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Fichamento:

MISSE, Michel. Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre
a categoria" bandido". Lua Nova: Revista de Cultura e Política, p. 15-38, 2010.
Crime, sujeito e sujeição criminal aspectos de uma contribuição
analítica sobre a categoria “bandido”

Outro análise significativa que esteja a linha da teoria da rotulação é a partir


do artigo “Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica
sobre a categoria ‘bandido’”, de Michel Misse. Ele inicia o texto trazendo a lógica de
que existem muitas contribuições recentes á teoria do sujeito e estas argumentam que a
experiencia de se tornar sujeito está vinculada fundamentalmente a experiência da
subjugação. Nesse sentido, o sujeito seria o pressuposto da agência, já que não se pode
explicá-la sem a intervenção ativa que contrapõe a estrutura.
Se tornarmos estrutura como poder (mesmo no sentido weberiano),
então a experiencia da sujeição (no sentido de subjugação,
subordinação, assujetissement) seria também o processo através do
qual a subjetivação – a emergência do sujeito- se ativa como
contraposto da estrutura, como ação negadora. O sujeito nesse sentido,
é o efeito de ser posto pela estrutura (poder) e de emergir como seu ser
contraposto e reflexivo (potência)(Misse,2010:15)

Misse completa que é desta forma que Foucault, entre outros autores, se
propõem a responder ao persistente paradoxo demarcado sociologicamente sobre a ação
reflexiva e a interação sem perder de vista suas determinações particulares a partir de
um ângulo de quem se encontra subalterno. Estas perspectivas tendem a colocar o
sujeito social, que emerge da experiencia da subordinação, como um sujeito
revolucionário quer propor novos valores. Sobre isso, exemplifica: valores marxistas;
questões de gênero e feminismo; movimento gay, hoje interpretado como LGBTQIA+;
ecologia etc (Misse,2010)

Segundo ele, esses sujeitos não são interpretados a partir de uma lógica egoísta,
voltado para si ou para o seu grupo de forma cética quanto á necessidade do outro que
não seja esteja sob forma da subordinação também. Ou seja, raramente o sujeito que
emerge da experiencia da subordinação é pensado como sujeito que subordina ou que
subjuga, que produz outros assujeitamentos e, portanto, também outros sujeitos
(Misse,2010:16)
Com isso posto, o autor chama atenção para que tomemos cuidado ao usarmos
como lupa a negação como sujeito para que não tendamos a cair em novos paradoxos,
entre eles o conflito entre a ação e a estrutura. Misse indica indagações instigando o
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leitor a refletir: Afinal, o que queremos dizer quando afirmamos que o “ator pensa”,
que o “ator sofre”, que o “ator ama”. Pensar, sofrer e amar não são categorias
assimiláveis analiticamente nem a estrutura, nem aos papeis, nem ao ator e nem a
agência (Misse,2010)
Afirma que a sociologia convencional tende a esquivar-se desses problemas
refutando a discussão sobre o processe de subjetivação á psicologia, á psicanálise, á
filosofia, e aos que chamamos de cutural studies. Esta perspectiva defende no plano da
microssociologia a autonomia constitutiva da interação social através dos conceitos
clássicos de self, identidade social, ator social papéis e status sociais. Para ligar estes
conceitos interacionistas com o plano de estrutura, das instituições, das práticas e da
ação coletiva, esta perspectiva interacionista recorre á noção de agência (Misse,2010)
O autor escreve uma crítica elencando as obras de Erving Goffman e Howard
Becker, como exemplos. Estas, segundo ele, evitam o confronto direto com a categoria
implícita do sujeito e preferem permanecer no ocultamento tático do sujeito sob o self1
social.
Indica que suas pesquisas o conduziram á constatação de que há vários tipos
de subjetivação que processam um sujeito não revolucionário, não democrático, não
igualitário e não voltado para um bem comum. O mais conhecido desses tipos citados
por ele, é o sujeito que no cenário brasileiro é rotulado como bandido2.
[...] o sujeito criminal que é produzido pela interpretação da polícia,
da moralidade publica e das leis penais. Não é qualquer sujeito
incriminado, mas um sujeito por assim dizer “especial”, aquele cuja
morte ou desaparecimento podem ser amplamente desejados. Ele é
agente de práticas criminais para as quais são atribuídos os
sentimentos morais mais repulsivos, o sujeito ao qual se reserva a
reação moral mais forte e, por conseguinte, a punição mais dura: seja
o desejo de sua definitiva incapacitação pela morte física, seja o ideal
de sua reconversão à moral e à sociedade que o acusa. O eufemismo
de “ressocialização” ou de “reinserção social” acusa, aqui, por denotá-
la, a “autonomia” desse “sujeito”, e paradoxalmente a sua “não
sujeição” às regras da sociedade (Misse,2010:17)

A pesquisa se propor analisar a constatação de uma complexa afinidade entre


certas práticas criminais – as que acabam por provocar um abrangente sentimento de
insegurança na vida cotidiana das cidades- e certos “tipos sociais” de agentes aos quais
são demarcados, e acusados, socialmente pela pobreza; pela cor, raça e etnia e pelo
estilo de vida. Seus crimes os diferenciam de todos os outros autores de crime, não são
1
Explicar o que é self aqui
2
Explicar o que é bandido aqui
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apenas criminosos, mas também “marginais”, “violentos”, “bandidos”


(MISSE,2010,p.18).
A questão a qual chama atenção do autor envolve a constatação de uma
complexa afinidade entre certas praticas criminais; mas especificamente as que
provocam abrangente sentimento de insegurança na vida cotidiana das cidades; e certos
“tipos sociais” de agentes demarcados, e ou acusados socialmente pela pobreza, cor da
pele e estilo de vida. Os crimes atuados por estes tipos descritos, segundo Misse, os
diferenciam de todos os outros autores de crimes, pois os colocam em uma categoria
que vai além de serem apenas criminosos, são “marginais”, “violentos”, “bandidos”.3
O autor aponta para um processo titulado “acumulação social da violência”,
que nas palavras dele:
[...] É como se alguns fatores sociais se alimentassem reciprocamente
em algo como uma causação circular acumulativa, gerando, de um
lado, acumulação de desvantagens para um segmento da população e,
de outro, estratégias aquisitivas partilhadas tanto por agentes criminais
quanto por agentes encarregados de reprimi-los, de um modo que
ganhou diferentes graus de legitimação em importantes camadas da
sociedade mais abrangente (Misse,2010:18)

Além da acumulação de desvantagens e incriminação preventiva de certos tipos


sociais, o autor denuncia o desenvolvimento de um persistente processo de “sujeição
criminal” de uma parcela específica de agentes de práticas criminais. Para explicarmos
sobre o que o autor chama de sujeição criminal, vê-se a necessidade de destacar que, no
Brasil, a partir de 1950, o solo se fez fértil para processos que visavam eliminar
fisicamente os criminosos comuns, até mesmo quando a “periculosidade” dos mesmos
não servia como justificativa para tal reação. Vinganças contra pequenos ladrões, por
exemplo, eram caracterizadas por torturas em rituais públicos apostando na degradação
e na crueldade.
Esta forma de punição se dava a partir da justificativa de que, para tais sujeitos,
o “mau-caráter” era incorrigível, e sua subjetividade era essencialmente criminosa, não
abrindo espaço para uma potencial recuperação. Aqui, Misse nos ajuda a compreender a
legitimação de sucessivos esquadrões da morte, a difusão dos grupos de extermínio e a
confusão moral de praticar crimes para “justificativamente” punir crimes. Estes so
poderiam existir durante tanto tempo pois há um tipo de ambientação social que busca
este tipo de resposta (Misse,2010)

3
Necessidade das aspas nestas expressões se da pois interpretamos, assim como o autor, que estes rótulos
não condizem com o que r....
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O contexto exposto acima denuncia processos violentos a partir de uma lógica


discriminatória. Uma parcela da população de status e poder socioeconômico elevado,
os que ditam as regras seguidas do jogo de sobrevivência brasileiro, determina que
alguns tipos sociais são perigosos naturalmente, e que para estes não existe processo ao
qual eles possam se submeter para a reinserção social. O autor também destaca
preocupação com esta expressão “reinserção social”, pois por si denuncia uma
segregação, uma marginalização da convivência social.
Portanto, os que cometem crimes e estão dentro das categorias escolhidas como
“irrecuperáveis”, não tem a mesma chance de ser punido de forma que, após o período
de reclusão, ele esteja apto a recuperar os seus laços sociais deixados pra traz. A estes o
desejo de morte ou minimamente expulsão é legitimado por uma ideologia alimentada
cotidianamente para marginalização de corpos pobres e negros.
Notamos que, a sujeição criminal ganha uma nova dimensão quando o
mercado de trabalho ilegal, deixa de ter como principal dinâmica o jogo do bicho por
exemplo, e passa a ser direcionado para um mercado “altamente lucrativo, relativamente
desorganizado e amplamente disseminado”. É o varejo de drogas ilícitas, com destaque
para a cocaína.
Com isso, o cenário passa a abarcar redes de quadrilhas constituídas dentro de
diferentes aglomerados urbanos de baixa renda: as favelas, conjuntos habitacionais, e
periferias no geral.
[...] pontos de venda fixos, guarnecidos por “soltados”, a partir dos
quais pequenos vendedores, os “vapores”, oferecem a mercadoria a
usuários locais ou que vêm de outras partes da cidade. Naturalmente,
toda a área desses “pontos de venda” terminava confundindo-se assim
num “território” do tráfico a ser defendido, a ferro e fogo, de outras
redes de quadrilhas e das incursões da polícia (Misse,2010:20)

Ou seja, essa associação entre o tráfico de drogas e a violência deve-se ao


surgimento de quadrilhas que controlam territórios nas periferias, levando a conflitos
com outras quadrilhas de outras áreas com outros pontos de venda. Diante do baixo
poder aquisitivo da população daqueles que operam nestes territórios, os moradores
acabam entrando em um esquema de consignação de vendas no qual a dívida é paga
com a morte.
O autor, fez questão de explicar que o tráfico de drogas que atende as elites e
às classes medias, do mundo todo, inclusive no Brasil, não se associa da mesma maneira
com a questão da violência, principalmente, porque o processo é operado por indivíduos
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e não por quadrilhas, resultando em uma relação direta com o consumidor com entregas
a domicílio ou em lugares combinados. Portanto, segundo o autor, não há relação
necessária entre as drogas ilícitas e a violência ao menos que o tráfico se territorize,
operando através de jovens pobres que são submetidos ao sistema da consignação de
vendas e submissão ao chefe da quadrilha (Misse,2006)
A partir do que chamamos aqui de nova dimensão, podemos aduzir que a
sujeição criminal também ganha contatos espaciais. Todos os que residem e frequentam
estes locais são sujeitos a um rotulo, inclusive as crianças e adolescentes da área. O
autor Misse afirma que a sujeição criminal, não pode ser compreendida exclusivamente
apenas no plano da interação contextual e do desempenho de papeis sociais. Esta, se
mostra ancorada num plano macro de acumulação social da violência.
[...] tipos sociais constituídos e representados por sujeitos criminais
produzidos em contextos sócio-históricos determinados. Aqui a
sujeição criminal poderia ser compreendida, ao mesmo tempo, como
um processo de subjetivação e o resultado desse processo para o ponto
de vista da sociedade mais abrangente que o representa como um
mundo à parte. Por exemplo, “o mundo do crime”, que representa as
pessoas que “fazem parte” desse mundo (como “malandros”,
“marginais”, “traficantes”, “bandidos”) como sujeitos criminosos
(Misse,2010:21)

[...] Também por isso podemos considerar que a sujeição criminal é


um processo de criminação de sujeitos, e não de cursos de ação. Trata-
se de um sujeito que “carrega” o crime em sua calma; não é alguém
que comete crimes, mas que sempre cometera crimes, um bandido, um
sujeito perigoso, um sujeito irrecuperável, alguém que se pode desejar
naturalmente que morra, que pode ser morto, que seja matavel. No
limite da sujeição criminal, o sujeito criminoso é aquele que pode ser
morto (Misse,2010:21)

Esta passagem do artigo de Misse nos permite refletir tanto sobre a construção
idearia deste sujeito incriminável e irrecuperável, mas também sobre o que é crime no
geral. Mais pra frente o autor nos direciona a interpretar o crime a partir da logica
durkheimiana a qual o crime em si, não existe, portanto o que entendemos como crime
e como criminoso advém da reação social ao crime e ao seu autor.
Pensar através desta logica permite que possamos compreender, segundo
Misse, que a acusação social que constrói o criminoso, que coincide com o inicio de um
processo de incriminação, é sempre resultante de uma interpretação contextualizada
entre os agentes.
[...] Evidentemente, há uma pauta classificatória dos crimes ( o
Codigo Penal, por exemplo) que é anterior e exterior ao evento e
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que é tomada como referência; mas essa pauta não existe senão
no processo social que a aplica, que a interpreta, que a
contextualiza ou que a despreza. E há, também a sensibilidade
jurídica local, que nem sempre coincide ou concorda com os
códigos peritos. O crime é definido primeiramente no plano das
moralidades que se tornam hegemônicas e cuja vitória será
inscrita posteriormente nos códigos jurídicos (Missa,2010,22)

A teoria da rotulação, a qual nos referimos nesta seara como ponto de partida
da nossa análise, destaca um processo de internalização deste sujeito “rotulado”, este
atribui a si mesmo dimensões que, socialmente, acabam por sobrepor o que entendemos
por identidade social. O sujeito rotulado tende a ter uma auto concepção de si e de suas
ações, que se conforma com a imagem a qual foi atribuída a ele, a imagem desviante a
qual foi imposto.
A sujeição criminal destacada pelo autor, aponta esse mesmo processo, mas
evidencia a potência de uma sociedade marcada por desigualdades sociais profundas,
onde muitos estão sob forte privação de recursos que possam permitir resistência a esta
estigmatização e a dominação. Aquele que recebe este rotulo de “bandido” possui
poucos espaços ao qual possibilita negociar, manipular ou abandonar a identidade
publica estigmatizada, ou seja, o indivíduo não tem como se defender desta imposição.
[...] Assim, o conceito de sujeição criminal engloba processos de
rotulação, estigmatização e tipificação numa única identidade social,
especificamente ligada ao processo de incriminação e não como um
caso particular de desvio. Entre esse self socialmente degradado e
subjugado pelo horizonte de risco de uma morte iminente, sem
sentença e sem qualquer gloria, e a emergência de um sujeito criminal
inteiramente egoísta e indiferente ao destino dos outros, retificado em
seu próprio atributo social, estende-se ao continuum de dimensões do
conceito.

Entendemos que o conceito “sujeição criminal”, se encaixa com o que


interpretamos da questão social e racial brasileira, afinal não se trata apenas de um
rotulo arbitrário ou resultado de significações morais apenas, mas sim de um processo
social que condensa determinadas praticas com seus agentes sob uma classificação
social relativamente estável, recorrente e enquanto tal, legitima. O autor destaca que há
uma estruturação nesta produção social referente a sujeição criminal, mas “cada evento
so é capturado nessa estruturação se ‘fizer sentido’ para muitos indivíduos, inclusive
para o próprio acusado” (Missa,2010:24)
Misse indica que o conceito é proposto com a finalidade de determinar três
dimensões incorporadas sob a representação social do que se entende por “bandido”. A
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primeira, é a que seleciona um agente a partir da sua trajetória criminável, diferenciando


este dos demais agentes sociais através de expectativas de que haverá, em algum
momento, uma postura incriminável.
No Brasil, temos a interpretação social de que determinados territórios urbanos,
sobretudo favelas, comunidades e periferias, são repletos de moradores que estão
predispostos ao crime. A estes lugares são atribuídos características como : indivíduos
pobres, de vivência limitada diante de estações comuns como transporte público,
moradia licenciada e adequada, saneamento básico, baixa escolaridade, e sobretudo,
majoritariamente negros e pardos.
Ao adicionarmos, em cima desta questão descrita acima, a logica explicada
sobre a sujeição criminal, podemos aduzir brevemente que, estes indivíduos, moradores
destes espaços, são, necessariamente, pessoas que em algum momento cometerão um
crime. Ou seja, o indivíduo que nasce neste local e permanece nele no seu
desenvolvimento esta propenso ao “mundo do crime”. Ele já nasce rotulado, mercado
pela questão social, questão espacial e questão racial.
A segunda dimensão tratada pelo autor, é a que espera que esses indivíduos
tenham uma “experiencia social” específica obtida através das suas relações com outros
bandidos e/ou experiencia penitenciaria. Se o agente nasce neste local com tais
características, você, em algum momento cometera crimes, inclusive pois tem exemplos
práticos de como agir para isso. Todas as técnicas criminais estão á disposição através
das relações e interações entre outros da mesma categoria. É esperado que estes agentes
se comuniquem entre si e repassem informações sobre este “mundo do crime”.
A terceira dimensão, diz respeito a sua subjetividade e a uma dupla expectativa
a respeito de sua autoidentidade. Acredita-se que o agente nai poderá justificar de forma
sensata, o seu curso de ação ou, ao contrário:
[...] a crença em uma justificação que se espera que esse agente dê
( ou que possa ser data legitimamente a ele) para explicar por que
segue reiteradamente nesse curso de ação criminável. Praticas
criminais são todas as praticas crimináveis, esto é, que tem chance
objetiva, numa dada sociedade e data uma determinada “definição da
situação”, de serem criminadas e cujo o agente sabe ter chance
objetiva de ser submetido a um processo de incriminação
(Misse,2010:24)

Representações do que se entende por “periculosidade”, de


“irrecuperabilidade”, de “crueldade”, são processos que permitem uma subjugação forte
suficiente para justificação do extermínio do sujeito criminal. Estes sujeitos são
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matáveis. Nascem rotulados e marcados para morrer. Entre os conflitos de guerra, entre
os policiais, aos quais fazem a vez de representarem a ordem e manifestação da lei em
prática

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