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INTRODUÇÃO
O Brasil é o país que se encontra no topo do ranking de países que mais matam
pessoas transgêneros no mundo (ANF, 2021), conforme dados elencados no relatório da
Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais (ILGA).
Estamos falando de um grupo que se encontra em uma situação de extrema
vulnerabilidade, mesmo sendo o Brasil, um país, cuja Constituição Federal garante uma série
de direitos fundamentais, tais direitos são, comumente, desrespeitados.
Se essa situação por si só já é preocupante, imagine, quando tal grupo, se encontra
em uma situação ainda mais vulnerável, qual seja: o cárcere.
As mulheres transgêneros encarceradas são vítimas incessantes de todo tipo de
preconceito, tendo seus direitos fundamentais violados diariamente por parte do Estado,
que ao colocá-las, em um presídio masculino, para cumprir pena, as colocam em uma
situação extremamente vulnerável, e degradante, pois, são vitimas incessantes dos mais
variados tipos de violência.
E é exatamente sobre tal situação específica, que desenvolveremos o presente
trabalho, tendo sido o primeiro capítulo, destinado a esclarecer sobre os termos referentes à
sexualidade.
O segundo capítulo foi dedicado a elucidar sobre a violação que as mulheres
trânsgeneros encarceradas sofrem, sobretudo, sobre o principio da dignidade da pessoa
humana.
1
Graduanda do curso de Direito. Centro Universitário FG - UNIFG. Guanambi (BA). CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0684740090593223 . Email: bremmors@gmail.com .
2
Mestranda em Fundamentos e Efetividade do Direito. Centro Universitário FG - UNIFG. Guanambi (BA). CV
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6487878007395637. Email: anacarolinateixeira.adv@gmail.com.
Já no terceiro capítulo tratou-se das recomendações constantes nos Princípios de
Yogyakarta, e os direitos decorrentes de tais princípios.
Por fim, no último e concluso capítulo, explanou-se sobre recente decisão do STF,
que garantiu que as mulheres transgêneros pudessem escolher se querem cumprir pena em
presídio feminino ou masculino.
Para tanto, utiliza-se como estratégia metodológica, pesquisas bibliográficas, tendo
como fontes: doutrinas, jurisprudências e artigos científicos de plataformas seguras, como:
Google Acadêmico, SciELO e CAPS, valendo-se de métodos lógico-dedutivos, foram
desenvolvidos os presentes capítulos.
[...] para a ciência biológica, o que determina o sexo de uma pessoa são suas
células reprodutivas (espermatozoides, logo, macho; óvulos, logo, fêmea), e só.
Biologicamente, isso não define o comportamento masculino ou feminino das
pessoas: o que faz isso é a cultura. [...] Sexo é biológico, gênero é social. Como as
influências sociais não são totalmente visíveis, parece para nós que as diferenças
entre homens e mulheres são naturais, totalmente biológicas, quando, na verdade,
a maior parte delas é influenciada pelo convívio social (JESUS, 2012 p. 6).
“(...) são indivíduos que, na sua forma particular de estar e/ou de agir, ultrapassam
as fronteiras de gênero esperadas/construídas culturalmente para um e para outro
sexo. Assim, são homens, mulheres (e pessoas que até preferem não se identificar,
biologicamente, por expressão alguma) que mesclam, nas suas formas plurais de
feminilidade e masculinidade, traços, sentimentos, comportamentos e vivências
que vão além de questões de gênero como, corriqueiramente, são, no geral,
tratadas.” (ENÉZIO SILVA JUNIOR, 2011 p. 65)
Pessoas que provocam uma ideia de ―transição‖ entre os gêneros, como travestis
e transexuais, não apenas questionam normas de gênero estabelecidas, mas
ajudam a criar novos padrões de gêneros que podem vir a ser repetidos, pois é no
interior da performatividade que as fissuras de gênero se revelam e moldam
caminhos para novas vivências. Ainda conforme Butler, como (...) o transgênero
mesmo ingressa no campo do político? Sugiro que o faz não só fazendo-nos
questionar sobre o que é real e o que deve sê-lo, mas também mostrando-nos
como as ações contemporâneas de realidade podem ser questionadas e como
novos modos de realidade podem ser instituídos (LEITE JR., 2008, p. 125-126).
Durante milênios, a genitália trazida pelas pessoas desde o nascimento, era suficiente
para determinar ou definir o destino da pessoa em seu ciclo como ser humano. Por mais
atrasado que seja essa colocação, diante de tempos de acesso ao conhecimento e
principalmente sobre a complexa constituição e funcionamento da pessoa humana, ainda
prevalece na sociedade essa única distinção para separar e classificar “homens” e
“mulheres”, atribuindo-lhes, conceitos, características, comportamentos e vários papéis
sociais para sanar e atender a expectativa social, “assim, se a pessoa tiver um pênis, será
classificada no gênero masculino ou “homem”, da mesma forma que uma vagina
determinará sua classificação como membro do “gênero feminino” ou ”mulher” (LANZ ,
2014 p. 67).
Isto é, a sociedade mesmo estando em constante evolução em diversas áreas sócio
jurídica encontra-se ainda, limitadas e apegadas a esse conceito de classificação do que é ser
“homem” ou “mulher” e a determinação incessante de trejeitos sociais para então agradar e
atender o anseio da sociedade.
Nesse sentido, tem-se que os direitos humanos refletem preceitos primordiais, que
são explicitamente elencados em Constituições ou em tratados internacionais.
Artigo 55. Com o fim de criar condições de estabilidade e bem estar, necessárias às
relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio
da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas
favorecerão:
a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e
desenvolvimento econômico e social;
b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e
conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional;
c) o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião (BRASIL,
1948).
3 PRINCÍPIO DE YOGYAKARTA
Todas as pessoas, sem distinção, possuem direito a vida. Ninguém pode ser de forma
arbitrária privado da vida, inclusive nas condições á orientação sexual ou identidade de
gênero.
Na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, elucida o direito a vida,
observe: art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Conforme os ensinamentos de Luciana Russo (2009 p. 91), o direito á vida é o bem
mais significativo e pertinente de todas as pessoas, além disso, a dignidade da pessoa
humana elencada e fundamentada na Constituição Federal de 1988 se quer, existiria sem a
vida.
Já para Alexandre de Moraes (2003, p. 63), o direito à vida é o primordial diante de
todos os direitos, pois, se trata de um pré-requisito à existência e exercícios dos demais
direitos.
Nesse mesmo sentindo, elucida André Ramos Taváres (2010, p. 569): “é o mais básico
de todos os direitos, no sentido de que surge como verdadeiro pré-requisito da existência
dos demais direitos consagrados constitucionalmente. É, por isto, o direito humano mais
sagrado”.
Todos os indivíduos cumprindo pena privativa de liberdade devem ser tratados com
humanidade e com respeito pela dignidade inerente à pessoa humana. A orientação sexual e
identidade de gênero são partes consideradas essenciais da dignidade de cada pessoa
(Princípios de Yogyakarta, 2007 p.19)
Conforme estipula os Princípios de Yogyakarta (2007, p. 19) os Estados deverão
garantir que a detenção evite maior marginalização das pessoas pela sua orientação sexual,
assegurar que todos os detentos e detentas participem das decisões relacionadas ao local de
detenção adequado à sua condição sexual, implantar medidas de proteção para os presos e
presas vulneráveis à violência ou abuso motivado pela condição sexual, de forma que essas
medidas não resultem maior restrição a seus direitos, assegurar que as visitas conjugais,
onde são permitidas, com base de igualdade a todas as outras pessoas e implementar
programas de treinamento, educação e conscientização no sistema prisional e todas as
demais pessoa que estão envolvidas com as instalações prisionais, sobre padrões de
respeito, igualdade e não discriminação desses detentos e detentas pela sua orientação
sexual e identidade de gênero.
3.5 Direito de não sofrer tortura e tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante
Todas as pessoas, sem distinção, tem o direito de não ser submetido à tortura ou
tratamento cruel, desumano e degradante, inclusive por motivações relacionadas à
orientação sexual e identidade de gênero (Princípio de Yogyakarta, 2007 p. 20).
De acordo dispõe os Princípios de Yogyakarta (2007, p. 20) os Estados deverão se ater
a tomar todas as medidas cabíveis e razoáveis para identificar as vítimas de tortura e
tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante, perpetrados por motivos
relacionados à orientação sexual e identidade de gênero, promovendo recursos jurídicos,
medidas corretivas e reparações e, quando for apropriado, apoio médico e psicológico.
4 ADPF Nº 527
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Restou evidenciado no presente estudo a hipervulnerabilidade das mulheres
transgênero encarceradas. É indiscutível que o sistema de execução penal brasileiro é
deficitário e impiedoso em incontáveis aspectos, não só com a população transgênero, essa
situação inflexível independe do gênero do encarcerado, mas quando se trata das mulheres
transgêneros, essa situação tende a ser muito mais grave.
Por isso, as garantias fundamentais confinadas na CRFB/88 e nos demais diplomas
infraconstitucionais, como por exemplo, a resolução conjunta nº 1 e a anuência do Brasil aos
Princípios de Yogyakarta, devem ser cumpridos na íntegra, sob pena, de colocar essas
mulheres em uma situação de risco irreparável.
Razão pela qual, afirma-se que o julgamento da ADPF nº 527, foi uma decisão
histórica, para a população trânsgenero encarcerada, que permitiu que pessoas transgênero
pudessem escolher se cumpre a pena privativa de liberdade em penitenciárias masculinas ou
femininas.
Frise- se, porém, que apesar de, tal decisão ter minimizado a incessante violação aos
direitos dessas pessoas LGBTQIA+, ela é só uma das ferramentas que suavizam a situação
dessas mulheres transgênero, devendo o Estado humanizar a situação de todos os
encarcerados, sobretudo àqueles em situação de hipervulnerabilidade, como é o caso dessas
mulheres.
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