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Acadêmicos: Denise Brandão de Almeida;

Elza Mestâncio Santana de Carvalho


Erivelton Toshiaki Moraes Toyoda

O PAPEL DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO NOS CASOS DE


REINCIDÊNCIA EM DELITOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER.

RESUMO: A violência contra a mulher é um delito praticado em sua maioria pelo


companheiro, namorado ou cônjuge. Geralmente ocorre no ambiente doméstico, embora não
se restrinja a ele, e permite a aplicação do velho adágio “em briga de marido e mulher não se
mete a colher”. Em muitos casos são atos de extrema violência praticados por homens no
exercício do mando e do poder patriarcal, de trágicas consequências, já que o Estado justifica
sua não intervenção no espaço doméstico. “Espaço doméstico” é concebido, aqui, não apenas
territorialmente, como também simbolicamente, pois muitas vezes os homens tentam exercer
seu poder sobre as ex-esposas, ex-companheiras e ex-namoradas mesmo quando já separados,
impedindo ou dificultando que elas concretizem uma melhora de vida substancial, uma vez
que a agressão que sofriam quando coabitavam com os ex-maridos não desaparece.

Ao longo dos anos é possível observar que as mulheres começaram a buscar meios de
proteção para tais delitos, mas ainda assim o número de violência contra mulher continua a
crescer. Daí a importância do Estado enquanto provedor de garantias fundamentais,
proporcionar medidas efetivas que de fato proporcionem a essas mulheres a efetivação dos
seus direitos.

Palavras chave: Violência; delito; garantias fundamentais.

ABSTRACT: Violence against women is a crime committed mostly by the partner, boyfriend
or spouse. It usually occurs in the domestic environment, although it is not restricted to it, and
allows the application of the old adage “in a fight between husband and wife, you don't get
involved in the harvest”. In many cases, they are acts of extreme violence committed by men
in the exercise of patriarchal command and power, with tragic consequences, since the State
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justifies its non-intervention in the domestic space. "Domestic space" is conceived here not
only territorially, but also symbolically, as men often try to exercise their power over ex-
wives, ex-partners and ex-girlfriends even when already separated, preventing or making it
difficult for them to materialize a substantial improvement in life, since the aggression they
suffered when they cohabited with their ex-husbands does not disappear.

Over the years, it is possible to observe that women have started to look for ways to protect
themselves from such crimes, but even so, the number of violence against women continues
to grow. Hence the importance of the State as a provider of fundamental guarantees,
providing effective measures that actually provide these women with the realization of their
rights.

Keywords: Violence; offense; fundamental guarantees.

INTRODUÇÃO

Uma das maiores mazelas da sociedade é a prevenção da reincidência do delito, o sistema


atualmente utilizado, comprovadamente, não funciona, basta observas cadeias superlotadas,
penas demasiadas leves e o aumento na criminalidade de forma geral.

O Estado Democrático de Direito deve agir no combate e, principalmente, na prevenção dos


delitos, em busca da harmonia e da paz social duradouras. Cabe ao Estado por meio de ações
diretas e indiretas coibir a prática da reincidência do delito nos casos de violência contra a
mulher, já que o agressor é alguém, quando denunciado conhecido da justiça.

As medidas diretas de prevenção criminal têm foco na infração penal, tem foco na repressão
dos crimes de toda natureza, com efetiva punição aos crimes graves e substituição do
cerceamento da liberdade por medidas educativas aos crimes de menor potencial ofensivo
como palestras, assistência psicológica, apoio de equipes multiprofissionais que possam
ajudar não só a vítima, mas também o agressor a entender as motivações para a prática de tais
reincidências nos delitos.

Já as medidas indiretas têm foco nas causas e efeitos dos delitos, no caso deste trabalho nas
reincidências, agindo de forma mediata na sua prevenção, estudando as causas e os efeitos do
delito com a finalidade de afastar a causa para evitar a reincidência.

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Ao realizar este trabalho pretende-se analisar os fatores estimulantes nos casos de reincidência
em delitos de violência contra a mulher, de modo que se possa sugerir programas
prevencionistas e propor medidas que visem evitar a recorrência do delito.

Identificar quais os principais fatores que levam a reincidência do delito na violência contra a
mulher é um dos objetos dessa pesquisa, de modo que se possa exemplificar ações de como o
Estado Democrático de Direito pode garantir a efetivação dos direitos da mulher e propor
ações de políticas públicas que possam auxiliar na proteção da mulher agredida.

A vítima feminina: Uma refém da sociedade

Cabe ao Estado brasileiro superar o desafio da violência contra as mulheres, há diversas


formas de violência, como a praticada no seio doméstico por parceiros íntimos ou familiares,
a violência sexual, o tráfico de mulheres, a violência institucional, a violência contra mulheres
com deficiência, a violência decorrente do racismo, a lesbofobia, o seximo e o feminicídio
que são violações aos direitos humanos das mulheres, incompatíveis com o Estado
Democrático de Direito e com o avanço da cidadania.

Quando se fala de violência contra a mulher, estamos voltando a violência doméstica, pois nas
estatísticas há um grande número de mulheres que sofrem violência dentro da esfera
doméstica, muitas vezes causadas por seus próprios companheiros, contudo há também a
violência contra os homens, porém contra a mulher essa discrepância fica nítida nas
denúncias.

Algumas questões precisam ser melhor analisadas, em relação ao que acontece na esfera
privada, pois o que se vive no privado, vai de certa forma repercutir na esfera pública, sendo
assim é importante avaliar a violência doméstica como uma questão pública, a qual precisa ser
tratada pela lei.

Devido a hierarquização que há na esfera pública, o que traz consigo grande desigualdade, de
certa forma, isso reflete na esfera privada, levando essa mulher a ter maior dificuldade
econômica e impossibilitando- a de ter maior acesso ao auto governar, criando uma certa
dependência a qual muitas vezes a impede de se livrar da violência doméstica.

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Ainda pode-se observar que a sociedade naturaliza a violência doméstica, algumas vezes até
apontam que a culpa é da mulher por esta naquela situação de violência e que a mesma fez
algo para merecer, fazendo que essa mulher não denuncie seu agressor.

Outro fator da não denúncia é o fato de existir uma relação afetiva entre ela é o agressor,
sendo assim essa violência doméstica não é um acontecimento esporádico e sim de maneira
intensa em grandes números nas famílias, ou seja, isso acaba se tornando um problema social
devendo então o Estado interferir, através de leis que coíbam tais violências. Muitas vezes
essa violência leva a morte dessas mulheres, que são assassinadas por seus próprios
companheiros ou parentes, em comparação as mortes dos homens que são assassinados por
desconhecidos.

A cultura da violência contra a mulher está disseminada em diversos campos da sociedade,


nas mídias, nas músicas, quando colocam a mulher como objeto de prazer, ou seja, a mulher
sendo tratada de forma inferior em relação ao homem. Uma ideia muito latente na sociedade
machista é de que a mulher que provoca algumas situações para que aconteça alguns fatos,
como o estupro, onde se questiona qual tipo de roupa ela estaria vestindo, ou o que ela estava
fazendo aquele horário, etc.

Dessa forma percebe-se que há uma forma diferenciada de tratamento de violência quando se
trata de homens e mulheres, havendo uma diferenciação de gênero ao tratar do mesmo tipo de
violência.

A importância da Lei Maria da Penha e Lei do Feminicídio

A ascensão de feminicídios, os elevados padrões de violência contra mulheres e a tolerância


estatal identificada por pesquisas, estudos e relatórios nacionais e internacionais demonstram
a necessidade urgente de mudanças legais e culturais na sociedade brasileira.

A Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio estão relacionadas com a violência ao gênero.

O Brasil, em agosto de 2006, sancionou a Lei 11.340, que é conhecida como Lei Maria da
Penha, que protege a mulher em cinco aspectos, quais sejam, na violência física, psicológica,
moral, patrimonial e sexual. A lei também apontou a criação de delegacias especializadas para
mulheres, unidades de apoio e punições mais rigorosas para os agressores.

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A importância da implantação da Lei Maria da Penha é ter um olhar voltado à mulher e expor
a violência que acontece contra a mesma, para que as mulheres que passam por essa situação
denunciem e sintam-se amparadas de alguma forma pela justiça.

Enquanto que a Lei do Feminicídio aprovada em 2015, criminaliza o feminicídio, que é o


assassinato de mulheres cometido em razão do gênero, ou seja, a vítima é morta por ser
mulher. Esta nova lei modificou o código penal brasileiro, onde se tipificou como um crime
hediondo, onde entrou como uma qualificadora do homicídio.

A ausência de Políticas Públicas efetivas no combate à violência doméstica vem tornando o


dispositivo legal inócuo, visto que existem poucos programas prevencionistas efetivos no
combate à violência contra a mulher, por mais que tais políticas estejam previstas na própria
lei 11.340/06, o Estado está praticamente inerte na implementação previstas em lei.

Reincidência em violência contra mulher

Podemos observar que além de elementos biopsicossociais comuns, pode-se dizer que os
homens/companheiros que reincidem na agressão contra a mulher são o resultado de um
processo de naturalização da violência contra a mulher, e que este processo está apoiado em
uma cultura patriarcal construída por séculos. No Brasil não existem tantas pesquisas que
relacionam a reincidência com o fenômeno da violência contra a mulher.

Dados do relatório da CPMI da violência contra mulher nos mostram que em 2011, foram
registrados no SINAM, 70.270 atendimentos de mulheres vítimas de violência. O local de
residência da mulher é o preponderante nas situações de violência, especialmente até os 10
anos e a partir dos 30 anos de idade da mulher, correspondendo a 71,8%. Dos 20 aos 59 anos,
o cônjuge aparece como o principal agressor, sendo que na faixa etária feminina dos 30 aos 39
anos, é o agressor em 49,3% dos casos. A partir dos 60 anos, os filhos são responsáveis pela
violência, descortinando a violência praticada contra mulheres idosas. A partir dos 30 anos de
idade, o percentual de reincidência é bastante alto, variando de 56, 9% (dos 30 aos 39 anos),
58,2% (40 aos 49 anos), 57,4% (50 aos 59 anos) e 62,5% a partir dos 60 anos.

Quadro 1

Frequência em que a 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Total


violência ocorre

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Diariamente 9.142 15.916 28.606 46.536 31.303 10.072 141.585

Semanalmente 2.395 3.939 5.186 18.281 11.568 3.618 44.987

Mensalmente 790 1.018 1.447 4.443 2.822 899 11.419

Raramente 1.143 1.425 1.791 6.506 4.905 1.363 17.133

Uma vez 1.166 1.630 2.262 4.277 2.782 939 13.056

Fonte: Secretaria de Políticas para as Mulheres

Já em 2012, as pesquisas de abrangência nacional demonstravam que a violência contra


mulheres na sociedade brasileira tratava-se de uma endemia, o que percebemos atualmente é
que este cenário só se agravou. Sendo a violência doméstica majoritariamente praticada pelo
parceiro da vítima; e a residência não sendo um local seguro para essas mulheres; a
reincidência é um fator de risco e está presente em quase 60% dos casos a partir dos 30 anos.

Descontruindo o agressor

Existe em alguns estados espaços que recepcionam o agressor e por meio de políticas públicas
de melhorias busca através da criação de Grupos Reflexivos, recuperar e tratar este indivíduo
que busca melhorar e recuperar-se, nestes espaços há um trabalho voltado para escuta e
desconstrução de valores, onde são debatidas questões como masculinidades e feminilidades,
a influência do patriarcado na construção social dos papéis de homens e mulheres, conflitos
entre parceiros íntimos e nas relações interpessoais, entre outros.

A partir disso, espera-se que o homem reconheça o ciclo da violência na sua fase inicial como
condição para se trabalhar as possibilidades de ruptura dos mecanismos de reprodução e
dominação patriarcal e, assim, compreenda suas raízes históricas e as consequências na sua
vida e na sociedade em que vive.

Alguns autores problematizam que, apesar de os homens mudarem seus discursos e atitudes,
há de se considerar que pode ser que as relações de poder com as suas parceiras permaneçam
inalteradas em outros ambientes, ou seja, a recuperação não ocorre na alcunha do lar. Para
estes autores, os homens não usam só a violência física para controlar o comportamento da
mulher, pois conseguem controlá-la sem a violência denunciada. Desse ponto de vista, o fato

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de os homens não serem denunciados ou sentenciados por esse tipo de violação, não significa
que eles deixaram de cometer algum tipo de violência contra a mulher.

A instalação de um Núcleo do Homem Agressor para trabalhar o agressor de forma a reduzir


a reincidência, através de palestras e de atendimento psicológico tem sido empregada de
maneira bastante produtiva e vem gerando resultados.

Considerações Finais

As políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres devem ser efetivamente


assumidas pelos poderes públicos constituídos. Isso requer a criação de mecanismos políticos
de empoderamento das mulheres autônomos e bem estruturados, a exemplo de Secretarias
Estaduais e Municipais de Mulheres. Requer, ainda, tanto orçamento específico para o
desenvolvimento de políticas públicas integradas e multissetoriais quanto o fortalecimento da
Lei Maria da Penha, com a criação de Juizados, Promotorias e Defensorias Especializadas de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, além do julgamento célere dos agressores e
homicidas, do enfrentamento das elevadas taxas de feminicídios e da superação de
preconceitos e estereótipos profundamente arraigados.

Ao propor uma política pública em Direitos Humanos, o papel do Estado é também o de


educação e de orientação quanto à existência dessas formas de violência, promovendo
condições para que a própria mulher vítima seja capaz de perceber a violação de seus direitos
e para que o grupo social seja capaz de agir em sua defesa, formando uma rede de proteção e
garantia. A violência apresenta caráter multidisciplinar por seu caráter político, econômico,
cultural, social, psicológico e jurídico. O diálogo entre essas matérias deverá desvendar os
mecanismos de poder que fundamentam a violência e o controle social sobre a mulher, como
também os aspectos ideológicos que restringem a autonomia da mulher ao lhe impor limites à
liberdade. Daí a necessária propositura de estratégias institucionais que compreendam, de
fato, a complexidade do problema e estejam engajadas em remontar esses cenários de
opressão às mulheres.

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Referências

PESSOA, Adelia Moreira. 11 Anos da Lei Maria da Penha: Avanços e Desafios. Leituras
De Direito: Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Disponível em:
<https://www.amb.com.br/fonavid/publicacoes.php>. Acesso em 21 de jun. de 2021.

VARGAS, I.M.; MACHADO, M.F. Grupo Reflexivo de Gênero - Uma Experiência


Exitosa para a Prevenção, Atenção e Enfrentamento à Violência Doméstica Contra a
Mulher. Leituras De Direito: Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Disponível
em: <https://www.amb.com.br/fonavid/publicacoes.php>. Acesso em 21 de jun. de 2021.

DE OLIVEIRA, Fabio Dantas. Aplicabilidade da Lei Maria da Penha na Justiça


Restaurativa. Leituras De Direito: Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.
Disponível em: <https://www.amb.com.br/fonavid/publicacoes.php>. Acesso em 21 de jun.
de 2021.

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