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RESUMO
Este artigo busca relacionar o tema violência à conceitos da psicanálise. Para isso parte do
conceito de violência interpessoal apontada pela Organização Mundial da Saúde e discute-a
no recorte estrutural da neurose. Teve como objetivo entender a permanência de sujeitos
neuróticos nas relações em que há experiências violentas, usando para tal o aporte teórico da
psicanálise e a articulação em conceitos como identificação, castração, narcisismo, compulsão
à repetição, gozo e sintoma. O artigo também questiona se toda relação é violenta, e para isso
utiliza da noção de agressividade proposta por Freud e Lacan em uma discussão sob a entrada
do sujeito na linguagem. A relação entre sintoma e posição dualista, vítima e agressor, são
tomadas sob duas perspectivas, a da castração, e a do capitalismo - o quinto discurso
lacaniano.
ABSTRACT
This article seeks to relate the theme of violence to the concepts of psychoanalysis. For that, it
starts from the concept of interpersonal violence pointed out by the World Health
Organization and discusses it in the structural cut of neurosis. It aimed to understand the
permanence of neurotic subjects in relationships in which there are violent experiences, using
the theoretical contribution of psychoanalysis and the articulation of concepts such as
identification, castration, narcissism, repetition compulsion, enjoyment and symptom. The
article also questions whether any relationship is violent, and for that it uses the notion of
aggressiveness proposed by Freud and Lacan in a discussion under the subject's entry into
language. The relationship between symptom and the dualistic position of victim and
aggressor are taken from two perspectives, that of castration, and that of capitalism - the fifth
Lacanian discourse.
1 INTRODUÇÃO
prevenção da saúde, de forma global, na medida em que afeta não somente as vítimas mas os
autores da ação, bem como a sociedade como um todo.
A partir deste conceito pode-se avaliar os vários tipos de violência, categorizados pela
OMS em: “Violência auto-infligida, Violência interpessoal e Violência Coletiva” p.1166. Será
abordado no presente texto características acerca da violência interpessoal.
A violência é uma ação considerada como uma violação de direito, na medida em que
a vontade/liberdade de um sujeito se sobrepõe a de outro. De acordo com a Declaração
Universal dos Direitos Humanos (DUDH) no artigo 3º “Todo indivíduo tem direito à vida, à
liberdade e à segurança pessoal” direitos, os quais são impedidos pela violência.
A DUDH também declara no artigo 12º que “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias
na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques
à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a
protecção da lei”.
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Partindo das questões apontadas, do que seria a violência, o artigo aborda um aspecto
da violência interpessoal. Iniciamos nossas pesquisas com a seguinte pergunta: o que leva as
vítimas a permanecerem nas relações nas quais vivenciam situações de violência? O tema se
aproxima e se relaciona com quais conceitos em psicanálise? Em alguma medida as relações
humanas são violentas?
Freud pensa a agressividade não como a expressa nos animais. Ele parte em se
aproximar de uma perspectiva mais biologicista e se distancia ao perceber que a agressividade
presente no ser humano diz de outra ordem, aquela em que se submete à uma lei, lei esta que
articula a proibição e a hostilidade ética, representada no mito “Totem e Tabu”. Por isso para
Freud, no ser humano existe hostilidade e ódio, que são dirigidos ao outro e estão na base do
princípio do prazer. (FERRARI,2006). Freud no texto “Mal estar da civilização” aponta o
privilégio da agressividade pelo sujeito frente a impossibilidade de fazer cumprir o ideal
social. Assim, a relação com o Outro é marcada por agressividade.
Lacan, chega à ideia de que a agressividade é estruturante do ser. Ele chega à esse
ponto ao retomar o conceito de pulsão de morte elaborado por Freud e relatando que não há
agressividade sem identificação e nem identificação sem agressividade. (Ferrari, 2006) Lacan
em “A agressividade em psicanálise” (1948/1998) aponta para a paranóia original, que se dá
ainda no Estágio do Espelho. O que segundo ele demonstra que a relação com o outro é
permeada pela hostilidade e pela satisfação encontrada na destruição e aniquilamento do
semelhante, e não pela harmonia. Miller (1991: 19) citado por Ferrari (2006) diz que como
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prova disso basta olhar para a constituição do sujeito que se dá a partir da castração, ou
também o Supereu e o Outro. Este, o “Autre” a autora diverte-se em dizer ser quase possível
escrever com A de agressor.
Perpassado pelo Outro, que o castra, e por seu próprio Supereu que é divisor e
tensionador, o sujeito é então marcado por agressividade desde sua entrada na linguagem.
Lacan dá ao significante uma dupla função, a de pacificador e de agressor. Por isso o
simbólico, tem para a teoria lacaniana um papel pacificador dessa paranóia imaginária. Ferrari
(2006) diz:
Como se sabe, o real não é o mesmo para todos. Há, então, uma violência onde o
que se viola é uma ordem estabelecida, seja ela considerada da ordem da natureza ou
da civilização. Pensá-la de forma simbólica é considerar a violência da própria
linguagem sobre o vivente que, ao nascer, encontra o Outro do discurso. Nesse
encontro, ocorre a violência de alienar-se na lei dos significantes, que são, sempre,
do outro. (FERRARI, 2006, p.59)
momento em que mãe e bêbê são castrados simbolicamente pela interdição da figura paterna,
tornando possível perceber a falsa completude. Apenas dessa forma o ser humano pode se
inserir na cultura como um sujeito desejante. A partir de então, inicia-se a procura da
integralidade, porém nunca satisfeita, pois “por definição, toda estrutura tem uma falha, uma
falha que lhe é inerente, não sendo, portanto, devida a alguma contingência”. (PALONSKY,
p.18)
Prosseguindo, a busca pelo próprio desejo advém da falta com que o sujeito castrado
se depara no complexo de castração. Entretanto, isso não atesta que a via para se
alcançar o objeto seja colocar-se no lugar de objeto para o Outro. A via dos próprios
objetos acaba se perdendo por se acreditar que esse Outro é a fonte para se chegar à
causação do próprio desejo. Com isso, a ideia de apropriação na relação acaba por se
deparar com a perda de um sujeito e, ao que tudo indica, se esconde por trás do
desejo do outro. FERREIRA, Esther de Sena. DANZIATO, Leonardo José Barreira.
Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 158, jan./jun. 2019
Ainda que a violência passe pela relação interpessoal, não chega a ter um estatuto de
conceito em psicanálise. Apesar disso, Freud e Lacan, autores referências na psicanálise,
foram estudiosos que observaram o contexto de suas épocas e pensaram as relações humanas
e a forma como se dão os vínculos sociais. Assim, entende-se que “a violência é vista sempre
em um referencial que mostra que o encontro com a linguagem não é sem conseqüências para
o humano” (FERRARI, 2006). Portanto, toda relação comportaria uma violência?
3 VÍTIMA E AGRESSOR?
do ideal de um Outro (agressor) não castrado. A partir disso, torna-se possível discutir se
realmente existe a possibilidade de diferenciar a vítima e o agressor, como sujeitos opostos
em um conflito personificado entre duas pessoas, ou se vítima e agressor são papéis exercidos
por um mesmo sujeito, ora sendo vítima, ora sendo agente/agressor.
Por outro lado o agressor estabelece com a vítima uma relação objetal, onde esse
sujeito é o seu objeto de desejo, falo, o que confere a ele o ideal de completude, o qual teria
como função satisfazer seus desejos, bem como responder a seu ideal de integralidade. Porém
quando a vítima frustra esse ideal, mostra a falha, possibilitando que o agressor responda a ela
com atos de violência.
Lacan traz a noção de que em nome do princípio do prazer o ser humano se aliena no
desejo do Outro. A partir disso inicia uma busca para algo mais além do princípio do prazer,
o gozo.
Relendo Freud, Lacan parte das construções à respeito da pulsão de morte, e vai além
ao propor que a obsessão do indivíduo é em busca da restituição do equilíbrio, repetindo a
pulsão de morte, uma compulsão que afirma a ausência de homeostase nos seres humanos.
Tendo todo indivíduo uma tendência ao retorno do objetivo de alcançar o que busca em vida,
a morte.
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Não há sujeito que renuncie de bom grado à perda de gozo, este insistirá de outras
formas. É o caso da compulsão de repetição, o fato do objeto ter sido perdido e
renunciado não significa que ele tenha sido esquecido. “Se o gozo do ser se define
como perdido, ele quer, no entanto retornar, ele insiste. Tal é o fundamento da
compulsão de repetição; aquilo que se perdeu não é o que se esqueceu, mas retorna
como uma manifestação do recalque originário. (Bidaud, 1998, p.104-105 apud
RABELAIS, 2012, P.41)
“É fácil observar, além disso, que o investimento libidinal de objetos não aumenta o
amor-próprio. A dependência do objeto amado tem efeito rebaixador; o apaixonado é
humilde. Alguém que ama perdeu, por assim dizer, uma parte de seu narcisismo, e
apenas sendo amado pode reavê-la.” (Freud, 1914 p.31)
5 A VIOLÊNCIA É UM SINTOMA?
Partindo do conceito de pulsão, Silva Júnior (2010) esclarece que observa-se tanto na
violência quanto no sintoma, um excesso de gozo. Este que é entendido por Lacan como:
Lacan estabelece então uma distinção essencial entre o prazer e o gozo, residindo
este na tentativa permanente de ultrapassar os limites do princípio de prazer. Esse
movimento, ligado à busca da coisa perdida que falta no lugar do Outro, é causa de
sofrimento; mas tal sofrimento nunca erradica por completo a busca do gozo.
(Roudinesco, p.300)
Sendo assim, a violência emergiria do que não está bem, “impedindo a felicidade
buscada pela via do prazer e desvelando o mal-estar a que os sujeitos estão submetidos”
(SILVA, JÚNIOR 2010). Por tais razões, tendo como perspectiva a castração e a economia
pulsional, a violência é tida como um sintoma dos sujeitos, enlaçando as parcerias violentas.
Apesar do enlace que o sintoma faz, as posições de vítima e agressor são lugares variáveis,
pois como já visto, são qualificações que dependem da posição do sujeito frente à castração,
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como ele se apresenta e vê o Outro. Desta forma há múltiplas possibilidades para cada sujeito,
inclusive que ele ocupe para si mesmo o lugar de vítima e agressor.
Ainda sobre a perspectiva da violência como um sintoma, este que condensa para o
sujeito a verdade e o gozo, Ferrari (2006) cita a resposta de Miller em “O Outro que não
existe e seus comitês de ética” (2005) à pergunta “o que é uma civilização?”. A qual ele
responde, “é um sistema de distribuição do gozo a partir de semblantes, um modo de gozo,
uma distribuição sistematizada dos meios e maneiras de gozar.”(FERRARI,2006 p.53)
Silva Júnior (2010) também salienta que “a violência como sintoma denuncia que o
gozo não caminha no ritmo dos significantes mestres ordenadores da civilização, ou seja,
denuncia que algo não vai bem na ordem instituída.”. O autor, após partir de colocações
clássicas freudianas, constrói:
Na sociedade contemporânea, a pulsão revela ainda mais sua face mortífera, como
modo de gozo presente tanto nos novos sintomas quanto na violência. O declínio da
função paterna e a falência dos ideais na atualidade produziram um sujeito aliviado
das responsabilidades para com seu desejo e o Outro, tornando-se um sujeito
fagocitado pelo imperativo de gozo da civilização técnico-científica e da política de
um mercado globalizado. Diante disso, a psicanálise não tem como tarefa aliviar o
sujeito de sua culpa frente ao ideal, mas sim procurar levar o sujeito a consentir em
questionar sua relação com o discurso da civilização contemporânea, além de lhe
ajudar a suportar a inconsistência do Outro, sua ausência de garantias, sem, por isso,
ceder ao imperativo de gozo do Supereu. (Silva Júnior 2010 p. 331)
O mesmo autor, citando Lacan, aponta que a linguagem pode ser violenta e que o
sujeito utiliza o significante para romper o pacto simbólico com o Outro. É na falta de sentido
que o gozo escapado retorna no real como violência. Sendo a mesma (violência) uma
passagem ao ato onde não houve a mediação simbólica.
lei que o barra, não vale para o discurso do capitalista. As autoras ressaltam que os efeitos
dessa lógica aparecem como uma devastação no campo do sujeito e do Outro:
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
1
Pequeno objeto ou aparelho mecânico ou eletrônico, geralmente de forma e função simples e de utilidade
limitada, apesar de mais incomum ou engenhoso do que os dispositivos ou utensílios tecnológicos mais triviais.
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