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VIOLÊNCIA SEXUAL

Viviana Julius1

1. Estudante do Curso de Técnico de Medicina Geral, Instituto LUGENDA-Nampula.

INTRODUÇÃO

O Primeiro Relatório Mundial sobre Violência e Saúde (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA


SAÚDE, 2002) define, pela primeira vez, a violência como “o uso intencional da força física ou
do poder, real ou em ameaça contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma
comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico,
deficiência de desenvolvimento ou privação de liberdade”.

A violência contra a mulher é referida de diversas formas desde a década de 50. Designada como
violência intrafamiliar na metade do século XX, vinte anos depois passa a ser referida como
violência contra a mulher. Nos anos 80, é denominada como violência doméstica e, na década de
90, os estudos passam a tratar essas relações de poder, em que a mulher em qualquer faixa etária
é submetida e subjugada, como violência de gênero.

A violência contra as mulheres, apresentada de forma multifacetada, é sofrida em todas as fases


da vida; muitas vezes, 10 iniciando-se ainda na infância, acontece em todas as classes sociais. A
violência cometida contra mulheres no âmbito doméstico e a violência sexual são fenômenos
ainda cercados pelo silêncio e pela dor.

Moçambique é signatário de tratados e documentos internacionais que definem medidas para a


eliminação da violência contra a mulher. Essas medidas dependem de diferentes actores nos
âmbitos do governo e da sociedade, bem como da introdução de conhecimentos específicos e
tecnologias diferenciadas para profissionais que actuam directamente na atenção à saúde,
integrada a outras iniciativas, possibilitando, assim, a formação de redes de atenção para
mulheres e adolescentes em situação de violência doméstica e sexual. Tais redes de atenção
integrada devem trabalhar em consonância com as redes e o sistema de proteção de direitos de
crianças e adolescentes. As propostas de resolução para os problemas relacionados à violência
contra mulheres estão presentes em diversos documentos internacionais – tais como a Declaração
sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres (ONU, 1993) – elaborados a partir de

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algumas conferências mundiais: Conferência Internacional de Direitos Humanos (Viena, 1993),
Conferência Mundial da Mulher (Pequim, 1995) e Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979).

A violência sexual é um problema que afecta várias sociedades, no mundo inteiro. Moçambique
não é uma excepção. Contudo, este problema ainda é pouco discutido. As questões ligadas à
sexualidade são vistas como assuntos privados, pelo que os crimes cometidos neste âmbito,
muitas vezes, ainda são tratados ao nível familiar ou comunitário. Frequentemente, os crimes
sexuais são conhecidos como “crimes contra a honra” e não são denunciados. Muitas vítimas
calam-se por medo de perder a sua “honra” ou “reputação”. Em Moçambique, ainda são poucos
os casos de violência sexual denunciados aos sistemas judiciais. Muitos casos são tratados de
forma particular ou informal.

Segundo Shnit (2002), a proteção de crianças e adolescentes para qualquer tipo de violência é
uma das responsabilidades básicas do Estado, que tem como dever legal e moral fazer uso de
todos os artifícios disponíveis para erradicar os danos às crianças e às adolescentes vítimas dessa
realidade na qual crescem e se desenvolvem.

Inúmeros são os factores que desencadeiam, facilitam e perpetuam a violência contra crianças e
adolescentes. Há, no entanto, um fator comum a todas as situações: o abuso do poder do mais forte – o
adulto – contra o mais fraco – a criança e o adolescente. A violência praticada pelos próprios pais ou
responsáveis é extremamente comum, porque (...) [eles] não vêm a criança e o adolescente como
sujeitos e sim como objetos de dominação, confundindo o seu papel socializador junto à infância e à
adolescência com autoritarismo (AZEVEDO; GUERRA, 1989).

Ao enfocarmos questões complexas, como a violência doméstica e a violência sexual, apontamos


também para a necessidade de ampliar a percepção de nossos profissionais para uma mudança histórica
de pensamento, paradigmas, além da criação de condições objetivas para a incorporação dessa nova
forma de agir, no sentido de garantir escuta e atenção qualificada para pessoas em situação de
violência.

Em Moçambique, a Lei sobre Violência Doméstica praticada contra a Mulher aborda a Violência Sexual
como: “Qualquer conduta que constrange a praticar, a manter ou a participar de relação sexual não
desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou
utilizar de qualquer modo a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivos ou

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que a force ao matrimónio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem,
suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício dos seus direitos sexuais [e] reprodutivos.”
(Lei 29/2009 – Glossário: Violência Sexual).

VIOLÊNCIA SEXUAL PODE OCORRER EM DIVERSOS CONTEXTOS E


CIRCUNSTÂNCIAS:

 Violação no âmbito do casamento ou namoro;


 Violação por estranhos;
 Violação sistemática durante conflitos armados;
 Assédio sexual e sexo em troca de favores;
 Abuso sexual de pessoas com deficiência física ou mental;
 Abuso sexual de crianças;
 Casamento ou união forçada, incluindo casamento de crianças;
 Impedir o direito ao uso de contraceptivos ou outras medidas de proteção contra infecções
sexualmente transmissíveis;
 Aborto forçado;
 Actos violentos contra a integridade sexual da mulher, incluindo a mutilação genital e testes
obrigatórios de virgindade;
 Prostituição forçada e tráfico de pessoas para exploração sexual.

Embora a violação sexual seja o crime sexual mais conhecido, existem outras formas de
violência sexual que se manifestam com certa Atentado ao Pudor (Art. 391 do Código Penal)
Todo o atentado contra o pudor de uma pessoa de um ou outro sexo que for cometido com
violência, quer para satisfazer paixões lascivas, quer seja por outro motivo, será punido com
pena de prisão. “Parágrafo único: se a pessoa ofendida for menor de 16 anos a pena será em todo
o caso a mesma, posto que prove a violência.”

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CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA SEXUAL:

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Fonte: Manual de capacitação profissional para atendimento em situações de violência (recurso on-line 46p.)
PUCRS, 2018.

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DENÚNCIA

Muitas pessoas que sofrem de violência ficam envergonhadas e tem dificuldade de denunciar e
de pedir ajuda. Primeiramente, elas sofreram um trauma emocional e físico muito grande e ainda
quando vão denunciar são vitimas de piadinhas e indiretas por parte da própria delegacia, são
tratadas com desconfiança, antes de terem seus direitos garantidos. Isso faz com que a vítima
desista de denunciar seus agressores.

Quem sofre uma violência sexual tem o direito à: registro de ocorrência policial, inquérito
policial e à realização de exames periciais junto ao sector de Medicina Legal; recebimento
gratuito de assistência médica com indicação de contracepção de emergência para evitar a
gravidez indesejada; recebimento de profilaxia para HIV e para Infecções de Transmissão
Sexual (ITS); aborto legal em caso de gravidez decorrente de estupro, de acordo com a legislação
vigente do Código Penal; promoção da Ação Penal para responsabilização do agressor (processar
o agressor) pelo Ministério Público quando a violência sexual for praticada com abuso do pátrio
poder ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador; ou quando a vítima não tiver condições de
prover as despesas do processo.

Apenas uma pequena parcela de casos de violência sexual procura o serviço de saúde, a taxa de
ocorrência é subestimada. Há estudos que estimaram que apenas cerca de 5% das vítimas adultas
de violência sexual denunciaram o crime à polícia, ou um serviço de saúde.

Aconselha-se que não se faça nenhum tipo de higiene pessoal antes que o registro seja feito, já
que assim pode se apagar eventuais provas, deve-se preservar as roupas em seu estado de
agressão, quer dizer, deixar as roupas rasgadas e sujas, pois nelas pode haver vestígios do crime.
Outro ponto importante é tentar prestar atenção se o agressor possui eventuais marcas, cicatrizes
ou tatuagens pelo corpo, isso ajuda a polícia a identificar o criminoso.

Quando for fazer a denuncia quem deve fazê-la é a própria vítima, mas se for menor de idade, o
responsável legal do menor deverá fazer a ocorrência. Há, em casos normais, seis meses para se
fazer a denuncia, mas se a vítima tiver idade inferior à de dezoito anos, ela terá até sua
maioridade para efetuá-la.

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RAZÕES PELAS QUAIS AS MULHERES NÃO DENUNCIAM A VIOLÊNCIA
SEXUAL:

 Falta de apoio;

 Vergonha;

 Medo de represálias;

 Sentimento de culpa;

 Receio de que não acreditem nela;

 Temor de ser maltratada ou socialmente marginalizada.


Fonte: OMS,2018

OS TIPOS DE VIOLÊNCIA SEXUAL:

 Assédio sexual: é a insistência inoportuna, independentemente do sexo ou da orientação


sexual, com perguntas, propostas, pretensões, ou outra forma de abordagem forçada de
natureza sexual. É o ato de constranger alguém com gestos, palavras ou com o emprego
de violência, prevalecendo-se de relações de confiança, de ascendência, de superioridade
hierárquica, de autoridade ou de relação de emprego ou serviço, com o objetivo de obter
vantagem sexual.

 Estupro: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção


carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” (BRASIL,
2009b, art. 213). Dentro desse conceito, está incluída a conjunção carnal (penetração
peniana ou de outro objeto no ânus, vagina ou boca), independentemente da orientação
sexual ou do sexo da pessoa/vítima.

 Pornografia infantil: é a apresentação, a produção, a venda, o fornecimento, a


divulgação e/ou a publicação de fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de

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sexo explícito (exposição de imagens) envolvendo crianças ou adolescentes, utilizando
qualquer meio de comunicação.

 Exploração sexual: caracteriza-se pela utilização de pessoas, independentemente da


idade, do sexo ou da identidade de gênero, com fins comerciais e de lucro, seja para a
prática de atos sexuais (prostituição); a exposição do corpo nu e de relações sexuais ao
vivo (striptease, shows eróticos), ou mediante imagens publicadas em (revistas, filmes,
fotos, vídeos ou sítios na internet). Portanto, qualquer um que obtenha, mediante qualquer
forma de pagamento ou recompensa, serviços sexuais, de forma direta ou com recurso de
intermediários (agenciamento direto, indução, facilitação).

MITOS

Há alguns mitos que são consideravelmente importantes de se falar. Mitos do tipo que o agressor
é sempre um desconhecido são um deles, na verdade a maioria dos casos de agressão, os
agressores são conhecidos da vítima, que possuem um vinculo afetivo com ela, às vezes meu
próprio pai é o agressor.

Outro mito é que as mulheres provocam a agressão por usarem roupas consideradas insinuantes e
passarem por lugares esmos e horários impróprios, o que é uma mentira. Todos tem o direito de
usar a roupa que quiser e à liberdade de ir e vir a hora em que bem quiser, e esses direitos devem
ser respeitados. Não é por ser uma prostituta ou garota de programa, que elas terão seus direitos
violados.

Este tipo de violência não é causado pelo álcool ou pela droga, eles atuam como agravantes e
precursores da violência, assim como diversos outros fatores que levam ao descontrole
emocional, porém não pode ser dito que eles são causadores da violência.

 CONCLUSÃO

Um conceito de violência sexual é tipo de violência em que envolve relações sexuais não
consentidas e pode ser praticada tanto por conhecido ou familiar ou por um estranho e também,

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pode se dizer que violência sexual é uma questão de gênero, ela se dá por causa dos papéis de
homem e mulher por razão social e cultural em que o homem é o dominador. Este é um
problema universal, no homem é uma questão de poder e controle e que atinge as mulheres de
todos os tipos e lugares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, M. A.; GUERRA, V. N. A . Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder.


São Paulo: Iglu, 1989.

Manual de capacitação profissional para atendimentos em situações de violência [recurso


eletrônico] / coordenação Luísa F. Habigzang. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre :
PUCRS, 2018.

SHNIT, D. Proteção de crianças contra a violência: aspectos legais. In: WESTPHAL, M. F.


(Org). Violência e criança. São Paulo: Edusp, 2002.

WHO (World Health Organization).World report on violence and health. Geneva: World Health
Organization; 2012 e 2018.

Ministério da Saúde (2009). Viva: Vigilância de violências e acidentes, 2006 e 2007. Brasília:
Secretaria de Vigilância em Saúde. Disponível em http://bvsms. saude.gov.br/bvs
/publicacoes/viva_vigilancia_violencias_acidentes.pdf.

http://www.themis.org.br/ —– Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero

Legislações

MOÇAMBIQUE, Lei da Família, aprovada pela Lei nº 10/2004 de 25 de Agosto, 2004.

MOÇAMBIQUE, CONSTITUIÇÃO (2004), Constituição da República de Moçambique,


Maputo, Plural Editores, 2004.

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MOÇAMBIQUE, Código Civil, actualizado pelo Decreto-Lei nº 3/2006 de 23 de Agosto,
Maputo, Plural Editores, 2006.

Lei da Promoção e Protecção dos Direitos da Criança, aprovada pela Lei n. º 7/2008 de 9 de
Julho.

IMAGENS

Fonte: https://www.justicadesaia.com.br/violencia-sexual-no-casamento-precisamos-falar-sobre-isso/

Fonte: https://news.un.org/pt/story/2022/04/1785972

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Fonte: http://www.supertecnica.co.mz/wp-content/uploads/2019/08/Regulamento-de-combate-
%C3%A0-corrup%C3%A7%C3%A3o-e-ass%C3%A9dio-sexual.pdf

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