram tais lugares, acelerando a modificação dos costumes campesinos. As ciências
sociais, como a Sociologia, tomaram como objeto de estudo e de investigação todo
este cenário de mudanças.
No caso da Antropologia, de modo diferente, todas essas modernizações na Eu-
ropa entravam em contrastes com as sociedades tribais de outros lugares do planeta

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que ainda não tinham sofrido mudanças com a chegada dessa modernidade. Nos fins
do século XIX e inícios do XX, algumas populações nativas das ilhas do Pacífico Sul,
por exemplo, estavam ainda vivendo um estilo de vida tribal e eram vistos pelos colo-
nizadores europeus como “primitivos” e “não-civilizados”. A Antropologia, a ciência
social da diversidade cultural humana, teve quando surgiu, como se verá, nesses po-
vos chamados de “primitivos”, seus primeiros objetos de estudo.

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Sociologia e
Antropologia: formas
de consciência
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OBJETIVOS

Sociologia e Antropologia:
formas de consciência
Essa unidade tem como Objetivos de Aprendizagem:

• Identificar as bases teóricas e os princípios metodológicos da Sociologia e


Antropologia na formação de um olhar mais complexo sobre as realidades
sociais e culturais.
• Aplicar na vivência de qualquer contexto das relações humanas uma visão
para além das percepções individuais e do senso comum.
• Perceber a força e a influência do social e do cultural na formação de qual-
quer realidade humana.

COMPETÊNCIAS

E como competência:
Ter uma consciência inicial ou básica sobre as lógicas sociais e culturais
que fundamentam e movimentam os mais variados âmbitos das realidades
humanas.

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Para além de conhecimentos científicos, a Sociologia e a Antropologia podem
ser encaradas, também, como maneiras especiais de enxergar as dimensões sociais
e culturais das coletividades humanas. Ambas possibilitam, sem dúvidas, uma maior
compreensão e entendimento de nós mesmos e do mundo em que vivemos. Essas
ciências sociais e humanas, desde que entendidas como conhecimentos importantes
e legítimos podem, com certeza, contribuir para um mundo mais humano, mais justo,
mais consciencioso, mais ético, mais cidadão, mais responsável acerca dos nossos
direitos e deveres para conosco, para os outros, para todos e todas e para o planeta
e sua abundante vida.

Mas, será que servem para tudo isso mesmo essas ciências sociais?!
Respondo que servem para pensar melhor e, assim, proporcionar melhores estraté-
gias de ação para o mundo que queremos em conjunto.

Sociologia como forma de consciência


A Sociologia, de acordo com Bauman (2010), sociólogo polonês que foi radi-
cado na Inglaterra, tem a capacidade de desfamiliarizar o familiar. Este autor quer
dizer com isso que as questões sociológicas em face do mundo considerado familiar,
rotineiro e cotidiano, cheio de certezas e crenças, por vezes, inquestionáveis, podem
transformar aquilo que é evidente e comum em enigmas e inquietações. E isso tanto
pode incomodar como despertar uma nova consciência sobre as mais variadas di-
mensões da vida que vivemos.
Questionar sobre a existência e persistência da pobreza e desigualdade social,
por exemplo, pode incomodar algumas pessoas cuja situação socioeconômica lhes
confere alguma vantagem, assim como questionar sobre como nos conduzimos e
pensamos nas nossas congregações religiosas podem fazer alguns se ressentirem
pelo simples fato de ter sido questionado sobre o seu proceder no exercício de sua

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fé. Porém, continua Bauman (2010), essa desfamiliarização do familiar pode trazer
benefícios evidentes como abrir novas e insuspeitadas possibilidades de conviver
com mais consciência de si e mais compreensão do que nos cerca nos tornando indi-
víduos mais conscienciosos sobre a nossa realidade social.
Similar ao raciocínio de Bauman, para Berger (2010), sociólogo americano, a
Sociologia é, além de uma ciência do social, uma forma de consciência. Uma consciên-
cia que enxerga os fenômenos sociais para além da forma cotidiana e comum que
a maioria das pessoas os veem ou os entendem. Essa consciência sociológica é, em
outros termos, uma maneira de compreender que os fenômenos sociais e humanos
possuem diferentes níveis de significados para além dos comumente aceitos como
certos ou únicos. Vejamos o casamento, por exemplo. Aliás, exemplo sugerido por
Berger (2010) para fundamentar sua argumentação.
Desde por volta do século XVIII, mais ou menos, passou-se a acreditar, muito
mais nos países ocidentais e ocidentalizados, a partir de uma visão patriarcal e mo-
nogâmica, que homens e mulheres se casam porque estão apaixonados ou, para se
referir a um sentimento mais forte e nobre, o amor – como muitos acreditam –, as
pessoas se casariam porque se amam. Contudo, continua Berger, ao se investigar um
número significativo de casamentos percebe-se que o nobre e romântico sentimento
tenha pouca influência na decisão dos pombinhos para o casório. A flecha do cupido
costuma atingir, sugere Berger (2010), casais que se encontram por condições pari-
tárias de classe social, carreira profissional, nível de renda, grau de educação, afini-
dades religiosas e que, por vezes, possuem motivações não tão românticas, como
segurança econômica e, em certos casos, por ambição de poder e prestígio.
Todavia, alerta Berger (2010), não é que a crença no amor seja uma ilusão, mas
é que a Sociologia deve enxergar além quando tratar de relações afetivas e de casa-
mentos nas nossas sociedades contemporâneas. Todas essas variantes antes mencio-
nadas sobre as condições e motivações do casamento podem estar como que escon-
didas do olhar comum pela crença nesse sentimento arrebatador (como acreditam
as nossas mentes românticas e religiosas) que é o amor. A consciência sociológica é,
assim, inegavelmente desmistificadora.

O sociólogo polonês, Zygmunt Bau-


man (1925-2017), aborda a ques-
tão dos relacionamentos afetivos
nos tempos atuais nesta obra com
a sua metáfora da liquidez. O amor
líquido, em resumo, indica o atual
Imagem: Internet

estágio de fragilidade das relações


humanas em todas as esferas da
vida. Os relacionamentos amorosos
estariam cada vez mais abertos e
flexíveis o que geraria maiores níveis
de insegurança para os enamorados.
O olhar sociológico certamente nos
incita a enxergar de modo diferen-
te sobre a realidade que, por vezes,
nem imaginamos questionar.

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Vamos para outro exemplo: você acredita que os jogadores de futebol no Brasil
ganham muito bem? Ser jogador de futebol é sinônimo de “se dar bem na vida” aqui
no país do futebol? Segundo matéria jornalística do site da revista Época de feve-
reiro de 2016, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tinha registrado 28.203
atletas profissionais, e desses um total de 23.238 ganhavam até R$ 1000,00 mensais
no ano de 2015. Assim, a enorme maioria desses jogadores no Brasil ganha a mesma
coisa que um servente de pedreiro com carteira assinada, categoria que segundo da-
dos de 2016 do Ministério do Trabalho teve média salarial de R$ 1000,17. De acordo
com as informações da reportagem, em fevereiro de 2016, 226 jogadores no Brasil
tinham vencimentos mensais nos seus contracheques de mais de R$ 50.000,00. En-
tretanto, esses jogadores representam apenas 0,8% da população total de atletas
profissionais do futebol brasileiro, aqueles que estão devidamente registrados pela
CBF. Repito: 0,8% dos jogadores de futebol profissional no Brasil ganhavam acima de
50 mil reais no ano de 2016.
Existem algumas razões que explicam tamanha desigualdade de oportunida-
des, as mesmas razões em muitos países onde o futebol é um grande negócio para al-
gumas poucas empresas: “no Brasil e na Inglaterra, por exemplos, os clubes do topo
dispararam em arrecadação depois que valorizaram contratos de televisão e patro-
cínio, reformaram estádios e criaram programas de associação. Os times de baixo
continuam sem ter acesso a essas fontes de receita.”2 A reportagem citada sobre o
mundo do futebol nos ajuda e muito a desmistificarmos uma crença corriqueira de
que o jogador de futebol ganha muito dinheiro no Brasil e no mundo. Corrigindo,
poucos, muito poucos ganham sim. Há nessa matéria jornalística, na verdade, bastan-
te dessa consciência desmistificadora própria da Sociologia.
Como ciência social a Sociologia investiga e demonstra as lógicas que movimen-
tam ou dão sustentação aos mais variados aspectos da realidade social, seja o casa-
mento ou a vida profissional no Futebol. Como forma de consciência a Sociologia, en-
tão, pode fazer enxergar para além das fachadas ou das superfícies das estruturas e
dos fenômenos sociais. Uma consciência sociológica, assim, desmistifica “verdades”
ou crenças como as que dizem que o casamento é um ato de amor ou que jogador de
futebol ganha muito dinheiro.

Antropologia como modificação do olhar


A ciência antropológica que surge no século XIX se propondo a estudar as cultu-
ras “não europeias” ou “não civilizadas” pode ser entendida como uma forma de co-
nhecer outras culturas (AZCONA, 1992). A Antropologia é, sugere Rocha (1994), uma
ciência que vê as diferenças culturais como a maneira pela qual os seres humanos de-
ram soluções as mais diversas para os limites existenciais comuns. Como consciência,
essa ciência é capaz de quebrar os preconceitos mais corriqueiros e ordinários sobre
as diversidades culturais e sociais que nos cercam. É, enfim, um conhecimento sobre
as diferentes formas de viver de “outros” seres humanos que, por vezes, percebe-
mos como “estranhos”, “esquisitos”, “doidões” e, em alguns casos, como “selvagens”

2 Disponível em: http://epoca.globo.com/vida/esporte/noticia/2016/02/que-riqueza-quatro-em-cada-cinco-jogadores-de-fute-


bol-no-brasil-ganham-ate-r-1000.html; acesso em 11/12/2016.

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e, mesmo, como “não humanos”. O conhecimento produzido por essa ciência social
ao longo de sua existência é, certamente, um testemunho dos muitos “outros”, tanto
os que ficam perto como os que ficam longe de nós, geograficamente falando, cujas
formas de existência serão sempre a presença do humano em sua singularidade (RO-
CHA, 1994).
A Antropologia, quando dos seus inícios como ciência na Europa do século
XIX, se ocupou em estudar as “sociedades longínquas” as quais, sublinha Laplantine
(2012), possuíam características comuns: sociedades de dimensões restritas; de pou-
cos contatos com outras sociedades ou povos; de tecnologia pouco desenvolvida; e
com pouca especialização das atividades e funções sociais, ou seja, de pequena di-
visão social do trabalho. Tais sociedades foram também rotuladas, ainda nos inícios
dessa ciência, como “simples”, “primitivas” ou “selvagens”. Neste sentido, a Antro-
pologia, naquele começo, atribuía a si o estudo das populações humanas que não
pertenciam à “civilização ocidental”.
Todavia, caros estudantes, a Antropologia logo se deparou com um grande pro-
blema: o seu objeto de estudo, as sociedades “simples” ou “primitivas” estariam, se-
gundo alguns antropólogos, desaparecendo. Tal preocupação se deu por conta do
avanço da “civilização ocidental” por todo o planeta.
No século XIX, o Neocolonialismo europeu na África e Ásia conjugado com a ex-
pansão do capitalismo industrial e financeiro pelo mundo espalhava aos povos “não
civilizados” não apenas as mercadorias das indústrias europeias, mas todo um modo
de vida urbano e de consumo, próprio das sociedades ocidentais.
O Brasil é um exemplo de um país fundado primeiramente sob o quase total
aniquilamento físico e cultural de variados povos que aqui viviam antes das chegadas
das naus europeias que vieram “descobrir” e invadir um território já descoberto e
ocupado há milhares de anos. No século XIX, o Brasil passou pela remodelação civili-
zadora oriunda da Revolução Industrial na Europa. Remodelação que atingiu os mo-
dos de vida de sua população, mudando devagar os costumes da vida de base agrária
e rural para os inícios de um convívio urbano embasado no consumo. Não apenas o
Brasil, mais a grande maioria dos países não europeus pelo mundo passaram por es-
sas mudanças se transformando em países “ocidentalizados”.
E justamente diante desse processo de mudanças pelo mundo encabeçado pela
Europa no século XIX que a Antropologia se deparou com o desaparecimento do seu
objeto de estudo: as sociedades “não civilizadas”. Tal acontecimento recebeu mesmo
o nome de a “morte do primitivo”. Contudo, a Antropologia não sucumbiria. Segundo
Laplantine (2012, p. 16), o objeto teórico desta ciência social não está ligado a um
espaço geográfico, cultural ou histórico em particular: “A Antropologia não é senão
um certo olhar, um certo enfoque que consiste em: a) o estudo do homem inteiro; b)
o estudo do homem em todas as sociedades, sob todas as latitudes em todos os seus
estados e em todas as épocas.” Para este autor, a Antropologia é o estudo do ser
humano em sua integridade, considerando as múltiplas dimensões que o compõem
em sua sociedade.
Ciência pretensiosa! – pode pensar o mais intrigado e inquieto leitor ou leito-
ra. Talvez! Mas é justamente neste caminho de ver o “ser humano inteiro” inserido
nos contextos socioculturais de que ele é o produto e, ao mesmo tempo, produtor,
que a Antropologia procura enxergar todos os aspectos que constituem as socieda-

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des: os modos de produção econômica, a tecnologia, a organização política, os siste-


mas de parentesco, os sistemas de conhecimento, as crenças religiosas, a língua, as
formas de pensar, as criações artísticas. Não é, destaque-se, que essa ciência social
deva fazer um levantamento de todos esses aspectos nos seus mínimos detalhes,
nas suas investigações, mas ela deve demonstrar a maneira particular com a qual
estão relacionados entre si e por meio da qual aparecem essas especificidades ou
particularidades das sociedades (LAPLANTINE, 2012). A Antropologia é, enfim, con-
forme Laplantine, o ponto de vista da totalidade.
Entretanto, a abordagem antropológica não trata apenas do estudo de tudo
que compõe uma sociedade, lembra Laplantine, ela trata das culturas humanas como
um todo em suas particularidades. Ela é também, além do estudo do ser humano por
inteiro, o estudo do ser humano em sua diversidade. O olhar antropológico é esta
capacidade de enxergar o diverso, o diferente, os “outros”, aqueles que são costu-
meiramente tomados como “estranhos” ou “exóticos” na inteireza de sua humani-
dade. A Antropologia, por fim, pode ser entendida como a ciência que provoca uma
modificação do olhar. Olhar que se modifica sobre os outros e que se volta para si
mesmo quando nos entendemos como integrantes de uma cultura assim como aque-
les “estranhos” e “esquisitos” também o são.
Imagem: Internet

O olhar antropológico é, sobretudo, o olhar sobre a diversidade humana, sobre as diferenças.


Desenvolver uma consciência antropológica é reconhecer os “outros”,
os “diferentes”, na integralidade de sua humanidade.

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REFERÊNCIAS

AZCONA, Jesus. Antropologia I (História). Petrópoles: Vozes, 1992.

BAUMAN, Zygmunt e MAY, Tim. Aprendendo a Pensar com a Sociologia. Rio


de Janeiro: Zahar, 2010.

BERGER, Peter. Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística. 30ª ed.


Petrópolis-RJ: Vozes, 2010.

LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Editora Brasilien-


se, 2012.

ROCHA, Everardo. O que é Etnocentrismo. 11ª ed. São Paulo: Brasiliense,


1994.

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