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ISSN 1413-389X Temas em Psicologia - 2009, Vol.

17, no 2, 329 – 341


Dossiê "Psicologia, Violência e o Debate entre Saberes"

Moralidade e violência: a questão da legitimação de atos


violentos

Yves de La Taille
Universidade de São Paulo – Brasil

Resumo
O presente artigo visa avaliar as contribuições da Psicologia Moral para o estudo da violência.
Começamos por estabelecer as relações entre a moral, a ética e a violência. Em seguida, apresentamos
o modelo teórico que nós adotamos, e que leva o nome de “construção da personalidade ética”.
Prosseguimos fazendo uma revisão das teorias psicológicas que visam explicar o fenômeno da
violência. Finalmente, defendemos a hipótese segundo a qual a violência pode ser consequência da
ausência de limites morais que a coibiriam ou decorrência da construção da identidade do sujeito,
sendo, nesse caso, a violência valor social.
Palavras-chave: Moral, Ética, Violência, Psicologia moral.

Morality and violence: legitimating acts of violence in question

Abstract
This article aims at evaluating the contributions of moral psychology to the study of violence. We first
establish the relationship between morality, ethics and violence. Next, we present the theoretical model
adopted, which bears the name of 'construction of ethic personality'. We continue by carrying out a
review of psychological theories devoted to explain the phenomenon of violence. Finally, we support
the hypothesis that violence may result from lack of moral boundaries to inhibit it, or from the identity
construction of the subject for which violence is a social value.
Keywords: Morality, Ethics, Violence, Moral psychology.

La moral y la violencia: la cuestión de la legitimidad de los actos


violentos

Resumen
Este artículo tiene como objetivo evaluar las contribuciones de la psicología moral para el estudio de la
violencia. En primer lugar, establecer la relación entre la mora, la ética y la violencia. A continuación,
presentamos el modelo teórico que hemos adoptado, y que lleva el nombre de ‘la construcción de la
personalidad ética’. Seguimos haciendo una revisión de las teorías psicológicas que tratan de explicar
el fenómeno de la violencia. Por último, apoyamos la hipótesis de que la violencia puede ser debido a
la falta de límites morales que inhiben, o debido a la construcción de la identidad del sujeto, en cuyo
caso, la violencia és valor social.
Palabras clave: La moral, La ética, La violencia, La psicología moral.

A área na qual temos pesquisado é o da violência e da incivilidade, algumas delas já


chamada Psicologia Moral. O objetivo do publicadas (ver La Taille 2000, 2002a, 2002c).
presente texto é o de propor algumas reflexões Mas, por que realizar tais reflexões?
sobre os aportes que os conhecimentos da Em primeiro lugar, em razão de uma
referida psicologia podem trazer ao tema da preocupação que certamente compartilhamos

______________________________________
Endereço para correspondência: Yves de La Taille. Avenida Professor Mello Moraes, 1721. Cep 05508-900. São
Paulo, S.P. E-mail: ytaille@uol.com.br
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com inúmeras pessoas, sejam elas cientistas ou certeza de que os conhecimentos de Psicologia
não. Com efeito, o fenômeno da violência e, Moral possam ser úteis para entender a
consequentemente, da segurança, tem sido alvo violência leva-nos a querer dar nossa
de debates na mídia, na política, na educação, contribuição para compreender este fenômeno
na sociologia etc., e isso não somente no Brasil, de consequências nefastas para o cotidiano.
como no mundo ocidental como um todo. Como escreve Michaud (2002):
Vivemos numa época mais violenta do que
A característica comum é que todas
outras? Somente estatísticas podem responder a
as incivilidades colocam em xeque o
essa pergunta, e há polêmicas a respeito.
direito do indivíduo de viver
Ficamos com o diagnóstico de Sérgio Adorno
tranquilamente e em segurança, e a
(2000): “Não obstante os avanços democráticos
possibilidade que ele tem de confiar em
e as profundas modificações pelas quais a
outrem nas suas relações sociais. A
sociedade brasileira tem passado nos últimos
consequência é um sentimento de
quinze anos, o regime democrático coincide
insegurança que destrói
com a ocorrência de uma verdadeira explosão
progressivamente (e cada vez mais
da violência no seio da sociedade” ( p. 98 – ver
rapidamente à medida que as agressões
também Touraine, 2000). Logo, não nos parece
se sucedem) o vínculo social, não no
errado dizer que a violência é tema atual, um
sentido abstrato dos teóricos da política,
fenômeno que tem sido pouco influenciado
mas no sentido muito concreto das
pelas ações políticas até hoje implementadas
relações com as outras pessoas. ( p.78)
(pelo menos no sentido da sua diminuição),
talvez porque ele ainda seja mal conhecido, Ora, como o afirma Mucchielli (1986) em
sobretudo no que tange a suas dimensões seu importante livro Comment ils deviennent
psicológicas (Karli, 1987). délinquants, “é preciso situá-la (a delinquência)
Em segundo lugar, na verdade, no seu verdadeiro plano: o plano moral” (p.
complementar ao primeiro, a escolha por este 117).
tema de reflexão foi desencadeada e inspirada Isto posto, o presente texto será divido em
pelas demandas que várias instituições duas partes. Na primeira, trataremos de definir
educacionais têm nos feito nos últimos anos, o que entenderemos por violência, e
qual seja, a de tratar de limites, de indisciplina, analisaremos a relação desta com a moral e a
de incivilidades. Com efeito, se instituições de ética. Na segunda, falaremos das dimensões
ensino chamam especialistas para falar de psicológicas da violência, notadamente no que
Psicologia Moral, não é tanto para obter tange os aspectos relacionados a juízo e
subsídios para a confecção de programas de sentimentos morais e éticos.
educação moral, mas principalmente para
procurar equacionar e compreender um
fenômeno cada vez mais presente na sala de Parte 1: violência, moral e ética
aula, e que se traduz por conflitos incessantes Vamos começar por definir violência para,
entre professores e alunos, entre os alunos eles em seguida, relacioná-la à moral e a ética.
próprios. Expressões como ausência de limites, Consultados os dicionários Nouveau
indisciplina e incivilidade remetem, direta ou Larousse Universel (1988) e Aurélio (1999),
indiretamente, ao tema da violência. Note-se verificamos que um elemento presente nas
que reflexões sobre violência e o cotidiano definições de violência é a coação, ou seja, o
escolar correspondem atualmente a uma área de uso da força para constranger, física ou
estudo específica (Sposito, 2001; Debardieux, psicologicamente, uma pessoa ou um grupo de
2001; Laterman, 2000). pessoas. A violência, portanto, implica a
Em terceiro lugar, se pretendemos dimensão do poder (entendido como correlação
socializar reflexões sobre as dimensões de forças) e a privação, momentânea ou perene,
psicológicas da violência, é que este fenômeno do exercício da liberdade por parte da pessoa
humano não é apenas, e nem essencialmente, violentada. Dessa forma, cabem bem na
objeto de preocupação contemporânea, mas categoria violência atos como o estupro, o
fenômeno universal, objeto, há longo tempo, de roubo, o assassinato, o ferir fisicamente, a
reflexões filosóficas, sociológicas, e humilhação, entre outras ações. Nestes
psicológicas. exemplos, há correlação de força favorável a
Finalmente, o fato de termos a absoluta quem pratica a violência, e um constrangimento
Moralidade e violência 331

que priva a vítima da liberdade de agir como exemplo, não cumprimentar alguém não
pretenderia (não manter relação sexual, guardar implica coagi-lo. Consequentemente, tampouco
o patrimônio, viver, gozar de integridade física se acha, no fenômeno da incivilidade, a
e psicológica 1 ). Mas tudo não está ainda dito, dimensão da liberdade. Com efeito, não
notadamente se quisermos relacionar violência cumprimentar alguém, ou falar-lhe de modo
com moral. Falta pensar numa dimensão grosseiro, não implica obrigá-lo a agir contra a
essencial: o benefício ou o prejuízo que pode vontade. Logo, tudo leva a crer que violência e
ter a pessoa constrangida pela força. Nos incivilidade são dois fenômenos totalmente
exemplos que acabamos de dar, fica claro o distintos. Mas aceitar esta dissociação levaria a
prejuízo sofrido pela vítima. Mas imaginemos não perceber um elemento moral importante em
outro: o de uma mãe que obriga seu filho, comum: o desrespeito para com outrem. Ora, é
renitente, a comer frutas. Trata-se de uma justamente no plano da avaliação moral que se
correlação de força e da privação de liberdade. pode afirmar que a incivilidade é uma forma de
Logo, trata-se de um ato de violência, no violência. Vamos ver por que razão.
sentido primeiro da palavra. Todavia, fica claro Antes de mais nada, vamos esclarecer o
que a vítima será a primeira a beneficiar-se, do que entendemos por moral e por ética, que não
ponto de vista de sua saúde, da coação a que é serão, para nós, sinônimos, embora
submetida. Vê-se de imediato a importância complementares (Comte-Sponville, 1998;
deste ponto para o juízo moral: é ato Ricoeur, 1990; Tugendhat, 1993a; La Taille,
moralmente condenável a humilhação, mas não 2006a). Por moral, entendemos, do ponto de
o é o ato coercitivo com clara finalidade vista formal, um conjunto de condutas
educacional 2 . Logo, da perspectiva moral, consideradas como obrigatórias, portanto, como
haveremos de discutir a legitimidade, ou não, deveres (negativos e positivos). Reconhece-se
da ação violência. nesta definição o imperativo categórico
Posto que não raras vezes, sobretudo no kantiano (Kant,1785/1994). Do ponto de vista
campo educacional, ao lado da violência, fala- do conteúdo, a obrigatoriedade das condutas
se em incivilidade, vale a pena verificar se tal deriva do reconhecimento dos direitos alheios e
incivilidade é uma subcategoria da violência, da dignidade inerente a todo ser humano. A
ou se corresponde a um outro fenômeno. pergunta da moral é, portanto, como devo
Consultando os dicionários já citados, notamos agir?. A pergunta referente ao que chamaremos
que a civilidade tem como sinônimo a polidez. de ética é outra: que vida eu quero viver?.
A definição dada pelo Lexis é a mais Logo, a ética remete à vida boa, à felicidade, ao
esclarecedora: “conjunto de formalidades sentido da vida. Enquanto a moral é
observadas entre si pelos cidadãos, em sinal de deontológica, a ética é teleológica. Falta dizer
respeito mútuo e consideração; polidez, que, para merecerem o nome de éticas, as
urbanidade, delicadeza, cortesia”. Assim respostas a respeito da vida boa devem
definida civilidade, é claro que toda violência é necessariamente incluir outrem, portanto serem
prova de incivilidade. Porém, a recíproca não é pensadas do ponto de vista da articulação do
verdadeira, porque, na incivilidade, o emprego individual e do coletivo. Se as decisões
da força não está necessariamente presente. Por referentes à realização de uma vida boa não
contemplarem a inclusão de outrem, diremos
1
Pode-se discutir se a possível aceitação ou que não são éticas, mas que são tomadas no
cumplicidade da vítima em relação às violências a plano ético (aprofundamos essa tese no livro
que é submetida ainda configura uma relação Moral e Ética: dimensões intelectuais e
violenta. Não vamos entrar neste debate. Limitando- afetivas, La Taille, 2006a).
nos aos casos em que a vítima não deseja, de forma Isto posto, pode-se discutir se moral e
alguma, o constrangimento por que passa.
2 ética, assim definidas, representam dois
De certa maneira, pode-se dizer que o ato
sistemas de valor independentes, se um engloba
educacional, aquele que civiliza, é violento porque
não raramente começa por contrariar desejos dos
o outro, ou se são complementares. Do ponto
educandos. Mas devemos acrescentar que, mesmo de vista filosófico, optamos pelas análises que
em benefício da pessoa que sofre violência, esta tem afirmam se não a complementaridade dos dois
limites claros, do contrário, perde legitimidade. No sistemas, pelo menos a indissociabilidade de
exemplo dado acima, uma mãe pode obrigar o filho ambos (Tugendhat, 1993b; MacIntyre, 1997;
a comer frutas, mas tal não a autoriza a espancá-lo Comte-Sponville, 1998; Ricoeur, 1990). E do
ou humilhá-lo para alcançar o referido fim. ponto de vista psicológico, que apresentaremos
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mais adiante, tal indissociabilidade também se à pergunta que vida eu quero viver?.
verifica se adotamos a perspectiva teórica da Comentamos que, para merecer o nome de
personalidade ética ( La Taille, 2002b, 2006). ética, as respostas devem levar em conta a
Comecemos então por pensar a violência e coletividade, logo, serem coerentes com a
a incivilidade no plano moral. Deixamos acima moral. A violência, por conseguinte, não pode
um ponto em suspenso, o da legitimidade da ser ética se não legitimada pela moral. É por
violência, entendida como emprego da força esta razão que falamos de plano ético, e não
para coagir alguém. Vimos que certos atos ética, para pensar a violência. Duas relações
educativos podem ser descritos como atos de entre o referido plano e a violência podem ser
violência, mas legítimos, enquanto uma destacadas.
humilhação, também forma de violência, não Numa primeira, a violência comparece
goza de tal legitimidade 3 . O critério é como meio para a realização de projetos de
naturalmente moral: no primeiro caso, há vida. Por exemplo, se para determinada pessoa,
respeito, intenção generosa, reconhecimento de ter sucesso e dinheiro representa o essencial da
um direito; no segundo, há desrespeito, felicidade, poderá acontecer de ela ter recurso à
intenção egoísta e negação de um direito. No violência para realizar seus planos. Logo, no
primeiro caso, há o reconhecimento da plano ético, que corresponde a um sistema de
dignidade de outrem, reconhecimento este que valores a respeito do que é a vida boa, a
não existe no segundo. Podemos, portanto, no violência pode ser pensada enquanto estratégia.
plano moral, nos inspirar no imperativo Do ponto de vista de pesquisas psicológicas
categórico kantiano e definir violência como sobre os comportamentos violentos, o plano
um ato que coloca outrem como meio e não ético é de fundamental importância. Com
como fim. A violência traduz um uso efeito, dependendo do que um indivíduo
instrumental de outrem, uma negação de seu escolhe ser o seu ideal de uma vida bem
estatuto de sujeito. sucedida (Ferry, 2002), ele poderá fazer mais
Assim definida a violência, verifica-se que ou menos uso da violência, ou nunca fazê-lo.
a incivilidade pode, apesar das diferenças já Uma segunda relação entre o plano ético e
assinaladas, ser considerada como forma de a violência pode ser feita se considerarmos que
violência psicológica. Com efeito, os atos a pergunta que vida eu quero viver? implica
intencionais de incivilidade (falamos em outra: quem eu quero ser? (La Taille, 2006a). O
intenção para excluir possíveis formas de plano ético está, portanto, intimamente
grosseria devidas apenas a uma ignorância dos relacionado à construção identitária, à procura
chamados bons costumes) traduzem a vontade da afirmação de si. Ora, a violência pode
de negar, em outrem, o estatuto de sujeito, de comparecer neste nível. Neste caso, a pessoa
ferir sua dignidade. É por esta razão, aliás, que terá orgulho de se ver como violenta e
a vítima de incivilidade quase sempre se sente vergonha de se pensar como pacífica. Um
agredida, como se fosse objeto de violência. As destaque talvez deva ser feito para a virtude
incivilidades podem ser mais leves do que as coragem. Como ela se define como superação
formas reconhecidas de violência: trata-se de do medo, e é frequentemente associada ao
uma questão de grau. Porém, leves ou não, enfrentamento de outrem, pessoas poderão ver
traduzem um ato de desrespeito, e nisto, são a si próprias e valorizar-se como corajosas,
comparáveis aos atos violentos. Eis o que se realizando atos de agressão.
pode falar da relação entre violência e moral. Antes de passarmos à análise psicológica
Vejamos agora o que se pode dizer no da violência, resumamos o que até agora foi
plano ético. apresentado:
Lembremos que o plano ético corresponde 1. No plano moral, está em jogo a
legitimação da violência. Esta levanta um
3
problema moral quando traduz uma forma de
Notemos que Greimas e Fontanille (Sémiotique desrespeito, logo quando traduz uma ação sobre
des passions, 1991) falam em “humilhação
outrem na qual este é visto apenas como meio,
pedagógica” para se referir à estratégia didática que
consiste em negar o que o aluno por ventura já saiba
e não como fim em si mesmo.
a respeito de determinada matéria. Aceita esta 2. No plano ético, a violência deve ser
qualificação, a humilhação nem sempre pode ser pensada, seja como meio para realização de
condenada moralmente, uma vez que o fim da ação projetos de vida, seja como expressão de um
didática é o próprio aluno. traço de caráter valorizado.
Moralidade e violência 333

Decorre do que escrevemos até agora que eventualmente ele visa preservar ou
o fenômeno da violência pode ser estudado, do modificar. (p.30)
ponto de vista psicológico, por intermédio do
Não deixa de ser interessante notar que é
que sabemos sobre as dimensões intelectuais e
justamente no campo de biologia que a tese do
afetivas das ações morais e das escolhas éticas.
instinto agressivo é abandonada, assim como
foram abandonadas referências a disposições
genéticas para a violência (a famosa hipótese
Parte 2: dimensões psicológicas da
do cromossomo XYY, o cromossomo
violência assassino). 4 Pelo lado da Psicanálise, Costa
A revisão bibliográfica que fizemos das (1984) também constata que falar em violência
análises psicológicas da violência nos mostra como instinto ou como condição de
um campo bastante disperso, no qual múltiplas possibilidade natural do existir humano não
variáveis são apontadas. Para não nos somente pouco ajuda para compreender o
limitarmos a um mero elenco de afirmações fenômeno, como o banaliza.
teóricas, resolvemos eleger alguns temas gerais Então, que fatores podem ser evocados?
em torno dos quais têm girado os debates. Quatro grandes conjuntos deles se destacam em
Comecemos por aquele que talvez seja o nossa revisão: o contexto, a inteligência, a
mais importante, e que pode ser apresentado afetividade e a moral.
por intermédio de uma pergunta: a Devemos a Milgram (1974) a tese segundo
agressividade (uma dimensão psicológica da a qual o homem é um animal obediente,
violência) corresponde a um instinto animal e portanto dependente de variadas formas de
humano, ou a uma estratégia para se alcançar autoridade. Tal tese tem antecedentes na
determinados fins, estratégia esta escolhida em clássica teoria de Gustave Le Bon (1895/1983),
razão de determinados traços de personalidade que afirma que o homem não se comporta da
construídos durante a vida do indivíduo? Como mesma forma quando sozinho e quando em
se sabe, Lorenz (1969) e Freud (1929/1971) grupo. Quando em grupo, costumaria
optaram pela primeira alternativa, enquanto as apresentar comportamentos mais grosseiros e
abordagens inspiradas do interacionismo (ou primitivos, entre os quais, os comportamentos
construtivismo) optam pela segunda (Karli, violentos. Esta ideia foi retomada por Freud
1987; Mucchhielli, 1986). Quanto a nós, (1921/1991) em seu Psychologie des Masses et
concordamos com Karli, um neurobiólogo, Analyse du Moi, e, depois, por Moscovici
quando afirma que a hipótese do instinto (1981) em seu L’Age des Foules. Milgram
agressivo não somente é reducionista como nos concorda com esta tese, dando ênfase à
impede de perceber que os atos violentos irremediável heteronomia do homem em
costumam ter variadas causas e não serem relação à autoridade. Seus clássicos
expressão de uma suposta natureza humana. experimentos demonstraram que por volta de
Escreve ele: 70% dos indivíduos pesquisados agridem seus
semelhantes (alguns de forma extremamente
Interrogar-se sobre os motivos que levam violenta, ministrando-lhes choques elétricos
um indivíduo, confrontado a uma letais) se assim comandados por uma pessoa
determinada situação, a empregar certo prestigiosa para eles. Algumas variantes de
comportamento, consiste – para o seus experimentos mostraram que, sem a
neurobiólogo - a fazer o inventário do presença da autoridade, seus comportamentos
conjunto dos fatores que contribuem a agressivos diminuem significativamente. Em
determinar a probabilidade do emprego resumo, segundo esta abordagem, o
de uma estratégia dada, e a analisar os comportamento violento não deve ser explicado
mecanismos cerebrais por intermédio dos por fatores individuais, mas sim por fatores de
quais esses fatores agem. Esses fatores contexto. Dito de outra forma, qualquer pessoa
são numerosos e diversos, pois remetem pode, se assim o contexto o favorecer (com
a uma personalidade formada por tudo destaque para as grandes concentrações de
que viveu, a uma situação que faz parte
de um contexto sócio-cultural, e à
relação individual que se estabeleceu 4
Tampouco parece haver relação entre
entre eles, relação esta que o características hormonais e tendência para a
comportamento exprime e que agressividade (Karli, 1987).
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pessoas e para a relação para com a violentas deve-se à presença de emoções


autoridade), agir de forma violenta. Esta aversivas? A lacunas afetivas nas relações
abordagem teórica, rica de dados e reflexões, mãe/bebê? A um sentimento perene de
não pode ser negligenciada. Porém, fica uma inferioridade? A uma impulsividade mal
questão importante: o que faz os 30% de controlada? À desestruturação da família? A
desobedientes não agirem de forma violenta? um desinvestimento afetivo nas relações
Logo, por que algumas pessoas são mais sociais?
dependentes do contexto do que outras? Todas essas hipóteses, e outras ainda,
Kohlberg (1981) explicada o fenômeno pelo foram e são defendidas. Vejamos rapidamente
nível de juízo moral (chegou a entrevistar os o que se diz delas, começando pelas chamadas
sujeitos de Milgram). Colby e Damon (1993), e emoções aversivas. Segundo Karli (1987),
nós mesmos (La Taille, 2002b) pela integração emoções como medo, cólera, dor, frustração,
dos valores morais ao self. O estudo da relação neofobia costumam ter um efeito estimulador
violência/moral parece, portanto, ser um de condutas agressivas. As pesquisas que o
complemento importante para compreender a demonstram foram feitas, sobretudo, com
força da influência do contexto nas condutas animais, e as poucas realizadas com seres
violentas. humanos confirmam o fato. O autor dá um
Um fator psicológico que parece ter bem destaque para a neofobia, ressaltando que a
menos importância é a inteligência. Seria a familiaridade costuma ter um efeito
violência decorrência de um QI baixo, ou de pacificador, mas pondera que para explicar
um desenvolvimento cognitivo insuficiente? condutas preconceituosas, racistas, outros
Tudo leva a crer que não, a começar pelas fatores, notadamente morais, devem ser levados
observações cotidianas. Existem, sem dúvida, em conta.
pessoas brutais com pouquíssima sofisticação O mesmo autor debruça-se sobre uma
intelectual, mas também há aquelas de quem questão polêmica, a saber, se o isolamento
não se pode duvidar da capacidade de elaborar precoce do indivíduo de sua mãe geraria, mais
planos complexos. Mucchieli (1986), tarde, uma tendência a se comportar
especialista em Psicologia da delinquência, agressivamente no seio do grupo. As pesquisas
escreve que “os delinquentes vivem com uma com animais tendem a mostrar que sim, porém,
exigência permanente de vigilância, de atenção Mucchielli (1986) traz uma revisão
a detalhes, de ajustamento das condutas às bibliográfica que mostra que tal não é o caso
circunstâncias” (p.75). Tivessem todos eles quando se trata de delinquentes. Escreve ele
algum déficit intelectual, não se explicaria a com ênfase que “estamos, portanto, liberados
sofisticação de algumas de suas estratégias. O da tese do delinquente ‘mal amado’ e frustrado
mesmo pode ser dito das pessoas que de amor materno na sua tenra infância” (p.138).
frequentam o crime organizado. Em suma, o Acrescenta ele que não há relação entre
nível de inteligência ou de desenvolvimento agressividade e ter sido educado numa família
cognitivo não parece ser uma variável desestruturada, no sentido de pais separados.
psicológica relevante para o estudo da violência Embora Mucchielli abandone a tese da
(Astor, 1994). Havemos de lembrar, todavia, necessidade de uma relação precoce entre e
que existe uma relação entre inteligência e mãe e o bebê para diminuir as chances da
juízo moral, sendo o desenvolvimento da gênese do comportamento violento, ele analisa
primeira condição necessária, mas não tal relação do ponto de vista da permissividade:
suficiente, ao desenvolvimento do segundo
A mãe dos futuros delinquentes são mães
(Piaget, 1932/1992). Logo, podemos afirmar
fracas que se creem obrigadas a exercer
que o emprego de critérios morais para
um controle e frustrações, mas que, ao
equacionar o tema da violência (notadamente
mesmo tempo, se acusam de não amar
para achar alternativas ao seu uso, como no
seus filhos. Assim, logo após a frustração
caso do diálogo) pressupõe certo nível de
ou a sanção, apressam-se em compensá-
sofisticação intelectual. O desenvolvimento da
las por uma hiper-indulgência e uma
capacidade de refletir sobre as dimensões
permissividade excessiva. (p.138)
morais da violência deve ser um fator que pode
inibir o comportamento agressivo (Puig, 1998). Mesma ideia encontra-se na revisão
Bem mais complexa é a análise do fator realizada por Karli (1987), acrescida de outra: a
afetividade. A tendência para realizar ações frieza com que a mãe trata seus filhos.
Moralidade e violência 335

Apareceu muito claramente que os dois plano que chamamos ético: é uma certa ideia do
principais determinantes (da conduta que seja a vida boa que pode nos levar a
agressiva posterior) eram constituídos legitimar a violência como meio de alcançá-la
por atitudes da mãe em relação a seu ou preservá-la. Outro fator de contexto
filho: de um lado, sua atitude ‘negativa’, sublinhado por Karli é pura e simplesmente a
feita de frieza e de indiferença, ou valorização da violência enquanto meio e da
traduzindo-se por uma clara hostilidade e pessoa enquanto violenta: “Nos lugares onde as
rejeição da criança; e por outro lado, sua condutas agressivas são toleradas, até
atitude permissiva que tolera na criança encorajadas, elas caminham junto a uma
todas as suas agressões, que não se desvalorização sistemática do adversário,
esforça em controlá-las e em ensinar à desvalorização esta que nega um limite e
criança controlar-se. (p.222) facilita a agressão” (p. 245). Referindo-se à
televisão, o autor nota que “a linguagem
Acrescenta ele que o fato de sofrer empregada (sobretudo pelas propagandas)
agressões durante a infância aumenta a transmite a idéia de que a agressividade, quem
probabilidade de ser, mais tarde, uma pessoa sabe até a maldade, são sinais de ‘virilidade’ e
violenta. Embora nem Mucchielli, e nem Karli de eficácia” (p. 334). Mucchielli caminha na
façam referência a Alfred Adler (1933/1991), mesma direção ao mostrar que os delinquentes
reconhecemos no diagnóstico que eles se desinvestiram socialmente, e assim
apresentam um fenômeno predito por ele. desprezam sentimentos de compaixão, negam a
Como, segundo ele, a pulsão natural do homem existência do outro ou, melhor, afirmam-se pela
é procurar a expansão de seu Eu, superar o negação do outro (ver também Araújo, 2001 e
inevitável complexo de inferioridade, Peralva, 2000).
experiências de vida que frustrem tal expansão Ambos os autores acabam por afirmar que
(a hostilidade dos pais, sua frieza, sua a agressividade e a violência devem ser
agressividade) ou que deem a ilusão de que ela pensadas em termos morais. Já vimos que
está ocorrendo (permissividade, ausência de Mucchielli afirma que devemos pensar a
frustração, de limites) levam a um estado delinquência no plano moral. Karli afirma que
psicológico de intenso mal-estar que, entre o freio mais potente contra a agressividade é o
outras decorrência, gera comportamentos “respeito pela dignidade de outrem” (p.246).
violentos. Eis como Adler resume sua tese: Vejamos, agora, o que se sabe das relações
A guerra, a pena de morte, o ódio racial, entre moralidade e violência. Notemos, para
e também a neurose, o suicídio, o crime, começar, que a revisão bibliográfica que
o alcoolismo, etc., nascem de uma falta encetamos nos leva a crer que existem poucos
de sentimento social e devem ser estudos a respeito desta relação.
compreendidos como complexos de Comecemos por estudos que enfocam o
inferioridade, como tentativas negativas juízo moral e sua relação com condutas
de resolver uma situação de uma forma violentas. Lembramos que as pesquisas de
inadmissível e inoportuna. (p.44) Milgram (1974) deixaram uma questão
relevante: o que explica a decisão dos 30% de
Vejamos rapidamente um último grupo de sujeitos que não obedeceram à autoridade e,
fatores afetivos que, segundo Karli (1987, ver logo, não apresentaram condutas violentas?
também Zaluar, 1985; Latermann, 2000), Kohlberg (1981), naturalmente intrigado com
comparecem para aumentar a probabilidade de este fato, e convencido de que o nível de juízo
condutas violentas, e que nos aproxima das moral poderia explicar tomadas de decisão de
dimensões morais e éticas. Com efeito, trata-se agir com violência, ou não, entrevistou sujeitos
de fatores presentes no contexto em que vive o que haviam participado da pesquisa de Milgram
indivíduo. Ele começa por associar e constatou que os rebeldes aos mandamentos
consumismo e agressividade: a sociedade, que da autoridade apresentavam um nível de
nos convence de que só existimos pelo que desenvolvimento superior (Milgram, 1974).
consumimos, leva-nos a uma necessidade Comenta Milgram que “se tratou de resultados
imperativa de obtermos dinheiro para comprar interessantes, mas não definitivos” (p.252). A
e comprar, e, por conseguinte, acabamos apreciação de Milgram apareceu como correta.
empregando a violência para chegarmos a Com efeito, Blasi (1989, 1993, 1995)
nossos fins consumistas. Estamos, aqui, no realizou uma ampla revisão daquelas pesquisas
336 La Taille, Y. de

que procuraram verificar se havia correlação cometeram violência condenada pela Justiça
entre ações morais e nível de juízo moral, tenham necessariamente um nível primitivo (ou
medido pelo método e teoria de Kohlberg. No infantil) de desenvolvimento do juízo moral.
geral, os resultados não permitem afirmar que Logo, não nos parece promissor realizarmos
tal correlação exista. Uma parte do artigo é uma pesquisa que procuraria avaliar se pessoas
justamente dedicada aos chamados violentas são heterônomas ou autônomas, no
delinquentes, ou seja, pessoas que cometeram sentido piagetiano do termo.
delitos e foram condenadas pela justiça. Como Todavia, tudo não está dito ainda sobre a
o próprio Blasi sublinha, o conceito de relação entre juízo moral e ação violenta. Com
delinquência não é tão preciso quanto parece, efeito, falta-nos citar uma pesquisa realizada
podendo ser considerados delinquentes pessoas por Astor (1994) cujos resultados parecem-nos
que cometeram variados tipos de transgressão e dignos de nota. Este autor inovou no seguinte
por variados motivos. Todavia, não parece aspecto: ao invés de entrevistar seus sujeitos
haver dúvidas de que tal conceito implica, violentos e não violentos a partir de dilemas
quase sempre, o emprego de algum tipo de morais clássicos (como o de Heinz, elaborado
violência. Os dados são, portanto, relevantes. E por Kohlberg), ele submeteu-lhes histórias que
eles apontam para dois diagnósticos. O continham ações violentas (Oliveira também o
primeiro: na maioria dos estudos visitados fez nas suas entrevistas com traficantes de
(onze de quinze) avalia-se que os autores de drogas, empregando histórias que colocavam
algum tipo de delinquência apresentam nível dilemas possíveis deste tipo de atividade 5 ), e
menor de desenvolvimento do juízo moral que pediu-lhes que avaliassem sua legitimidade.
as pessoas que não cometeram este tipo de Dois tipos de ação foram por ele escolhidas:
violência. Logo, parece haver, de fato, uma uma violência cometida gratuitamente (por
correlação entre emprego da violência e exemplo, alguém fica nervoso e bate em um
sofisticação do juízo moral. Porém, é preciso terceiro totalmente estranho às razões do
lembrar que dos seis estágios identificados por destempero emocional) e outra cometida como
Kohlberg (1981), apenas os dois primeiros retribuição (por exemplo, alguém bate numa
seriam coerentes com condutas violentas, pois, pessoa que o insultou). Seus sujeitos, crianças
como lembra Blasi (1989): “a delinqüência de seis, oito e doze anos, foram classificados
deveria vir acompanhada de uma forma de em violentos e não violentos em razão de suas
juízo sobre temas morais caracterizada pela atitudes observadas no convívio escolar. Seus
primazia do interesse próprio, pelo dados mostram que, em se tratando de uma
pragmatismo, pelo relativismo e pelo violência gratuita, a totalidade dos sujeitos das
oportunismo, ou seja, pelo que Kohlberg duas amostras condena a agressão, e isto
denomina a moral pré-convencional” (p. 345). empregando argumentos morais. Em
Ora, os estudos não confirmam esta hipótese, compensação, enquanto a maioria dos sujeitos
pois, em vários deles as pessoas que cometeram não violentos também condena a violência
alguma forma de delinquência encontram-se no decorrente de um revide, a maioria daqueles
nível convencional, nível este no qual se violentos legitima este revide. Conclui o autor
encontra a maioria das pessoas. Pela recíproca, que os sujeitos violentos não diferem dos
Colby e Damon (1993), ao aplicar a entrevista demais por serem privados de juízo moral, mas
de Kohlberg para avaliar o nível de sim na avaliação da legitimidade do emprego
desenvolvimento do juízo moral em pessoas de da violência.
vida moral exemplar, logo em pessoas que não O fato de as pesquisas não atestarem uma
somente não agem com violência, como correlação clara entre nível de juízo moral e
também procuram promover a paz social, ação moral deve nos levar a refletir sobre a
Colby e Damon, dizíamos, não encontraram dimensão motivacional. Com efeito, a um saber
sistematicamente níveis superiores nestas fazer não corresponde necessariamente um
pessoas, sendo muitas delas convencionais. querer fazer’ (La Taille, 2006a), e ficaram
Entre nós, Oliveira (2002) procurou medir o famosas as observações de Damasio sobre
nível de desenvolvimento moral de presos por indivíduos com lesões cerebrais que, embora
tráfico de drogas, e também não verificou que a
maioria estaria em nível pré-convencional. Em 5
Por exemplo: o fato de um traficante ver seu filho
suma, nada pode nos levar a afirmar, sem doente em razão do consumo de drogas o levaria, ou
maiores cuidados, que as pessoas que não, a rever a legitimidade de sua atividade?
Moralidade e violência 337

capazes de juízos morais sofisticados, agem no apoio para que cada um possa dar satisfação a
dia a dia de maneira totalmente contraditória seus desejos egoístas (Mucchielli, 1986). Em
com o que dizem ser o correto, fazem uso de uma palavra, Mucchielli explica a violência dos
violência quando, verbalmente, defendem a paz delinquentes por uma sociabilização mal
e o diálogo (Damasio, 1996). Acima colocamos sucedida que leva a uma não conexão do
referências à dimensão afetiva relacionada à indivíduo com o grupo, com a cultura, seus
violência. Agora nos interessa pensar esta valores e normas.
dimensão afetiva relacionada ao agir moral e Mas nem todos concordam com esta visão
ético. radical. Touraine (2000) lembra que se observa
Dos textos revisados, apenas o de um grande conformismo quanto aos fins das
Mucchielli, cuja tese é a de que os delinquentes ações de variados jovens delinquentes (por
carecem de senso moral, faz referência à exemplo, possuir um automóvel), sendo os
dimensão afetiva. Para ele, não é o juízo moral meios empregados para chegar a esses fins
que faz falta aos criminosos, mas sim tradução de uma recusa das normas (roubar o
sentimentos que orientem condutas morais: “O automóvel). Vale dizer que tais jovens parecem
Eu desenvolve-se sem se descentrar, e aí está o aderir, de fato, a certos valores culturais
segredo do que será, mais tarde, o Eu (notadamente relacionados ao status que
exorbitante e egocentrado que caracteriza o confere certos objetos de consumo), que
delinquente” (p. 141). Trata-se, evidentemente, podemos chamar de valores fins, mas não a
empregando os termos de Piaget (1954), de outros, os valores meio, que dizem respeito à
uma ausência de descentração afetiva, e não moral. Logo, não se trataria tanto de uma
cognitiva. Por que tal descentração não ocorre? sociabilização mal sucedida (de onde viriam os
Vimos acima que Mucchielli atribui grande valores fins?), mas sim de um tipo especial de
importância ao fato de os pais serem por sociabilização. Ou seja, não se trataria tanto de
demais permissivos. Mas, aceita ou não esta ausência de valores, mas sim da presença de
explicação, o fato é que o futuro delinquente valores contraditórios com aqueles que
vai, sempre segundo Mucchielli, inspiram a moral. Assim equacionada a questão
desenvolvendo um Eu sem a contrapartida de da violência, ela deve ser antes pensada como
valores, ou seja, sem aderir a valores culturais produção cultural do que como ausência de
que limitam e situam as suas aspirações. cultura. Tal será a perspectiva na qual
Mucchielli (1986) escreve: “Eis porque, trabalharemos, embora, como vamos ver, não
escreve o autor, a frustração que será depois descartemos elementos da tese de Mucchielli.
sentida, após o período sensível da formação Para explicar tal opção, e para finalizar a
dos valores vividos e do Eu descentrado, será presente Parte, vamos rapidamente apresentar o
um frustração sem valor, sem contrapartida, que tem sido a abordagem que temos seguido
gratuita, por nada, e, portanto, uma injustiça para compreender a dimensão afetiva da moral
vivida” (p. 143). Dito de outra forma, qualquer (La Taille, 2002b, 2006a).
frustração pessoal será vivida como injustiça, No início da vida moral, ou seja, quando
como agressão. Mais tarde, acontecerá o do despertar do senso moral (por volta dos
fenômeno decisivo para explicar a opção pela quatro, cinco anos de idade), entendido como
delinquência e os atos violentos que a compreensão de que existe um universo do
caracterizam, a saber o desengajamento social dever e vontade dele participar (Tugendhat,
(withdrawal), que se traduzirá por um grande 1993a), seis sentimentos comparecem para
desprezo pelo valores culturais, pelos explicar esta nova adesão. Dois são bem
sentimentos de apego e compaixão, pelas conhecidos e estudados pela Psicologia Moral:
normas de conduta. O outro será visto, antes amor e medo. A fusão destes dois sentimentos
como um inimigo, uma ameaça, do que como explica o respeito pelas ordens de figuras de
companheiro, uma ajuda. E, se é verdade que autoridade, configurando uma moral da
os delinquentes às vezes unem-se em bandos, heteronomia. Reconhece-se aqui a tese de
ou seja, se aparentemente formam um espécie Piaget (1932/1992). A partir da década de
de sociedade, tal fato não desmente, apesar das 1980, levantou-se a hipótese de que nem tudo é
aparências, o diagnóstico de que houve um obediência na primeira fase do
fracasso da sociabilização: longe de desenvolvimento moral (Turiel, 1993;
configurarem uma mini-sociedade, os bandos Tugendhat, 1993a). Outros sentimentos
têm pouca estrutura interna e mais servem de estariam presentes. Um deles é a simpatia,
338 La Taille, Y. de

entendida como capacidade de perceber e sentimentos de simpatia, de culpa, de


comover-se pelos estados afetivos alheios indignação e de confiança permanecerão
(Smith,1723/1999), já pressentido por Piaget desempenhando papel importante,. A simpatia
como causa de descentração moral. Com efeito, tornar-se-á generosidade, a indignação, justiça,
verifica-se que a criança pequena já dá mostra a confiança, fidelidade e a culpa permanecerá
de simpatia e, por seu intermédio, presta acompanhando transgressões e danos causados
atenção, não aos direitos alheios, mas sim às a outrem. Porém, a fusão de amor e medo, por
suas necessidades singulares. Pesquisa recente serem base afetiva da obediência heterônoma,
(La Taille, 2006b) permitiu-nos sustentar a e, portanto, configurarem ainda um controle
hipótese de que a generosidade (virtude de externo, deverão desaparecer da moral
fazer um dom de si para satisfazer necessidades autônoma, e serem substituídos por outros, que
alheias) faz parte do universo moral das traduzam um controle totalmente interno
crianças pequenas, notadamente com mais (Piaget, 1954, falava da passagem de um
penetração na consciência e na afetividade do sistema semi-normativo para um sistema
que a virtude justiça. Devemos, portanto, normativo). Um outro sentimento moral passa,
incluir a simpatia na lista dos sentimentos por volta dos nove anos de idade, a ser
morais de crianças em fase de despertar do essencial para a ação moral, a vergonha, que
senso moral e a eles acrescentar o seu correlato: somente tem recebido maior atenção nos
a culpa¸ entendida como sentimento negativo últimos dez anos (ver, entre outros, Lewis,
de ter causado algum dano a alguém. A culpa 1992; Harkot-de-La-Taille, 1999; Tugendhat,
também é correlata da fusão de amor e medo, 1993a). Nós mesmos dedicamos reflexões e 16
responsável pela legitimação das figuras de pesquisas sobre a relação entre a vergonha e
autoridade: a criança sente-se culpada de ter ação moral, consignados num livro (La Taille,
desobedecido. Também devemos incluir o 2002b). Abaixo resumimos nossa abordagem:
sentimento que podemos chamar de 1. abordamos a moral na sua relação com
indignação, entendida como reação negativa o Eu, entendido como conjunto de
forte decorrente da vontade de zelar pelo que é representações de si (identidade);
considerado um direito. Verifica-se que 2. adotamos o critério da integração dos
crianças pequenas brigam pelo que consideram valores morais ao Eu como explicação da força
lhes ser devido, e isto mesmo perante as figuras motivacional para o pensar e agir morais;
de autoridade. Kohlberg já tinha observado essa 3. adotamos o critério da presença de
característica das crianças pequenas e definido sentimentos morais para aquilatar o lugar da
seu nível 1 como mistura de obediência - com moral na personalidade, entendida como
Piaget - e busca de satisfação dos interesses sistema;
pessoais. Quanto a nós, pensamos que a 4. a busca de representações de si
indignação prefigura a noção de direito moral, positivas é a uma das motivações básicas das
noção esta que será, pela reciprocidade, condutas humanas;
estendida ao outro, e depois ao grupo, à 5. tais representações de si estão, na sua
sociedade e à humanidade. Um último gênese e manutenção, vinculadas aos juízos
sentimento deve ser lembrado: o sentimento de alheios, porém tal vínculo não implica sua total
confiança. Tugendhat (1993b) já dizia que as dependência a estes juízos: há um constante
crianças pequenas prestam muita atenção à embate entre as imagens que a pessoa tem de si
coerência entre discurso moral e ação e ao e os juízos positivos e negativos de outrem, o
cumprimento das promessas, ou seja, ao grau julgar-se interage com o ser julgado;
de confiabilidade das pessoas de seu entorno 6. o sentimento de vergonha aparece
social, e que a falta de confiança fragilizava a como fundamental para a presente perspectiva
vontade de participar de uma comunidade teórica uma vez que, com a exceção da
moral. Pesquisa recente (Tisselli, 2002) vergonha de exposição: 1) implica num auto-
mostrou que um número significativo de juízo negativo doloroso (dor decorrente da
crianças, de seis e sete anos, preconiza a incessante busca de representações de si de
desobediência a figuras de autoridade que não valor positivo), 2) diz respeito ao ser, portanto
merecem confiança. Em uma palavra, nem tudo às representações de si, e, 3) embora ocorra em
é questão de obediência e autoridade na fase do decorrência de alguma falha, real ou
despertar do senso moral. antecipada, moral ou não, sua presença pode
Na sequência do desenvolvimento, os ser vista como sinal de valor por parte de quem
Moralidade e violência 339

o experimenta (La Taille, 2002b, p.114). indivíduo a não querer participar da


Em suma, o sentimento de vergonha é comunidade moral e, portanto, não se submeter
condição necessária ao agir moral, pois a seus deveres, entre eles aqueles que rezam
somente respeita outrem, no âmbito moral, que cada pessoa deva ser considerada como um
quem, ao assim fazê-lo, respeita a si próprio fim em si, e não como um meio.
(sentido da própria honra). Note-se que assim Em resumo, o raciocínio pela falta leva a
definida a importância do sentimento de pensar que os atos violentos acabam
vergonha para a ação moral, os planos moral e acontecendo, pois o indivíduo não baliza seus
ético articulam-se. Com efeito, uma vez que a atos por leis morais. A literatura que visitamos
pergunta ética que vida eu quero viver? implica costuma abordar o tema desta forma. Mas há
esta outra quem eu quero ser?, e que a outra: pensar que alguns desses sentimentos
vergonha incide justamente sobre o Eu (item 6, participam da legitimação da violência.
acima), temos que a personalidade ética É o caso dos sentimentos de medo e amor,
(aquela na qual os valores morais são centrais) base para o respeito pela autoridade. Ora, esta
está intimamente relacionada às opções pode muito bem legitimar a violência como
pessoais no plano ético. Quando, por exemplo, meio e, portanto, levar as pessoas a ela
um criminoso apresentado por Paulo Lins em submetidas a também legitimá-la. Podemos
seu romance Cidade de Deus (1997) diz ter lembrar aqui da pesquisa, acima citada,
optado pelo mundo do crime por que não realizada por Astor: os sujeitos violentos não
toleraria ser um “otário de marmita” (vergonha carecem de senso moral (portanto, não há
de ser empregado de pouca qualificação), falta), tampouco legitimam toda e qualquer
vemos que uma opção de vida - logo identitária forma de agressão, mas legitimam a violência
- tem decorrências na esfera moral (ele rouba e como estratégia de defesa a ofensas. Talvez o
mata). façam porque as figuras de autoridade de seu
Este exemplo nos remete à questão da entorno pensem da mesma forma 6 .
violência. Pelo que apresentamos da abordagem O sentimento de indignação, se não
por nós adotada para analisar a dimensão balizado pela reciprocidade (justiça) e não
afetiva da moral, podemos fazer as seguintes relativizado pela simpatia (generosidade)
ponderações a respeito das opções por ações também pode levar à violência A defesa de
violentas. direitos, não compensada pelo reconhecimento
Uma possibilidade de relacionar a de deveres, pode gerar constantes conflitos
violência à dimensão afetiva da moral é interpessoais, com as agressões decorrentes.
raciocinar pela falta. Assim, a falta de uma Quanto ao sentimento de confiança, não se
relação precoce com figuras de autoridade pode vê como sua presença seria geradora de
gerar anomia, e esta aumentar a probabilidade violência. Todavia, sua falta pode ter outra
da violência, pois não estaria balizada por consequência que a ausência de senso moral.
normas morais (é, grosso modo, a tese de Ela pode gerar uma violência digamos
Mucchielli). A falta de simpatia, ou o antecipatória: agride-se porque se acredita que
progressivo desaparecimento deste sentimento, outro certamente vai fazê-lo.
também pode levar à violência, pois se perde a Finalmente, quanto ao sentimento de
compaixão pelo outro. Todavia, este cenário vergonha, sua relação com a produção de
pode não levar à violência, mas sim ao violência é clara. Um cenário possível: as
desprezo dos deveres ditos positivos representações de si que a pessoa mais valoriza
(generosidade, gratidão). Neste caso, a relação e persegue são estranhas à moral e a vergonha
social fica fria, porém não necessariamente decorrente da ausência destas representações
violenta, pois os direitos alheios podem ser leva-a a escolher meios violentos para alcançá-
respeitados. A falta de indignação parece las (ou mantê-las). É o caso, por exemplo, de
corresponder a uma hipótese muito pouco uma pessoa cuja vergonha de ser anônima é
sustentável para o tema da violência. Mas pode
acontecer, notadamente em razão de 6
Em palestras que, às vezes, realizamos com um
motivações religiosas, que tal sentimento seja público de pais, não é raro ouvirmos alguns
visto como errado. Neste caso, pode-se falar absolutamente convencidos de que seus filhos
numa violência dirigida contra si mesmo, caso devem revidar os ataques sofridos. Eis uma forma
que não nos interessa no presente contexto. de violência legitimada e incentivada por figuras de
Finalmente, a falta de confiança pode levar o autoridade.
340 La Taille, Y. de

maior que as outras causas deste sentimento e Comte-Sponville, A, & Fery, L. (1998). La
que faz de tudo para sobressair-se, mesmo que sagesse des modernes. Paris: Lafont.
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Enviado em Novembro de 2009
Faculdade de Direito, Universidade de São
Aceite em Janeiro de 2010
Paulo, São Paulo.
Publicado em Outubro de 2010
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Sobre o autor:
Yves de La Taille. Professor Titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

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