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Não deve nem pode ser uma ciência surreal, desligada da realidade e dos atores
sociais2.
Os tipos penais incriminadores não constituem puras criações abstratas do
legislador, nem o legislador tem ampla liberdade para criar um tipo de crime sem
qualquer vinculação à realidade (ontológica e social). Os tipos de crime têm um reflexo
paralelo na esfera do leigo: o tipo social. São uma condensação normativa de sentidos
sociais. E as condutas descritas correspondem à perceção social de fenómenos reiterados
ou mais homogéneos de lesão (ou de colocação em perigo) de bens jurídicos. O tipo
social, ou typus, corresponde a um instrumento hermenêutico que transcende o sistema
normativo, por referência a uma realidade exterior. É o resultado de um fenómeno de
condensação de sentidos jurídicos e sociais – logo, o resultado de um processo de in-
terpretação da realidade e um instrumento de interpretação da norma –, pelo que existe
independentemente e para além do tipo legal de crime. Expressa, nas palavras do
saudoso homenageado, “modelos sociais de conduta, mais ou menos nuclearmente
precisos e perifericamente difusos, aos quais a experiência axiológica comunitária
atribui um desvalor qualificado”3.
O legislador parte de uma base ontológico-social e os tipos legais pressupõem
uma correspetiva existência de tipos sociais, embora não esteja obrigado a repro-
duzi-los. O reconhecimento do tipo social não implica uma admissão de conceitos
pré-jurídicos, mas somente a constatação de que os conceitos legais encontram cor-
respondências – mais ou menos semelhantes – na realidade social. O tipo social assume
diversas funções no Direito: confere um sentido à realidade, permite identificar traços
comuns no comportamento humano e estabelecer uniões de sentido, constitui instrumento
essencial para a elaboração de raciocínios tipológicos e permite ainda, claro, a associação
de um desvalor específico ao facto. Dando concretização prática ao conceito de tipo
social, podemos reconhecer a sua existência a partir da verificação, geralmente
combinada, embora não se trate de critérios necessariamente cumulativos, dos seguintes
fatores4: reiteração enquanto fenómeno social; teleologia comportamental; identidade
narrativa; assimilação pela linguagem.
A “essência” da violência doméstica é difícil de definir e ainda mais difícil de
delimitar, na ótica do legislador, numa norma incriminadora, de acordo com critérios
de razoabilidade legística, com respeito pelo princípio da tipicidade penal. Quando
há um forte tipo social que assume grande variedade de execução, o legislador é
forçado a recorrer a tipos legais tendencialmente neutros (abuso sexual de crianças,
terrorismo, branqueamento de capitais) que necessitam que o julgador conheça o tipo
social para realizar uma boa interpretação e aplicação da norma.
A violência doméstica é, essencialmente, violência relacional, desenvolvida na
2
FERREIRA LEITE, Inês, Ne (Idem) Bis In Idem. Proibição de Dupla Punição e de Duplo Julgamento:
Contributos para a Racionalidade do Poder Punitivo Público, I, AAFDL, 2016, p. 933.
3
SILVA DIAS, Augusto, «Delicta In Se» e «Delicta Mere Prohibita»: uma análise das descontinuidades
do ilícito penal moderno à luz da reconstrução de uma distinção clássica, Lisboa, 2003, p. 403. Ver tam-
bém FERREIRA LEITE, Ne (Idem) Bis In Idem..., I, cit., p. 939.
4
FERREIRA LEITE, Inês, Ne (Idem) Bis In Idem. Proibição de Dupla Punição e de Duplo Julgamento:
604 Contributos para a Racionalidade do Poder Punitivo Público, II, AAFDL, 2016, pp. 67 e ss.
Violência doméstica e concurso de crimes
5
Para uma boa descrição sumaria da variedade de violência que pode ser exercida, nos seus vários tipos,
modalidades e concretizações, ver AA.VV. (Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género), “A Vio-
lência Doméstica. Caraterização do fenómeno e respostas aptas à sua erradicação”, Violência Doméstica.
Implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno, CEJ, 2016, (27-76), pp. 31 e ss.
6
No caso dos idosos, tratando-se de uma violência que assenta na fragilidade e dependência (RIBEIRO
DE FARIA, Maria Paula, Crimes Praticados Contra Idosos, Universidade Católica do Porto, 3.ª Ed., 2019,
pp. 9 e ss.), a qual tem vindo a aumentar em Portugal, FERNANDES, Diana, “Crimes Cometidos Contra
Idosos”, Trabalhos Temáticos de Direito e Processo Penal, I, CEJ, 2016, (19-65), pp. 19 e ss.
7
Razão pelo que se veio progressivamente a reconhecer a “síndroma da mulher batida”, DIAS, Isabel,
“Violência doméstica ejustiça: respostas e desafios”, Sociologia: Revista do Departamento de Sociologia
da FLUP, XX, 2010, (pp. 245-262), pp. 254 e ss. É também hoje aceite associação entre o “stress pós
traumático” e a violência doméstica e maus tratos, AA.VV. (CIG), “A Violência Doméstica. Caraterização
do fenómeno e respostas aptas à sua erradicação”, cit., pp. 25 e 40. Este fenómeno é verificado quer nas
vítimas diretas de violência doméstica, quer nas indiretas (crianças expostas à violência doméstica), bem
como em qualquer vítima de violência doméstica, seja num contexto de intimidade pessoal ou mera
coabitação, como demonstra o estudo de DALILA AGUIAR CEREJO, Sara, Viver sobrevivendo: Emoções
e dinâmicas socioculturais nos processos de manutenção das relações conjugais violentas, Tese apresentada
para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Sociologia, realizada sob
a orientação científica do Professor Doutor Manuel Lisboa, FCSH, 2014, pp. 242 e ss. Nas crianças expostas
à violência doméstica, NUNES DE ALMEIDA, Ana/ ANDRÉ, Isabel/ NUNES DE ALMEIDA, Helena,
“Sombras e marcas: os maus tratos às crianças na família”, Análise Social, 150, 1999, (pp. 91 a 121);
AMARO, Fausto, “Aspectos socioculturais dos maus tratos e negligência de crianças em Portugal”, Revista
do Ministério Público, 9, 35-36, 1988, (pp. 85 a 90); BARROSO, Zélia, “Contribuição para uma tipologia
de Maus tratos Infantis: síntese dos resultados obtidos num Hospital Público de Lisboa”, A Questão Social
no Novo Milénio, Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, 2004,
(pp. 7 a 15); COSTA, Vânia/ SANI, Ana Isabel, “Sintomatologia de pós-stress traumático em crianças
expostas a violência interparental”, Revista da Faculdade de Ciências da Saúde, 4, 2007, (pp. 282-290);
e FIGUEIREDO, Bárbara / PAIVA, Carla, “Maus tratos em amostras na comunidade: prevalência de abuso
físico e sexual”, Infância&Juventude, 2, 2002, (pp. 93 a 124). 605
Inês Ferreira Leite
valores, contextos”, Análise Social, vol. 37, 163, 2002, (pp. 475-506); BALBINO DE ALMEIDA, Iris,
Avaliação de risco de femicídio: poder e controlo nas dinâmicas das relações íntimas, cit., passim; CA-
SIMIRO, Cláudia, “Representações sociais da violência conjugal”, Análise Social, 163, 2002, (pp. 608-
630); DALILA AGUIAR CEREJO, Viver sobrevivendo: Emoções e dinâmicas socioculturais nos
processos de manutenção das relações conjugais violentas, cit., passim; TORRES, Anália/ MARQUES,
Cristina/MACIEL, Diana, “Gender, work and family: balancing central dimensions in individuals’ lives”,
Sociologia online, 2, 2011, (online); FERREIRA DA SILVA, Luísa, “«O direito de bater na mulher» –
violência interconjugal na sociedade portuguesa”, Análise Social, vol. 26, 111, 1991, (online). Ver também,
embora seja mais amplo, o estudo de GOMES, Conceição/FERNANDO, Paula/RIBEIRO, Tiago/ OLI-
VEIRA, Ana/DUARTE, Madalena, Violência doméstica. Estudo avaliativo das decisões judiciais em ma-
téria de Violência Doméstica, CIG, novembro, 2016, (online).
13
Assim o demonstram quer o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2018 (online), quer as es-
tatísticas recolhidas pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) (online).
14
Demonstrando-o num estudo empírico, BALBINO DE ALMEIDA, Avaliação de risco de femicídio:
poder e controlo nas dinâmicas das relações íntimas, cit., p. 78.
15
NUNES DE ALMEIDA/ ANDRÉ/ NUNES DE ALMEIDA, “Sombras e marcas: os maus tratos às crian-
ças na família”, cit., en passim; AMARO, “Aspectos socioculturais dos maus tratos e negligência de crian-
ças em Portugal”, cit., en passim.
16
Para uma explicação mais profunda sobre tais conceções (erróneas), ver FERREIRA LEITE, Ne (Idem)
Bis In Idem..., cit., §§1-3.
17
Neste sentido, por todos, FERRAJOLI, Luigi, Derecho y razón. Teoría del garantismo penal, Editorial
Trotta, tradução de Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Ter-
radillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés, Madrid, 1995, p. 33.
Já assim, referindo-se ao “sopro do iluminismo e das correntes que preparam a Revolução francesa”,
18
CORREIA, Eduardo, Caso julgado e poderes de cognição do juiz, cit., p. 302. 607
Inês Ferreira Leite
punitivo, utilizável renovadamente e sem limites, mas é antes um modo controlável e garantido de aplicação
do Direito Penal (...)”, e conclui que os fundamentos do ne bis in idem residem do Estado de Direito, (vinculação
do Estado ao desfecho do processo penal), e necessidade de intervenção do poder punitivo, PALMA, Direito
Penal. Parte Geral, I, cit., pp. 136 e 137. No sentido do texto, entendendo que o ne bis in idem, (eficácia
negativa do caso julgado) “é também um princípio jurídico-político que pretende estabelecer um limite à
intervenção do Estado na esfera individual”, MARQUES DA SILVA, Germano, “Objeto do Processo Penal:
a Qualificação Jurídica dos Factos”, Direito e justiça, Lisboa, 8, 2, 1994, (pp. 91-116), p. 115.
27
Concluindo no mesmo sentido, razão pela qual considera mais adequada a partilha de um conceito de
factos nos planos substantivo e processual, HERZBERG, “Ne bis in idem – Zur Sperrwirkung des rechts-
kräftigteil Strafurteils”, Juristische Schulung, 3, 1972, (pp. 113-120), p. 120.
28
Reconhecendo um direito fundamental do cidadão de imunidade quanto a intervenções arbitrárias na
sua esfera jurídica, FERRAJOLI, Derecho y razón..., cit., p. 918. Utilizando esta fórmula para avaliar a
intervenção do legislador ordinário e a interpretação judicial do Direito, concluindo que a mesma não seria
contrária à Constituição por não assentar em “critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados”,
o Acórdão do TC n.º 839/2013 (Cura Mariano), de 5 de dezembro.
29
O nosso Tribunal Constitucional parece ter uma noção próxima do ne bis in idem, atendendo ao que
conclui no Acórdão n.º 356/2006 (FERNANDA PALMA), de 8 de junho, Ponto B).5: “(...) o princípio ne
bis in idem impede que o mesmo facto seja valorado duas vezes, isto é, que uma mesma conduta ilícita
seja apreciada com vista à aplicação da sanção mais do que uma vez (...). A esta aplicação subjaz a ideia
segundo a qual a cada infracção corresponde uma só punição, não devendo o agente ser sujeito a uma re-
petição do exercício da pretensão punitiva do Estado”.
30
Reconhecendo uma relação entre a irracionalidade jurídica e a ilegitimidade do poder político, FERRAJOLI,
Derecho y razón..., cit., p. 40.
31
Neste sentido, HASSEMER, Persona, mundo y responsabilidad. Bases para una teoría de la imputación
en derecho penal, tradução de Francisco Munoz Conde e M.ª del Mar Diaz Pita, Tirant Lo Blanch, Valencia,
1999, p. 23; e MIR PUIG, Santiago, Función de la pena y teoría del delito en el Estado Social y Demo-
crático de Derecho, 2.ª Ed., Bosch, Barcelona, 1982, p. 31.
Apontando esta crítica à fundamentação comum de vários institutos neste princípio, CASTANHEIRA
32
NEVES, “O princípio da legalidade criminal. O seu problema jurídico e o seu critério dogmático”, Estudos 609
Inês Ferreira Leite
conferir ao ne bis in idem o substrato material e valorativo que este necessita para a
sua respetiva delimitação e sem o qual não se poderia justificar a escolha por um de-
terminado regime, no âmbito do concurso de crimes, da determinação da medida da
pena e da extensão dos efeitos consuntivos do caso julgado penal. Esta plenitude
concetual só é conseguida quando apelarmos à inclinação natural do Homem civilizado
em direção à segurança jurídica (ou boa ordenação) e a uma tendência para reconhecer
a justiça numa composição harmoniosa e equilibrada dos interesses33. Provavelmente,
não seria irracional que se tivesse determinado, num qualquer momento histórico,
que o exercício justo e equitativo do poder punitivo público convivesse com uma
dupla oportunidade de punir (ou condenar) um indivíduo presumivelmente responsável
pelo facto ilícito. Provavelmente, seria possível construir todo um sistema dogmático
em torno do “mágico número dois”. Mas é neste ponto que a componente cultural do
ne bis in idem se revela soberana34. A preferência sociocultural apegou-se à convicção
de que a um crime apenas pode corresponder um só processo, uma só pena. Desta
convicção se fez princípio e, mais tarde, lei escrita.
Racionalmente, podemos concluir que a limitação “um crime, um processo, uma
pena”, é a mais justa; que uma só oportunidade de julgar e de punir o indivíduo faltoso
se afigura suficiente – desde que se trate de uma ampla e justa (fair) oportunidade.
Pragmaticamente, podemos argumentar que, caso o Estado tivesse à sua disposição
mais do que esta singela oportunidade, facilmente se instalaria o arbítrio e o abuso
do poder. Dogmaticamente, podemos recuar às teorias retributivas, para estabelecer
essa relação intrínseca entre o facto e a pena. Mas, não sem alguma resignação, há
que reconhecer que se trata de uma dimensão, irrefutavelmente, mais sociocultural
do que lógico-filosófica35. O ne bis in idem corresponde, portanto, a uma criação
humana. Mas a uma criação humana que, por obediência à razão, se impõe à própria
capacidade criadora dos Homens, como princípio “moral”36/37. Enquanto criação
em Homenagem ao Prof. Doutor EDUARDO CORREIA, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, (pp. 307-471),
p. 368.
33
Referindo esta tendência, HORKHEIMER, Eclipse of Reason, cit., p. 4. Não se trata de atribuir ao ne
bis in idem um sentido decorrente de um Direito Natural eterno, divino ou místico, mas de reconhecer que
numa determinada composição da sociedade, ainda que historicamente localizada, existe um dever ser
que se impõe por decorrer da própria natureza de tal sociedade e do homem que a integra, como explica
OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito. Introdução e Teoria Geral. Uma perspetiva luso-brasileira, 9.ª Ed.,
Almedina, Coimbra, 1995, pp. 189 e 190.
34
Referindo-se ao ne bis in idem como “princípio «cultural»”, DAMIÃO DA CUNHA, José, “Ne bis in
idem e exercício da acção penal”, Que Futuro para o Direito Processual penal? Simpósio em Homenagem
a Jorge de FIGUEIREDO DIAS por Ocasião dos 20 anos do Código de Processo Penal, Coimbra Editora,
2009, (pp. 553-581), p. 572.
35
O que não retira mérito nem valor ao princípio. Aliás, como afirma FERNANDA PALMA, a própria
ideia da máxima realização da liberdade individual não será uma decorrência necessária do contrato social,
mas “(...) tão só, o produto da história que gerou comunidades igualitárias e democráticas que prezam a
sua identidade e os seus valores”, Direito Penal. Parte Geral, I, cit., p. 40.
36
Neste sentido, identificando nos chamados “direitos naturais”, não realidade ontológicas, eternas e imu-
táveis, mas figuras axiológicas, de criação sociocultural, sem que percam o seu valor enquanto fundamentos
externos do Direito e do Estado, ou mesmo a sua primazia moral e política, FERRAJOLI, Derecho y
610 razón..., cit., pp. 882 e 883.
Violência doméstica e concurso de crimes
humana, ele permanece profundamente marcado pela cultura ocidental, de onde maio-
ritariamente provém; enquanto produto indispensável da razão possui uma natureza
universal. Em suma, o ne bis in idem assenta numa racionalidade própria, decorrente
da necessidade de legitimação do poder punitivo público38 e de uma forte componente
cultural e histórica.
37
Qualificando o ne bis in idem como “direito fundamental juridicamente produzido”, ou seja, como um
direto que deve a sua validade à própria ordem jurídica, a propósito da distinção entre objetos de proteção
de raiz ontológica e objetos de proteção exclusivamente jurídicos, REIS NOVAIS, Jorge, As restrições
aos Direitos Fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, 2.ª Ed., Coimbra Editora,
2010, p. 164.
38
Sobre a função dos direitos fundamentais como “fundamentos substanciais da actuação do Estado, fun-
cionando como legitimação da sua actividade e determinando constitutivamente, enquanto quadros, im-
pulsos e directivas, as próprias funções do Estado”, REIS NOVAIS, As restrições aos Direitos
Fundamentais..., cit., p. 75.
39
Para uma análise mais profunda ver FERREIRA LEITE, Ne (Idem) Bis In Idem...., I, cit., §§78-88. 611
Inês Ferreira Leite
44
Desde logo, parece claro que o objetivo foi o de afastar do âmbito do art. 30.º o concurso aparente, como
apontam PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da
República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª Ed., Universidade Católica Editora, 2010,
p. 154; e ROBALO CORDEIRO, “Medida da pena no Código Penal de 1982”, Textos de apoio de Direito
Penal, 1, AAFDL, Lisboa, 1983/84, (pp. 385-399), p. 393. Isto mesmo foi reconhecido por EDUARDO
CORREIA nas Actas das sessões da Comissão Revisora do Código Penal. Parte Especial, AAFDL, Lisboa,
1979, p. 213.
45
Doutrina influenciada, essencialmente, por EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, I, cit., pp. 200,
201 e 203; IDEM, A teoria do concurso em direito criminal..., cit., pp. 67 e ss.
46
LOBO MOUTINHO começa por observar que nem todas as teses de EDUARDO CORREIA ficaram
refletidas no art. 30.º, designadamente a tese do desdobramento dos tipos penais, Da unidade à plurali-
dade..., cit., p. 99. O autor analisa a questão com profundidade, vindo a concluir que a ideia de que o art.
30.º corresponde às teses de EDUARDO CORREIA será uma ilusão, pp. 137 a 139. 613
Inês Ferreira Leite
47
Na discussão sobre o art. 30.º, refere-se que o termo “efetivamente” estaria lá para traçar a distinção
entre o concurso real e o concurso aparente, Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal,
Parte Geral, I, cit., pp. 212 e 213.
48
O que, como conclui FIGUEIREDO DIAS, (Direito Penal..., I, cit., p. 1036), não suscita nenhum pro-
blema de legalidade. Desde que, claro, a partir de um suposto regime de concurso aparente não se venham
a “criar” regras esdrúxulas de determinação da medida da pena, como as relativas ao suposto “efeito de
bloqueio”, op. cit., p. 1004.
49
Destaca-se a posição de LOBO MOUTINHO, autor que rejeita a tradicional figura do concurso aparente,
que considera tratar-se de um não concurso – um mero conflito de tipos incriminadores, que se resolve
pela interpretação – razão pela qual analisa as questões que aqui se vão tratar a propósito do “concurso
efetivo aparente”, Da unidade à pluralidade..., cit., pp. 895 a 897.
50
FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal..., I, cit., pp. 1036 e 1037.
51
FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal..., I, cit., p. 1037.
52
O qual acolhe um modelo de pena conjunta mediante cúmulo jurídico, combinado com um princípio de
acumulação, como explica, por todos, FIGUEIREDO DIAS, As consequências jurídicas do crime, cit., p.
284.
53
Exatamente assim, FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal..., I, cit., p. 1035, idem, As consequências jurí-
dicas do crime, cit., p. 285. No mesmo sentido, ROBALO CORDEIRO, “Medida da pena no Código Penal
de 1982”, cit., p. 393; CAVALEIRO DE FERREIRA, Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, Penas e
Medidas de Segurança, Editorial Verbo, Lisboa, 1989, pp. 155 e 156; MARQUES DA SILVA, Germano,
Direito Penal Português, Parte geral, III – Teoria das penas e das medidas de segurança, Verbo, Lisboa,
1999, p. 166.
ANTUNES, Maria João, “Concurso de crimes e pena relativamente indeterminada: determinação da
54
614 medida da pena. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de abril de 1995”, Revista Portuguesa
Violência doméstica e concurso de crimes
As penas concretas de cada crime em concurso devem ser fixadas como se cada um
dos crimes estivesse a ser julgado num autónomo e independente processo penal (pois
que, havendo verdadeiro concurso efetivo, tais crimes poderiam efetivamente ser
julgados em processos autónomos). Consequentemente, o mandado de esgotante apre-
ciação do ilícito dita que todos os factos fundamentadores do respetivo ilícito sejam
valorados na determinação da medida da pena55. É o que resulta também do disposto
nos arts. 70.º e ss. do CP, que obrigam o tribunal a ponderar, na tarefa de determinação
da medida da pena, “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime,
depuserem a favor do agente ou contra ele” (art. 71.º, n.º 2, do CP). É partir daqui
que se tornam muito prováveis violações do ne bis in idem, quando situações de
unidade do ilícito típico são erradamente submetidas ao regime do concurso efetivo.
Por exemplo, a intensidade do dolo manifestada pela conduta do agente durante
a execução de uma tentativa de homicídio – porque disparou uma sucessão de tiros
ou reiteradamente esfaqueou a vítima, razão pela qual a vítima terá ficado com sequelas
permanentes – constitui um elemento inalienável na determinação da medida da pena
da tentativa de homicídio, enquanto conteúdo essencial do ilícito típico (desvalor da
ação). Tais factos não podem ser duplamente valorados enquanto elementos do tipo
das ofensas à integridade física graves e do tipo da tentativa de homicídio56. O que
se pode valorar a mais, porque não constitui um elemento determinante na valoração
de uma tentativa de homicídio, é o desvalor do resultado de lesão: a permanência das
sequelas, o grau de sofrimento da vítima, as limitações que as mesmas acarretam57.
Podendo também valorar-se, sempre, claro, a concreta intensidade do dolo/desvalor
da ação na determinação da medida da pena do tipo do homicídio tentado58. A especial
energia criminosa do agente, no plano do desvalor da ação, referida ao concreto dolo
manifestado no facto através dos sucessivos disparos ou reiteradas facadas, sempre
teria de ser valorada tanto na determinação da pena da tentativa de homicídio, como
na determinação da pena do crime de ofensas graves à integridade física. Nos dois
casos, o dolo/desvalor da ação, na sua intensidade concreta, fundamenta a ilicitude
do facto e não poderá ser ignorado pelo julgador59. A sujeição destes casos ao regime
do concurso efetivo implicaria uma dupla valoração proibida (do desvalor da ação)
ou uma ausência dos elementos essenciais para o preenchimento do ilícito típico, caso
apenas se valorasse, na condenação pelas ofensas à integridade física, o (desvalor do)
de Ciência Criminal, 6, 2, 1996, (pp. 307-321), p. 316; FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal..., I, cit., p.
1035; MARQUES DA SILVA, Direito Penal Português..., III, cit., p. 168.
55
Já que cada uma das penas deverá ser autonomamente fundamentada, por todos, FIGUEIREDO DIAS,
As consequências jurídicas do crime, cit., p. 286.
56
Contra SILVA DIAS, Augusto, Direito Penal. Parte Especial. Crimes contra a vida e a integridade
física, AAFDL, Lisboa, 2005, pp. 68 e 69
57
Para uma análise mais profunda do alcance da proibição de dupla valoração, ver FERREIRA LEITE,
Ne (Idem) Bis In Idem...., II, cit., §§132 e 155.
58
Ibidem.
59
Sobre a questão, entendendo que é a proibição de dupla valoração que impede a aplicação do regime do
concurso efetivo a certas formas de concurso de crimes, FAHL, Christian, Zur Bedeutung des Regeltatbil-
des bei der Bemessung der Strafe, Berlin: Duncker & Humblot, 1996, pp. 319 e ss. 615
Inês Ferreira Leite
resultado (pois o crime exige desvalor da ação e desvalor do resultado, ação e con-
sequência). Considerando todos os elementos necessários à condenação por cada um
dos tipos (e não crimes), o mesmo elemento, na sua identidade normativo-social (do
ilícito típico), seria duplamente valorado de um modo redundante: para a obtenção
da medida da sanção punitiva60. É aqui que reside a redundância proibida que afronta
o ne bis in idem.
E se é verdade que o ne bis in idem – um crime, uma pena – não conforma, di-
retamente, a distinção entre unidade e pluralidade do crime (estes conceitos não podem
decorrer, diretamente, do ne bis in idem), já o mesmo não se pode dizer quando à
distinção entre concurso aparente e efetivo e a ponderação da proibição de dupla va-
loração61. Para o compreender, há que olhar para as tarefas de determinação da medida
da pena. Num puro sentido naturalístico, a “dupla” valoração do mesmo elemento ou
facto surge sempre, após a verificação do preenchimento do tipo, em três momentos
distintos62: na fixação de limites mínimos e máximos da pena para o caso concreto
(determinação da moldura da pena do facto); na determinação concreta da medida da
pena; e na escolha da pena concretamente aplicada. E pode também ocorrer uma
“dupla” valoração do mesmo elemento sobre três perspetivas distintas: determinação
do limite máximo da culpa do agente; determinação das necessidades de prevenção
geral; e determinação das necessidades de prevenção especial63. O que implica que
só nesta tarefa final do julgador já possa haver uma sêxtupla valoração do mesmo
elemento. Serão estas valorações proibidas? Evitáveis, sequer? Pretender que sempre
que se reconhecesse uma dupla ou tripla relevância ao mesmo facto naturalístico no
processo de determinação da punibilidade e da medida da pena do crime, se estaria
a comprometer o princípio do ne bis in idem, implicaria negar-se que o facto (naturalísticos
ou no seu sentido social) subjacente ao crime é sempre o mesmo.
O conjunto de movimentos corporais que exterioriza o facto (ou quaisquer cir-
cunstâncias meramente factuais) não caracteriza o crime. Estes não esgotam, em si,
o facto jurídico; são, antes, o mero suporte visível do facto e do crime, sobre o qual
irão recair, sucessiva e progressivamente, uma série de valorações jurídicas. Ação, ti-
picidade, ilicitude, culpa e punibilidade, são as valorações jurídicas básicas que irão
incidir sobre os conjuntos de factos naturalísticos necessários para que se possa falar
de um crime. A voluntariedade, o dolo e o desvalor da ação assentam nos mesmos e
exatos factos (na conduta do agente, suas circunstâncias e suas características). Que
são sucessivamente valorados ao longo da teoria geral da infração, e na argumentação
60
Em sentido próximo, MIRANDA RODRIGUES, A determinação da medida da pena..., cit., p. 599,
nota (59).
61
Igualmente, no sentido de que é o ne bis in idem que dita a destrinça entre concurso efetivo e aparente,
MONIZ, Helena, “Violação e coação sexual? Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de junho de
2005”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 15, n.º 2, 2005, (pp. 299-328), p. 327.
62
Falando também das três fases da determinação da medida da pena, mas referindo-se à escolha do tipo
de crime (determinação da moldura penal abstrata do facto), à determinação da medida da pena e à escolha
concreta da espécie de pena, FIGUEIREDO DIAS, As consequências jurídicas do crime, cit., p. 198.
Admitindo que os elementos do facto típico e ilícito vão ser valorados para a medida da culpa e para a
63
616 medida da prevenção, MIRANDA RODRIGUES, A determinação da medida da pena..., cit., p. 479.
Violência doméstica e concurso de crimes
69
Considerando a dupla valoração inevitável no cálculo da pena única, sem censura porque se aplica só
aos casos de concurso real, RISSING-VAN SAAN, Ruth, “Kommentar zu den §§52-55”, Strafgesetzbuch.
Leipziger Kommentar, II, 11.ª Ed., Berlin: Walter de Gruyter, 2003, (pp. 1-135), p. 123.
70
Também, notando que se o concurso aparente visa acautelar a proibição de dupla valoração dos elementos
do tipo, é ainda necessário um modelo de determinação da medida da pena que garanta a proibição de
dupla valoração das mesmas circunstâncias do crime, ainda que não haja coincidência dos elementos
típicos, FANDRICH, Alexander, Das Doppelverwertungsverbot im Rahmen von Strafzumessung und
Konkurrenzen, Berlim: Driesen, 2010, pp. 141 a 144.
71
Por isso também tem razão FIGUEIREDO DIAS quando conclui que não ocorre qualquer dupla valo-
ração proibida no regime do concurso efetivo, As consequências jurídicas do crime, cit., pp. 291 e 292.
618 72
Ver FERREIRA LEITE, Ne (Idem) Bis In Idem...., II, cit., §§126-128.
Violência doméstica e concurso de crimes
73
Em sentido próximo, FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal..., I, cit., p. 987.
74
Este entendimento, após a publicação no novo manual de FIGUEIREDO DIAS, tem já tido reflexos na
jurisprudência, embora não haja plena concordância quanto aos critérios. No Acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça de 5 de novembro de 2008 (Henriques Gaspar), processo n.º 08P2817, afirmou-se que “o critério
teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes
«efectivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efetivo (...) ao lado das espécies
de concurso próprio (ideal ou real) há casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo
uma as outras. A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de
uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em con-
sideração – concurso impróprio, aparente ou unidade de lei”.
75
Como vem depois a reconhecer FIGUEIREDO DIAS, quando acrescenta ao critério do número de tipos
incriminadores verificados, a existência de vários juízos de censura penal a partir da valoração da ilicitude
material (social), Direito Penal..., I, cit., pp. 987 e 990.
76
No mesmo sentido, HASLINGER, Die Mitbestrafte Vortat, München, 1963, p. 67. Concluindo que não
são as relações lógicas entre normas que fundamentam a aparência do concurso, GEERDS, Zu Lehre von
den Konkurrenz, Duncker&Humblot, Berlin, 1961, p. 165; LOBO MOUTINHO, Da unidade à pluralidade
dos crimes no Direito Penal Português, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2005, p. 870.
77
Em sentido próximo, entendendo que o concurso inclui sempre razões fenomenológicas, razão pela qual
incluiu a consunção no âmbito do concurso aparente, ROXIN, Strafrecht, Allgemeiner Teil, I, Verlag C.
H. Beck, Munique, 2006, §33Rn.213, pp. 858 e 859; também, LÍBANO MONTEIRO, Cristina, Do Concurso
de Crimes ao Concurso de Ilícitos em Direito Penal, Almedina, 2018, pp. 314 e ss. Contra, FIGUEIREDO
DIAS, Direito Penal..., I, cit., pp. 993 e 997. 619
Inês Ferreira Leite
referidos pela doutrina78, sem o recurso ao tipo social e a uma ponderação axiológica,
a escolha lógica da norma aplicável poderia bem ser perfeitamente aleatória nos seus
resultados79. Por outro lado, estes critérios pressupõem um juízo prévio sobre a
unicidade do facto e um juízo concomitante no plano da proibição de dupla valoração80.
Realizados estes juízos e constatando-se que dois ou mais tipos incriminadores são
potencialmente aplicáveis ao mesmo facto, poderá então olhar-se aos critérios lógicos
enquanto auxiliares na escolha do tipo efetivamente aplicado. E diz-se auxiliares
porque também não se aceita que a escolha da norma aplicável ao caso dependa, au-
tomaticamente, da relação lógica que possa surgir entre os tipos de crime81. O que
interessa, em qualquer caso, é encontrar a norma prevalecente82, ou porque corresponde
ao tipo incriminador mais gravoso, que de forma esgotante (ou quase), absorve os
sentidos de ilicitude presentes no caso – o que corresponde a uma lógica consuntiva83
– ou porque corresponde ao tipo incriminador que reflete de forma mais expressiva
o sentido único de ilicitude presente no caso, como ocorre quando se escolhe um tipo
privilegiado – o que corresponde a uma lógica de especialidade84.
Podemos assim admitir que o princípio da subsidiariedade resulta dos diferentes
níveis de intensidade na lesão do bem jurídico ou das diferentes fases de preparação
ou execução do crime previstos pelo legislador85, dependendo também, em regra86,
de um juízo prévio de unicidade do facto jurídico87. O concurso aparente não depende,
78
Como a propósito das relações entre o furto de uso de veículo e furto de gasolina, exemplo que também
é dado por ROXIN, Strafrecht, Allgemeiner Teil, II, cit., §33Rn.218, p. 860. Ver, também, INÊS FERREIRA
LEITE, Ne (Idem) Bis In Idem...., I, cit., §95.
79
Com críticas semelhantes, LÍBANO MONTEIRO, Do Concurso de Crimes..., cit., pp. 314 e ss. Já fa-
lando de arbitrariedade, se assim fosse, BAPTISTA MACHADO, João, Âmbito de eficácia e âmbito de
competência das leis, Almedina, Coimbra, 1998, p. 218.
80
Também, HASLINGER, Die Mitbestrafte Vortat, cit., pp. 59, 65, 87, entre outras.
81
Por exemplo, a doutrina francesa abdica destas complexas relações lógicas e procura antes a racionalização
da solução e argumentação face ao caso concreto, por todos, PRADEL, Droit Pénal Général, 19.ª Ed.,
Éditions Cujas, Paris, 2012, §§305-306. A esta conclusão chega também HASLINGER, Die Mitbestrafte
Vortat, cit., p. 65. Optando por uma via semelhante, no Direito português, LÍBANO MONTEIRO, Do
Concurso de Crimes..., cit., pp. 314 e ss.
82
FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal..., I, cit., p. 993.
83
Reconhecendo ser este o conteúdo essencial da consunção, FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal..., I,
cit., pp. 1001 e 1012.
84
Também, no que respeita à existência de apenas dois juízos de unidade da norma, ANTONIO PAGLIARO,
“Relazione logiche ed apprezzamenti di valore nel concorso di norme penali”, Il diritto penale fra norma
e società. Scritti 1056-2008, 2, Giuffrè Editore, 2009, (pp. 375-383), p. 381; PRADEL, Droit Pénal Général,
cit., §§305-306;
85
Entre outros, PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal..., cit., p. 155; BELEZA,
Teresa, Direito Penal, I, 2.ª Ed., AAFDL, Lisboa, 1985, pp. 527 e 528; FIGUEIREDO DIAS, Direito
Penal..., I, cit., p. 999;
86
Pode por vezes resultar da interpretação que terá sido intenção do legislador uma opção punitiva que vá
além das imposições do ne bis in idem, privilegiando o concurso aparente mesmo quando seria admissível
a punição no regime do concurso efetivo. Ver, para um exemplo, FERREIRA LEITE, Ne (Idem) Bis In
Idem...., II, cit., p. 333 (5292).
620 87
Neste sentido, mas questionando a sua utilidade, HASLINGER, Die Mitbestrafte Vortat, cit., pp. 81-84;
Violência doméstica e concurso de crimes
MARQUES DA SILVA, Germano, Direito Penal Português, Parte geral, I – Introdução e teoria da lei
penal, Verbo, Lisboa, 1997, p. 313. Contra, FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal..., I, cit., p. 998.
88
Não dependendo também de qualquer juízo de proporcionalidade, muito menos quando este assente na
comparação entre as molduras legais dos tipos de crime em confronto, como se entendeu no Acórdão do
Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de janeiro de 2011, Processo n.º 370/06.7TACBR.C1.
89
Em sentido próximo, PEDRO CAEIRO explica, a propósito de algumas regras de subsidiariedade ex-
pressa e de um mal entendido sobre a delimitação entre esta figura e a consunção impura, que algumas
destas regras visam apenas afastar as consequências da referida consunção impura ou de um concurso efe-
tivo indesejável, não ficando absolutamente excluída a possibilidade de, em alguns casos, haver mesmo
concurso efetivo, “A consunção do branqueamento pelo facto precedente (Em especial: i) as implicações
do Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça n.º 13/2007, de 22 de março; ii) a punição da consunção im-
pura)”, Estudos em Homenagem ao prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, III, 2010,
(pp. 187-222), pp. 204 a 207, nota (49).
90
Assim, NUNO BRANDÃO, “A tutela penal especial reforçada da violência doméstica”, Julgar, Número
especial, Crimes no seio da família e sobre menores, 12, Coimbra, 2010, (pp. 9-24), p. 26; FIGUEIREDO
DIAS, Código Penal. Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, Lisboa, 1993, p.
231. Na nova edição do Comentário Conimbricense do Código Penal (Parte Especial, I, Coimbra Editora,
1999), falando de especialidade quando se trate de um só facto e de subsidiariedade quando haja pluralidade
de condutas, TAIPA DE CARVALHO, “Comentário aos arts. 151.º a 155.º”, p. 528. De modo semelhante,
PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal..., cit., pp. 466 e 467.
91
Como exemplos mais expressivos vejam-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6 de julho
de 2005, Processo n.º 1713/05, publicado online na Colectânea de Jurisprudência, 185, IV, 2005, que
puniu o arguido por dois crimes de maus tratos, um contra o cônjuge e outro contra o filho menor, por
factos praticados entre 1984 e 2002; e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de abril de 2006,
Processo n.º 06P468, cujos factos decorreram entre 1992 e 2000.
Criticamente, TAIPA DE CARVALHO, “Comentário aos arts. 151.º a 155.º”, cit., pp. 529 e 530; PLÁCIDO
92
FERNANDES, “Violência Doméstica. Novo Quadro Penal e Processual Penal”, Jornadas sobre a Revisão 621
Inês Ferreira Leite
tutelado por estas incriminações. Um tal entendimento resulta de uma conceção ló-
gico-formal das relações entre tipos93 e/ou de uma errónea compreensão sobre os bens
jurídicos tutelados pelos crimes em questão94.
Para saber exatamente quando é que existe concurso aparente entre o crime de
violência doméstica ou o crime de maus tratos e outras incriminações, é necessário
saber, primeiro, quais os bens jurídicos efetivamente tutelados naqueles tipos e, se-
guidamente, que tipo de condutas podem aí incluir-se. Importa partir do tipo social
dos crimes em causa para a delimitação típica do facto, quando confrontado com
outros tipos de crime com aparentes pretensões concorrentes de regulação do caso da
vida. Ora, o tipo social da violência doméstica, tal como o dos maus tratos, comporta
uma imensa amplitude e diversidade de condutas, desde a simples ameaça ao homicídio.
Porém, analisados os tipos legais, verifica-se que não foi intenção do legislador incluir
nos respetivos âmbitos todas estas variações. Por outro lado, o bem jurídico tutelado
não é, de forma isolada, a integridade física, a liberdade sexual ou a vida, mas antes
uma dimensão complexa e de certa forma antecipatória destas vertentes pessoais: a
saúde95. É a saúde, nas vertentes física, sexual e psíquica, que está em causa96, cen-
surando-se comportamentos isolados ou contínuos que, de forma mais expressiva ou
insidiosa, atentem contra uma vivência saudável do cônjuge, companheiro, menor ou
idoso97. Trata-se de condutas que, ou não assumiriam relevância típica, quando
praticadas noutras circunstâncias (fora de uma comunidade de vida), ou se mantêm
do Código Penal, Revista do CEJ, 8, 2008, (pp. 293-340), pp. 313 e 314; LAMAS LEITE, André, “A
Violência Relacional Íntima: Reflexões Cruzadas Entre o Direito Penal e a Criminologia”, Julgar, 12,
2010, (26-66), p. 48.
93
Vício lógico que é notório nas críticas sistemáticas feitas por NUNO BRANDÃO, “A tutela penal especial
reforçada da violência doméstica”, cit., pp. 26 e 27. O autor nota que ocorrendo uma ofensa à integridade
física grave será este o tipo prevalecente, afastando-se a aplicação do art. 152.º e, por arrasto, as medidas
substantivas e processuais de proteção da vítima. No entanto, mesmo que haja somente concurso aparente,
a norma constante do art. 152.º continua a ser aplicada ao caso, só não de forma cumulativa no que respeita
à determinação da medida da pena. O autor chama à colação os ensinamentos de FIGUEIREDO DIAS
sobre unidade de lei, mas quando haja uma conduta minimamente constante ou reiterada de ofensas à saúde
do cônjuge em que uma destas venha a constituir ofensa à integridade física grave não se estará perante
um caso de unidade de lei, mas antes de concurso aparente impróprio, nos termos do quadro desenhado
por aquele outro autor. E, havendo concurso aparente impróprio, todos os tipos em concurso irão reger o
caso da vida, resumindo-se a prevalência à fase de determinação da medida da pena. Apontando, sem razão,
a mesma crítica, TAIPA DE CARVALHO, “Comentário aos arts. 151.º a 155.º”, CCCP/2012, pp. 529 e
530; LAMAS LEITE, “A Violência Relacional Íntima...”, cit., p. 48.
94
Incorrendo nesta errónea conceção do bem jurídico, que identifica como a dignidade da pessoa humana,
num contexto relacional, o que inviabiliza – pela dimensão abstrata e excessivamente difusa do referido
“bem jurídico” – qualquer juízo normativo-social sobre estes tipos de cirme, LAMAS LEITE, “A Violência
Relacional Íntima...”, cit., pp. 49-50.
95
Falando de um estado de agressão permanente, (sem que tenha que haver uma reiteração constante de
cada ato agressivo), com razão, PLÁCIDO FERNANDES, “Violência Doméstica...”, cit., pp. 306 e 307.
96
Assim, BRANDÃO, “A tutela penal especial reforçada da violência doméstica”, cit., p. 18; TAIPA DE
CARVALHO, “Comentário aos arts. 151.º a 155.º”, CCCP/1999/I, cit., p. 332; IDEM, “Comentário aos
arts. 151.º a 155.º”, CCCP/2012, p. 512; PLÁCIDO FERNANDES, “Violência Doméstica...”, cit., p. 305.
Tem razão PLÁCIDO FERNANDES quando se refere a um estado de agressão permanente, “Violência
97
num espectro de gravidade mediano, razão pela qual são globalmente avaliadas e con-
juntamente censuradas.
Assim, a relação entre os tipos dos arts. 152.º e 152.º-A do CP com outras incri-
minações depende, como sempre, de um juízo de unidade normativo-social98. A prática
mais ou menos constante e reiterada das condutas descritas nos respetivos tipos ao
longo de dias, semanas, meses ou anos, desde que cada uma destas condutas não
permita a sua autonomização, dará origem a uma unidade normativo-social, tipicamente
imposta99, pelo que o agente terá praticado um só crime (de violência doméstica),
desde que esteja em causa uma só vítima. No entanto, quando algum dos atos isolados
permita a verificação do tipo social de um crime grave (ofensa à integridade física
grave100, violação101, homicídio), deverá ser punido em concurso efetivo com os crimes
de violência doméstica ou maus tratos, sempre que, para além dos atos isolados,
tenham ocorrido reiterados ataques à saúde da vítima102. Não só se trata, aqui, de com-
portamentos perfeitamente autonomizáveis, como são também autónomos os ilícitos
típicos103, não havendo qualquer obstáculo, à luz do ne bis in idem, à aplicação do
regime do concurso efetivo.
A subsidiariedade verifica-se apenas quando se trate de um ato isolado de violência
doméstica – por haver unidade normativo-social –, devendo então prevalecer o tipo
com a moldura legal mais abrangente104. Sendo que, claro, repudia-se a corrente ju-
98
De modo semelhante, mas partindo da existência de um concurso efetivo homogéneo para chegar ao
concurso efetivo heterogéneo, BARATA DE BRITO, Ana Maria “Concurso de Crimes e Violência Do-
méstica”, Revista do Centro de Estudos Judiciários, II, 2018, (91-113), pp. 111 e ss.
99
Não se trata de uma imposição típica artificial, já que esta unidade encontra reflexos do tipo social. Mas
nada obstaria a que cada um dos comportamentos do agente fosse punido de forma isolada, caso tivessem
sido distintas as opções do legislador. Não haveria aqui qualquer limitação decorrente do ne bis in idem.
100
Deverá tratar-se, contudo, de uma gravidade extrema, excecional no quadro da violência reiterada. Não
basta que seja uma ofensa passível de qualificação, uma vez que o fundamento de qualificação estará re-
lacionado com a relação de proximidade e convivência entre o agressor e a vítima. Aliás, com a reforma
de 2007 e a introdução de uma nova circunstância qualificante na alínea b) do n.º 1 do art. 132.º, esta so-
breposição de juízos de ilicitude torna-se manifesta. Como exemplo de correta ponderação da qualificação
– no caso, a propósito de uma tentativa de homicídio executada no âmbito de uma relação conjugal violenta
– com fundamentos distintos dos que estão subjacentes à violência doméstica, ver o Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 19 de junho de 2008, Processo n.º 08P2043.
101
Assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de abril de 2013, processo n.º 790/09.5GDALM.L1-
3, puniu o arguido em concurso efetivo pelo crime de violência doméstica e violação, face um conjunto
de factos relativos a um episódio em que, mesmo no contexto da violência doméstica, era prevalecente um
sentido normativo-social autónomo. Para o concurso aparente ficam apenas as pequenas ofensas sexuais
que, sem o recurso ao constrangimento, sejam praticadas no âmbito da intimidação permanente que decorre
de um contexto de tirania doméstica.
102
Neste sentido, tendo condenado o arguido por um crime de violência doméstica e três crimes de viola-
ção, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de novembro de 2012, Processo n.º
711/11.5PBAGH.L1.
Por um caminho distinto, mas chegando a mesma conclusão, LÍBANO MONTEIRO, Do Concurso de
103
Resta, por fim, deixar alguns critérios para a resolução do concurso real homogéneo,
os quais se centram, essencialmente, nos casos em que é exercida violência doméstica
sobre a mesma vítima106, por um período continuado, podendo ocorrer algumas in-
terrupções ou alterações do modus operandi. Sendo difícil antecipar as variações da
unidade, torna-se mais fácil identificar critérios que devem determinar a cisão da
unidade normativo-social que suporta a continuidade tipiciamente imposta para o
crime de violência doméstica.
Desde logo, é certo que terão de existir critérios para a cisão da unidade. Caso
contrário, nem mesmo uma condenação penal impediria que o agente continuasse a
conduta criminosa, com total impunidade. De onde se pode já retirar o primeiro critério:
a intervenção perturbadora do poder punitivo estatal. Assim, uma vez detetado o crime
pelas autoridade e iniciada uma investigação criminal que conte com a participação
do agente (que é ouvido ou sujeito a medidas de coação), a retoma ou continuidade
da conduta criminosa deverá ser vista como uma unidade autónoma107. A partir do
momento em que o agente é confrontado com o exercício do poder punitivo, impõe-se
guesa. Do pseudo requisito da intensidade da conduta típica à exigência revisitada de dolo específico”, in:
Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Da Costa Andrade, I, Direito Penal, Boletim da Facul-
dade de Direito Universidade de Coimbra, 2017, (569-588), pp. 570 e ss.
105
Na doutrina, fazendo tal exigência, BRANDÃO, “A tutela penal especial reforçada da violência do-
méstica”, cit., pp. 24 e 25; LAMAS LEITE, “A Violência Relacional Íntima...”, cit., p. 46.
106
Tratando-se de um crime contra um bem jurídico pessoalíssimo, em que se descirna uma vocação de
tutela intrinsecamente ligada a cada vítima, não é admissível que haja unidade criminosa contra vítimas
distintas. Ver FERREIRA LEITE, Ne (Idem) Bis In Idem...., I, cit., §§112 e 119.
107
Referindo também estes como critérios de cisão do crime continuado, HÖPFNER, Wilhelm, Einheit
und Mehrheit der Verbrechen. Eine strafrechtliche Untersuchung. Einleitung, das Wesen des Verbrechens,
Verbrechenseinheit, I, Berlin, 1901, p. 185. E, mais tarde, qualificando a sentença penal como fator de
“Zäsur” do crime continuado, NEUHAUS, Ralf, Der strafverfahrensrechtliche Tatbegriff – ‘ne bis in
idem’, Studienverlag Dr. N. Brockmeyer, Bochum, 1985, pp. 66 e 67. Também, KIRCHHEIMER, Otto,
“The Act, the Offense and Double Jeopardy”, Yale Law Journal 58, 4 (1949), (513-544), pp. 541-42. Na
jurisprudência, ponderando a denúncia às autoridades (e correspondente processo penal), como fatores de
cisão da unicidade, o já referido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de abril de 2013. E,
apesar de não se tratar de uma verdadeira unidade criminosa, decidindo, bem, que não se poderia manter
qualquer espécie de unidade entre factos praticados antes e depois, com um longo intervalo, de uma queixa
na Comissão de Proteção de Menores por abuso sexual, e subsequente processo de promoção, o Acórdão
do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de novembro de 2012, Processo n.º 862/11.6TAPFR.S1. Ver, tam-
624 bém, FERREIRA LEITE, Ne (Idem) Bis In Idem...., I, cit., §113.
Violência doméstica e concurso de crimes
108
Em sentido próximo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de fevereiro de 2007, processo
n.º 06P4460, refere que o confronto com o sistema punitivo implica “uma forçosa tomada de consciência
da ilicitude e censurabilidade da actividade por si desenvolvida”.
109
Em sentido próximo, mas ficando muito aquém das exigências aqui referidas quando se basta com uma
advertência por algum órgão do Estado ou particular, PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código
Penal..., cit., p. 162. Pensa-se que não bastará uma advertência, e nunca poderá ser suficiente a ação de
um privado. Mais próximo, no que respeita à cisão, notando que não se trata de uma quebra da resolução
criminosa, mas de uma alteração fundamental do facto à luz de critérios teleológicos e normativos,
PAGLIARO, Antonio, “Cosa giudicata e continuazione di reati”, Il diritto penale fra norma e società.
Scritti 1056-2008, 2, Giuffrè Editore, 2009, (821-828), pp. 823 e 824.
110
Exatamente no mesmo sentido, POSADA MAYA, Ricardo, El Delito continuado, tese de doutoramento
inédita, Salamanca, 2010, p. 702.
111
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de fevereiro de 2007, processo n.º 06P4460, enten-
deu-se que bastaria a detenção dos arguidos em flagrante delito, e posterior sujeição a interrogatório judi-
cial, para quebrar a unidade do trato sucessivo na execução do crime de tráfico de estupefacientes. E, no
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30 de janeiro de 1991, comentado por MARIA JOÃO
ANTUNES, (“Concurso de contra-ordenações. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30 de Ja-
neiro de 1991”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 1, 3, 1991, pp. 463-474), entendeu-se que seria
suficiente para quebrar e “continuação criminosa”, a autuação por parte da Administração. O Tribunal ar-
gumentou que “o prosseguimento da referida actividade infraccional, após cada intervenção da autoridade
administrativa, já não foi originada pelo dolo conjunto original”, já que cada uma das seis autuações “fez
cessar a possibilidade que à arguida se oferecia de alargar o âmbito da sua actividade extractiva de iner-
tes”, (p. 464).
112
É particularmente interessante a Sentencia del Tribunal Supremo n.º 2211/2012, de 21.03.2012, na me-
dida em que discute se um arquivamento com fundamento na falta de indícios da prática do crime de
tráfico de estupefacientes, em 2006, teve algum efeito de ne bis in idem sobre a “continuação” do tráfico
pelo arguido, até 2009. A questão foi resolvida com recurso à reabertura do processo, por via do art. 641.º
da LEC – semelhante ao nosso art. 279.º do CPP – por terem surgido novos meios de prova da continuação
do crime. Os novos meios de prova resultaram de operações de vigilância à residência do arguido e a de-
tenção em flagrante do mesmo. Pensa-se que estes casos recebem soluções mais adequadas quando se re-
corre à cisão da unicidade normativo-social, pois garante-se que o segundo processo – mesmo em caso de
arquivamento – apenas abrange os novos factos e evita-se que o arquivamento constitua uma forma de
criar uma falsa segurança e paz no arguido enquanto, materialmente, prosseguem as investigações.
113
HÖPFNER refere um exemplo da jurisprudência em que, após a dedução de acusação pelo crime de
burla – cuja execução incluía a publicação de dados falsos num jornal –, foram publicados novo anúncios,
autorizados após a dedução da acusação, mas antes da notificação da mesma. O tribunal entendeu que os
novos factos não se podiam incluir na continuidade pois revelavam uma renovação da vontade criminosa
que lhes conferia autonomia, podendo dar origem a um novo processo. Esta decisão é criticada por
HÖPFNER, com razão, Einheit und Mehrheit der Verbrechen..., II, cit., p. 185, nota (44). Este seria um 625
Inês Ferreira Leite
daqueles casos em que a influência do poder punitivo não provocou, imediatamente e de acordo com
critérios de razoabilidade, a cisão da unicidade normativo-social do facto.
114
POSADA MAYA, El Delito continuado, cit., p. 704. Também, BARATA DE BRITO, “Concurso de
Crimes e Violência Doméstica”, cit., pp. 91 e ss.
115
FERREIRA LEITE, Ne (Idem) Bis In Idem...., I, cit., §113.
116
Discorda-se, assim, da solução constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/12/2016,
processo n.º 1150/14.1GAMAI.P1.
117
No mesmo sentido, FERREIRA, Maria Elisabete, Violência Parental e Intervenção do Estado. A questão
à luz do Direito Português, Universidade Católica do Porto, 2016, pp. 300-301.
626 118
Neste sentido, PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal..., cit., p. 466.