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1ª AVALIAÇÃO
Outro tipo de violência a ser abarcado é a violência que ocorre de maneira indireta,
muitas vezes sem sequer que agressor e vítima estejam no mesmo ambiente. Essa violência
foi especificamente facilitada pelo avanço das tecnologias que possibilitam fenômenos como
ataques remotos com uso de drones, ataques com satélites e mesmo ataques cibernéticos.
E por fim, a violência precisa ser compreendida nas suas diferentes formas e tipos.
Podendo envolver danos físicos mais ou menos graves, mas também danos psíquicos, morais,
danos aos bens, danos aos próximos e ainda aos laços culturais de um sujeito ou uma
população. Ainda que os prejuízos materiais e físicos sejam normalmente considerados os
mais importantes pelo senso comum (e por vezes, até mesmo judicialmente) talvez por serem
mais visíveis, perseguições morais e psicológicas, a intimidação, os danos sacrílegos a
crenças e aos costumes de outrem podem ser muito graves.
Dadoun (1998) levanta a discussão dos diferentes tipos de violências que perpassam
os estágios da vida de todo ser humano, desde o nascimento até o momento de sua morte. No
capítulo 2 do livro Violências , o autor destaca o papel da violência no que tange a questões
primordiais da natureza, como o momento do parto e toda violência que está ligada a ele
durante este momento da vida, a criança ao nascer traz consigo toda uma dor tanto para a
gestante quanto para si, o nascimento é marcado por uma grande quantidade de estímulos
estranhos para a criança que acaba de chegar ao mundo, seus sentidos são sobrecarregados de
todos os lados, essa violência ainda pode ser intensificada, evoluindo para uma violência
obstétrica que é capaz de gerar riscos tanto para gestante quanto para o bebê.
O autor realiza uma interface com a psicanálise, onde traz a teoria kleiniana e
freudiana para a discussão. De um lado temos a teoria freudiana, falando de pulsão de vida e
pulsão de morte, duas orientações pulsionais existentes em todo ser humano e que não
medem esforços para serem satisfeitas. Do outro temos a teoria kleiniana, onde Klein traz os
conceitos de “posição esquizo-paranóide” e “posição depressiva”, duas posições do
psiquismo que ocorrem desde a tenra infância, a criança ao se ver diante de um objeto de seu
agrado, não mede esforços em tratar aquele objeto como sendo bom, todavia se aquele objeto
a está desagradando, a criança não mede esforços em tentar destruí-lo, considerando tal
objeto como mal. Tanto na teoria kleiniana quanto na freudiana, os aspectos destacados
anteriormente percorrem a vida toda do sujeito, da infância à velhice, constantemente nos
vemos diante de objetos que satisfazem nossas moções pulsionais e que podem ser
considerados bons ou ruins, conforme vamos crescendo, precisamos ver que os objetos não
são todos bons ou todos ruins, mas que possuem características de ambos, isso é o que
Melanie Klein chamou de “posição depressiva”.
Durante toda sua vida, o sujeito é submetido a diferentes tipos de violências para que
possa moldar seu comportamento e sua forma de pensar diante da sociedade, há uma forma
adequada de se vestir, de que objetos portar, de como falar e do que saber. Nesse viés, o autor
retoma o texto de Freud “Bate-se em uma criança” de 1919 ao explicar como a violência
pode intervir na constituição da subjetividade do sujeito, afetando seu modo de ver e atuar
sobre o mundo.
A partir disto podemos apontar onde o psicólogo se insere nesta discussão, de acordo
com o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005):
O paciente que chega ao psicólogo, geralmente está cansado de lidar com a violência
individual, ou seja, a violência que este exerce sobre si mesmo. Todavia, para chegar neste
ponto de estar insuportável conviver consigo mesmo, o paciente tem em sua história de vida
diversas situações que moldaram sua subjetividade, moldando também sua forma de lidar não
apenas consigo mesmo, mas com o outro. Dadoun (1998) explica que “a violência é sempre
uma resposta a outra violência”, o diferente é visto como portador da violência e que em
resposta a diferença, outra violência precisa ser exercida. E a partir desta constituição
violenta que se molda desde a infância, o ego vai se cristalizando. O profissional de
psicologia acaba tendo como uma de suas funções, auxiliar a pôr um fim neste ciclo de
violência que o paciente perpetua contra si mesmo, afinal, se o Eu é um outro, pressupõe-se
que exista uma diferença no próprio sujeito também.
A violência não pode ser derivada do poder, pois de acordo com Arendet (2001)
ela surge em momentos que ele está em risco, podendo até conduzir ao desaparecimento do
poder caso seja deixada a seu próprio curso. A violência é de natureza instrumental,
precisando de orientação e justificava para alcançar o fim que almeja, ela e o poder aparecem
juntas em apenas um caso: quando ela é utilizada como último recurso para conservar intacta
a estrutura de poder contra contestadores individuais, um exemplo disso é quando governos
utilizam a violência para silenciar revoltas.
Arendt (p. 54) questiona se todos da direita à esquerda deveriam concordar com a
definição de poder, e explica que estas derivam de uma velha noção de poder absoluto. Ao
desenvolver esta concordância generalizada, Arendt (p. 54) diz que a maior forma de
dominação é a burocracia e, de forma surpreendente, (p. 55) quem exerce este poder não é
um homem, ou um conjunto deles, nem os melhores, nem minoria ou maioria. É chamado de
domínio de ninguém, pois quando não se encontra responsável pelo que é feito, torna
impossível a identificação do inimigo, (p. 55) e causa a rebelde inquietude espraiada pelo
mundo de hoje, da sua natureza caótica, bem como da sua perigosa tendência para escapar ao
controle e agir desesperadamente.
As instituições políticas exercem sua função ao demonstrar que (p. 57) são formas
distintas de poder. Elas erguem-se e decaem no momento que o poder vivo do povo deixa de
sustentá-las. (p. 58) A maioria controla as funções tanto na democracia quanto na monarquia
ou na tirania. O rei precisa do apoio geral da sociedade, e o tirano precisa de representantes
na tarefa da violência. Porém, o poder depende dos números, sendo assim, na medida que a
tirania é associada ao número um, como afirma Montesquieu, conclui-se que (p.58) a tirania é
a forma de poder mais violenta e, simultaneamente, menos poderosa.
Sendo assim, no referido capítulo da obra de Hanna Arendt Sobre a violência, esta
aborda a definição de violência e poder e sua interrelação ao serem definidas, enquanto
coligadas, pela tradição filosófico-política que se desenvolve desde a Grécia antiga até a
contemporaneidade da referida obra. Arendt inicia tal capítulo citando a definição de poder,
mais adotada e amplamente aceita na filosofia política, como sendo a mais pura manifestação
de violência e seu papel na definição de estado, enquanto sendo aquele que detém o
monopólio legítimo do uso da violência. Ou seja, de acordo com tais definições o poder seria
um instrumento de dominação que almeja fazer com que os outros realizem as vontades
daqueles que estão no poder, ou melhor, daqueles que possuem o monopólio da força para
coagir os outros por meio da violência.
Ademais, ela se dispõe a realizar a distinção entre violência e poder e propor uma
nova definição para ambos diferente da tradição filosófico-política. Em sua exposição das
duas definições mencionadas anteriormente ela também realiza a definição de outros três
conceitos interligados a violência e ao poder e muitas vezes são utilizados como sinônimos
destas duas, a dizer: a força, a autoridade e o vigor.
A definição de poder exposta Arendt é contrária a definição amplamente aceita na
filosofia política, para ela o poder não é algo capaz de pertencer a um indivíduo, mas a um
grupo de pessoas, pois o poder está diretamente relacionado a capacidade humana de agir em
conjunto. Ou seja, o poder é produto da comunhão de um grupo de indivíduos, ele emana do
coletivo e não de um indivíduo, logo, quando alguém “está no poder” na verdade este foi
escolhido por um grupo de indivíduos para representar tal grupo e isto se aplica não apenas
em formas de governos representativos, mas também à aristocracia, oligarquia e até aos
governos tiranos, pois até os tiranos que governam por meio do medo e da violência têm
aqueles que os apoiam para que tal governo seja possível.
A ideia de força é comumente utilizada em nosso cotidiano como sinônimo de
violência, principalmente para denotar coerção, porém esta é utilizada de forma errônea, pois
devia ser reservada apenas para fenômenos da natureza ou efeitos físicos. Por conseguinte, o
vigor diz respeito a qualidade individual, característica de um objeto ou pessoa, de se provar
perante outro objeto ou indivíduo e apesar de um indivíduo ser o mais forte até seu vigor
pode ser sobrepujado perante o vigor de muitos. A autoridade, por sua vez, consiste no
respeito pelo cargo ou pela pessoa, sendo aceita de forma inquestionável a obediência a
aqueles que se peçam que obedeçam, sem a necessidade de coerção ou persuasão. Por fim, a
violência é caracterizada por ser instrumental e pode ser tida como um implemento do vigor,
como um instrumento ou ferramenta que aumenta o vigor humano.
Não obstante, vale mencionar que para Arendt (2001, pág. 70) a violência sempre
pode levar a obediência bem como sempre será capaz de destruir o poder, pois do cano de
uma arma emerge o comando mais perfeito e a obediência mais efetiva. Apesar de a violência
ter a capacidade de sobrepujar o poder, também é possível o contrário, porem a autora
ressalta que isto pode variar de acordo com o contexto no qual a violência e o poder se
confrontam. A exemplo, há a estratégia de resistência não violenta de Gandhi, a qual foi bem
sucedida contra a Inglaterra e que, caso tivesse sido contra outro governo como a Alemanha
nazista ou a Rússia de Stálin, teria sido mal sucedido.
Logo, poder e violência são colocados como diametralmente opostos, o primeiro é
tido como um fim em si mesmo, pois, onde quer que haja a comunhão de indivíduos em prol
de um agir, haverá poder, já que este é inerente à existência de qualquer comunidade política;
já a segunda, ela é apenas um meio para um fim, sempre precisa ser justificada e orientada
em prol do fim que almeja. Por fim, apesar de estes serem contrários não há espaço para uma
interpretação dialética por meia da negatividade hegeliana, pois onde um domina
completamente, o outro se encontra ausente, porém quando o poder este em risco a violência
tende a aparecer, levando-o ao seu desaparecimento
Referências