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24 de Março de 2023

A cifra negra e o processo de


vitimização na Criminologia
Cultural
Publicado por Canal Ciências Criminais há 4 anos  7.223 visualizações

Por Marcelo Soares Mota

Introdução
A prática de uma infração penal e, da mesma forma, o seu esta-
belecimento no diapasão do conhecimento social é diretamente
relacionada com a valoração e reação social que o ato criminoso
desencadeia no âmbito coletivo.

O sociólogo Edwin Sutherland, a partir da Teoria da Associação


Diferencial, enfatizada a definição de cifra negra e os seus subti-
pos. Nessa perspectiva, surge a figura da cifra negra como um
viés de criminalidade oculta.

Em síntese, a cifra negra representa os casos que não chegam ao


conhecimento das autoridades públicas, demonstrando que os
níveis de criminalidade são maiores do que aqueles oficialmente
registrados.

Essa ocultação, por vezes anteposta pela próprio sujeito passivo,


denota um caráter de vitimização atrelado a um contexto cultu-
ral socialmente aceito. Assim, as cifras do Direito Penal própri-
as dos coletivos de tipificações estão diretamente relacionadas à
conotação da vítima como próprio indivíduo portador de um ri-
cochete social.

Além disso, o controle difuso ou informal praticado pelas rela-


ções sociais em uma complexidade de formas tem relação direta
com o estabelecimento de ocultação da infração penal,
tornando-se um contraponto ao controle formal ou estatal.

Em uma análise minimalista de cada cifra, na perspectiva de su-


jeito inserido no grupo social então praticante dos atos crimino-
sos, designa o enredamento da denúncia. Assim, fracionando os
crimes nas zonas em que ele é mais praticado, poderá ser anali-
sado como fato de maior ou menor aceitação social.

A cifra verde, examinada como os crimes ambientais, é um


exemplo nítido de atos praticados que desenvolvem ínfima rea-
ção social. Ainda, a autoconfissão e a vitimização são técnicas
podem ser utilizadas para traçar o real alcance da criminalida-
de, sobretudo em relação a grupos que tendem a sofrer maiores
violências, como o abuso sexual no caso das mulheres e a vio-
lência física contra a população LBGTQ.

Vitimização secundária e a cifra negra


Nesse meandro, cumpre questionar a inércia da vítima quanto
ao ajuizamento em delatar os fatos para, por consequência, ser
iniciada a persecução penal. A vitimização secundária como es-
tudo da criminologia responde essa indagação, ao estabelecer
que a vítima se entrega à incredulidade, desacreditando nos ór-
gãos componentes do sistema penal.

Nessa esteira, Costa Andrade salienta que “(…), também a víti-


ma é julgada”, independente do resultado processual ela será
estigmatizada ou responsabilizada em parte pelo fato criminoso
em um desencadeamento social. A representatividade é outro
fator que comprova essa inércia em relação as vítimas. Como já
referido, o medo de julgamento e responsabilização do ato ini-
bem a denúncia.

Criminologia Cultural e vitimização


A interação entre o crime e a cultura serviu de base metodológi-
ca para o desenvolvimento da chamada Criminologia Cultural,
denominada pela ótica do crime como uma consequência cultu-
ral, enfatizada na subcultura que dela emana e nas perspectivas
de uma sociedade multicultural.

Além disso, observar o desvio como processo de resistência em


linha divisória na criminalização simbólica das formas de cultu-
ras inferiores é um mecanismo de construção de significados
empregados ao crime.

Do mesmo modo, o multiculturalismo em uma pluralidade de


identidades inseridas em uma mesma sociedade geral, e ao
mesmo tempo fragmentada, possibilita uma estruturação de
subversão e preconceitos a depender de cada observador.

Nessa perspectiva, o crime deverá ser analisado também como


um fator de adequação social para determinado grupo. Essa
adequação pode ser fator de discriminação de certas condutas
ou inibição de denúncias. Um exemplo prático é a pirataria. A
conduta ainda é tipificada como crime, mas a percepção social
da punibilidade desse delito parece não mais existir.

REFERÊNCIAS

MAYORA, Marcelo. Criminologia Cultural, Drogas e Rock


andRoll. In: Criminologia cultural e rock. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011.

ROCHA, Álvaro Filipe Oxley da. Crime, Violência e


Segurança Pública como produtos culturais: inovando
o debate. In.Revista dos Tribunais, ano 101, vol. 917, março
2012, pp. 271-289.

SANTOS, Juarez Cirino. A Criminologia radical. Curitiba:


IPCP: Lumen Juris, 2006.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 5. ed. São Paulo:


Editora Revista dos Tribunais, 2013.

SUTHERLAND, Edwin H. White collar criminality in American


Sociological Review, s.l. v. 5, n.1, p. 01-12, fev. 1940.

Fonte: Canal Ciências Criminais

Disponível em: https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/656894914/a-cifra-negra-


e-o-processo-de-vitimizacao-na-criminologia-cultural

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