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Como argumentei anteriormente (Sarti, 2014), as políticas de

memória constituem uma forma particular de escuta. Instauram


indubitavelmente lugares de escuta, tornando possível a
palavra e o reconheci-mento do discurso daqueles que
sofreram a violência de Estado. Instituem, no entanto, as
formas pelas quais a violência deve ser dita e escutada.
No curso das vidas das vítimas de violência de Estado, as lembranças sobre o que sofreram se
inscreve no presente, em um processo de auto-criação elaborado em diálogo entre indivíduo e
sociedade.

A própria figura da testemunha se constitui não somente como a pessoa que esteve presente
ou que sofreu os atos de violência, mas como um terceiro a quem essa violência é narrada. Há
portanto um caráter social nesse processo testemunhal

O reconhecimento da experiência de violência por parte do


outro torna-se, assim, uma condição de possibilidade da
elaboração da violência sofrida. Nos casos da violência política,
essa possibilidade está diretamente relacionada ao lugar que
os acontecimentos adquirem no plano da esfera pública.
Para chegar a esse valor diferencial dos corpos e da vida, e
tratar das contra-dições que o mesmo traz em relação ao
princípio universal dos Direitos Huma-nos, Asad (2011) faz uma
exegese dos termos do texto da Declaração – tortura,
tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante – para
falar de como as sensibilidades morais relativas a infligir dor ao
outro – a inflição deliberada da dor – têm sido formadas na
sociedade secular moderna, evidenciando que as práticas
cruéis são toleradas em relação a alguns corpos

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