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Junho 2019
JUSTIFICATICA
Algumas das hipóteses que norteiam este trabalho surgiram em função de vivências
profissionais como professora de Arte, Gilmara Oliveira, no Sistema Socioeducativo
São Jerônimo pela Escola Estadual Jovem Protagonista, desde 2015; como Artista da
Performance que cria suas proposições tratando da violência entre gêneros e do sagrado
feminino, desde 2012; e como professora de Artes do Corpo no Centro Interescolar Arte
Cultura Linguagens e Tecnologias (CICALT), desde 2018.
Com isso, o presente projeto de pesquisa terá como sujeitos as adolescentes do gênero
feminino em cumprimento de medida socioeducativa de internação na Unidade São
Jerônimo, em Belo Horizonte/Minas Gerais e a própria pesquisadora numa linha
autoetnográfica.
A medida socioeducativa é uma determinação jurídica destinada a adolescentes entre
12 e 18 anos de idade que cometeram ato infracional, sendo este entendido, segundo o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), artigo 103 como
No entanto, é a partir das relações sociais de poder e diversos outros fatores que uma
ação é considerada contraversão penal, visto que, o que é infração em uma determinada
sociedade pode não ser em outra, assim como em diferentes momentos histórico-sociais.
Desta forma, adolescentes em privação de liberdade são fruto da escolha do sistema de
justiça a refletir na sociedade acerca de quem deve ser punido (VOLPI, 1998).
Ao descrever as penalidades passíveis de ser aplicada, o ECA (art. 112, IV.), nos
aponta algumas ressalvas:
Na prática não é bem isso que ocorre, e, além de prestação de serviço em troca de
benefícios como uma das maneiras aplicáveis de controle dos corpos, adolescentes
portadores de doença ou deficiência mental não recebem tratamento individual
especializado, a não ser por meio de medicação como forma de controle.
Segundo Sandra Maciel Almeida, diretora em Educação, que investigou em seu
doutorado a situação educacional de jovens e mulheres em privação de liberdade, em
2013 utilizando uma abordagem etnográfica de pesquisa cuja síntese foi publicada no
livro Mulheres Invisíveis,
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Lei Federal nº 8.069/1990.
FALCADE, Ires Aparecida. Mulheres Invisíveis: por entre muros e grades.(org.) Curitiba: JM, 2016.
VOLPI, Mário e SARAIVA, João Batista. Os Adolescentes e a lei. Brasília: Ilanud, 1998.
fora do contexto da cultura, dita hegemônica, os sistemas prisional e socioeducativo
enquadram as jovens e mulheres reduzindo-as à díade, normal e anormal, aplicando sanções
normalizadoras. Os relatos das mulheres e jovens participantes revelam que essas sanções se
expressam institucionalmente por meio do controle do corpo (através do isolamento por mau
comportamento), do controle da criatividade (através de atividades educacionais
infantilizadoras) e por meio do controle da mente (através do uso de medicamentos
psicotrópicos). (FACALDE, 2016, Cap. 2, p. 52)
De fato, a dominação masculina sobre o feminino é executada de forma contínua para que
essas se percebam e concordem com os esquemas naturais das diferenças anatômicas dos órgãos
sexuais e da divisão social do trabalho, o que leva a toda uma percepção diferente de como
devem ser os comportamentos feminino e masculino, que acabam por aceitar sua condição de
forma inconsciente, alimentadas essas razões costumeiramente pela família e depois por toda a
ordem social, com suas instituições, como a Igreja, a Escola e o Estado. (LIMA, 2009, p. 46)
A sociedade brasileira avançou nas conquistas de direitos das mulheres nas últimas
décadas, mas essa evolução não significa ausência de disparidade entre gêneros. A
situação de vulnerabilidade em que as adolescentes em cumprimento de medida se
encontram e se enquadram socialmente, assim como uma enorme parcela das mulheres
é reflexo desta discriminação ainda eminente somada à violência simbólica e física,
muitas vezes provenientes de pessoas muito próximas; o que resulta em traumas que se
manifestam desde por meio de reclusão e dificuldade de se relacionar como na
reprodução de comportamento agressivo.
De acordo com as experiências, vivências, da pesquisadora, na maioria das vezes, após
a realização de criações performáticas, no entendimento desta como arte-vida, as
reverberações internas do que foi realizado costumam ser tão intensas que alteram a
visão do artista acerca de seu lugar no mundo, seu entendimento social, e do próprio
corpo como potência comunicativa, além de provocar reflexões acerca de sua
coexistência no espaço-tempo e sua relação com o outro.
Assim, acredita-se que a performance entre adolescentes comumente oprimidas e
provenientes de condições sociais desprivilegiadas, em conflito com a lei, pode ser um
meio de empoderamento consciente e poético, capaz de gerir o entendimento de
pertencimento social e afirmação da própria identidade.
LIMA, Paulo Marco Ferreira. Violência contra a mulher – o homicídio privilegiado e a violência doméstica. São Paulo: Atlas, 2013.
Segundo análise feita por Kathryn Woodward,
é por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa
experiência e àquilo que somos.(...) Diferentes significados são produzidos por diferentes
sistemas simbólicos, mas esses significados são contestados e cambiantes.(...) Todas as práticas
de significação que produzem significados envolvem relações de poder, incluindo o poder para
definir quem é incluído e quem é excluído. A cultura molda a identidade ao dar sentido à
experiência e ao tornar possível optar, entre as várias identidades possíveis, por um modo
específico(...).(SILVA, 2007, p.17-19)
Observar a arte não significa consumi-la passivamente, mas tornar-se parte de um mundo ao
qual pertencem essa arte e esse espectador. Olhar não é um ato passivo; ele não faz que as
coisas permaneçam imutáveis. (...) A arte é um encontro contínuo e reflexivo com o mundo em
que a obra de arte, longe de ser o ponto final desse processo, age como iniciador e ponto central
da subsequente investigação do significado. (ARCHER, 2001, p. 235-236)
ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: uma história concisa. Trad. KRUG, Alexandre e SIQUEIRA, Valter Lelis. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais.(org.) Rio de Janeiro: Vozes, 2007
com a beleza, ainda que este termo seja relativo. Nesta amplitude interpretativa a única
certeza era que em todas as variantes de realização performática, o corpo sempre foi o
tema e a matéria investigativa, à prova, lidando com os próprios limites. A inexistência
de ficção era outra característica, visto que a grande maioria dos que se envolviam na
investigação em performance falavam de si, seus questionamentos pessoais, políticos e
sociais, e de experimentações cotidianas no meio em que coexistiam.
No campo educacional, especificamente, a ação corpórea ou performatividade entra
como um ato vital de transferência de saberes e ou memórias, visto que, o sujeito
vivencia a arte como experiência, no espaço-tempo em que se encontra; o que implicaria
um reconhecimento de si como corporeidade ampla de significados. Segundo Dewey, a
arte acentua esta característica de ser e pertencer ao todo maior e abrangente que é o
universo, porque toda vez que se passa por algo em consequência de um ato, ou seja,
por uma dada experiência, o eu se modifica, já que parte do que foi compreendido e
termina no assombro. Em contato com os saberes artísticos, portanto, é impossível não
se afetar pelos signos transmitidos ainda que não se tenha plena consciência.
Com isto, acredita-se na realização de uma oficina em caráter progressivo, com o título
Corpo em Ação, como oportunidade ímpar de criação artística e possível transformação
social; e na análise da mesma, enquanto dissertação como importante ferramenta de
fomento desta linguagem, desconstrução dos pré-conceitos que envolvem o corpo como
obra de arte, e estratégia de ruptura com algumas amarras sociais. Acredita-se ainda na
possibilidade de transformar a realidade de conflito e violência que as adolescentes
vivenciam, já que ao se expressarem por meio da ação performática, os sentimentos se
suavizem por serem também expurgo.
Vale reforçar que, com o estudo/análise da Oficina Corpo em Ação, a ser criada, não se
tem a intenção de impor uma metodologia que molde o trabalho de educadores sociais,
mas sim, ao realiza-la, poder criar possibilidades e alternativas de valorização das
adolescentes por meio da arte do corpo que possam transformá-las internamente e
apresentar às mesmas uma linguagem na qual dificilmente teriam contato social caso
não fosse levado até elas, devido à realidade de fomento seletivo deste saber como arte.
E, é claro, inspirar professores de arte que trabalham com adolescentes em situação de
vulnerabilidade social a focarem mais nas particularidades de seus alunos e menos nos
estereótipos vigentes ao tratarem desta e das demais linguagens artísticas.
DEWEY, John. Arte como experiência. Trad. RIBEIRO, Vera. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
Trabalho final de Conhecimento, Linguagem e Interações em Sala de Aula
Professor: Gilcinei Carvalho
Aluna: Gilmara Gonçalves Oliveira
PROMESTRE