EXPLICAÇÃO SOCIOLÓGICA CRIMINALIDADE E EXPLICAÇÃO SOCIOLÓGICA
O crime, como o desrespeito intencional da ordem estabelecida, foi sempre,
desde o início do desenvolvimento da Sociologia, uma preocupação para os sociólogos. Durkheim foi um dos primeiros a estudar o comportamento anômico, ou seja, fora das regras sociais. Dizia ele que as normas sociais permitiam sempre uma margem de manobra, dando certa liberdade para um comportamento diferente das prescrições sociais. Muitas vezes, esse comportamento, aparentemente dissidente, torna-se funcional em relação à organização e à dinâmica social e engendra a solução de conflitos.
Assim, dentro de certos limites, o desrespeito às normas pode ser
funcional em relação à sociedade, na medida em que explora a flexibilidade das próprias normas sociais. Uma das grandes contribuições da teoria durkheimiana foi introduzir no estudo da criminalidade uma proposta não individualista, ou seja, o desvio sendo pensado como uma possibilidade aberta pela própria sociedade e por suas normas, e não como resultado de uma personalidade desviante ou criminosa. O cientista social Robert K. Merton, por sua vez, procurou explicar o desvio como uma prática resultante da própria sociedade, que oferece objetivos comuns, mas restringe a poucos os meios para alcançá-los e faz com que parte dos sujeitos procure outras formas de atingi-los. Estudos posteriores sobre grupos delinquentes explicam que, não conseguindo obter o sucesso social supervalorizado pela sociedade, jovens veem na delinquência (compor-tamento não previsto ou legitimado pela sociedade) uma forma desviante de afirmação social.
As teorias interacionistas tendem a qualificar o desvio como resultado
da rotulagem de certos grupos tidos como não integrados socialmente, como inadaptados, pelo julgamento dominante na sociedade. Um mesmo comportamento, segundo o sociólogo Howard Becker, pode ser considerado normal, se for apresentado pela elite ou pelas camadas mais elevadas da sociedade, e pode ser rotulado de incorreto ou desviante, se disser respeito a indivíduos das classes menos favorecidas. As gangues são grupos de indivíduos que atuam à margem da sociedade. Possuem uma identidade comum e especializam-se em atividades ilegais ligadas, geralmente, ao crime organizado, como tráfico de drogas e de pessoas, roubos e assaltos, jogo clandestino, contrabando etc. Na foto, jovens fortemente armados pertencentes a uma facção do crime organizado da favela do Vidigal (Rio de Janeiro, 2004). Para os marxistas, todavia, o comportamento desviante é resultado de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais. Nesse caso, a sociedade baseada na propriedade privada, na acumulação, na hegemonia de uma classe dominante, relega um grande contingente da população à pobreza e às más condições de vida. Sair dessa situação não depende do valor individual dos sujeitos, mas de uma transformação revolucionária da sociedade que, quando não ocorre, leva ao comportamento desviante ou criminoso. Essas teorias tendem a responsabilizar a sociedade pela criminalidade que nela ocorre. Os processos de globalização e metropolização da sociedade contemporânea provocam o crescimento de um processo de desenraizamento das pessoas — migração, desestruturação familiar, ruptura em relação às culturas de origem, falta de acesso a bens tecnológicos e sociais — e levam a uma criminalidade endêmica e à formação de grupos marginalizados que passam a agir de acordo com suas próprias regras. Essas teorias explicariam o crescimento das ações criminosas e o aumento estatístico da criminalidade, especialmente nas maiores cidades, onde crescem a marginalidade, a exclusão e a vida em guetos sociais. Todas essas teorias procuram explicar por que, numa sociedade cada vez mais vigiada e regulamentada, proliferam as atitudes consideradas ilegais e criminosas, na maioria das vezes ligadas ao uso da violência na prática de roubos e assaltos, geralmente relacionados ao crime organizado. Esse cenário social tem desafiado as análises sociológicas especialmente por recrudescerem em uma sociedade que se congratula com um grande desenvolvimento tecnológico e produtivo. A VIOLÊNCIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
O Brasil tem sido cenário de violência em todos os períodos de sua história.
Colonizadores impuseram controle sobre o território e a população indígena por meio de práticas que exorbitavam em violência. Passamos por séculos de escravidão africana de inapagável violência, além de termos sofrido invasões e conquistas de nações estrangeiras. O território manteve-se unido graças ao exercício indiscriminado da força, como no caso do esquartejamento de Tiradentes, um dos líderes da Inconfidência Mineira, mostrando que as revoltas eram duramente reprimidas. Embora nossa independência não tenha exigido grandes guerras contra os portugueses e a proclamação da República tenha sido incruenta, sem lutas ou participação popular, passamos, posteriormente, por guerras contra nações vizinhas. A vastidão do território contribuiu para a proliferação de poderes regionais e locais, amparados pela posse de terra e pela manutenção de grupos armados de defesa privada. As disputas entre eles e contra as forças do Estado inspiraram artistas e intelectuais.
Passamos por dois períodos
longos de rígidas ditaduras — o Estado Novo, de Getúlio Vargas (1937-1945), e a ditadura civil- militar (1964-1985) — nas quais todo tipo de arbitrariedade e violência foi cometido. Toda essa conturbada história nos legou instituições democráticas frágeis e uma débil cidadania. Apesar de sermos um povo altamente miscigenado e etnicamente diversificado, termos herdado de indígenas e africanos uma sociabilidade fácil e extrovertida e manifestarmos uma forte religiosidade, temos uma cultura que promove atitudes autoritárias e o constante uso da força como um dos recursos para qualquer tipo de conflito. Paulo Sérgio Pinheiro, um dos nomes da Sociologia, estudioso da violência, assim resume esse quadro social: Esse tem sido o panorama descrito pelos estudos da violência no Brasil, o qual não difere nos demais países da América Latina, cuja história reproduz um mesmo modelo de formação nacional colonial, de exploração e agroexportadora. Assim, guardadas as devidas diferenças, o cenário da violência endêmica caracteriza essa parte do continente americano. Os estudos sobre a violência na América Latina têm apelado para um conceito auxiliar capaz de explicar esses paradoxos — é o de vulnerabilidade, ou seja, a violência endêmica é provocada pela situação em que se encontra parte expressiva da população, exposta à insuficiência de recursos materiais e sociais, à inacessibilidade à estrutura de oportunidades existente na sociedade, à dificuldade de mobilidade e ascensão social. A população que se encontra nessas condições é considerada vulnerável ou em situação de risco, e sobre ela recaem, de uma forma ou de outra, as ações violentas.
O combate à violência está na luta contra essa situação de vulnerabilidade
das populações, e não apenas, como se tem pensado até o momento, na penalização dos agentes de violência. As políticas públicas, de acordo com esses estudos, deveriam dirigir-se para a redução das situações de risco, tais como a diminuição das desigualdades sociais, o combate às formas existentes de apartheid ou segregação social, o fortalecimento e a preservação das estruturas familiares e a universalização da educação. O conceito de vulnerabilidade veio substituir o termo anteriormente usado para definir esses contingentes populacionais, que era o de marginalidade. Considera-se hoje que essa população não se encontra marginalizada da sociedade — moram nos grandes centros, trabalham, consomem e votam. As relações que estabelecem com a sociedade, entretanto, são precárias, temporárias, inconsistentes, e é isso que os torna vulneráveis. Isso possibilita que, ao seu redor, se estabeleçam e proliferem redes de criminalidade e sejam usados, cada vez mais, recursos de violência.
Fortalecer a sua inserção na
sociedade, estabelecer relações sociais consistentes com as instituições sociais e dar-lhes acesso aos direitos sociais e à cidadania é, atualmente, a solução preconizada para a luta contra a violência.
Os engenheiros do caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições