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Revista Brasileira de Estudos Constitucionais ‐ RBEC

Belo Horizonte, ano 2, n. 6, abr. / jun. 2008

A construção judicial da fidelidade partidária no Brasil†


Adriano Sant'Ana Pedra

Fidelidade partidária. Mutação constitucional. Democracia. Direitos fundamentais.

1 Introdução ­ 2 Fidelidade partidária ­ 2.1 Infidelidade por inobservância das diretrizes partidárias
­ 2.2 Infidelidade por desligamento do partido ­ 2.3 Fidelidade partidária no sistema constitucional
brasileiro: argumentos favoráveis e contrários ­ 3 O entendimento anterior do Supremo Tribunal
Federal ­ 3.1 Argumentos utilizados nas decisões dos casos paradigmas ­ 3.1.1 Os votos vencidos ­
3.1.2 Os votos vencedores ­ 4 Mutação constitucional ­ 5 A virada de página: a consulta ao
Tribunal Superior Eleitoral ­ 6 O entendimento atual do Supremo Tribunal Federal ­ 6.1
Argumentos utilizados nas decisões dos casos paradigmas ­ 6.1.1 Os votos vencidos ­ 6.1.2 Os
votos vencedores ­ 6.2 Efeito vinculante em controle difuso? ­ 6.3 Modulação dos efeitos da
decisão em controle difuso ­ 7 Migração para partido da mesma coligação ­ 8 A realidade
institucional partidária no Brasil ­ 9 Considerações finais ­ Referências

1 Introdução

A democracia representativa exige a presença de partidos políticos como corpos intermediários


entre o eleitor e o eleito. O partido político deve estabelecer uma harmonia saudável entre a
representação de uma "parte" e os interesses do "todo". A migração partidária de representantes
políticos altera a representação originariamente fixada nas urnas, comprometendo o equilíbrio das
forças políticas.

Todavia, infelizmente, as migrações entre partidos têm sido uma constante no Brasil. Utilizam­se
os partidos políticos como instrumentos de defesa de interesses particulares, reduzindo o seu papel
ao processo eleitoral.

Esta reprovável conduta era, até então, tida como insuscetível de sanção no nosso país. Todavia, o
Supremo Tribunal Federal modificou a sua posição a respeito, e agora entende que a infidelidade
partidária pode levar à perda do mandato eletivo.

O presente estudo objetiva analisar os argumentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal nas
decisões paradigmas proferidas nos mandados de segurança MS nº 20.916­0/DF e MS nº 20.927­
5/DF, ocasião em que a Excelsa Corte entendia que a Constituição Federal não prescrevia a
fidelidade partidária para os detentores de cargos eletivos, e ainda nas decisões proferidas nos
mandados de segurança MS nº 26.602­3/DF, MS nº 26.603­1/DF e MS nº 26.604­0/DF, quando
passou a ter entendimento diverso, operando­se assim uma mutação constitucional. Serão
analisados os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal e a coerência dos discursos nestas
decisões paradigmáticas.

Deve ser frisado que a discussão aqui desenvolvida refere­se tão­somente à fidelidade partidária
para mandatários eleitos pelo sistema proporcional. Embora muito do debate valha também para
os cargos majoritários, estes não fazem parte do objeto da presente análise.1

2 Fidelidade partidária

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Segundo a lição de Celso Ribeiro Bastos, a fidelidade partidária constitui o

dever dos parlamentares federais, estaduais e municipais de não deixarem o partido


pelo qual foram eleitos, ou de não se oporem às diretrizes legitimamente
estabelecidas pelos órgãos da direção partidária, sob pena de perda do mandato por
decisão proferida pela Justiça Eleitoral.2

2.1 Infidelidade por inobservância das diretrizes partidárias

O primeiro aspecto da fidelidade partidária impõe que o parlamentar observe as diretrizes do seu
partido. A infidelidade assim se manifesta pelo apoio ostensivo ou não a candidatos de outro
partido ou ainda pela oposição, inclusive através do voto, a diretrizes legitimamente estabelecidas
pelo partido.

O problema é que, muitas vezes, o partido não apresenta uma pauta programática definida. "Os
programas partidários são praticamente desconhecidos e o mais das vezes redigidos de forma
muito abstrata e não comprometedora".3

Deve ser destacado que a fidelidade partidária não pode cercear a independência do parlamentar,
sob pena do estabelecimento de uma ditadura interna do partido.

Em determinadas circunstâncias, a liberdade de consciência pode e deve autorizar, a


despeito da eleição de diretriz partidária, a abstenção do parlamentar. Não é
possível, afinal, que não se dê ao representante eleito sequer o direito de esquivar­
se, por motivo de foro íntimo, dever de consciência ou convicção política, religiosa
ou filosófica, de votar de acordo com a ordem recebida. Por isso, não podem os
estatutos permitir a definição de diretriz partidária vinculante da atuação do
parlamentar, sob pena de caracterização de ato de infidelidade, capaz de violentar a
independência moral e a liberdade de atuação do mandatário eleito (porque forçado
a votar contra sua consciência em matéria que não conste, expressamente, do
programa partidário).4

É preciso salientar que se trata de observar as diretrizes partidárias, ou seja, aquelas deliberadas
nas instâncias partidárias mais representativas da opinião e da vontade dos membros do partido,
como v.g. as deliberações de convenções e congressos do partido, e não em relação às decisões da
executiva partidária, que são secundárias às premissas ideológicas do programa partidário.

Luís Roberto Barroso5 sugere que não seja computado o voto dado em violação grave às diretrizes
do partido, o que seria menos traumático que a perda do cargo, prevista expressamente no
ordenamento jurídico brasileiro anterior, bem como a possibilidade de expulsão do quadro
partidário.

2.2 Infidelidade por desligamento do partido

No Brasil, grande parte dos parlamentares sai dos partidos nos quais foram eleitos, fazendo com
que estes passem a "ser, assim, formas sem conteúdo. Os candidatos os utilizam apenas para
cumprir requisitos formais de filiação partidária. Após a eleição, tais partidos não terão maior

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significação para os Deputados".6

A fidelidade partidária exige que o parlamentar permaneça no partido que o elegeu. Entretanto, a
migração partidária é uma prática que ocorre tanto nas chamadas democracias tradicionais quanto
nas recentes.

Em diversos países, os parlamentares trocam de partido mormente por motivos como criação de
novos partidos, dissidência e busca de independência partidária, não se filiando a novas
agremiações até o término do mandato.

Entretanto, pode­se verificar, na experiência brasileira, não só uma intensidade mas também uma
permanência nessas migrações. Cristiane Schwanka7 aponta que a troca de partidos se manifesta
basicamente em dois momentos, quais sejam, logo após o resultado das eleições e no final da
legislatura, quando os parlamentares estão à procura de legendas com maiores possibilidade de se
elegerem.

Avaliando as conseqüências das migrações de partido sobre o sistema político, Carlos Ranulfo F.
Melo conclui que a troca de legendas i) provoca uma elevação do número de partidos, bem como
altera sua força relativa no interior do Congresso; ii) torna precário o funcionamento de alguns
sistemas partidários estaduais; e iii) afeta o grau de representatividade do sistema partidário em
seu conjunto.8

2.3 Fidelidade partidária no sistema constitucional brasileiro: argumentos favoráveis e contrários

O texto constitucional de 1988 não foi expresso quanto à fidelidade partidária. Em razão disto,
embora grande parte da doutrina — e até mesmo dos parlamentares — rejeite a infidelidade
partidária, não é pacífico o entendimento de como o ordenamento jurídico vigente cuida desta
questão.

Para uma corrente, que se apresenta tanto na doutrina quanto na jurisprudência, nenhuma das
práticas de infidelidade partidária é vedada pela Constituição Federal. Em verdade, alguns de seus
defensores chegam a afirmar que a infidelidade é uma prática reprovável, mas que não há previsão
na Constituição para a sua reprimenda.

Para outra corrente, à qual nos filiamos, a exigência de fidelidade partidária decorre de norma
constitucional implícita, a partir de uma leitura adequada e sistêmica da Constituição.

Como os argumentos contrários e favoráveis dialogam entre si, serão abordados conjuntamente.
Tais argumentos basicamente dizem respeito (i) ao silêncio da Constituição de 1988; (ii) às
hipóteses de perda do mandato (artigo 55, CF); (iii) às hipóteses de cassação de direitos políticos
(artigo 15, CF); (iv) à remissão da matéria aos estatutos dos partidos (artigo 17, §1º, CF); (v) ao
monopólio partidário das candidaturas (artigo 14, §3º, V, CF); (vi) à representação partidária nas
mesas e nas comissões do Congresso Nacional e de suas Casas (artigo 58, §1º, CF); (vii) à
representação popular em um sistema partidário (artigo 45, CF); (viii) ao sistema eleitoral
proporcional; e (ix) ao uso da estrutura partidária.

(i) Silêncio da Constituição de 1988

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A Constituição brasileira anterior previa expressamente a possibilidade de perda do mandato do


parlamentar que se opusesse às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção
partidária ou deixasse o partido sob cuja legenda havia sido eleito. A sanção de perda do mandato
por motivo de infidelidade partidária foi introduzida pela Emenda Constitucional nº 1, editada pela
Junta Militar em 17.10.1969, que modificou a redação do artigo 152, parágrafo único,9 d a
Constituição de 1967. Posteriormente a matéria foi regulamentada pela Lei nº 5.682/1971, sendo
também tratada pela Emenda Constitucional nº 11/1978.

Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "o parlamentar era visto, acima de tudo, como
um soldado fiel e disciplinado do partido, como é inerente à democracia pelos partidos".10

No ano de 1985, com o clima de redemocratização pairando pelo país, a Emenda Constitucional nº
25/1985 deu nova redação ao artigo 152, §5º, da Emenda Constitucional nº 1/1969, suprimindo a
hipótese de perda do mandato por infidelidade partidária.11 Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho
"isto significava, na prática, campo aberto para o personalismo político em detrimento da política
de idéias e programas".12

Como o texto constitucional de 1988 não é expresso quanto à possibilidade de perda do mandato
por infidelidade partidária, há quem sustente que a atual Carta Magna não quis punir esta prática.
Argumenta­se que a Emenda Constitucional nº 25/1985 teria suprimido as previsões de perda de
mandato por infidelidade partidária e a Constituição de 1988 teria mantido tal supressão.13
Segundo este raciocínio, se a Constituição atual assim desejasse, teria sido expressa v.g. no seu
artigo 55.14

Acompanhando esta corrente, Clèmerson Merlin Clève afirma que, "ao contrário, então, da
Constituição anterior, a nova não prevê a possibilidade da perda do mandato em função de
infidelidade partidária".15 Assevera ainda o mesmo autor que "o fato de, no sistema constitucional
brasileiro contemporâneo, o parlamentar não perder o mandato em virtude de filiação a outro
partido ou em decorrência do cancelamento da filiação por ato de infidelidade é eloqüente".16

Se considerarmos que se trata de um silêncio relevante,17 seria possível concordarmos com os


argumentos acima. Entretanto, não se pode afirmar que a Constituição não cuidou da perda do
mandato em caso de infidelidade partidária. Como será visto nos argumentos que seguem, a
Constituição bem cuidou da matéria, ainda que implicitamente.

(ii) Hipóteses de perda do mandato

O artigo 55 da Constituição estabelece as hipóteses de perda de mandato para deputado e senador.


Como se trata de medida excepcional, é assente que se trata de uma relação em numerus clausus.
Dessa forma, argumenta­se que a existência deste taxativo rol afastaria qualquer outra
possibilidade de perda de mandato, inclusive por infidelidade partidária.

José Afonso da Silva leciona que os incisos I, II e VI do artigo 55 constituem casos decassação de
mandato, que é a decretação da perda do mandato por ter o seu titular incorrido em falta definida
em lei e punida com esta sanção, que será objeto de decisão constitutiva da Câmara ou do Senado.
Por outro lado, os incisos III, IV e V do mesmo artigo cuidam de extinção do mandato, com mera

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declaração da Mesa da Casa a que pertence o parlamentar, reconhecendo a ocorrência do fato ou


ato de seu perecimento.18

Todavia, o argumento oposto considera que as causas de perda de mandato enunciadas nos incisos
I a VI do artigo 55 estão relacionadas a práticas ilícitas, e apenas para estas é que seria possível
falar em punição. Não se poderia falar em sanção para aquele que não pratica ato ilícito. Sair do
partido ou não seguir suas diretrizes não constituiria, em tese, um ilícito. Dessa forma, a perda do
mandato deve ser uma conseqüência natural para o parlamentar infiel, mas isto não seria
caracterizado como uma punição, e, por isso, tal hipótese não estaria inscrita no artigo 55 da
Constituição.

(iii) Hipóteses de cassação de direitos políticos

Argumenta­se ainda que não perde o cargo aquele que abandonar o partido pelo qual foi eleito ou
ainda que descumprir o programa do seu partido, pois esta hipótese não se encontra na exaustiva
enumeração do artigo 15 da Constituição, que prevê as hipóteses de cassação de direitos políticos.

Este é o entendimento de José Afonso da Silva, segundo o qual

a Constituição não permite a perda do mandato por infidelidade partidária. Ao


contrário, até o veda, quando, no art. 15, declara vedada a cassação de direitos
políticos, só admitidas a perda e a suspensão deles nos estritos casos indicados no
mesmo artigo.19

Da mesma forma, para Uadi Lammêgo Bulos,

a Carta de 1988, quando regulamentou a privação dos direitos políticos (art. 15, I a
V), não incluiu a perda do mandato por infidelidade partidária. Desse modo, embora
a fidelidade partidária seja um vetor reconhecido pela Carta Suprema, ninguém
perde o mandato por ser infiel aos objetivos dos partidos políticos.20

A plenitude do gozo dos direitos políticos deve ser a regra. A privação de direitos políticos, seja ela
temporária (suspensão) seja ela definitiva (perda), configura exceção à regra, razão pela qual deve
comportar interpretação restritiva. Isto vem a reforçar o comando do próprio caput do artigo 15,
indicando que os incisos I a V aí enumerados constituem uma relação exaustiva.

Mas isto não significa que a ausência de previsão no artigo 15 exclui a possibilidade de perda do
mandato do parlamentar infiel. Isto porque a perda ou suspensão dos direitos políticos implica
necessariamente a perda do mandato parlamentar (artigo 55, IV, CF), mas a recíproca é falsa.
Assim, pode haver perda do mandato parlamentar sem que haja privação de direitos políticos.

Corroborando este entendimento está Augusto Aras:

Prima facie, fica excluída qualquer possibilidade de se ofender a norma do art.


15/CF, em decorrência da aplicação da pena de cassação do mandato parlamentar
pelo cometimento de ato de infidelidade previsto no estatuto partidário, ante a
impossibilidade de implicar tal situação a perda ou suspensão de direitos políticos.21

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(iv) Remissão aos estatutos dos partidos

Outro dispositivo objeto de discussão acerca da fidelidade partidária é o §1º do artigo 17 da


Constituição, que dispõe que os estatutos dos partidos políticos devem "estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidária".

A partir deste enunciado, argumenta­se que a Constituição teria expressamente remetido aos
estatutos dos partidos a fixação das normas relativas à infidelidade partidária. E, se a Constituição
fez esta reserva aos estatutos, as únicas sanções possíveis seriam as estatutárias, cabendo,
quando muito, uma punição expulsória, mas, jamais, a perda do mandato. De fato, na legislação
infraconstitucional a infidelidade partidária pode ter como sanção máxima a expulsão do partido
(artigo 22, III, da Lei nº 9.096/95).

Neste sentido é lição de Celso Ribeiro Bastos:

andou bem a Constituição ao prever o instituto, atribuindo, contudo, aos próprios


partidos discipliná­lo. [...] As sanções definitivas devem ser de ordem política.
Aqueles que se afastam dos programas partidários, traindo a vontade dos que os
elegeram, numa democracia operativa e eficaz, deverão merecer o mais completo
repúdio nas eleições seguintes. Jamais institutos técnico­jurídicos poderão
substituir­se plenamente à força sancionadora do eleitorado, que é, ainda, o mais
legítimo.22

Todavia, a determinação constitucional para que os estatutos dos partidos estabeleçam normas de
fidelidade partidária, o que operará efeito interna corporis, não exclui a possibilidade, em outra
esfera, de o ordenamento jurídico também sancionar a infidelidade.23

Se a Constituição pretendeu, com tal reserva, afastar a ingerência do Estado na autonomia dos
partidos, por outro lado, também desejou o dever de fidelidade. Além disso, a sanção máxima que
pode ser prevista no estatuto partidário — expulsão — não produz quaisquer efeitos retributivo ou
preventivo que são inerentes aos sistemas punitivos.

(v) Monopólio partidário das candidaturas

As candidaturas representam um monopólio partidário, pois, no Brasil, não é possível haver


candidatura avulsa. A Constituição estabelece a filiação partidária como condição de elegibilidade
(artigo 14, §3º, V), e, no mesmo sentido, o Código Eleitoral (artigo 87) preceitua que somente os
candidatos registrados por partidos políticos podem concorrer às eleições.

Como conseqüência do sistema brasileiro, é possível votar apenas no partido político, mas não
somente no candidato, pois o voto conferido a um candidato implica necessariamente o voto em
um partido.

Entretanto, para quem defende que a infidelidade partidária não é causa para perda do mandato,
vale o argumento de que a vinculação a um partido político é condição apenas para participação no
processo eleitoral. Como a expedição do diploma aos eleitos e aos suplentes põe termo ao processo
eleitoral (artigo 215 do Código Eleitoral), a ordem dos candidatos eleitos e suplentes constituir­se­
ia ato jurídico perfeito e não poderia ser alterada. Assim, segundo esta corrente de pensamento, a

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filiação partidária seria condição apenas de elegibilidade, mas não seria condição para posse do
candidato eleito diplomado e nem condição de permanência no exercício do mandato.

Mas esta interpretação da Constituição remete o partido político a um papel muito pequeno na
democracia representativa. Não é possível imaginar que o partido sirva tão­somente como uma
camisa para agasalhar o candidato no processo eleitoral, sendo descartável após a diplomação.
Esta concepção de partido político ignora completamente a sua finalidade.

(vi) Representação partidária nas mesas e nas comissões

A representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da Câmara
e do Senado deve ser assegurada, tanto quanto possível, na composição das Mesas e das
Comissões (artigo 58, §1º, CF).

Dessa forma, a permanência do parlamentar no partido pelo qual se elegeu é necessária para a
manutenção da representatividade partidária. Se o parlamentar muda de partido, fica alterada a
proporcionalidade emanada das urnas.24

(vii) Representação popular em um sistema partidário

Outro argumento utilizado para que o deputado infiel possa continuar com o seu mandato refere­
se ao artigo 45 da Constituição, afirmando que ele que dispõe que a Câmara de Deputados é
composta de representantes do povo, e não de representantes dos partidos.

Entretanto, tal argumento não pode prosperar. Com a constitucionalização dos partidos políticos, a
Constituição incorporou a função de organizar o sistema partidário. E a Constituição estabelece que
o deputado representa o povo, mas é escolhido pelo sistema partidário. O próprio artigo 45 dispõe
que os deputados são eleitos pelo sistema proporcional. Embora a Constituição deixe a fórmula
proporcional para ser definida por norma infraconstitucional, ela não poderá prescindir dos partidos
políticos.

Assim sendo, existe um vínculo entre o parlamentar e o corpo eleitoral que o escolheu, um vínculo
entre o parlamentar e o partido político no qual se elegeu, e ainda um vínculo entre o partido
político e o corpo eleitoral. No sistema constitucional adotado no Brasil, os parlamentares não
representam apenas o povo, mas também os partidos aos quais pertencem. A infidelidade
partidária frauda todos estes vínculos.

(viii) Sistema eleitoral proporcional

A fidelidade partidária é importante para a democracia e, além disso, é a única opção coerente com
o sistema eleitoral brasileiro. No sistema proporcional, utilizado para a eleição de deputados
federais, deputados estaduais e vereadores, as cadeiras na Casa Legislativa são distribuídas
proporcionalmente aos votos obtidos pelo partido ou coligação partidária. Uma vez definido o
número de cadeiras que o partido ou coligação terá, identificam­se quais são os candidatos mais
votados nesta sigla, pois se adota o sistema de listas abertas. Disto decorre uma natural
necessidade de fidelidade partidária.

É notório que a grande maioria dos eleitos sequer consegue alcançar o quociente eleitoral, ficando

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a sua eleição dependente dos votos obtidos pela legenda. O eleito vale­se não apenas dos votos
que conquistou pessoalmente, mas também daqueles dirigidos diretamente ao partido e daqueles
transferidos de outros candidatos da mesma agremiação. Pouquíssimos deputados federais
conseguem se eleger exclusivamente com os seus votos. À guisa de exemplo, nas eleições de
2006, dos 513 deputados federais eleitos, apenas 31 alcançaram por si mesmos o quociente
eleitoral. Além disso, o sistema proporcional ainda enseja que um candidato fique com uma vaga
mesmo que obtenha um número menor de votos que outros candidatos de agremiações distintas.

Apesar de todas estas considerações, há quem argumente que, no sistema eleitoral proporcional, o
quociente eleitoral e o quociente partidário constituem critérios de distribuição de vagas, não de
vínculo definitivo entre eleito e partido. Mas este argumento não pode prevalecer. A movimentação
partidária trai não apenas a vontade dos eleitores que votaram no candidato dentro do contexto
partidário em que ele se encontrava, mas também daqueles eleitores que votaram nos outros
candidatos da mesma legenda partidária. A permanência do deputado no partido pelo qual se
elegeu é necessária para preservar a manutenção da representatividade partidária.

Além disso, o sistema proporcional assegura que os grupos minoritários tenham assento na Casa
de representantes. Como, em uma democracia, a maioria deve respeitar as minorias políticas
vencidas nas eleições, a existência de uma oposição propiciará a fiscalização dos atos do grupo
majoritário. A cooptação de membros da oposição pelo grupo majoritário, que é recorrente na
experiência brasileira, destrói esta conjuntura democrática.

(ix) Uso da estrutura partidária

Não se pode esquecer que os candidatos utilizam a estrutura dos partidos. Uma campanha eleitoral
envolve o engajamento de muitos esforços, e os candidatos precisam do suporte do partido político
para a sua eleição, e isto inclui o empenho dos militantes.25

Como, no Brasil, o sistema de financiamento de campanhas é misto, o candidato tem parte de sua
campanha financiada com recursos do fundo partidário.

Além disso, os horários da propaganda eleitoral são distribuídos proporcionalmente entre os


partidos, que, por sua vez, os distribuem aos candidatos. A respeito do acesso gratuito ao rádio e à
televisão, a norma infraconstitucional já se preocupava com a infidelidade partidária. A partir da
Lei nº 11.300/2006, que deu nova redação ao artigo 47, §3º, da Lei nº 9.504/1997, o critério para
a distribuição do horário eleitoral gratuito passou a ser o resultado das eleições, e não mais a
distribuição das cadeiras no Parlamento no momento da posse. Tal alteração legislativa procurou
evitar que um parlamentar se elegesse por um partido e migrasse para outro antes da posse, o que
era muito comum.26

3 O entendimento anterior do Supremo Tribunal Federal

Serão analisadas as decisões paradigmas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nos mandados
de segurança MS nº 20.916­0/DF e MS
nº 20.927­5/DF, nas quais se entendia a ausência de previsão constitucional para perda de
mandato por infidelidade partidária.

O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e Armando Souza Pinheiro impetraram o mandado de

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segurança MS nº 20.916­0/DF contra ato do presidente da Mesa da Câmara dos Deputados que
convocou Aristides Cunha Filho para assumir uma das vagas abertas na representação da coligação
União Liberal Trabalhista (Partido Trabalhista Brasileiro — PTB, Partido Liberal — PL e Partido
Social Cristão — PSC). Referida coligação foi formada para as eleições realizadas em 15.11.1986
no Estado de São Paulo. Aristides Cunha Filho era o segundo suplente da coligação, e Armando
Souza Pinheiro era o terceiro. Aristides Cunha Filho desligou­se do Partido Social Cristão (PSC) e
ingressou no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), partido pelo qual disputou as
eleições municipais de 15.11.1988. Não conseguindo eleger­se Prefeito Municipal de Mogi das
Cruzes, filiou­se novamente ao Partido Social Cristão (PSC). Em julgamento concluído em
11.10.1989 (DJ de 26.03.1993), o Supremo Tribunal Federal indeferiu a segurança, por maioria de
sete votos contra quatro, com a seguinte ementa:

I. Mandato representativo e suplência: perda por fato superveniente à diplomação:


declaração que incumbe à presidência da câmara respectiva e não à Justiça
Eleitoral;

II. Suplência de mandato representativo: situação jurídica que o abandono do


Partido, pelo qual haja o suplente concorrido ao pleito, não desfaz: extensão ao
suplente dos efeitos do desaparecimento, a partir da EC 25/85, da sanção da perda
do mandato cominada ao titular que abandonava o Partido.

Ainda na mesma legislatura, Luiz Fabrício Alves de Oliveira impetrou o mandado de segurança MS
nº 20.927­5/DF contra ato do presidente da Mesa da Câmara dos Deputados que deu posse a
Marcos César Formiga Ramos no cargo de deputado federal em 24.11.1988. Nas eleições
proporcionais de novembro de 1986, aquele foi diplomado como segundo suplente, e este, como
terceiro suplente de deputado federal pela Coligação Aliança Popular (Partido Democrático Social —
PDS, Partido da Frente Liberal — PFL e Partido Trabalhista Brasileiro — PTB). Entretanto, Marcos
César Formiga Ramos desligou­se do Partido da Frente Liberal (PFL) ao se filiar ao Partido Liberal
(PL), em 15.08.1988, legenda pela qual concorreu ao cargo de Prefeito de Natal. Por este motivo
Luiz Fabrício Alves de Oliveira requereu a sua investidura no cargo de deputado federal. Em
julgamento também concluído em 11.10.1989 (DJ de 15.04.1994), o Supremo Tribunal Federal
indeferiu a segurança, por maioria, com a seguinte ementa:

Mandado de segurança. Fidelidade partidária. Suplente de Deputado Federal.

Em que pese o princípio da representação proporcional e a representação


parlamentar federal por intermédio dos partidos políticos, não perde a condição de
suplente o candidato diplomado pela Justiça Eleitoral que, posteriormente, se
desvincula do partido ou aliança partidária pelo qual se elegeu.

A inaplicabilidade do princípio da fidelidade partidária aos parlamentares


empossados se estende, no silêncio da Constituição e da lei, aos respectivos
suplentes.

Mandado de segurança indeferido.

3.1 Argumentos utilizados nas decisões dos casos paradigmas

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Como os julgamentos dos mandados de segurança MS nº 20.916­0/DF e MS nº 20.927­5/DF foram


concluídos na mesma sessão de 11.10.1989, serão analisados conjuntamente os votos dos
ministros do Supremo Tribunal Federal apresentados em ambas as ações. As divergências de votos
de um mesmo ministro nas duas ações serão destacadas.

3.1.1 Os votos vencidos

Em idênticos votos proferidos nos MS nº 20.916­0/DF e MS nº 20.927­5/DF, o ministro Celso de


Mello vislumbrou a existência tanto de um vínculo de caráter popular quanto de um vínculo de
índole partidária, identificando que o mandato decorrente da investidura político­eleitoral constitui
a expressão de uma representação popular e de uma representação partidária. Asseverou que, em
nosso direito eleitoral, as candidaturas representam um monopólio partidário, prescrevendo a
Constituição Federal a filiação partidária como condição de elegibilidade (art. 14, §3º, V).

Todavia, para o ministro Celso de Mello, o dever de fidelidade (artigo 17, §1º, CF) não impõe a
perda do mandato eletivo,27 pois entendeu o ministro que o artigo 55 da Constituição Federal
define em numerus clausus as hipóteses de perda do mandato. No caso concreto do mandado de
segurança analisado, entendeu Celso de Mello que diversa é a situação do suplente, que não possui
as prerrogativas institucionais concedidas aos parlamentares, tendo em vista que não titulariza
mandato legislativo. Celso de Mello lembrou que o constitucionalista José Afonso da Silva28 admite
sanções expulsivas imponíveis ao filiado infiel, mas acentua a impossibilidade da perda do mandato
por infidelidade partidária. No entanto, o sistema jurídico­eleitoral da representação proporcional
estabelece um vínculo especial entre os eleitores e os partidos, pois estes se tornam destinatários
precípuos dos votos por aqueles manifestados. Assim, com a extinção do vínculo partidário com a
agremiação sob cuja legenda disputou o processo eleitoral, o antigo filiado perde a sua condição de
suplente do antigo partido. No sistema constitucional brasileiro, os parlamentares não representam
apenas o povo, mas também os partidos a que se filiaram.

O ministro Paulo Brossard lembrou, em seu voto no MS nº 20.916­0/DF, que desde a Constituição
de 1946 não é mais possível haver candidatura avulsa no Brasil. Dessa forma, é possível votar
apenas no partido, mas não apenas no candidato, pois o voto em um candidato importa
necessariamente o voto em um partido. Também consignou que a filiação partidária é condição de
elegibilidade (art. 14, §3º, V, CF).

O ministro Sydney Sanches registrou que o cancelamento da filiação partidária opera­se


automaticamente em caso de filiação a outro partido político, nos termos do artigo 69, IV, da Lei nº
5.682/1971 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), então vigente.29 E, dessa forma, o suplente não
mais poderia representar o partido que deixou. Concluiu ainda, no julgamento dos MS nº 20.916­
0/DF e MS nº 20.927­5/DF, que o retorno do ex­suplente ao partido não lhe devolveu a suplência
perdida, mas apenas a condição de filiado, com efeitos a contar a partir da nova filiação. Convém
lembrar que a nova filiação poderia até mesmo ser, em tese, rejeitada.

Para o ministro Carlos Madeira, relator original do MS nº 20.916­0/DF, a refiliação do litisconsorte


passivo ao Partido Social Cristão não restabeleceu a sua condição de suplente de deputado federal
pela coligação União Liberal Trabalhista. No voto do MS nº 20.927­5/DF, manteve as mesmas
razões.

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Em seu parecer, o Procurador­Geral da República, Aristides Junqueira Alvarenga, opinou pela


concessão do writ, entendendo que a filiação a outro partido político acarretava o cancelamento
automático e definitivo do vínculo com o partido ao qual pertencia, e constituía uma modalidade de
renúncia tácita a todas as prerrogativas dele decorrentes e também à condição de suplente.
Prosseguiu argumentando em seu parecer no MS nº 20.916­0/DF que, no sistema proporcional, a
votação dada ao partido é fundamental na definição dos eleitos e enseja que um candidato obtenha
a vaga mesmo que com número menor de votos que outros.

3.1.2 Os votos vencedores

A seguir, os argumentos utilizados nos votos vencedores nas decisões do Supremo Tribunal
Federal.

Analisando se a mudança de partido por um suplente diplomado lhe retiraria esta condição, o
ministro Sepúlveda Pertence iniciou o seu voto condutor afirmando que "é fundamental fugir à
tentação de inserir no direito positivo as nossas convicções sobre o que ele deveria ser". Lembrou
que a Emenda Constitucional nº 25/85 revogou a hipótese de perda de mandato por infidelidade
partidária presente na Constituição anterior, e que o texto constitucional atual não teria previsão a
respeito. Afirmou ainda, no voto do MS nº 20.916­0/DF, que não faz sentido dizer que o mandato
é também do partido.

No MS nº 20.927­5/DF, o ministro Sepúlveda Pertence reafirmou que não há base no direito


constitucional vigente para decretar a perda de mandato tanto de titular quanto de suplente.
Argumentou ainda que o rol do artigo 55 da Constituição Federal é exaustivo. Destruiu o
argumento de que quem participa de uma Comissão (artigo 58, §1º, CF) não é o parlamentar, mas
o seu partido, pois o regime das coligações pode ensejar que um deputado de um partido seja
substituído por um suplente de outro.

Para o ministro Célio Borja, o processo eleitoral termina com a expedição do diploma aos eleitos e
aos suplentes, na forma do artigo 215 do Código Eleitoral. Dessa forma, constituindo­se ato
jurídico perfeito, a ordem em que serão convocados os suplentes para suceder ou substituir os
titulares não poderia ser alterada. Concluiu denegando a segurança, tanto no MS nº 20.916­0/DF
quanto no MS nº 20.927­5/DF, por entender que o ato do presidente da Câmara foi legal por não
poder ele desconstituir ato da Justiça Eleitoral. Acerca disto, o ministro Moreira Alves suscitou que
se trataria de uma questão preliminar, por afastar o exame do mérito que é saber se o suplente
infiel tem ou não direito à vaga.

O ministro Aldir Passarinho reconheceu, em seu voto no MS nº 20.916­0/DF, que "no sistema de
partidos, que nós adotamos, a fidelidade partidária deve ser preservada, fundamentalmente.
Entretanto, a Constituição não penaliza com a perda de mandato aqueles que mudam de partido".
O ministro fundamentou o seu voto no fato de que a Emenda Constitucional nº 25/1985 alterou o
artigo 152, §5º, da Emenda Constitucional nº 1/1969, já antes modificada pela Emenda
Constitucional nº 11/1978, não mais penalizando com a perda do mandato aquele parlamentar que
deixasse o partido sob cuja legenda tivesse sido eleito. Argumentou que a Constituição de 1988
seguiu a orientação prevista na Emenda Constitucional nº 25/1985, não incluindo a infidelidade
partidária dentre as hipóteses de perda do mandato.

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No julgamento seguinte (MS nº 20.927­5/DF), o ministro Aldir Passarinho repetiu os argumentos e


seguiu afirmando que "os casos de perda de mandato, expressos no art. 55 são taxativos".
Argumentou ainda que a Constituição expressamente remeteu a fixação das normas relativas à
infidelidade partidária aos estatutos dos partidos políticos, conforme estabelece o artigo 17, §1º, do
texto constitucional.

O ministro Moreira Alves também fundamentou o seu voto no MS nº 20.916­0/DF no fato de que,
com a Emenda Constitucional nº 25/85, a mudança de partido por parte do deputado não persistiu
como causa de perda de mandato, revogado o inciso V do artigo 37 da Constituição anterior, que
enumerava os casos de perda de mandato. Acentuou que a Constituição atual, se quisesse, teria
relacionado, no seu artigo 55, a hipótese de infidelidade partidária dentre as causas de perda de
mandato. Argumentou ainda o ministro que a vinculação ao partido seria apenas condição de
elegibilidade (artigo 14, §3º, CF), e não condição para que o eleito diplomado se empossasse como
deputado.

No julgamento do MS nº 20.927­5/DF, o relator, ministro Moreira Alves, apresentou inicialmente o


seu voto, entendendo que "o suplente que se filia a outro partido perde tal condição e, por isso,
frustra, por ato próprio, a expectativa de direito à vaga, que a suplência ensejava, e a ser
preenchida por candidato eleito pelo partido ou pela coligação". Não obstante, posteriormente
reconheceu o ministro que o seu "voto já estava escrito há algum tempo", e passou a adotar o
entendimento que externou em seu voto no MS nº 20.916­0/DF.

O ministro Octavio Gallotti acompanhou o voto do ministro Sepúlveda Pertence no MS nº 20.916­


0/DF e o voto do relator no MS nº 20.927­5/DF.

O ministro Néri da Silveira, então presidente do Supremo Tribunal Federal, compreendendo que a
fidelidade partidária constitui valor fundamental à organização dos partidos políticos, argumentou,
em votos idênticos no MS nº 20.916­0/DF e no MS nº 20.927­5/DF, que a Constituição Federal
reservou aos partidos políticos disporem, em seus estatutos, a esse respeito (artigo 17, §1º).
Assim, o partido político que, nas eleições, obtiver maioria de assentos na Casa Legislativa não tem
a segurança de que continuará majoritário no curso da legislatura.

O ministro Francisco Rezek, "reconhecendo que a questão é de árduo deslinde, e que as teses em
confronto são perfeitamente defensáveis", acompanhou os votos dos ministros Sepúlveda Pertence,
Octavio Gallotti e Célio Borja, no MS nº 20.916­0/DF. No julgamento do MS nº 20.927­5/DF, o
ministro Francisco Rezek, apesar do seu posicionamento, chegou a profetizar que "o futuro renderá
homenagem à generosa inspiração cívica da tese que norteou os votos dos eminentes ministros
Celso de Mello, Paulo Brossard, Carlos Madeira e Sydney Sanches".

Este anunciado tempo chegou. Até a data da elaboração deste trabalho já se passaram exatos
dezoito anos. Da composição de então do Supremo Tribunal Federal, permanece hoje apenas o
ministro Celso de Mello.

4 Mutação constitucional

Estes precedentes do Supremo Tribunal Federal, indicando a impossibilidade da perda do mandato


em virtude de infidelidade partidária, nortearam a interpretação da Constituição durante muito

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tempo,30 sendo tais decisões da Excelsa Corte sempre acompanhadas pelos tribunais pátrios.31
Karl Larenz destaca a importância dos precedentes judiciais, identificando um direito judicial:

Existe uma grande possibilidade no plano dos factos de que os tribunais inferiores
sigam os precedentes dos tribunais superiores e estes geralmente se atenham à sua
jurisprudência, os consultores jurídicos das partes litigantes, das empresas e das
associações contam com isto e nisto confiam. A conseqüência é que os precedentes,
sobretudo os dos tribunais superiores, pelo menos quando não deparam com uma
contradição demasiado grande, são considerados, decorrido algum tempo, "Direito
vigente". Assim se forma em crescente medida, como complemento e
desenvolvimento do Direito estatuído, um "Direito judicial".32

Na doutrina, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco já
defendiam a revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Registrando que "é pacífica a
orientação no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral de que a infidelidade
partidária não terá repercussão sobre o mandato exercido", os autores já alertavam sobre "a
necessidade imperiosa de revisão da jurisprudência acima referida".33

Como se sabe, a Constituição deve estar em harmonia com a realidade, e deve se manter aberta e
dinâmica através dos tempos. Isto porque uma Constituição não é feita em um momento
determinado, mas realiza­se e efetiva­se constantemente.34

Para isto, existem modos informais de alteração nas constituições, onde é modificado o conteúdo
efetivo do dispositivo constitucional, sem que venha a ser modificada sua disposição expressa.

Georg Jellinek35 l e c i o n a q u e a m u t a ç ã o c o n s t i t u c i o n a l c o n s t i t u i u m a m o d i f i c a ç ã o n ã o
necessariamente consciente da Constituição e que não altera o seu texto.

Por mutación de la Constitución, entiendo la modificación que deja indemne su texto


sin cambiarlo formalmente que se produce por hechos que no tienen que ir
acompañados por la intención, o consciencia, de tal mutación.36

Em relação às palavras do mestre de Heidelberg, assim se manifesta Pablo Lucas Verdú:37

A nuestro juicio, la Constitución es la autoconciencia de un pueblo del Estado y de la


sociedad en una época de cambios frecuentes. Por ello la doctrina
de las mutaciones constitucionales es la reflexión — teorética y práctica — de tales
cambios. Estos se producen cuando la normatividad constitucional se modifica por la
realidad político­social que no afecta a sus formas textuales pero transmuta su
contenido.

Segundo Jean Gicquel e André Hauriou,38 a experiência política revela que a Constituição de um
Estado pode ser modificada de maneira oblíqua ou oculta, à margem do poder reformador. A
mutação constitucional é um processo informal de alteração da Constituição que cuida de sua
atualização e concretização.

Tal fenômeno possui a particularidade de não se encontrar expressamente previsto no próprio

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texto constitucional, diversamente do que ocorre com a reforma constitucional, que está prevista e
há de processar­se nos exatos termos e limites em que regulada na Constituição.

O chinês Hsü Dau­Lin39 foi um dos primeiros a escrever sobre o tema, na Alemanha, em 1932,
apoiando­se nas obras de Laband e Jellinek. Em sua definição, a mutação constitucional decorre da
separação entre o preceito constitucional e a realidade,40 sendo esta última mais ampla que a
normatividade constitucional. Na mutação, a norma constitucional modifica­se apesar da
permanência do seu texto, pressupondo a não identificação entre a norma e o texto normativo. O
caráter dinâmico e prospectivo da ordem jurídica propicia o redimensionamento da realidade
normativa,41 com a Constituição assumindo significados novos, expressando uma temporalidade
própria, caracterizada por um renovar­se, um refazer­se de soluções, que, muitas vezes, não
surgem de reformas constitucionais.

Soraya Regina Gasparetto Lunardi e Dimitri Dimoulis esclarecem que "não temos mutação
constitucional quando um órgão decide mudar seu entendimento", mas "só é razoável falar em
mutação constitucional quando o intérprete reconhece que o anterior entendimento estava correto,
mas deixou de sê­lo em virtude de mudanças ocorridas na sociedade".42

Na mutação constitucional, ocorre uma transformação na realidade da configuração do poder


político, da estrutura social ou do equilíbrio de interesses, sem que tal transformação seja
atualizada no documento constitucional, isto é, o texto da Constituição permanece intacto. Dessa
forma, a mutação constitucional subtrai do órgão reformador parte da responsabilidade pela
evolução da Constituição, para atribuir a outras instâncias da práxis constitucional. Segundo Karl
Loewenstein,43

Este tipo de mutaciones constitucionales se da en todos los Estados dotados de una


constitución escrita y son mucho más frecuentes que las reformas constitucionales
formales. Su frecuencia e intensidad es de tal orden que el texto constitucional en
vigor será dominado y cubierto por dichas mutaciones sufriendo un considerable
alejamiento de la realidad, o puesto fuera de vigor.

Referindo­se a tais mudanças informais, Jorge Miranda utiliza o termo vicissitude constitucional
tácita,44 enquanto José Joaquim Gomes Canotilho emprega a expressão transição constitucional
para referir­se à "revisão informal do compromisso político formalmente plasmado na constituição
sem alteração do texto constitucional. Em termos incisivos: muda o sentido sem mudar o texto".45
Entre nós, Anna Candida da Cunha Ferraz46 utiliza as expressões processos indiretos, processos
não formais ou processos informais "para designar todo e qualquer meio de mudança constitucional
não produzida pelas modalidades organizadas de exercício do Poder Constituinte derivado".

A interpretação constitucional judicial revela­se nas decisões que aplicam a Constituição, o que
pode ocorrer tanto mediante a aplicação pura e simples da norma constitucional para resolver a
lide em um caso concreto, como nos casos em que o exercício da função jurisdicional visa ao
controle abstrato de constitucionalidade de leis ou atos normativos. Algumas constituições
reconhecem expressamente aos tribunais a missão de intérprete da Constituição, enquanto que em

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outras esta tarefa decorre implicitamente da natureza da função judicial.

A interpretação proporciona a atualização e a vivificação constante do sentido de um dispositivo


constitucional. A interpretação da Constituição pelo Poder Judiciário lhe confere considerável
parcela de sua força normativa. Como leciona Konrad Hesse, o desenvolvimento da força
normativa da Constituição não depende apenas de seu conteúdo, mas de sua praxis, que se efetiva
por uma interpretação adequada, "que é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o
sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada
situação".47 Contendo as diretrizes superiores da organização política e jurídica de um povo, a
Constituição só se consolidará e produzirá os resultados adequados à medida que for possível o seu
amoldamento às novas realidades da vida social.

A construção judicial é uma importante técnica, muito utilizada pela Suprema Corte norte­
americana, que permite a construção do próprio direito em determinadas circunstâncias de
premência e necessidade, a fim de suprir as deficiências ou imperfeições do ordenamento jurídico.
A construction norte­americana justifica­se pela maior vagueza da tradição legislativa anglo­saxã.
Graças à construção judicial, a Constituição dos Estados Unidos da América deu abrigo a novas
doutrinas, novos princípios, permitindo mudanças sem qualquer alteração no texto constitucional.
Isto levou Charles Evans Hughes, presidente da Corte Suprema norte­americana, a afirmar:
"Vivemos sob uma Constituição, mas a Constituição é aquilo que os Juízes dizem que ela é".
Dentre as construções constitucionais da Corte Suprema que provocaram inegável mutação
constitucional, são citadas, com freqüência, a construction d o judicial review, na famosa decisão
proferida por John Marshall, em 1803, no caso Marbury x Madison.48

José Horácio Meirelles Teixeira49 considera a construção como uma modalidade de interpretação,
ressaltando que não há motivo para distinção entre construção e interpretação constitucional
porque,

na verdade, toda autêntica, verdadeira interpretação, é construção, pois o


intérprete não pode jamais ater­se exclusivamente ao texto, à letra da lei, isolando­
a de outras partes do ordenamento jurídico, dos princípios e valores superiores da
Justiça e da Moral, da ordem natural das coisas, das contingências históricas, da
evolução e das necessidades sociais, da vida, enfim.

Também não fazendo distinção entre construção e interpretação, Anna Candida da Cunha Ferraz50
entende que "a interpretação constitucional é gênero do qual ambas são espécies, que se
distinguem particularmente pelos elementos ou critérios interpretativos que adotam e pelos
resultados finais alcançados".

Em certos casos, as mudanças formais e informais podem ser vistas dialeticamente. O §4º do
artigo 55 da CF, por exemplo, que dispõe que "a renúncia de parlamentar submetido a processo
que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos
até as deliberações finais de que tratam os §§2º e 3º", foi introduzido pela Emenda Constitucional
de Revisão nº 6, de 07.06.1994, após o julgamento do Supremo Tribunal Federal que negou
provimento ao mandado de segurança do ex­presidente da República Fernando Collor de Mello, que
o impetrou a fim de anular ato do Senado, que não conhecera a sua renúncia momentos antes da

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decisão que culminou com a perda de seu cargo.

Através da construction, a Constituição dos Estados Unidos da América não ficou engessada, mas
aderiu à evolução política e social e com ela evoluiu. Entre nós, entretanto, a construction
constitucional não tem apresentado muito relevo, em grande parte porque o procedimento de
reforma é muito utilizado em nosso país. Embora se procure dar uma certa dimensão à tarefa
construtiva do Supremo Tribunal Federal, esta resume­se, em verdade, a uns poucos feitos.51
Entretanto, na matéria em análise neste trabalho, o Excelso Tribunal brasileiro deu efetividade ao
seu fundamental papel institucional.

5 A virada de página: a consulta ao Tribunal Superior Eleitoral

O Tribunal Superior Eleitoral decidiu em 27.03.2007 que os partidos e coligações partidárias


conservam o direito à vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional (deputados federais,
deputados estaduais e vereadores),52 quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de
transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda.

A decisão foi proferida em resposta à Consulta nº 1.398, feita pelo então Partido da Frente Liberal
(PFL), atual Democratas, nos seguintes termos:

Considerando o teor do art. 108 da Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral), que


estabelece que a eleição dos candidatos a cargos proporcionais é resultado do
quociente eleitoral apurado entre os diversos partidos e coligações envolvidos no
certame democrático,

Considerando que é condição constitucional de elegibilidade a filiação partidária,


posta para indicar ao eleitor o vínculo político e ideológico do candidato,

Considerando ainda que, também o cálculo das médias, é decorrente do resultado


dos votos válidos atribuídos aos partidos e coligações.

Indaga­se:

Os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema


eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de
transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda?

O Tribunal Superior Eleitoral deu resposta positiva a esta consulta, em pronunciamento assim
ementado: "Consulta. Eleições proporcionais. Candidato eleito. Cancelamento de filiação.
Transferência de partido. Vaga. Agremiação. Resposta afirmativa".53

O entendimento do Tribunal Superior Eleitoral acompanhou o voto do relator, ministro César Asfor
Rocha, por seis votos contra um, no sentido de que "os partidos políticos e coligações conservam o
direito à vaga obtida pelo sistema proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação
ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda".

O relator argumentou que o mandato parlamentar pertence ao partido, pois a este são atribuídos

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os votos dos eleitores. Em seu voto, o ministro César Asfor Rocha assinalou que dezenas de
parlamentares eleitos em 2006 "abandonaram as siglas partidárias sob as quais se elegeram" e
acentuou que "dos 513 deputados federais eleitos, apenas 31 (6,04%) alcançaram, por si mesmos,
o quociente eleitoral".

É apontado ainda que a filiação partidária é condição de elegibilidade (artigo 14, §3º, V, CF),
prevendo ainda o texto constitucional que os estatutos dos partidos políticos estabelecerão normas
de fidelidade e disciplina partidárias (artigo 17, §1º).

Cumpre ainda destacar o voto proferido pelo ministro Cezar Peluso, que destaca a existência de
causas legitimadoras da desfiliação partidária, como a existência de mudança significativa de
orientação programática do partido e ainda a prática de perseguição política.

Algumas exceções devem, contudo, ser asseguradas em homenagem à própria


necessidade de resguardo da relação eleitor­representante e dos princípios
constitucionais da liberdade de associação e de pensamento. São elas, v.g., a
existência de mudança significativa de orientação programática do partido, hipótese
em que, por razão intuitiva, estará o candidato eleito autorizado a desfiliar­se ou
transferir­se de partido, conservando o mandato. O mesmo pode dizer­se, mutatis
mutandis, em caso de comprovada perseguição política dentro do partido que
abandonou. (...) E, porque é o partido que, em tais hipóteses, terá dado causa ao
rompimento daquela relação complexa, por alteração superveniente de sua linha
político­ideológica ou pela prática odiosa de perseguição, será ele, não o candidato
eleito, que deverá suportar o juízo de inexistência de direito subjetivo à
conservação do mandato em sua esfera jurídica.

A resposta dada pelo Tribunal Superior Eleitoral a uma consulta representa a exteriorização do seu
entendimento, em tese, sobre matéria eleitoral, provocada por autoridade com jurisdição federal
ou órgão nacional de partido político (artigo 23, XII, Código Eleitoral). Não se trata propriamente
de uma decisão, nem envolve julgamento de litígio eleitoral, mas dúvida suscitada pelo consulente.
Considerando a especificidade dos tribunais eleitorais, mormente porque seus membros exercem
suas funções por tempo certo, não é de se estranhar que haja renovação da pergunta, tendo em
vista que a resposta do Tribunal Superior Eleitoral não constitui coisa julgada. Convém ainda
assinalar que as consultas não têm efeito vinculante nem para o tribunal consultado nem para os
órgãos hierarquicamente inferiores da Justiça Eleitoral.

6 O entendimento atual do Supremo Tribunal Federal

Lastreados na resposta do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta nº 1.398/2007, o Partido Popular


Socialista (PPS), o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Democratas (DEM)
requereram ao presidente da Câmara dos Deputados que fossem convocados os suplentes de suas
legendas para assumirem os cargos relativos aos deputados federais que mudaram de partido
político. Entretanto, não obtiveram êxito em seu requerimento.

Contra os atos do presidente da Câmara dos Deputados que negaram os pedidos dos partidos,
foram impetrados os mandados de segurança MS nº 26.602­3/DF (impetrado pelo Partido Popular
Socialista — PPS), cujo relator foi o ministro Eros Grau, MS nº 26.603­1/DF (impetrado pelo

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Partido da Social Democracia Brasileira — PSDB), cujo relator foi o ministro Celso de Mello, e MS
nº 26.604­0/DF (impetrado pelo Democratas — DEM), cuja relatora foi a ministra Cármen Lúcia
Antunes Rocha.

No total, vinte e três deputados federais desligaram­se destes três partidos. O PPS pediu a
substituição, pelos suplentes, de oito parlamentares que deixaram a legenda. O PSDB também
buscou reaver, para a agremiação, sete mandatos de parlamentares que saíram do partido. O DEM
pediu a declaração de vacância dos mandatos de oito deputados federais que abandonaram a sigla.

6.1 Argumentos utilizados nas decisões dos casos paradigmas

O julgamento conjunto dos writs MS nº 26.602­3/DF, MS nº 26.603­1/DF e MS nº 26.604­0/DF


ocorreu em 04.10.2007. O Supremo Tribunal Federal, por maioria de oito votos contra três,
entendeu que a infidelidade pode implicar a perda do mandato.

6.1.1 Os votos vencidos

Antes de analisar os votos dos membros do Supremo Tribunal Federal, convém considerar a
sustentação oral do Procurador­Geral da República nos mandados de segurança MS nº 26.602­
3/DF, MS nº 26.603­1/DF e MS nº 26.604­0/DF. O Procurador­Geral da República Antonio
Fernandes de Souza afirmou que é "desejável a realização de uma reforma política que realmente
garanta, na maior extensão possível, a fidelidade ao eleitor, tanto pelos parlamentares, quanto
pelos partidos políticos. Mas não creio que se possa realizá­la mediante interpretação
constitucional".

Prosseguiu o Procurador­Geral da República afirmando que

o Ministério Público não desconhece que do ponto de vista ético e político a solução
deveria ser outra mas, por outro lado, não pode defender providência que a
Constituição não diz ou determina. O que sustenta o Ministério Público é,
exclusivamente, que a Constituição Federal não autoriza a perda de mandato
parlamentar em decorrência de ato de infidelidade partidária.

Discordando da solução adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral, o Procurador­Geral da República


argumenta que a Constituição teria expressamente transferido aos estatutos dos partidos políticos
a normatização da disciplina e da fidelidade partidária (art. 17, §1º). Argumentou ainda que a
Emenda Constitucional nº 25/1985 teria suprimido as previsões de perda de mandato por
infidelidade partidária e a Constituição de 1988 teria mantido tal supressão. Entendeu o
Procurador­Geral da República que, se a Constituição atual desejasse, teria sido expressa no seu
artigo 55, que traria rol taxativo das causas de perda de mandato.

Para reforçar os seus argumentos, o Procurador­Geral da República citou a decisão do Supremo


Tribunal Federal no mandado de segurança MS nº 20.927­5/DF, já analisada neste trabalho,
trazendo fragmentos dos votos dos ministros Sepúlveda Pertence e Moreira Alves, este último o
relator.

Prosseguiu argumentando o Procurador­Geral da República que "a filiação partidária é uma


condição de participação no processo eleitoral mas, ao ver do Ministério Público, não de

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permanência no cargo. O artigo 45 da Constituição dispõe que a Câmara de Deputados é composta


de representantes do povo e não de representantes dos partidos". A respeito do sistema eleitoral
proporcional utilizado para eleição de deputados federais, argumentou que "o quociente eleitoral e
partidário é critério de distribuição de vagas, não de vínculo definitivo entre eleito e partido".54

Passemos, então, às manifestações dos ministros vencidos do Supremo Tribunal Federal.

Em seu voto no MS nº 26.602­3/DF, o ministro Eros Roberto Grau (relator) manifestou o seu
entendimento de que a transferência de legenda justifica­se "na hipótese de mudança significativa
de orientação programática do partido e de comprovada perseguição política dentro do partido".

O que se pretende proteger é a confiança depositada pelo eleitor nas idéias que lhe foram
apresentadas, e que estas situações justificam a mudança de partido, ou a mera desfiliação, em
razão da necessidade de preservação do mandato conferido pelo povo ao representante político.

Por este motivo, o ministro Eros Roberto Grau considerou o mandado de segurança como via
inapropriada para alcançar o objetivo pretendido pelo PPS.

Ora, para que se pudesse apurar a substancialidade de direito como tal impor­se­ia
adequada instrução probatória, incompatível com o rito do mandado de segurança.
Existiria direito, do impetrante, a ser amparado por mandado de segurança apenas
se nenhuma dúvida restasse quanto às razões pelas quais os deputados federais
deixaram o partido político impetrante.

Entendeu o ministro Eros Roberto Grau que seria preciso assegurar aos deputados o mais amplo
direito de defesa, nos termos dispostos nos §§2º e 3º do artigo 55 da Constituição, além da
garantia individual inscrita no artigo 5º, LV, do texto constitucional.

Prosseguiu Eros Roberto Grau afirmando que "a Constituição não prevê a perda de mandato — ou
qualquer outro nome que se lhe dê — pelo deputado que solicitar cancelamento de filiação
partidária ou, eleito por uma legenda, transferir­se para outra". Argumentou que não há esta
hipótese dentre as causas de perda de mandato enunciadas no taxativo rol do artigo 55 da
Constituição Federal. E perguntou, "desafiadoramente: onde está escrito, na Constituição ou em
lei, que o cancelamento de filiação partidária ou a transferência do candidato eleito por um partido
para outra legenda consubstancia renúncia tácita?".

Argumentou ainda Eros Roberto Grau que "a vinculação a um partido político é somente condição
de elegibilidade (artigo 14, §3º); não é condição para que o deputado permaneça no exercício do
seu mandato".

Segundo o ministro Eros Roberto Grau, a vacância pretendida em virtude de infidelidade partidária
não é possível sem uma reforma constitucional.

Somente se o texto tivesse sido alterado pelo Poder Constituinte derivado,


explicitamente para consagrar a fidelidade partidária, o presente mandado de
segurança poderia ser positivamente considerado. Aqui nem mesmo a mutação
constitucional poderia se dar.

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Já havíamos defendido em outra ocasião55 que não seria necessária uma reforma na Constituição
para se exigir a fidelidade partidária. Isto porque a Constituição é um organismo vivo,56 que se
modifica não apenas mediante emendas no seu texto, mas também por meio da evolução na
interpretação do seu significado,57 que foi o que ocorreu no julgamento dos mandados de
segurança MS nº 26.602­3/DF, MS nº 26.603­1/DF e MS nº 26.604­0/DF.

O ministro Joaquim Barbosa também entendeu que a Constituição não prevê perda de mandato por
infidelidade partidária.

O ministro Enrique Ricardo Lewandowski, ao se pronunciar sobre a matéria, argumentou que a


Emenda Constitucional nº 25/1985 revogou a hipótese de perda do mandato por infidelidade
partidária, e a Constituição de 1988 também teria este desejo, não incluindo no rol do artigo 55
qualquer sanção por infidelidade partidária. Para corroborar o seu entendimento, citou a doutrina
de José Afonso da Silva58 e Clèmerson Merlin Clève.59 Apoiou­se ainda nos votos dos ministros
Moreira Alves e Sepúlveda Pertence proferidos no MS nº 20.927­5/DF, e no voto do ministro
Gilmar Mendes proferido no MS nº 23.405­9/GO, já mencionados neste trabalho. Entendeu ainda
que existem situações em que não se aplica a fidelidade partidária, como em caso de alteração
significativa de orientação programática do partido ou ainda em caso de comprovada perseguição
política. Por isso, aos parlamentares deveriam ser assegurados o contraditório e a ampla defesa, o
que não poderia ser discutido em mandado de segurança, uma vez que este remédio constitucional
não admite dilação probatória.

6.1.2 Os votos vencedores

O voto condutor foi o do decano Celso de Mello, cujo entendimento foi seguido pelos ministros
Cármen Lúcia Antunes Rocha, Carlos Alberto Menezes Direito, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso,
Gilmar Ferreira Mendes, Marco Aurélio de Mello e Ellen Gracie Northfleet.

O ministro Celso de Mello foi fiel ao voto que externou em 11.10.1989, já comentado neste
trabalho,60 quando restou vencido juntamente com os ministros Sydney Sanches, Carlos Madeira e
Paulo Brossard.

Em seu voto no MS nº 26.603­1/DF, o ministro Celso de Mello afirmou que o instituto da fidelidade
partidária é um "valor constitucional impregnado de múltiplas conseqüências". Nesse sentido,
anotou que

a normação constitucional dos partidos políticos, desse modo, tem por objetivo
regular e disciplinar, em seus aspectos gerais, não só o processo de
institucionalização desses corpos intermediários, como também assegurar o acesso
dos cidadãos ao exercício do poder estatal, na medida em que pertence às
agremiações partidárias — e somente a estas — o monopólio das candidaturas aos
cargos eletivos.

Em nosso direito constitucional eleitoral não há candidatura extrapartidária, sendo as candidaturas


um monopólio dos partidos. A Constituição Federal estabelece a filiação partidária como condição
de elegibilidade (artigo 14, §3º, V). Além disso, o Código Eleitoral (artigo 87) preceitua que
somente os candidatos registrados por partidos políticos podem concorrer às eleições.

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Ressaltou ainda o ministro Celso de Mello que as concepções em torno da natureza do mandato
representativo, "no moderno constitucionalismo, evoluíram no sentido de, nele, vislumbrar­se a
existência de um duplo vínculo: o de caráter popular e o de índole partidária". O ministro Celso de
Mello identifica assim um vínculo partidário, estabelecido entre o candidato eleito e o partido
político sob cuja legenda foi eleito, e um vínculo popular, existente entre o candidato eleito e o
cidadão que o escolheu. A mudança de um partido para outro configura transgressão, por
infidelidade, a ambos os vínculos, o que subverte o sentido das instituições, ofende o senso de
responsabilidade política, traduz gesto de deslealdade para com as agremiações partidárias de
origem, compromete o modelo de representação popular e frauda, de modo acintoso e reprovável,
a vontade soberana dos cidadãos eleitores.

Além disso, o sistema proporcional assegura a existência de uma oposição que terá a função de
fiscalizar os atos do grupo majoritário. Isto porque a maioria deve respeitar as minorias políticas
vencidas nas eleições.

Observou ainda o ministro Celso de Mello que, neste julgamento, não se usurparam atribuições do
Congresso Nacional, pois cabe ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de
guardião da Constituição, interpretá­la e, "de seu texto, extrair, nesse processo de indagação
constitucional, a máxima eficácia possível, em atenção e respeito aos grandes princípios
estruturantes que informam, como verdadeiros vetores interpretativos, o sistema de nossa Lei
Fundamental".

O ministro Celso de Mello ainda afastou o argumento do ministro Enrique Ricardo Lewandowski
acerca da nulidade dos atos praticados pelos parlamentares infiéis, em caso de perda do mandato.
Para este ministro, em seu voto no MS nº 26.602­3/DF, se for levado às últimas conseqüências o
entendimento consubstanciado na Resolução TSE nº 22.526/2007, segundo a qual a perda do
mandato por infidelidade partidária decorreria implicitamente do texto constitucional, ter­se­ia o
exercício ilegítimo do mandato pelos parlamentares que trocaram de partido. Anotou o ministro
Enrique Ricardo Lewandowski:

Com efeito, não haveria como fugir da conclusão, imposta por via de conseqüência
lógica, de que seriam nulos todos os atos por eles praticados durante o período em
que exerceram o mandato de forma ilegítima, o que inclui, além das mudanças
constitucionais e legislativas das quais foram protagonistas, aqueles que praticaram
no desempenho de funções de natureza administrativa em ambas as Casas do
Congresso Nacional.

Este argumento não deve prosperar, pois, no caso em análise, deve­se preservar a integridade dos
atos praticados pelos parlamentares infiéis, em respeito aos postulados da confiança e da boa­fé
das pessoas, da segurança jurídica e da aparência do direito. Deve­se ponderar se os efeitos da
pronúncia de nulidade geram mais prejuízos à ordem pública do que a nulidade em si mesma.

Nesse sentido assinalou o ministro Celso de Mello:

Não se mostra acolhível a alegação de que o prevalecimento da tese consagrada


pelo TSE na Consulta em questão teria o condão de desconstituir, nulificando­os,
todos os atos administrativos e legislativos para cuja formação concorreram, com a

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integração de sua vontade, os representantes acoimados de infiéis. Entendo que


essa questão, que não se apresenta no caso em exame (porque sequer alegada),
poderá ser equacionada com a observância da própria jurisprudência desta Corte,
que, por mais de uma vez, já aplicou, a tais situações, a teoria do agente estatal de
facto, fundada na doutrina da aparência do direito.

Deve ser observado que os parlamentares infiéis desempenharam as suas atividades na presunção
de que havia uma legitimidade. Dessa forma, os seus atos devem ser convalidados para evitar
prejuízos causados pela falta de investidura legítima.

O ministro Celso de Mello, entretanto, destacou a necessidade de garantir aos parlamentares a


possibilidade de exercerem o direito de defesa em sua plenitude, pois há situações excepcionais —
como mudança significativa de orientação programática do partido e comprovada perseguição
política — que legitimariam o desligamento do partido.

A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, relatora do MS nº 26.604­0/DF, também considerou que
o parlamentar infiel deve exercer o direito de defesa perante a Justiça Eleitoral, mas igualmente
defendeu a fidelidade partidária. A ministra lembrou que o eleitor exerce a sua liberdade de
escolha dentre os candidatos registrados pelo partido político. Dessa forma, aceitar que a
desvinculação do partido "pudesse ser inconseqüente, política e juridicamente, seria fazer tábula
rasa dos princípios, como o da soberania popular, o da representação mediante a imprescindível e
decisiva participação dos partidos políticos, dentre outros".

O ministro Cezar Peluso acompanhou o posicionamento dos ministros Celso de Mello e Cármen
Lúcia Antunes Rocha. Cezar Peluso, coerente com sua posição anteriormente assumida no Tribunal
Superior Eleitoral, votou no sentido de que o deputado representa o povo porque é escolhido pelo
sistema partidário, com o qual o candidato se compromete. Além disso, os candidatos se beneficiam
da estrutura dos partidos.

Os votos vencedores precisaram ainda reagir ao argumento de que o artigo 55 da Constituição


Federal estabelece uma relação taxativa. Com este intuito, Celso de Mello anotou que a perda do
mandato não se trata de punição.

E a razão é simples. É que a Constituição protege o mandato parlamentar. A


taxatividade do rol inscrito em seu art. 55, que define em "numerus clausus" as
hipóteses de perda do mandato, em caráter punitivo, representa verdadeira cláusula
de tutela constitucional destinada a preservar a própria integridade jurídica do
mandato legislativo. Por isso mesmo, não há mais que se aludir à cassação do
mandato representativo por ato de infidelidade partidária. Essa possibilidade —
introduzida como sanção jurídica imponível ao parlamentar infiel pela Carta de 1969
(e reclamada, historicamente, entre nós, já sob a égide da Constituição de 1946,
por João Mangabeira) — foi suprimida pela EC nº 25/1985, deixando de ser
renovada, em caráter de punição, pela Constituição vigente. Na realidade, segundo
entendo, o fundamento real que justifica o reconhecimento de que o partido político
tem direito subjetivo às vagas conquistadas mediante incidência do quociente

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partidário deriva do mecanismo — consagrado no próprio texto da Constituição da


República — que concerne à representação proporcional.

Também nesse sentido, foi precisa a lavra da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, que fez
questão de enfatizar que "o desligamento do eleito do partido político pelo qual se elegeu não é um
ilícito".

Reitero: a desfiliação partidária é um direito de qualquer pessoa. Não se filiar ou,


tendo se filiado, mudar de um para outro partido, não configura ilícito. Portanto, à
desfiliação e à transferência de um para outro partido não correspondem qualquer
sanção. Por isso é que a não existência de previsão constitucional ou legal
necessária, expressa e imperativa para a perda de mandato não se impõe. A
desfiliação ou a transferência de um para outro partido pelo eleito que conclua ser
essa a sua melhor opção e adota tal comportamento está no exercício do seu direito
político constitucionalmente assegurado e de sua liberdade pessoal. O que ele não
pode pretender é concluir que o exercício de sua liberdade pessoal possa fazer
incidir as conseqüências de seu comportamento sobre o capital político do partido
pelo qual se elegeu ou sobre o resultado eleitoral a que se chegou nas eleições. [...]

Mas para o parlamentar eleito por um partido político específico as conseqüências


impõem­se com o seu necessário afastamento também do cargo para o qual se
elegeu pela candidatura havida e vencedora por uma organização partidária que lhe
tenha possibilitado a escolha e que precisa da densidade tornada efetiva pelo
número de vagas obtidas nas eleições para cumprir o seu papel de ser situacionista
ou oposição ao grupo vencedor. Essas conseqüências não representam punição, no
sentido de imposição decorrente de um ilícito. Daí não entender prevalecerem
observações feitas no sentido de que o art. 55, inc. II, da Constituição da República,
não teria arrolado, em suas hipóteses, a da perda do mandato do parlamentar em
caso de prática de desfiliação partidária do eleito.

A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha consignou, então, a distinção entre sanção e sacrifício do
direito, este decorrente da prática de um ato lícito e aquela como uma imposição em razão da
prática de um ato ilícito. Isto porque a liberdade não é absoluta e o direito não é inconseqüente.
"Os atos praticados no exercício da liberdade também levam a assunção da responsabilidade em
relação a outros". Por fim, conclui a ministra: "E se de punição não se cuida, não se há cogitar de
necessidade de vir expressa a sua fixação na norma jurídica".

Dessa forma, o artigo 55 cuida das hipóteses de perda do cargo por atos ilícitos. Trocar de partido,
ou simplesmente desfiliar­se, não se configura ato ilícito, e, sendo assim, não há que incidir
qualquer tipo de sanção. Afinal, não se pode restringir a liberdade de filiação partidária, nem
mesmo a liberdade de consciência. O que se argumentou aqui é que a perda do mandato não é
imposta como sanção.

Ao votar, o ministro Gilmar Ferreira Mendes salientou a importância da permanência do


parlamentar no partido pelo qual se elegeu, sem a qual não haveria a manutenção da
representatividade partidária. Por essa razão, o ministro entendeu que, ressalvadas situações que
justifiquem, tais como mudança de ideologia do partido ou perseguição política, o abandono da

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agremiação deveria ensejar a perda do mandato.

O ministro Marco Aurélio de Mello também sustentou o estreito vinculo existente entre o partido e
o deputado, o que impediria o parlamentar de abandonar o partido sem a conseqüente perda de
mandato. O ministro argumentou que a filiação partidária é condição para a elegibilidade, e que
não há a possibilidade de candidaturas avulsas. Além disso, o candidato tem parte de sua
campanha financiada com recursos dos fundos partidários, e os horários da propaganda eleitoral
são distribuídos proporcionalmente entre os partidos, que, por sua vez, os distribuem aos
candidatos.

O ministro Marco Aurélio de Mello ainda argumentou que, na Câmara dos Deputados, os
parlamentares participam da composição da Mesa e das comissões técnicas, bem como nas
reuniões de lideranças e em outras hipóteses, em uma conjuntura de proporcionalidade partidária.
Assim, se o parlamentar troca de partido, esta proporcionalidade se altera também.

Da mesma forma que o ministro Carlos Ayres Britto, o ministro Marco Aurélio de Mello também
compreendeu a situação em uma relação de causalidade, sendo que o parlamentar que muda de
partido o faz consciente de que sofrerá as conseqüências.

6.2 Efeito vinculante em controle difuso?

A Constituição estabelece que as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal em controle concentrado de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito
vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (artigo 102, §2º).

Entretanto, não existe previsão expressa na Constituição acerca de efeito vinculante para controle
difuso. Para Walber de Moura Agra, "pelas conseqüências provocadas pelo efeito vinculante, sua
aplicação somente pode ser realizada quando expressamente prevista pela Constituição".61 Dessa
forma, "mostra­se difícil propugnar por efeitos vinculantes em sede de controle difuso".62

Em sentido contrário, Gilmar Ferreira Mendes entende que o efeito vinculante também pode ser
utilizado em controle difuso, ainda que sem a resolução suspensiva por parte do Senado Federal
(artigo 52, X, CF), pois esta serviria tão­somente para dar publicidade à decisão do Supremo
Tribunal Federal.63

Contornando o problema, o ministro Celso de Mello sugeriu em seu voto no MS nº 26.603­1/DF a


edição, pelo Tribunal Superior Eleitoral, de resolução64 destinada a regulamentar o procedimento
de justificação de desfiliação partidária, a ser instaurado perante órgão competente da Justiça
Eleitoral.

Situação semelhante ocorreu no precedente firmado no caso envolvendo um artigo da Lei Orgânica
do Município de Mira Estrela (SP), relativo à fixação do número de vereadores,65 nos termos do
artigo 29, IV, da Constituição. No julgamento deste recurso extraordinário, o Supremo Tribunal
Federal, por maioria, declarou inconstitucional, incidenter tantum, o parágrafo único do artigo 6º
da Lei Orgânica nº 226, de 31.03.1990, determinando à Câmara de Vereadores que adequasse a
sua composição aos parâmetros fixados na referida decisão, respeitados os mandatos em curso.

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Durante as discussões do referido recurso extraordinário, concluiu­se que, apesar de se tratar de


um caso concreto, seria preciso dar uma orientação uniforme a esse respeito para todo o país.
Nesse sentido, firmou­se o entendimento de que o Tribunal Superior Eleitoral deveria
regulamentar a matéria, com a celeridade necessária para que não houvesse embaraços nas
eleições municipais daquele ano.66 Foi então editada a Resolução TSE nº 21.702/2004, fixando o
número de vereadores em todo o Brasil. Posteriormente, esta resolução foi considerada
constitucional no julgamento da ADIn nº 3.345/DF.

6.3 Modulação dos efeitos da decisão em controle difuso

Soa contraditória — mas não é — a decisão do Supremo Tribunal Federal que decidiu pela
fidelidade partidária, mas manteve os cargos dos parlamentares infiéis. Isto aconteceu porque
foram atribuídos efeitos prospectivos à nova interpretação sobre o tema, em homenagem ao
princípio da segurança jurídica.

A modulação dos efeitos da decisão foi decidida por maioria de seis votos, dos ministros Celso de
Mello, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Carlos Alberto Menezes Direito, Cezar Peluso, Gilmar Mendes
e Ellen Gracie, que tomaram como marco temporal o pronunciamento do Tribunal Superior
Eleitoral em 27.03.2007. O ministro Joaquim Barbosa defendeu que a decisão deveria valer a
partir da data do julgamento, e os ministros Carlos Ayres Britto e Marco Aurélio votaram no
sentido de que a decisão produzisse efeitos desde o início da legislatura em curso. O ministro
Marco Aurélio argumentou que deveriam ser aplicadas as mesmas regras para deputados eleitos na
mesma legislatura.

A maioria dos ministros decidiu com acerto, assim entendemos, pois não se poderia impor a perda
dos mandatos daqueles parlamentares que trocaram de partidos, se até então (27.03.2007)
prevalecia o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral de que tal
conduta não ensejava a perda do cargo. O parlamentar que mudou de partido político pautou sua
conduta confiando na interpretação que a mais alta Corte de Justiça lhe conferia, além do
entendimento manifestado por muitos doutrinadores.

Nesse sentido, o ministro Enrique Ricardo Lewandowski, em seu voto no MS nº 26.602­3/DF,


ressaltou que "é preciso que respeitem as situações consolidadas, sob pena de grave solapamento
da confiança dos cidadãos nas instituições, com todas as conseqüências nefastas que isso pode
acarretar para o convívio social".

O ministro Celso de Mello também examinou a questão "em decorrência de uma substancial
revisão de padrões jurisprudenciais, com a conseqüente ruptura de paradigma dela resultante". As
migrações partidárias ocorreram com a certeza, manifestada pelos próprios precedentes do
Supremo Tribunal Federal anteriormente analisados, de que a infidelidade partidária não
acarretaria a perda do cargo. Dessa forma, deve haver a inaplicabilidade do novo entendimento a
situações já consolidadas no passado (prospective overruling). Nesse sentido, o ministro Celso de
Mello considerou como marco temporal a data de 27.03.2007, dia da apreciação da Consulta nº
1.398 pelo Tribunal Superior Eleitoral, razão pela qual indeferiu o mandado de segurança, embora
"reconheça como constitucionalmente correta a interpretação que, em tese, o E. Tribunal Superior
Eleitoral deu à matéria ora em análise".

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Daí porque os três mandados de segurança (MS nº 26.602­3/DF, MS nº 26.603­1/DF e MS nº


26.604­0/DF), embora tenham importado nova compreensão da Excelsa Corte sobre o assunto,
tiveram a ordem denegada.67 In casu, não culminaram na perda de mandato dos deputados que
trocaram de partido, porque o fizeram antes de 27.03.2007, ocasião em que o Tribunal Superior
Eleitoral se pronunciou a respeito da Consulta CTA nº 1.398.

O artigo 27 da Lei nº 9.868/99 prevê a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão em


controle concentrado de constitucionalidade. Todavia, havendo excepcional interesse social ou
necessidade de se garantir a segurança jurídica, pode o Supremo Tribunal Federal, mediante
decisão tomada por maioria qualificada, conferir eficácia prospectiva em decisões de controle
difuso.

Nesse sentido, Gilmar Ferreira Mendes anota:

É possível e, muitas vezes, inevitável, com base no princípio da segurança jurídica,


afastar a incidência do princípio da nulidade em determinadas situações. Não se
nega o caráter de princípio constitucional ao princípio da nulidade da lei
inconstitucional. Entende­se, porém, que tal princípio não poderá ser aplicado nos
casos em que se revelar absolutamente inidôneo para a finalidade perseguida (casos
de omissão ou de exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade),
bem como nas hipóteses em que a sua aplicação pudesse trazer danos para o
próprio sistema jurídico constitucional (grave ameaça à segurança jurídica).68

Também Walber de Moura Agra entende que se deve "realizar uma ponderação em cada caso entre
o princípio da segurança jurídica do ordenamento normativo e a teoria tradicional da
inconstitucionalidade dos atos".69

Dessa forma, os efeitos prospectivos em controle de constitucionalidade difuso pelo Supremo


Tribunal Federal permitem temperar o princípio da supremacia da Constituição com outros
princípios constitucionais, como o da segurança jurídica.70

7 Migração para partido da mesma coligação

Um problema particularmente intricado sobre fidelidade partidária refere­se às coligações


partidárias.

Os partidos políticos têm a faculdade de formar coligações, para a disputa das eleições, tendo a sua
existência caráter temporário e restrito ao processo eleitoral (artigo 6º da Lei nº 9.504/97).

As coligações não acontecem por razões de ideologia, mas em função de interesses de momento.
Além disso, como anota Bolívar Lamounier, "os alinhamentos ideológicos são multidimensionais, ou
seja, modificam­se em função das questões básicas que a cada momento constituem seus
diferentes eixos".71

No que se refere à fidelidade partidária, o problema ocorre quando o parlamentar migra para outro
partido integrante da mesma coligação na qual se elegeu. Ou seja, o parlamentar é infiel ao
partido, mas continua fiel à coligação.

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Na consulta CTA nº 1.423,72 o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que a mudança de partido, ainda
que dentro da mesma coligação, acarreta a perda do mandato. A Consulta foi formulada pelo
deputado federal Ciro Nogueira Lima Filho (PP­PI), que indagou "se os deputados federais e
estaduais que trocaram de partido político que os elegeram e ingressarem em outro partido da
mesma coligação, perdem os seus respectivos mandatos".

Ainda segundo o Tribunal Superior Eleitoral, respondendo à Consulta CTA nº 1.439,73 feita pelo
deputado federal Celso Russomano (PP­SP), "o mandato pertence ao partido e, em tese, estará
sujeito à sua perda o parlamentar que mudar de agremiação partidária, ainda que para legenda
integrante da mesma coligação pela qual foi eleito".

Nesse sentido, ainda que a mudança ocorra para outro partido que tenha eventualmente disputado
a eleição em coligação constituída com agremiação da qual emigrou, essa conjuntura não afasta a
possibilidade de ocorrer a perda do mandato.

Apesar da posição assumida pelo Tribunal Superior Eleitoral, não se pode esquecer que os
suplentes são convocados a partir de uma ordem existente em uma coligação partidária que se
desfaz logo após as eleições, constituindo bancadas partidárias totalmente independentes. Se dois
partidos formam uma coligação para as eleições proporcionais, pode acontecer que um partido
fique com a titularidade da vaga e o outro partido fique com a suplência. Neste caso, se o ocupante
da vaga deixa o seu partido, isto implicará na assunção do mandato pelo suplente, que poderá ser
de outro partido.

Na verdade, deveriam ser proibidas as coligações nas eleições proporcionais, ou ainda modificar­se
o mecanismo de alocação de cadeiras em seu interior, o que, em verdade, seria semelhante.

8 A realidade institucional partidária no Brasil

Apesar da importância da afirmação da fidelidade partidária, esta se mostrará capenga enquanto


não houver um fortalecimento dos partidos. Em verdade, os partidos correm o risco de perder a
sua condição de mediadores entre o povo e o poder. Isto porque "o que se vê, por toda parte, é a
mesma queixa de que os partidos concretamente existentes são indisciplinados, eleitoreiros e
clientelistas".74 Neste contexto, é muito difícil exigir fidelidade sem que haja partidos fortes,
estáveis e estruturados.

O que se verifica, atualmente, é que o vínculo existente entre candidatos e eleitores é mais
personalista do que partidário. A massa vota na pessoa, e não lhe é relevante o partido político ao
qual pertence o seu candidato. A adoção da lista aberta contribui para isto.75 Os eleitores escolhem
os candidatos levando em conta as suas características pessoais, e não se preocupam com o seu
partido, o seu programa e a sua ideologia.76 Mesmo porque muitos partidos possuem programas
muito fluidos, o que dificulta a exigência de que o comportamento do parlamentar siga as diretrizes
partidárias.

Essa situação é maléfica para a democracia. Como não se pode conceber que o parlamentar deva
se comportar exatamente como os eleitores o fariam se estivessem em seu lugar, o que nos
remeteria a um mandato imperativo, até mesmo pelo problema de se identificar quem votou nele,
espera­se que o parlamentar corresponda às expectativas dos eleitores através do cumprimento

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das diretrizes partidárias.

Outro aspecto importante diz respeito ao sentimento que precisa estar inserido em nossa
sociedade. Muitos países não possuem normas de repressão à infidelidade partidária. Apesar disto,
em alguns deles, como nos Estados Unidos, na Alemanha e na França, a infidelidade dificilmente
ocorre. "A explicação para isso pode, em parte, ser encontrada em elementos relativos ao sistema
eleitoral, mas certamente se relaciona também à cultura política dessas nações".77

Marco Antonio de Oliveira Maciel entende que fidelidade partidária não deve ser imposta pelo
direito.

É também uma inconsistência preconizarmos que a lei deva resolver a questão da


fidelidade ou da infidelidade partidária. Quando falamos em fidelidade ou
infidelidade do sistema político, estamos nos referindo, obviamente, à fidelidade ou
infidelidade na relação partido­representante. É, portanto, uma questão política,
saliente­se bem, do âmbito partidário, e não do âmbito legal. Não podemos criar
uma exceção a mais, pois nenhum país do mundo resolveu este problema pela via
legal. É a própria mecânica dos sistemas partidários que a resolve, na forma mais
conveniente para cada um. Nós tivemos este preceito estabelecido pela Emenda
Constitucional n. 11/78, que incluiu, no art. 152 do texto então vigente, esse
princípio, através do §5º. Ele vigorou por dez anos, entre 1978 e 1988, e nem por
isso houve um só caso de perda de mandato por infidelidade. É, portanto, uma
cláusula testada, que se revelou ineficaz.78

Todavia, muitas vezes é necessário que o direito fixe certas condutas que, posteriormente,
passarão a fazer parte da cultura de um povo.79 Parece que é este o caso da fidelidade partidária.

9 Considerações finais

O Supremo Tribunal Federal modificou seu entendimento anteriormente estabelecido e passou a


considerar constitucionalmente admitida a perda do mandato em virtude de infidelidade partidária.
O parlamentar infiel poderá se defender na Justiça Eleitoral, mas o trânsfuga perderá o seu
mandato político caso os motivos da sua saída do partido não sejam legítimos.80

É possível verificar que, normalmente, as migrações ocorrem em direção à base governista,


através de um processo de cooptação. Isto coloca em risco a própria democracia, tendo em vista o
importante papel que devem desempenhar a oposição e as minorias.

A decisão do Excelso Tribunal foi importante para reprimir as migrações entre partidos motivadas
por interesses pessoais e meras conveniências de momento. Já que o Congresso Nacional não
realizou a necessária reforma política, especialmente porque alguns de seus membros não têm
interesse em modificar o atual modelo, coube ao Poder Judiciário a construção da fidelidade
partidária. Os intérpretes da Constituição não aceitam mais o oportunismo dos parlamentares, que
perdem a legitimidade do mandato com tais condutas.

Mediante a análise dos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, foi possível perceber que
sempre houve divergências de pensamento decorrentes de diferentes interpretações que podem

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ser extraídas a partir do texto constitucional. Os argumentos favoráveis e contrários sempre


estiveram presentes nas discussões da Excelsa Corte. Todavia, agora prevalecem aqueles que se
posicionam a favor da fidelidade partidária.

Esta mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal pode ser atribuída não apenas
porque sua composição foi alterada, mas também, e principalmente, em razão das mudanças
ocorridas na sociedade.

A decisão de 1989, apesar de já ocorrer sob a égide da atual Constituição,81 ainda se deu dentro
de um contexto que levou a Emenda Constitucional nº 25/1985 a suprimir a hipótese de perda do
mandato por infidelidade partidária. Deve ser lembrado que a fidelidade partidária foi um
instrumento utilizado pelos governos militares para assegurar a maioria no Congresso Nacional.
Antes de tal revogação, era possível o partido da situação utilizar a fidelidade partidária para v.g.
não perder os seus parlamentares "biônicos" para a oposição.

Não obstante o Supremo Tribunal Federal ter cumprido o seu papel institucional, não se abstendo
de decidir acerca das questões que lhe são postas, ainda há muito o que construir. Se, por um
lado, a mutação deve adequar a Constituição à realidade, por outro, esta é bastante complexa.

Em verdade, o cerne do problema não é a migração partidária em si, mas sim os meios que são
utilizados, tanto pelos parlamentares quanto pelo governo, para a construção e manutenção das
maiorias no Congresso. Por esta razão, buscar conter juridicamente a mobilidade partidária não
resolve totalmente o problema, pois o que se precisa é acabar com os motivos que a estimulam.

Em que pese o avanço que foi a construção judicial da fidelidade partidária no Brasil, a democracia
pede mais. A grande maioria dos eleitores não formula as suas escolhas eleitorais levando em
consideração os programas partidários. Na disputa eleitoral, valorizam­se as pessoas em
detrimento das idéias. Para muitos eleitores, o candidato importa mais que o partido.

Além disso, não se pode conferir aos partidos a titularidade dos mandatos sem cobrar a coerência
programática. Muitos partidos não têm programas definidos. E não se pode olvidar ainda que a
infidelidade existe não apenas no parlamentar seduzido, mas também no partido sedutor.

Muitas questões que o tema suscita estão além daquilo que uma decisão judicial poderia construir.

Mas é certo que a fidelidade partidária é necessária para a exigência político­jurídica de


fortalecimento dos partidos políticos. A infidelidade partidária altera o resultado das urnas, e a
adulteração da proporcionalidade parlamentar aumenta a distância entre representantes e
representados.

Não se pode, entretanto, admitir que a fidelidade partidária autorize outros objetivos que não
aqueles que servem à democracia. Além de este instituto não ser um remédio para todos os males,
a diferença entre o remédio e o veneno está na dose. O desvirtuamento da fidelidade pode levar à
ditadura partidária, representando um cabresto à independência do parlamentar.

Conquanto seja desejável a existência de partidos políticos fortes, não se defende aqui a idéia de
partidos hipertrofiados, pois isto poderia levar ao totalitarismo, com parlamentares representando
interesses das cúpulas partidárias. Como ensina Aristóteles, a verdade está no meio termo (in

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medio stat virtus). Dessa forma, a exigência da fidelidade partidária deve estar em harmonia com o
mandato representativo e a liberdade de consciência, de pensamento e de convicção.

Referências

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1 Em resposta à consulta feita pelo deputado federal Nilson Mourão (PT­AC), que perguntou se "os

partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral majoritário,
quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um
partido para outra legenda", o Tribunal Superior Eleitoral manifestou o entendimento de que a
fidelidade partidária também deve ser observada pelos ocupantes de cargos majoritários
(presidente da República, governadores, senadores e prefeitos), devendo tal observância se dar a
partir de 16.10.2007 (Consulta TSE nº 1.407), o que significa que o quociente eleitoral não é o
principal fundamento da fidelidade partidária.

2 BASTOS. Curso de direito constitucional, p. 278.

3 BASTOS. Curso de direito constitucional, p. 279.

4 CLÈVE. Fidelidade partidária: estudo de caso, p. 30.

5 O autor ainda propõe a implantação do sistema distrital misto de lista fechada. BARROSO. A

reforma política: uma proposta de sistema de governo, eleitoral e partidário para o Brasil. Revista
de Direito do Estado, p. 345.

6 BARROSO. A reforma política: uma proposta de sistema de governo, eleitoral e partidário para o

Brasil. Revista de Direito do Estado, p. 327­328.

7 SCHWANKA. Fidelidade partidária: uma questão de ideologia ou dever de imposição pelo Poder

Público? Paraná Eleitoral, p. 62.

8 MELO. Migração partidária na Câmara dos Deputados: causas, conseqüências e possíveis

soluções. In: BENEVIDES; VANNUCHI; KERCHE (Org.). Reforma política e cidadania, p. 337.

9 In verbis: "Perderá o mandato no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, nas Assembléias

Legislativas e nas Câmaras Municipais quem, por atitudes ou pelo voto, se opuser às diretrizes
legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido sob cuja
legenda foi eleito. A perda do mandato será decretada pela Justiça Eleitoral, mediante
representação do partido, assegurado o direito de ampla defesa".

10 FERREIRA FILHO. Curso de direito constitucional, p. 122.

11 A Emenda Constitucional nº 25/1985 também permitiu a reconstituição de partidos políticos que

haviam sido extintos.

12 FERREIRA FILHO. Curso de direito constitucional, p. 123.

13 Nesse sentido também está Marcus Vinícius Americano da Costa, que entende que "desde a EC

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nº 25/85 a infidelidade partidária deixou de ser razão para perda do mandato. A partir de então a
troca de legenda partidária ou o desatendimento do programa elaborado pelas agremiações
políticas não lhes credenciam a aludida punição extrema ao parlamentar, mas apenas justificam a
sua expulsão do partido". Cf. COSTA. Manual de direito constitucional, p. 97.

14 Todavia, é possível refutar este raciocínio com o argumento de que o texto constitucional

pretérito já não estabelecia a fidelidade partidária desde a Emenda Constitucional nº 25/1985, e


que poderia ter havido, assim, a passagem da matéria para o plano infraconstitucional, com o
aumento da margem de ação do legislador ordinário.

15 CLÈVE. Fidelidade partidária: estudo de caso, p. 23.

16 CLÈVE. Fidelidade partidária: estudo de caso, p. 29.

17 Trata­se da aplicação da máxima ubi lex voluit dixit, ubi noluit, tacuit, ou seja, onde a lei quis

dizer, disse, onde não quis, calou­se. De acordo com a teoria do silêncio relevante ou silêncio
eloqüente, "quando a constituição nova ou uma emenda suprime algum texto anterior, sem repeti­
lo por outras palavras, esse silêncio deve ser tratado com efeito normativo. Numa frase: o silêncio
de uma constituição sobre matéria antes constitucional simplesmente a retira do mundo jurídico,
como algo que lhe é contrário". Cf. JEVEAUX, Geovany Cardoso.Direito constitucional: teoria da
constituição, p. 102.

18 SILVA. Curso de direito constitucional positivo, p. 537.

19 SILVA. Curso de direito constitucional positivo, p. 405­406.

20 BULOS. Curso de direito constitucional, p. 710.

21 ARAS. Fidelidade partidária: a perda do mandato parlamentar, p. 312.

22 BASTOS. Curso de direito constitucional, p. 279.

23 Isto, é claro, se for possível afastar os argumentos que defendem a taxatividade do artigo 15 e

do artigo 55 da Constituição.

24 Cuidando da matéria, o artigo 26 da Lei nº 9.096/1995 estabelece que "perde automaticamente

a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção partidária,
o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito".

25 Segundo Maurice Duverger, "estes se consideram como membros do partido, como elementos da

comunidade; asseguram sua organização e seu funcionamento; desenvolvem sua propaganda e


sua atividade geral". DUVERGER. Os partidos políticos, p. 126­127.

2 6 Todavia, se a infidelidade partidária fosse admitida pela Constituição, faltaria razoabilidade a

este critério, sendo ele inconstitucional.

27 Esta posição seria superada posteriormente.

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28 SILVA. Curso de direito constitucional positivo, p. 405.

29 A Lei nº 5.682/1971 foi revogada pela Lei nº 9.096/1995. O artigo 22, parágrafo único, deste

último diploma legal, dispõe: "Quem se filia a outro partido deve fazer comunicação ao partido e ao
juiz de sua respectiva Zona Eleitoral, para cancelar sua filiação; se não o fizer no dia imediato ao
da nova filiação, fica configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas para todos os
efeitos".

30 Decisões mais recentes confirmaram este entendimento do Supremo Tribunal Federal. Cf. MS nº

23.405­9/GO, j. 22.03.2004, DJ 23.04.2004, Pleno, unanimidade, Rel. Min. Gilmar Mendes, cuja
ementa anota: "Mandado de segurança. 2. Eleitoral. Possibilidade de perda de mandato
parlamentar. 3. Princípio da fidelidade partidária. Inaplicabilidade. Hipótese não colocada entre as
causas de perda de mandato a que alude o art. 55 da Constituição. 4. Controvérsia que se refere a
Legislatura encerrada. Perda de objeto. 5. Mandado de segurança julgado prejudicado". Em seu
voto, o ministro Gilmar Mendes consignou: "Embora a troca de partidos por parlamentares eleitos
sob regime da proporcionalidade revele­se extremamente negativa para o desenvolvimento e
continuidade do sistema eleitoral e do próprio sistema democrático, é certo que a Constituição não
fornece elementos para que se provoque o resultado pretendido pelo requerente. No caso, porém,
a controvérsia refere­se à Legislatura já encerrada, não havendo mais objeto reclamado, diante da
renovação dos mandatos na Casa Parlamentar".

31 V.g., TJRS, Apelação Cível nº 70011006194, j. 24.08.2006, Décima Sétima Câmara Cível,

unanimidade, Rel. Des. Agathe Elsa Schmidt da Silva. Segundo a Desembargadora Agathe Elsa
Schmidt da Silva, "conforme salientado na sentença recorrida, não existe previsão constitucional
de perda do mandato pela hipótese de infidelidade partidária. As situações que geram a perda do
mandato estão elencadas no art. 55 da Constituição Federal. Assim, na opção do legislador
constitucional, não foi contemplada a hipótese defendida pelos recorrentes. Esta é a realidade: não
há exigência de fidelidade partidária no Brasil". A Desembargadora Elaine Harzheim Macedo
(revisora) acrescentou ainda que "o mandato é outorgado pelo povo ao eleito e não a seu partido,
de modo que a infidelidade partidária não é motivação para a perda do mandato".

3 2 L A R E N Z . Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. 3. ed. Lisboa: Calouste

Gulbenkian, 1997. p. 611­612.

33 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso
de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 730­731.

34 PEDRA, Adriano Sant'Ana. A Constituição viva: poder constituinte permanente e cláusulas

pétreas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2005.

35 Georg Jellinek (1851­1911) pronunciou, em 18 de março de 1906, uma conferência sobre

reforma da Constituição e mutação constitucional na Academia Jurídica de Viena, de onde surgiu o


t r a b a l h o Verfassungsänderung und Verfassungswandlung. Eine staatsrechtlich­politische
Abhandlung, que mereceu a versão Reforma y mutación de la Constitución. Trad. Christian Förster.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991.

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36 JELLINEK, Georg.Reforma y mutación de la Constitución. Trad. Christian Förster. Madrid:

Centro de Estudios Constitucionales, 1991. p. 7.

37 No estudo preliminar da obra Reforma y mutación de la Constitución. Ibidem, p. LXVII.

38 GICQUEL; HAURIOU.Droit constitutionnel et institutions politiques. 8e éd. Paris: Montchrestien,

1985. p. 280.

39 DAU­LIN. Mutación de la constitución, p. 29.

40 DAU­LIN. Mutación de la constitución, p. 29: "Para dar un concepto que corresponda, del mismo

modo a diferentes casos generalmente designados como `mutación constitucional', quizás podría
hacerse diciendo que se trata de la incongruencia que existe entre las normas constitucionales por
un lado y la realidad constitucional por otro".

41 BULOS. Mutação constitucional, p. 53.

42 LUNARDI; DIMOULIS. Efeito transcendente, mutação constitucional e reconfiguração do controle

de constitucionalidade no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais _ RBEC, p. 228.

43 LOEWENSTEIN. Teoría de la constitución, p. 165.

44 MIRANDA. Manual de direito constitucional, t. II, p. 130­143; MIRANDA.Teoria do Estado e da

Constituição, p. 389­390.

45 CANOTILHO. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1212.

46 FERRAZ. Processos informais de mudança na Constituição, p. 12.

47 HESSE. A força normativa da constituição, p. 22­23.

48 Cf. FERRAZ. Processos informais de mudança na Constituição, p. 135.

49 TEIXEIRA. Curso de direito constitucional, p. 271.

50 FERRAZ. Processos informais de mudança na Constituição, p. 47­48.

51 FERRAZ. Processos informais de mudança na Constituição, p. 137­138.

52 Na Consulta nº 1.407 (relator ministro Carlos Ayres Britto), o Tribunal Superior Eleitoral

estendeu a perda do mandato por infidelidade para os exercentes de cargos majoritários, o que não
é objeto de análise deste estudo.

53 Resolução TSE nº 22.526, de 27.03.2007.

5 4 Apesar dos argumentos lançados, continuamos discordando do entendimento do Procurador­

Geral da República, conforme já havíamos nos manifestado acerca do seu parecer em entrevista
concedida em setembro de 2007. Cf. Coluna Praça Oito. A Gazeta, 24 set. 2007, p. 14.

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55 PEDRA. Fidelidade partidária. Estado de Minas, Belo Horizonte, 01 abr. 2007, p. 19.

56 PEDRA. A Constituição viva: poder constituinte permanente e cláusulas pétreas.

57 PEDRA. Reforma política: compromissos e desafios da democracia brasileira. In: PEDRA (Org.).

Arquivos de direito público: as transformações do Estado brasileiro e as novas perspectivas para o


direito público, p. 19.

58 A Constituição de 1988 "não permite a perda do mandato por infidelidade partidária". Cf. SILVA.

Curso de direito constitucional positivo, p. 405.

59 No sistema constitucional brasileiro, a circunstância de o parlamentar "não perder o mandato

em virtude de filiação a outro partido ou em decorrência do cancelamento da filiação por ato de


infidelidade é eloqüente. Ainda que doutrinariamente o regime do mandato possa sofrer crítica, é
induvidoso que, à luz do sistema constitucional em vigor, o mandato não pertence ao partido". Cf.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Novo regime constitucional dos partidos políticos. Fidelidade partidária
vinculando votação em processo de impeachment. Revisibilidade dos atos partidários pelo
Judiciário. Competência da Justiça Eleitoral. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n.
24, p. 217­218. Cf. também: CLÈVE. Fidelidade partidária: estudo de caso, p. 29.

60 MS nº 20.927/DF, Rel. Min. Moreira Alves.

61 AGRA. Aspectos controvertidos do controle de constitucionalidade, p. 66.

62 AGRA. Aspectos controvertidos do controle de constitucionalidade, p. 67.

63 Voto do Min. Gilmar Mendes (relator) na Reclamação nº 4.335/AC. Referida reclamação

constitucional impugnou decisão do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio
Branco (AC), que indeferira pedido de progressão de regime, embora esta matéria já tivesse sido
decidida anteriormente no Habeas Corpus n º 8 2 . 9 5 9 / S P . A a l e g a ç ã o n e s t a r e c l a m a ç ã o
constitucional era de que a decisão proferida em controle difuso também produziria efeitos
vinculantes.

64 O Tribunal Superior Eleitoral, observando a decisão do Supremo Tribunal Federal nos mandados

de segurança MS nº 26.602­3/DF, MS nº 26.603­1/DF e MS nº 26.604­0/DF, disciplinou o


processo de perda do cargo eletivo, assim como de justificação de desfiliação partidária, através da
Resolução nº 22.610, de 25.10.2007.

65 Recurso Extraordinário nº 197.917/SP, Rel. Min. Maurício Correa, j. 24.03.2004, DJ

07.05.2004.

66 O número de candidatos dos partidos é proporcional às vagas existentes.

67 Em verdade, no MS nº 26.604­0/DF a segurança foi deferida parcialmente. Dos vinte e três

mandatos envolvidos, somente a deputada federal baiana Jusmari Terezinha de Souza Oliveira
mudou de partido após a resposta do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta nº 1.398, trocando o

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DEM pelo PR. Dessa forma, apenas o seu cargo seria passível de ser devolvido ao DEM, após
decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre o caso, assegurando à parlamentar o devido processo
legal, a ampla defesa e o contraditório.

68 Voto do Min. Gilmar Ferreira Mendes no AI­AgR nº 582.280, Rel. Min. Celso de Mello, j.

12.09.2006.

69 AGRA. Aspectos controvertidos do controle de constitucionalidade, p. 65.

70 A discussão esteve presente no julgamento dos Recursos Extraordinários RE nº 370.682­9/SC

(DJ 19.12.2007) e RE nº 353.657­5/PR (DJ 07.03.2008), sobre a possibilidade de as empresas se


creditarem do IPI decorrente da aquisição de matérias­primas cuja entrada é isenta, não tributada
ou sobre a qual incida a alíquota zero.

71 LAMOUNIER. Partidos e utopias: o Brasil no limiar dos anos 90, p. 26.

72 Resolução nº 22.563, de 01.08.2007.

73 Resolução nº 22.580, de 30.08.2007.

74 LAMOUNIER. Partidos e utopias: o Brasil no limiar dos anos 90, p. 20.

75 Merece ser registrado que não se defende aqui a lista fechada.

76 Embora pesquisa realizada no mês de outubro de 2003, pelo Instituto Brasileiro de Opinião

Pública (IBOPE), tenha apurado que 60,9% dos eleitores se mostraram a favor da imposição da
fidelidade partidária, com a punição daqueles representantes políticos que trocassem de partido
durante o mandato.

77 BARROSO. A reforma política: uma proposta de sistema de governo, eleitoral e partidário para o

Brasil. Revista de Direito do Estado, p. 345.

78 Há exceções. Cf. MACIEL. Reforma político­partidária: o essencial e o acessório. In: VELLOSO;

ROCHA (Org.). Direito eleitoral, p. 92.

79 Nesse sentido está Louis Assier­Andrieu: "Se o direito simboliza ou representa um estado das

relações sociais, sua atribuição principal é transformá­las, ainda que as fixando". ASSIER­
ANDRIEU. O direito nas sociedades humanas. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins
Fontes, 2000. p. XXVIII.

80 Existem hipóteses excludentes de infidelidade partidária, como v.g. mudança significativa de

orientação programática do partido e perseguição política dentro do partido que abandonou.

81 Acrescente­se ainda que a decisão de 1989, que norteava o entendimento predominante até

então, baseava­se em um pleito ocorrido em 15.11.1986, ou seja, antes da Constituição vigente.

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Como citar este conteúdo na versão digital:

Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto
científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:

PEDRA, Adriano Sant'Ana. A construção judicial da fidelidade partidária no Brasil.Revista Brasileira


de Estudos Constitucionais RBEC, Belo Horizonte, ano 2, n. 6, p. 207­249, abr./jun. 2008.
Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=54053>. Acesso em: 26
fev. 2018.

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