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A VIOLÊNCIA NAS RUAS: ABSENTEÍSMO E FRACASSO ESCOLAR 1

Poucos temas têm merecido tanta atenção hoje, como o da violência. Para muitos autores,
um dos signos da contemporaneidade é a insegurança, a impotência, o medo de que os mais
diversos tipos de violência nos atinjam, quer como membro de uma coletividade, quer no
plano da vida privada, desestabilizando individualidades (HALL, Stuart 1975; Boudon,
1993; Bourdieu, 1997).

A violência se faz presente na maioria das cidades, onde são medidos elevados índices de
criminalidade, acompanhado de desigualdade social, miséria, falência do poder público,
ineficiência das políticas na área de segurança. Nestes dias, a violência nos parece um
fenômeno inédito, recente, mais intenso do que em outras épocas, pois atinge diretamente
nossas vidas, o nosso dia-a-dia, do qual não somos meros espectadores.

Muitas vezes pensamos nesta questão como inédita, simplesmente porque é mais fácil ser
espectador e mais difícil conviver com ela, diariamente, na nossa experiência e na nossa
história. Na verdade o mundo de hoje é mais e menos violento, do que o de ontem.
Também é mais fácil e difícil nele viver. Mais violento porque existe uma sensibilidade em
relação a certos atos e atitudes que passaram a ser vistos como violentos. Menos violentos
porque a violência se naturalizou em comportamentos e práticas sociais que muitas vezes
nem a percebemos.

Além de estar incorporada ao nosso cotidiano, a violência suscita uma série de indagações e
reflexões. Nos perguntamos por que existe esta cumplicidade do ser humano com a
violência, com a crueldade, pois, apesar das condenações éticas e morais, o nosso olhar
sobre a violência é uma mistura de medo, indignação e, também, indiferença. Ou seja, a
violência é vivenciada, ao mesmo tempo, como algo inaceitável, condenável e
simultaneamente, banal, percebido como inevitável e fatal o que faz com que nos
acomodemos a situações consideradas inconcebíveis e nos leva à indignação e,

1
Miriam Abramovay é professora da Universidade Católica de Brasília e Vice-Coordenadora do
Observatório de Violências nas Escolas-Brasil.

1
contraditoriamente, à indiferença. Violências são atos reais, é o que dói. Em cada época e
em cada sociedade as representações e os sentimentos em relação à violência variam.

E o mais complicado: o que um olhar estrangeiro não concebe como aflição, pode ser
sentido como tal por quem é alvo de um determinado ato ou prática. Apesar de a violência
chocar, muitas vezes, aqueles que a experimentam são cúmplices da sua banalização pelo
fato de que ao sofrerem tanto e tantas vezes várias violências, passam a conviver com o
horror, sem questionar a trama que as constroem e sem hierarquizar o vivido e o
testemunhado.

Essas relativizações são particularmente importantes quando se discute sobre a temática,


pois, muitas vezes, a violência não surge em nossas vidas como uma agressão real, e sim
como uma espécie de fantasma que nos ameaça todo tempo e em qualquer lugar. Em outras
palavras, nem sempre a violência se fundamenta em crimes e delitos, ela permeia nosso
cotidiano, nossas mentes e almas na forma de um sentimento de insegurança. Ou seja, não
necessariamente se fazem necessárias provas, corpos para configurar algo como violência e
neste momento é quando nos violentamos, alterando gostos, hábitos e prazeres, práticas
culturais, ou seja, nos disciplinando por medos. A violência é ressignificada segundo
tempos, lugares, relações e percepções, e não se dá somente em atos e práticas materiais.

Paralelamente a esta percepção de que a violência está difusa em nosso cotidiano, existe
uma multiplicidade de olhares e escritos sobre o tema. E, a exemplo do que ocorre com
outras questões, o fato de existir uma pluralidade de abordagens não induz a um consenso
nem sequer sobre o que se define como violência - conceito que transita entre o metafórico,
o simbólico, bem como entre definições legais que pedem exames de corpo de delito e
provas materiais para configurar o que se entende por violência passível de punição.

Chesnais (1981) alerta para o fato de que existem várias concepções de violência, as quais,
dentro de sua acepção, devem ser hierarquizadas. Para o autor, o único referente empírico
do conceito é a violência física. Estão excluídas do conceito, portanto, a violência moral ou
simbólica e a violência econômica (atentados à propriedade, ou que derivam em privações
de ordem econômica). Assim, falar em violência dentro do escopo de análise de Chesnais
implica referir-se exclusivamente à chamada “violência dura”.

2
Vários autores, Debarbieux (1999), Roché (1994) entre outros, apontam que violências
delimitadas pelo Código Penal consistem apenas no nível mais elevado das violências, mas
elas não são as mais comuns, nem as mais freqüentes e não são necessariamente as que
causam maior medo e que perturbam os sujeitos em seu cotidiano. Desse modo, a
categorização proposta pelo Código Penal (crimes e delitos contra a pessoa, a propriedade e
a Nação, o Estado e a vida pública) é útil, mas não dá conta da extensão do fenômeno.

Roché (1994), considera limitada a abordagem que restringe o conceito de violência à


violência física, na medida que tal definição não leva em conta que pode existir um
componente forte de subjetividade no entendimento que um indivíduo tem do fenômeno. E,
mais do que isso, tal leitura desconsidera que a percepção do que é ou não violência nem
sempre se sustenta em fatos concretos, e sim em sensações e em “rumores” que circulam no
social - um exemplo é o que se conhece como sentimento de insegurança, que leva as
pessoas a se recolherem em si mesmas e nos espaços privados, às vezes simplesmente
porque têm medo do risco de serem vítimas de violência.
Tal como a violência, a insegurança é construída em práticas cotidianas. Existem atos que
podem passar despercebidos, mas que interferem direta ou indiretamente na vida dos
indivíduos - tais como diferentes formas de incivilidades. As incivilidades não são
necessariamente comportamentos ilegais no sentido jurídico. No entanto, elas consistem em
infrações à ordem estabelecida que ocorrem na vida cotidiana. Mesmo não sendo
aparentemente graves, são atos – como agressões verbais, xingamentos, atos de
indisciplina, abuso de poder, etc. –, elas têm um potencial de desorganização da ordem
coletiva e das referências de sentido individuais, destruindo laços sociais, fomentando um
sentimento de insegurança, fragilizando instituições, afetando a experiência e a confiança
no OUTRO.
Nesse sentido, o individualismo impera, num processo de privatização das relações sociais
em uma sociedade que, segundo Michaud (2002: 83), fecha os indivíduos em si mesmos,
isolando-os como vítimas em potencial, e, em resposta, eles se isolam ainda mais da
sociedade(shopping-centers, condomínios, etc.).
Assim, impera a lei do silêncio, a qual consiste em fingir que nada acontece, que não vemos
nem sabemos de nada e, por isso, continuamos com um sentimento de medo e insegurança
guardados para nós. Temos a sensação de que estamos sozinhos, que sempre precisamos

3
aprender a nos defender. Câmeras, alarmes, carros blindados são exemplos claros da
“privatização da proteção”, a qual pode ter como conseqüência o abandono da exigência de
uma proteção publica.
O grande perigo nesse movimento é a “atomização” do elo social pelo medo, pelo terror,
criando um ambiente em que as soluções e medidas propostas para reduzir a violência e a
insegurança são, muitas vezes, de caráter punitivo. Esse processo também dá margem para
que os indivíduos comecem a fazer referências não-concretas a problemas da sociedade, os
quais têm nome e sobrenome: a exclusão social, a pobreza, o tráfico, a venda de armas, as
inadequadas estruturas de prevenção para jovens em situação de risco, o sistema carcerário,
entre outros, esperando-se por soluções.

Fatores relacionais: juventudes, vulnerabilidade e exclusão social


Como fenômeno contemporâneo, a violência vem encontrando nos grandes níveis de
vulnerabilidade, respaldo para a multiplicação dos problemas sociais. Nesse sentido,
vulnerabilidade seria uma ferramenta conceitual poderosa para compreender como grande
parte dos jovens se mostram suscetíveis a processos de exclusão social, pois, se concentra
nos obstáculos e riscos que certos grupos sociais enfrentam, assim como na ênfase dos
recursos.
Não existem causas determinantes para a multiplicação do fenômeno da violência, mas
muitos fatores de vulnerabilidade social evidenciam aproximações. Retomando a tese da
violência como a negação da dignidade humana apresentada na perspectiva de alguns
teóricos contemporâneos (Brant, 1989; Caldeira, 1991; Kowarick e Ant, 1981), serão
considerados aqui alguns dos elementos fundamentais à vida. Assim, torna-se praticamente
impossível dissociar violência, vulnerabilidades e exclusão social uma vez que, não raro,
situações de violência estão intimamente relacionadas às desigualdades nas relações de
poder.
Considerou-se o conceito de ‘exclusão social’ como a falta ou insuficiência da incorporação
de parte da população à comunidade política e social, de tal maneira que se lhe negam,
formal ou informalmente, os direitos de cidadania, como a igualdade perante a lei e as
instituições públicas, e o seu acesso às oportunidades sociais – de estudo, de

4
profissionalização, de trabalho de cultura, de lazer, de expressão etc. – sendo impedido ou
dificultado.(ABRAMOVAY, M. et al. 1999:18)
O Brasil, hoje, país que faz parte do grupo dos países mais populosos do mundo, com
quase 180 milhões de habitantes2, tem evidenciado de maneira contínua, as conseqüências
da exclusão social oriunda dos altos índices de desigualdades de renda nacional.
De acordo com o Censo demográfico de 2000, o Brasil teria 20% de sua população em
idade entre 15 a 24 anos, totalizando 34 milhões de jovens. Considerando sua
especificidade qualitativa e quantitativa enquanto grupo social, se torna necessário
reconhecer sua importância na mensuração dos níveis de inclusão ou exclusão social de um
país. Este total de 34 milhões estaria distribuído da seguinte forma:
- Perfil -
JOVENS Percentual População
HOMENS 48% 16.368.000
MULHERES 52% 17.732.000
TOTAL 100% 34 milhões
*Dados PNAD – IBGE/2002

BRANCOS 50% 17.050.000


NEGROS/PARDOS: 48% 16.368.000
OUTROS** 2% 682.000
TOTAL 100% 34 milhões
*Dados: PNAD-IBGE/2002
**Indígenas, amarelos e sem declaração /Datos PNAD – IBGE/2002

- Onde vivem –
REGIÃO METROPOLITANA 31% 10.500.000
AREAS URBANAS NÃO
METROPOLITANAS 52% 17.700.000
ZONAS RURAIS 17% 5.900.000
TOTAL 100% 34 milhões

2
Dado absoluto da população Brasileira: 173,966,052. Fonte: PNAD/IBGE-2003

5
*Dados PNAD – IBGE/2002
- Renda –
Até 1/4 do Salário Mínimo 12% 4.092.000
de 1/4 a 1/2 Salário Mínimo 20% 6.854.100
de 1/2 a 1 Salário Mínimo 26% 8.866.000
+ de 1 Salário Mínimo 41% 13.981.000
TOTAL 100% 34 milhões
*Dados IBGE – PNAD 2002

Quanto à escolaridade muitos são os problemas vivenciados pelas juventudes brasileiras.


Os jovens no Brasil vem recebendo uma educação sem qualidade incapaz de transpor a
barreira da vulnerabilidade social. Em dados (Censo Escolar/2003), significa que dos 34
milhões de jovens:

 5,5 milhões (16,2%) dos jovens entre 18 e 24 anos, freqüenta a educação básica
(fundamental e médio);

 12,9 milhões (37,9%) não concluíram o Ensino Fundamental, somando 4,5 milhões
(13,2% ) os concluintes dessa modalidade;

 17,1 milhões (50,3%) estão fora da escola e destes, 11 milhões (66,0%) não
concluíram o Ensino Médio;

 6,6 milhões (19,8%) concluíram o Ensino Médio;

 1,2 milhão (3,5%) são analfabetos, e deste, 70% localiza-se na região nordeste e
73% são negros.

 A taxa de desemprego dos jovens entre 18 e 24 anos é de 17%, sendo o dobro da


taxa nacional que atinge 9%3.

É inegável que cada vez mais o estudo tornou-se requisito para o acesso às oportunidades
de trabalho, e este último, sem dúvida, é condição essencial à sobrevivência humana.
Porém, é neste ponto de intersecção entre o estudo e o trabalho que se situa um dos mais
3
Ibid

6
graves problemas da exclusão social, no qual o ensino de boa qualidade abre as
oportunidades e o de má qualidade, ao contrário, acentua a exclusão. (ABRAMOVAY, M;
RUA, M. G, 2002:193).
As considerações feitas até aqui remetem para as relações entre a problemática da violência
social sofrida pelos jovens em situação de vulnerabilidade social e os desdobramentos dessa
realidade.

Escola e Violência
A escola, para além das funções tradicionalmente consideradas inerentes à instituição
escolar, deveria ser, a priori, o lugar privilegiado para o desenvolvimento do princípio da
“liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o
saber”4. Deveria ser lugar de interações verbais reais, onde há diálogo da escola com a vida:
articulação “escola - meio social – cultura – vida”.

Educar no século XXI não pode continuar a ter o significado reducionista de preparar os
jovens para uma tarefa determinada e restrita 5. Significa também a manutenção do caráter
formativo visando a ampliação do processo de aprendizagem contínuo e evolutivo,
garantindo os preceitos da construção da cidadania. Porém, as relações entre escola e
violência vem aumentando gradativamente, pois, no momento em que o Estado falha na
oferta e garantia dos direitos, um caráter de sobrevivência, seja qual for, se estrutura à
margem dessa sociedade com códigos e valores distintos, que muitas vezes ameaça o
direito à vida.

A escola está se transformando em um lócus privilegiado para a reprodução massiva da


violência estrutural e seus diversos níveis: institucional, simbólica e física. Segundo estudos
realizados pela UNESCO6, a escola vive hoje uma situação de vulnerabilidade às violências
várias, aumentando assim sua perda de legitimidade como lugar de transmissão de saberes

4
(LDB/Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Nº 9394/96, Art 3º, inciso I).
5
DELORS, J. Educação. Um Tesouro a Descobrir, Relatório para a UNESCO da Comissão
Internacional sobre Educação para o século XXI, São Paulo: Cortez; Brasília: MEC:
UNESCO, 2001.

6
ABRAMOVAY, Miriam e RUA, Maria das Graças. Violência nas Escolas Brasília: UNESCO,
Instituto Ayrton Senna, UNAIDS, Banco Mundial, USAID, Fundação Ford, CONSED, UNDIME,
2002.

7
(ABRAMOVAY, M; RUA, M. G, 2002:78). Porém, é necessário ponderar que as relações
entre escola e violência não podem ser concebidas exclusivamente como um processo de
"fora para dentro", pois a violência que permeia o âmbito escolar afetando-o, é também
resultante de um processo gerado no próprio interior da dinâmica escolar.

O caráter difuso e mutável da violência aliado às intensas transformações da vida


contemporânea e seus desdobramentos, tais como o aumento da criminalidade, sobretudo
nas grandes metrópoles brasileiras, vem gerando novas formas de organização da vida
cotidiana, envolvendo e determinando alterações significativas na dinâmica social e
institucional – no último caso, a escola, como equipamento social que envolve quase a
totalidade da população infanto-juvenil, é atingida de forma particular7.
As questões relativas à violência escolar não podem ser tratadas de modo isolado, mas sim
em íntima articulação com a dinâmica educativa da escola como um todo, “dentro e fora”
dela, especialmente porque os jovens trazem para seu cotidiano escolar de uma forma
aberta, sua maneira de ser, sua linguagem e sua cultura, exigindo novas formas de
comunicação.
O que está cada vez mais evidente é a grande distância entre a cultura escolar e a cultura
juvenil8. Este também pode ser um fator relacionado à violência presente nas práticas
escolares, como por exemplo, os modos de conceber a avaliação e a disciplina escolar. Não
raro, manifestações diversas de violência, vem permeando o universo escolar impondo
novos padrões de seu ordenamento, tanto nas relações intra-escolares quanto extra muros
da escola.

7
GUIMARÃES, Eloísa. ESCOLA, GALERAS E NARCOTRÁFICO: NOVOS PADRÕES DE
RELACIONAMENTO ENTRE A ESCOLA PÚBLICA DE 1O GRAU E O MEIO URBANO NA
CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Disponível em
http://www.educacaoonline.pro.br/escola_galeras.asp.01/06/2005
8
A cultura escolar se rege por princípios mais próximos da socialização infantil onde o
processo é o inverso do juvenil. A escola é tratada como espaço de aprendizado curricular e
coloca mais ênfase na tarefa de “normatizar” o jovem e sua cultura. Esta ênfase tem muito mais
o propósito de cumprir com os objetivos da escolarização do que o de oferecer uma formação
mais integral dos jovens. A cultura juvenil compreende um conjunto de saberes e fazeres que
tende a desenvolver-se cada vez com mais autonomia em torno de preocupações geracionais,
símbolos compartilhados, linguagens específicas e modelos ou estilos de comportamento. Nesse
sentido, as escolas deveriam ser espaços para além do desenvolvimento de aprendizagens
curriculares em diversas temáticas específicas, sobretudo lugares privilegiados para a
socialização juvenil, dado que os jovens permanecem boa parte do seu dia nesses espaços.

8
O que tem se configurado de maneira surpreendente é a naturalização da violência no
espaço escolar e a conseqüente ou ‘inconseqüente’ banalização da mesma. Com marcas
profundas das questões de desigualdade social, é fundamental chamar especial atenção às
nuances tomadas pela violência, ou seja, ainda que fatores de vulnerabilidade social estejam
em grande parte associados à atual conjuntura social, não são eles os determinantes do
caráter complexo e difuso das violências em nossa sociedade.

Nesse sentido, o jovem vem sofrendo rupturas com suas principais agências socializadoras,
deparando-se ainda com o fato de a escola estar se transformando em lugar de confrontos
dos mais diversos tipos e intensidades. Para Santos (2005), seria como se o espaço escolar
aparecesse como ponto de condensação e de explosão da crise econômica, social e política,
disseminando a vulnerabilidade estrutural da sociedade brasileira através da manifestação
de diversos tipos de violências, sejam de ordem física, simbólica ou mesmo institucional.
Segundo estudo realizado pela Unesco9, a violência estaria classificada em três níveis:

1. Violência “dura”: golpes, ferimentos, violência sexual, roubos, crimes, vandalismos;

2. Incivilidades: agressões, humilhações, palavras grosseiras, desordens, falta de respeito,


dicriminação;

3. Violência simbólica10 ou institucional11: refere-se ao abuso do poder baseado no


consentimento que se estabelece e se impõe mediante o uso de símbolos de autoridade e
que dissimula as relações de força e poder. Ela fere e não necessariamente se utiliza de
força física.

9
CHARLOT apud ABRAMOVAY, Miriam e RUA, Maria das Graças. Violência nas Escolas Brasília:
UNESCO, Instituto Ayrton Senna, UNAIDS, Banco Mundial, USAID, Fundação Ford, CONSED,
UNDIME, 2002.

10
A Violência Simbólica é compreendida como a falta de sentido de permanecer na escola por
tantos anos; o ensino como um desprazer, que obriga o jovem a aprender matérias e conteúdos
alheios aos seus interesses; as imposições de uma sociedade que não sabe acolher os seus
jovens no mercado de trabalho; a violência das relações de poder entre alunos e professores, a
sua obrigação de suportar o absenteísmo e a indiferença dos alunos.
11
Violência Institucional: marginalização, discriminação e práticas de assujeitamento
utilizadas por instituições diversas que instrumentalizam estratégias de poder

9
Como resposta, estão surgindo novas formas de organização social, como, por exemplo,
ações do narcotráfico que vêm delimitando e ocupando os espaços de socialização e
formação do sujeito e que deliberadamente vêm invadindo as escolas. Através de uma
sedução perversa, fortemente apoiada na negação do direito à cidadania, vem negando
também a função primordial da escola que deveria ser o alicerce para a conscientização
democrática e participação cidadã.

Absenteísmo e Fracasso Escolar como manifestações da violência simbólica


Na ordem manifesta das diversas violências, alguns fenômenos vêm sendo identificados de
forma cada vez mais freqüente. São fenômenos que vêm traçando um novo perfil do
comportamento dos jovens no Brasil e em algumas partes do mundo.
É necessário, portanto, explorar certa soma de fatores de risco relacionados à violência
simbólica, os quais poderíamos destacar o absenteísmo e fatores relacionados ao fracasso
escolar, tais como o abandono da escola. É importante ressaltar que o absenteísmo frente a
uma condição de violência social manifesta, também se associa a fatores de desigualdade
social.
Sob o ponto de vista administrativo, o absenteísmo vem sendo definido (Chouquet, 1993)
como um comportamento centrado na repetição de faltas voluntárias às aulas. No caso
brasileiro, o Ministério da Educação trabalha a questão de forma aleatória considerando
absenteístas, os alunos com determinado número de falta às aulas registradas pelos diários
de classe dos professores.
Devido às dificuldades sistemáticas de mensurar a incidência e manifestações do
absenteísmo dentro da escola e suas possíveis correlações com o fracasso escolar, tem-se
estabelecido uma tendência preconceituosa em buscar na família, em especial famílias de
baixa renda, os verdadeiros culpados por seus maiores níveis de incidência, reproduzindo
assim perspectivas simplistas entre pobreza, delinqüência juvenil e fracasso escolar.
É oportuno considerar que a escola vive cotidianamente uma sensação de insegurança, onde
toda a comunidade escolar passou a ter medo de tornar-se vítima de violência, seja dentro
da escola ou extra muros, e no caso específico do aluno, este medo se soma ao
autoritarismo dos professores e gestores12.
12
ABRAMOVAY, Miriam e RUA, Maria das Graças. Violência nas Escolas Brasília: UNESCO,
Instituto Ayrton Senna, UNAIDS, Banco Mundial, USAID, Fundação Ford, CONSED, UNDIME,
2002.

10
Alunos, por capitais das UFs, segundo percepção das conseqüências da violência na
escola sobre o desempenho escolar, 2000.

REPERCUSSÕES DAS VIOLÊNCIAS NAS freqüência %


ESCOLAS

Não consegue se concentrar nos estudos (2.054.951) 45

Fica nervoso desconcentrado (1.442.149) 31

Perde a vontade de ir à escola (1.455.799) 31

TOTAL (N ) (4.633.301) ....**

*Fonte: UNESCO, “Violência, AIDS e Drogas nas Escolas”, 2001


**O somatório das categorias não totaliza 100% em função da possibilidade do aluno
indicar mais de uma alternativa para esta questão
Os alunos criticam e sublinham casos de relacionamento entre professores e estudantes que
bem se enquadram na classificação de violência. Em particular, as de formato simbólico,
em que o abuso de poder se vale de símbolos de autoridade.O poder que o professor detém
de atribuir notas e julgar comportamentos pode inibir os alunos, que ficam com medo de
denunciar os abusos. Em contrapartida, ocorrem situações em que os alunos insultam ou
humilham professores (Abramovay e Rua, 2002: 180-181).
Alunos e membros do corpo técnico-pedagógico, por capitais das Unidades da
Federação, segundo declaração de não comparecimento às aulas devido à violência na
escola, 2000 (%)
REPERCUSSÕES PA DF BA SP RS TOTAL
DAS GERAL
VIOLÊNCIAS
NAS ESCOLAS
Alunos 6 7 7 8 5 7
TOTAL (N) 158.889 287.296 376.805 1.274.440 155.746 3.984.412
Membros do 1 1 2 3 2 3

11
corpo técnico-
pedagógico
TOTAL (N) 228 128 165 237 293 2757
*Fonte: UNESCO, Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, 2001.

O aluno que falta à escola, ou aquele que a abandona, é um aluno cada vez mais ansioso e
que tem uma imagem difusa de si mesmo, que muitas vezes se estabelece como espécie de
comportamento de fuga. É oportuno destacar que, não raro o fenômeno está relacionado a
condutas escapistas e/ou violentas.
Torna-se fundamental conhecer diferentes tipos de absenteísmo13, no sentido dividir papeis
e responsabilidades, seja para a família, seja para a escola, que de uma maneira ou de outra,
não tem conseguido cumprir totalmente sua função histórica e social, quanto ao papel de
agências socializadoras e construtoras das possibilidades futuras:
 Absenteísmo preventivo: geralmente vem relacionado à violência escolar e pode ser
reflexo da falta ou excesso de acontecimentos escolares. Tem grande utilidade na
diferenciação entre ausências não autorizadas pelos pais e ausências cobertas pelo
sistema educacional.
 Absenteísmo de atraso: inúmeros alunos praticam um absenteísmo tardio, ou seja,
chegam sistematicamente atrasados ao início das aulas e fazem prolongamento do
tempo destinado ao intervalo a ponto de influenciar o rendimento global da turma. Esta
tem sido uma forma precursora de um absenteísmo mais regular que denota falta de
motivação e desmobilização parcial.
 Ausentes de interior (drop in): essa manifestação do fenômeno dá aparência de mera
ausência física, ou seja, muitos alunos, apesar de sua presença física, vivem contínua
falta mobilização escolar que desencadeia efeitos no prisma da escolaridade como
dispersão excessiva, comportamentos não raro depressivos criando gradualmente
desgosto e desapego pelo cotidiano e espaço escolar.

13
BLAYA, C. e HAYDEN, C. Constructions sociales des absenteismes et des decrochages
scolaraires en France et en Anglaterre – Rapport remis à la direction de la programmation et
du développement – Minstère de la Éducation Nacional. Bordeaux : Université Bordeaux,2003.

12
 Absenteísmo por escolha: neste caso os alunos possuem uma visão global negativa da
escola e chegam a faltar uma vez por semana sem autorização, elaboram estratégias a
fim de evitar os poucos aspectos positivos. Outros admitem faltar por não obterem bom
desempenho na sala de aula, ou ainda por acharem que para eles inexiste a necessidade
de mudar seu ritmo de vida. Esse tipo é uma tendência nos dias que antecedem ou
sucedem os fins de semana e que tende a aumentar consideravelmente.
 Absenteísmo Crônico: Reid (apud Blaya, 2003), definiu este tipo de conduta como
uma ausência que corresponde a 65% do tempo total de presença obrigatória na sala de
aula em um trimestre. Considerado como um tipo de “absenteísmo pesado”
corresponde ao último estágio antes do fracasso escolar e caracteriza-se por algumas
particularidades como rejeição escolar, atrasos recorrentes, aproximação de grupos
afins sejam amigos ou mesmo membros da família.
 Absenteísmo coberto pelos pais: onde os alunos são atores de faltas acobertadas pelos
pais, uma vez que freqüentemente se evidencia a inserção dos filhos na renda familiar,
onde pais e mães manifestam hostilidade à escola e sua função social.
Uma grande questão é o que fazem os jovens absenteístas quando não estão na escola?
Uma vez que o absenteísmo pode ter um papel socializante, pode ser um meio de entrar em
contato com pessoas fora do círculo escolar, esta se transforma potencialmente em
oportunidade de convivência com outros interesses além do mundo escolar, ou seja, o
absenteísmo pode se construir a partir do sentimento de não pertencimento ao universo
escolar14.
Outra analise se refere à escola como instrumento de inserção social, onde a desmotivação
e o abandono escolar tem se transformado em um problema de exclusão, e muitas vezes de
marginalização social (Chouquet, 1993). Nesse sentido, o absenteísmo está comumente
associado a comportamentos vulneráveis tais como o abandono da escola, em muitos casos,
etapa preliminar do fracasso escolar. Muitos alunos absenteístas se vêem, freqüentemente
diante da perda de confiança pessoal e social, desencadeando condutas de risco.

Há registros que evidenciam uma tendência ao abandono do sistema educativo ainda que os
alunos estejam na idade obrigatória de freqüentar a escola, ou mesmo àqueles que nunca

14
Ibid.

13
fizeram realmente parte dele. Isso diz respeito tanto à importância do problema social
quanto ao complexo e doloroso processo que se esconde por trás do absenteísmo e da
evasão escolar.
Para compreender o fenômeno do fracasso escolar, não existem determinantes sociais.
Entretanto, observam-se problemas macroestruturais diversos, dentre os quais se destaca a
baixa escolaridade da população brasileira15. Isso acontece porque o sentido da escola vem
se deteriorando, fazendo, com que a escola perca gradativamente a capacidade de propiciar
um processo de aprendizagem de qualidade.
No estudo Ensino Médio: Múltiplas Vozes16, pesquisa realizada pela Unesco sobre a
situação do ensino Médio no Brasil, identificou-se que os alunos tendem a reproduzir
respostas onde eles mesmos se culpabilizam pelos problemas vivenciados na escola. Assim
66% dos alunos afirmaram que seu desinteresse é a principal causa dos problemas que
acontecem na escola, ou seja, seis em cada 10 estudantes se culpabilizam. A escola
conseguiu de fato convencê-los de que são eles, os alunos, seu principal problema.
A atitude e o comportamento dos professores são fatores determinantes no desinteresse pela
escola e no tédio. Percebe-se que as relações professor/aluno são marcadas por: falta de
atenção, pouca interação, falta de interesse, agressividade e violência de ambas as partes.
Em parte, isso se deve ao fato, dos professores se manterem distantes do cotidiano dos
alunos e fechados nos conteúdos e disciplinas que devem ministrar, assim como da
sensação de insegurança também vivenciada por este grupo.
Nessa discussão também se destaca o clima escolar, que seria o “clima” em sala de aula e a
qualidade das interações entre professores e alunos. Atualmente, tais interações vêm sendo
tomadas como fenômenos de violência escolar17, somados a sérios problemas na relação
entre aluno e escola, evidenciando uma falta de coerência entre socialização familiar e
socialização escolar, neste caso favorecendo ainda mais a possibilidade de fracasso escolar
dos alunos oriundos de meios populares.

15
IBGE. Síntese dos Indicadores/2004
16
ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary. Ensino Médio: múltiplas vozes – Brasília: UNESCO,
MEC, 2003.
17
ABRAMOVAY, Miriam et al. Escolas Inovadoras: experiências bem sucedidas em escolas
públicas. Brasília: UNESCO, 2003.

14
Entretanto, abandono e o tédio na escola não são os únicos fatores que desempenham um
papel importante nos problemas de adaptação na escola e na evasão. Resgatar a
complexidade de situações e contextos em que ocorrem estes fenômenos, pode colaborar
com a análise de como pode ser percebido o fracasso escolar.
Em uma primeira análise, o fenômeno do ‘fracasso escolar’ pode ser medido pelas crianças
que não são atendidas pelas escolas. Em 1991, eram atendidas 89% das crianças brasileiras
de 7 a 14 anos. De acordo com os dados de 2000, o Brasil atendia 96,4% das crianças de 7
a 14 anos. Porém, é necessário observar a trajetória das crianças que permanecem na escola
e como elas permanecem. Nesse sentido, os números são mais preocupantes:
 Na 1ª série do Ensino Fundamental, 20,6% (1.052.772) das crianças que estudam na
Rede Pública tem nove anos ou mais, ou seja, dois anos mais que os sete
teoricamente adequados para esta série.
 Ao final da 4ª série, 36,2% (1.373.693) dos alunos que estudam na rede pública têm
12 anos ou mais, evidenciando altos níveis de distorção entre série e idade.
 1/3 (1.858.386) dos estudantes brasileiros da 1ª série do Ensino Fundamental, em
2003, foi reprovado ou abandonou o sistema escolar. Essa seria uma das principais
medidas do fracasso escolar no Brasil.

Distorção idade-série – Rede Pública: Brasil*

Localização 1ªEF 4ª EF
Total 20, 6 36,2
Urbana 15,6 30,0
Rural 32,7 56,4
(*) Censo Escolar 2003 – SAEB/INEP/MEC
Existem vários fatores que contribuem para que o Brasil tenha taxas de distorção idade-
série tão altas. Um deles decorre do ingresso tardio na escola aliado aos índices de
reprovação e abandono. Segundo o Censo Escolar (2003), as escolas brasileiras
reprovaram, em 2002:

1ª série do Ensino Fundamental: 867.454 alunos.

15
4ª série do Ensino Fundamental: 396.220 alunos.

Em 2002, de cada 100 alunos da rede pública que se matricularam na 1ª série do Ensino
Fundamental, 16 foram reprovados.
Para conhecer o problema, se faz necessário a priori conhecer melhor o público
marginalizado dentro do sistema educacional. É visível o impacto da reprovação na média
de proficiência dos alunos:
 25,1% dos alunos da 4ª Ensino Fundamental que estudam na rede pública
responderam que reprovaram uma vez.
 10% já reprovaram duas vezes ou mais. A média de desempenho desses alunos em
Língua Portuguesa é quase 30 pontos inferior aos alunos que nunca reprovaram e
estão cerca de 45 pontos do mínimo esperado para a série18.
Um dos principais fatores de fracasso escolar relaciona-se ao abandono que, por sua vez
está ligado a uma série de fatores de ordem individual de cada criança ou jovem. Em geral
aqueles que experimentam o abandono, têm uma história escolar marcada por dificuldades,
que culminam muitas vezes em rupturas19.
Não existe um consenso quanto à definição específica de abandono escolar. Alguns autores
entendem que o abandono se dá quando um aluno deixa de freqüentar a escola por um
período de três semanas, outros consideram o abandono quando o aluno sai do sistema
escolar sem obter um diploma, mas é importante considerar que o abandono escolar é um
processo e não um estado, ou seja, é uma construção social20.
De sobremaneira o abandono associado à evasão, enfatiza alguns aspectos prioritários à
análise: relação entre violência e fracasso escolar, alunos absenteístas, problemas de
comportamento, influência da família, experiências escolares negativas, funcionamento e
organização da escola.

18
Censo Escolar 2003 – SAEB/INEP/MEC
19
BLAYA, C. e HAYDEN, C. Constructions sociales des absenteismes et des decrochages
scolaraires en France et en Anglaterre – Rapport remis à la direction de la programmation et
du développement – Minstère de la Éducation Nacional. Bordeaux : Université Bordeaux,2003.

20
Ibid

16
Em 2003, o Censo Escolar afirmou que 486.387 alunos abandonaram as escolas brasileiras
ainda na primeira série do Ensino Fundamental e 218.950 abandonaram os estudos na 4ª
série do Ensino Fundamental. Para melhor compreensão do fenômeno, uma questão
relevante seria como os jovens são levados a abandonar. Em geral, os fatores de risco
combinam questões de ordem pessoal, familiar, ambiental e institucional.
A realidade dos alunos do Ensino Médio não é diferente. Bourdieu e Passeron (1982),
defendem que a escola não é um lugar socialmente neutro. Em razão disso os jovens se
encontram a uma certa distância em relação à chamada cultura escolar e, ocasionando,
portanto, desempenhos diferenciados nos estudos. Assim, quando na pesquisa sobre Ensino
Médio:Múltiplas vozes realizada pela UNESCO21 se perguntou sobre o quanto à escola
ensina, 53,2% dos alunos responderam “pouco”. Em números absolutos isto representa
que:

 De 1.651.966 alunos entrevistados, 878.846 opinaram que a escola ensina pouco;


 45% (743.385) dos alunos pesquisados já reprovaram alguma vez em suas vidas;
 Desse subtotal, 65%(483.200) dos alunos estão concentrados no noturno;
 Quanto à repetência, 39% (644.267) dos alunos disseram ter repetido o ano alguma
vez em suas vidas;
 Sobre o abandono, 20% (330.393) dos alunos declararam ter abandonado a escola,
ou seja, 1/5 dos estudantes pesquisados já havia abandonado os estudos;

Nesse processo, a instituição e os adultos têm um papel preponderante que inegavelmente


deveria ser evitado. O mesmo estudo revelou que 77% dos professores afirmam que o
principal problema da escola são os alunos desinteressados e 33% dos mesmos, alunos
indisciplinados. Os professores além de culpabilizarem os alunos, referem-se também às
suas famílias. Sem criticar, ou sequer associar a problemática da escola a uma questão
institucional e estrutural, reduz-se toda a complexidade de uma análise orientada ao sistema
escolar, a uma dinâmica individualizada que termina por simplesmente culpabilizar os
alunos.

21
ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary. Ensino Médio: múltiplas vozes – Brasília: UNESCO,
MEC, 2003.

17
Refletir no sentido de propor alternativas ao papel da escola na produção do abandono
tornou-se prioritário, não no sentido de culpabilizar a escola, mas de perceber como ela
vem contribuindo na produção de situações de rupturas com crianças e jovens em idade
escolar, e que não raro podem levar ao abandono, contradizendo sua função social de
democratização do acesso à instrução e à educação.
A escola tem que estar preparada para assumir as respectivas condições em que vivem seus
alunos, criando estratégias de acesso, pertencimento, permanência e qualidade, pautadas no
respeito ao outro e na inclusão de todos no processo de ensino-aprendizagem.

Considerações finais
É notório que a escola não vem desempenhando o papel de socialização como poderia ou
deveria fazer frente à complexidade das relações sociais vividas dentro e fora da escola,
entre a comunidade escolar como um todo, que se sente desamparada e despreparada para
lidar com toda a problemática das violências.
Charlot (1997), defende que a relação com saber é uma relação de sentido. Trata-se de
procurar o que faz sentido para os indivíduos, ou seja, a relação do aluno com sua escola,
com aquilo que se aprende e que varia dependendo de vários fatores como seus interesses,
projetos de futuro, sua condição econômica ou mesmo seu capital social e cultural.
É importante que exista interação entre os atores, alunos, professores, gestores e
comunidade e que os mesmos estejam atentos, vigilantes, pois, a qualidade das relações
sociais na escola interfere no clima escolar, tornando a convivência, entre os diversos atores
mais amistosa, ou suscetível à ocorrência de conflitos.
Considerando-se a escola como um espaço de encontro das juventudes se buscou entender
como é o processo de interação entre alunos, assim como entre esses e os adultos da escola,
tendo como base suas percepções. A escola se apresenta como espaço privilegiado de
socialização e neste ambiente são construídas relações de afetividade e de conflito entre
alunos, professores, diretores e outros funcionários da escola. A depender de como são
essas relações, a escola pode se apresentar como um local de encontros e amizades, ou
tornar-se um ambiente permeado por indiferenças, tensões, conflitos e violências.

Faz-se urgente a reconstrução das relações sociais, resgatando o elemento humano presente
e constitutivo do universo escolar. Estrategicamente, isso significa que lutar contra fatores

18
relacionados à violência e fracasso escolar não resolverá todos os problemas da sociedade
contemporânea, mas ao resolver parte dos problemas de violência resolve-se ao menos uma
parte do problema na escola. A melhoria das relações faz surgir um sentimento de
pertencimento, o que é um fator de proteção incontestável e que facilita a aptidão em
responder às exigências do setor escolar.
Uma escola de qualidade não pode ser acometida por problemas como a falta de segurança,
o medo, o terror, a eclosão de graves conflitos, e às incivilidades de várias ordens,
deteriorando o clima, as relações sociais, e impedindo que a escola cumpra a sua função.
Freire (apud Snyders 1993:12), afirma que é a alegria na escola que fortalece e estimula a
alegria de viver, pois, se o tempo da escola tem se configurado como um tempo de enfado
em que educador, educadora e educandos vivem os segundos, os minutos, os quartos de
horas à espera de que a monotonia termine a fim de que partam risonhos para a vida lá
fora, a tristeza da escola termina por deteriorar a alegria de viver. para o autor, a alegria é
necessária porque viver plenamente a alegria na escola significaria mudá-la, lutar para
incrementá-la, melhorando e aprofundando a mudança. Além do mais lutar pela alegria na
escola seria uma maneira de lutar pela mudança no mundo.(Freire apud Snyders 1993:12).
Segundo Braslavsky (2002), a escola deveria ser um lugar onde todos aprendessem em
estado de FELICIDADE, pois os jovens merecem uma escola de qualidade, onde se sintam
bem e possam descobrir o conhecimento e a solidariedade junto a uma educação eficaz e
eficiente. Onde possam aprender o que necessitam em momento oportuno e em uma
situação de felicidade.
É esta a educação que queremos: uma escola com sentido profundo de bem-estar em que e
o prazer e a felicidade constituam, em si mesmos, uma experiência educativa de qualidade.

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