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O

DIREITO AGRÁRIO NOS TRINTA


ANOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

ESTUDOS EM HOMENAGEM AO PROFESSOR DR.
DARCY WALMOR ZIBETTI

© Os autores e © Direitos de Publicação Editora Thoth. Londrina/PR.
www.editorathoth.com.br
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Diagramação e Capa: Editora Thoth e Nabil Slaibi
Revisão: os autores
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Conselho Editorial
Prof. Me. Bruno Augusto Sampaio Fuga Prof. Me. Thiago Caversan Antunes
Prof. Dr. Clodomiro José Bannwart Junior Prof. Dr. Celso Leopoldo Pagnan
Prof. Me. Thiago Moreira de Souza Sabião Prof. Dr. Fábio Fernandes Neves Benfatti
Prof. Me. Tiago Brene Oliveira Prof. Dr. Elve Miguel Cenci
Prof. Dr. Zulmar Fachin Prof. Dr. Bianco Zalmora Garcia
Prof. Me. Anderson de Azevedo Esp. Rafaela Ghacham Desiderato
Prof. Me. Ivan Martins Tristão Profª. Dr. Rita de Cássia Resquetti Tarifa Espolador
Prof. Dr. Osmar Vieira da Silva Prof. Me. Daniel Colnago Rodrigues
Profª. Dr. Deise Marcelino da Silva Prof. Dr. Fábio Ricardo R. Brasilino
Prof. Me. Erli Henrique Garcia Me. Aniele Pissinati
Prof. Me. Smith Robert Barreni Prof. Dr. Gonçalo De Mello Bandeira (Portugal)
Profª. Dra. Marcia Cristina Xavier de Souza Prof. Me. Arhtur Bezerra de Souza Junior
Prof. Me. Thiago Ribeiro de Carvalho Prof. Me. Henrico Cesar Tamiozzo
Prof. Me. Flávio Crocce Caetano Profª. Dr. Amini Haddad Campos
Profª. Me. Marion Bach
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D598 O direito agrário nos trinta anos da constituição de 1988: estudos em homenagem
ao professor Dr. Darcy Walmor Zibetti/ coordenadores Albenir Querubini …[et al.]. –
Londrina, PR: Thoth, 2018.
568 p.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-94116-23-9.

1.Brasil [Constituição (1988)]. 2. Direito agrário – Brasil. I. Querubini, Albenir (Coord.).
CDD 346.810432




Ficha Catalográfica elaborada pela bibliotecária Rafaela Ghacham Desiderato
CRB 14/1437

Índices para catálogo sistemático
1. Direito agrário : 346.810432




Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização.
Todos os direitos desta edição reservados pela Editora Thoth. A Editora Thoth não se responsabiliza pelas
opiniões emitidas nesta obra por seu autor.

Ao Professor Doutor Darcy Walmor Zibetti, por nos inspirar nos estudos sobre o
agrarismo, com verdadeira paixão pelo Direito.
“O agrarismo é uma doutrina que se caracteriza
pela sua transcendência, transversalidade de
conhecimentos e sua universalidade.”
Darcy Walmor Zibetti
Sumário
SOBRE O HOMENAGEADO
SOBRE OS COORDENADORES
SOBRE OS AUTORES
PREFÁCIO
APRESENTAÇÃO
CAPÍTULO 1
A POLÍTICA AGRÍCOLA CONSTITUCIONAL E OS RUMOS DO ATUAL AGRONEGÓCIO
1 TERMINOLOGIAS E OBJETIVOS DA POLÍTICA AGRÍCOLA BRASILEIRA
2 ORIENTAÇÕES CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS À POLÍTICA AGRÍCOLA
3 POLÍTICA AGRÍCOLA ALIADA AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
4 OS RUMOS DA POLÍTICA AGRÍCOLA FRENTE AO ATUAL AGRONEGÓCIO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 2
POLÍTICA AGRÍCOLA: ALGUNS TRAÇOS JURÍDICOS INICIAIS
INTRODUÇÃO
1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
2 ESTATUTO DA TERRA
3 A LEI N 8.171 DE 1991
3.1 PRINCÍPIOS
3.2 OBJETIVOS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
DA ÁGUA COMO INSTITUTO DE DIREITO AGRÁRIO, SEGUNDO INTERPRETAÇÃO DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
INTRODUÇÃO
1 DA ÁGUA NA VISÃO DO DIREITO
1.1 DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ÁGUA
1.2 DA ÁGUA COMO BEM PÚBLICO
2 DO DIREITO AGRÁRIO E DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
2.1 DA ESTRUTURA DO DIREITO AGRÁRIO
2.2 DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO PRINCÍPIO NORTEADOR DO DIREITO
AGRÁRIO
2.3 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
3 DA ÁGUA COMO RECURSO NATURAL E ELEMENTO AMBIENTAL
3.1 DO ART. 186 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
3.2 DOS CONCEITOS DA ÁGUA COMO RECURSO NATURAL E ELEMENTO AMBIENTAL
INTEGRANDO O CONTEÚDO DE DIREITO AGRÁRIO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 4
AGRONEGÓCIO, SUSTENTABILIDADE E USO RACIONAL DA ÁGUA
INTRODUÇÃO
1 O FUNCIONAMENTO DO AGRONEGÓCIO SOB A ÓTICA DA ECONOMIA E DA ECOLOGIA
1.1 ECOLOGIA E ECONOMIA: CONCEITOS AFINS COM PAUTAS VALORATIVAS
DISTINTAS
1.2 O AGRONEGÓCIO SUSTENTÁVEL COMO PARADIGMA DE INTEGRAÇÃO NO ÂMBITO
NORMATIVO INTERNO E INTERNACIONAL
2 A ÁGUA, O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O AGRONEGÓCIO
2.1 O DIREITO FUNDAMENTAL À ÁGUA
2.2 A ÁGUA, A FOME E A PRODUTIVIDADE DA TERRA
3 O USO PRIORITÁRIO DA ÁGUA, A DESSEDENTAÇÃO DOS ANIMAIS E O AGRONEGÓCIO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 5
A TUTELA CONSTITUCIONAL DAS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
1 A TUTELA CONSTITUCIONAL DAS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS
1.1 INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS E INSTITUIÇÕES
1.2 INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS E CUSTOS DE TRANSAÇÃO
1.3 INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS E DESENVOLVIMENTO
2 INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS NO INPI E NOS TRIBUNAIS BRASILEIROS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 6
DIREITO CONSTITUCIONAL À ALIMENTAÇÃO
INTRODUÇÃO
1 DIREITO À ALIMENTAÇÃO SOB A PERSPECTIVA HISTÓRICA
2 CENÁRIO BRASILEIRO: STATUS DE DIREITO SOCIAL – SUA EFETIVAÇÃO E NOVA VISÃO
DO DIREITO AGRÁRIO
3 DA SEGURANÇA ALIMENTAR, PRODUÇÃO ORGÂNICA AO APOIO À EMPRESAS
FAMILIARES: A REALIDADE SOB A ÓPTICA DO DIREITO AGRÁRIO
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 7
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, PECUÁRIA E BEM-ESTAR ANIMAL
INTRODUÇÃO
1 VISÃO HISTÓRICA DA DOMESTICAÇÃO ANIMAL
2 NOÇÃO CONTEMPORÂNEA DA PECUÁRIA
3 A PECUÁRIA NO BRASIL
4 DAS LIMITAÇÕES À ATIVIDADE PECUÁRIA
5 IMPASSE JURÍDICO ENVOLVENDO A EXPORTAÇÃO DE GADO VIVO
6 BEM-ESTAR ANIMAL
7 IMPASSE JURÍDICO ENVOLVENDO PROVAS CAMPEIRAS E A CRUELDADE
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 8
A PROPRIEDADE RURAL PRODUTIVA DEPOIS DE TRINTA ANOS DE SUA INSERÇÃO NA
CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
INTRODUÇÃO
1 A PROPRIEDADE RURAL PRODUTIVA EM SEU SENTIDO CONSTITUCIONAL
2 A PROPRIEDADE RURAL PRODUTIVA EM SEU SENTIDO INFRACONSTITUCIONAL
2.1 A LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA SOBRE PRODUÇÃO AGRÁRIA APÓS A CONSTITUIÇÃO
DE 1988
2.2 AS NORMAS INFRALEGAIS SOBRE PRODUÇÃO AGRÁRIA APÓS A CONSTITUIÇÃO DE
1988
3 A PROPRIEDADE RURAL PRODUTIVA EM SEU SENTIDO JURISPRUDENCIAL
4 A (IN)ADEQUAÇÃO DO SENTIDO APLICADO DE PROPRIEDADE RURAL PRODUTIVA COM
O SENTIDO CONSTITUCIONAL
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 9
A EVOLUÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DO IMÓVEL RURAL NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA E SEUS
REFLEXOS JURÍDICO-SOCIAIS COM ENFORQUE NAS EXIGÊNCIAS DE PRODUTIVIDADE.
ANTES E DEPOIS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
INTRODUÇÃO
1 COMPILADO HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO TERRITORIAL BRASILEIRA
2 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CARÁTER SOCIAL DA PROPRIEDADE NA
HISTÓRIA
3 O USO DA PROPRIEDADE APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL N° 10/1964
4 A NOVA ORDEM ACERCA DO USO DA PROPRIEDADE TRAZIDA PELA LEI N° 4.504/1964 –
ESTATUTO DA TERRA
5 A RECEPÇÃO DO INSTITUTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PELA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A LEGISLAÇÃO ADESIVA REGULAMENTADORA
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 10
DAS TERRAS NUAS ÀS GRANDES FAZENDAS PRODUTIVAS: FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO
PRIVADO
INTRODUÇÃO
1 ORIGEM DAS TERRAS, NO BRASIL - AS TERRAS DEVOLUTAS
1.1 DISCRIMINAÇÃO DE TERRAS DEVOLUTAS
2 CADEIA REGISTRAL – REGISTRO CAUSAL – TÍTULOS REGISTRÁVEIS – REGISTROS E
MATRÍCULAS NÃO SURGEM DO NADA
3 O QUE É TÍTULO AQUISITIVO?
4 LEI 6739/79 E O CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO DO RGI - OS VÍCIOS E NULIDADES
DO REGISTRO OU DOS TÍTULOS CAUSAIS
5 DEFESA JUDICIAL OU ADMINISTRATIVA EM PROL DA PERPETUIDADE DO REGISTRO
5.1 VEDAÇÃO À USUCAPIÃO DE TERRA PÚBLICA DEVOLUTA.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 11
CONTRATOS AGRÁRIOS E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
INTRODUÇÃO
1 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL
2 A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS AGRÁRIOS
3 CONTRATOS AGRÁRIOS E A FUNÇÃO SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988: NOVOS
PARADIGMAS E A NECESSIDADE DE NOVAS VISÕES
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 12
OS CRITÉRIOS CONSTITUCIONAIS PARA DEFINIÇÃO DAS ALÍQUOTAS DO IMPOSTO
TERRITORIAL RURAL – ITR: ANÁLISE A PARTIR DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA
TRIBUTÁRIA
INTRODUÇÃO
1 A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIA
2 A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA
3 A PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTAS E A EXTRAFISCALIDADE
4 A INSTITUIÇÃO DE TRATAMENTO DIFERENCIADO NO ÂMBITO DO ITR
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 13
ITR: DESTINAÇÃO ECONÔMICA COMO CRITÉRIO DA IMUNIDADE
INTRODUÇÃO
1 O IMPOSTO TERRITORIAL RURAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
1.1 ARTIGO 153, VI, CONSTITUIÇÃO FEDERAL
1.2. DA REGULAMENTAÇÃO LEGAL DO ITR
2 IMUNIDADE AO ITR
2.1 ARTIGO 153, § 4º, II, CONSTITUIÇÃO FEDERAL
2.2 DA REGULAMENTAÇÃO LEGAL DA PEQUENA GLEBA RURAL
3 DA DESTINAÇÃO DO IMÓVEL COMO CRITÉRIO DEFINIDOR DA IMUNIDADE
3.1 DA IMUNIDADE AO ITR E A FUNÇÃO SOCIAL DA PEQUENA GLEBA RURAL
3.2. O CONFLITO ENTRE ITR E IPTU
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 14
TRIBUTAÇÃO AMBIENTALMENTE ORIENTADA COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA
AGRÍCOLA CONSTITUCIONAL
INTRODUÇÃO
1 A PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL CONECTADA COM O TRIBUTO NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL
2 DIREITO AGRÁRIO CONSTITUCIONAL E INSTRUMENTOS FISCAIS NA POLÍTICA
AGRÍCOLA
3 TRIBUTAÇÃO AMBIENTALMENTE ORIENTADA DA ATIVIDADE RURAL
CONCLUSÃO
CAPÍTULO 15
MARCO TEMPORAL COMO CRITÉRIO CONSTITUCIONAL PARA A REGULARIZAÇÃO DE
COMUNIDADES QUILOMBOLAS E A NECESSÁRIA PONDERAÇÃO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS COLIDENTES A PARTIR DE UMA VISÃO AGRARISTA
INTRODUÇÃO
1 O ART. 68 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O MARCO TEMPORAL COMO CRITÉRIO
CONSTITUCIONAL PARA A REGULARIZAÇÃO DA POSSE QUILOMBOLA
2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS OFENDIDOS: DIREITO À PROPRIEDADE E À SEGURANÇA
JURÍDICA
3 NECESSIDADE DE PONDERAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS COLIDENTES
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 16
POSSE CABOCA: GARANTIA DA TERRA AO POVO NATIVO DA AMAZÔNIA
INTRODUÇÃO
1 POSSE: AMPLA COMPREENSÃO
1.1 A POSSE EM PERSPECTIVA HISTÓRICA
1.2 POSSE CONTEMPORÂNEA: POSSE MULTIFACETÁRIA
1.3 POSSE CIVIL E POSSE AGRÁRIA
2 POSSE CABOCA
2.1 SUJEITO DE DIREITO DA POSSE CABOCA – O CABOCO
2.2 FUNDAMENTAÇÃO DA POSSE CABOCA
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 17
BASES CONSTITUCIONAIS DA SECURITIZAÇÃO RURAL
INTRODUÇÃO
1 POLÍTICA AGRÍCOLA
2 HISTÓRICO DA SECURITIZAÇÃO RURAL NO PANORAMA NACIONAL
3 CONCEITO
4 QUESTÕES CONSTITUCIONAIS A RESPEITO DA SECURITIZAÇÃO RURAL
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 18
OS DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NA COMPREENSÃO DA POLÊMICA DO
FUNRURAL
INTRODUÇÃO
1 PARTE I
1.1 O PODER DE TRIBUTAR E SUA LIMITAÇÃO
1.2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DA UNIÃO FEDERAL
1.3 DIFERENÇA DA LEI ORDINÁRIA E DA LEI COMPLEMENTAR
1.4 O HISTÓRICO DO FUNRURAL
2 PARTE II
2.1 A SEGURANÇA JURÍDICA
2.2. O QUE FICOU DECIDIDO E COMO DESFAZER TANTOS EQUÍVOCOS?
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 19
ART. 5º, XXVI, DA CF/1988: BREVE ANÁLISE HISTORIOGRÁFICA DA IMPENHORABILIDADE
DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL
INTRODUÇÃO
1 DA PROPRIEDADE MODERNA E SUA FUNÇÃO SOCIAL
2 DA PROTEÇÃO DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL ANTES DA CF/1988
3 DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 20
ARRENDAMENTO RURAL DE IMÓVEIS PÚBLICOS À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988
INTRODUÇÃO
1 A DESTINAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS SEGUNDO O ESTATUTO DA TERRA E A
POSSIBILIDADE DE CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL DE ÁREAS
PÚBLICAS
2 OS BENS PÚBLICOS E A DISCIPLINA LEGAL DO USO EXCLUSIVO POR PARTICULAR
3 CARACTERÍSTICAS GERAIS ENVOLVENDO A CONTRATAÇÃO COM O PODER PÚBLICO
4 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
A SEREM OBSERVADOS NOS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO RURAL DE IMÓVEIS
PÚBLICOS
5 A REGULAMENTAÇÃO NA VIA ADMINISTRATIVA PELO EXÉRCITO BRASILEIRO DOS
ARRENDAMENTOS RURAIS DOS IMÓVEIS DA UNIÃO SOB A SUA JURISDIÇÃO COMO
EXEMPLO DE PREENCHIMENTO DA LACUNA LEGAL
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 21
A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A PROPRIEDADE CULTURAL IMATERIAL FRENTE À CULTURA
JURIDICA CRIADA PELO CURSO DE DIREITO DA UNESP EM FRANCA
ENSAIO SOBRE DIRETOS HUMANOS, DIREITO AMBIENTAIS: DIREITO MATERIAL E
IMATERIAL CULTURAL
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 22
MULTIFUCIONALIDADE DO NOVO DIREITO AGRÁRIO - DIREITO AGROALIMENTAR E O
DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À SEGURANÇA ALIMENTAR
INTRODUÇÃO
1 MULTIFUNCIONALIDADE DO NOVO DIREITO AGRÁRIO.
2 DIÁLOGO ENTRE O DIREITO AGROALIMENTAR E O DIREITO DA CIDADE.
3 DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À SEGURANÇA ALIMENTAR.
3.1 A RASTREABILIDADE COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA SEGURANÇA
ALIMENTAR.
4 SÍNTESE CONCLUSIVA
REFERÊNCIAS


SOBRE O HOMENAGEADO

DARCY WALMOR ZIBETTI
Doutor em Direito pela Universidade do Museu Social Argentino –
UMSA/AR; ex-Professor de Direito Agrário da Uniritter; Procurador Federal
Inativo – INCRA/RS. Presidente da União Brasileira dos Agraristas
Universitários-UBAU; membro titular e Vice-Presidente da Academia Brasileira
de Letras Agrárias – ABLA; membro titular da União Mundial dos Agraristas
Universitários – UMAU; membro titular do Instituto de Advogados do RS –
IARGS; advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do
Rio Grande do Sul – OABRS; Participante ativo de Congressos Internacionais e
Nacionais sobre Direito agrário, com diversos trabalhos publicados. Conta com
diversos livros e artigos publicados na área agrária.
SOBRE OS COORDENADORES

ALBENIR QUERUBINI
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Professor de Direito Agrário e Direito Ambiental no Instituto Universal de
Marketing em Agribusiness – I-UMA, Centro Universitário Ritter dos Reis –
UniRitter, Faculdade IDC – IDC e cursos de curta duração da EAD Cursos.com
(www.eadcursos.com). Coordenador Científico do Curso de Especialização em
Direito Agrário e Ambiental aplicado ao Agronegócio do Instituto Universal de
Marketing em Agribusiness – I-UMA. Membro da União Mundial dos
Agraristas Universitários – UMAU. Vice-Presidente da União Brasileira dos
Agraristas Universitários – UBAU (www.ubau.org.br). Coordenador do Portal
DireitoAmbiental.com (www.direitoambiental.com) e do Portal
DireitoAgrário.com (www.direitoagrario.com).

PEDRO PUTTINI MENDES
Escreveu em coautoria as obras “Direito Aplicado ao Agronegócio: uma
abordagem multidisciplinar”; “Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul -
explicada” e “comentada”. Consultor Jurídico, Palestrante e Professor de Direito
Agroambiental. Advogado inscrito na OAB/MS nº 16.518. Sócio-Diretor da
P&M Consultoria Jurídica Agroambiental e Familiar, Docente de Pós-Graduação
e Curta Duração no IPOG - Instituto de Graduação e Pós-Graduação, Tutor de
Legislação Agrária e Ambiental, Responsabilidade Socioambiental e Políticas
Públicas para o Agronegócio no Senar/MS. Membro e Representante da União
Brasileira de Agraristas Universitários (UBAU), Membro fundador da União
Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA). Coordenador de Cursos de
Extensão em Direito Aplicado ao Agronegócio. Foi Presidente da Comissão de
Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio
Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Possui graduação em Direito pela
Universidade Católica Dom Bosco (2008). Pós-graduação em Direito Civil e
Processo Civil pela UNIDERP/Anhanguera (2011). Mestrando em
Desenvolvimento Local em Contexto de Territorialidades pela Universidade
Católica Dom Bosco (UCDB), linha de pesquisa em Políticas Públicas
Agroambientais. Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento
Ambiental e Gestão Rural. Articulista em legislação agroambiental para a Scot
Consultoria, colaborador do portal DireitoAgrario.com e escreve artigos para
Correio do Estado.

RAFAELA AIEX PARRA
Advogada. Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do
Paraná - EMAP. MBA em Gestão Estratégica de Empresas pelo ISAE FGV:
Instituto Superior de Administração e Economia, Fundação Getúlio Vargas.
Aluna do MBA de Agronegócios pela Universidade de São Paulo - Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz - USP/ESALQ. Mestranda no
Programa de Mestrado em Direito Negocial pela Universidade Estadual de
Londrina - UEL, com ênfase em estudos sobre o Código Florestal e a relação do
Meio Ambiente com a Economia. Vice Coordenadora da Comissão de Direito
Agrário e Agronegócio da OAB Londrina. Coordenadora Regional da UBAU -
União Brasileira dos Agraristas Universitários, no Estado no Paraná.
Representante da Sociedade Rural do Paraná nos Comitês de Sustentabilidade e
Leis e Regulamentos da Sociedade Rural Brasileira. Colunista do Jornal Folha
Agrícola. Autora de artigos e obras jurídicas em Direito Ambiental
eAgronegócio.

ROGÉRIO OLIVEIRA ANDERSON
Advogado. Mestre em Direito Agrário (UFG). Especialista em Gestão do
Agronegócio (UFPR). Professor da Graduação e Pós-Graduação do IESB.
Secretário Geral da Comissão de Direito Agrário e do agronegócio da OAB/DF.
Procurador do Distrito Federal.

SOBRE OS AUTORES


ALBENIR QUERUBINI
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Professor de Direito Agrário e Direito Ambiental no Instituto Universal de
Marketing em Agribusiness – I-UMA, Centro Universitário Ritter dos Reis –
UniRitter, Faculdade IDC – IDC e cursos de curta duração da EAD Cursos.com
(www.eadcursos.com). Coordenador Científico do Curso de Especialização em
Direito Agrário e Ambiental aplicado ao Agronegócio do Instituto Universal de
Marketing em Agribusiness – I-UMA. Membro da União Mundial dos
Agraristas Universitários – UMAU. Vice-Presidente da União Brasileira dos
Agraristas Universitários – UBAU (www.ubau.org.br). Coordenador do Portal
DireitoAmbiental.com (www.direitoambiental.com) e do Portal
DireitoAgrário.com (www.direitoagrario.com).

ALEXANDRE VALENTE SELISTRE
Advogado e Pecuarista. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Pós Graduado
em Direito Agrário e Ambiental Aplicado ao Agronegócio pelo Instituto
Universal de Marketing e Agribusiness – I-UMA e Universidade Paulista -
UNIP. Especialista em Direito Processual Ambiental pela Faculdade Instituto de
Desenvolvimento Cultural – IDC. Membro da União Brasileira dos Agraristas
Universitários – UBAU. Sócio Fundador do Escritório de Advocacia Selistre
Advogados. Sócio Fundador da cabanha Legenda Campeira.

ÁLVARO SANTOS
Bacharel em Direito pela UFG; Especialista em Processo Civil; Especialista em
Direito Ambiental pela UFPR; Pós-graduando em Direito Tributário pelo IBET;
Formação Executiva em Direito do Agronegócio pelo INSPER; Membro da
União Brasileira de Agraristas Universitários – UBAU; Integrante do Conselho
Municipal do Meio Ambiente de Jataí – GO; Advogado.

ANA CAROLINA WOLFF
Graduada (2012) e Mestre (2015) em Direito pela Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP/Franca). Ex-bolsista PIBIC/CNPq, AREX, PROPe e CAPES. Atuação
na área de Direito, com ênfase em Direito Público, especialmente nos temas de
Direitos Humanos, Direito Ambiental, Direito Agrário e Direito do Patrimônio
Cultural.

ANA CRISTINA LEINIG DE ALMEIDA
Graduada em Direito na Faculdade de Direito de Curitiba (2008). Pós-graduada
em Direito Civil e Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
– PUC-PR (2010). Trabalhou por sete anos como tabeliã substituta no
Tabelionato de Notas e Ofício de Protesto de Palmas-PR. Advogada sócia
fundadora de Kohl & Leinig Advogados Associados.

ANANDA RODRIGUES BANDEIRA
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (2017). Advogada da Barufaldi Advogados. Participante
do Grupo de Estudos do GTAX - Grupo de Pesquisas Avançadas de Direito
Tributário da PUCRS. Tem experiência na área de Direito Público, atuando
principalmente nos seguintes temas: Direito Administrativo, Constitucional e
Tributário.

CLAIRTON KUBASSEWSKI GAMA
Advogado, sócio do escritório Kubassewski Gama Advogados Associados.
Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul - PUCRS. Pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de
Estudos Tributários - IBET.

CRISTIANE MOREIRA ROSSONI
Advogada OAB/RS nº 111.947, pós-graduanda em Direito Ambiental, atua como
pesquisadora no Grupo de Pesquisa APP Urbana OAB/RS e como facilitadora
do CAR; foi estagiária na Promotoria de Justiça Criminal de Vacaria, na Justiça
Federal, Seção judiciária do RS, Unidade Avançada de Atendimento de Vacaria e
no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Comarca de Vacaria/RS.
Publicou a obra Cadastro Ambiental Rural como Instrumento de Proteção
Florestal e Regularização dos Imóveis Rurais, ISBN9788551900901, pela
Editora Lumen Juris.

CRISTIANO ROESLER BARUFALDI
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (2002). Mestre em Direito pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (2014). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto
Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Especialista em Gestão de Tributos e
Planejamento Tributário pela PUCRS. Advogado e sócio da Barufaldi
Advogados. Diretor Técnico do Instituto de Estudos Jurídicos e Empresariais do
Estado do Rio Grande do Sul - IEJE/RS. Coordenador do eixo de Processo
Tributário do GTAX - Grupo de Pesquisas Avançadas de Direito Tributário da
PUCRS. Tem experiência na área de Direito Público, atuando principalmente
nos seguintes temas: Direito Administrativo, Constitucional e Tributário.

ELISABETE MANIGLIA
Possui graduação em Comunicação Social Jornalismo pela Universidade de São
Paulo (1975), graduação em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (1988), mestrado em Direito pela Universidade de São Paulo
(1994) e doutorado em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (2000).Defendeu livre docência em 2007 e atualmente é
professora adjunto da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Agrário e ambiental
rural, atuando principalmente nos seguintes temas: reforma agrária, direito
agrário, trabalho rural, direito empresarial rural e direitos humanos.Sua área de
pesquisa esta voltada neste momento para produção agraria , segurança
alimentar e políticas públicas de sustentabilidade rural. Membro da Comissão de
Direito Agrário, da Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP), Ordem
dos Advogados do Brasil, Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA),
Associação Brasileira de Direito Agrário (ABDA).

FREDERICO PRICE GRECHI
Pós-Doutor, Doutor e Mestre em Direito pela UERJ. Advogado e Professor.
Presidente da Comissão de Direito Agrário do Instituto dos Advogados
Brasileiros – IAB e da OAB/RJ.


GURSEN DE MIRANDA
Professor Decano de Direito (UFRR), Coordenador do Curso de Especialização
em Direito Amazônico (UFRR), Presidente da Academia Brasileira de Letras
Agrárias, Titular da União Mundial de Agraristas Universitários (UMAU),
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima (aposentado).

HELOÍSA BAGATIN CARDOSO
Graduada em Direito (Unicuritiba - 2010) e em Comunicação Institucional
(UTFPR - 2013). Especialista em Direito Aplicado (EMAP - 2012). Cursando
especialização em Direito Contemporâneo (Centro de Estudos Jurídicos Luiz
Carlos ). Atua como assessora jurídica comissionada de desembargador no TJPR
desde 2008.

JOÃO MÁRCIO FREITAS BARROS
Advogado inscrito na OAB/MS n. 17.771, Graduado pela UCDB – Universidade
Católica Dom Bosco, com expertise nas áreas de Direito Civil, Direito do
Trabalho e Processo do Trabalho, e Direito Agrário e Ambiental. Pós-graduando
em Direito do Consumidor. Membro da Comissão de Esporte e Lazer da
OAB/MS (Gestão 2016/2017), Tutor Presencial da Rede E-tec Senar –
Disciplinas Políticas Públicas para o Agronegócio, Legislação Agrária e
Ambiental, e Responsabilidade Social e Ambiental no Agronegócio.

JOAQUIM BASSO
Mestre em Direito Agroambiental pela Universidade Federal do Mato Grosso
(UFMT), especialista em Direito Ambiental pela Universidade Católica Dom
Bosco (UCDB), bacharel em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso
do Sul (UFMS) e em Agronomia pela Universidade para o Desenvolvimento do
Estado e da Região do Pantanal (Uniderp) e advogado. Membro associado da
União Brasileira dos Agraristas Universitários (UBAU).


JOSÉ FERNANDO LUTZ COELHO
Advogado, Professor Universitário (UFSM), tendo sido professor da URCAMP,
UNIFRA e FADISMA. Mestre em Integração Latino Americana pela UFSM,
consultor jurídico na área imobiliária, Conselheiro Seccional da OAB/RS,
Membro da Comissão de Estudos de Direito Agrário e Agronegócio (CEDAA-
OABRS), autor de obras em direito agrário e imobiliário.

LUIZ FERNANDO PEREIRA
Advogado inscrito na OAB/MS n. 17.499, graduado pela UCDB – Universidade
Católica Dom Bosco. Pós-graduando em Direito do Consumidor. Atuação nas
áreas de Direito Cível, Trabalhista, Ambiental e Agrário. Tutor da Rede E-Tec
SENAR/MS nas matérias de Políticas Públicas para o Agronegócio, Legislação
Agrária e Ambiental e Responsabilidade Socioambiental. Membro da Comissão
de Assuntos Agrários e Agronegócio e Comissão de Meio Ambiente da
OAB/MS - gestão 2014/2015.

MARCOS PRADO DE ALBUQUERQUE
Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (1979), Mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (1982) e Doutorado em Direito pela Universidade de
São Paulo (1991). Atualmente é Professor Titular de Direito Agrário da
Universidade Federal de Mato Grosso. É membro da Associação Brasileira de
Direito Agrário - ABDA e da Associação Brasileira de Ensino do Direito -
ABED. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Agrário,
atuando principalmente nos seguintes temas: direito agrário - responsabilidade
civil - dano moral, teoria geral - direito civil.

MARISA MALFER DE MORAIS
Bacharel em Direito pela FEIT-UEMG, 2010; Advogada desde 2010; Pós-
graduada em Direito Público pela Anhanguera-Uniderp, 2012, Pós graduada em
Direito Tributário pela PUC-MG, 2015; MBA em Gestão e Business Law pela
FGV, 2017; Síndica Profissional pelo Sindiconet em parceria com Garbor RH,
2017; Sócia da Empresa MRM Administradora de Condomínios, 2017.

PAULO JOSÉ LEITE FARIAS
Professor do Mestrado em Direito do IESB. Promotor de Justiça. Professor
Visitante da Boston University, EUA, Doutor em Direito pela UFPE. Mestre em
Direito e Estado pela UnB. Engenheiro Civil e Analista de Sistemas.

PAULO ROBERTO KOHL
Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS
(2007); Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera-
Uniderp (2012); Pós-graduando em Direito Agrário e Ambiental aplicado ao
Agronegócio pelo Instituto de Educação no Agronegócio – I-UMA e
Universidade Paulista – UNIP; membro da União Brasileira dos Agraristas
Universitários – UBAU; membro da Comissão de Direito Agrário e Questões do
Agronegócio da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Santa Catarina;
Advogado sócio fundador de Kohl & Leinig Advogados Associados.

PEDRO PUTTINI MENDES
Escreveu em coautoria as obras “Direito Aplicado ao Agronegócio: uma
abordagem multidisciplinar”; “Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul -
explicada” e “comentada”. Consultor Jurídico, Palestrante e Professor de Direito
Agroambiental. Advogado inscrito na OAB/MS nº 16.518. Sócio-Diretor da
P&M Consultoria Jurídica Agroambiental e Familiar, Docente de Pós-Graduação
e Curta Duração no IPOG - Instituto de Graduação e Pós-Graduação, Tutor de
Legislação Agrária e Ambiental, Responsabilidade Socioambiental e Políticas
Públicas para o Agronegócio no Senar/MS. Membro e Representante da União
Brasileira de Agraristas Universitários (UBAU), Membro fundador da União
Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA). Coordenador de Cursos de
Extensão em Direito Aplicado ao Agronegócio. Foi Presidente da Comissão de
Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio
Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Possui graduação em Direito pela
Universidade Católica Dom Bosco (2008). Pós-graduação em Direito Civil e
Processo Civil pela UNIDERP/Anhanguera (2011). Mestrando em
Desenvolvimento Local em Contexto de Territorialidades pela Universidade
Católica Dom Bosco (UCDB), linha de pesquisa em Políticas Públicas
Agroambientais. Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento
Ambiental e Gestão Rural. Articulista em legislação agroambiental para a Scot
Consultoria, colaborador do portal DireitoAgrario.com e escreve artigos para
Correio do Estado.



RICARDO HAJEL FILHO
Doutorando em Direito (Direito Processual do Trabalho) pela USP - Largo São
Francisco. Mestre pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Fllho -
Unesp - (2003). Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho - Unesp- (1998). Foi pesquisador, com bolsa da Fapesp, tanto
na Graduação como no Mestrado. É professor nos cursos de Especialização da
Unesp-Franca (Direito Processual e Empresarial) e da Escola Superior de
Advocacia -ESA em Rio Claro/SP, onde atuou também como Coordenador. É
professor da Unip-Limeira/SP e das Faculdades Integradas Claretianas de Rio
Claro/SP, nas áreas de Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e
Direito Processual Civil. Advogado.

ROGÉRIO REIS DEVISATE
Advogado, desde 1991, com ênfase na área cível – pareceres, imóveis rurais e
seus registros, lei 6739/79 e sua defesa judicial ou administrativa, inventários,
indenizatórias, contratos e arbitramento; vasta experiência com recursos cíveis
nos tribunais superiores (STF-Supremo Tribunal Federal e STJ - Superior
Tribunal de Justiça). Ex-Conselheiro Estadual da OAB/RJ e ex-membro
consultor da Comissão de Advocacia Pública do Conselho Federal da OAB;
Defensor Públitco de Classe Especial/RJ, desde 1993; foi subsecretário de
Estado/RJ, dentre outras relevantes funções públicas; foi membro de bancas
examinadoras de concursos públicos/RJ de nível superior; associado ao IBAP –
Instituto Brasileiro de Advocacia Pública; exerceu docência superior; autor de
artigos jurídicos e dos livros Grilos e Gafanhotos - Grilagem e Poder (2016) e
Grilagem das Terras e da Soberania (2017).

SOFIA DA SILVEIRA BOHRZ
Advogada. Graduada em Direito pela UNISC. Especialista em Direito
Ambiental pela UFRGS e em Direito Agrário e Ambiental aplicado ao
Agronegócio pelo I-UMA. Membro da União Brasileira dos Agraristas
Universitários - UBAU.


VALTENCIR KUBASZWSKI GAMA
Advogado, sócio do escritório Kubaszwski Gama Advogados Associados. Pós-
graduado em Direito Processual Civil e Constitucional pela UFRGS. Pós-
graduado em Direito Agrário e Ambiental Aplicado ao Agronegócio pelo
Instituto Universal de Marketing em Agribusiness / UNISP. Membro da União
Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU e da Academia Brasileira de
Direito do Vinho – ABDVIN. E-mail: valtencir@gamaadvogados.adv.br

VERA LÚCIA MARQUES LEITE
Graduou-se em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso em
1978.Possui Mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (1990). Graduou-se em Direito pela Universidade de Cuiabá em
1999. Doutoranda pelas Universidade Federal do Para-UFPA e Universidade
Federal de Mato Grosso-UFMT-DINTER. Atualmente é professora da Adjunto
III da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso_ UFMT,
onde leciona Direito Agrário e Estagio Supervisionado em Pratica Jurídica. Área
de Interesse: Direito Agrário, Questões fundiárias.



WELLINGTON PACHECO BARROS
Desembargador aposentado do TJ/RS, professor da ESCOLA SUPERIOR DA
MAGISTRATURA e do I-UMA, entre outros, advogado do Escritório
WELLINGTON BARROS – Advogados Associados, autor de mais de 100
artigos e 54 livros de direito, entre eles os CURSO DE DIREITO AGRÁRIO (9ª
edição) e o CURSO DE DIREITO AMBIENTAL (2ª edição), palestrante e
conferencista em mais de 160 eventos no País, Comendador da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM), membro da União Brasileira dos Agraristas
Universitários.
PREFÁCIO


É um privilégio prefaciar a obra coletiva intitulada “O Direito Agrário nos
Trinta Anos da Constituição de 1988: Estudos em Homenagem ao Professor
Darcy Walmor Zibetti”.
Sem dúvida, o principal advento do processo de redemocratização nacional
foi a promulgação da chamada Constituição Cidadã, no dia 05 de outubro de
1988, que, indubitavelmente, representa o início de um novo marco histórico na
sociedade brasileira.
Nas palavras do saudoso Ulysses Guimarães, a Constituição Cidadã de
1988 é “o documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça do
Brasil”.
Entre as suas diversas inovações, a Constituição de 1988 ampliou
sensivelmente as liberdades civis e garantias individuais, prestigiou as eleições
diretas, reformou o sistema tributário, ampliou a educação rural e introduziu um
capítulo sobre a política agrícola e fundiária e da reforma agrária.
Sob o prisma do método hermenêutico-concretizador, a força normativa da
Constituição de 1988 confere relevante eficácia às normas constitucionais que,
por sua vez, direcionam a interpretação e a aplicação da legislação
infraconstitucional com vistas à construção de uma sociedade mais justa,
solidária, igualitária, assegurando o desenvolvimento nacional.
Deveras, essa força normativa constitucional projetou-se nos últimos 30
anos da sua vigência sobre o Direito Agrário e Ambiental, influenciando
importantes institutos e temas versados na presente obra coletiva prefaciada,
entre os quais destacamos a função econômica e social da propriedade rural, os
contratos agrários, a proteção das indicações geográficas, a tutela da alimentação
e da segurança nutricional, a sustentabilidade ambiental e o uso racional da água
e o imposto territorial rural.
Nesse contexto, é oportuna a justa e perfeita homenagem ao Professor
Darcy Walmor Zibetti, profissional de renome e estudioso do Direito Agrário no
Brasil. Atualmente no exercício da Presidência da União Brasileira dos
Agraristas Universitários (UBAU), o Professor Darcy Zibetti vem semeando a
investigação científica do Direito Agrário e influenciando sobremaneira a nova
geração dos jusagraristas brasileiros.
Por derradeiro, faço votos sinceros que o lema do nosso homenageado
Professor Darcy Zibetti floresça em nossa cultura jurídica: “no Brasil, estudar
Direito Agrário é preciso”.

Fabio de Salles Meirelles Filho Presidente do
Instituto Pensar Agropecuária
APRESENTAÇÃO

Cumpre nesse espaço fazer uma síntese da biográfica do nosso
homenageado, o agrarista Darcy Walmor Zibetti, que nasceu no campo e
dedicou-se ativamente no estudo, ensino e promoção do Direito Agrário no
Brasil.
Zibetti nasceu no dia 1º de outubro de 1936, na cidade de Arroio do Meio,
no Estado Rio Grande do Sul. É filho de agricultores descendentes de italianos
do Norte da Itália, sendo o terceiro de nove irmãos. Trabalhou desde cedo nas
lides agrárias com o pai, Sr. Virginio David Zibetti, e frequentou a escola onde
sua mãe, Sra. Carmelina Antonia Consati Zibetti, era a professora. Desde cedo
conheceu as dificuldades de uma família que tira seu sustento da terra, fato que
sempre influenciou sua preocupação com a valorização e defesa dos direitos dos
produtores rurais. Além disso, é um apaixonado e defensor do solo.
Decidiu, ainda na juventude, se especializar na área agrária, tendo cursado
nos anos de 1958 a 1960 a Escola Técnica de Agricultura – ETA de Viamão/RS,
onde se formou Técnico Agrícola, passando a exercer a função de professor
estadual do Ensino Técnico, profissão que desempenhou enquanto cursou a
Faculdade de Direito junto à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em
Porto Alegre, entre os anos de 1960 e 1965.
Foi durante a Faculdade de Direito que teve conhecimento de fato que iria
mudar em definitivo a sua carreira jurídica, a notícia que estava tramitando no
Congresso Nacional a edição do Estatuto da Terra. Nesse momento, a vocação
pelo agrarismo falou mais forte e consolidou-se a sua escolha pelo Direito
Agrário, disciplina que se influenciou decisivamente o seu futuro profissional.
Tanto é que, tão logo formado em Direito, realizou sacrifício pessoal para poder
participar do 1º Curso de Direito Agrário realizado no ano de 1965 pela PUC/RJ,
tendo sido nomeado o 1º Procurador do então Instituto Brasileiro de Reforma
Agrária - IBRA (atual INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária) no Rio Grande do Sul, posto que ocupou até a sua aposentadoria.
Casado com a professora Dione Marion da Costa Zibetti, teve a filha
Giovana da Costa Zibetti, que buscou a medicina como profissão. O Professor
Zibetti sempre teve na família o apoio e a companhia na sua trajetória agrarista,
pautada na divulgação do Direito Agrário.
Por ter vivenciado a labuta no campo, o Professor Zibetti sempre manteve
preocupação com a melhoria de vida dos produtores e trabalhadores rurais,
sendo que participou em 20 de maio de 1967 da fundação do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Nova Brescia – RS, tendo sido o relator da primeira ata
daquela entidade, na época recém diplomado em Direito pela UFRGS e
exercendo o cargo de Procurador do IBRA. Registra-se que por muito tempo o
Prof. Darcy Zibetti prestou assessoria jurídica, de forma gratuita, ao Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Nova Brescia. Por conta disso, recebeu homenagem
especial durante as comemorações dos 50 anos da fundação da respectiva
entidade, no ano de 2017.
Durante muito tempo foi colaborador do Jornal Correio do Povo, no
Suplemento Rural, com a secção “Legislação Agrária”, de publicação semanal,
desde 12 de julho de 1968, sempre com a preocupação de levar o conhecimento
do Direito Agrário a todos.
Por conta própria, após fundar o IDASUL – Instituto de Direito Agrario e
Ambiental do Sul - Joaquim Luiz Osório, passou a promover eventos e ações
para promover o estudo do Direito Agrário. Sob o slogan “Dê à Terra o direito
que ela tem: produzir”, o Prof. Zibetti, então Presidente do IDASUL – Instituto
de Direito Agrário do Sul “Joaquim Luiz Osório”, lançou no ano de 1975 a
“Campanha da Função Social da Terra”, a qual foi responsável pela divulgação
do Estatuto da Terra e do Direito Agrário no Estado do Rio Grande do Sul,
através do envio para Instituições de Ensino e profissionais do Direito uma
cartilha contendo cópia da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da
Terra). Contanto com o apoio da OAB/RS, o Prof. Dr. Zibetti enviou
correspondência para todos os advogados do Rio Grande do Sul divulgando a
campanha.
Ainda no ano de 1975, o Prof. Darcy Zibetti organizou 1º Seminário Ibero-
Americano de Direito Agrário de 1975, durante a edição da I Fenatrigo de Cruz
Alta/RS, que foi o primeiro grande evento de Direito Agrário realizado após a
Edição do Estatuto da Terra, trazendo ao Brasil renomados agraristas e tratar de
assuntos bem avançados para aquela época. Durante o evento houve a edição da
Carta de Cruz Alta, um dos mais importantes documentos históricos do Direito
Agrário brasileiro, que motivou a introdução do estudo do Direito Agrário nas
Faculdades de Direito do país como disciplina obrigatória, do qual o Professor
Zibetti foi o relator e guarda ainda hoje o documento original em sua casa.
Foi o professor da Disciplina de Direito Agrário das Faculdades Integradas
do Instituto Ritter dos Reis (atual UniRitter, com sede em Canoas/RS), tendo
sido homenageado no ano de 1979 com a Láurea Excelsa conferida pelos seus
alunos em reconhecimento a sua dedicação ao ensino do Direito Agrário.
Foi membro e coordenador regional no Rio Grande do Sul da Associação
Brasileira de Direito Agrário – ABDA. Membro e Sócio-fundador da Academia
Brasileira de Letras Agrárias -ABLA, ocupando a Cadeira nº 1, cujo Patrono é
Fernando Ferrari. É membro da União Mundial dos Agraristas Universitários -
UMAU, com sede em Pisa – Itália.
Foi o idealizador e coordenador geral do V Congresso Mundial de Direito
Agrário da União Mundial dos Agraristas Universitários - UMAU, realizado em
Porto Alegre no ano de 1998, cujo tema foi o Direito Agrário e o
desenvolvimento sustentável, chamando a atenção para a problemática do meio
ambiente e da necessidade de produzir cuidando do meio ambiente.
Sempre se dedicando ao estudo, além de cursar uma série de cursos de
especialização, obteve no ano de 2001 o título de Doutor em Direito pela
Universidade do Museo Social Argentino – UMSA, de Buenos Aires, na
Argentina. Participou ativamente de uma série de eventos nacionais e
internacionais, em muitos dele expondo trabalhos e proferindo palestras.
Inclusive, possui vasta publicação de artigos e trabalhos em revistas e obras
coletivas, contando também com publicação de livros e coordenação de obras
coletivas nacionais e internacionais. Nesse sentido, é autor da “Legislação
Agrária Brasileira”, cuja 1ª edição foi lançada no ano de 1968 pela Editora
Síntese, contando com 5 edições, obra que foi por muito tempo a principal
referência de consulta utilizada no estudo e prática forense. Também é autor do
livro “Teoria Tridimensional do Direito Agrário no Espaço Rural: econômica,
social e ecológica”, lançado pela Editora Juruá em 2005; e do livro “O seguro
Agrícola e o Desenvolvimento Sustentável”, publicado pela Editora Juruá em
2006, o qual se originou de sua Tese de Doutorado, escrita em 2001.
Mais recentemente, foi idealizador e fundador, com outros agraristas, da
União Brasileira dos Agraristas Universitários- UBAU, em julho de 2014, sendo
seu Presidente. A UBAU tem como objetivos sociais associar e congregar os
agraristas brasileiros e aprofundar os estudos relativamente ao Direito Agrário,
Ambiental e aos temas relativos ao agronegócio empresarial e familiar. Por meio
da UBAU já foram realizadas uma série de eventos em âmbito nacional,
chamando a atenção para o estudo do direito agrário enquanto uma ferramenta
de promoção do desenvolvimento agrário e da sustentabilidade, pauta que foi
inclusive objeto de reunião institucional junto à Organização das Nações Unidas
para Alimentação e Agricultura - FAO, ocorrida em Roma no dia 05 de junho de
2015.
A frente da UBAU, na qualidade de Presidente, o Professor Zibetti tem se
dedicado intensamente a promover o chamado “II Ciclo do Agrarismo no Brasil”
(classificação por ele criada), defendendo o estudo científico do Direito Agrário,
levando em consideração a dinâmica das cadeias produtivas e dos complexos
agroindustriais, bem como defendendo a profissionalização dos produtores e o
uso da inovação e da tecnologia.
Aos oitenta anos, o Professor Zibetti ainda participa ativamente de
eventos, palestras e mantém ritmo constante de estudos e publicações, inspirando
os mais jovens a estudarem o Direito Agrário e a se tornarem agraristas. A
propósito, uma das grandes lições do professor Darcy Walmor Zibetti é que “o
agrarismo é uma doutrina que se caracteriza pela sua transcendência,
transversalidade de conhecimentos e sua universalidade”, lembrando que o
agrarista deve ser humilde perante a magnitude dos problemas agrários e sempre
ter a inquietude de buscar o conhecimento, para se tornar um verdadeiro ator de
transformação social através da ciência e da sabedoria agrária.
Assim sendo, nada mais justa e merecida do que a presente e singela
homenagem ao grande agrarista Darcy Walmor Zibetti, em reconhecimento a sua
dedicação, trabalho e amor depositado ao estudo e à promoção do Direito
Agrário brasileiro, servindo de inspiração a uma geração de agraristas
brasileiros. E, por fim, não podemos deixar de repetir a sua mensagem de que
“no Brasil, estudar Direito Agrário é preciso”!

ALBENIR QUERUBINI
Mestre em Direito pela Universidade Federal Vice-
Presidente da União Brasileira dos Agraristas
Universitários – UBAU.
CAPÍTULO 1

A POLÍTICA AGRÍCOLA
CONSTITUCIONAL E OS RUMOS DO
ATUAL AGRONEGÓCIO

PEDRO PUTTINI MENDES
Escreveu em coautoria as obras “Direito Aplicado ao Agronegócio: uma
abordagem multidisciplinar”; “Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul -
explicada” e “comentada”. Consultor Jurídico, Palestrante e Professor de Direito
Agroambiental. Advogado inscrito na OAB/MS nº 16.518. Sócio-Diretor da
P&M Consultoria Jurídica Agroambiental e Familiar, Docente de Pós-Graduação
e Curta Duração no IPOG - Instituto de Graduação e Pós-Graduação, Tutor de
Legislação Agrária e Ambiental, Responsabilidade Socioambiental e Políticas
Públicas para o Agronegócio no Senar/MS. Membro e Representante da União
Brasileira de Agraristas Universitários (UBAU), Membro fundador da União
Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA). Coordenador de Cursos de
Extensão em Direito Aplicado ao Agronegócio. Foi Presidente da Comissão de
Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio
Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Possui graduação em Direito pela
Universidade Católica Dom Bosco (2008). Pós-graduação em Direito Civil e
Processo Civil pela UNIDERP/Anhanguera (2011). Mestrando em
Desenvolvimento Local em Contexto de Territorialidades pela Universidade
Católica Dom Bosco (UCDB), linha de pesquisa em Políticas Públicas
Agroambientais. Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento
Ambiental e Gestão Rural. Articulista em legislação agroambiental para a Scot
Consultoria, colaborador do portal DireitoAgrario.com e escreve artigos para
Correio do Estado.


1 TERMINOLOGIAS E OBJETIVOS DA POLÍTICA AGRÍCOLA
BRASILEIRA
Há oito eixos basilares da política agrícola brasileira, sendo os
instrumentos creditícios e fiscais; os preços compatíveis com os custos de
produção e a garantia de comercialização; o incentivo à pesquisa e à tecnologia;
a assistência técnica e extensão rural; o seguro agrícola; o cooperativismo; a
eletrificação rural e irrigação; e a habitação para o trabalhador rural.
O art. 187 da Constituição Federal Brasileira, traça os objetivos do
planejamento e execução da política agrícola brasileira, como se observa em seu
texto:
Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a
participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e
trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de
armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: I - os
instrumentos creditícios e fiscais; II - os preços compatíveis com os custos de
produção e a garantia de comercialização; III - o incentivo à pesquisa e à
tecnologia; IV - a assistência técnica e extensão rural; V - o seguro agrícola; VI
- o cooperativismo; VII - a eletrificação rural e irrigação; VIII - a habitação
para o trabalhador rural. § 1º Incluem-se no planejamento agrícola as
atividades agro-industriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais. § 2º Serão
compatibilizadas as ações de política agrícola e de reforma agrária.
Definida pela Constituição Federal a partir do art. 184 como política
agrícola e fundiária, possui variações termológicas em alguns estados como o de
Mato Grosso do Sul que a define como política do meio rural em sua
constituinte, sendo então, correspondente à definição originária do Estatuto da
Terra, legislação anterior à própria Carta Magna, sendo a Lei Federal nº 4.504,
de 30 de novembro de 1964, conforme se determina:
Art. 1° Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis
rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política
Agrícola. [...]
§ 2º Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à
propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia
rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno
emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país.
Marques (2012, p. 149-174) discute o termo “agrícola” empregado como
adjetivo para qualificar uma política costumeiramente relacionada as atividades
de produção de gêneros alimentícios de natureza vegetal, que no linguajar rural
distingue-se da pecuária, que cuida da produção animal, seguindo uma mesma
linha terminológica adotada pelo Código Civil que diferencia “penhor agrícola”
e “penhor pecuário” nos artigos 1.442 a 1.444.
O professor traz ainda, outro ponto interessante quanto ao estatuto da terra,
vez que utiliza a terminologia da “política de desenvolvimento rural”, o que
pertenceria ainda à economia rural, destinando-se a todas as atividades
agropecuárias e não somente a produção agrícola.
Digna é a definição trazida por Oswaldo & Sílvia Optiz (1971, p. 12)
pontuando que:
“não é de se confundir a reforma agrária, com a política agrária, nem com o
direito agrário. A reforma e o direito agrário são mais estáveis; depois de
fixadas as leis e medidas, permanecem até que fatos novos obriguem a sua
mudança ou alteração. A política agrária é instável e se deve adaptar às
circunstâncias temporais e espaciais”.
Rizzardo (2013, p. 41-46) conclui sobre a política agrícola brasileira
dizendo que a legislação define linhas de conduta da ação estatal relativamente
ao incentivo da atividade agrícola, lembrando que há abrangência da política
pecuária, política fundiária, política de desenvolvimento rural e política de
reforma agrária com algumas características.
A primeira delas seria tratar-se de uma atividade ideológica, supondo
ideias postas em prática através de ações determinadas para atingir o bem-estar
social; a segunda delas uma atividade ordenadora de vida social envolvendo um
grupo de pessoas e instituições; também uma atividade prática já que, como
política pública, se apenas teórica, não se reveste de valor; tendenciosamente
teleológica por aspirar alcançar fins e uma ação sempre com direção
determinada; dotada de instabilidade por tratar da vida humana, sempre
apresentando mudanças na história; e por fim uma característica em que os
meios de desenvolvimento para cumprir os objetivos são múltiplos,
correspondendo a uma concepção particular do mundo e da vida entre realidades
e épocas variáveis.
Uma conclusão muito interessante Marques (2012, p. 149-174) sustenta no
sentido de que:
“o ordenamento jurídico agrário brasileiro oferece instrumental bastante para a
adoção de uma boa política agrária, capaz de promover o desenvolvimento do
país, além de propiciar o progresso social e econômico do produtor, quiçá
tornando realidade o preceito contido no art. 85, §1º, do ET, que lhe prevê o
lucro mínimo de 30% em sua atividade produtiva”.
O objetivo traçado nestas políticas, enfim, é a formulação e execução da
política pública que busque melhorias de condição de vida e fixação do homem
na zona rural certamente.
A regulamentação de políticas públicas, por sua vez, se materializa por
meio da ação concreta de sujeitos sociais e de atividades institucionais que as
realizam (Mendes, Lima, Hammerschmidt & Guaragni, 2010. P. 04-34).
Da mesma forma, um bom desempenho de políticas públicas, além de seu
bom planejamento estratégico, também é a avaliação de complexidade das ações
sob os pontos de vista ético, político, social, econômico e ambiental.
O Estado, deve, portanto, exercer função de planejamento, determinante
para o setor público e indicativo para o setor privado, destinado a promover,
regular, fiscalizar, controlar, avaliar atividade e suprir necessidades, visando
assegurar o incremento da produção e da produtividade agrícolas, a regularidade
do abastecimento interno, especialmente alimentar, e a redução das disparidades
regionais.
Para cumprir seus objetivos estabelecidos pela constituinte, deve ainda, a
política agrícola sistematizar a atuação do Estado para que os diversos
segmentos intervenientes da atividade agrária possam planejar suas ações e
investimentos numa perspectiva de médio e longo prazos, reduzindo as
incertezas do setor, as quais atualmente representam-se em todos os elos da
sustentabilidade e das cadeias produtivas.
Exige-se a compreensão de processos e dimensões sociais, econômicos,
culturais e políticos no mundo rural com uma grande dinâmica espacial e
temporal no complexo território nacional.
É válido registrar, dentre alguns princípios em matéria de direito agrário,
que a constituinte observa a garantia de propriedade da terra, tanto quanto o
cumprimento da função social; como também a dicotomia da matéria que,
compreende tanto uma política de reforma agrária, embora não mais eficiente,
como também a política de desenvolvimento do meio rural; a prevalência do
interesse público sobre o individual nas normas jurídicas; o fortalecimento do
espírito comunitário através de cooperativas e associações; o fortalecimento da
empresa agrária; a proteção ao trabalhador; e conservação e preservação dos
recursos naturais e do meio ambiente.
Barroso (2017), sustenta em seu trabalho que “a política agrária
desempenha o papel de instrumento jurídico da efetividade dos fundamentos e
objetivos do Estado Democrático de Direito intitulado República Federativa do
Brasil”.
Todavia, fica a preocupação sobre a atual atribuição de terras no Brasil e
nos estados, já que, em pesquisa recente, a Embrapa Monitoramento por Satélite
(Embrapa, 2017), por meio do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica,
comprova que, em 25 anos, os Governos federal e estaduais atribuíram
legalmente mais de 37% (trinta e sete por cento) do território nacional
destinando-o a unidades de conservação, terras indígenas, comunidades
quilombolas e assentamentos de reforma agrária sem planejamento estratégico
adequado, o que resultou no atual conflito fundiário em que nos encontramos,
observado através da pressão de diversos grupos sociais e políticos, nacionais e
internacionais.
2 ORIENTAÇÕES CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS À
POLÍTICA AGRÍCOLA
O Estatuto da Terra já preconizava que o Poder Público, para incentivo de
tais políticas agrícolas, utilizar-se-ia de tributação progressiva da terra, do
Imposto de Renda, da colonização pública e particular, da assistência e proteção
à economia rural e ao cooperativismo e, finalmente, da regulamentação do uso e
posse temporários da terra.
O mesmo Estatuto, garante pelo artigo 73, que todos aqueles instrumentos
de políticas públicas agrícolas, serão utilizados para dar plena capacitação ao
agricultor e sua família e visam, especialmente, ao preparo educacional, à
formação empresarial e técnico-profissional garantindo sua integração social e
ativa participação no processo de desenvolvimento rural e estabelecendo, no
meio rural, clima de cooperação entre o homem e o Estado, no aproveitamento
da terra.
Ficou claro também, no Estatuto da Terra, o dever do Estado em prestar
apoio institucional ao produtor rural, com prioridade de atendimento ao pequeno
produtor e sua família, estimular o processo de agroindustrialização junto às
respectivas áreas de produção e melhorar a renda e a qualidade de vida no meio
rural.
Houve regulamentação das políticas agrícola por lei específica, sendo a
Lei Federal nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991, conhecida por lei da política
agrícola, a qual sempre garantiu correspondência à Constituição Federal,
trazendo no seu art. 4º e incisos os mesmos instrumentos.
Em 17 de janeiro de 2018, a referida Lei Federal 1871/1991 – ainda
vigente – completou seus 27 (vinte e sete) anos no ordenamento jurídico e
político, ratificando sua correspondência à Constituição Federal, trazendo os
mesmos instrumentos de políticas públicas para o meio rural.
São diretrizes que, há 27 anos, deve a Administração Pública em nível
federal, estadual e municipal, tomar por base para orientar o desenvolvimento
agropecuário, como por exemplo, crédito rural; precificação compatível com os
custos de produção e a garantia de comercialização; pesquisa e tecnologia;
assistência técnica e extensão rural; seguro agrícola; cooperativismo;
eletrificação e irrigação; e habitação para o trabalhador rural. E ainda, lembrando
a originalidade destes objetivos, traçados, antes de tudo, pelo Estatuto da Terra,
por meio do art. 73 de seu texto.
A segurança alimentar é a base de toda uma nação, fundamental ao ser
humano em sua sobrevivência, diretamente ligado à dignidade da pessoa humana
e indispensável para realização de todos os demais direitos previstos tanto na
Constituição Federal quanto na Constituição Estadual. Se não há segurança
jurídica e boas condições favoráveis para a produção de alimentos no campo,
não há produção de alimentos e nem quem se disponha a produzir e, por
consequência, não haverá abastecimento de mercado, acarretando sérias
consequências à toda população.
Por isso, deve, o Poder Público, adotar políticas e ações necessárias para
garantia e finalidade da segurança alimentar e nutricional, de maneira que, no
sistema normativo brasileiro, já se garantiu a alimentação como direito social,
logo, é a produção agropecuária quem constitui toda a cadeia produtiva
alimentar, por sua vez, movida pelo homem do campo e que poderá, através de
um Estado que lhe garanta segurança jurídica, proporcionar abastecimento do
mercado interno e externo, observadas as atuais exigências do desenvolvimento
sustentável, onde se encontram, dentre outros preceitos, as questões ambientais,
econômicas e sociais, fundamentos da sustentabilidade.
Não por outro motivo, no Brasil, dedicamos até mesmo legislação
específica para garantia de segurança alimentar, sendo a Lei Federal nº 11.346,
de 15 de Setembro de 2006, a qual criou o Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à
alimentação adequada, posteriormente regulamentada pelo Decreto Federal nº
7.272, de 25 de Agosto de 2010.
A referida lei federal, estabelece as definições, princípios, diretrizes,
objetivos e composição do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional – SISAN, garantindo que o poder público com participação da
sociedade civil atue na formulação e implementação de políticas, planos,
programas e ações com vistas em assegurar o direito humano à alimentação
adequada, respeitando, protegendo, promovendo, informando, monitorando,
fiscalizando e avaliando a realização do direito humano à alimentação adequada,
com produtos de qualidade e quantidade suficiente.
A sustentabilidade e a segurança alimentar são aliadas para o
desenvolvimento local, o Estado, pode e deve, portanto, ocupar com eficiência
seu território de maneira a garantir a produção local e a capitalização de sua
localidade.
3 POLÍTICA AGRÍCOLA ALIADA AO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
Zuin & Queiroz (2015, p. XV-XVIII), sobre agronegócio, inovação e
sustentabilidade, afirmam que o agronegócio precisa ser pensado em uma
abordagem sistêmica e dialógica buscando interconexões entre os elementos dos
territórios rurais, definindo, por sua vez, um destes elementos como ambiente
produtivo, onde em todo o território rural em que se localiza a propriedade
produtiva estão inseridas também a rede de contatos, políticas públicas, mercado
consumidor e bioma, motivo pelo qual é ressaltada a importância deste trabalho
educacional em políticas públicas e legislação para o desenvolvimento local e
formulação de políticas públicas legítimas.
A política do meio rural, atualmente, deve considerar que, fazendas não
são mais apenas propriedades rurais rústicas, mas são verdadeiros núcleos de
desenvolvimento sustentável, onde deve o Poder Público, voltar esforços para
garantir segurança jurídica, alimentar e justiça social.
Sambuichi, Oliveira, Moreira da Silva & Luedemann (2017), trouxeram
reflexão de que não existem soluções únicas, que possam ser efetivas para todas
as situações, há uma necessidade de adequação das políticas públicas à realidade
socioeconômica e ambiental específica de cada região somando esforços de
todas as esferas do poder público para que sejam efetivos, nos limites de suas
competências, amenizando oscilações de mercado nacional e internacional,
como se tem presenciado ultimamente.
Planejamento estratégico agropecuário se tornou fundamental, para que se
possa tentar compreender essa dinâmica territorial, identificar as principais
tendências em curso, antevendo no curto e médio prazo cenários diferenciados e
futuros possíveis para a agropecuária nacional e para os agentes sociais,
econômicos e políticos a ela associados (Buainain, Silveira & Navarro, 2014).
As políticas públicas se materializam por meio da ação concreta de
sujeitos sociais e de atividades institucionais que as realizam e da mesma forma,
um bom desempenho de políticas públicas, além de seu bom planejamento
estratégico, também é a avaliação de complexidade das ações sob os pontos de
vista ético, político, social, econômico e natural.
Esta participação civil em arranjos institucionais, promove maior inclusão
social e aproveitamento dos recursos destinados à política pública,
racionalizando tais recursos e democratizando o processo de tomada de decisões
na gestão.
Almeida (2015, p. 46-73), conceitua governança colaborativa em políticas
públicas, demonstrando um momento atual propício para este exercício, ou seja,
uma mudança cultural nacional na preocupação com a formulação de políticas
públicas adequadas às regiões, como também a destinação correta dos recursos
públicos disponíveis, defendendo o estreitamento da relação entre Estado e
cidadãos na entrega de serviços públicos.
O mesmo autor (Almeida, 2015) pondera ainda que, a deliberação
democrática, entretanto, não elimina conflitos sociais ao proporcionar que os
atores civis se engajem na dinâmica decisória, mas possibilita outras soluções
para a governança local, permitindo melhor aproveitamento e adequação das
políticas públicas, ou seja, participação, divisão e compartilhamento de
responsabilidades entre a sociedade civil e o Estado, interligados para auxílio
mútuo em seus respectivos graus de autonomia.
Para ser efetivamente aplicada, útil e eficiente, a legislação, demanda
democracia participativa não apenas quanto à tomada de decisões, mas com
estrutura suficiente para acomodar tais deliberações como autênticas e inclusivas
daquele grupo que irá utilizar-se da política pública (Almeida, 2015).
Nem por outro motivo, Almeida (2015), prossegue citando Jürgen
Habermas no sentido de que nenhuma constituição ou lei pode ser legítima
(justa) a menos que seja realmente aceita expressamente por aqueles atores civis
regidos por esta ou aquela a partir de procedimentos deliberativos prévios,
efetivos e reais e neste rumo, condições mínimas precisam ser criadas para que
decisões sejam tomadas e o debate seja autêntico.
Conveniente incluir nestas reflexões, analisado sob a ótica do processo de
construção de toda política pública, quem pode transformar informação em
conhecimento e este, a seu turno, necessita de gestão como instrumento de poder
coletivo e não mero recurso autárquico de decisão, pois desta maneira é que se
justifica o incentivo à socialização da informação para a criação das políticas
públicas municipais enxergadas pelo cidadão como úteis em sua região.
Borges (1998, p. 23), entende que, o produto da implementação da política
do meio rural é uma “economia nacional harmoniosa”, dizendo ainda que resulta
“uma sociedade justa, como pretendemos seja construída no Brasil, com
participação dinâmica do direito agrário”.
Este mesmo professor (BORGES, 1998, p. 28), deixa uma mensagem que
finaliza sua defesa pronunciando:
“Estamos pensando no homem presente e no homem futuro. Em seu
engrandecimento social e econômico [...] pouco nos importa se um homem ou
alguns homens tenham demais; o que nos sensibiliza é que existem homens
que têm de menos. O que nos sensibiliza é que a terra depredada não servirá
aos homens do futuro. É que não se faça justiça social”.
Políticas públicas devem ser implementadas atendendo às características
locais e potenciais de produtividade através do levantamento de dados e sua
análise sobre a eficiência de sistemas gestores locais.
É o levantamento e análise de dados técnicos que também responderá às
maiores problemáticas sobre as questões relativas à eficiência das políticas
públicas, a utilização de defensivos agrícolas, popularmente conhecidos por
agrotóxicos, questões de zoneamento e aproveitamento territorial.
Chamando atenção para a gestão de informação em políticas públicas
através de dados, o professor Raymundo Laranjeira (1975, p. 174) caracteriza a
política agrária como “ciência plataformal de intermediação, desde que procura
analisar, depurar e sintetizar os dados colhidos na investigação socioeconômica
pelo Poder Público”.
Entidades de pesquisa e órgãos públicos têm se dedicado, por meio de
análises comparativas com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e outros
cadastros, a analisar as estatísticas relacionadas à distribuição territorial e áreas
produtivas, já sendo possível observar que nos últimos 15 a 20 anos, o chamado
“mundo rural”, incluindo suas populações, os agentes econômicos ou a ação
governamental (portanto, também a pesquisa agrícola) sofreu transformações
radicais.
Graziano (2015) sustenta entendimento de que há meio século, um
paradigma político-social formou-se pela falta de entendimento no que, de fato,
consiste esta integração que faz o agronegócio, por muito tempo prevalecendo
uma ignorância não-científica na insistência do um discurso de que a comida do
povo viria do agricultor familiar de subsistência e que o agronegócio serviria
apenas ao comércio exterior.
Juristas e geógrafos convergem no sentido de que somente com a análise
destes cadastros e da geografia é que o território brasileiro será um espaço do
cidadão, com condições objetivas de mediar conflitos entre áreas, propriedades,
reservas ambientais e outros, com base no correto mapeamento.
Fica a desejar apenas o princípio da constante necessidade de reformulação
da estrutura fundiária, já que, observa-se atualmente uma excessiva
regulamentação positivista sem o necessário municiamento de dados, os quais
deveriam ser mais estimulados junto às universidades, como suporte à
formulação de políticas públicas, tal como ocorre em outros países.
Do ponto de vista ambiental é interessante o estudo da gestão com
aprovação de planos de manejo, direcionamento de recursos públicos já
existentes em fundos específicos, adoção de tecnologias e boas práticas que
conciliem a produtividade agropecuária, com redução dos impactos ambientais.
Sob o ponto de vista econômico, não só atividades agropecuárias são alvo
de análise como também o impacto ambiental-econômico dos sistemas logísticos
locais como rota de escoamento de produtos.
E na visão social há peculiaridades sobre a territorialidade do cidadão com
a utilização do território e a manutenção dos traços culturais.
A partir do momento que a sustentabilidade deixar de ser apenas um
conceito e passa a ser questão de mercado nacional e internacional, o cenário
muda para o produtor rural tradicional, pois todo o ecossistema produtivo
demanda que a empresa rural atinja os níveis econômicos satisfatórios,
obedecendo ao equilíbrio que se estabelece com a utilização dos recursos
naturais disponíveis e ainda que cuidem da qualificação de pessoas com
condições de trabalho adequadas.
O mercado nacional e internacional, ao exigir sustentabilidade, seja na
aquisição de produtos ou terras, busca legalização, quer produtos de áreas livres
de desmatamento ilegal, exige as melhores técnicas de produção animal e
vegetal equilibradas com os recursos naturais disponíveis, comprovando de
forma científica e técnica a utilização da terra, tal como, respeito aos recursos
hídricos e florestais.

4 OS RUMOS DA POLÍTICA AGRÍCOLA FRENTE AO ATUAL
AGRONEGÓCIO
É incontestável que políticas públicas necessitam obrigatoriamente
equilibrar dados obtidos do próprio território e ainda idiossincrasias do homem
rural para que as políticas públicas do meio rural sejam realmente eficientes e
adequadas.
Lembrando sempre que ciência não deve ser sobreposta por ideologias,
neste sentido, o agronegócio deve ser entendido não como um setor de
dominação e de grande expressão, mas como algo integrado (Neves, 2012, p. 57-
58), o que significa quebrar paradigmas ideológicos no sentido de que seriam
opostos a “agricultura familiar” e a “agricultura empresarial”, como também
agronegócio e meio ambiente, já que, para qualquer dos sistemas produtivos se
faz necessária a integração da produção agrosilvipastoril com o comércio,
indústria, serviços, pesquisa, insumos, com os produtores rurais, sob pena de
vermos o retrocesso da ocupação e utilização da terra, até mesmo a falta de
cumprimento da função social e do desenvolvimento sustentável.
Imprescindível lembrar que há necessidade de reforçar a atuação da
estrutura estatal, na garantia prevista pelo artigo 5º, XXIII da Constituição
Federal (direito de propriedade), fazendo com que as políticas públicas estaduais
apenas atendam àqueles que realmente se utilizem da terra para sua finalidade
produtiva e sustentável.
Da mesma forma a correspondência com o artigo 170, III da Constituição
Federal onde a ordem econômica, valorização do trabalho humano e livre
iniciativa respeitarão, neste mesmo sentido, a função social da propriedade,
inovando na legislação estadual ao preterir beneficiários da reforma agrária, já
que, como se observa em grande parte dos assentamentos a precarização
estrutural produtiva.
Isto porque “a propriedade agrária caracteriza-se pelo fato de construir
bens que não se destinam ao consumo, mas aptos a produzir bens para o
consumo [...] A terra é uma máquina natural de produção” (ABINAGEM, 1996,
p. 161).
“O direito de propriedade foi uma conquista histórica dos direitos humanos,
que substituiu o sistema de domínio do rei ou da Igreja, garantindo aos
cidadãos a propriedade de suas casas e os direitos correlacionados, como a
inviolabilidade do domicílio e a privacidade”. (CANDEIA)
Tanto a propriedade agrária é uma máquina natural de produção que já
atinge uma próxima agenda, não apenas nacional, como internacional, haja vista
que, cumprindo seu papel “sustentável”, também vista sob a ótica da função
social da propriedade, podendo, vê-se o cumprimento de metas climáticas
impostas aos países signatários do Tratado de Kyoto, trazendo ao produtor rural,
os benefícios e certificações dos conhecidos créditos de carbono, sustentados
pela premissa da emissão de gases de efeito estufa.
É importante reforçar que, embora a política agrícola tenha emergido na
década de 1960 em meio à reestruturação fundiária do Brasil e da distribuição de
terras, o setor agropecuário passou por uma gigantesca modernização e
integração das etapas de suas cadeias produtivas, interligando tudo o que
acontece antes, dentro e depois da porteira em um verdadeiro ecossistema
produtivo e demandando que as políticas agrícolas, da mesma forma estruturem
o sistema fiscal, assistência técnica e extensão rural, seguro agrícola, sistema
cooperativo, eletrificação e irrigação, habitação e titulação das propriedades.
Atente-se, entretanto, para que o Estado não torne o produtor, um
dependente estatal, mas tão somente lhe proporcione condições favoráveis para
garantia da segurança alimentar à toda população, lembrando ainda que o setor
agropecuário não se baseia apenas em questões de posse e propriedade,
necessitando por isso, de modernização e ferramentas estruturais com apoio
estatal.
Há um atual paradoxo fundiário, principalmente no que tange à reforma
agrária, pois fazê-la pela via democrática não tecnificada no mundo sustentável
significa necessariamente exigir a aptidão daquele quem está recebendo terras
para que destas faça acontecer o desenvolvimento sustentável, cumprindo os
mesmos preceitos de função social da propriedade, correndo o risco de, caso
contrário, haver regressão não só do potencial produtivo daquela propriedade,
como também a própria condição econômica do felizardo contemplado com seu
quinhão de terra.
Graziano (2015, p. 23-27) sustenta semelhante análise ao afirmar que há
meio século, um paradigma político-social formou-se pela falta de entendimento
no que, de fato, consiste esta integração que faz o agronegócio, por muito tempo
prevalecendo uma ignorância não-científica na insistência do um discurso de que
a comida do povo viria do agricultor familiar de subsistência e que o
agronegócio serviria apenas ao comércio exterior.
Temos um grande paradoxo moderno de uma política pública que tenta
uma modernização ideológica que não acompanha sua própria legislação, pois
fazer reforma agrária pela via democrática no mundo globalizado e
tecnologicamente avançado significa falta de competitividade para o mercado
interno e externo, já que a grande maioria de assentamentos sem condições de
desenvolvimento, trazem uma produção precária que mal consegue sustentar o
próprio assentamento, criando favelas rurais, descumprindo a própria função
social da propriedade onde a falta de políticas públicas decentes para tecnificar
os assentamentos rebaixa o grau de utilização e o grau de eficiência da área
assentada.
Há grande risco de regressão não só do potencial produtivo da
propriedade, como também a própria condição econômica do contemplado com
seu quinhão de terra, ressaltando que, nem sempre se trata de pessoa com
aptidão agrícola para manter adequadamente o que propõe esta política
distributiva que têm recebido uma diversidade de pessoas, os quais buscam por
muitas vezes a fuga do desemprego urbano por uma oportunidade no campo, um
ideal perseguido por muitas pessoas que almejam a felicidade em um pedaço de
terra, de forma que este pedaço de terra não é um passaporte para a cidadania,
melhores condições de trabalho, educação, habitação ou alimentação, falsa
ilusão, desilusões urbanas não se resolvem com reforma agrária.
O problema da reforma agrária não são essencialmente as pessoas, mas
garantir a estes uma capacidade de produção, emprego e renda, evitando que
fujam do desemprego urbano para tornarem-se hipossuficientes rurais. Não é
correto estimular a pobreza rural desqualificada. Latifúndios realmente devem
ser combatidos por todas as ideologias e políticas públicas; capitalismo e
modernização de certa forma, realmente podem criar exclusões sociais;
entretanto, acredito fortemente que o nível educacional precisa ser amplamente
fortalecido para conseguir atingir os reais objetivos de pequenos produtores a
tornarem-se agricultores empreendedores com sucesso, as propriedades rurais
são sim, empresas.
A solução para este problema não parece adequada pura e simplesmente
pela distribuição de terras, ao observar a atual distribuição territorial do país em
terras particulares e federalizadas, não haveria como suprir a constante demanda
de novas pessoas pleiteando terras para o trabalho, acertada a disposição legal
em buscar garantia de trabalho e progresso social aos trabalhadores rurais sem
terras ou com terras insuficientes.
O Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (GITE) da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) também vem apontando que o
Brasil atualmente demanda certo cuidado na distribuição territorial relacionada
às políticas públicas sustentáveis, já que criar instrumentos de proteção, não
podem, implicar cada vez mais a federalizado do território brasileiro
(EMBRAPA, 2017), ou seja, a contabilização de terras indígenas, reforma
agrária, unidades de conservação e outras áreas que, por lei, inviabilizam o
crescimento da economia sustentável nacional.
Enfim, o processo de ordenamento espacial produtivo está ligado à gestão
de uso dos recursos naturais, onde se busca respostas para determinar como
“retirar desse processo os melhores resultados, ou seja, maximizar os resultados
sociais e econômicos, o que nos dias atuais pode contar até mesmo com alta
tecnologia de monitoramento remoto eco dinâmico e socioambiental.
Independente das regulamentações, normativas e políticas públicas, o
mercado e o consumidor têm ditado as regras quanto aos produtos ofertados pelo
setor agropecuário em obediência à sustentabilidade e às certificações
internacionais.
O Brasil é conhecido internacionalmente no comércio exterior, dentre
outros fatores, graças aos avanços do agronegócio, setor este que tem sido
responsável por resistir às crises institucionais em que passa o país, apresentando
sempre saldo positivo, de maneira que, este aumento na atividade externa do
agronegócio, historicamente se deve a uma série de fatores, principalmente
oriundos de políticas públicas em diversos segmentos, como a pesquisa,
assistência técnica, meio ambiente, produção, crédito e tecnologia.
Neves (2012, p. 13-16) lembra também que esta evolução ambiental é
caracterizada por uma grande oportunidade aberta ao Brasil para liderar uma
pauta de economia verde e do menor carbono, através das referidas certificações
e pagamentos por serviços ambientais, estimulando a produção de maior escala
com menores áreas, reduzindo perdas, que, na maioria das vezes atribuídas à
falta de gestão e conhecimento destes atuais instrumentos legais criados pelas
políticas públicas ambientais.
Este desafio do crescimento econômico em compatibilidade com a
preservação ambiental leva aos acordos internacionais entre estes grandes
players do mercado externo, mantendo o equilíbrio competitivo e o cumprimento
dos desafios da sustentabilidade sem extrapolar limites.
É notória a necessidade de estruturação institucional, política e jurídica
para o crescimento do setor alimentar no país e, por sua vez, as políticas públicas
estão intrinsicamente ligadas a este desafio para remover alguns entraves
burocráticos, comerciais e sociais, trazendo ideias para uma nova forma de
gestão baseada na governança colaborativa.
As políticas públicas, como já comentado, em sua constante adaptação à
realidade, precisa adequar-se ao modelo produtivo vigente, não mais encarado de
maneira rústica, muito mais tecnológico a produtivo, por isso devendo garantir
em plenitude cláusulas pétreas da Constituição Federal como o direito de
propriedade obedecido o devido processo legal, a manutenção da ordem
econômica, tributação regressiva, desembaraços em licenciamentos e acesso aos
recursos hídricos de maneira equilibrada para que o desenvolvimento rural,
realmente ocorra.
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CAPÍTULO 2

POLÍTICA AGRÍCOLA: ALGUNS
TRAÇOS JURÍDICOS INICIAIS

MARCOS PRADO DE ALBUQUERQUE
Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (1979), Mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (1982) e Doutorado em Direito pela Universidade de
São Paulo (1991). Atualmente é Professor Titular de Direito Agrário da
Universidade Federal de Mato Grosso. É membro da Associação Brasileira de
Direito Agrário - ABDA e da Associação Brasileira de Ensino do Direito -
ABEDi. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Agrário,
atuando principalmente nos seguintes temas: direito agrário - responsabilidade
civil - dano moral, teoria geral - direito civil.

VERA LÚCIA MARQUES LEITE
Graduou-se em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso em
1978.Possui Mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (1990). Graduou-se em Direito pela Universidade de Cuiabá em
1999. Doutoranda pelas Universidade Federal do Para-UFPA e Universidade
Federal de Mato Grosso-UFMT-DINTER. Atualmente é professora da Adjunto
III da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso_ UFMT,
onde leciona Direito Agrário e Estágio Supervisionado em Prática Jurídica. Área
de Interesse: Direito Agrário, Questões fundiárias.
INTRODUÇÃO
Tentar construir um esboço de como a política agrícola se apresenta ou
melhor de como ela está configurada no Ordenamento Jurídico brasileiro não é
uma tarefa fácil. Todavia é uma necessidade premente para a doutrina jurídica
brasileira. Pois, será o primeiro passo para a apreensão pretensamente totalizante
desse tema, que, por sua vez, é a condição indispensável para eventual controle
desse importante instrumento de realização de vários, se não todos, institutos
jusagrários brasileiros.[1]
Essas considerações acima expostas podem não ter sido as que levaram o
constituinte a construir o Capítulo III – Da Política Agrícola e Fundiária e da
Reforma Agrária, do Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira, da
Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB. Mas, a importância da
política agrícola para a consecução dos objetivos do Estado brasileiro foi
percebida, sendo demonstrada pela existência do próprio capítulo mencionado.
Esse argumento da importância da política agrícola para a realização das
finalidades do Estado estruturado pela CRFB deve, sem dúvida, calar fundo na
produção da doutrina jusagrária brasileira, porquanto ele tem indeclinável cunho
de valor fundante ou fundamental de qualquer edifício doutrinário que se
pretenda gerado a partir da normatividade constitucional vigente. De modo que
não se entende mais aceitável que, sob a égide da CRFB, o legislador ou o
agente público construa política agrícola que não leve em conta a sua
instrumentalidade para a realização da dignidade humana nas suas
multifacetadas dimensões.
A necessidade de, frequentemente, estar revisitando as questões agrícolas
em sede constitucional, como substrato de produção jurídica que dê estrutura a
indagações e a proteção jurídica ao agricultor, pode ser vista na decisão
prolatada no RE 859360 AgR, de relatoria do Min. Roberto Barroso[2], onde
questão tipicamente de política agrícola é tratada como algo diretamente ligada à
legislação ordinária, sem maiores perquirições, por falta de reflexões de
jusagraristas sobre o ângulo constitucional dessa política. É verdade que essa
decisão está amparada em jurisprudência já caudalosa de que a política agrícola,
em função do artigo 187, é dependente de legislação. Esse contínuo reexame,
entretanto, é sempre requisitado, até como instrumento de avanço da doutrina
jusagrarista brasileira.
Desse fenômeno provem, por sua vez, complexidade inerente à montagem
da política agrícola e à compreensão dela pelo jurista e pelo técnico.
Concretamente, pode-se apontar que a política agrícola no sistema constitucional
brasileiro está vinculada a realizações de aspectos de Direitos Sociais, como
moradia, alimentação, trabalho; com a efetivação da função social da terra (ou da
propriedade imobiliária rural ou da sustentabilidade agrária); e, ainda, com a
realização econômica da produção agrária. A dificuldade não pode ser, de forma
alguma, empecilho para buscar-se, incansavelmente, a sua elaboração e o seu
entendimento totalizante. Para o jurista essa compreensão deve começar pela
configuração dessa política agrícola expressa na CRFB. E, inicialmente, o local
que a Constituição garantiu à política agrícola foi no seu acima aludido Capítulo
III, do Título VII.
1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Conforme dito acima, a Constituição garantiu à política agrícola no
Capítulo III, do Título VII e, nesse Capítulo III, que tem na política agrícola o
ponto inicial do seu nome, ela vai aparecer no artigo 187, enquanto o Capítulo
começa no artigo 184. Denota-se com isso que o constituinte tinha
determinações mais prementes que as relativas à política agrícola. Porém,
também é de se notar, que ela vem logo após a explicitação do que seria a função
social da propriedade imobiliária rural, da terra ou da empresa agrária. Esses
elementos da topografia da normatividade constitucional servem para apontar a
vinculação, que se fará cada vez mais densa, entre a política agrícola e a função
social da terra ou, pode-se dizer, entre a política agrícola e a sustentabilidade
agrária.[3]
De qualquer maneira, o preceito constitucional se expressa da seguinte
forma:
Art. 187- A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a
participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e
trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de
armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: I – os
instrumentos creditícios e fiscais; II – os preços compatíveis com os custos de
produção e a garantia de comercialização; III – o incentivo à pesquisa e à
tecnologia; IV – a assistência técnica e extensão rural; V – o seguro agrícola;
VI – o cooperativismo; VII – a eletrificação rural e irrigação; VIII – a
habitação para o trabalhador rural. § 1.º - Incluem-se no planejamento agrícola
as atividades agroindustriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais. § 2.º -
Serão compatibilizadas as ações de política agrícola e de reforma agrária.
Derivada da leitura singela do preceito acima citado, percebe-se que a
Constituição brasileira enquadrou a política agrícola com os seguintes
caracteres: dependente de legislação; participativa (produtores, trabalhadores
rurais e setores econômicos vinculados); pluralidade de aspectos; englobante das
atividades agrárias conexas; compatibilização com a reforma agrária. Pode-se
considerar cada um desses pontos como diretrizes conformadoras da política
agrícola brasileira ou como princípios jurídicos dessa mesma política.
Corrobora o argumento acima o posicionamento apresentado por Francisco
Lagares Távora, nos seguintes dizeres:
Outra vantagem marcante para a área rural foi o fato de a Constituição de
Federal de 1988 elencar, em seu art. 187, os princípios que os trabalhadores,
produtores, governo e demais agentes envolvidos deveriam seguir na
formulação da política agrícola no País. Seu texto considera como bases para o
desenvolvimento integrado das políticas públicas para o setor: crédito
agropecuário, custeio, comercialização, incentivo à pesquisa e tecnologia,
assistência técnica e extensão rural, seguro agrícola, cooperativismo e
eletrificação, irrigação e habitação rurais.[4]
Ainda no mesmo local constitucional, somente que no artigo 188 “caput”,
a CRFB impõe o princípio da compatibilização da política agrícola com a
política fundiária brasileira, nos seguintes termos: “Art. 188- A destinação de
terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o
plano nacional de reforma agrária”.
Resta, pois, claro que a política agrícola brasileira deve ser
compatibilizada com a reforma agrária e com a política fundiária. Neste
momento da configuração do Ordenamento Jurídico do Brasil, pode-se dizer que
a compatibilização com a reforma agrária e com a política fundiária tem o
mesmo significado. Todavia, a CRFB permite e estrutura-se prevendo que a
política fundiária será uma e a reforma agrária poderá ser outra. E, nesta
hipótese, a política agrícola deverá ser compatível com ambas. É o que poderia
ser considerado o princípio da compatibilização da política agrícola brasileira.
Compatibilização externa, pois se está falando de institutos que se colocam no
âmbito jusagrário do Ordenamento – como a política agrícola –, mas são
exógenos a essa mesma política agrícola. Deverão ser compatíveis, mas são
políticas específicas.
Como se viu, a política agrícola determinada na Constituição federal
brasileira, no seu art. 187, é dependente de legislação. A própria CRFB, no Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, artigo 50, exprime os
conteúdos dessa lei, estatuindo:
Art. 50- Lei agrícola a ser promulgada no prazo de um ano disporá, nos termos
da Constituição, sobre os objetivos e instrumentos de política agrícola,
prioridades, planejamento de safras, comercialização, abastecimento interno,
mercado externo e instituição de crédito fundiário.
Assim, de modo muito particular, a política agrícola brasileira estabelecida
pela Constituição no seu art. 187 vai ter uma interpretação ou, melhor, uma
regulamentação pelo próprio constituinte originário no ADCT. Desconhece-se
qualquer contestação à concordância entre o que se estabeleceu na CRFB, art.
187 e o estatuído no ADCT, art. 50. Deve-se tomar o cuidado para marcar que o
artigo 187 constitucional determina que a política agrícola é dependente de lei e
o artigo 50 da ADCT indica os conteúdos dessa lei. Ao impor prazo para a
edição dessa lei (um ano) deixa antever que não haveria atuação estatal em
termos de ação de política agrícola sem lei que anteriormente não a tivesse
previsto.
Esse posicionamento é contestado por Ives Gandra da Silva Martins, já na
década dos 90 do Século XX, dizendo:
É de se lembrar que o dispositivo do art. 187 é autoaplicável, independente de
lei, na medida em que constitui garantia fundamental oferendada aos
responsáveis pela alimentação do país, que são os produtores rurais, sobre
gerarem divisas necessárias ao equilíbrio da balança comercial e do balanço de
pagamentos (sic).[5]
Evidente está, que o autor do trecho acima vincula a política agrícola à
realização da função social da propriedade. A política agrícola é entendida como
instrumento para atendimento da função social da propriedade ou, em outras
palavras, da consecução na atividade produtiva do agricultor da sustentabilidade
agrária. Como anteriormente já registrado neste texto.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA
LIMINAR. PROJETO DE LEI. VETO DO PODER EXECUTIVO.
DERRUBADA DO VETO. MEDIDA PROVISÓRIA QUE TRATA DA
MESMA MATÉRIA. OFENSA AO ARTIGO 2º DA CF/88: INEXISTÊNCIA.
AFRONTA AO ARTIGO 187 DA CF/88. NORMA DE CONTEÚDO
PROGRAMÁTICO. I - O ritual previsto na Carta da República no que
concerne ao veto presidencial a projeto de lei oriundo do Congresso Nacional,
bem como à sua rejeição, foi observado. Não há, no caso, reedição de uma
norma promulgada mediante derrubada de veto. Aspecto de bom direito não
demonstrado. II - O artigo 187 da Constituição Federal é norma programática
na medida em que prevê especificações em lei ordinária. Ausência, à primeira
abordagem, da tese da inconstitucionalidade material. Medida liminar
indeferida. (ADI 1330 MC, Relator(a): Min. FRANCISCO REZEK, Tribunal
Pleno, julgado em 10/08/1995, DJ 20-09-2002 PP-00087 EMENT VOL-
02086-01 PP-00142)
Percebe-se, com essa decisão, que o assunto foi objeto de análise do
Supremo Tribunal Federal – STF e mereceu o reconhecimento de que a política
agrícola no Brasil somente se efetiva mediante legislação que trate do tema.
Entretanto, é sem dúvida alguma, assunto ainda sujeito a indagações, visto a sua
vinculação com os direitos fundamentais e sociais constitucionalmente
estabelecidos.
Como amparo ao argumento acima, deve-se considerar aquilo que Luís
Roberto Barroso denominou de movimento pela efetividade constitucional,
fazendo a seguinte assertiva:
Para realizar seus propósitos, o movimento pela efetividade promoveu, com
sucesso, três mudanças de paradigma na teoria e na prática do direito
constitucional no país. No plano jurídico, atribuiu normatividade plena à
Constituição, que se tornou fonte de direitos e de obrigações,
independentemente da intermediação do legislador.[6]
E mais à frente, o mesmo autor, apresenta razões que reforçam a
importância da permanente revisitação do texto constitucional, mesmo em
tópicos já tidos como assentados, expondo os motivos que legitimariam uma
nova hermenêutica:
No conjunto de idéias ricas e heterogêneas que procuram abrigo nesse
paradigma em construção, incluem-se a reentronização dos valores na
interpretação jurídica, com o reconhecimento de normatividade aos princípios
e de sua diferença qualitativa em relação às regras; a reabilitação da razão
prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica; e o
desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre a
dignidade da pessoa humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação
entre o Direito e a Ética.[7]
Falou-se acima da legitimidade da hermenêutica, é conveniente atentar
para a questão da legitimidade da política agrícola. Neste passo, assume-se a
conclusão de Gianpaolo Poggio Smanio sobre a legitimidade de política pública
em geral, nos seguintes dizeres:
Os valores fundamentais adotados pela Constituição Federal transformam-se
em princípios gerais de direito e passam a ser base racional-filosófica para
qualquer exercício dos poderes constituídos do Estado. A cidadania,
considerada em todas as suas dimensões, é um desses valores, refletida em
princípio geral de direito para a atuação do Estado Democrático e Social de
Direito. As Política Públicas somente ganham legitimidade, portanto, nessa
dimensão.[8]
De qualquer sorte, a CRFB, no seu artigo 187, aponta que “a política
agrícola será realizada e executada na forma da lei...” Portanto, deve-se ver
como a legislação brasileira vai discorrer sobre o tema.
2 ESTATUTO DA TERRA
Política agrícola não é objeto do discurso jurídico positivo somente na e
após a Constituição brasileira de 1988. Ela vem sendo objeto da legislação no
Brasil há muito tempo. Bastam recordar a Lei N.º 454 de 1937 (09/07/37 – cria o
crédito rural), assim como a Lei N.º 492 de 1937 (30/08/37 – que dispõe sobre o
penhor rural e institui a cédula rural pignoratícia). Nesse mesmo período
histórico brasileiro, outros instrumentos de política agrícola estabelecidos em lei
serão editados, já na dinâmica de adequação do meio agrário ao processo de
industrialização do país. Alerta-se, ainda, que não se quer afirmar que somente
nessa quadra histórica brasileira a legislação preocupou-se com o assunto, mas
apenas atestando que elementos da política agrícola já eram objeto do discurso
legislativo há muito tempo.[9]
Entretanto, de modo sistemático, ou com maior precisão, com a
denominação de política agrícola, somente vai aparecer com a edição da Lei N.º
4.504 de 1964 – Estatuto da Terra – ET. Este diploma legislativo foi
encaminhado pela Mensagem Presidencial ao Congresso Nacional N.º 33 à guisa
de justificativa, que no seu tópico 18, diz que o Projeto de lei (do ET) “Visa
também a modernização da política agrícola do País ...”[10] E logo no seu artigo
1.º, ele vai tratar do tema, lecionando:
Art. 1.º- Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis
rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política
Agrícola.
(...)
Assim, poder-se-ia dizer que, com pretensão sistemática, pela primeira vez
uma lei brasileira pretendeu tratar da política agrícola. E, ainda no mesmo
preceito, mais adiante, conceitua essa política agrícola, ditando:
(...)
§ 2.º- Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à
propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia
rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno
emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do País.
Contudo, depois disso o ET não mais trata da política agrícola. Mais
adiante, vai tratar de uma política, mas com outra denominação. É o seu “Título
III – Da Política de Desenvolvimento Rural”, que engloba quatro capítulos: I-
Da Tributação da Terra; II- Da Colonização; III- Da Assistência e Proteção à
Economia Rural; IV- Do Uso ou Da Posse Temporária da Terra. Não se pode
dizer que a política de desenvolvimento rural coincida com a política agrícola
conceituada no acima citado art. 1.º, § 2.º do ET, necessitando simplesmente
fazer o cotejo dos temas dos seus capítulos com o conteúdo da regra
mencionada, para chegar-se a este posicionamento.
Por outro lado, se se tomar somente o Capítulo III- Da Assistência e
Proteção à Economia Rural, ver-se-á, desde o caput da norma vestibular dele, a
vinculação com o desenho de política agrícola feita pelo ET, no seu falado art.
1.º, § 2.º. De modo que, no âmbito do ET, política agrícola é assistência e
proteção à economia rural.
Nesse sentido, inclusive, está decisão do Tribunal de Justiça de Mato
Grosso – TJMT postulando que:
(...) a política agrícola de caráter protetivo e de incentivo, permite que o Estado
concretize e efetive os preceitos constitucionais da Ordem Econômica e
Financeira, definidos no art. 174 e art. 187, I da CF, e também no Estatuto da
Terra - Lei nº. 4.504 de 30.11.1964, que prevê a assistência e a proteção a
economia rural.[11]
É desejável aqui apresentar a concepção de política agrícola de Antonino
C. Vivanco, doutrinador que tanto tem influenciado o jusagrarismo brasileiro, e
que configura política agrícola como uma espécie de política agrária, nestes
termos: “La política agrícola en cambio sólo se refiere a la actividad agrícola o
sea al cultivo y a la cria, a la actividad agropecuária en general y en particular a
la actividad productiva agropecuária.”[12]
Pode-se afirmar, então que, no bojo da política agrícola regida pelo ET, a
atuação estatal consistirá em ações de amparo à unidade produtiva agrária,
buscando indicar, via fiscalização, incentivo e planejamento das atividades
agrárias, a assistência e a proteção da economia rural. Estas últimas são
explicitadas pelo artigo 73 do ET, sendo a assistência nos seus tipos: social,
técnica e fomentista e a proteção via estímulo à produção agropecuária. Tudo
tendo como objetivo o atendimento “do consumo nacional e a obtenção de
excedentes exportáveis” (ET, art. 73).
No mesmo dispositivo legal são apresentados os meios ou instrumentos de
efetivação da política agrícola. Eles são os seguintes: I- assistência técnica; II-
produção e distribuição de sementes e mudas; III- criação, venda e distribuição
de reprodutores e uso de inseminação artificial; IV- mecanização agrícola; V-
cooperativismo; VI- assistência financeira e creditícia; VII- assistência à
comercialização; VIII- industrialização e beneficiamento dos produtos; IX-
eletrificação rural e obras de infraestrutura; X- seguro agrícola; XI- educação,
através de estabelecimentos agrícolas de orientação profissional; XII- garantia de
preços mínimos à produção agrícola.
É de se notar que esse elenco de instrumentos que se acaba de apresentar é
bastante semelhante ao trazido pela CRFB, art. 187, incisos. Contudo, não são
listagens iguais. Há ausência de tópicos de uma que não aparece na outra norma.
Existem modificações na maneira de descrever itens presentes nos dois
dispositivos. Este fato, aparentemente sem maior importância, pode dar relevo à
questão da recepção do ET, pela CRFB neste tema.
Sublinha-se, entretanto, que o rol contido nos incisos do artigo 187 da
CRFB trata de aspectos que a política agrícola brasileira deverá abordar.
Enquanto que o dos incisos do artigo 73 do ET trata de “meios” da política
agrícola do Brasil. Evidentemente, somente essas considerações não exaurem a
discussão da recepção do ET pela CRFB nessa seara, porém dão um robusto
substrato à indicação de que houve recepção.
O ET no seu Título III, Capítulo III, divide-se em seções, cada uma delas
relativa a um dos instrumentos que foram apresentados acima. Curiosamente,
somente dois meios não merecem uma seção específica sobre eles. São: “a
educação, através de estabelecimentos agrícolas de orientação profissional” e
“garantia de preços mínimos à produção agrícola”. O primeiro não tem
correspondência no elenco dos incisos do artigo 187 da CRFB, porém o segundo
vai aparecer com a seguinte redação: “os preços compatíveis com os custos de
produção e a garantia de comercialização”.
3 A LEI N 8.171 DE 1991
Pode-se, repetindo o que já foi dito neste texto, dizer que a CRFB, no seu
artigo 187, impõe a necessidade de legislação sobre a política agrícola. Essa
mesma Constituição no seu ADCT, art. 50, estabelece alguns conteúdos dessa
lei. E o legislador, dando cumprimento a esses ditames constitucionais emite a
Lei N. 8.171 de 1991, que “dispõe sobre a política agrícola”. Esse diploma
legislativo será meditado neste texto seguindo alguns de seus eixos estruturantes
ou aspectos.
Essa Lei N. 8.171/91 – Lei de Política Agrícola divide-se em vinte e três
capítulos. São eles: I- Dos princípios fundamentais; II- Da organização
institucional; III- Do planejamento agrícola; IV- Da pesquisa agrícola; V- Da
assistência técnica e extensão rural; VI- Da proteção ao meio ambiente e da
conservação dos recursos naturais; VII- Da defesa agropecuária; VIII- Da
informação agrícola; IX- Da produção, da comercialização, do abastecimento e
da armazenagem; X- Do produtor rural, da propriedade rural e sua função social;
XI- Do associativismo e do cooperativismo; XII- Dos investimentos públicos;
XIII- Do crédito rural; XIV- Do crédito fundiário; XV- Do seguro agrícola; XVI-
Da garantia da atividade agropecuária; XVII- Da tributação e dos incentivos
fiscais; XVIII- Do fundo nacional de desenvolvimento rural; XIX- Da irrigação
e drenagem; XX- Da habitação rural; XXI- Da eletrificação rural; XXII- Da
mecanização agrícola; e XXIII- Das disposições finais. Indubitavelmente, uma
lei geral (quase um código) sobre a política agrícola.
Ao fazer o cotejamento dos capítulos da Lei 8171/91, acima transcritos,
com os conteúdos determinados pelo ADCT no art. 50, aparentemente alguns
assuntos determinados por este preceito não estão contemplados pela Lei. Pode-
se indicar como inclusos nesta situação de ausência aparente: objetivos;
instrumentos; prioridades; e mercado externo. Efetivamente é uma ausência
aparente no tocante aos objetivos e instrumentos, pois eles estão presentes não
como capítulos da lei, mas são temas dos artigos 3.º e 4.º do documento legal.
Com relação a prioridades, o mesmo não pode ser dito, malgrado ser tema
peculiar do planejamento agrícola. Do mesmo modo, o mercado externo não é
assunto específico de capítulo algum ou de dispositivos da lei.
Lutero de Paiva Pereira, ao tratar da Emenda constitucional que
reconheceu a alimentação como um direito social, tece o seguinte comentário,
que indica a importância da Lei de Política Agrícola:
De toda sorte, para que o Estado assegure ao cidadão a efetividade do direito à
alimentação como algo essencial à preservação da vida, não só de
regulamentação especial terá que se valer, como também, e o que é mais
importante, das condições básicas para a sua materialização que consiste na
disponibilidade de produtos que a isto se prestem.
Como, no entanto, por expressa vedação constitucional, o Estado está
terminantemente proibido de envolver-se com a exploração direta de atividade
econômica, a não ser nos casos em que a Constituição faz ressalva, o que não
contempla a agricultura, ou naqueles acobertados por lei, o que também não se
aplica, outra coisa não lhe cabe senão zelar pelo desenvolvimento da atividade
primária, fomentando-a através dos instrumentos e ações previstas na Lei
8.171/91, conhecida como Lei Agrícola.[13]
A Lei 8.171/91, assim, é resposta do legislador ao encargo dado pelo
constituinte no ADCT. Como Lei de Política Agrícola brasileira estabelece os
pontos de partida ou premissas para o Estado formular a proteção, fiscalização e
incentivo à produção agropecuária, ao mesmo tempo em que estatui as
finalidades dessa política e os seus instrumentos ou caminhos de concretização.
De modo que uma aproximação analítica dessa Lei, mesmo que inicial, deve
começar por verificar como se apresentam nela os seus princípios.
3.1 PRINCÍPIOS
A pergunta pertinente nesta altura é: se o artigo 187 da CRFB e o artigo 50
do ADCT não fazem referência aos princípios jurídicos específicos à política
agrícola no Brasil, qual seria a razão de se tratar do tema? Essa é uma questão
que o interessado no mundo jurídico brasileiro, de maneira assaz ligeira
reconhece a sua importância teórica e prática. Uma vez que o Direito brasileiro
tem evoluído, a partir da promulgação da CRFB, tendo como um dos seus
centros de estímulo o desenvolvimento dos princípios jurídicos (constitucionais,
legais ou lógicos). E, bastante relevante, os princípios são tema do capítulo
vestibular da Lei de Política Agrícola brasileira.
Há mais uma questão a ser enfrentada em sede dos princípios, que consiste
no fato de que a Lei 8.171/91 – salvo no título do citado Capítulo I (Dos
princípios fundamentais) – não apresenta explicitamente coisa alguma como
princípio. Mas, se se tomar princípio jurídico no sentido de algo que está no
início, algo a partir do que se deduzem sentidos e significados; como valores
informativos, ver-se-á que logo no artigo 2.º, a Lei estabelece que a “política
agrícola fundamenta-se nos seguintes pressupostos...” Claramente, estatui os
valores que, para o bem ou para o mal, devem ser considerados na concepção, no
planejamento, na execução e no controle judicial – entre outros – da política
agrícola, quando ela estiver expressa em termos de planejamento agrícola. Vale
dizer são princípios jurídicos da política agrícola brasileira.
Não se recusa, com a exposição acima, a conceituação de princípios feita
por Robert Alexy, que é extremamente válida em sede de políticas públicas
como é a política agrícola. Alexy leciona em diversas ocasiões que:
(...) princípio são normas que comandam que algo seja realizado na maior
medida possível em relação às possibilidades fáticas e jurídicas. Princípios são
portanto comandos de otimização. Enquanto tais eles são caracterizados por
poderem ser cumpridos em diferentes graus e pelo fato de a medida
comandada de sua realização depender não só das possibilidades fáticas, mas
também das possibilidades jurídicas. As possibilidades jurídicas são
determinadas por regras e essencialmente por princípios opostos.[14]
É de se ver que anteriormente afirmou-se que se extraía da CRFB, art. 187,
algumas diretrizes ou princípios (Vide tópico 2 deste artigo). E agora se buscam
ou apontam-se princípios jurídicos para a política agrícola brasileira na Lei
8171/91. Deve-se dizer que não há contradição entre os dois posicionamentos,
pois é possível falar-se em princípios constitucionais e princípios legais da
política agrícola. Pode-se assinalar que aqui seria o caso. Têm-se princípios
constitucionais: todos eles ligados à construção do quadro normativo donde
surgirão as opções escolhidas politicamente para o planejamento das ações de
política agrícola do País. Somente serão tidas como normas jurídicas de política
agrícola aquelas que obedeçam ou tenham os caracteres dos princípios de
política agrícola constitucional. As lacunas, as aparentes antinomias, a
hermenêutica dessa normatividade serão preenchidas, serão sanadas ou será feita
utilizando-se os princípios legais da política agrícola brasileira. Não há
obrigatoriedade de que cada tipo de princípio tenha esta ou aquela função
específica. Parece que tal divisão de tarefas ocorreu no sistema jurídico de
política agrícola brasileiro (se de forma espontânea ou intencional – não
importa).
Os princípios, que poderiam ser extraídos do artigo 2.º da Lei de Política
Agrícola, estão insertos nos seis incisos do dispositivo legal. Aqui serão
expressos em locuções sintéticas, pois se compreende a sua revelação no inciso
como início de seu adensamento. A política agrícola somente pode ser
compreendida como tal se ela se manifesta com obediência a todos esses
princípios; somente se ela se revela como fórmula mais concreta da coordenação
entre esses princípios e de realização deles.
De maneira que, seguindo a ordem apresentada pelo dispositivo, aparecerá
como fundante da política agrícola brasileira o princípio de que a atividade
agrícola envolve recursos naturais que devem ser utilizados e gerenciados
segundo normas e princípios de interesse público. O inciso I do art. 2.º da Lei de
Política Agrícola indica, desvenda ou adensa o princípio, apontando que esse
interesse público estaria no cumprimento da função social da propriedade. Um
discurso imenso está embutido no princípio como não poderia deixar de ser.
Veja-se a vinculação da atividade agrícola com os recursos naturais; a utilização
e gerenciamento desses mesmos recursos naturais; a natureza de interesse
público das normas e princípios dessa política (não exclusivamente pública, mas
de interesse público).
O inciso II do art. 2.º da Lei de Política Agrícola vai apresentar o princípio
de que o “setor agrícola é constituído por segmentos” que “respondem
diferenciadamente às políticas públicas e às forças do mercado”. Nessa mesma
ocasião, a Lei exemplifica o que seria esses segmentos, registrando os seguintes:
“produção, insumos, agroindústria, comércio, abastecimento e afins”. O
interessante é destacar que deve ser reconhecida a diversidade do mundo
agrícola sob o ângulo das suas respostas às ações de política agrícola, isto é, é
aceitável o tratamento diferenciado dos segmentos, desde que escorado na
comprovação da respectiva resposta à ação da política agrícola.
A Lei 8171/91, no art. 2.º, inciso III, porta o princípio de que uma das
finalidades da política agrícola é buscar a equalização da rentabilidade da
agricultura com a dos outros setores da economia. Esse é o princípio justificador
de eventuais subsídios.[15] Significa sustentação de modos de garantir ao
realizador das finalidades econômicas e sociais do recurso natural em utilização,
remuneração que torne a atividade minimamente viável comparativamente às
atividades de outros setores da economia. Pois, nos termos do preceito “a
agricultura deve proporcionar (...) rentabilidade compatível com a de outros
setores” econômicos.
O princípio do adequado abastecimento alimentar vem consignado. Ele
deve ser compreendido não como objetivo da política agrícola, mas como
condicionante da sua concepção, planejamento, execução e avaliação. O
adequado abastecimento alimentar compreende considerar as vertentes da
segurança alimentar: capacidade de produção; alimento acessível; alimento
saudável; alimento nutritivo; alimento culturalmente aceitável. Este princípio
vem registrado na Lei de Política Agrícola, no art. 2.º, inciso IV.
A mesma Lei 8171/91, no mesmo art. 2.º, no seu inciso V, postula o
princípio da heterogeneidade dos estabelecimentos rurais. O conteúdo desse
princípio propugna pela necessidade de reconhecimento de que os
estabelecimentos agrários são diversos nos seus diferentes pontos
caracterizadores. A norma aponta alguns deles, dentre os quais, por sua vez,
cita-se, como exemplo: “estrutura fundiária”; “disponibilidade de infraestrutura”;
“níveis tecnológicos”; etc.
É de se notar que esse princípio da heterogeneidade dos estabelecimentos
agrários tem produzido efeitos no âmbito da organização institucional do Poder
Público. Alguns deles descritos por Pereira da seguinte forma:
No âmbito do Poder Executivo, a partir de 1999 ocorreu uma importante
divisão na política agrícola: criou-se o então denominado Ministério da
Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário (a partir de 2001, passou a
chamar-se Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA), encarregado dos
assuntos fundiários e do apoio aos assentados (reforma agrária) e aos
agricultores familiares. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
– MAPA permaneceu encarregado dos demais assuntos envolvendo o setor
agropecuário.
Em 2009 foi criado o Ministério da Pesca e da Aquicultura – MPA; os assuntos
respectivos já haviam deixado a Pasta da Agricultura em 1989 (passando ao
Ibama) e, após um breve retorno em 1998, foram novamente destacados em
2003 (Secretaria Especial vinculada à Presidência da República,
posteriormente transformada no MPA).[16]
Por fim, o inciso VI, do art. 2.º, da Lei de Política Agrícola explicita o
princípio de que a atividade agrária deve proporcionar ao rurícola o acesso aos
serviços essenciais e benefícios sociais. Vale dizer que a política agrícola
brasileira deve caracterizar-se por garantir ao agricultor (empresário, proprietário
ou trabalhador), isto é, àquele que se dedica à atividade agrária, possibilidade de
utilização, de oferta de serviços essenciais e benefícios sociais. Se há uma
equalização de rentabilidade, neste princípio se propõe a equalização de acesso a
bens sociais e culturais. São considerados, pelo dispositivo, serviços essenciais e
benefícios sociais: “saúde, educação, segurança pública, transporte, eletrificação,
comunicação, habitação, saneamento, lazer”.
Estes são os princípios legais da política agrícola no Brasil. Não se deve
ter a leitura de que esses princípios são as finalidades. Eles são premissa, são
valores, são condicionantes dessa política. As finalidades serão expressas nos
seus objetivos.
3.2 OBJETIVOS
Foi dito anteriormente que o ADCT, no seu art. 50, determina que a lei de
política agrícola a ser construída deveria dispor, entre outras coisas, sobre os
seus objetivos. Também já foi visto que eles não são tema de um capítulo da lei
que veio dar resposta a essa obrigação determinada pelo ADCT. Porém, os
objetivos são sim conteúdos da Lei de Política Agrícola, explicitamente, no seu
art. 3.º e incisos.
Esse dispositivo legal, ao ser examinado, deixa claro que porta um
objetivo geral e quatorze objetivos específicos. O primeiro (objetivo geral) está
consignado no inciso I, do art. 3.º, da Lei 8171/91, que, talvez, devesse ser o
próprio caput do artigo. Uma vez que tem outras funções vinculantes da política
agrícola ao diploma constitucional brasileiro, sobretudo, quando ela aparece
como planejamento do setor. É assim que, praticamente, repete o teor do caput
do artigo 174 da CRFB, acrescentando algumas finalidades desse planejamento:
“promover, regular, fiscalizar, controlar, avaliar atividade e suprir necessidades”.
O planejamento que se descreve deve visar o “incremento da produção e da
produtividade agrícolas”. Não deve descurar da “regularidade do abastecimento
interno, especialmente alimentar”. Além de procurar gerar a “redução das
disparidades regionais”.
Não há indicação alguma no bojo do artigo 3.º mencionado de que haja
uma hierarquia entre os objetivos da política agrícola, salvo aquela que a lógica
impõe entre o geral e os objetivos específicos. Por consequência, entre aqueles
que se está aqui dando o nome de objetivos específicos, a precedência que,
eventualmente, vier a existir, decorrerá das necessidades que as ações que os
concretizem venham exigir. Exemplificando: as ações de fomento da atividade
agrária típica produtiva, deve ser anterior e prioritária em relação a uma
agroindústria que irá trabalhar com o resultado da atividade produtiva agrária
típica (há que se ter produção de cana-de-açúcar, para se ter agroindústria de
produção de álcool e/ou açúcar).
O que se observa é que entre os quatorze objetivos específicos, a Lei
arrola-os seguindo quatro maneiras de exprimi-los. Serão esses modos que irão
nortear a verificação desse tipo de objetivos consignados na Lei. Ao agrupá-los
(somente um restará solitário), almeja-se tornar sintética a descrição deles neste
momento, ao mesmo tempo em que se sublinha uma eventual junção entre eles e
já se pratica uma espécie de exegese jurídica.
Objetivos específicos são trazidos pela Lei 8171/91, no seu art. 3.º, como
etapas de consecução de ações desejadas ou imprescindíveis para o perfeito
funcionamento do mundo agrário. Neste grupo, podem-se incluir os incisos II e
VI, do artigo. Por eles, a Política Agrícola brasileira tem por finalidade
“sistematizar a atuação do Estado” e “promover a descentralização da execução
dos serviços públicos de apoio ao setor rural”.
O maior grupo de objetivos específicos é aquele em que os objetivos vêm
expressos com as suas explicações ou com as suas condicionantes. Isto pode ser
visto na Lei 8171/91, art. 3.º, nos incisos III, VII, VIII, IX, X, XI. Estas regras
determinam que a Política Agrícola brasileira deve ter por alvos: “eliminar as
distorções”, “compatibilizar as ações de política agrícola com as de reforma
agrária”, “promover e estimular o desenvolvimento da ciência e da tecnologia
agrícola”, “possibilitar a participação efetiva de todos os segmentos atuantes no
setor rural”, “prestar apoio institucional ao produtor rural”, “estimular o processo
de agroindustrialização”. Em todos eles, como se expos, a Lei como que adjetiva
o objetivo, explicando-o ou condicionando-o. Como exemplo, pode-se apontar o
inciso VII, que ao lado do objetivo de “compatibilizar as ações de política
agrícola com as de reforma agrária”, vem a condicionante, “assegurando aos
beneficiários o apoio à sua integração ao sistema produtivo”.
Deve-se registrar que a política agrícola, enquanto documento jurídico,
pode ter esses objetivos de modificação da realidade social, como traduzidos em
diversos dos incisos citados anteriormente. É o que diz Eros Roberto Grau neste
trecho:
Logo, no modo de produção capitalista, tal qual em qualquer outro modo de
produção, o direito atua também como instrumento de mudança social,
interagindo em relação a todos os demais níveis – ou estruturas regionais – de
estrutura social global.[17]
O segundo grupo mais numeroso é aquele em que os objetivos específicos
são expressos sem explicações, condicionantes, indicações de que seja etapa para
o atingimento de um outro alvo ou mesmo de sua conceituação. Estão nesta
categoria na Lei 8171/91, art. 3.º, os incisos XIII, XIV, XV, XVI, XVII. A
Política Agrícola brasileira tem por objetivos, entre outros: “promover a saúde
animal e a sanidade vegetal”, “promover a idoneidade dos insumos e serviços
empregados na agricultura”, “assegurar a qualidade dos produtos de origem
agropecuária, seus derivados e resíduos de valor”, “promover a concorrência leal
entre os agentes que atuam nos setores e a proteção destes em relação a práticas
desleais e a riscos de doenças e pragas exóticas no País”, “melhorar a renda e a
qualidade de vida no meio rural”.
Há ainda um único objetivo específico que não se insere em nenhum dos
grupos anteriores. É o que vem contido na Lei 8171/91, art. 3.º, inciso IV. O
dispositivo traz o objetivo específico e conceitua-o. Esta conceituação não é
dada de maneira tradicional ou clássica, mas pelo apontar de outros aparentes
objetivos. Assim, a Política Agrícola brasileira deverá “proteger o meio
ambiente”. Consiste essa proteção em “garantir o seu uso racional” e quando não
ocorre “estimular a recuperação dos recursos naturais”.
Parte-se, pois, de pressupostos fundamentais para atingirem-se
determinadas finalidades. Estas, como não poderiam deixar de ser, são em parte
ditadas pela Constituição e, em parte escolhas políticas do legislador. A maneira
como ele se expressa é um elemento essencial, pois é a própria norma que deste
modo se desvincula do legislador e passa a ser veículo do seu intérprete. Entre os
pressupostos fundamentais – princípios da política agrícola – e as finalidades
dessa mesma política – objetivos – intervém outra instância, (o iter) constituída
pelos instrumentos ou ações da política agrícola. Estes últimos importantes, dir-
se-ia importantíssimos, mas não serão tratados neste texto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da política agrícola no Ordenamento Jurídico brasileiro é uma
tarefa que merece ser contínua e aprofundada cada vez mais, pois somente dessa
forma conseguir-se-á construir um edifício doutrinário que a torne passível de
submissão ao escrutínio eficaz do mundo jurídico. Não é, de maneira alguma,
tarefa das mais fáceis. Entretanto, esse encargo tem algo de fascinante, posto ser
– a política agrícola – um instrumento relevante para a consecução de vários
objetivos constitucionalmente estabelecidos do Estado brasileiro. E isso passa a
ser, em si, um valor fundamental dessa política agrícola. De modo que não se
entende mais aceitável que, sob a égide da CRFB, o legislador ou o agente
público construa política agrícola que não leve em conta a sua instrumentalidade
para a realização da dignidade humana nas suas multifacetadas dimensões, sem
descurar da sua função específica de realização econômica e racional da
produção agrária.
Na CRFB, a política agrícola vai aparecer no bojo do Título VII, no seu
Capítulo III, que trata, exatamente, da Política Agrícola e Fundiária e da
Reforma Agrária – o chamado capítulo agrarista da Constituição brasileira. A
própria localização da política agrícola no contexto constitucional já denota a
sua vinculação com a sustentabilidade agrária expressa na tessitura
constitucional brasileira como função social da propriedade rural. Derivada da
leitura singela do preceito contido na CRFB, art. 187, incisos e parágrafos, e no
art. 188, percebe-se que a Constituição brasileira enquadrou a política agrícola
com os seguintes caracteres: dependente de legislação; participativa (produtores,
trabalhadores rurais e setores econômicos vinculados); pluralidade de aspectos;
englobante das atividades agrárias conexas; compatibilização com a reforma
agrária e com a política fundiária. Todos esses traços caracterizadores da política
agrícola brasileira estabelecidos pela Constituição devem merecer uma constante
revisita por parte do jusagrarista, pois é essa a forma de evolução da doutrina,
mesmo em temas que, aparentemente, são pacíficos. Como é o caso, à guisa de
exemplo, da consideração de que a norma do artigo 187 acima mencionado é
programática.
A legislação, que trata de elementos da política agrícola no Brasil, é já
longeva, citando-se como exemplares dela leis de aspectos do crédito rural
editadas na década dos trinta do Século passado. Todavia, de modo sistemático,
vai aparecer no Estatuto da Terra que, logo no caput do seu artigo 1.º, fala que
tem por finalidade a promoção da política agrícola. E no § 2.º desse mesmo
dispositivo conceitua a política agrícola. Mais à frente no seu desenrolar essa
política agrícola vai desaparecer e aparecerá a política de desenvolvimento rural
e no interior desta a assistência e proteção à economia rural, que, efetivamente,
vai tratar da política agrícola. Pode-se afirmar, então que, no âmbito da política
agrícola regida pelo ET, a atuação estatal consistirá em ações de amparo à
unidade produtiva agrária, buscando indicar, via fiscalização, incentivo e
planejamento das atividades agrárias, a assistência (de caráter social, de caráter
técnico e de caráter fomentista) e a proteção (via estímulo à produção
agropecuária) da economia rural. Tudo tendo como objetivo o atendimento “do
consumo nacional e a obtenção de excedentes exportáveis”.
A Lei N.º 8.171 de 1991 – Lei de Política Agrícola – Lei Agrícola é
resposta do legislador ao encargo dado pelo constituinte no ADCT, através do
artigo 50. Como Lei de Política Agrícola brasileira estabelece os pontos de
partida ou premissas para o Estado formular a assistência, proteção, fiscalização
e incentivo à produção agropecuária, ao mesmo tempo em que estatui as
finalidades dessa política e os seus instrumentos ou caminhos de concretização.
É de se realçar que a política agrícola na história jurídica brasileira apresenta-se,
inicialmente, com leis tratando de aspectos dela, evolui para uma Lei (ET) que
busca tratá-la juntamente com outros segmentos do mundo agrário brasileiro e,
com a Lei 8.171/91, passa a ser objeto exclusivo de uma lei geral.
Se se tomar princípio jurídico no sentido de algo que está no início, algo a
partir do que se deduzem sentidos e significados; como valores informativos,
ver-se-á que logo no artigo 2.º, a Lei 8.171/91 estabelece que a “política agrícola
fundamenta-se nos seguintes pressupostos...” Estatui os valores, que devem ser
considerados na concepção, no planejamento, na execução e no controle judicial
da política agrícola. Vale dizer são princípios jurídicos da política agrícola
brasileira. Os princípios devem ser tomados na concepção de comandos de
otimização, sobretudo em sede de política pública, como é a política agrícola. É
possível falar-se, no caso brasileiro, em princípios constitucionais e princípios
legais da política agrícola. Eles apresentam-se, inclusive, com funções diversas.
Somente serão tidas como normas jurídicas de política agrícola aquelas que
obedeçam ou tenham os caracteres dos princípios de política agrícola
constitucional. As lacunas, as aparentes antinomias, a hermenêutica dessa
normatividade serão preenchidas, serão sanadas ou será feita utilizando-se os
princípios legais da política agrícola brasileira. Nesta última categoria de
princípios, podem-se vislumbrar seis que estão estampados na Lei 8.171/91, no
seu artigo 2.º, incisos.
Os objetivos são conteúdos da Lei de Política Agrícola, explicitamente, no
seu art. 3.º e incisos. Esse dispositivo legal, ao ser examinado, deixa claro que
porta um objetivo geral e quatorze objetivos específicos. O primeiro (objetivo
geral) está consignado no inciso I, do art. 3.º, da Lei 8171/91, que tem outras
funções vinculantes da política agrícola ao diploma constitucional brasileiro. É
assim que apresenta algumas finalidades desse planejamento: “promover,
regular, fiscalizar, controlar, avaliar atividade e suprir necessidades”. O
planejamento que se descreve deve visar o “incremento da produção e da
produtividade agrícolas”. Não deve descurar da “regularidade do abastecimento
interno, especialmente alimentar”. Além de procurar gerar a “redução das
disparidades regionais”. Salvo este alvo, todos os demais já se encontram
previstos nas finalidades da assistência e proteção à economia rural do ET. Não
há indicação alguma no bojo do artigo 3.º mencionado de que haja uma
hierarquia entre os objetivos da política agrícola, salvo aquela que a lógica
impõe entre o geral e os objetivos específicos.
Estas são algumas reflexões sobre a política agrícola, no quadro da
tradição jusagrária brasileira, possíveis de serem feitas após o decurso de trinta
anos de promulgação da CRFB. Pode-se perceber que as elucubrações tecidas
indicam uma aproximação inicial do objeto. Isso decorre da dificuldade
encontrada de, no quadro posto do jusagrarismo brasileiro, poder construir um
referencial teórico minimamente instrumental para a abordagem do tema. Mas,
isso, mais do que um obstáculo, é um fascinante incentivo, um instigante
fomentador da edificação de uma abordagem jusagrária e condizente com a
CRFB de tema tão importante e certamente muito candente. Fica o convite.
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CAPÍTULO 3
DA ÁGUA COMO INSTITUTO DE DIREITO
AGRÁRIO, SEGUNDO INTERPRETAÇÃO DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

WELLINGTON PACHECO BARROS
Desembargador aposentado do TJ/RS, professor da ESCOLA SUPERIOR DA
MAGISTRATURA e do I-UMA, entre outros, advogado do Escritório
WELLINGTON BARROS – Advogados Associados, autor de mais de 100
artigos e 54 livros de direito, entre eles os CURSO DE DIREITO AGRÁRIO (9ª
edição) e o CURSO DE DIREITO AMBIENTAL (2ª edição), palestrante e
conferencista em mais de 160 eventos no País, Comendador da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM), membro da União Brasileira de Agraristas
Universitários.
INTRODUÇÃO
O tema DA ÁGUA COMO INSTITUTO DE DIREITO AGRÁRIO,
SEGUNDO INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988,
que agora se inicia, exige algumas justificativas preliminares para a sua boa
compreensão. Diante disso, há necessidade que se examine de forma estanque,
de um lado, o instituto da água como bem jurídico e, do outro, a estrutura do
direito agrário, para depois se verificar onde eles se imbricam e se confundem na
Constituição Federal de 1988.
Sob este diapasão, não se pode esquecer que, quando se estuda a evolução
do direito, especialmente nos países de cultura greco-romana, se observa, aqui
em pequena síntese histórica, que ele se iniciou de (a) - forma costumeira oral;
(b) - passou para a forma costumeira escrita; (c) - depois para escrita com dicção
real e, atualmente, (d) - para a escrita como dicção estatal.
O Brasil, por sua estrutura de colônia portuguesa, não passou pelas duas
primeiras fases. O direito brasileiro veio pronto de Portugal e aqui foi plantado,
sem qualquer adaptação às peculiaridades do novo mundo, através das
Ordenações do Reino, que nada mais eram do que as vontades dos reis
portugueses ou, como dito no início, através da fase da dicção escrita e produção
real.
Atualmente o País vive o auge da fase de direito escrito com dicção do
Estado onde, inclusive, as tradições costumeiras são abandonadas em prol de
uma vontade cíclica estatal.
Dentro desse viés, o direito brasileiro é produto do Estado em todos os
seus níveis federativos, destacando-se a União como a grande produtora do
direito escrito no País, especialmente pela forma de federação estruturada
constitucionalmente onde viceja a desigualdade gritante entre os entes federados.
Estabelecida esta premissa, é possível afirmar-se que o Direito Agrário,
como ramo do direito brasileiro, tem dicção exclusiva da União, consoante o
disposto no art. 22, inciso I, da Constituição Federal de 1.988. Portanto, somente
a legislação federal tem legitimidade para estabelecer seus institutos.
A proposta deste artigo é a de estabelecer que, embora a natureza jurídica
da água se encontre na dimensão de bem público, administrativo e ambiental,
tem ela também viés de instituto de Direito Agrário, exegese que se retira da
Constituição Federal de 1988, especialmente por integrar o conceito de função
social da propriedade agrária definido no art. 186 dessa Constituição.
Portanto, a água como conceito de recurso natural e de elemento ambiental
é abrangida pelo Direito Agrário.
1 DA ÁGUA NA VISÃO DO DIREITO
1.1 DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ÁGUA
Não se pode estudar a água na perspectiva jurídica brasileira atual sem
antes se fixar na sua evolução histórica. Isso é importante porque ela deixou de
ser um bem privado para se tornar um bem público, inclusive na categoria de
bem ambiental.
Dito isso, se constata que a preocupação com a água como coisa pública,
embora já venha de algum tempo em outros países, chegou ao Brasil de forma
tímida e com uma certo grau de desimportância, talvez pelo fato de o País
abrigar 13,8% das reservas mundiais de água doce para uma população de
apenas 2,8% da mundial e aqui se encontrar 71% dos 1,2 milhões de quilômetros
quadrados (cerca de 840 mil quilômetros quadrados) do Aquífero Guarani, o
maior reservatório subterrâneo de água doce das Américas e um dos maiores do
mundo, envolvendo os estados de Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul, Goiás, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Foi, portanto, o eco externo que produziu efeito e fez com que o direito
brasileiro desse uma guinada de 180 graus, passando de uma despreocupação
inicial, a uma preocupação exclusivamente privada até chegar-se à
caracterização da água como bem público.
Inicialmente, a Constituição do Império de 1824 não fazia referência
expressa quanto às águas de superfície. Entretanto, seu art. 179, XXII,
assegurava o direito de propriedade em toda a sua plenitude, assim, na
propriedade de solo estava implícita a de subsolo. Portanto, se nas terras
privadas existissem mananciais de águas subterrâneas essas pertenciam ao
proprietário da terra. Esta Carta trazia, ainda, a figura da desapropriação pelo
poder público, o que incluía os mananciais hídricos existentes em propriedades
privadas (Pompeu, 2004).
A Carta Política seguinte, de 1891, não disciplinou o domínio hídrico, mas
definiu as competências para legislar sobre a navegação dos mesmos, sendo do
Congresso Nacional, quanto à navegação dos rios que banhem mais de um
Estado, ou se estendam a territórios estrangeiros (art. 34, § 6º) e dos Estados ou
da União, quanto à navegação interior, art. 13, caput (HENKES, 2003).
O Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071, de 01/01/1916) dedicou uma das
suas seções à água. Nos arts. 563 a 568 dispôs basicamente sobre o direito de
utilização das águas, mas não se referiu diretamente ao seu domínio. Limitava-se
a uma regulamentação sob o fundamento básico do direito de vizinhança e da
utilização da água como bem essencialmente privado e de valor econômico
limitado (ANTUNES, 2002, p. 582), possibilitando ao usuário utilizar as águas
da forma que melhor o aprouvesse, desde que fossem respeitados os direitos de
vizinhança (ALMEIDA, 2004).
Em seu art. 563, disciplinou ”as águas”; no art. 564, cuidou dos conflitos
entre vizinhos; já em seu art. 565, regulou a forma de consumo, dispondo que o
proprietário da fonte não captada, satisfeitas as necessidades, não poderia
impedir o curso natural das águas; no art. 566, procurou disciplinar o problema
das águas pluviais, estabelecendo que as águas pluviais que corressem por locais
públicos, assim como os rios, poderiam ser utilizadas por qualquer dos
proprietários por onde passassem; no art. 567, previu indenização sobre
determinados direitos de proprietários prejudicados e, finalmente, em seu art.
658, estabeleceu normas procedimentais, afirmando que seriam pleiteadas em
ações sumárias à servidão de águas e às indenizações correspondentes
(WEISSHEIMER, 2002, p. 171).
A primeira Constituição a regrar sobre o tema foi a de 1934. Estabelecia
em seu art. 5º, XIX, “j”, a competência privativa da União para legislar, dentre
outros assuntos, sobre água (Almeida, 2004). E, no art. 20, II, considerava como
sendo de domínio da União:
I – os lagos e quaisquer correntes em terrenos do seu domínio, ou que banhem
mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a
território estrangeiro.
II – as ilhas fluviais e lacustres nas zonas fronteiriças.
E determinava que aos Estados pertenceriam “as margens dos rios e lagos
navegáveis, destinadas ao uso público, se por algum título não forem do domínio
federal, municipal ou particular” (art. 21, II).
Entretanto, fica claro, ao se observar o art. 119 da citada Constituição, que
a maior preocupação relativa à água estava no fato de ser ela fonte de energia
elétrica (ALMEIDA, 2004), estabelecendo que o aproveitamento industrial das
águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, dependiam de
autorização ou concessão federal. Ainda, estabeleceu no art. 118 que “as minas e
demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d’água, constituem
propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento
industrial”.
Ainda neste mesmo ano de 1934, o Governo Provisório – decorrente da
Revolução de 30 – promulgou o Decreto nº 24.643, chamado de Código das
Águas. As disposições do Código Civil foram recepcionadas quase na sua
totalidade por este diploma, completando-as, embora muitas vezes se repitam.
O Código das Águas foi editado com a preocupação de se regulamentar a
apropriação das águas para fins de geração de energia elétrica. Isso se deu
porque o Brasil deixava de ser um país essencialmente agrícola. A indústria
expandia-se, e as águas foram tratadas como um dos elementos básicos do
desenvolvimento, por ser matéria-prima para a geração de eletricidade,
subproduto essencial da industrialização (ALMEIDA, 2004).
O constituinte de 1937 manteve o mesmo tratamento dado pela
Constituição anterior.
Já a de 1946 incluiu entre os bens de domínio dos Estados, os lagos e rios,
em terrenos do seu domínio, e os que tivessem nascente e foz no território
estadual. Ainda, conforme ministra SILVIANIA LÚCIA HENKES:
Manteve-se nesta Carta, o título voltado para o disciplinamento da ordem
econômica e social, no qual o constituinte tratava das águas nos arts. 152 e
153. No art. 152, manteve-se as quedas d’água sob o regime de propriedade
distinta da do solo para efeito de aproveitamento industrial ou de exploração.
Enquanto que, o art. 153, determinava que o aproveitamento dos recursos
minerais e de energia hidráulica dependiam de autorização e concessão. O
aproveitamento de energia hidráulica de potência reduzida, não dependia de
autorização ou concessão. (Henkes, 2004)
As Constituições Federais de 1967 e 1969[18] não trouxeram modificações
relevantes no tratamento das águas em relação às Cartas anteriores (ALMEIDA,
2004).
Não custa repetir que a primeira lei a tratar sobre a água no Brasil, o
Código de Águas, de 1934, embora dispusesse sobre a possibilidade de outorga
de uso pelo poder público, em verdade, tratava esse bem com ênfase de domínio
privado. No entanto, assimilando a evolução de transformação da água em bem
essencial à vida na Terra, a Constituição Federal de 1988 introduziu esse
importante avanço e a considerou como bem do domínio público (art. 20, inciso
III),[19] na classificação de bem público dominial, e de bem de uso comum do
povo, quanto à sua natureza ambiental (art. 225, caput).
O regulamento, no entanto, só foi estabelecido pela Lei nº 9.433/97, a
chamada “Lei das Águas”, que, todavia, quase três décadas depois, ainda não foi
devidamente implementada, gerando dúvidas e contribuindo para que a água,
especialmente quando usada por particulares, permaneça com a antiga conotação
de coisa privada. A lei, que revogou completamente o Código de Águas, pois a
dimensionou como bem público, criou uma Política Nacional de Recursos
Hídricos e um sistema nacional para gerenciá-lo, o SINGREH, integrado por um
Conselho Nacional de Recursos Hídricos, Conselhos de Recursos Hídricos
Estaduais e Comitês de Bacia Hidrográfica. Como ponto importante estabeleceu
regras sobre a outorga de direito de uso dos recursos hídricos e a possibilidade
de sua cobrança, institutos que têm oportunizado discussões acirradas tanto na
doutrina como na jurisprudência e que será o motivo principal deste trabalho.
Em resumo, a água, além de constituir um elemento essencial para a
permanência da vida na Terra, é reconhecida pelo direito positivo de todos os
povos como um recurso natural limitado e que, apesar de todos terem direitos a
seu uso, ela deve ser regulada pelo Estado como bem de domínio público.
1.2 DA ÁGUA COMO BEM PÚBLICO
Já se antecipou a dominialidade pública da água no tópico anterior. De
forma concreta isso se operou através do art. 20, III, e o art. 26, I, da CF, quando
passaram a considerar as águas como bens do Estado, inexistindo, com o novo
ordenamento jurídico, águas particulares ou até mesmo águas municipais.[20]
Portanto, a Constituição Federal de 1988 considera de domínio público todas as
águas, preceituando que:
a) são bens da União os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos
de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com
outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem
como os terrenos marginais e as praias fluviais (art. 20, caput, combinado com
o inciso III);
b) incluem-se entre os bens dos Estados as águas superficiais ou subterrâneas,
fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as
decorrentes de obras da União (art. 26, caput, combinado com o inciso I);
c) são bens da União os potenciais de energia hidráulica (art. 20, caput
combinado com o inciso VIII; e “...os potenciais de energia hidráulica
constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração e
aproveitamento, e pertencem à União...” (art. 176, caput). (Pereira Jr., 2004, p.
3)
Observe-se que a Carta Política ampliou o domínio estadual concedendo-
lhe o domínio das águas subterrâneas que anteriormente não tinham titular
definido. Assim, as águas subterrâneas serão sempre estaduais, ou até mesmo
com gestão compartilhada por outro ou outros Estados-membros. Pode servir de
exemplo, o Aquífero Guarani que, como já foi visto, abrange oito estados
brasileiros. Todavia, como lembra-nos EDUARDO CORAL VIEGAS (2005, p.
179), há divergência doutrinária acerca do tema e, há aqueles que defendem a
dominialidade da União nos casos em que banhem mais de um Estado.
JORGE CALASANS e outros, de um lado, sustentam: “Ora, mesmo que
existam interpretações divergentes quanto à dominialidade sobre as águas
subterrâneas, a Constituição não deixa dúvidas quanto à dominialidade de águas
que banham o território de mais de um estado. Estas são, sempre, de domínio da
União” (CALASANS, Jorge Thierry et al. A Política Nacional de Recursos
Hídricos: uma avaliação crítica. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE
DIREITO AMBIENTAL, 7, 2003, São Paulo. Direito, Água e Vida. São Paulo:
Imprensa Oficial, 2003, v.1, p. 595).
Contudo, MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA preconiza que, “não
há base constitucional para o entendimento de que as águas subterrâneas,
subjacentes a mais de um Estado, sejam de domínio da União” (GRANZEIRA,
2001, p. 82).
Assim, deixa clara a nova situação pós Constituição Federal de 1988, isto
é, de que não existem mais águas privadas e de que não há qualquer indício de
que o poder público deve indenizar aqueles particulares que tinham águas
incorporadas ao seu patrimônio.
FERNANDO QUADROS DA SILVA (1998, p. 83) situa que:
Em suma, não mais subsiste o direito de propriedade relativamente aos
recursos hídricos. Os antigos proprietários de poços, lagos ou qualquer outro
corpo de água devem se adequar ao novo regramento constitucional e
legislativo passando à condição de meros detentores de direitos de uso dos
recursos hídricos, assim mesmo, desde que obtenham a necessária outorga
prevista na lei citada.
Porém, esta ideia não é pacífica. Há os que defendem que o direito
adquirido, expresso no art. 5º, XXXVI, da CF, socorre esses proprietários no
sentido de obterem indenizações dos Estados quando estes pretenderem o
domínio das águas que, de acordo com o art. 8º do Código das Águas, seriam de
sua propriedade.[21] Neste sentido, está posicionado PAULO AFFONSO LEME
MACHADO (2000, p. 423), que defende que:
Não se pode simplesmente tentar introduzir o regime jurídico das nascentes
privadas, o sistema de outorga e da cobrança do uso desse recurso específico
pelo viés da “função social” da propriedade (art. 5º, XXIII, da CF/88). Houve
um inegável esvaziamento do direito de propriedade (art. 5º, XXII da CF/88),
que acarreta a obrigação de indenizar.
Por outro lado, lembra JOSÉ RIBEIRO que o “entendimento
predominante, conforme se colhe em Ferreira (1989, p. 148 e 149), citando
doutrina e jurisprudência, é o de que somente a lei ordinária não pode retroagir
em prejuízo do direito adquirido, da coisa julgada ou do ato jurídico perfeito,
mas a Constituição e a Emenda Constitucional podem e têm eficácia revocatória
completa desses atos” (RIBEIRO, 2000, p. 41).
2 DO DIREITO AGRÁRIO E DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA
PROPRIEDADE
2.1 DA ESTRUTURA DO DIREITO AGRÁRIO
Estabelecido que a água é um bem público e ante a proposta de considerá-
la como instituto de direito agrário é preciso que se demonstre a ideia de criação
desse direito.
Não custa revisar que o direito não é uma ilha que tem vida própria e,
portanto, se basta. Nos sistemas jurídicos fechados, como é o Brasil, ele nasce
através da lei, que é a manifestação social representada, e exercita a sua função
de retorno comportando a sociedade que o criou pela prevenção ou pela decisão
do litígio surgido.
Como dito na Introdução, embora no início de sua evolução ele tenha
surgido de forma natural como expressão consensual da convivência social
espontânea, caracterizando como direito tudo aquilo que era aceito pela
comunidade, o certo é que, hoje, especialmente no Brasil, ele é quase
absolutamente um produto do estado que, não raramente, contraria a própria
relação costumeira.
O Direito Agrário é um exemplo típico da evolução do direito no País.
Como ramo da ciência jurídica, é de estudo recente no Brasil. Seu nascimento,
com autonomia própria, tem um marco inicial dentro do direito positivado: é a
Emenda Constitucional nº 10, de 10.11.64, que outorgou competência à União
para legislar sobre a matéria ao acrescentar ao art. 5º, inciso XV, letra a, da
Constituição de 1946, a palavra agrário. Assim, entre outras competências, a
União também passou a legislar sobre direito agrário. O exercício legislativo
dessa competência ocorreu 20 dias após, ou seja, em 30.11.64, quando foi
promulgada a Lei nº 4.504, denominada de Estatuto da Terra.
O surgimento desse sistema jurídico diferenciado não ocorreu por mero
acaso. A pressão política, social e econômica dominante naquela época forçaram
a edição de seu aparecimento, até como forma de justificação ao movimento
armado que eclodira poucos meses antes e que teve como estopim o
impedimento a um outro movimento que pretendia, especificamente no universo
fundiário, eliminar a propriedade como direito individual. Dessa forma, toda a
ideia desse novo direito, embora de origem político-institucional revolucionária,
tem contornos nitidamente sociais, pois seus dispositivos claramente visam a
proteger o homem do campo em detrimento do proprietário rural. A sua
proposta, portanto, lastreou-se no reconhecimento de que havia uma
desigualdade enorme entre o homem que trabalhava a terra e aquele que a
detinha na condição de proprietário ou possuidor permanente.
Antes de seu surgimento, as relações e os conflitos agrários eram
estudados e dirimidos pela ótica do direito civil, que é todo embasado no sistema
de igualdade de vontades. O trabalhador rural, por essa ótica, tinha tanto direito
quanto o homem proprietário das terras onde trabalhava.
O Direito Agrário tem duas características essenciais. A primeira delas é a
imperatividade de suas regras. Isso significa dizer que existe uma forte
intervenção do Estado nas relações agrárias. Os sujeitos dessas relações quase
não têm disponibilidade de vontade, porque tudo já está previsto em lei, cuja
aplicação é obrigatória. O legislador, assim, estabeleceu o comando; é quem diz
o que se deve fazer depois do que se resolveu fazer. Toda esta estrutura legal está
voltada para o entendimento de que as relações humanas no campo são
naturalmente desiguais pelo forte poder de quem tem a terra, solapando o
homem que apenas nela trabalha. A cogência, a imperatividade desse direito,
portanto, se impõe porque suas regras seriam nitidamente protetivas ao homem
trabalhador. Têm-se, dessa forma, regras fortes para o proprietário da terra. O
estabelecimento da imperatividade seria resultante da não modificação do que
foi regrado.
A segunda característica do direito agrário é de que suas regras são sociais.
Aqui reside o ponto que diferencia as regras do direito agrário, daquelas de
direito civil. Enquanto estas buscam sempre manter o equilíbrio entre as partes,
voltando-se para o predomínio da autonomia de vontades, as regras de direito
agrário carregam com nitidez uma forte proteção social. Como os homens que
trabalham no campo constituem quase a universalidade na aplicação das regras
agrárias, em contrapartida ao pequeno número de proprietários rurais, o
legislador procurou dar àqueles uma forte proteção jurídica, social.
O Direito Agrário está assentado em 5 (cinco) princípios[22] fundamentais:
- Justiça social;
- Prevalência do interesse coletivo sobre o individual;
- Reformulação da estrutura fundiária e
- Progresso econômico e social.
- Função social da propriedade;
O princípio da justiça social no direito agrário reside na consequência de
aplicação de suas regras, posto que toda ideia de sua criação buscou a justiça
social no campo através de leis inovadoras que permitissem mudar a estrutura
injusta existente e que colocava o homem trabalhador unicamente como mera
engrenagem de um sistema, e não sua preocupação, seu fim.
O princípio da prevalência do interesse coletivo sobre o particular é a
forma intermediária para que se pudesse chegar à justiça social. Somente com o
deslocamento do objeto a proteger é que se poderia atingir a meta de mudança
propugnada pelo novo direito. Como as regras anteriores a ele não distinguiam
direitos entre proprietários e trabalhadores, pois que todos eram iguais, a
compreensão de que latentemente havia desigualdade entre os envolvidos impôs
substituição no bem a proteger. Dessa forma, como o interesse dos trabalhadores
se constituía na maioria, a prevalência de tal interesse deveria sempre se
sobrepor ao interesse do proprietário.
O princípio de reformulação da estrutura fundiária explica a intenção do
legislador com o novo direito. Nos seus vários pontos de estudos, observa-se que
as regras agrárias procuram atingir um leque muito largo de possibilidades,
mostrando a necessidade de se reformular a estrutura fundiária até então
existente.
Tem-se o princípio do progresso econômico e social. As mudanças
propostas, além de tentarem inovar nas relações fundiárias, buscaram uma maior
produtividade, não só no contexto individual, mas também no aumento da
produção primária do País. Melhorando a capacidade produtiva do homem que
tinha no trabalho da terra sua principal atividade, indiscutivelmente que isso
traria benefícios sociais para si próprio, para sua família e, em escala maior, para
a sociedade.
A função social da propriedade será analisada em capítulo próprio.
2.2 DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO PRINCÍPIO
NORTEADOR DO DIREITO AGRÁRIO
Deixou-se para analisar o princípio da função social da propriedade de
forma específica porque, em verdade, é o princípio norteador de toda a criação
do Direito Agrário, inclusive deixando de ser mera regra infraconstitucional no
Estatuto da Terra para se constituir em regra constitucional, ampliando seu
campo de abrangência também para os imóveis urbanos, podendo-se afirmar
que, hoje, no Brasil, o imóvel, qualquer que seja ele, traz ínsita uma obrigação
social de primeiramente atender às necessidades coletivas e só depois satisfazer
as do indivíduo proprietário.
Especificamente, tem-se a função social da propriedade agrária quando ela
produz, respeita o meio ambiente e as regras inerentes às relações de trabalho.
A função social da propriedade é tema relevante no estudo do Direito
Agrário, pois muito de seu conceito é utilizado como norte para a sua
delimitação.
Sobre o tema já se disse (WELLINGTON PACHECO BARROS, CURSO
DE DIREITGO AGRÁRIO, volume I, Livraria do Advogado Editora, 9ª edição,
2015, p. 39/46):
2.3 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
2.3.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Durante muito tempo, pairou na estrutura do direito pátrio a verdade de
que a propriedade imóvel atingia seu ponto ótimo apenas satisfazendo o
proprietário. O dogma, assim estabelecido, tinha como pressuposto originário a
sustentação filosófica e política de que ela se inseria no direito natural do
homem e, dessa forma, apenas nele se exauria. É o que se podia chamar de
função individual ou privada da propriedade imóvel. Em decorrência disso,
surgiu uma aceitação genérica no sentido de que o homem proprietário e a sua
coisa, chamada terra, mantinham uma estreiteza de laços tão fortes, que esta
última parecia ter vida pela transposição de sentimentos que aquele dedicava.
Tamanha foi essa simbiose, que surgiu, ainda no campo do direito, a figura da
legítima defesa da propriedade, e que bem poderia ser retratada nesta metáfora: o
meu é tão meu, que se alguém tentar dele se apossar, eu revido, lesionando ou
até matando, e me arvoro em ação legítima nesse agir.
A força dessa função privada ou individual da propriedade imóvel é
explicada por sua continuidade tempo afora, eis que já plenamente admitida no
direito romano, embora, lá, se buscasse proteger apenas a pretensão individual, e
não a necessidade de alimentos e de emprego de mão de obra, pois estes fatores
são contingências modernas no direito de propriedade.
Mas o princípio continuou na idade média, porque se adequava à estrutura
feudal de dominação. Ser proprietário de terras nesse período era exercício de
poder absoluto e, consequentemente, de submissão daqueles que nela moravam
ou trabalhavam. A vontade do senhor de terras era o limite do direito de
propriedade.
A Revolução Francesa, embora surgida com o propósito de modificar a
estrutura asfixiante do domínio feudal, apenas serviu para mudar a titularidade
da figura dominante: dos suseranos e clero, para o novos-ricos comerciantes e
industriais, porque o exercício exclusivamente pessoal ainda continuou como
função da propriedade imobiliária. O certo é que, por forças das ideias políticas
revolucionárias e de certa forma inovadoras, a função privada da propriedade
ganhou foro de obediência jurídica e se instalou no Código Civil francês que, por
sua arquitetura legal, importância cultural da França na ocasião, ganhou mundo
como verdade única.
E esse redemoinho externo encontra uma predisposição política de um País
que, buscando crescer, importa conteúdo ideológico. E foi assim que ocorreu a
inserção do art. 179 da Constituição do Império, que resguardou de forma
absoluta o direito de propriedade, que se manteve inalterado na Constituição
Republicana de 1891, no seu art. 72, § 17. Em outras palavras, a função
individual ou privada da propriedade continuava plenamente presente, tanto que
o art. 524 do Código Civil de 1916, o reproduziu ao assegurar ao proprietário o
direito de usar, gozar e dispor de seus bens, sem estabelecer qualquer limite no
exercício de tais direitos.
Mas o questionamento de que havia algo mais entre a vontade do homem
proprietário e sua terra começou a ser formulado ainda na idade média, mais
precisamente no século XII, por Santo Tomás de Aquino, quando na sua Summa
Contra Gentiles concluiu que cada coisa alcança sua colocação ótima quando é
ordenada para o seu próprio fim. Surgia, aí, o embrião da doutrina da função
social da propriedade. Evidentemente que, pela própria estrutura da igreja, como
proprietária de terras, a ideia não logrou êxito.
Com as distorções econômicas e sociais geradas pelo desenvolvimento
industrial dos séculos XVIII/XIX, é que, o repensar da terra como direito
absoluto do proprietário, ganhou força e teve em Marx sua alavanca, quando, em
1848, publicou seu O Capital, onde questionou a possibilidade de a terra se
constituir em direito individual, já que ela era um bem de produção. Em 1850,
Auguste Comte, através de seu Sistema de Política Positiva, também se utilizou
desse argumento para sustentar a necessidade de intervenção do Estado na
propriedade privada por ter ela uma função social.
Diante da repercussão que essas ideias ganharam no mundo, a Igreja
Católica voltou a repensar os ensinamentos de Santo Tomás de Aquino e admitiu
como um de seus dogmas a sustentação de que a terra tinha uma função superior
àquela de satisfação do proprietário, e, assim, iniciou pregação nesse sentido por
intermédio da Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, da Quadragesimo Anno,
de Pio XI, Mater e Magistra, de João XXIII, continuando com João Paulo II,
quando sustenta que a propriedade privada tem uma hipoteca social.
No campo específico do Direito, coube a Duguit o mérito inicial de havê-
la sustentado. Porém, a doutrina só se transformou em princípio constitucional
com a Constituição mexicana de 1917, quando, no seu art. 27, o admitiu,
seguindo-se a Constituição alemã de Weimar, de 1919, que, magistralmente, no
seu art. 157, declarou: a propriedade obriga. Outras constituições se seguiram,
como a da Ioguslávia, de 1921 (art. 37), e do Chile, de 1925 (art. 10), e que, em
atenção aos anseios por Cartas que reproduzissem a preocupação social,
tomaram conta das democracias ocidentais. Hoje, pode-se dizer, sem qualquer
resquício de erro, que a função social da propriedade é característica quase
universal.
2.3.2 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO BRASIL
Entre nós, a Constituição de 1934 adotou o princípio, que se manteve
sempre presente em todas as demais constituições que se lhe seguiram. Ocorre
que, até a Constituição de 1969, a função social da propriedade foi apenas
insculpida como princípio maior sem que, todavia, se lhe detalhassem o limite e
a abrangência. Coube ao Estatuto da Terra, uma lei ordinária, no seu art. 2º, § 1º,
a oportunidade de conceituá-la nestes termos:
A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social
quando, simultaneamente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela
labutam, assim como de suas famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho
entre os que a possuem e a cultivam.
Já a Constituição de 1988, em vigor, expressamente declara como
princípio que a propriedade tem função social, no art. 5º, inciso XXIII, quando
trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, mas inova em termos
constitucionais, quando também o estende para os imóveis urbanos, art. 182, §
2º, ao estabelecer que a propriedade urbana cumprirá sua função social quando
atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressa no plano
diretor, além de diretamente conceituar sua amplitude para os imóveis rurais, art.
186, caput, ao prescrever que a propriedade rural atende a sua função social,
quando, simultaneamente, segundo graus e critérios de exigência estabelecidos
em lei, os requisitos de aproveitamento racional adequado, utilização adequada
dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, observância
das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o
bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Coube à Lei nº 8.629, de
25.02.93, detalhar, agora, os preceitos constitucionais. Esta matéria será estudada
no capítulo que trata da reforma agrária.
Embora a função social da propriedade seja, hoje, no País, mandamento
constitucional, o que ainda se observa é uma perseverante manutenção de seu
conceito individual ou privatístico, numa intrigante distonia entre o direito
positivado e a realidade social de sua aplicação, mesmo por aqueles que operam
a ciência jurídica e sedimentam opiniões através da doutrina e da jurisprudência,
como se o conceito do Código Civil de 1916 ainda vigorasse, e o novo Código
não tivesse sofrido redimensionamento conceitual por força da Carta
Constitucional vigente.
Pessoalmente, entendo que fatores externos ao Direito estão a exigir que o
conceito individual ou privatístico de propriedade deva sofrer um
questionamento profundo, pois, além dessa forma personalíssima de eficácia
jurídica, existe uma obrigação latente e natural que acompanha a própria terra, e
que pode ser bem sentida por realidades palpáveis, como a finitude da própria
superfície terrestre aproveitável, o aumento imensurável de natalidade e aumento
da perspectiva de vida a impor uma necessidade sempre crescente de alimentos,
a imperiosa busca de colocação de mão de obra e o respeito aos aspectos
ecológicos de proteção coletiva. Esses fatores não existiam quando da
idealização do conceito pessoal do direito de propriedade. Mas estão aí, a exigir
atenção e apanhamento pelo Direito.
2.3.3 PENALIDADES PARA O DESCUMPRIMENTO DO PRINCÍPIO
Cumprir os requisitos que abrangem o princípio da função social da
propriedade é exigência ínsita a todo imóvel urbano ou rural no País. Por via de
consequência, todo proprietário de bens imóveis, para que se diga titular desse
direito, tem, antes, de atender aqueles dispositivos constitucionais, uma vez que
a condição de satisfação social que acompanha o bem se traduz em obrigação
superior para quem lhe é titular.
Na esfera específica do imóvel rural, tem, portanto, o proprietário a
obrigação de aproveitar sua terra racional e adequadamente, utilizando-a,
contudo, de forma a preservar o meio ambiente e os recursos naturais nela
existentes, com observância das leis que regulam as relações de trabalho e uma
exploração que favoreça o seu bem-estar e os dos trabalhadores que nela
trabalhem.
Evidentemente, que ao estabelecer condições para que se entenda o imóvel
rural cumprindo a sua função social, o legislador previu também sanções para o
caso de seu descumprimento.
E a maior penalidade imposta é a desapropriação por interesse social, com
a finalidade exclusiva de reforma agrária, conforme dispõe o art. 184 da CF, ou
seja, por não atender a função social, o proprietário sofre intervenção da União
que, respeitando o princípio do devido processo legal, da indenização prévia e
justa, lhe retira a propriedade. Este é um tipo de desapropriação específica – para
reforma agrária. Assim, a terra é tomada do proprietário pela desapropriação, por
interesse social, e, no momento seguinte, redistribuída em parcelas menores para
certos beneficiários catalogados em lei, os vulgarmente chamados de sem-terras.
Não bastasse a possibilidade de a União poder desapropriar o imóvel rural
que não cumprir a função social, o legislador ainda previu o endurecimento na
forma de indenização ao proprietário. Ao invés de indenização em dinheiro,
como expressamente prevê para as desapropriações por necessidade ou utilidade
pública, para esse tipo especial de desapropriação, estabelece a indenização pela
terra nua em Títulos da Dívida Agrária, os TDAs, com prazo de carência de dois
anos e, dependendo do tamanho do imóvel, parcelada em até 20 anos. Apenas
prevendo para as benfeitorias úteis e necessárias o pagamento da indenização em
dinheiro.
A intenção do legislador foi clara ao determinar que a propriedade rural só
mereça respeito como direito individual preenchendo os requisitos previstos para
a função social. Se não os atende, sofre a dupla penalidade: (a) da intervenção
pela desapropriação e (b) da indenização respectiva em Títulos da Dívida
Agrária.
Ocorre que o próprio legislador constitucional excepcionou a penalidade,
quando inseriu, no art. 185, que as pequenas, médias e as propriedades
produtivas seriam insuscetíveis de desapropriação para reforma agrária,
deixando que a Lei nº 8.629/93 conceituasse tais requisitos, matéria que será
analisada com mais profundidade quando do estudo sobre a reforma agrária.
3 DA ÁGUA COMO RECURSO NATURAL E ELEMENTO AMBIENTAL
3.1 DO ART. 186 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Nos tópicos anteriores já se analisou de forma estanque tanto a água como
bem jurídico público, como a estrutura do direito agrário.
Agora se analisará os pontos de imbricação entre uma e outro.
E isto ocorre no art. 186 da Constituição Federa de 1988, que diz:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei,
aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.
Por sua vez, a Lei nº 8.629, de 25.02.93, que regulamentou o
descumprimento da propriedade à sua função social, no seu art. 9ª, assim se
expressou:
Art. 9º A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo graus e critérios estabelecidos nesta lei, os seguintes
requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.
§ 1º Considera-se racional e adequado o aproveitamento que atinja os graus de
utilização da terra e de eficiência na exploração especificados nos §§ 1º a 7º do
art. 6º desta lei.
§ 2º Considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis
quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a
manter o potencial produtivo da propriedade.
§ 3º Considera-se preservação do meio ambiente a manutenção das
características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais,
na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da
saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas.
§ 4º A observância das disposições que regulam as relações de trabalho implica
tanto o respeito às leis trabalhistas e aos contratos coletivos de trabalho, como
às disposições que disciplinam os contratos de arrendamento e parceria rurais.
É de se observar que, desde o Estatuto da Terra, editado depois de emenda
constitucional que autorizou a União a legislar sobre direito agrário, que regrar
sobre o bom uso da terra e punir o seu não cumprimento por desrespeito, sempre
tomando como norte o princípio da função social da propriedade agrária, é
temática inerente ao estudo do novo direito.
A Constituição Federal de 1988 não só manteve este norte, como o alargou
nele incluindo a proteção ao meio ambiente que, como se vê na Lei nº 8.629/93,
tem dicção diferenciada da de constituir recurso natural.
Por conseguinte, o estudo dos recursos naturais, como do meio ambiente
se inserem, por força constitucional, como matéria de Direito Agrário.
3.2 DOS CONCEITOS DA ÁGUA COMO RECURSO NATURAL E
ELEMENTO AMBIENTAL INTEGRANDO O CONTEÚDO DE DIREITO
AGRÁRIO
No tópico anterior, já ser observou que um dos pressupostos para que a
propriedade rural cumpra a sua função social é a de que seu usuário respeite a
utilização adequada dos recursos naturais disponíveis – art. 186, II, da
Constituição Federal.
Recursos naturais são bens que estão à disposição do homem e que são
usados para a sua sobrevivência, bem-estar e conforto.
São considerados recursos naturais os bens que são extraídos da natureza
de forma direta ou indireta e são transformados para a utilização na vida do ser
humano.
E dentre estes recursos naturais, e no topo da cadeia, estão água e o ar,
porque os demais são de certa forma prescindíveis, mas é impossível se viver
sem ar e sem água. É por esse motivo que a poluição do ar e da água é uma das
maiores ameaças para o ser humano. Se esses recursos são prejudicados, a
qualidade de vida desce significativamente.
Os recursos naturais são classificados em dois grupos distintos: os recursos
naturais não renováveis e os recursos naturais renováveis.
Os recursos naturais não renováveis abrangem todos os elementos que são
usados nas atividades antrópicas, e que não têm capacidade de renovação. Com
esse aspecto temos: o alumínio, o ferro, o petróleo, o ouro, o estanho, o níquel e
muitos outros. Isso quer dizer que quanto mais se extrai, mais as reservas
diminuem, diante desse fato é importante adotar medidas de consumo comedido,
poupando recursos para o futuro.
Já os recursos naturais renováveis detêm a capacidade de renovação após
serem utilizados pelo homem em suas atividades produtivas. Os recursos com
tais características são: florestas, água e solo. Caso haja o uso ponderado de tais
recursos, certamente não se esgotarão.
Portanto, estudar a água como recurso natural para que a propriedade
cumpra a sua função social, é ineludivelmente questão de Direito Agrário
Ainda no art. 186, inciso II, da Constituição Federal, consta que a função
social da propriedade passa pela preservação do meio ambiente.
Portanto, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, a água
teve um outro dimensionamento, pois passou a ser também um bem ambiental
delimitado. Isto é, por disposição do art. 225 da Constituição Federal todos os
cidadãos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e, com
isso, conforme Weissheimer, “a Constituição disciplina o meio ambiente como
um todo a que se atribui a natureza jurídica de bem público”.[23]
Em decorrência disso, as águas também receberam uma nova
regulamentação legal, a fim de serem preservadas e conservadas para as
gerações futuras. A Constituição é inovadora ao caracterizar a água como
recurso econômico, e os rios foram compreendidos com base no conceito de
bacia hidrográfica e não como um elemento isolado.
É pertinente dizer que meio ambiente não é uma nomenclatura jurídica
possível de ser delimitada através de uma mensuração exata. Meio ambiente tem
um tamanho jurídico de difícil fixação, até porque não existe delimitação ou
consenso doutrinário a seu respeito.
No conceito ecológico, meio ambiente é tudo aquilo que cerca ou envolve
os seres vivos ou as coisas. Esse conceito, por si só, demonstra a sua infinitude.
No entanto, o Brasil tem como estrutura fundamental ser um estado
democrático de direito, consoante o art. 1º da Constituição Federal, princípio
pelo qual se traduz que a existência do País, sua administração e os direitos de
seu povo são pautados pela ciência do direito.
Isso significa que meio ambiente é aquilo que for delimitado pelo direito,
mesmo porque sendo um bem de todos e, portanto, também de cada um, esse
bem precisa ser administrado e, nesse mister, protegido tanto pelo poder público
como pela coletividade.
Mas, meio ambiente, conforme o art. 3º, inciso I, da Lei nº 6.938, de
31.8.81, é o conjunto de condições, leis, influências, alterações e interações de
ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as
suas formas.
Embora esse conceito tenha sido editado antes da Constituição Federal,
por força de seu art. 225, foi por ela recepcionado, mantendo-se intacto.
Apesar do conceito jurídico de meio ambiente, no entanto, ele é emoldural
e por isso precisa adquirir contornos nítidos.
A doutrina classifica os elementos ambientais como naturais e artificiais
A água, em termos de elemento ambiental natural, só perde para o solo.
Assim, no enfoque de constituir a água elemento do meio ambiente
natural, também ela é um bem público e, qualquer que seja a exteriorização que
se apresente, será um bem público de uso comum do povo.
Sendo a água um bem público ambiental, ela necessita ser gerenciada
(termo mais ao gosto da atividade privada) ou administrada (que é o conceito
clássico de direito público) pelo Poder Público e, por força do art. 225 da
Constituição Federal, tendo como objetivo, portanto, como meta a curto prazo, a
preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, e, a
longo prazo, buscando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento
socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade
da vida humana, atendidos através de comandos objetivos, conforme o disposto
no art. 2º da Lei nº 6.938, de 31.08.1981.
Mas a administração da água como meio ambiente pelo poder público não
é discricionária e, sim, vinculada a metas preordenadas no art. 4º da lei referida.
Concluindo, a água quer como conceito de recurso natural, quer como
elemento ambiental, embora sejam estudadas de forma própria no direito
administrativo e no direito ambiental, por integrarem a estrutura da função social
da propriedade agrária, inquestionavelmente que precisa ser também revisitada
pelos estudiosos do Direito Agrário.
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CAPÍTULO 4

AGRONEGÓCIO,
SUSTENTABILIDADE E USO
RACIONAL DA ÁGUA

PAULO JOSÉ LEITE FARIAS
Professor do Mestrado em Direito do IESB. Promotor de Justiça. Professor
Visitante da Boston University, EUA, Doutor em Direito pela UFPE. Mestre em
Direito e Estado pela UnB. Engenheiro Civil e Analista de Sistemas.

“A análise crítica do que existe assenta no pressuposto de que a existência não
esgota as possibilidades da existência e que, portanto, há alternativas
susceptíveis de superar o que é criticável no que existe. O desconforto, o
inconformismo ou a indignação perante o que existe suscita impulso para
teorizar a sua superação”. Boaventura de Sousa Santos (2000, p. 23)

INTRODUÇÃO
No âmbito mundial, a origem do Direito Agrário é ligada a própria
civilização, como ensina o Professor Benedito Marques (2005, p.1):
Remontam aos primórdios da civilização as origens do Direito Agrário. E não
poderia ser outra a constatação, pois que o primeiro impulso do homem foi
retirar da terra os alimentos necessários à sua sobrevivência. Depois, quando os
homens se organizaram em tribos, tornou-se imprescindível a criação de
normas reguladoras das relações entre eles, tendo por objeto o “agro”. Nascia,
ali, com tais normas, o ordenamento jurídico agrário.
No âmbito do Brasil, A história do Direito Agrário, como ramo autônomo
com princípios científicos e legislativos próprios que destacam o exercício da
produção racional e econômica da terra, antecede a proteção ambiental
brasileira. Ainda na Constituição de 1964, criou-se o Direito Agrário no País por
meio da Emenda Constitucional n. 10, de 09/11/64. Assim, fatos jurídicos que
emergem do campo seriam regulamentados. Em seguida, o direito agrário foi
normatizado e detalhado pelo Estatuto da terra, por meio da Lei 4.504, de
30/11/1964. Entretanto, sua configuração atual está notadamente marcada pelos
enunciados normativos da Constituição Federal de 1988 à luz da proteção
ambiental nela incorporada de forma ímpar na história das constituições
brasileiras. A nova configuração do Direito Agrário no Brasil é um dos tópicos
permanentes do século XXI e certamente poderá ocasionar profundas
transformações econômicas, ecológicas e sociais no nosso país. Sabemos que o
agronegócio constitui mola mestra do nosso desenvolvimento econômico.
Indaga-se, no entanto, se queremos qualquer forma de
desenvolvimento/crescimento econômico? A resposta à luz da Constituição
Federal de 1988 é não. Na verdade, queremos o desenvolvimento sustentável
aliado na integração do agronegócio à proteção do meio ambiente e ao uso
racional da água. Na verdade, este desejo já existia de forma incipiente no
direito agrário tradicional que sempre teve no Estatuto da Terra e na doutrina
uma preocupação com o progresso econômico e social.
A ideia central do Estatuto da Terra era o estabelecimento da “função
social da terra” (art. 9, 12 e 13 da Lei 4.504/1964). As regras do direito agrário
desde a sua origem carregam um valor social intrínseco à proteção da terra. Na
ocasião, este termo do Estatuto da Terra foi inovador e integrativo de políticas
públicas agrárias e econômicas, na qual se constatava a necessidade da
produtividade da terra. Hoje a função socioambiental da propriedade expande o
conceito inicial do Estatuto da Terra. Há uma nova valoração do que deve ser
feito com a terra. Todos os homens valoram. Conforme afirma Hessen (1967, p.
40): “Todos nós valoramos e não podemos deixar de valorar. Não é possível a
vida sem proferir constantemente juízos de valor. É da essência do ser humano
conhecer e querer, tanto como valorar”.
No presente trabalho, metodologicamente, veremos a evolução da “função
social da terra”, na construção de um direito agrário ambientalista que favorece a
produtividade do agronegócio por meio do uso racional da água. Assim,
procedendo teremos não qualquer tipo de crescimento econômico na atividade
agropastoril, mas, sim um desenvolvimento sustentável. A visão de agronegócio
no sentido estrito dá lugar a noção de agroecológico. Aqui estaremos analisando,
consequentemente, duas óticas de valoração: a agrária-tradicional (só a
produtividade da atividade rural) e a ético-ecológica (respeito ao meio ambiente
no uso racional da água pelo agroecológico), de forma simplificada, uma
vinculada ao “produtor rural” (esfera de cunho individual) e a outra, ao “social”
(“reside na proteção da terra para a comunidade presente e futura),
respectivamente.[24]
Assim, o trabalho encontra-se organizado em três capítulos. No primeiro
capítulo, O funcionamento do Agronegócio sob a ótica da Economia e da
Ecologia, analisar-se-á como podem haver conflitos entre a valoração econômica
de cunho individual e a valoração ecológica de cunho coletivo no Agronegócio.
No segundo capítulo, A água, o desenvolvimento sustentável e o agronegócio,
desenvolve-se o conceito do acesso a água como um direito fundamental e a
consequência jurídica deste fato para o uso racional da água na irrigação que
impulsiona o Agronegócio no Brasil. Por fim, no último capítulo O uso
prioritário da água, a dessedentação dos animais e o agronegócio, de cunho
conclusivo e sintético, almeja-se mostrar como o uso racional da água integra o
Agronegócio na Política Nacional de Recursos Hídricos no conceito dos usos
prioritários da água: dessedentação de animais e consumo humano.
1 O FUNCIONAMENTO DO AGRONEGÓCIO SOB A ÓTICA DA
ECONOMIA E DA ECOLOGIA
1.1 ECOLOGIA E ECONOMIA: CONCEITOS AFINS COM PAUTAS
VALORATIVAS DISTINTAS
A “ecologia” e a “economia” dirigem-se ao mesmo objeto no plano
teórico, não obstante com diferentes finalidades. Paralelamente, também, o
Agronegócio destaca a inter-relação homem/terra/produção/sociedade, podendo
valorar estes elementos de diferentes modos.
O prefixo grego “eco”, existente em ambas, provém do radical “oikos”
(casa). Dahl (1999, p. 13) afirma:
Economia e ecologia, palavras para dois dos conceitos fundamentais da
sociedade moderna, partilham a mesma raiz grega, oikos, que significa
<<casa>> ou habitat. A economia refere como administrar a nossa casa, a
ecologia como conhecê-la ou compreendê-la. Esta unidade de raízes da palavra
também reflete uma unidade subjacente de objectivo e função que devia ligar a
ecologia e a economia.
O objetivo delas, de forma macro, vincula-se ao bem da humanidade.
Dirigem-se, portanto, à realização de valores humanos.
No plano prático, entretanto, há sérias divergências nas concepções
econômicas e ecológicas. Este abismo entre a Economia e a Ecologia constitui-
se em sintoma de disfunção da sociedade moderna, que ameaça o próprio futuro
da humanidade.
Dahl (1999, p. 13), nesse aspecto, assinala:
[...] Contudo, na prática, cada disciplina vive num mundo bastante separado,
falando uma linguagem diferente, aplicando diferentes princípios, começando
por leis subjacentes muito diferentes e refletindo muitas vezes paradigmas em
conflito.
No âmbito da Economia, de forma prática e simples, Dahl (1999, p. 13-14)
ressalta que as crises econômicas atuais demonstram a imperfeição da nossa
compreensão e administração dos sistemas econômicos. Destaca, pois, a
vinculação da má gestão da Economia com a pobreza, o desemprego e o fosso
crescente entre as nações ricas e pobres.
A ecologia, para enfrentar os problemas globais, por outro lado, segundo
Dahl (1999, p. 14), especifica outro conjunto de questões por meio do
movimento ambiental e do trabalho científico, expondo problemas tais como os
efeitos da poluição na saúde, dano da camada de ozônio e o efeito estufa que
ameaçam provocar um aquecimento global.
A chamada “Era de Ouro”[25] da economia do século XX do historiador
Hobsbawm (1995, p. 257), época do crescimento da economia mundial a uma
taxa explosiva (décadas de 50 e 60) foi, também, a era das trevas para os
ecossistemas ambientais:
Mal se notava ainda um subproduto dessa extraordinária explosão, embora em
retrospecto ele já parecesse ameaçador: a poluição e a deterioração ecológica.
Durante a Era de Ouro, isso chamou pouca atenção, a não ser de entusiastas da
vida silvestre e outros protetores de raridades humanas e naturais, porque a
ideologia de progresso dominante tinha como certo que o crescente domínio da
natureza pelo homem era a medida mesma do avanço da humanidade. A
industrialização nos países socialistas foi por isso particularmente cega às
consequências ecológicas da construção maciça de um sistema industrial algo
arcaico, baseado em ferro e fumaça. Mesmo no Ocidente, o velho lema do
homem de negócios do século XIX. “Onde tem lama, tem grana” (ou seja
poluição quer dizer dinheiro), ainda era convincente, sobretudo para
construtores de estradas e “incorporadores” imobiliários, que descobriram os
incríveis lucros a serem obtidos numa era de boom secular de especulação que
não podia dar errado.
Na Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento –
UNCED, em 1992, governos representados por mais de cem chefes de Estado
adotaram, mais uma vez, o “desenvolvimento sustentável” como tema central de
ação no século XXI, integrado no plano de ação global – Agenda 21.
Desenvolvimento sustentável enseja, pois, a integração da produtividade
da terra prevista no Estatuto e da proteção ecológica prevista na Constituição de
1988. Entretanto, há sérias dificuldades para a conjugação destes valores por
razões metodológicas e valorativas. Dahl (1999, p. 25) afirma:
Os economistas gostam de medir tudo em termos monetários. Se se pode
comprar ou vender, tem um valor, e assim é dentro do escopo da economia.
Isto leva a medições como produtividade, investimento de capital, valor
acrescentado, depreciação e a índices mais amplos de sucesso na fileira
moderna das nações, tal como Produto Nacional Bruto (PNB – uma medida
padrão da atividade econômica), Produto Interno Bruto (PIB) ou rendimento
per capita. O problema é que muitas coisas não podem ser medidas em termos
monetários, como a satisfação humana, a cultura, a beleza natural, a igualdade,
o bairro seguro, ou o privilégio de respirar ar puro. Uma vez que a economia
não pode facilmente ser aplicada a tais coisas, são tratadas como
externalidades, o que significa que são ignoradas pelos sistemas econômicos
tradicionais de contabilidade.
Soros (1998, p. 85), economista húngaro, dono de imensa fortuna obtida
no mercado de capitais do mercado globalizado, afirma sobre a metodologia da
Economia que:
[...] Em termos gerais, consideram-se apenas as preferências individuais,
ignorando-se as necessidades coletivas. Assim, todo o campo social e político
não é levado em conta.
Nesse sentido, resgatando a ontologia de Hessen e a estrutura polar do
valor, observa-se como um valor para o Agronegócio (exploração produtiva da
propriedade rural), pode ser um desvalor para a Ecologia se feita sem respeito à
lógica do ciclo natural de renovação dos recursos naturais (principalmente da
água e do solo). A exploração rápida dos recursos da terra possui valor positivo
para o Agronegócio e, simultaneamente, poderá ter valor negativo para a
proteção do meio ambiente e para o uso racional da água.
Apesar dos métodos modernos do Agronegócio ter aumentado a
produtividade da terra, eles podem ter externalidades negativas na fertilidade do
solo e na qualidade da água. Alguns efeitos são facilmente detectados. Por
exemplo, equipamentos pesados de colheita compactam o solo, destruindo os
seus nutrientes. Fertilizantes e herbicidas podem afetar a qualidade das águas
subterrâneas dos locais em que são aplicados junto com a irrigação.
Nesse aspecto, para corroborar a assertiva anterior, far-se-á breve análise
da noção de sustentabilidade e do uso racional da água, tema relacionado
diretamente com o desenvolvimento produtivo da Agricultura (um dos valores
supremos do Estatuto da Terra) e com a preservação ambiental (um dos valores
supremos da Constituição Federal de 1988).
1.2 O AGRONEGÓCIO SUSTENTÁVEL COMO PARADIGMA DE
INTEGRAÇÃO NO ÂMBITO NORMATIVO INTERNO E
INTERNACIONAL
No âmbito normativo internacional, o conceito de sustentabilidade foi
assimilado com uma notável velocidade, sendo determinante de boa parte da
agenda da Conferência das Nações Unidas, realizada no Rio de Janeiro em 1992.
A Agenda 21, um programa no qual governos de todas as partes do mundo
comprometeram-se, representa um plano de ação (agenda – plano de ação em
etapas) para tornar concreto o desenvolvimento sustentável.
Agenda 21 (1997, p. 13) tem reflexos no âmbito internacional e no âmbito
local, ao prever políticas nacionais e internacionais:
Para fazer frente aos desafios do meio ambiente e do desenvolvimento, os
Estados decidiram estabelecer uma nova parceria mundial. Essa parceria
compromete todos os Estados a estabelecer um diálogo permanente e
construtivo, inspirado na necessidade de atingir uma economia em nível
mundial mais eficiente e equitativa, sem perder de vista a interdependência
crescente da comunidade das nações e o fato de que o desenvolvimento
sustentável deve tornar-se um item prioritário na agenda da comunidade
internacional.
O desenvolvimento sustentável, conforme assinala Holland (2001, p. 390),
constituiu-se em uma reação à resposta ambientalista inicial do
conservacionismo absoluto. Nessa visão, repelida pela comunidade internacional
e nacional, deveria ser abandonada a possibilidade de melhoria da humanidade
por meio do crescimento econômico (desenvolvimento).
A razão de não se adotar o conservacionismo na agenda internacional e
nacional pode ser facilmente explicado pela noção de que tal postura não seria
aceita pelo subsistema econômico (ansioso por obter mais recursos naturais) e
pelo subsistema político (repleto de líderes ansiosos de assegurar melhores dias
para os seus simpatizantes políticos). É nesse contexto, também, que o
agronegócio deve ser apreciado como um elemento fundamental para o
equilíbrio do uso dos recursos naturais no Brasil. Pode usar, não pode abusar!
Por outro lado, o desenvolvimento exacerbado antípoda do
conservacionismo, da mesma forma, não se mostrava mais viável.
Nesse aspecto, Hobsbaw (1995, p. 548) mostra-se categórico no sentido de
que os defensores de políticas ecológicas têm razão ao proclamarem que o
crescimento deve ser sustentável para garantir um equilíbrio entre a humanidade
e os recursos (renováveis) que ela consome. Nesse aspecto, insere-se o uso
racional da água na irrigação. Se gastar toda a água no presente, não haverá a
possibilidade de atividade agropastoril no futuro.
Holland (2001, p. 391) destaca, também, a existência de uma analogia
entre o princípio do desenvolvimento sustentável e o princípio da liberdade,
defendido por Stuart Mill na obra On Liberty. Para Stuart Mill, a liberdade,
direito fundamental de primeira geração, permite o seu pleno exercício, contanto
que seja compatível com o seu exercício pelas outras pessoas. Desta maneira, o
ecodesenvolvimento autoriza perseguir-se a qualidade de vida individual no
desenvolvimento econômico e na produtividade da terra, contanto que seja
compatível com a qualidade de vida para todos os presentes e, também, para as
futuras gerações.
Do mesmo modo, no âmbito normativo interno, a coexistência do
desenvolvimento econômico e da proteção ambiental, ambos direitos
fundamentais passíveis de proteção na Carta de 1988, resolve-se pela noção de
desenvolvimento sustentável.[26]
Portanto, é viável compatibilizar desenvolvimento e preservação
ambiental, desde que se considerem os problemas ambientais dentro de um
processo contínuo de planejamento, atendendo-se adequadamente às exigências
de ambos os bens jurídicos e observando-se as suas inter-relações particulares a
cada contexto sociocultural, político, econômico e ecológico, dentro de uma
dimensão tempo/espaço.[27]
Em outras palavras, a política ambiental não se deve constituir em
obstáculo ao desenvolvimento, mas sim em um de seus instrumentos, ao
proporcionar a gestão racional dos recursos que constituem sua base material,
como prevê a Ordem Econômica da vigente Carta Magna no seu art. 170
(GRAU, 1990, p. 255).
Identificando-se o princípio da defesa do ambiente como expoente
conformador da ordem econômica (mundo do ser) e do Agronegócio, por ele são
informados, consequentemente, os princípios da garantia do desenvolvimento
nacional (art. 3o, II) e do pleno emprego.[28] O desenvolvimento nacional não
haverá mais de ser reduzido ao conceito de crescimento econômico, mas deverá
ser equilibrado,[29] não só no sentido de atendimento do plano nacional e do
plano regional (procedimento necessário em face do princípio federativo), mas
para obediência do princípio da defesa do meio ambiente, com o conteúdo
delineado pelo artigo 225 da Constituição Federal.
O fato de que o desenvolvimento nacional recebeu tratamento
constitucional diverso do que lhe fora deferido na Carta anterior, deslocando-se
da categoria de princípio norteador da atividade econômica para objetivo
fundamental da República, confirma a argumentação de que o seu programa
normativo deve abarcar não só a vertente econômica, mas todas as dimensões
que o termo desenvolvimento comporta.
A par de informador dos princípios da garantia do desenvolvimento e do
pleno emprego, o princípio da defesa do meio ambiente constitui instrumento
elementar e necessário para a realização da finalidade da ordem econômica, a de
assegurar a todos existência digna – valor atado aos fundamentos da República
Federativa do Brasil por meio do princípio da dignidade da pessoa humana (art.
1o, III) (GRAU, 1990, p. 256).
A pertinência do princípio da defesa do meio ambiente ao princípio da
dignidade da pessoa manifesta-se cristalina em face da determinante da
qualidade de vida, insculpida no artigo 225, caput, da C. F. Evidencia-se,
ademais, a necessidade de exercício da atividade econômica com a preocupação
do não-esgotamento dos limitados recursos naturais, comprometendo a sadia
qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.
O princípio da defesa do meio ambiente constitui, pois, um dos limites
constitucionais ao livre exercício da atividade econômica (pública ou privada),
dando-lhe precisos contornos. Portanto, o exercício da atividade econômica
deve-se integrar à defesa do meio ambiente, sob pena de violação de vários
dispositivos constitucionais, entre outros, a saber:
do disposto no artigo 225, caput, que impõe ao Poder Público e à coletividade
o dever de defendê-lo e preservá-lo – porque todos têm direito a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado;
do disposto no artigo 170, caput, porque impedido assegurar-se a todos
existência digna, e do disposto no artigo 3o, II, porque, sem a defesa material
do meio ambiente, amputa-se a garantia do desenvolvimento nacional; e
do disposto no art. 174 § 1o, que almeja um desenvolvimento nacional
equilibrado, que incorpora e compatibiliza os planos nacionais e regionais de
desenvolvimento em um Estado Federal.
Situamos o princípio de desenvolvimento sustentável[30] em diversos
artigos da Constituição, mas o núcleo se encontra no caput do artigo 225: “Todos
têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações”. O capítulo da ordem econômica também consagra o respeito ao meio
ambiente como limitador da atividade econômica (artigo 170, inciso IV), bem
como o artigo 186, que trata da função social da propriedade rural dentro do
Título da Ordem Econômica e Financeira.[31]
O conceito de desenvolvimento sustentável – aquele capaz de satisfazer as
necessidades sociais atuais sem comprometer as necessidades futuras – engloba
questões ideológicas, visto que a própria noção de desenvolvimento sempre
acompanhou disputa por diferentes formas de apropriação da riqueza e
reprodução social.
Nesse contexto, Sachs (2000, p. 49) esclarece, verbis:
A Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, de 1972,
ocorrida em Estocolmo, colocou a dimensão do meio ambiente na agenda
internacional. Ela foi precedida pelo encontro Founex, de 1971, implementado
pelos organizadores da Conferência de Estocolmo para discutir, pela primeira
vez, as dependências entre o desenvolvimento e o meio ambiente, e foi seguida
de uma série de encontros e relatórios internacionais que culminaram, vinte
anos depois, com o Encontro da Terra no Rio de Janeiro.
Completando sua exposição e explicando que o desenvolvimento
sustentável, na sua segunda e correta forma de interpretação, consolida o caráter
público do meio ambiente, afirma, ainda, Sachs (2000, p. 48):
As consequências epistemológicas são, talvez, ainda mais contundentes.
Francisco Sagasti argumenta que o paradigma básico do pensamento científico,
herdeiro de Bacon e Descartes, chegou ao fim no que concerne à pretensão de
dominar a natureza.
Essa linha de interpretação do desenvolvimento sustentável não aceita a
privatização do meio ambiente como solução para a crise ambiental, até porque
o cálculo realizado pelas empresas só leva em conta aspectos mercantis, e o meio
ambiente é uma globalidade. Exemplificando: uma floresta desmatada nunca
pode ser recuperada em sua biodiversidade com o simples replantio de
eucaliptos, que empobrecem o solo, afastam os pássaros e criam outro
ecossistema distinto do originário, resolvendo apenas a necessidade do
empresário de “preservação do meio ambiente”.
A ambição de ampliar a produtividade de forma desmedida no
Agronegócio não se coaduna com a diversidade da natureza e com seu processo
de regeneração. O uso de insumos químicos pelo Agronegócio ambicioso nas
plantações é bom exemplo disso, pois estes produtos acabam por exaurir a
capacidade de produção da terra.
A Constituição de 1988 adotou, como conceito de desenvolvimento
sustentável, aquele que não permite a privatização do meio ambiente, prioriza a
democratização do controle sobre o meio ambiente, ao definir meio ambiente
como “bem de uso comum do povo”, e exige o controle do capital sobre o meio
por intermédio de instrumentos como o Estudo de Impacto Ambiental, e muitos
outros, que chamam a comunidade a decidir. Para uma aplicação eficiente do
desenvolvimento sustentável faz-se necessário um levantamento da medida de
suporte do ecossistema, ou seja, estuda-se a capacidade de regeneração e de
absorção do ecossistema e estabelece-se limite para a atividade econômica. Este
limite permite que as atividades econômicas não esgotem o meio ambiente, mas
que este seja protegido para o futuro. Nas precisas palavras de Sachs (2000, p.
48):
A ecologização do pensamento (Edgar Morin) nos força a expandir nosso
horizonte de tempo. Enquanto os economistas estão habituados a raciocinar em
termos de anos, no máximo em décadas, a escala de tempo da ecologia se
amplia para séculos e milênios. Simultaneamente, é necessário observar como
nossas ações afetam locais distantes de onde acontecem, em muitos casos
implicando todo o planeta [...].
Para Morin (1997, p. 56), o movimento ecológico nasceu da convergência
entre a ciência ecológica de um lado e o movimento neonaturista (sobretudo o
americano) de outro.
Assim Morin (1997, p. 56-57), referindo-se ao movimento
conservacionista da Natureza, oriundo das previsões catastróficas do Clube de
Roma, afirma:
[...] O verdadeiro problema não estava em deter o crescimento econômico, mas
em controlá-lo e regulá-lo. Podemos dizer que o crescimento zero foi um mito
que abriu uma problemática, e que as previsões do Clube de Roma foram o
equivalente ecológico das primeiras cartas geográficas desenhadas pelos
navegadores árabes da Idade Média: estes enganavam-se completamente sobre
a posição dos continentes e dos países, mas tinham o grande mérito de
esforçar-se em refletir sobre o mundo que conheciam e em representá-lo tão
precisamente quanto podiam [...] (grifo nosso).
Assim, a noção de desenvolvimento sustentável está intimamente ligada à
proteção ambiental das presentes e das futuras gerações, razão por que se define
desenvolvimento sustentável como aquele capaz de assegurar o desenvolvimento
das atuais gerações, sem comprometer o meio ambiente para as gerações futuras,
incluindo não apenas o aspecto econômico, mas também os seus valores de
beleza, harmonia social e equilíbrio (valores ético-ecológicos).[32]
Tal desenvolvimento terá que definir a medida da capacidade de suporte
dos ecossistemas rurais agrícolas, em relação a bens renováveis; a taxa de uso
não poderá ser superior à taxa de regeneração (plano de manejo); as taxas de
resíduos não poderão exceder a capacidade de absorção do meio ambiente; e,
quanto aos bens naturais não renováveis, a taxa de uso não poderá exceder a taxa
de recursos substitutos.
Por fim, não se pode esquecer que a sustentabilidade sempre envolve o
desenvolvimento socialmente justo, com a distribuição das riquezas e do
conhecimento.
Graciosamente, a tecnologia agrícola cresce cada vez mais na busca de
soluções amigáveis com o solo e com a água, respeitando a ética da terra. A
melhoria das sementes, a técnica do rodízio e da multicultura de plantio e a
melhoria no aperfeiçoamento dos fertilizantes podem tornar o Agronegócio
brasileiro e um exemplo de simbiose entre economia e ecologia.
2 A ÁGUA, O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O AGRONEGÓCIO
2.1 O DIREITO FUNDAMENTAL À ÁGUA
O acesso à água, conforme já visto, é uma das condições fundamentais
para o desenvolvimento humano. Entretanto, na entrada do século XXI, bilhões
de pessoas o têm (GLEICK, 2002, p. 1).[33]
Como destaca Priscolli (2000, p. 2), a noção de que a água é um bem da
humanidade e de que deve ser disponibilizada para todos vincula-se,
diretamente, ao princípio da dignidade humana.
A falha da Comunidade Internacional, dos Estados e das organizações não-
governamentais(representantes ativos da sociedade), em buscar satisfazer essa
necessidade humana fundamental, tem ensejado amplos debates sobre a busca
de mecanismos internacionais, nacionais e locais de trato desta questão.
Nesta secção, analisaremos a proteção internacional do acesso à água
como um direito fundamental em construção pelos tratados e conferências
internacionais sobre a água.
A primeira questão metodológica, a ser indagada refere-se à existência de
um direito fundamental universal à água.
O termo “direito fundamental”, neste momento, relaciona-se à proteção de
direitos comuns a todos os povos que transcendem a sua cultura e o local em que
se encontram.[34]
Como afirma Gleick (2002, p2), até recentemente, a questão dos
indivíduos ou grupos possuirem um direito legal a um mínimo de recursos
hídricos e de haver uma obrigação dos Estados e da Comunidade Internacional
em prover estes recursos não tem sido corretamente respondida.
Esse direito à água, sem sombra de dúvida, está presente na proteção ao
meio ambiente, no direito do desenvolvimento sustentável, na saúde, na vida,
dentre outros direitos fundamentais. Gleick, com razão, entretanto, entende que
tal posicionamento protetivo deve ser mais direto e específico, com uma
especificação e explicitação de um direito fundamental de acesso à água.
Assim, Gleick (2002, p. 3) questiona:
Qual o propósito ou o valor de explicitar-se um direito humano à água, quando
a Comunidade Internacional tem explicitamente reconhecido um direito
humano à comida e à vida? [...] Uma razão é para encorajar a Comunidade
Internacional e os Estados a renovar seus esforços no atendimento das
necessidades de água das suas populações. Esses esforços estão à caminho por
meio da Visão 21, um processo de criação de um Conselho Internacional de
Fornecimento e Tratamento da Água [Water Supply and Sanitation
Collaborative Council - WSSCC]. A discussão internacional deste tema é
importante, por que levanta um tema que é global e que, muitas vezes, passa
despercebido no âmbito nacional e local. A segunda razão da divulgação da
existência de tal direito, relaciona-se à pressão de que o mesmo seja
incorporado nas normas obrigacionais internacionais, nacionais e locais [...] A
terceira razão é dar destaque à situação deplorável da gestão hídrica em muitas
partes do mundo.[...] Uma quarta razão refere-se à ajudar à resolução dos
conflitos internacionais por recursos hídricos compartilhados por mais de um
país, identificando a necessidade de atendimento mínimo do recurso a todos
eles [...] Finalmente, explicitando o conhecimento deste direito humano pode-
se contribuir para a criação de políticas públicas hídricas que assegurem a
utilização humana da água para consumo como preferencial em relação aos
outros usos que possui.
Há inúmeras convenções e acordos internacionais, formalmente,
identificadores e declaradores do leque de direitos humanos vigentes no âmbito
internacional. Dentre esses, destacamos, na tabela abaixo, os principais com o
seu endereço eletrônico na Internet.






DENOMINAÇÃO DO DENOMINAÇÃO ENDEREÇO NA WORLD WIDE WEB
DOCUMENTO EM INTERNACIONAL
PORTUGUÊS

Declaração Universal dos Universal Declaration of http://www.unhchr.ch/udhr/index.htm


Direitos Humanos (1948) Human Rights (UDHR), 194
8

Convenção Européia dos European Convention on http://www.coe.fr/eng/legaltxt/5e.htm


Direitos Fundamentais Human Rights (“Convention
(1950) for the protection of human
rights and fundamental
freedoms”)

Convenção internacional International Covenant on http://www.unhchr.ch/html/menu3/b/a_cescr.htm


sobre direitos econômicos, Economic, Social and
sociais e culturais (1966) Cultural Rights (ICESCR),
1966

Convenção internacional International Covenant on http://www.unhchr.ch/html/menu3/b/a_ccpr.htm


sobre direitos civis e Civil and Political Rights
políticos (1966) (ICCPR), 1966
Convenção Americana dos American Convention on http://www.oas.org/EN/PROG/ichr/enbas3.htm
Direitos Humanos (Tratado Human Rights, 1966
de São José da Costa Rica,
1969)
Declaração sobre o direito ao Declaration on the Right to http://www.unhchr.ch/html/menu3/b/74.htm
desenvolvimento (1986) Development (DRD), 1989
Convenção internacional Convention of the Rights of http://www.unhchr.ch/html/menu3/b/k2crc.ht
sobre os direitos das crianças the Child (CRC)
(1989)



Conforme destaca Gleick (2002, p. 4), entre os direitos explicitamente
protegidos nas declarações referenciadas no Quadro anterior, estão o direito à
vida, à qualidade de vida, à proteção contra a doença e por uma alimentação
adequada. Nesse aspecto, não se pode esquecer a correlação entre o aumento da
produção de alimentos produzido pelo Agronegócio e o combate a fome que é
elemento integrante da Agenda 21, dos objetivos do milênio e dos recentes
objetivos do desenvolvimento sustentável da Agenda 2030.
Apesar do direito à água limpa (consumo da água) estar implicitamente
mencionado como pré-requisito a esses direitos, a água só é explicitamente
mencionada na Convenção internacional sobre os direitos das crianças.
Assim sendo, por que a água não foi expressa nas outras declarações, tal
qual o foram o direito à alimentação e ao vestuário,[35] por exemplo?
Nesse aspecto, não se pode esquecer de situarem os direitos fundamentais
como direitos históricos[36], não sendo a água, na declaração universal de 1948,
um problema visível ou efetivo como se apresenta hoje.
Assim, Gleick (2002, p. 11) propõe que a recomendação de 50 litros (por
volta de 13 galões) diários por pessoa, seja uma meta mínima universal de
garantia de acesso à água.
A aritmética de Gleick já representa um enorme desafio, tendo também um
aspecto político relevante de solidariedade entre os povos a respeito da água.
Assim, violará a ética da deontologia inerente aos direitos fundamentais o
desperdício de água em países como o Brasil.
Neste aspecto, o senador Cabral (2001, p. 15), com propriedade, afirma:
Como pode ter problemas um país que tem água? Como nós, brasileiros, a
estamos tratando? [...] É muito aflitivo comprovar que a estamos tratando
muito mal. A administração dos recursos hídricos é um setor para o qual não
podemos adiar ações concretas. [...] A escassez, em algumas áreas do Brasil e
do mundo, não nos permite postergar medidas para estabelecer o uso racional
dos recursos disponíveis.
No mesmo sentido, Selborne (2002, p. 23) afirma que embora todos
precisemos de água, isso não nos dá o direito de acesso a toda a água que
quisermos utilizar. É preciso que a sociedade comece garantindo, em primeiro
lugar, uma hierarquização que permita atender “às necessidades essenciais da
humanidade, assim como dos nossos ecossistemas”.
Barlow; Clark (2002, p. 4) revelam e criticam um complô das grandes
corporações que comercializam água, baseando-se na necessidade vital da água
para todas as pessoas (aquelas que podem pagar e as que não podem pagar pela
água).
Nesse contexto, deve ser vista a existência de um direito fundamental à
água, direito correlato a um meio ambiente sadio, que reforça a racional gestão
hídrica, que deve transcender aos interesses de determinado indivíduo e
determinada coletividade no tempo (futuras gerações) e no espaço (os outros
povos com carência de água têm direito ao recurso existente de forma abundante
em outro país).
Assim, deve-se inferir que o Agronegócio possui uma obrigação com a
coletividade no uso racional da água, que por ser bem fundamental, não pode ser
desperdiçada. Por outro lado, a Agricultura exerce importante papel na oferta de
alimentos que podem contribuir para a diminuição da fome e da pobreza que são
objetivos de desenvolvimento sustentável a ser alcançados pelas políticas
públicas brasileiras.
2.2 A ÁGUA, A FOME E A PRODUTIVIDADE DA TERRA
As secas periódicas no Nordeste Brasileiro (nível interno do País) e as
migrações que elas provocaram dão uma noção do que pode acontecer no futuro,
em nível mundial. No caso brasileiro referido, a migração foi interna, mas,
quando se tratar da migração da população de um país para outro vizinho ou para
regiões desenvolvidas, os problemas vão se multiplicar.
Nesse aspecto, interessante a recordação da seca sofrida pela Etiópia em
1980:
No início dos anos 80, uma prolongada seca na Etiópia, associada à
degradação ambiental (desmatamento das nascentes, erosão e empobrecimento
dos solos) provocou fome generalizada à população. As dramáticas cenas
mostradas pela televisão, na época, provocaram na comunidade internacional,
inclusive artistas e músicos famosos, uma onda de solidariedade e cooperação
para a remessa de alimentos. Mas grande parte da população afetada migrou
para o vizinho Sudão, em busca desesperada por comida e água, o que
provocou o aparecimento de graves tensões com as populações locais, em
virtude do aumento da competição pelos recursos já escassos. Estas tensões
quase provocaram um conflito entre os dois países, que fez com que o
PNUMA criasse uma classificação para refugiados (além dos de guerra e
políticos): os refugiados ambientais (SALATI; LEMOS; SALATI, 1999, p. 48-
49).
No futuro, os usuários da água para fins doméstico (de consumo humano)
e industrial vão competir cada vez mais com a agricultura irrigada,
particularmente em algumas regiões da Ásia e da África. Para se produzir uma
tonelada de grãos são necessárias mil toneladas de água, e para uma tonelada de
arroz, duas mil toneladas de água. Além disso, sistemas de irrigação mal
planejados e/ou mal operados podem provocar a salinização e degradação dos
solos. A melhoria da eficiência dos sistemas de irrigação é, portanto, um dos
requisitos prioritários para se atingir o desenvolvimento sustentável.[37]
O Banco Mundial publicou, logo após a Conferência do Rio de Janeiro de
1992, o relatório “Gerenciamento de Recursos Hídricos”, que define a política
do Banco para apoio à proteção dos recursos hídricos.
Neste relatório, afirma que: “a água é um recurso cada vez mais escasso e
que necessita de um cuidadoso gerenciamento econômico e ambiental”, e
recomenda que os países em desenvolvimento adotem, com urgência, uma
política integrada de gerenciamento dos recursos hídricos, que considere os
aspectos intersetoriais dos usos da água. Esta política deve criar condições
favoráveis para que as agências internacionais de desenvolvimento, os órgãos
governamentais, o setor privado, as organizações não governamentais, as
comunidades e os consumidores possam contribuir para a melhoria do
gerenciamento dos recursos hídricos (WORLD BANK, 1993, p. 5).
A Lei 9.433/97, ao estabelecer o valor econômico da água como um dos
fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, destacou o fato de que a
água é um bem finito e escasso, que deve ser usado para vários propósitos
(multiuso da água). Assim, a utilização da água para fins agrícolas deve ser feita
com racionalidade para que não falte para os outros usos humanos e ecológicos
necessários, só dessa forma racional haverá a conservação de um bem natural
para as presentes e futuras gerações.
Emerge da argumentação apresentada, pois, a íntima correlação entre o
desenvolvimento sustentável, o Agronegócio e a água no Brasil principalmente
pela melhoria dos métodos de irrigação utilizados.
Esse desafio se afigura maior nas regiões áridas como o Nordeste e a
Região de Seca do Centro-oeste. Brasília, capital do país, representa também um
ícone desta realidade tendo passado por processo de racionamento em 2017 em
face da dualidade período chuvoso/período seco que a caracteriza. Nesses locais,
a busca da máxima eficiência do recurso hídrico na irrigação é uma necessidade
concreta e imprescindível do desenvolvimento sustentável. Já existe métodos de
gestão da irrigação que com o uso de sistemas inteligentes permitem esta
abordagem (NEWSON, 1997).


3 O USO PRIORITÁRIO DA ÁGUA, A DESSEDENTAÇÃO DOS ANIMAIS
E O AGRONEGÓCIO
A Lei 9.433/97 considerou que há dois usos prioritários para a água: o
consumo humano (direito fundamental – ética antropocêntrica) e a
dessedentação dos animais (ética ecocêntrica) são valores protegidos e
destacados dos outros. Classifica, pois, a água como um bem ecológico da
biocenose que propicia a possibilidade de existir para esses seres sensitivos.[38]
A existência de um uso prioritário para o consumo humano, ao lado da
dessedentação de animais, destaca a construção do acesso à água como um
direito fundamental partilhado. Aqui abre-se um espaço privilegiado para o uso
racional da água pelo Agronegócio.
Assim, a proteção da dessedentação dos animais, em si, caracteriza o uso
da água, de forma inovadora, ao revelar a adoção de uma ética na qual os
recursos hídricos não são vistos como meros recursos voltados, exclusivamente,
para o homem, mas que considera outros membros sensitivos da biocenose: os
animais. (visão ecocêntrica).
Nesse aspecto, no âmbito brasileiro, Telles (1999, p. 314) realça a proteção
da dessedentação de animais na pecuária (animais mais próximos do homem e
da preocupação econômica com a utilização dos recursos naturais), descrevendo
a utilização da água nesta atividade econômica importantíssima para a economia
brasileira, favorecendo o Agronegócio:
A pecuária extensiva ou intensiva, demanda água para a dessedentação dos
animais. Em projetos de criação intensiva, face ao grande aumento da
produtividade decorrente da utilização de técnicas modernas de manejo de
animais confinados [...]
Para suprir as necessidades de água dos animais, os criadores se utilizam de
tanques-bebedouros e, em alguns casos para animais mais sensíveis, chuveiros
para aliviar o calor. Consomem também água para a limpeza e o asseio dos
estábulos, pocilgas, etc. [...]
A água muitas vezes não é destacada como um nutriente necessário à
pecuária, pensa-se mais no pasto e menos nela. Entretanto, de acordo com
Monteiro (2018), a água é o nutriente mais importante. A falta dela diminui por
exemplo a produtividade da produção do leite, fundamental para a nutrição de
cálcio para a infância e para a terceira idade.
Discutir-se-ia, pois, se só os animais (de forma restrita, direta), ou,
também, as plantas (de forma ampla e indireta uma vez que estas matam a sede
dos animais e dos homens ao fornecer água na forma de alimento), ou todo o
ecossistema responsável pela vida dos animais e dos homens estão amparados
por esse dispositivo normativo simbólico da integração do homem e da natureza.
[39]

Não se trata de simples conjectura a análise do domínio normativo da


dessedentação dos animais e sua compreensão extensiva para todo o
ecossistema. Ao contrário, visualiza-se, no caso, interpretação que busca dar
máxima efetividade à proteção da “vida humana” e do “meio ambiente
ecologicamente equilibrado”, bens constitucionais cuja proteção concretiza-se
nos princípios éticos em estudo.
Assim, haverá vários níveis de éticas ecocêntricas passíveis de apreciação
e análise na expressão dessedentação de animais, sendo que, para este trabalho,
adotar-se-á a proteção máxima realizada quanto à garantia de água para a
preservação do ecossistema.
A discussão ontológica da necessidade de proteção do ecossistema em si,
que perfaz toda a primeira parte deste trabalho e boa parte da terceira parte, ao se
analisar a valoração ecológica em contraste com a econômica, constitui o
fundamento do posicionamento pela proteção do ecossistema.
Resta, no entanto, de forma exemplificativa, trazer-se à luz do debate as
representativas discussões da Suprema Corte americana a respeito da existência
de interesses hídricos da Natureza a serem protegidos pelo Judiciário.
No artigo “Should trees have standing” de 1972, Stone (1997, p. 571-580),
professor de Direito da Universidade da Califórnia, influenciou
significativamente o desenvolvimento da environmental ethics americana,
utilizada como um dos marcos teóricos deste trabalho.
Stone (1997, p. 571-580) propõe, de forma pioneira, com a citação de
cases, dar direitos legais a bens naturais, por meio de uma curadoria ambiental, à
semelhança do que ocorre com as curadorias dos legalmente incapazes. [40]
A defesa de Stone de “direitos” à Natureza ocorreu durante a disputa legal
em Mineral King Valley (Sierra Club v. Morton,1972). A ONG Sierra Club
entrou com ação judicial para evitar a construção pela Walt Disney Enterprise de
um parque de esqui nas Sierra Mountains. A ação foi rejeitada no Judiciário da
Califórnia por falta de legitimidade do Sierra Club para o pedido. Encaminhada
a questão para a Suprema Corte Americana, STONE publicou o artigo, na
esperança de sensibilizar os Justices no sentido de reconhecer o Sierra Club
como curador destes direitos.[41]
A análise de Stone (1997, p. 571) perpassa a ontologia dos direitos
fundamentais, enfatizando o seu aspecto evolutivo.
Darwin (apud STONE, 1997, p. 573), faz uma analogia entre o
desenvolvimento das aptidões morais humanas segundo a teoria de Darwin e o
reconhecimento “evolutivo” dos direitos fundamentais. Os direitos têm como
escopo a proteção do dano, e os titulares dos direitos têm-se expandido, de forma
gradual, junto com os direitos protegidos.
Lembra, por exemplo, que em um determinado momento histórico, só o
homem adulto proprietário de bens imóveis possuía plenos direitos. Hoje,
entretanto, a proteção legal inclui pessoas que não são proprietários de terra, tais
como mulheres, negros e índios, estando no momento de se estender a proteção
legal, por meio de uma curadoria, aos bens naturais.
No âmbito dos argumentos apresentados por Stone e em termos práticos, a
proteção da natureza e dos animais no âmbito da utilização pelo homem dos
recursos naturais e, em especial, dos recursos hídricos constitui-se fato jurídico
analisado na jurisprudência americana, conforme indica julgados como o
Tennessee Valley Authority v. Hill (1978), julgado posteriormente ao case Sierra
Club v. Morton (1972).
No case Tennessee Valley Authority v. Hill, 437 U.S. 153 (1978),
vulgarmente conhecido como case Snail Darter, a ética protetiva ecocêntrica foi
posta em confronto direto com a ética utilitarista-econômica, tendo, a primeira,
prevalecido na decisão da Suprema Corte Americana ao fazer respeitar o
previsto no Endangered Species Act (Lei para a proteção das espécies em
extinção, correspondente a nossa Lei de Biodiversidade) e impedir a conclusão
da construção de uma represa (The Tellico Dam) que iria inundar, para produção
de energia elétrica, o habitat de um peixe de três polegadas de comprimento em
extinção chamado Snail Darter. [42]
A Tennessee Valley Authority (TVA), companhia de desenvolvimento do
Vale do Rio Tennessee, tinha como objetivo a construção da hidroelétrica de
Tellico. Entretanto, a construção desta represa ocasionaria a inundação de uma
grande área. Durante a construção, faltando menos de dez por cento dos recursos
econômicos para concluí-la, um grupo de moradores da região entrou com ação
na Justiça americana para que a TVA interrompe-se a construção da represa,
argumentando que a conclusão da obra e a criação do reservatório artificial dela
decorrente desrespeitariam o Endangered Species Act por ocasionar a destruição
do habitat e a extinção de espécie de peixe só existente nesta região do Rio
Tennessee.
A questão foi, após decisões proferidas nas Cortes Local e de Apelação,
encaminhada à Suprema Corte, a qual procurou responder duas indagações:
Iria a TVA violar a legislação protetiva das espécies com a construção e a
operação da referida barragem?
Seria adequado a ordem judicial de interrupção da obra após ter sido gasto
mais de 100 milhões de dolares para sua construção?
O Chief Justice WARREN BURGER e a Suprema Corte decidiram que as
obras não deveriam prosseguir em respeito à vida da espécie Snail Darter,
verbis:
Pode parecer curioso para alguns que a sobrevivência de um pequeno número
de peixes de três polegadas, em contraste com os milhões de outras espécies
existentes, possa requerer a interrupção de uma quase completa barragem para
a qual o Congresso já havia gasto mais de $ 100 milhões [...] Nós concluímos,
entretanto, que as expressas e claras normas do Endangered Species Act
determinam essa resposta (SUPREME COURT, 2018, tradução livre, grifo
nosso).
Portanto, a existência de uma ética protetiva da natureza, corporificada nas
normas protetivas legais das espécies em extinção, que, pelo menos em
determinados casos concretos, prevalece sobre a ética econômica é um fato
comprovado pela jurisprudência da Suprema Corte Americana. No caso
concreto, o elemento econômico ficou em segundo plano em relação ao
elemento normativo legal de conteúdo ecocêntrico. Mutatis mutandi, o mesmo
modelo deve ser aplicado ao Agronegócio no Brasil.
Nesse contexto, deve ser vista a utilização da água de forma racional pelo
Agronegócio como uma forma de concretizar o Estatuto da Terra. A ideia da
função social da terra, preconizada pelo Estatuto da Terra ganha novo paradigma
com a proteção ambiental e hídrica trazida pela Constituição de 1988 e pela Lei
da Política Nacional dos Recursos Hídricos. O agronegócio sustentável
corporifica o desenvolvimento econômico e social do campo imaginado pelo
Estatuto da Terra dando ensejo a um novo direito agrário ambientalista.
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CAPÍTULO 5
A TUTELA CONSTITUCIONAL DAS
INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS

KELLY LISSANDRA BRUCH
kelly.bruch@ufrgs.br. Pós-Doutora em Agronegócios pelo CEPAN/UFRGS.
Doutora em Direito pela Université Rennes I, France em co-tutela com a
UFRGS. Mestre em Agronegócios pelo CEPAN/UFRGS. Especialista em
Direito e Negócios Internacionais pela UFSC. Graduada em Direito pela
Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professora do Departamento de Direito
Econômico e do Trabalho, da Faculdade de Direito da UFRGS. Professora do
Programa de Pós Graduação (mestrado e doutorado) do Centro em Estudos e
Pesquisas em Agronegócios - CEPAN/UFRGS. Coordenadora do GIPPI -
Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Propriedade Intelectual. Consultora
Técnica do Instituto Brasileiro do Vinho - IBRAVIN. Membro da Comissão
Especial de Propriedade Intelectual da OAB/RS, Coordenadora da Comissão de
Estudos Especiais de Indicações Geográficas da Associação Brasileira de
Normas Técnicas - ABNT, Expert indicada pelo Governo Brasileiro junto à
Organização Internacional da Uva e do Vinho - OIV, Secretária Executiva da
Comissão Técnica Brasileira da Vinha e do Vinho - CTBVV. Associada da
Associação Internacional de Juristas do Vinho - AIDV. Associada à União
Brasileira dos Agraristas Universitários - UBAU. Associada à Associação
Brasileira de Propriedade Intelectual - ABPI.

JOÃO ANTONIO CARRARD SITTA
joaositta@gmail.com .Advogado na área de Propriedade Intelectual. Possui
graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (2014) e atualmente é mestrando no Programa de Pós-Graduação
em Direito da UFRGS. Participou de programa de intercâmbio acadêmico na
Universidade Nacional del Litoral (Argentina) com bolsa promovida pela
Associação de Universidades do Grupo Montevidéu (2013). Participa do projeto
de extensão universitária Assessoria Jurídica Hernani Estrella, que tem como
objetivo o desenvolvimento da prática de consultoria jurídica empresarial
gratuita no âmbito acadêmico, bem como o desenvolvimento de grupos de
estudos em áreas específicas relacionadas à atividade empresarial. É membro do
GIPPI - Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Propriedade Intelectual.

JONAS CORREA NUNES JUNIOR
jonascnj@gmail.com. Graduando em Ciências Jurídicas e Sociais pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Bolsista de Iniciação Científica e
membro do GIPPI - Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Propriedade
Intelectual.

INTRODUÇÃO
Desde a Antiguidade os signos distintivos são utilizados para identificar e
diferenciar a origem de bens, ou para indicar a propriedade de um produto, sua
origem comercial ou geográfica. Verifica-se que, ao longo da história, tem
havido avanço na construção e consolidação do uso desses signos no âmbito
internacional e mais recentemente no direito interno. Os signos distintivos,
reconhecidos como direitos de propriedade industrial desde que foi firmada a
Convenção União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, em 1883,
podem ser agrupados em: signos que indicam individualmente produtos ou
serviços, compreendidos como as marcas de produtos e as marcas de serviços;
signos que identificam produtos e serviços provenientes de uma coletividade,
caracterizados como marcas coletivas; signos que atestam uma conformidade de
produtos e serviços, reconhecidas como marcas de certificação; e signos que
identificam um produto ou serviço por ser originário de um lugar determinado e
ter características que podem ser atribuídas a esta origem geográfica, na qual
podem estar presentes fatores naturais e humanos, que são as indicações
geográficas (IG), as quais compreendem as indicações de procedência e as
denominações de origem.
Atualmente todos estes signos tem seu reconhecimento constitucional, em
face do disposto no artigo 5º, inciso XXIX, da Constituição da República
Federativa do Brasil, e sua regulamentação por meio da Lei de Propriedade
industrial, Lei Federal n. 9.279, de 14 de maio de 1996.
Especificamente, a Lei Federal n. 9.279/1996, em seu artigo 176 e
seguintes, define que se constitui uma indicação geográfica a indicação de
procedência e a denominação de origem. O artigo 177 define a indicação de
procedência (IP) como o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade
de seu território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração,
produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado
serviço. Já o artigo 187 define a denominação de origem (DO) como o nome
geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe
produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou
essencialmente ao meio geográfico, incluídos atores naturais e humanos.
Ressalta-se, adicionalmente, que este instituto tem particular relevância no
âmbito do direito rural, posto que o início das proteções às IG se dá diretamente
relacionada primeiramente aos vinhos e depois aos queijos e atualmente sua
absoluta maioria está ligada diretamente a produtos agroalimentares.
Na União Europeia, em nível comunitário, apenas são protegias indicações
geográficas e denominações de origem para produtos agroalimentares, vinhos,
bebidas espirituosas e bebidas a base de vinho. No Brasil, embora seja possível a
proteção de produtos e serviços, avassaladora quantidade está diretamente
relacionada ao agronegócio. Trata-se, efetivamente, de ativo intangível de
notável importância para o agronegócio e para a economia de maneira geral.
Destaca-se, neste a importância que este tema tem demonstrado nas negociações
– mais uma vez retomadas – entre o Mercosul e a União Europeia para firmar o
acordo bi regional de livre comércio. A União Europeia solicitou o
reconhecimento, ao Mercosul, de 348 - indicações geográficas para produtos
agroalimentares, sendo 145 para vinhos e 50 para queijos (INPI, 2018).
Muitas discussões são geradas a partir da sua previsão constitucional da
proteção aos signos distintivos, dentre os quais encontram-se as indicações
geográficas: seria este um direito fundamental? Ou, considerando-se a previsão
do disposto no próprio inciso XXIX, do referido art. 5º, seria sua previsão uma
limitação ao referido direito de propriedade, condicionando sua proteção ao
atendimento do interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico
do Brasil? Brevemente, o presente artigo busca responder a estas indagações,
analisando o instituto da Indicação Geográfica sob o enfoque do
desenvolvimento econômico encontra guarida na teoria abarcada pela nova
economia institucional.
Entretanto, a teoria não é o bastante. Para que as IG funcionem na prática é
preciso que, em primeiro lugar, que os padrões de qualidade dos produtos sejam
exigidos e, em segundo lugar, que as regras de proteção sejam reivindicadas por
quem tem direito e cumpridas. Neste sentido, na segunda parte deste artigo
busca-se analisar como o tema das indicações geográficas tem se estabelecido na
jurisprudência brasileira. Para tanto, adota-se metodologia quantitativa, que visa
analisar em todos os tribunais estatuais e federais brasileiros, a ocorrência de
julgados que tenham como objeto a discussão acerca dos direitos de propriedade
intelectual relacionados às indicações geográficas.
Assim, o presente trabalho encontra-se organizado da seguinte forma.
Além da presente introdução, na primeira parte aborda-se a tutela constitucional
das indicações geográficas, abordando as relações entre IG e instituições, IG e
custos de transação e IG e desenvolvimento. Na segunda parte é trazida a
pesquisa de campo, que permite analisar, desde a Constituição de 1988, se e
como as IG estão sendo apreciadas no âmbito dos tribunais nacionais. Ao final,
são apresentados os resultados e considerações finais.
1 A TUTELA CONSTITUCIONAL DAS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS
Desde o marco constitucional trazido pela Carta de 1988, o sistema
normativo abarcou não apenas uma, mas diversas formas de propriedade, cada
uma delas com suas próprias características e peculiaridades. A propriedade
trazida ao longo do texto constitucional não compõe um único e uniforme
instituto jurídico, mas antes um conjunto deles, relacionados a diferentes
espécies de bens, dentre os quais inserem-se os signos distintivos. Nas palavras
de Eros Grau:
Não podemos manter a ilusão de que à unicidade do termo – aplicado à
referência a situações diversas – corresponde a real unidade de um compacto e
íntegro instituto. A propriedade, em verdade, examinada em seus distintos
perfis – subjetivo, objetivo, estático e dinâmico – compreende um conjunto de
diversos institutos. Temo-la, assim, em inúmeras formas, subjetivas e
objetivas, conteúdos normativos diversos sendo desenhados para aplicação de
cada uma delas, o que importa no reconhecimento, pelo direito positivo, da
multiplicidade da propriedade. Assim, cumpre distinguirmos, entre si, a
propriedade de valores imobiliários, a propriedade literária e artística, a
propriedade do solo, v.g.[43]
Nesse contexto específico, deve-se buscar a compreensão das Indicações
Geográficas (IG) como instituição jurídica que comporta, além de características
comuns a todos os direitos de propriedade, suas particularidades e características
próprias.
No ordenamento jurídico brasileiro, as IG têm status constitucional, sob a
rubrica de “outros signos distintivos”. Atualmente, a tutela desses direitos é
incluída no artigo 5º, inciso XXIX. In verbis:
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio
temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à
propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos,
tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico
do País (grifou-se).
Em que pese os signos distintivos estarem incluídos no rol de direitos e
garantias fundamentais do artigo 5º da CF, dúvidas existem em relação à
fundamentalidade desse direito. Não há unanimidade na literatura quanto ao
caráter de direito fundamental em sua proteção. Nesse sentido, defende José
Afonso da Silva que o dispositivo que define e assegura a natureza desse
instituto “está entre os dos direitos individuais, sem razão plausível para isso,
pois evidentemente não tem natureza de direito fundamental do homem. Caberia
entre as normas da ordem econômica” [44]. Por outro lado, outros autores que
consagram a propriedade sobre signos distintivos, assim como os demais direitos
de propriedade, como direito fundamental[45].
De toda sorte, qualquer interpretação do texto do referido inciso deve ser
realizada de modo a priorizar a compatibilização desses direitos com os demais
direitos constitucionais. Uma importante reflexão a esse respeito nos trazem
Bonavides, Miranda e Agra[46], ao observarem a substancial diferença do preceito
constitucional atual em relação às Constituições anteriores, porquanto – na parte
final – o constituinte insere a ressalva de que a lei assegurará os direitos de
propriedade sobre signos distintivos “tendo em vista o interesse social e o
desenvolvimento tecnológico e econômico do País”.
A ressalva, não por acaso nunca antes feita, representa uma limitação ao
exercício do direito. Assegurar a proteção dos signos distintivos, para
Bonavides, Miranda e Agra, “tem por objetivo estimular o desenvolvimento
cultural, tecnológico e científico, bem como incrementar a atividade
concorrencial de um determinado país”[47].
Aliás, neste ponto reside uma diferença importante entre os direitos de
propriedade industrial e os demais direitos de propriedade intelectual. Existe
uma vinculação específica à cláusula finalística colocada ao fim do inciso XXIX,
sendo que esses devem atender aos objetivos de (a) visar o interesse social do
País; (b) favorecer o desenvolvimento tecnológico do País; e (c) favorecer o
desenvolvimento econômico do País. Essa cláusula finalística não ocorre quando
se trata da proteção de outros tipos de propriedade (como, por exemplo, os
direitos autorais) embora também estejam sujeitos à limitação
constitucionalmente imposta pela função social. Os direitos tutelados pela
indicação geográfica estão submetidos, portanto, a um regime de tutela próprio,
que não se confunde com a proteção dos demais direitos de propriedade.[48]
Assim, da simples leitura da Constituição depreende-se que o valor
fundamental que informa nosso regime de signos distintivos, em que se incluem
as indicações geográficas, é o do incentivo ao desenvolvimento econômico e do
interesse social do País. Trata-se de um direito incorporado pelo constituinte,
sobretudo, em nome da sociedade de acordo com a vontade e conveniência dela
própria.
Um dos aspectos que a inserção da cláusula finalística introduzida pelo
constituinte de 1988 evidencia é o de que a intervenção do Estado na proteção
dos signos distintivos, restringindo a liberdade de concorrentes de utilizá-los no
mercado, surge de uma necessidade social de promover o desenvolvimento
econômico e proteger o interesse do consumidor, e não para favorecer um grupo
em específico. Portanto, sob essa ótica, intervenção do Estado para a proteção
das IG deve se dar à medida que tragam benefícios para a sociedade, os quais se
busca compreender a seguir sob a perspectiva institucional e de
desenvolvimento.
1.1 INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS E INSTITUIÇÕES
Existem claramente, ao menos em teoria, fortes justificativas econômicas
para a tutela jurídica das IG.
Uma das características essenciais dessa instituição jurídica é a ligação
entre a origem geográfica de um produto e sua qualidade, reputação ou outra
característica do produto – comumente referida como nexo qualidade-origem ou
terroir (presente no artigo 22.1 do TRIPS). A proteção é conferida contra o uso
de IG em produtos não provenientes de determinada área a que a indicação se
refere. Ou seja, ela permite que determinados produtores excluam outros de usá-
las[49].
Por isso, diversas empresas buscam diferenciar seus produtos e serviços no
mercado e alavancar suas vendas em diversas partes do mundo. O ambiente
competitivo demanda atenção à qualidade do que é ofertado aos consumidores.
O mercado alimentício é um exemplo em que se percebe o aumento da
conscientização sociocultural sobre a segurança alimentar e sobre a cadeia de
produção e consumo de alimentos. Os consumidores estão cada vez mais
valorizando produtos associados a determinado local ou a formas específicas de
produção.
Nesse contexto, a complexidade que envolve as instituições jurídicas que
protegem as indicações geográficas não cabe apenas no modelo econômico neo-
clássico de mercado, marcado pela assinalação de qualidade apenas por meio do
mecanismo de preços, mas exige padrões e normas que se transformam na chave
do comportamento estratégico e desempenho de mercado dos atores econômicos.
Por isso, compreender as IG como parte de uma estrutura institucional é
essencial para entender o seu papel na atualidade.
Instituições podem ser definidas, à luz da teoria da Nova Economia
Institucional, como uma estrutura de incentivos impostas por regras formais
(constituições, leis, atos normativos, regulação estatal, entre outros) e informais
(normas sociais e de comportamento, convenções, códigos de conduto, etc.)[50].
Douglass North[51] destaca a importância das instituições, em suas diversas
acepções, na determinação da estrutura e do desempenho econômicos. Atribui
especial importância aos direitos de propriedade, pois os interpreta como
mecanismo para estimular investimentos produtivos, reduzir a incerteza futura e
garantir a exploração das inovações, de modo a proporcionar o avanço do
conhecimento, da produtividade e, no limite, favorecer o desenvolvimento
econômico.
A abordagem da Nova Economia institucional, enfatizando os direitos de
propriedade, surgiu à medida que os economistas começaram a perceber que
vários arranjos jurídicos e institucionais podem ter um relevante impacto sobre a
alocação de recursos na sociedade, pois restringem ou incentivam certos
comportamentos das empresas e dos indivíduos[52]. Trazendo este raciocínio para
a análise dos direitos de propriedade intelectual, independentemente da espécie
de bens sobre os quais incidem, instituições são uma ferramenta para protegê-los
e gerenciá-los. Assim, elas são úteis para o funcionamento eficiente das IG não
só como direito de propriedade (instituições formais), mas também como
criadores de capital social (instituições informais).
Como instituições formais, as indicações geográficas podem abranger
regras para proteção de ativos intangíveis relacionados a certos produtos e sua
implementação. Aparte das instituições legais, as IG podem contribuir para o
arranjo de instituições informais de caráter comunitário, que fomentam o capital
social de determinada área, incentivando a criação de vínculo social entre os
atores que fazem parte daquela rede, o que é um fato crucial para o aumento da
produtividade e agregação de valor no sistema econômico[53]. Também os
produtores de determinado bem portador de uma IG necessitam pertencer a uma
determinada área e demonstrar características específicas exigidas para sua
utilização. Assim, os produtores são incentivados a interagir estreitamente com
os atores locais, o que aumenta a cooperação entre si e induz o fortalecimento de
relações baseadas na confiança[54].
Além do relevante papel das IG como instituição, a Nova Economia
Institucional foi capaz de assinalar outra importante função a esses direitos:
diminuição dos custos de transação relacionados à comercialização do produto,
materializada na redução da assimetria de informação entre os produtores e
consumidores.
1.2 INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS E CUSTOS DE TRANSAÇÃO
Parte dos autores da Nova Economia Institucional debruçarem-se sobre o
estudo dos custos associados a transações que ocorrem no mercado e
mecanismos de governança institucional capazes de minimizá-los. Muitos
problemas são enfrentados pelos agentes econômicos para obtenção de
coordenação necessária à conclusão da transação: buscar informações sobre
produtos e serviços e reputação dos contratantes exige esforço, negociar as
condições toma tempo, redigir um contrato necessita qualidade técnica e fazer
com que um contrato seja cumprido exige cuidado. Tratam-se dos chamados
custos de transação[55], que em diversos casos representam empecilhos para o
funcionamento do mercado.
Nesse sentido, as instituições podem servir como ferramenta para
minimização dos custos de transação. Coase sustenta:
Os custos de troca [ou seja, os custos de transação] dependem das instituições
de um país - o sistema legal (incluindo os direitos de propriedade e sua
aplicação), o sistema político, o sistema educacional, a cultura. Essas
instituições, na verdade, governam o desempenho do sistema econômico.[56]
Carl Dahlman[57] divide os custos de transação em três grandes categorias:
(1) custos de procura e de informação, para determinar se um bem desejado está
disponível no mercado, suas respectivas qualidades e a reputação do vendedor;
(2) custos de barganha, relacionados à negociação da transação; e (3) custos de
implementação, relacionados ao cumprimento do acordo. No que se refere às IG,
maior relevância se dá à primeira categoria.
As IG possuem uma racionalidade para sua proteção baseada na assimetria
de informação entre fornecedores e consumidores e no papel da reputação
transmitida por meio de signos distintivos como forma de diminuir essas
assimetrias. Em um contexto em que os compradores não conhecem totalmente a
qualidade dos bens e o mercado desses bens é heterogêneo, os custos de
informação costumam ser altos[58]. Assim, quando as informações entre as partes
não são completas, a reputação dos envolvidos desempenha um relevante papel
na assinalação do grau de qualidade do produto[59].
Nesse sentido, as IG podem funcionar como uma feramente importante
para assinalação no mercado e assegurar a qualidade do produto esperada pelo
comprador, reduzindo a assimetria de informação entre os contratantes, ao
estabelecerem padrões de qualidade na produção e indicarem a origem de
proveniência[60]. Uma IG reconhecida torna possível que o produtor de certa
localidade, mesmo em pequena escala e longe do consumidor, possa colocar seu
produto no mercado com uma assinalação de qualidade consistente, baseada na
reputação do signo distintivo[61].
Além da função de assinalação, Jena e Grote[62] destacam a possibilidade
de as IG promoverem certa racionalização nos custos de promoção do produto,
já que os gastos com publicidades podem ser compartilhados pela pluralidade de
produtores que fazem uso da mesma IG, evitando a duplicação de gastos.
Deste modo, as IGs podem ser vistas como uma importante ferramenta
para reduzir custos de transação, institucionalizando a reputação dos produtores,
a fim de resolver certos problemas que surgem da assimetria de informação.
1.3 INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS E DESENVOLVIMENTO
As IG desempenham um papel relevante para a criação de um ambiente
em que se observa engajamento comunitário. Em geral, elas estão relacionadas a
produtos e atividades ligadas à agricultura, à indústria alimentícia e à fabricação
artesanal. Estes produtos, por sua vez, como observado por Jena e Grote[63],
possuem significativa importância para países em desenvolvimento. A
comercialização e proteção mais efetiva das IG pode contribuir para a redução
da pobreza, aumento de renda e oportunidades de emprego nestes países. Assim,
este sistema de direitos pode ser crucial para promover o desenvolvimento em
países que ainda possuem baixos indicadores sociais.
Justamente a característica das IG de favorecerem a proteção de produtos
locais é que pode beneficiar o desenvolvimento regional. O direito é concedido a
uma coletividade de produtores, e não a apenas um indivíduo ou empresa, o que
favorece toda a comunidade e a produção local. Além de que – ao contrário de
outros direitos de propriedade intelectual – o bem incorpóreo não é criado, mas
apenas reconhecido, o que implica apenas a necessidade da construção de uma
reputação para os produtos já existentes, e não necessariamente a criação de um
novo[64].
Existem evidências sobre o impacto positivo da constituição de uma IG na
economia regional. Por exemplo, um estudo[65] constatou que, após a obtenção da
Indicação de Procedência “Vale dos Vinhedos”, várias iniciativas de
desenvolvimento regional a nível comunitário floresceram, tais como um esforço
para a criação de uma identidade associada à oferta de um produto superior, a
qualificação na produção de vinho, a instalação de novas vinícolas com elevado
padrão tecnológico e diversidade de atividades econômicas, aumento do número
de empregos, pavimentação de ruas e estradas, aumento do fluxo de pessoas,
valorização dos imóveis, embelezamento dos espaços, entre outros. O mesmo
estudo mostrou que, com a obtenção da Indicação de Procedência “Pampa
Gaúcho da Campanha Meridional”, mesmo recente a obtenção à época, a região
experimentou maior organização e sensibilização quanto à preservação do meio
ambiente e da biodiversidade base para o sistema de produção, mudança nas
instituições de pesquisa e assistência técnica da região rural, maior preocupação
com a imagem associada com a pecuária extensiva, maior reconhecimento
internacional, entre outros.
Assim, as IG podem ser uma importante ferramenta institucional para
diminuir as vulnerabilidades locais e fomentar o desenvolvimento regional, por
meio do engajamento social comunitário[66].
Da exposição acima delineada, constata-se que há uma base teórica
razoavelmente sólida para existência de um sistema de IG baseadas no direito de
propriedade. Entretanto, a teoria não é o bastante. Para que as IG funcionem na
prática é preciso que, em primeiro lugar, que os padrões de qualidade dos
produtos sejam exigidos e, em segundo lugar, que as regras de proteção sejam
reivindicadas por quem tem direito e cumpridas. Neste sentido, na segunda parte
deste artigo buscou-se analisar como o tema das indicações geográficas tem se
estabelecido na jurisprudência brasileira.
2 INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS NO INPI E NOS TRIBUNAIS
BRASILEIROS
Conforme já assinalado, no Brasil as indicações geográficas estão
reguladas na Lei Federal n. 9.279/1996. Esta determina, entre outras disposições,
que cabe ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), regulamentar o
seu reconhecimento. Neste sentido, encontra-se vigente a Instrução Normativa n.
25 de 21 de agosto de 2013, que estabelece as condições para o Registro das
Indicações Geográficas.
Verifica-se que ainda em 1988, enquanto vigente a Lei n. 5.772, de 21 de
dezembro de 1971, que instituía o Código da Propriedade Industrial, havia
disposição sobre o tema[67], mas este ainda era regulado de maneira negativa[68], o
que vem a ser alterado apenas com a edição da nova lei de propriedade
industrial, que prevê, efetivamente dispositivos para que se realize a sua
proteção positiva em face do seu reconhecimento. Todavia, isso efetivamente
apenas será possível com a edição do Ato Normativo INPI n. 143, de 31/08/1998
e posteriormente a Resolução INPI n. 075, de 28 de novembro de 2000, que
estabeleceram de fato os procedimentos para que o reconhecimento fosse
realizado pelo INPI[69].
Assim, somente após esta data é que se verificam os primeiros pedidos de
reconhecimento de IG no Brasil. O levantamento completo de todas as IG
depositadas, sejam elas nacionais ou estrangeiras, para IP ou DO, concedidas,
em análise, indeferidas e arquivadas, podem ser analisadas na Tabela 1.

Tabela 1: Indicações geográficas depositadas, nacionais ou estrangeiras, IP
ou DO, concedidas, em análise, indeferidas e arquivadas, no Brasil, perante o
INPI.

Ano Origem Depó- Espécies Concessões Em Indeferidos Arquivados
sitos (395) análise (375 e 390) (325)
DO IP
Nacionais 0
1997 2 0 1 1 0 0
Estrangeiros 2
Nacionais 1
1998 3 0 2 0 0 1
Estrangeiros 2
Nacionais 1
1999 0 1 1 0 0 0
Estrangeiros 0
Nacionais 1
2000 1 1 1 1 0 0
Estrangeiros 1
Nacionais 0
2001 2 0 2 0 0 0
Estrangeiros 2
Nacionais 2
2002 1 3 0 0 3 1
Estrangeiros 2
Nacionais 0
2003 0 0 0 0 0 0
Estrangeiros 0
Nacionais 5
2004 1 4 0 0 0 5
Estrangeiros 0
Nacionais 1
2005 0 1 1 0 0 0
Estrangeiros 0
Nacionais 1
2006 1 1 1 0 0 1
Estrangeiros 1
Nacionais 4
2007 0 4 4 0 0 0
Estrangeiros 0
Nacionais 2
2008 3 1 2 2 0 0
Estrangeiros 2
Nacionais 7
2009 5 6 7 3 0 1
Estrangeiros 4
Nacionais 13
2010 6 8 14 0 0 0
Estrangeiros 1
Nacionais 5
2011 4 4 7 1 0 0
Estrangeiros 3
Nacionais 8
2012 3 7 6 4 0 0
Estrangeiros 2
Nacionais 5
2013 3 3 4 1 0 1
Estrangeiros 1
Nacionais 11
2014 1 11 6 5 0 1
Estrangeiros 1
Nacionais 12
2015 0 12 7 5 0 0
Estrangeiros 0
Nacionais 4
2016 4 1 0 4 0 1
Estrangeiros 1
Nacionais 8
2017 3 7 0 10 0 0
Estrangeiros 2
Nacionais 91
Total Estrangeiros 27 43 75 66 37 3 12
Nacionais e
118
estrangeiros

Fonte: Elaborado com base em INPI, 2018.

Fazendo a análise dos dados coletados, verifica-se que até maio de 2018
haviam sido depositados 118 pedidos junto ao INPI, sendo 91 nacionais e 27
estrangeiros. Destes, 43 era DO e 75 IP. Foram concedidos 66, 3 foram
indeferidos, 12 arquivados e 37 ainda estão em análise. Dos concedidos,
verifica-se 48 IP brasileiras, 10 DO brasileiras e 8 DO estrangeiras.
Das IG concedidas, verifica-se que 39 Indicações de procedência são
relativas ao agronegócio, 8 a outros e 1 a serviços. Dentre as denominações de
origem, 15 referem-se ao agronegócio e 3 a outros. Dentre as IG do agronegócio,
destacam-se indicações geográficas para vinhos, queijos, cachaça, café, frutas,
mel, própolis e cacau, além de guaraná, camarão, peixe, farinha de mandioca,
açafrão, erva-mate, inhame, linguiça, cajuína, biscoito, algodão colorido,
calçados de couro, couro, carne bovina e doces. Verifica-se assim a diversidade e
abrangência deste instituto.
No âmbito jurisprudencial, para de forma seminal identificar-se a
existência de julgados acerca da temática das indicações geográficas, empregou-
se metodologia quantitativa, de busca e análise de decisões. Assim, para
compreender como se deu a aplicação na jurisprudência, realizam-se buscas com
todas as variantes das palavras chaves previstas na Lei n. 9.279/1996,
relacionadas com indicações geográficas, notadamente:
a) “Indicação Geográfica”; b) “Indicações Geográficas”; c) “indicação de
Procedência”; d) “indicações de Procedência”; e) “Denominação de origem”; f)
“Denominações de origem”; g) “indicação de Proveniência”; h) “indicações de
Proveniência”.
Esta busca se deu nos Tribunais Estaduais(TJ), Tribunais Regionais
Federais (TRF), Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal
(STF). Nestes tribunais, obtemos os seguintes resultados:

Palavra-chave TRF1 TRF2 TRF3 TRF4 TRF5 TJ/SP TJ/RJ TJ/MG TJ/ES TJ/RS TJ/SC TJ/MS STJ STF
Indicação
0 8 1 1 2 7 5 2 1 2 0 1 3
geográfica
Indicação de
4 11 5 6 3 1 4 3 0 1 9 0 3
procedência
Denominação
0 3 1 0 0 4 1 0 0 0 0 0 2
de origem
Indicação de
0 0 0 0 0 1 0 0 0 2 0 0 0
proveniência
Total 4 22 7 7 5 13 10 5 1 5 9 1 8


Fonte: Elaboração própria.

Ressalta-se que nos seguintes Tribunais de Justiça não foram encontrados
julgados contendo os termos supra ressaltados: TJ/SE, TJ/TO, TJ/RR, TJ/RO,
TJ/PI, TJ/PB, TJ/PA, TJ/MT, TJ/MA, TJ/GO, TJ/CE, TJ/BA, TJ/AP, TJ/AM,
TJ/AL, TJ/AC.
Todavia, o que mais se destaca é a ausência de julgados nesta temática no
âmbito do STF, pelo menos utilizando-se as palavras citadas, posto que verifica-
se não haver até a presente data nenhum julgado que envolva diretamente
questões constitucionais relacionadas às indicações geográficas, que é o foco
principal deste artigo.
Também é interessante ressaltar que, dentre os resultados obtidos, em um
total de 98, apenas 18 possuem correlação com os direitos de propriedade
intelectual de fato. Em diversas ocasiões verificou-se tratar de discussão
relacionada com regras de origem ou outras referências. Além disso, dentre as 18
jurisprudências identificadas, a grande maioria se refere a conflitos relacionados
a marcas que contenham partes de nomes geográficos, estejam eles reconhecidos
no Brasil ou não, o que se adstringe ao art. 124 da Lei n. 9.279/1996. Uma
pequena minoria efetivamente tratava da temática específica de indicações
geográficas. A análise qualitativa da jurisprudência colecionada faz parte de um
projeto maior que se desenvolverá em artigo específico. Também deve ser
ressaltado que praticamente nenhuma das indicações geográficas reconhecidas
perante o INPI são objeto das decisões judiciais coletadas. Curiosamente, dentre
outros, percebeu-se que existem diversos casos em que a “Indicação de
procedência” foi utilizada para casos criminais, onde a arma de fogo não possuía
a indicação, mas no caso, difere totalmente da origem e do significado da
expressão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscando responder às seguintes indagações: seriam as indicações
geográficas, na condição de signos distintivos, direitos fundamentais e a previsão
do disposto no próprio inciso XXIX, do referido art. 5, seria sua previsão uma
limitação ao referido direito de propriedade, condicionando sua proteção ao
atendimento do interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico
do Brasil, o presente artigo se propôs a analisar de forma teórica e prática como
estas são analisadas deste a inclusão de sua previsão na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988.
Se, teoricamente, há posições divergentes sobre sua natureza de direito
fundamental, no âmbito jurisprudencial verificou-se que esta temática ainda não
foi tratada, sequer aventada no âmbito do STF.
Assim, o presente artigo analisou o instituto da Indicação Geográfica sob o
enfoque do desenvolvimento econômico, que encontra guarida na teoria
abarcada pela nova economia institucional, notadamente no âmbito da teoria dos
custos de transação. Em termos práticos, verifica-se que hoje há no Brasil
depositados 118 pedidos de indicações geográficas junto ao INPI, sendo 91
nacionais e 27 estrangeiros. Destes, 43 era DO e 75 IP. Foram concedidos 66, 3
foram indeferidos, 12 arquivados e 37 ainda estão em análise. Dos concedidos,
verifica-se 48 IP brasileiras, 10 DO brasileiras e 8 DO estrangeiras.
Em termos jurisprudenciais, dentre os resultados obtidos, em um total de
98, apenas 18 possuem correlação com os direitos de propriedade intelectual de
fato. Todavia, destaca-se sobremaneira a ausência de julgados nesta temática no
âmbito do STF, pelo menos utilizando-se as palavras citadas, posto que verifica-
se não haver até presente data nenhum julgado que envolva diretamente
questões constitucionais relacionadas às indicações geográficas, que é o foco
principal deste artigo.
Todavia, se no âmbito pratico ainda verificam-se poucas discussões,
certamente em face da análise da literatura sobre o tema pode-se concluir que as
IG podem ser vistas como uma importante ferramenta para reduzir custos de
transação, institucionalizando a reputação dos produtores, a fim de resolver
certos problemas que surgem da assimetria de informação.
Assim, para trabalhos futuros, sugere-se uma análise qualitativa das
jurisprudências encontradas, bem como uma análise sistemática das pesquisas já
realizadas e publicadas sobre a temática apresentada afim de que se verifique se
as premissas teóricas assumidas referentes à aplicação da nova economia
institucional e a teórica dos custos de transação são efetivamente aplicáveis na
prática das indicações geográficas brasileiras.
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CAPÍTULO 6
DIREITO CONSTITUCIONAL À
ALIMENTAÇÃO

CRISTIANE MOREIRA ROSSONI
Advogada OAB/RS nº 111.947, pós-graduanda em Direito Ambiental, atua como
pesquisadora no Grupo de Pesquisa APP Urbana OAB/RS e como facilitadora
do CAR; foi estagiária na Promotoria de Justiça Criminal de Vacaria, na Justiça
Federal, Seção judiciária do RS, Unidade Avançada de Atendimento de Vacaria e
no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Comarca de Vacaria/RS.
Publicou a obra Cadastro Ambiental Rural como Instrumento de Proteção
Florestal e Regularização dos Imóveis Rurais,ISBN9788551900901, pela
Editora Lumen Juris.

INTRODUÇÃO
Ao nascer um bebê, surge o dever de os genitores alimentarem-lhe nas
horas adequadas, fornecendo nutrientes para fins de assegurar a sobrevivência e
o desenvolvimento digno. O aleitamento materno é o principal ato praticado
nesse sentido.
Pois bem, supondo que os alimentantes tenham plenas condições de
amparar a criança, com o transcorrer dos anos essa obrigação vai sendo
transferida, parcela para o próprio cidadão, e outra ao Estado, abrangendo entes
como União, estado, Distrito Federal e/ou Municípios, embora a interferência
deste, Estado, já tenha se dado durante a gestação, pois a qualidade da
alimentação materna influencia muito no desenvolvimento saudável de um bebê,
sendo utilizado como fonte de nutrição para o organismo.
Com a intensa inclusão de substâncias prejudiciais aos alimentos em prol
do lucro individual necessária se fez a inclusão de ferramentas jurídicas para
balizar isso, impedindo que o ser humano seja lesado.
Ora, uma das piores consequências que o humano pode sofrer é quando
não é garantido a ele o mínimo existencial, ocasionando a fome, um dos piores
males que a sociedade pode viver.
Infelizmente, os governantes falam que o impasse da fome será resolvido,
mas até o instante nenhum o assumiu.
O objetivo do presente é desvendar os motivos pelos quais a fome ainda
assola essa nação, elucidar a incorporação do direito à alimentação ao texto
constitucional, efetivação, elencando eficazes fórmulas para tal.
O artigo está dividido em três capítulos, nos quais será abordado o direito à
alimentação sob viés histórico; a inclusão do direito social em solo brasileiro e
sua efetivação com a interferência do Direito Agrário, e a segurança alimentar e
nutricional com a inserção de novas técnicas.
Serve o estudo como avanço nas políticas públicas, dando a população
condições de compreender a real importância do assunto.
1 DIREITO À ALIMENTAÇÃO SOB A PERSPECTIVA HISTÓRICA
Infindáveis são as preocupações que circundam a dinâmica mente humana
nos dias atuais, porém nenhuma delas, quiçá uma, está vinculada à alimentação.
Em pleno Século XXI, por que trazer à baila um assunto tido como banal,
que consiste na ingestão de alimentos, algo inerente ao ser?
Ao contrário do que muitos raciocinam alimentar-se diz respeito a um ato
complexo, atrelado não apenas à absorção de nutrientes, e a garantia imediata de
sobrevivência e força para o desempenho das atividades cotidianas, mas a saúde
e dignidade da pessoa humana, respingando, inclusive, para o ramo dos negócios
agrários.
Em busca do enriquecimento rápido, sujeitos ligados a produção,
industrialização, comércio violam esse direito. Produtores acrescentam
ingredientes nocivos aos produtos e comerciantes os modificam buscando alta
durabilidade; sem cogitar a inserção de agrotóxicos quando da produção.
Incontroverso que o tema merece proteção legal e governamental.
Mas a partir de que instante, e por que, a alimentação fora alterada até
chegar nessas proporções?
Caçar e pescar foram os primeiros comportamentos perpetrados pelo ser
humano na busca por absorção de nutrientes para garantir a imediata
sobrevivência, dando-lhe capacidade de enfrentar novos desafios. Trata-se,
portanto, de ato trivial inerente ao próprio sujeito.
Com o passar dos tempos, o homo sapiens se deu conta da capacidade em
realizar plantações e colheitas, incluindo novos elementos em seu cardápio,
como frutas, hortaliças e tubérculos, além de domesticar animais, tornando-se
agricultor e pecuarista. Nesta fase, percebeu-se que
O desenvolvimento das forças produtivas deste período libertou o homem da
absoluta dependência da natureza. O desenvolvimento da agricultura marcou o
início real da civilização e, com sua expansão, levou o homem a buscar terras
férteis, disseminando a revolução agrícola. O início da agricultura não tornou o
homem exclusivamente vegetariano, pois a criação de animais concentrou-se
nas terras menos propícias ao cultivo. O homem agricultor passou a ter a
segurança de saber que, se cuidasse da sua plantação, teria alimento para o ano
inteiro (Kopruszynski & Marin, 2011).
O elemento terra transformou-se em ferramenta, um meio apto a produção
agrícola, proporcionando alimentação em maior quantidade, - abrangência
familiar/circunscrita/regional -, e a longo prazo.
[...] O processo evolutivo da alimentação humana atravessou várias etapas. No
início, o ser humano limitou-se à caça, à pesca e à coleta de vegetais;
posteriormente, agregou à sua cultura habilidades como o manejo agropecuário
e o cultivo de plantas, desenvolvendo técnicas para a produção de alimentos e
aprendendo a usar o meio ambiente a seu favor [...] (Cuppari, 2005).
Aprimoraram-se técnicas, e combinações entre substâncias foram criadas,
ampliando esse setor de maneira a favorecer todos que dali retiravam seu
sustento, seu e de sua família.
No entanto, a atração pela natureza acabou perdendo espaço para as
potentes máquinas industriais que surgiram com a chamada Revolução
Industrial, ocorrida na Inglaterra no século XVIII. Campesinos abandonaram
lavouras e se deslocaram para a área urbana, rumo às novas tendências, ao
promissor futuro, conforme o Guia Alimentar para a População Brasileira[70].
A rotina era outra, envolvia pouco tempo de descanso e labor exponencial,
razão pela qual os hábitos alimentares tiveram que ser radicalmente alterados.
Outrora havia o consumo de plantas da própria horta, eram lavadas, preparadas
na própria residência, agora tal foi substituído, inicialmente por produtos
adquiridos em comércio e, após, por advindos de fábricas, como comidas
congeladas/prontas para consumo imediato, salgadinhos, lanches, guloseimas,
cuja origem é sabida, mas os componentes utilizados na preparação fogem ao
conhecimento do consumidor.
Viveu-se em um período onde jamais se cogitava a procedência dos
produtos consumidos, quantidade ou qualidade, apenas adquiria-os, um
sinônimo de evolução social. Ora, tudo o que integrava há tempos as prateleiras
de países desenvolvidos, demonstrado nos meios de comunicação, podia ser
finalmente adquirido, isso era fantástico!
Instalada a Primeira Guerra Mundial, em meio a desmedida ambição entre
as nações, os alimentos passaram a ser vistos como legítimos elementos de
controle manipulados por determinados Estados.
Pouca ou nenhuma era a quantidade de mantimentos que ainda existia nas
cidades em virtude de que as fronteiras estavam fechadas, pois havia extrema
insegurança nos país, - medo de espionagem-. Alojou-se mortalidade, situação
de extrema miséria e fome.
A única forma de a população ter condições de se alimentar seria
transmitindo para o país opositor estratégias decisivas para o efetivo deslinde do
conflito. Era como se o líder de uma nação tivesse um controle remoto em suas
mãos, e com ele pudesse exterminar quem desejasse, e a qualquer hora.
Triste realidade. A arma de domínio do inimigo era justamente o bem mais
precioso para fins de assegurar a sobrevivência da humanidade.
Como frisado, a alimentação estava atrelada a oportunidade de resguardar
as estruturas de controle social e do Estado, uma fórmula para ganhar a tão
sonhada batalha (KOPRUSZYNSKI, 2008).
As cenas de crianças e adultos em estado letárgico estendendo latas imundas
para receber do voluntário caucasiano um punhado de arroz, um pedaço de pão
ou uma medida de leite em pó, ainda hoje, provocam nos espíritos filistéicos,
uma sensação de viva emoção e um sincero desejo de ajudar para que tais
cenas não sejam vistas nem lhes comprometa a consciência. A noção de vida
defendida para os povos pobre e com gome resume-se a mantê-los
biologicamente vivos nesse arranjo de primeiros momentos da segurança
alimentar (GOMES JUNIOR, 2007).
Superada a instabilidade, e desativados os campos de combate, houve
importante avanço humanitário no viés transfronteiriço. No ano de 1962
realizou-se, em Genebra, a Conferência sobre Padrões de Alimentos entre a
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura – FAO e a
Organização Mundial da Saúde – OMS, para estabelecer padrões alimentícios
internacionais e preparar uma coleção de normas alimentares. Dela resultou a
criação da Comissão FAO/OMS do Codex Alimentarius, à qual foi atribuída a
tarefa de desenvolver o Programa Conjunto FAO/OMS, facilitando a venda de
gêneros alimentícios, protegendo os consumidores. Tratou-se, ainda, a respeito
de contaminantes, resíduos de agrotóxicos, rotulagem e métodos de análise.
Fora firmado, em 1966, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (PIDESC), que inclui em seu dispositivo 11 o direito à
alimentação adequada como um direito humano essencial (Furlan., 2016). Mas
ainda tais esforços não conseguiram atingir seu real desígnio.
Em 1970, ocorre gigantesca crise de produção. A miséria imperou, e o
conceito de segurança alimentar precisou ser alterado. A estratégia era manter a
quantidade de produção e subir consideravelmente os preços dos gêneros. Quem
tinha renda conseguia compra-los, já ao pobre jamais isso lhes era possível.
Alimentação era sinônimo de controle novamente, entretanto nesse interim
estava atrelada, literalmente, ao lucro.
Na tentativa de obter resultados concretos, discutiu-se acerca da estrutura e
consolidação do direito alimentar após uma reunião em 04/05/1973, na
Universidade Libre de Bruxelas, sendo então criada a Fundação da Associação
Europeia para o Direito Alimentar (AEDA), seguida da Associação Ibero-
americana para o Direito Alimentar (AIBADA), fundada em 1985, em Madri –
Espanha.
A Primeira Conferência Mundial sobre Alimentação, em Roma, no ano de
1974, teve como um dos principais baldrames a erradicação da fome. Na
ocasião, as Estados Partes assumiram o compromisso com a produção e o
consumo de mantimentos e defenderam o “direito inalienável de todo homem,
mulher ou criança estar livre do risco da fome e da desnutrição para o
desenvolvimento de suas faculdades físicas e mentais” (Faz & Fao, 1995).
Nota-se que o perfil humanitário só foi introduzido, de fato, nos anos
próximos ao de 1990.
o final da década de 1980 e início da de 1990, observa-se uma ampliação ainda
maior do conceito para incluir questões relativas à qualidade sanitária,
biológica, nutricional e cultural dos alimentos e das dietas. Ao mesmo tempo,
entram em cena as questões de equidade, justiça e relações éticas entre a
geração atual e as futuras, quanto ao uso adequado e sustentavel dos recursos
naturais, do meio ambiental e do tipo de desenvolvimento adotado, sob a égide
da discussão de modos de vida sustentáveis. A questão do direito à alimentação
para a ser inserir no contexto do direito à vida, da dignidade, da
autodeterminação e da satisfação das necessidades básicas (VALENTE, 2002,
p. 41).
Em 1999, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Alto
Comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU),
no Comentário Geral de n.º 12, declarou que o direito à alimentação adequada
está diretamente ligado ao princípio matriz da dignidade da pessoa humana,
sendo indispensável à realização de outros direitos humanos, bem como
imperativo à realização da justiça social (Furlan, 2016).
Percebe-se que, com o passar das décadas, em que pese as atitudes do ser
humano revelarem um ser individualista, cada vez mais o legislador e/ou
organismos internacionais tem de preocupado com o meio ecológico.
No diapasão brasileiro, nos dizeres de Buerten (2005), a Constituição de
1934, no art. 157, § 2º, ao tratar do direito à educação como direito de todos,
previu como obrigação da União, Estados e do Distrito Federal a formação de
fundo para financiamento da educação, aplicando-se parte dos recursos em
assistência alimentar. Em contrapartida, as Constituições de 1937 e 1946 não
trataram, expressamente, acerca do assunto.
No Governo Vargas, por influência do político pernambucano, cientista e
médico Josué de Castro, criou-se o Serviço Central de Alimentação, do qual o
precursor foi o primeiro diretor, depois transformado no Serviço de Alimentação
da Previdência Social. Objetivava-se investir na implantação de restaurantes
destinados a fornecer refeições aos trabalhadores a preços subsidiados. Foi
extinto em 1967, durante o regime militar (FONTELES, 2018).
Em plano infraconstitucional, mais tarde, a Lei nº 11.346/2006, conhecida
como LOSAN, regulamentada pelo Decreto nº 7.272/2010, criado o SISAN –
Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, para assegurar o direito
humano à alimentação adequada.
No cenário internacional, o Brasil ratificou inúmeros Tratados, como Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado por esse
país em 24 de janeiro de 1992, e Convenção sobre os Diretos da Criança,
admitida pelo mesmo em 24 de setembro de 1990.
Mas somente na Constituição Federal vigente, por meio da aprovação da
Emenda Constitucional nº 64/2010, proveniente do Projeto à Emenda
Constitucional nº 21/2001, cujo autor foi o senador Antônio Carlos Valadares
(Bulos, 2011), alterou-se o artigo 6º[71], incluindo o direito à alimentação como
direito social básico, vindo a reforçar o compromisso do Estado Brasileiro na
erradicação da pobreza.
Em suma, ante a breve passagem histórica, tanto a nível mundial, quanto
nacional, verifica-se que a alimentação, a forma de consumo, quantidade e
qualidade, passou por uma série de modificações ao longo dos tempos, assim
como o próprio ser humano; que frente a isto novos regramentos precisaram ser
criados, e que tal direito deve ser proporcionado aos cidadãos, independente de
credo e condições intelectuais ou financeiras. Trata-se de um elemento essencial
a existência, cuja atribuição de assegurar, dar meios para que os sujeitos o
atinjam, incumbe ao Estado.
2 CENÁRIO BRASILEIRO: STATUS DE DIREITO SOCIAL – SUA
EFETIVAÇÃO E NOVA VISÃO DO DIREITO AGRÁRIO
Com a industrialização, o homem passou a ter acesso à alimentação em
grande escala e na hora que desejasse, sem fazer qualquer esforço físico. Em
contrapartida, com o transcurso do tempo, constatou-se que haviam
irregularidades nos produtos padronizados e até mesmo nos oriundos de empresa
agrária, na fase primária, na transformação da matéria-prima, acondicionamento
e venda, persistindo o problema da fome.
Ora, o Brasil um país diversificado, que produz imensa quantidade de
alimentos, como soja, trigo, arroz, aveia, além de frutas de diversas espécies,
como falar em fome?!
O fato é que esta nação acaba exportando proporções alarmantes,
permanecendo com muito pouco para os seus nacionais e/ou estrangeiros que
aqui residem, exemplo é o que ocorre com a soja.
Conforme Dados Econômicos relativos a esse grão, atualizados em Junho
de 2017, disponibilizados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(2018), o consumo interno de soja em grão (CONAB) foi de 47,281 milhões de
toneladas; já a exportação (Agrostat) foi de 51,6 milhões de toneladas - U$ 19,3
bilhões; exportação de farelo de 14,4 milhões de toneladas - U$ 5,2 bilhões; de
óleo de 1,2 milhões de toneladas - U$ 0,9 bilhões, sendo o total exportado de
U$ 25,4 bilhões.
Outro fator determinante na fome é o quantum de renda de cada cidadão e
os altos preços de cada produto. Obviamente que a carne estando cara, a
probabilidade de os consumidores adquirirem vegetais será maior. Mas isso não
é positivo? É positivo, porém o organismo humano clama por algumas
substâncias presentes no animal. É necessário equilíbrio.
Falar em fome não significa apenas estar desprovido de alimentação, o
sentido é amplo, abrange não possuir carboidratos, proteínas e vitaminas que o
organismo necessita; consumir produtos com elevada taxa de substâncias
maléficas usadas na fase de produção e conservação, mediante práticas
desrespeitosas à diversidade cultural, e que sejam ambiental, cultural, econômica
e socialmente sustentáveis. Conforme os dizeres de Castro:
(...) É que existem duas maneiras de morrer de fome: não comer nada e
definhar de maneira vertiginosa até o fim, ou comer de maneira inadequada e
entrar em um regime de carências ou deficiências específicas, capaz de
provocar um estado que também pode conduzir à morte. Mais grave ainda que
a fome aguda e total, devido às suas repercussões sociais e econômicas, é o
fenômeno da fome crônica ou parcial, que corrói silenciosamente inúmeras
populações do mundo (CASTRO, 2003).
Logicamente, inexistindo esses impasses, resta perfectibilizado o direito à
alimentação adequada, que consiste em o destinatário ter uma vida digna, com
saúde e bem-estar, nos moldes previstos no artigo 6º da Constituição Federal de
1988.
Ciente de que já estavam inseridos na Carta Magna os princípios da
dignidade da pessoa humana e da vida, por que o legislador adicionou como
direito social o da alimentação? Qual o objetivo por trás desse feito?
Respondendo a primeira indagação, a irresponsabilidade dos produtores no
oferecimento de produtos de qualidade aos destinatários, e a vulnerabilidade por
parte destes, acoplada ao surgimento de doenças devastadoras, como o câncer,
em razão dos elementos inseridos para fins de durabilidade do bem, e inexistindo
outra alternativa, restou ao Estado intervir, frear os comportamentos/excessos
que atentam contra a saúde.
Nesse contexto fora confeccionada a Proposta de Emenda Constitucional –
PEC nº 47, de 2003, de autoria do Senador Antônio C. Valadares, propondo
introduzir a alimentação como direito social, consolidando a segurança alimentar
e nutricional como política de Estado, destacando o apoio deste na produção,
comercialização e abastecimento de mantimentos, bem como a utilização
sustentável dos recursos naturais, a promoção de práticas de boa nutrição por
meio de programas educacionais, e a garantia da qualidade biológica e
nutricional dos gêneros alimentícios.
Frisou o Relator Deputado Lelo Coimbra, em seu voto, proferido em 2009,
que:
[...] estratégia não só para assegurar o direito humano à alimentação adequada,
mas também impulsionar a articulação do governo federal com os governos
municipais, estaduais e do Distrito Federal e com a sociedade civil em quatro
eixos de atuação, ou seja: ampliação do acesso à alimentação com
transferência de renda; fortalecimento da agricultura familiar; promoção de
processos de geração de renda e da articulação, mobilização e controle social
[...][72]
Tal projeto fora aprovado, vindo se tornar a Emenda Constitucional nº 64,
de 04 de fevereiro de 2010, inserindo o referido direito no rol dos sociais
previstos no artigo 6º da Constituição Federal de 1988.
Basta recordar o episódio do leite, ocorrido em incontáveis vezes desde
2007 até os dias atuais, no Brasil, retratado pelas mídias, para perceber a
importância do direito que hoje se discute. In casu, no Estado do Rio Grande do
Sul, deflagrou, até o mês de março de 2017, mais de doze etapas da Operação
Leite e Queijo Compensado, para fins de combater adulterações e fraudes nas
fases de recebimento, armazenamento e distribuição dos gêneros.
Executados mandados de busca e apreensão em mais de oito municípios
fora apreendido leite vencido e estocado em sacolas, soda cáustica, formol, que é
cancerígeno, produtos que seriam usados para majorar a quantidade de
fabricação, obtendo lucratividade. Algo repugnante! Imagine-se quantas pessoas
ingeririam e as consequências que isso acarretaria em suas vidas. Por isso é tão
importante se falar no direito a alimentação.
No que tange ao segundo questionamento, isto é, o objetivo que estaria por
trás do direito à alimentação, inevitável abordar o intento que perpassou séculos,
qual seja, a obtenção de riqueza. Atualmente não é diferente. Hoje, traz-se à
baila os chamados commodities.
Commodities é o termo utilizado para se referir aos produtos de origem
primária que são transacionados nas bolsas de mercadorias. São normalmente
produtos em estado bruto ou com pequeno grau de industrialização, com
qualidade quase uniforme e são produzidos e comercializados em grandes
quantidades do ponto de vista global. Também podem ser estocados sem perda
significativa em sua qualidade durante determinado período. Podem ser
produtos agropecuários, minerais ou até mesmo financeiros (BRANCO, 2008).
Essa forma de estocagem de mantimentos funciona como uma forma de
investimento, como poupança, de forma que as possíveis oscilações nas cotações
desses produtos no mercado internacional podem causar perdas a agentes
econômicos que os transacionam.
O Brasil passou a adotar esse investimento em razão de sua estabilidade
econômica e comercial, e tornou–se maior exportador de carnes, açúcar, tabaco,
álcool etílico, soja, café e laranja, para grandes mercados como China, União
Europeia e os Estados Unidos.
Dai se extraem alguns impasses. Os países mais pobres ou em
desenvolvimento, como é o caso dessa nação, são os que sofrem drasticamente
com a ampliação dos preços internacionais das commodities agrícolas, pois
nestes relaciona-se grande concentração de população nos centros urbanos e
baixa renda da maioria dos estratos sociais, gerando pobreza, miséria, fome
(Schappo, 2008).
Inclusive é com relação aos preços e outros dilemas que o Direito Agrário
se preocupa. Por vezes ele é vinculado apenas a, porém está umbilicalmente
ligado à politica alimentar, distribuição de alimentos, - reflexos negativos da
busca por crescentes recordes de produtividade -, e controle de preços, sendo,
portanto, essencial a efetivação do direito em comento (Ballarin Marcial, 2001).
Direito agroalimentar, para Ballarín Marcial (2001), corresponde ao:
[...] direito agroalimentar, junto ao tradicional direito agrário, seria o ramo
deste que, constituindo na realidade um verdadeiro sistema, reúne as normas
jurídicas que regem a produção, a transformação, a distribuição e a venda dos
alimentos destinados ao homem e aos animais que, por sua vez, são alimentos
humanos com fulcro nos princípios enumerados no artigo 39 do tratado de
Roma, aos que devem acrescentar-se os seguintes: o de precaução, de máximo
nível de segurança e qualidade em todos os níveis, o de eficiência econômica,
tudo isso com base na ciência atual; por outra parte, os de livre concorrência,
num mercado aberto e global, assim como o da proteção dos consumidores.
Trata-se de um sistema cujos objetivos são promover qualidade e proteção
na relação cultivo – indústria - fornecedor- comércio. É o Direito Agrário
acompanhando as mudanças sociais, dando a assistência pertinente.
Não se quer impedir o crescimento econômico, o cultivo e venda de bens
provenientes da natureza, ou o desenvolvimento de técnicas agrícolas, mas tão
somente que tais atividades sejam exercidas em prol das necessidades humanas,
sem infringir a preservação dos recursos naturais, ficando em último patamar a
busca incessante por recordes de produtividade.
O agrarista Zeledón entende que o Direito Agroalimentar mostra sinais de
autonomia que se justificam pela prevalente comercialização de produtos
alimentares dentro do mercado. Assim como favorece o seu destaque pela
importância da alimentação para o mundo moderno que fomentou o surgimento
do direito da alimentação (ZELEDÓN, 2002).
Por outro lado, Bismarck Bernardo e Sá Junior (2018) refere que:
[...] Será necessário pensar talvez, não num direito agroalimentar, mas em
instrumentos legais de natureza agroalimentar e que venham a regular os
conflitos existentes e decorrentes da produção agrícola tendo como sempre, o
homem como destinatário final de seus benefícios sociais [...] Da mesma forma
que o Direito Agrário reclamou uma legislação específica que pudesse regular
os conflitos sociais da época, conflitos basicamente restritos à má (re)
distribuição de terra como a experiência já repetida desde a utilização das
sesmarias portuguesas em terras continentais brasileiras, há quem entenda
também que o direito da alimentação venha a agregar conceitos e institutos às
práticas agrárias ligadas ao desenvolvimento rural a partir do tratamento
específico a ser dado por uma legislação específica e nitidamente alimentar
[...].
Essa, todavia, é uma visão que não merece prosperar, pois, em que pese
sua analogia, já integram o arcabouço jurídico normas em torno do direito
alimentar, portanto, os instrumentos foram devidamente criados e sancionados,
restando sua visão ultrapassada. Além do mais, hoje o direito é dinâmico, pois as
regras emanam de leis, de doutrina, jurisprudências, súmulas, informativos.
Também, o direito agroalimentar está definido no texto do artigo 6º da
Constituição Federal de 1988, se trata de norma que produz efeitos imediatos,
isto é, desde a sua publicação, dispensando qualquer outro ato.
Os programas governamentais têm chances de cumprir esse objetivo,
desde que bem planejados, e que seja dada assistência psicológica aos atendidos,
e reais oportunidades de emprego e qualificação profissional.
Mas e o chamado Bolsa-Família, será que essa inovação contribuiu para a
diminuição da fome na nação, ou por que isso não aconteceu como pretendido?
Bom, duas são as situações atendidas pelo Bolsa Família, são elas: famílias
em pobreza e aquelas em extrema pobreza, cuja renda mensal, por pessoa,
obrigatoriamente é abaixo de R$ 85,00 (oitenta e cinco reais).
Ao ser criado o programa, mesmo interim que fora inserido o Ministério
Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (Fome Zero), em
meados de 2003, cogitou-se que seria uma ferramenta que promoveria a imediata
igualdade de renda, de vantagens e de oportunidades entre os povos, algo
perfeito inclusive para findar o impasse da fome.
Contudo, tal situação vem gerando efeito contrário. Ao invés de a cesta
básica dar condições de o desempregado ficar em pé de igualdade para procurar
outro labor, até mesmo de criar sua horta e, em um período ter certeza de que sua
família terá acesso a alimentação, acarretou na acomodação, aumentando a
miséria. Contentou-se com a porção recebida, sem qualquer sonho em
transformar a realidade.
A ausência de êxito se deu justamente pela falta de acompanhamento das
famílias selecionadas. Prover certa quantia em moeda nacional ou em produtos
são atos insuficientes se não forem empreendidos outros esforços, como a
inserção, de fato, no mercado de trabalho, após passar por rígida análise clinica e
psicológica para averiguação das reais necessidades, auxiliando até o final deste
ciclo.
O que é certo é que os avanços proporcionados pela tecnologia voltada à
produção agrícola devem ser permanentemente acompanhados pela ordem
jurídica no sentido de desestimular práticas que atentem contra a saúde dos
vulneráveis e rechaçar técnicas que agridam ao meio ambiente. A finalidade é
promover o desenvolvimento sustentável.
Ante o exposto, verifica-se que a alimentação, no cenário brasileiro, é
definida em sentido amplo; que governos praticaram ações buscando exterminar
a miséria, muitos alavancados no sentido humanitário, outros para promoção
política ou lucrativa, sendo até hoje nebulosa finalidade da inclusão do direito no
corpo da Constituição Federal vigente, e que o Direito Agrário é decisivo para a
mudança desse cenário.

3 DA SEGURANÇA ALIMENTAR, PRODUÇÃO ORGÂNICA AO APOIO À


EMPRESAS FAMILIARES: A REALIDADE SOB A ÓPTICA DO DIREITO
AGRÁRIO
A inserção do direito à alimentação no texto constitucional por si só,
desprovida da implantação de programas sociais específicos, bem como por
problemas governamentais como a má distribuição orçamentária, não é
suficiente a ponto de alterar os índices de miserabilidade que assombram o
Brasil e o mundo.
O Direito Agrário pode e deve contribuir para a efetivação dos direitos,
dentre eles o da alimentação, ante a realização de justiça social, propiciando a
certeza do alimento, o acesso ao trabalho agrário, quando este for a opção, e a
responsabilidade em assegurar meio ambiente saudável e a sustentabilidade em
favor das futuras gerações.
Busca-se mais do que a justiça, a dignificação dos que vivem da terra, ao
mesmo tempo em que se prioriza a obtenção e repasse de alimentação suficiente
e em quantidade e qualidade para todos os homens, de maneira e assegurar o
habitat e o equilíbrio ecológico da natureza. O Direito Agrário, portanto, é peça
fundamental para fins de garantir mercados, sobrevivência e seguridade
alimentar (MANIGLIA, 2009).
Fala-se nos meios de comunicação sobre seguridade alimentar, mas do que
ela decorre e no que ela consiste? Qual sua finalidade?
Após o fim da Primeira Guerra, fruto de uma série de fatores como perda
de hábitos, - horário das refeições -, desemprego, redução do poder de compra,
avanço da monocultura exportadora, surge o tema sob a concepção de segurança
nacional atrelada à capacidade de cada nação produzir seus alimentos, evitando a
todo custo a dependência das importações de outros países. Buscava-se a
soberania nacional.
No fim da década de 70, tal expressão passou a ser tratada como acesso à
alimentação adequada.
Já em 1983, a Organização de Alimentação e Agricultura das Nações
Unidas (FAO) apresentou novo conceito de segurança alimentar, baseado em três
objetivos: oferta adequada de alimentos; estabilidade da oferta e dos mercados
de alimentos; e segurança no acesso dos mesmos.
O Banco Mundial, em 1986, definiu segurança alimentar como o acesso
por parte de todos, por tempo indeterminado, de quantidade suficiente de
alimentos para levar uma vida saudável e ativa. Passa-se a visão de que
alimentos na mesa significam poder aquisitivo.
Apenas em 1992, na Conferência Internacional de Nutrição, atribuiu-se
uma face mais humana à segurança alimentar, que passou a ser entendida como
um direito humano básico à alimentação e à nutrição, o qual deve ser garantido
tanto pelo Estado, por meio de políticas públicas, quanto pela participação ativa
da sociedade civil, sendo dever de todos buscar meios para a redução da fome no
mundo (OLIVEIRA, 2018), conceito que reina até os dias atuais.
Não basta fornecer ao homem apenas carne, seja ela do animal que for, e
não oportuniza-lo o acesso legumes de boa qualidade, sob pena de acarretar
sequelas a saúde, ante a insuficiência de nutrientes. A segurança envolve uma
alimentação de qualidade e balanceada.
Sem uma alimentação adequada, quantidade e qualidade, não há o direito à
vida e, consequentemente, aos demais direitos. O ato de se alimentar passa pela
cultura de cada povo, pelas formas de acesso para produzir ou adquirir seus
alimentos. Todavia, não basta comer. Deverá haver a segurança do que se
come, ao menos, para evitar doenças advindas de contaminação de agrotóxicos
ou de água (MANIGLIA, 2009).
O processo de seguridade atinge o consumidor, e todos que integram a
relação jurídica - produção, cultivo, industrialização, conservação, venda e
compra/reaquisição-. Dessa forma, todos são integralmente responsáveis pelos
atributos qualidade e quantidade.
Quanto a quantidade, ela envolve o manejo de produtos importados e
exportados, garantindo a permanência de numerário suficiente aos que deles
precisem, redistribuição de poderio econômico, inserção no mercado de trabalho
de acordo com a aptidão laboral e intelectual de cada sujeito, etc.
Agora, no que tange a qualidade, esta é foco preocupante, a nível
municipal, nacional e internacional.
Na década passada, ao indagar aos campesinos se gostariam de crescer o
numerário de produção de grãos, usando extrema quantidade de agrotóxicos ou
de fornecer alimentos orgânicos, em benefício da saúde do homem, a resposta
seria uníssona, escolheriam a primeira opção, pelo lucro.
A tecnologia proporcionou, não só malefícios, mas muitos benefícios
inclusive nesse sentido. Hoje o produtor pode configurar a máquina,
estabelecendo a vazão de agrotóxico na aplicação do início ao fim da lavoura,
sem ocasionar o emprego em duplicidade, até por que a própria ferramenta de
trabalho, por meio do corte de sessão “lê” isso, ótimo para o habitat.
O fato é que grande parte dos produtores foi se rendendo ao conforto e a
alta tecnologia presente nas máquinas e, na frequência em que compareciam nas
exposições de equipamentos, ouvindo repetidas vezes que a responsabilidade
para com a saúde dos consumidores depende da conduta que vier a tomar no
curso do labor, sendo reforçada a importância do meio ambiente equilibrado, tal
concepção fora introduzida ao seu âmago. Não se trata de ruptura total com seus
valores e tradições anteriores, mas uma adaptação às novas exigências da
sociedade (WANDERLEY, 2009).
O ser humano ambicioso abre espaço, a passos longos, para um cidadão
dotado de viés humanitário, verdadeira revolução. É o homem do campo
sopesando sob a óptica da saúde.
A segurança alimentar inicia, pois, muito antes de o bem chegar nas mãos
dos destinatários finais, ela envolve cultivo, plantio, armazenagem e transporte
feitos sem aditivos prejudiciais à saúde do homem.
Importante relembrar o episódio do leite, a Operação Leite e Queijo
Compensado, claro exemplo de insegurança alimentar. Infelizmente, os que
consumiram os laticínios, se ainda não tiveram complicações, as terão. Por tal
razão deve a seguridade ser tratada de forma taxativa em escolas, universidades,
estabelecimentos comerciais, agricultores, enfim, na sociedade.
No Rio Grande do Sul, há o Programa Segurança Alimentar RS (2018).
Ele surgiu em maio de 2014 do trabalho de um grupo formado por membros do
Ministério Público, Procon, Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, Secretaria da Agricultura, Pecuária e Agronegócio, Vigilância
Sanitária, Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável e Fórum
Interamericano de Defesa do Consumidor, com intuito de otimizar a atuação dos
órgãos responsáveis na fiscalização dos alimentos comercializados no território
gaúcho.
O Programa enfatiza que consumidores leiam com atenção as informações
contidas nos rótulos dos produtos, observando data de validade, integridade da
embalagem e condição de acondicionamento na gôndola, e efetuem denúncias
online, quando houver irregularidades. Ainda é pouco o engajamento nessa
causa, mas é o inicio.
Saliente-se que para a saúde do ser humano, de nada adianta que o produto
esteja visivelmente impecável, e no seu interior apresente quantidade elevada de
substâncias nocivas, e que, como o transcurso, acarretará patologias incuráveis, e
até mesmo a mortalidade em larga escala.
Consome-se, em média, 07 litros per capita de veneno a cada ano, o que
resulta em mais de 70 mil intoxicações agudas e crônicas em igual período,
segundo dados do Dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
(REIS, 2017).
Os alimentos orgânicos, definidos no seu processo de produção devido à
não utilização de substâncias prejudiciais à saúde dos seres humanos e ao meio
ambiente, como agrotóxicos, adubos químicos e substâncias tóxicas e sintéticas
(Vargas, 2012), estão em alta, alavancando empresas familiares.
Para Colborn, Dumanoski e Myers (Colborn, Dumanoski & Myers, 1997),
a utilização exacerbada de fertilizantes e sementes modificadas geneticamente
fez com que as pessoas refletissem sobre seus hábitos alimentares migrando para
um consumo mais saudável com alimentos livres de agentes químicos, capazes
de alterar o funcionamento do sistema imunológico. Devido à preocupação com
a saúde, difundiu-se o consumo de alimentos naturais.
Dentre os produtos produzidos de maneira orgânica estão vegetais,
legumes e frutas frescos, castanhas, carnes, pães, café, laticínios, sucos, ervas,
óleos vegetais.
Incentivar a produção dos orgânicos é prestigiar e promover o apoio às
pequenas famílias, empreendedoras desse ramo de atividade.
Segundo Mariângela Vilckas e José Flávio Diniz Nantes (2007) a
industrialização dos orgânicos agrega valor à mercadoria devido a eliminação de
intermediários, pois a comercialização ocorre diretamente com o canal de
distribuição; maior planejamento e controle da produção; atuação em novos
mercados devido à versatilidade dos produtos; maior contato com ferramentas
gerenciais; desenvolvimento de marca própria ao produtor, claro que inserindo
informações como data de validade e qualidade, propiciando a fidelização, ou
seja, o empreendedor natural só tem a ganhar.
O modo de produção familiar é fundamental para a segurança alimentar e
nutricional, através da maior diversidade de alimentos e da possibilidade de
aprimoramento da relação homem-alimento-sociedade. Além disso, gera
emprego e renda e possibilita o desenvolvimento local em bases sustentáveis e
equitativas (SANTILLI, 2009).
O governo brasileiro tem apoiado o cultivo de produtos orgânicos,
aprovando leis e instruções normativas para o desenvolvimento deste mercado, a
exemplo; Decreto nº 6323 de 27 de dezembro de 2007; Decreto 7794 de 20 de
agosto de 2012.
Infelizmente maior parcela do que é produzido no Brasil sob esta
característica é exportado, e o que permanece não é consumido pelas razões: o
preço dos mesmos ainda é duas vezes mais caro que os convencionais; somente
os de poderio econômico vasto podem compra-los; por outro lado há quem
desgoste devido a menor vida útil do alimento.
Inclusive, com relação ao perfil do consumidor, veja-se o resultado da
pesquisa publicada na Revista SuperHiper:
34% são de idade mais avançada e de classe social mais elevada, tendo bem
definido o conceito de alimentos orgânicos; 45% não os conhecem nem
ouviram falar de produtos orgânicos; 10% não souberam descrevê-los e 16%
tem informações incorretas sobre (BUAINAIN, 2007).
Os destinatários, portanto, são, essencialmente, os que possuem maior
poder aquisitivo. Basta ingressar em um supermercado de bairro mais simples e
procurar por tais produtos: não irá encontra-los. Por quê? Os frequentadores são
pessoas pobres e não tem condições de compra-los, sendo inviável ficarem nas
prateleiras.
O próprio Governo, a quem também recai o dever de dar efetividade ao
direito em estudo, poderia empreender esforços para incentivar fortemente a
inserção dos orgânicos em todos os espaços públicos, sem que isso pesasse no
bolso dos agricultores, amenizando os preços a que serão vendidos. A
divulgação dessa relação deveria ser noticiada ininterruptamente.
Ante o exposto, verifica-se que no Brasil o Direito Agrário passa, por
vezes, despercebido. Associam a ele políticas de reforma agrária, não
enxergando a importância que representa. Cabe a ele a luta efetiva pelo direito à
alimentação, segurança alimentar, a produção e comercialização viável de
orgânicos, - ideia extremamente válida, porém pertinente seja readequada à
realidade brasileira-, promoção da empresa familiar, contribuindo para o
extermínio da fome.
CONCLUSÃO
Há quem diga que o ato de se alimentar consiste em um comportamento
trivial, sem relevância para o Direito, eis um pensamento arcaico e defasado.
Antagonicamente, ele abrange uma série de outras questões, merecendo proteção
legal, governamental, e da sociedade brasileira.
Pelo contexto histórico, percebe-se que o alimento fora usado ora como
elemento para ganhar batalhas, ora para ampliar desigualdades sociais.
Em meio a intensa e acelerada vida do homem após a revolução industrial,
indiferente era a procedência do que se estava prestes a consumir, cenário
perfeito para um sujeito mal-intencionado alterar o teor dos mantimentos,
poupando produto e repassando algo totalmente industrializado. Isso perdurou
por longos séculos.
Tal assunto foi incorporado em tratados e leis, todavia não ensejou a
eficácia esperada, permanecendo tudo como antes.
Cogitou-se na noção de alimentação adequada, saudável, apenas no
Projeto à Emenda Constitucional nº 21/2001, de autoria do Senador Antônio
Carlos Valadares, porém somente após 09 anos de discussão, em fevereiro de
2010, tal fora aprovada, vindo a integral o rol de direito sociais previstos no
artigo 6º da Constituição Federal.
Na Carta Magna Vigente, o conceito é abrangente, envolve questões
sociais a ele interligadas, como desemprego, desigualdade social, produção
agrícola – formas de plantação, nível de agrotóxicos-, incentivo a empresas
familiares, exportação, sem desrespeitar a cultura de cada povo, além de
preocupar-se com toda a cadeia alimentar –produção, comercialização,
abastecimento-. Mais do que isso, a partir desse minuto o Estado passa a ter
obrigação de assegurar alimentação com efetiva e irrestrita qualidade biológica e
nutricional.
Programas governamentais foram criados, mas não tiveram o resultado
esperado, por não terem sido ligados à assistência psicológica, médica e de
gêneros, ininterrupta, aos assistidos, sob a égide do próprio Direito Agrário.
A mera inserção do direito na lei foi um avanço, porém ainda é
insuficiente, deve-se atentar para programas educacionais idealizados por
especialistas. Levar essa preocupação as escolas, as famílias, aos empresários,
setor de armazenamento e comercialização, sob pena de ficar listado na Lei
Maior e não garantido, como fora a realidade dos tratados,
Não se quer obstar o crescimento econômico, mas tão somente que as
atividades sejam feitas pelo viés sustentável, promovendo-se o consumo de
produtos saudáveis, evitando futuros impasses.
Prioriza-se a seguridade, isto é, alimentação constante, de qualidade e
balanceada, sem comprometer outras necessidades, caso contrário sequer haverá
Direito à Vida, quiçá outros. Logicamente, isso não pode depender de um ou
outro governo, mas é sabido que há má distribuição da produção em muitos,
senão todos.
Felizmente, parcelas de agricultores familiares se adaptam, hoje, às novas
exigências da legislação e da sociedade, a qual passou a pleitear mantimentos
sadios, com expressa indicação de validade, quantum de ingredientes,
embalagem intacta e em perfeita condição de armazenamento. Claro que o
incentivo a elas ensejará na ampliação de vagas de empregos, na diminuição da
desigualdade social, e, consequentemente na miséria.
Ocorre que, ou os indivíduos não tem conhecimento dos alimentos in
natura, ou, quando os conhecem, não adquirem por os preços destes
drasticamente superiores ao dos adquiridos no cotidiano, ou por serem perecíveis
em curto espaço de tempo. Sugestiona-se que o governo divulgue esta seara e
assegure que a venda seja realizada em preço padrão, justamente para que os
sujeitos compreendam o quão benéfico é a ingestão deles.
Em suma, incontroverso que a fome e a miséria rondam a porta de cada
brasileiro, indiferente se é rico ou pobre, e que este país caminha a passos largos
para a efetividade do Direito à Alimentação, respeitada a cultura alimentar,
ressaltando-se que a democracia não pode coexistir com a fome.
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CAPÍTULO 7
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988,
PECUÁRIA E BEM-ESTAR ANIMAL

ALEXANDRE VALENTE SELISTRE
Advogado e Pecuarista. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Pós Graduado
em Direito Agrário e Ambiental Aplicado ao Agronegócio pelo Instituto
Universal de Marketing e Agribusiness – I-UMA e Universidade Paulista -
UNIP. Especialista em Direito Processual Ambiental pela Faculdade Instituto de
Desenvolvimento Cultural – IDC. Membro da União Brasileira dos Agraristas
Universitários – UBAU. Sócio Fundador do Escritório de Advocacia Selistre
Advogados. Sócio Fundador da cabanha Legenda Campeira.

INTRODUÇÃO
Este artigo propõe-se a analisar a evolução do bem-estar na pecuária do
Brasil, considerando a proteção insculpida na Constituição Federativa Brasileira
de 1988, em seu inciso 225, parágrafo 1°, inciso VII, cominado ao artigo 23,
inciso VIII, cotejado ao parágrafo 1° do artigo 215 desta mesma Carta, partindo
de método dedutivo e de revisão bibliográfica multidisciplinar.
Oportunamente serão explanadas a origem e as teorias que se empenham
em desvendar o comportamento humano perante os animais, assim como
consequências fáticas das atitudes e leituras observadas.
Em que pese o debate de ideias, algumas assertivas têm entendimento
tranquilo, como, por exemplo, que a constitucionalização da preservação do
Meio Ambiente não importa em reconhecimento de concessão de direitos
subjetivos aos animais, mas apenas a compreensão de que existam normas
protetivas à fauna, da qual faz parte a pecuária, em um contexto de conjunto
complexo, na acepção da indispensável preservação da Natureza, salvaguardados
como bens ambientais!
Seguindo o conceito da importância dos biomas como essenciais à
qualidade de vida, a Lei Fundamental limita a propriedade, ao vedar o risco a sua
função ecológica, desaprovar e coibir a extinção de espécies e desautorizar a sua
submissão à crueldade, preconizando, segundo tutela legal e amparo jurídico, a
via do bem-estar animal como caminho para concretização de uma vida digna e
harmônica entre pessoas e animais.
A transversalidade do tema transborda do Direito Constitucional, do
Ambiental e Agrário para sua aplicação ao agronegócio, envolvendo história,
cultura e a forma como o cidadão urbano enxerga o campo.
1 VISÃO HISTÓRICA DA DOMESTICAÇÃO ANIMAL
O início da criação pecuária confunde-se intrinsecamente com o berço da
civilização humana, determinando, junto à atividade agrícola da plantação, a
fixação do homem à terra, tornando-o sedentário, e gestando o embrião das
cidades, consequência natural pelo escambo de bens necessários ou a troca
comercial de produtos excedentes, prestação de serviços, além da questão de
segurança, política e de organização.
Conforme lecionava René Dumont, sucedido por Mazoyer e Roudart
(MAZOYER E ROUDART, 2010), remonta a mais de seis milhões de anos
anteriores a Era Contemporânea a existência dos primeiros hominídeos, os
Australopitecos, que eram coletores vegetarianos. Evoluindo os Autralopitecos
Afarensis (retratados pela famosa Lucy) tornaram-se onívoros, incrementando a
coleta e começando a caçar pequenos mamíferos, répteis e insetos, em situações
mais acessíveis e menos hostis, com o uso de bastões, pedras e seixos cortantes.
Entre três milhões e duzentos mil anos, que antecederam essa Era,
correspondendo ao Paleolítico Inferior, os Australopitecus foram paulatinamente
substituídos por outro gênero, inicialmente os Homo Habilis, com habilidade
com a pedra lascada, e depois os Homo Erectus, que, embora não soubessem
produzir, já sabiam conservar e manipular o fogo. Predadores melhor
organizados caçavam animais maiores e isolados, como os mamutes, tornando-
os nômades por excelência, adotando, inequivocamente, a dieta onívora com
carne, conforme indicam a dentição dos fósseis encontrados.
Adveio, então, o Homo Sapiens Neandertalensis que dominaram o fogo, as
ferramentas e as caçadas coletivas, conduzindo rebanhos inteiros às armadilhas
naturais, já no período compreendido como Paleolítico Médio (entre duzentos e
até trinta e cinco mil anos).
No Paleolítico Recente, que se estende de quarenta a onze mil anos antes
da Era atual, os Homo Sapiens Sapiens (ou Homens de Cro-Magnon)
progrediram espantosamente rápido em termos de técnicas e expansão
geográfica, propiciando adaptarem-se ao aquecimento global que findou o
período Paleolítico. Criaram proficuamente instrumentos compostos,
especializados, bem acabados e decorados, inventaram armadilhas artificiais,
aprenderam a pescar e a navegar, a montarem acampamentos e abrigos
provisórios seminômades, que acabaram por aperfeiçoar as grandes caçadas,
envolvendo toda a tribo (até mesmo mulheres e crianças), e inclusive assinalou o
contato preliminar da humanidade com os antecedentes dos caninos, os lobos, os
primeiros animais a serem domesticados. Começa então o processo de
sedentarização por estações, ou sazonal, marcado por locais abundantes em caça,
pesca e coleta de cereais, durante o curto Mesolítico.
O último período da Pré-história, o Neolítico, aproximadamente a doze mil
anos, foi marcado pela pedra polida, a construção das palafitas e moradias mais
duráveis e da cerâmica de argila. Juntamente à linguagem, com a troca de
técnicas e experiências, a cooperação mútua e a transmissão de conhecimentos
alavancaram os primórdios da exploração da terra, a revolução agrícola,
semeando plantações e aprisionando animais para reprodução em cativeiro. A
prodigiosa domesticação de plantas e animais transformou a sociedade de
exploradores em cultivadores, artificializando, desde então os ecossistemas, pela
economia, man makes himself, segundo Childe (DUMONT, 1997).
Terminada, então, a Idade da Pedra, aproximadamente em 5.000 a.C.,
instaura-se a Idade dos Metais, com o advento da metalurgia, das ferramentas e
das armas. Um desenvolvimento tecnológico vertiginoso é marcado pelo
aumento paralelo da população humana terrestre, de 5 a 50 milhões, em mil
anos. A escrita inaugura a Idade Antiga aos quatro mil anos a.C. e as civilizações
se estabelecem. São desenvolvidas ferramentas pesadas, tração animal, e
minuciosos utensílios para aumento de produção. A busca de maior
produtividade requereu aumento de área cultivada, foram desbravados novos
territórios e o meio rural apartou-se do urbano.
Toda esta digressão histórica fez-se necessária para que se compreendesse
a forma antiga que dava a ótica para esta concepção caracterizadora da relação
do homem com os animais.
Quanto à fauna, na noção humana, mesmo enquanto nômade,
sobrevivendo da coleta e a caça, e depois mediante domesticação, o
entendimento vigente era o de que os animais pudessem ser configurados como
objetos de propriedade, e que, quando soltos, eram percebidos como res nullius,
que seriam de alguém, ou de qualquer um, que poderiam se apossar deles, serem
passíveis de domínio, pois eram considerados “coisa de ninguém”, que nunca
teriam tido um senhor. Orlando Gomes, citado por Celso Antônio Pacheco
Fiorillo (FIORILLO, 2010, p. 255) já definia que:
Há coisas que podem integrar o patrimônio das pessoas, mas não estão no de
ninguém. São as res nullius e as res derelictae. Res nullius, as que a ninguém
pertence atualmente, mas podem vir a pertencer pela ocupação, como os
animais de caça e pesca.
Vigorava, portanto, uma visão antropológica da Natureza, na qual as
pessoas eram o centro do mundo, noção reforçada pela doutrina civilista, de
cunho privatista. As expressões Antropocêntrico ou Humanista concernem a
uma visão filosófica que se referia à dimensão da necessidade de assimilar o
valor do ser humano e seu lugar no mundo. Nesta perspectiva tudo o que existia
havia de ser levado em consideração, havia de ser mensurado, a partir do
homem, que reinava absoluto. Este juízo remete à Grécia Antiga, à Índia
ancestral e às tradições hebraicas, pondo o ser humano como centro do universo
moral. Conceito reforçado na Idade Média pelo cristianismo, segundo o Gênesis,
crendo a humanidade criada à imagem e semelhança de Deus, posicionando-a
em superioridade, sujeitando o planeta à dominação antrópica.
Este conceito, outrossim, persiste ainda hoje e encontra adeptos que
entendem os animais como seres que vivem apenas para servirem aos interesses
humanos, coisificando-os, fato acentuado pelo viés econômico, enfatizado pela
produtividade.
2 NOÇÃO CONTEMPORÂNEA DA PECUÁRIA
Mas uma mudança de paradigma está em curso, felizmente, porque, de
acordo com a percepção holística, denominada de Biocêntrica ou Pós-humanista,
passou-se a se analisar a influência da fauna na caracterização da harmonização
ecológica, deslocando a posição centralizadora dos seres humanos, reavaliando
seu papel em relação ao meio ambiente, começando a entender os animais sob a
perspectiva da necessidade do cuidado com a estabilidade dos ecossistemas,
segundo sua função ambiental, considerando-se a fauna como um bem de uso
comum do povo, indispensável à preservação da Natureza e da qualidade de
vida, adequando-se a tutela jurídica a esta circunstância gradualmente.
Esta visão projeta a relevância intrínseca das outras formas de vida,
independentemente da possibilidade de utilidade pela espécie humana,
admitindo o reconhecimento da função ecológica da fauna, conceituando-a,
contemporaneamente, como um bem ambiental.
Para que isto se consagre, não cabe mais a interpretação de que os animais
sejam res nullius, conforme configuravam os ultrapassados Decreto-Lei 5.894/43
e Decreto-Lei 794/38, respectivamente o Código de Caça e o Código de Pesca.
Tampouco, pelo que estabelecia a Lei 5.197/67 que revogou estes códigos e
passou a estabelecer a fauna silvestre como bem público, pertencente à União.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 os bens ambientais
deixaram de caracterizarem-se como públicos de propriedade da União, diante
da consideração de sua função ecológica, essencial à qualidade de vida, pela
necessidade de preservação da fauna e sua importância no equilíbrio dos
ecossistemas. Todavia, motivada pela caracterização de que todas as espécies,
assim como a preocupação com sua manutenção, pertencem a todos os titulares
do direito difuso e transcendental ao Meio Ambiente, a titularidade da fauna é,
portanto, indeterminável!
Esta concepção ampla de fauna foi estabelecida na Constituição Federal de
1988, em seu artigo 225, §1°, inciso VII, um dos caracterizadores do epíteto de
Carta Ecológica, porque constitucionalizou o princípio do desenvolvimento
sustentável, incumbindo ao poder público e à coletividade, defender e preservar
o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, muito embora não tenha
tutelado diretamente a atividade agropecuária, delimitando expressamente seu
conceito, deixando de distinguir a fauna silvestre da doméstica,
responsabilizando os cidadãos, proibindo ações que arrisquem sua função
ecológica, causem extinção de espécies ou a submetam à crueldade.
Aproveitando a definição dada pela Lei n° 5.197/67, a Lei de Proteção à
Fauna, no caput de seu artigo 1°, entende-se como silvestres os animais que
vivem em liberdade, por conta própria, na Natureza.
Por sua vez, a fauna doméstica se caracteriza como o conjunto de animais
que vive em cativeiro, domesticados ou ambientados à modificação de seu
habitat natural, criados para a alimentação, trabalho, companhia e divertimento,
convivendo em harmonia com seres humanos, criando vínculo de
interdependência para sobreviverem, mesmo que originalmente, quando em
liberdade, fossem selvagens.
Neste conceito, no Brasil, há um caso esclarecedor, que é o dos javalis sus
scrofa. Originariamente bestas selvagens exóticas, classificados como silvestres;
que, apanhados em ecossistema europeu, foram trazidos para cá e reproduzidos
em cativeiro, em criatórios devidamente autorizados, para obtenção de sua carne,
passando a serem considerados como domésticos; mas que, abandonados, soltos
e multiplicando-se novamente no Meio Ambiente, inclusive com porcos
domésticos, gerando o chamado “javaporco”, tornam-se ferais e novamente
silvestres, transformando-se em uma praga altamente nociva, sem qualquer
controle ou predador natural. A caçada ao javali estaria legalizada, conforme o
artigo 37, incisos II da Lei 9.605/98, a Lei dos Crimes Ambientais, desde que
regularmente validada pelo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis, embora a burocracia invencível para renovar
licença de caça trimestralmente, adquirir porte de arma, assim como a munição e
o armamento junto ao Exército Nacional, na verdade, fica inviabilizada.
Quando a Constituição Federal de 1988 trata sobre a fauna, a não
segmentação entre silvestres e domésticos se escancara porque as práticas
coibidas referem-se a ambas as categorias, sem diferenciação entre elas.
Mas qual é a natureza jurídica da fauna?
Fiorillo (FIORILLO, 2010, p. 258) preceitua que:
Os animais são bens sobre os quais incide a ação do homem. Com isso, deve-
se frisar que animais e vegetais não são sujeitos de direitos, porquanto a
proteção ao meio ambiente existe para favorecer o próprio homem e somente
por via reflexa para proteger as demais espécies.
Para que se resolva esta indagação, sobre a natureza jurídica da fauna, há
que se penetrar quanto à possível titularidade de direitos dos animais, em que
pese à bandeira levantada por ambientalistas bem intencionados, que alertam
quanto à extinção de espécies, investigam atos de crueldade e despertam a
empatia e compaixão da população com a causa animal; veganos, ecologistas
radicais e abolicionistas animais, acusam de “especistas” (definidos como
aqueles que consideram desfavoráveis indivíduos que não pertençam à mesma
espécie), quem discorda de seu discurso, indo contra o argumento
antropocentrista, embora pretendam humanitarizar a fauna, mesmo que em
detrimento da humanidade.
Esta confusão originou-se de interpretação equivocada da leitura de um
manifesto consistente na obra Animal Liberation, de Peter Singer (SINGER,
1975), que sugere a tutela dos direitos dos animais não-humanos (expressão
característica), que causou comoção na comunidade vegetariana e protetora
animal, denunciando atrocidades cometidas em laboratórios e fazendas
industriais.
Baseado na teoria proposta por Humphry Primatt, em 1776, em sua tese de
doutorado A Dissertation on the Duty of Mercy and the Sinn of Cruelty Against
Brute Animals, configurado como o marco de proteção aos animais, em que,
mesmo existindo diferenças biológicas, pretendia igualar o respeito aos seres
humanos, alcançado pelo exercício da compaixão, não obstante, lamentasse não
haver legislação protetiva da crueldade contra os animais.
Inspirado pelas ideias de Primatt da igualdade de tratamento, pela
capacidade de sofrerem, durante a Revolução Francesa, em 1789, Jeremy
Bentham escreveu “Uma Introdução aos Princípios Morais e da Legislação”,
exigindo que houvesse uma redefinição da comunidade moral, que deveria
incluir todos os animais, com capacidade de sentirem dor, e passou a ser
considerado como o precursor do bem-estarismo. Posteriormente reclassificado
como Utilitarista, em razão da valoração moral da causa de uma ação ou
instituição, dependendo das consequências que acarretassem possível
julgamento.
Ambos, Primatt e Bentham jamais os reconheceram como possíveis
sujeitos de direito, sem lhes terem atribuído, e, tampouco, usado, o termo direito
dos animais.
E o próprio filósofo australiano Peter Singer, em entrevista, retratou-se
publicamente[73], lamentando que seu livro tenha se tornado ícone de apoio ao
veganismo, citando que não via nada de eticamente errado em comer carne, o
problema estaria na falta de decência no tratamento ao animal antes da morte
(SINGER e MASON, 2007).
Em verdade, Singer advoga pelo prolongamento do princípio da igualdade
em relação ao sofrimento, e a consciência deste sofrimento, para alcançar tanto
animais humanos, quanto não-humanos. Admitindo o uso e morte de animais, se
tratados humanitariamente, com a menor aflição possível.
O contraponto a Singer é feito pelos Abolicionistas Tom Regan e Gary
Francione, pois consideram a neutralidade de Singer Utilitarista, por ser
favorável à experimentação científica e pesquisa médica, quando o benefício
humano for igual ou superior que o interesse comparado ao animal.
Tom Regan em The Case for Animals Rights (REGAN, 1983) e “Jaulas
Vazias” (REGAN, 2006) postula a concessão de direitos aos animais não-
humanos, por serem, em seu entendimento, pacientes morais e também
“sujeitos-de-uma-vida” (outra expressão definidora). Considera desnecessário
aferir interesses porque moralmente há o amparo em direitos básicos pelo
reconhecimento de seu valor inerente, de serem tratados com respeito, adotando
postura ontológica, em que a ética animal e a lei coíbem o instrumentalismo (da
noção de que os animais seriam meios para os fins dos humanos).
Gary Francione em The Longest Journey Begins with a Single Step:
Promoting Animal Rights by Promoting Reform (FRANCIONE, 1996), por sua
vez, nega que a ideologia bem-estarista atribua significado moral aos não-
humanos, por não desafiar a sua condição de propriedade. E vai adiante, em
franca postura normativa, afirma categoricamente que todos os animais
sencientes têm e são sujeitos de direito, não podendo ser tratados como objetos
de propriedade dos humanos.
De fato, o que ambos, Regan e Francione tencionam é impedir o uso de
animais como recursos, independentemente do tratamento e o respeito aos
regramentos de bem-estar animal, questionando a “escravidão animal” e
batalhando pela abolição da exploração humana, acreditando que a outorga de
direitos fosse privilegiar este entendimento.
O debate não reside, portanto, entre a objetificação (a natureza-objeto) ou
subjetificação (a natureza-sujeito) da natureza, mas a efetiva concretização da
natureza-projeto, utilizando-se da terminologia de François Ost, consistente, no
caso em análise, no imperativo de não maltratar, de não impingir desnecessário
sofrimento a outros seres que, a despeito de sua condição não-humana, são
capazes de sentir dor. (MARTINS, 2017)
O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que a
proteção animal é prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade, direito de Terceira Geração, ou de Novíssima Dimensão,
conforme julgamento de ADI 1856/2011[74], Relator o Eminente Ministro Celso
de Mello.
É legítimo cuidar da Natureza, a perpetuação da fauna e da flora são
preocupações genuínas, compreender que o ser humano tem o dever de propiciar
vida com dignidade aos animais, segundo as Cinco Liberdades Bem-Estaristas,
lançadas em 1965 pelo Relatório Brambell, e ratificadas pelo Conselho de Bem-
Estar de Animais de Produção, Farm Animal Welfare Council (FAWC, 1993),
quais sejam: 1) Liberdade Fisiológica, disponibilidade nutricional de alimento
em quantidade e qualidade adequadas; 2) Liberdade Sanitária, ausência de
doenças e ferimentos; 3) Liberdade Ambiental, adequação de instalações e
alojamentos, com espaço suficiente e livres de desconfortos térmicos ou físicos;
4) Liberdade Comportamental, adaptação para que expressem seu padrão de
comportamento natural, o mais parecido aquele encontrado quando em liberdade
e; 5) Liberdade Psicológica, mitigação de sentimentos de medo, estresse e dor.
Esta Quinta Liberdade consagra a tomada de consciência de que os
semoventes, animais que tem faculdade de locomoção própria, são sencientes,
reconhecendo serem seres sensíveis, e, portanto, possuam capacidade de
perceberem sentidos, impressões e emoções. Inclusive, atualmente, houve o
deslocamento da vulnerabilidade à dor, que pertencia originalmente à Segunda
Liberdade, para a Liberdade Psicológica.
Tratando deste ponto específico Molento (MOLENTO, 2006) refere que:
A Liberdade Psicológica representa um aumento significativo da amplitude da
Liberdade de medo e distresse; isto apresenta a desvantagem de se tornar mais
subjetivo e de mais difícil avaliação. Entretanto, alguns sentimentos negativos,
tais como frustração e tédio, são extremamente comuns em animais sob
manejo intensivo e deveriam ser considerados quando se diagnostica bem-estar
através das Cinco Liberdades. Se considerada desta forma ampla, a Liberdade
Psicológica poderia ser analisada com base na avaliação das outras quatro
Liberdades, em termos de probabilidade de predominância de sentimentos
positivos ou negativos.
O filósofo espanhol, catedrático em Ética, Fernando Savater (SAVATER,
2001, p. 15) sustenta que:
É civilizado extremar nossos cuidados circunstanciais para com eles, o que não
equivale a lhes conferir direitos ou igualá-los moralmente aos humanos.
O lado espiritualmente bom das reivindicações dos defensores dos direitos dos
animais (como do ecologismo radical em geral) é redespertar um sentimento de
piedade laica seriamente ameaçado pela prepotência da técnica e da
mercantilização exploradora de nossa relação com o mundo. Na prática, o lado
mau é potencializar o abusivo e castrador predomínio do humanitarismo sobre
o humanismo, predomínio esse que caracteriza social e politicamente nossa
época. E isso pode ser pernicioso não apenas para a comunidade moral
humana, mas para os próprios animais, eticamente antropomorfizados à força.
Em se tratando de direito constitucional comparado, Isabel De Los Ríos
(RÍOS, et. al., 2017) explica o panorama venezuelano:
Al confrontarse distintos derechos constitucionales, la solución es clara: deben
prevalecer lós intereses colectivos frente a lós individuales, los de mayor
significación y relevancia para la vida e de los más altos valores éticos,
correspondientes al estagio actual de la sociedad, como palmariamente lo
expone la sentencia del TSJ. (...) Solo que la humanidad sigue su rumbo,
transformándose, siempre para mejor. Lo cual queda demostrado com la
histórica y valiente sentencia dictada por el Juzgado Superior Agrario del
Estado Aragua, sostenida por esa misma ley que pudo haber significado outro
avance igualmente histórico y que se transformo em um pálido instrumento de
protección de la fauna doméstica, sobre manera de aquella sometida a
malostratos, violencias y atropellos y que no fué obstáculo para la escalada
jurisprudencial.
Daimar Cánovas Gonzáles (GONZÁLES, et. al., 2017) descreve a
realidade cubana:
El reto para la realidad cubana implica transitar desde políticas públicas más o
menos implícitas, hasta la formulación en un cuerpo legal con el rango
adecuado de las normas que rijan la relación con los animales no humanos.
Desde el Derecho difícilmente pueden imponerse soluciones como las
propuestas por el llamado “Derecho Animal”, almenos en la radicalidad de sus
postulados dietéticos y renuncia a cualquier tipo de utilización de los animales
en actividades econômicas fundamentales hasta hoy.
Caraballo Maqueira (MAQUEIRA, 2007, p. 61-66) aporta os princípios
cubanos do Direito Ambiental, os sintetizado em três, comungando com esta
situação fática, apontada em Cuba:
Para nosotros el Derecho Ambiental presenta tres principios rectores: 1. El
deber de conservar la diversidad biológica por su valor per se; 2. El del análisis
dialéctico-sistémico a la hora de analizar la conservación de la diversidad
biológica; 3. El de la responsabilidad de toda persona natural o jurídica en la
prevención y/o reparación del daño a la conservación de la diversidad
biológica. Considerar estos principios como los rectores del Derecho
Ambiental, se fundamenta a partir de que ellos son la base que condiciona la
eficacia de las acciones dirigidas a la conservación de la diversidad biológica.
El reconocimiento de la conservación de la diversidad biológica por su valor
per se, significa la convicción de que todas las formas en la que la vida se
manifiesta deben ser respetadas; significa ir más allá del respeto a un concepto
abstracto, la vida, incapaz por el momento de expresarse en definición alguna,
y caprichosamente manifestada de forma singular, estable, interrelacionada e
interdependiente, en cada criatura o individuo. La vida es un instante en el
complejo devenir de existencia de la materia.
José Alberto Esain (ESAIN, et. al., 2017) autor platino, dá a perspectiva
argentina:
Esto no significa que estemos ante el reconocimiento de personalidad para los
animales o la naturaleza, es decir la tesis que los tienen como sujetos de
derechos. Simplemente que el hombre no puede dirigir sus actos morales como
si los animales fueran cosas sin valor, que no sienten dolor o padeceres por
estos actos crueles.
O Direito Alemão concretizou em sua Lei Fundamental, em seu artigo 20,
a proteção ao Meio Ambiente e aos animais, e acaba por confrontar, ao limitar os
direitos fundamentais dos seres humanos. Não confere algum direito
fundamental ou subjetivo individualizado aos animais, porquanto estabeleça a
proteção aos animais como objetivo estatal. Alguns doutrinadores assumem
posição intermediária, assentados entre uma visão antropocêntrica mitigada ou
outra ecológica biocentrista. A tendência do antropocentrismo mitigado
reconhece a presença de deveres indiretos que responsabilizam os humanos em
relação à Natureza e às gerações futuras, para suprir suas necessidades materiais.
Por sua vez, o ecologismo biocêntrico propõe a tutela moral de entidades
individuais detentoras de vida e de sensações, concentrando deveres diretos às
pessoas. Em um compasso mais radical, os ecocentristas dão consideração ética
e moral a conjuntos sistêmicos, tais como, ecossistemas, biosfera, cadeias
alimentares e fluxos energéticos (JUNGES, 2010, p. 19)
Portanto o referido posicionamento intermediário germânico entende que
os semoventes são detentores de garantias constitucionais, no sentido de serem
pautados pela ética de preservação, sem assumirem personalidade individual aos
animais, como possíveis sujeitos de direito, mas caracterizando-os como fauna,
em conjunto, cujas necessidades ultrapassam a mera utilização humana, com a
devida proteção em contrapartida.
“Nesse contexto, os direitos ‘atribuídos’ aos animais consistem em limites
ao comportamento dos seres humanos para com as demais formas de vida”,
segundo Molinaro, citado por Ingo Wolfgang Sarlet (SARLET, 2010, p. 155).
Juliana Lima de Azevedo, ambientalista representante da magistratura
gaúcha, com toda a propriedade leciona que (AZEVEDO, 2018):
“Além disso, com a constitucionalização, a proteção dos animais é elevada à
condição de limite imanente de direitos fundamentais”.
Nesse contexto, é possível concluir que, em que pese o objetivo estatal de
proteção dos animais não conceda direitos às formas de vida não-humanas,
conduz a alterações significativas na ordem jurídica alemã, na medida em que
obriga os três Poderes estatais e permite o contraste de direitos fundamentais
dos seres humanos e interesses dos animais, consubstanciados em medidas de
proteção. Assim, direitos que envolvam o uso de animais – tais como a
liberdade de pesquisa e de docência - devem ser exercidos com observância da
norma protetiva dos animais.
Em consonância, no Brasil, no momento em que houve a
constitucionalização, isto é, quando este dever de guarda recebeu hierarquia
constitucional, no inciso VII, do parágrafo primeiro, do artigo 225, a ligação
entre homens e semoventes passou a ser pautada sob um novo prisma, muito
embora, em nenhum momento esta norma protetiva tenha exagerado atribuindo
direitos aos animais.
A título ilustrativo, desafinado desta conclusão, há o ponto de vista mais
extremista e excêntrico, o Vegano ou Abolicionista Animal, cuja abordagem
admite, sim, direitos aos animais, requerendo a libertação da sua exploração
pelos humanos, apoiando-se na senciência, considerando a dieta vegana como
base moral. Fundamentam-se no especismo, termo criado por Richard Ryder,
que tece um paralelo entre a escravidão e o preconceito racista humano, e a
propriedade e o aproveitamento (independentemente de abuso) de animais.
Não se pode desvirtuar o ordenamento legal desta garantia
constitucionalizada, a ética preservacionista remanesce incólume, a fauna e a
flora seguem conservadas e as normas protetivas somente se fortalecem, embora
atuando sobre um caráter de uma totalidade complexa, na acepção de Natureza,
de Meio Ambiente, salvaguardados como bens ambientais!
Obviamente, por questão de civilidade, os operadores do direito ambiental
não podem omitir-se de analisar a questão do bem-estar animal, pois, em uma
análise jurídica, é elementar compreender que os animais não têm personalidade,
tampouco possam figurar como sujeitos de direito, outrossim, pertençam a esta
espécie de regime intermediário. Enquanto bens ambientais merecem proteção,
são detentores de prerrogativas legais, e requerem amparo jurídico e tutela
jurisdicional em caso de violação. E é neste sentido que a lei estabelece distinção
de deveres da humanidade para com a fauna, enquanto componente do Meio
Ambiente, elemento imprescindível da biodiversidade, protegendo-a da
crueldade, responsabilizando-se pela sua existência, concedendo-lhe uma vida
digna, seguindo os ditames de bem-estar animal.
Porém, é inerente concluir que, extravagâncias a parte, tal pretensão de
tentar configurar animais como sujeitos de direito, não passa de idealismo,
despegado da realidade e da vida prática. Os deveres que o homem tem em
relação à fauna não são, de forma alguma, uma obrigação, porque o múnus
implicaria em direitos correlatos, o que não se admite! A vedação constitucional
da crueldade contra a fauna é um dever do homem, não um direito do animal!
Hachem e Gussoli (HACHEM e GUSSOLI, 2017) sintetizam e encerram a
discussão em “Animais são sujeitos de direito no ordenamento jurídico
brasileiro?”:
Visto isso, repita-se, animais não são sujeitos de direito no ordenamento
jurídico brasileiro e por conseguinte não têm direitos na acepção que o sistema
jurídico dá ao termo. Por extensão, não têm pretensões invocáveis por seus
representantes, embora mereçam ampla tutela por parte dos legitimados
processuais em razão da importância que o constituinte conferiu ao meio
ambiente, do qual os animais fazer parte.

3 A PECUÁRIA NO BRASIL
Em um país de dimensões continentais, vasta superfície, compreendido,
em sua maioria, em relevo sem bruscas elevações, de clima propício, farta
distribuição de água e terra fértil (à exceção do semiárido do interior nordestino),
que cunhou a expressão atribuída a Pero Vaz de Caminha: “em se plantando tudo
dá!”, não poderia ser outra, senão sua vocação natural à agropecuária.
E assim normatiza a Constituição Federal de 1988, em seu inciso VIII, do
artigo 23, determinando que fomentar a produção agropecuária e organizar o
abastecimento alimentar são competência comum aos quatro entes federativos:
União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Deveras, a predestinação à agricultura e à pecuária foram elementos
cruciais ao desbravamento e à ocupação do território brasileiro, desde as
Capitanias Hereditárias (descentralização da governança portuguesa enquanto
Colônia, caracterizada por extensas faixas de terras doadas a nobres da Coroa
Lusitana, para a colonização) às Sesmarias.
Confirmando estas expectativas, há três anos, desde 2015, o setor
agropecuário tem sido o responsável pela manutenção da economia interna,
acréscimo nas exportações e progresso no fiador da balança positiva no Produto
Interno Bruto - PIB brasileiro. O agronegócio firmou-se estrategicamente no
cenário internacional, e, segundo a Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico – OCDE, diante da previsão de crescimento da
demanda, a necessidade de aumento na produção de alimentos aumentará na
ordem de 20% no planeta. E o Brasil é evidente alternativa promissora diante da
estimativa de elevar potencialmente a produção de alimentos em 40% até 2020.
A projeção da próxima safra da soja, para 2018/2019, supera em meia
tonelada a dos Estados Unidos da América, pois 117 milhões de toneladas
posicionam o Brasil como líder mundial na colheita desta cultura[75]!
A atividade pecuária, por sua vez, consiste na criação de animais
domésticos, que não vivem em liberdade, convivendo mútua e simbioticamente,
interdependendo da presença humana para sua sobrevivência, divididos em
animais de grande porte: por exemplo, gado (bovinos e bubalinos) e manadas
(equinos, asininos e muares); médio porte: varas (suínos) ou rebanhos (ovinos e
caprinos); ou de pequeno porte, principalmente galináceos. Sem levarmos em
consideração animais exóticos (introduzidos artificialmente e que deixaram de
ser silvestres), e possuem um regime de criação especial: avestruzes, jacarés e
javalis, que formam categoria aparte.
A pecuária cumpre sua parcela, desde a colonização, pois foi atividade
desenvolvida continuamente, e determinante para o domínio do território, fator
essencial e componente importante da economia e da cultura brasileira.
Conforme pesquisa de dados da Pesquisa da Pecuária Municipal – PPM,
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE[76], em 2017, o
número de bovinos alcançou o recorde de 218,23 milhões de cabeças, indicando
um acréscimo de 1,4% em relação ao anterior de 2016, em curva ascendente.
Em consonância o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos
(United States Department of Agriculture – USDA) [77], confirmou o Brasil como
detentor do maior rebanho bovino comercial, e segundo maior rebanho,
correspondentes a 22,2% do efetivo global, perdendo apenas para a Índia.
Também como segundo maior produtor de carne bovina, o Brasil participou com
15,4% da produção planetária. Os Estados Unidos (maior produtor mundial), o
Brasil e a União Europeia, somados, correspondem a 48,5% da carne produzida.
O volume de leite captado pelos laticínios brasileiros inspecionados
totalizou mais de 24 bilhões de litros em 2017[78], embora a demanda não
acompanhe este crescimento, o que acabou por pressionar negativamente os
preços.
As criações suínas e galináceas brasileiras não quedam atrás, em reflexo da
redução do poder aquisitivo da população e o aumento do preço da carne bovina
iniciado em 2015, ambos cresceram ao maior patamar de suas séries históricas.
Em 2017, segundo a mesma pesquisa do IBGE[79], atingiram as marcas de mais
de 43,19 milhões e 1,3 bilhão de cabeças respectivamente.
Cumpre aclarar que no caso dos frangos, o total divulgado é bem menor
que o abatido, já que o ciclo de produção do frango de corte é curto. O número
de abates equivale a 5,84 bilhões. Na produção de ovos quase 40 bilhões de
unidades foram produzidas[80].
Nas outras criações: de bubalinos, equinos, ovinos e caprinos, a nível
mundial, os números não são economicamente tão expressivos.
A aptidão natural do país à produção agropecuária é franqueada em relação
às exportações.
De carne bovina in natura, o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e
Serviços, contabilizou que em 2016 somaram 1,08 milhão de toneladas com um
valor de R$ 4,35 bilhões, situando o Brasil na terceira posição do ranking
internacional em 2016, sendo Índia e Austrália, respectivamente, os maiores
exportadores.
Quanto à suinocultura, a receita dos embarques in natura totalizou US$
1,465 bilhão, sendo exportadas 693 mil toneladas, dando ao país a quarta
posição, após China, União Europeia e Estados Unidos da América.
Mas é em relação à carne de frango, que o Brasil se destaca como o maior
exportador mundial! A receita cambial das exportações de carne de frango
obteve US$ 7,236 bilhões, configurados em 4,32 milhões de toneladas, informa
a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) [81].
4 DAS LIMITAÇÕES À ATIVIDADE PECUÁRIA
Contudo a atividade agropecuária sofre limitações, porque, na mesma
superfície de área demarcada, de utilização do produtor rural, que a pretende
explorar economicamente, há um delicado conflito de interesses, em virtude da
necessidade de preservação ecológica.
O direito à propriedade não mais é tido como absoluto e individual,
conforme a anterior noção privatista, pois desde a instituição da função social da
propriedade rural, presente de forma efetiva desde o Estatuto da Terra, no
campo, tal instituto está ajoujado à produção de alimentos para abastecer a
população, em benefício da coletividade. Há, inclusive, a pressão pela
produtividade eficiente, visto que áreas improdutivas podem ser objeto de
desapropriação para fins de reforma agrária, conforme o artigo 184 da Carta
Magna e os índices especificados pelo Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária – INCRA.
Em contrapartida, não basta o campesino produzir comida, pois a
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 186, inciso II, cominada ao artigo
2°, parágrafo 1°, alínea “c” do Estatuto da Terra, e à Lei 8.629/93, estabeleceram
que a função social da propriedade rural, só se caracteriza havendo, além da
exploração agrícola, simultaneamente o aproveitamento racional e adequado de
recursos disponíveis, respeito às leis trabalhistas e proteção ao Meio Ambiente,
segundo o entendimento do dever do cumprimento da função ambiental da
propriedade rural, em prol do bem comum.
Querubini (GONÇALVES, 2013, p. 89) leciona que:
A função ambiental da propriedade rural caracteriza a imposição de deveres
para atenderem a um fim coletivo pré-determinado, diretamente direcionado e
vinculado à proteção ao meio ambiente, caracterizando-se como um poder-
dever do proprietário, com o fim de alcançar a sustentabilidade. A função
ambiental da propriedade rural possui dupla finalidade a de proteger os
interesses difusos de defesa do meio ambiente e a de defender o proprietário
contra seus próprios abusos.
Conforme exposto, a função ambiental da propriedade rural traz consigo
reflexos diretos no trato da exploração da atividade agrária em prol da proteção
do meio ambiente, conformando o exercício do direito de propriedade no
sentido de uma exploração sustentável em favor do bem comum da
coletividade.
A definição de agropecuária é a atividade intrinsecamente ligada à
exploração da terra como fator de produção, seja para cultivo de plantações ou
florestas e criação de animais, utilizando a flora, a fauna e os recursos hídricos,
notadamente, bens ambientais, com as restrições protetivas elementares à
sustentabilidade.
Esta necessidade do policiamento quanto à proibição de degradação do
meio e a preservação dos ecossistemas, institucionalizado pelo licenciamento, é
tratada por Fiorillo (FIORILLO, 2013):
Exatamente por estar integrada à tutela jurídica vinculada a plantas e animais, e
evidentemente em proveito da dignidade de brasileiros e estrangeiros
residentes no País, a agropecuária recebe a partir de Constituição Federal de
1988 pormenorizados controles nos campos jurídicos vinculados à elaboração
de estudo prévio de impacto ambiental sempre que potencialmente causar
significativas degradação do meio ambiente (art. 225, §1º, IV) como evitar
práticas que coloquem em risco a função ecológica da fauna e flora, práticas
que provoquem risco às espécies, ou, ainda práticas que submetam animais a
crueldade.
Assim, resta cristalina a determinação que a função socioambiental da
propriedade rural é imposta ao pecuarista.
Para que não seja desapropriado de seu imóvel, ele precisa atingir
produção suficiente aos indicadores de lotação do INCRA (que variam de região,
por Unidades de Animal por hectare – UA/ha). Uma unidade de animal por
hectare equivale a 450 kg de peso vivo, como por exemplo: um boi adulto, ou
três terneiros desmamados, ou duas novilhas ou uma vaca com terneiro
mamando. Um cavalo, ou cinco capões gordos (ovinos machos castrados para
abate).
E, necessita, em contrapartida, diante do Código Florestal, Lei 12.651/12,
cuidar da flora, preservando a vegetação nativa, as Áreas de Preservação
Permanente - APP, a biodiversidade, o solo e respeitar o bom uso dos recursos
hídricos, gestado de acordo com a Lei das Águas, a Lei 9.433/97.
Para tanto, o produtor rural deve prestar autodeclaração ao Cadastro
Ambiental Rural – CAR, que é um registro público eletrônico nacional, em
sistema integrado, obrigatório a todos os imóveis rurais, que identifica APPs e
estabelece Reservas Legais. Embora haja escassez de corpo técnico, em um país
de proporções continentais, e os gastos com georreferenciamento, o CAR
configura uma importante ferramenta de monitoramento e gestão ambiental. É
condição compulsória para aderir ao Programa de Regularização Ambiental -
PRA, para ajustar o passivo ambiental, indicando as áreas que os proprietários
deverão preservar ou recompor progressivamente, controlando o desmatamento.
A inexistência ou déficit quanto à Reserva Legal pode restringir o direito de
propriedade sobre o imóvel em registros cartorários, impedir venda,
transferência, doação, desmembramento ou unificação da matrícula.
Neste ponto, em que militantes ecologistas do mundo inteiro brandem
críticas à pecuária nacional, acusando-a pelo desmatamento da Amazônia e de
outras florestas brasileiras, cabe uma séria advertência, porque não procedem. O
Brasil é, na verdade, o país que possui maior porcentagem de terras
ambientalmente protegidas no globo, pois equivalem a 29,8% de seu território,
contra 17,5% na Austrália, 14,3% na China, 12,3% na Argentina, 11,8% nos
Estados Unidos da América, 9,9% na Rússia, 8,7% no Canadá, 5,3% na Índia e
2,8% no Cazaquistão, aclarando que estes nove são todos países de extensão de
áreas com mais de 2,5 milhões de km2. Mas há mais, pois nesta pesquisa
constam somente as áreas protegidas, excluindo aquelas pertencentes às reservas
e terras devolutas, índice que para estas outras oito nações elencadas pouco se
alterariam, porém, à exceção do Brasil, deveriam ser somadas ao resultado
anterior, porque então abrangem impressionantes 66,3%[82]!
Circunstancialmente, a Carta Constitucional de 1988, em seu artigo 225,
§1°, inciso VII, incumbe expressamente ao pecuarista o encargo de zelo e
responsabilidade sobre os animais que estão em seu poder. As boas práticas
ecoam as diretrizes de bem-estar animal, preocupadas com o manejo adequado a
que estão sujeitos.
Assim, conclui-se que a população exige que pecuarista preserve o
ambiente e os biomas, envolvendo a flora (vegetação nativa), a reserva hídrica
(manejo sustentável da água), a fauna (conduzindo seus animais sob normas
bem-estaristas), satisfaça a legislação trabalhista, abra a privacidade de
informações de seu empreendimento (através do CAR) e produza alimentos
baratos e de qualidade, para o consumo nas cidades. Diante da carga tributária,
do preço de insumos e fretes, além dos riscos inerentes a qualquer negócio,
olvidam que o produtor rural depende também de um elemento incontrolável,
que difere a atividade de quase todas as outras, o clima.
Obviamente submeter animais a maus tratos já é moralmente questionável,
abusar do ambiente segue no mesmo compasso, pois não há o que os justifique.
Em dissonância, a desconsideração com o bem-estar da criação não é a regra. Ao
contrário, a busca por aperfeiçoar o manejo parte dos próprios criadores, porque
estão cientes que lidar com animais saudáveis, bem tratados e calmos só facilita
e potencializa resultados.
O consumidor de carne já demonstra esta preocupação, pressionando
pecuaristas e frigoríficos a dar um tratamento mais digno às reses, porque sabe
que animais estressados resultam em pior qualidade de carne. Exige informação
sobre rastreamento, conduta responsável e produção ecológica, transporte
confortável e abate humanitário. Demanda ações éticas, mitigando o sofrimento
animal.
Na avicultura o granjeiro tem nova forma de ver o galpão, controlar as
condições térmicas (temperatura, umidade e ventilação), assim como a
sanitaridade, foram adaptações indispensáveis ao padrão de produção exigido.
Na suinocultura, a partir de 1980, os ganhos de qualificação, seja genética
diminuindo taxas de colesterol, calorias e gordura, mas principalmente da
higiene dos alojamentos foi assombroso, facilitando a sanidade pelo regime atual
de confinamento.
Perante estes avanços, mesmo com todas estas dificuldades, não é
mistério que empreender no Brasil é trabalho árduo, não é segredo que o
agronegócio não admite amadores! Somente através da intensificação, pesquisa
em inovações especializadas, uso de tecnologias avançadas, acesso à internet e
administração empresarial moderna se poderá alcançar os níveis de desempenho
e eficiência exigidos.


5 IMPASSE JURÍDICO ENVOLVENDO A EXPORTAÇÃO DE GADO VIVO
No início deste ano de 2018 um impasse jurídico ambiental envolveu o
agronegócio pecuário, sobre a questão da exportação de bovinos vivos pela via
marítima, para o Oriente Médio.
O navio de transporte boiadeiro panamenho NV Nada estava ancorado no
litoral paulista, no Ecoporto de Santos, enquanto era completada a lotação de 27
mil cabeças de bois, com destino à Turquia. Diante de manifestações de
militantes de fóruns de Organizações Não Governamentais – ONGs veganas e da
Secretaria do Meio Ambiente de Santos, por denúncias de supostos maus-tratos,
alegando que o transporte rodoviário e naval desconsiderariam preceitos de bem-
estar animal e também causariam danos ecológicos, inicialmente os embarques
dos bovinos, por intervenção da Companhia Docas do Estado de São Paulo
(Codesp), empresa estatal brasileira, constituída na forma de sociedade de
economia mista, entidade pública privada, que administra o terminal, foram
temporariamente interrompidos.
A Marinha Brasileira reteve o navio pela concessão de liminar proferida
pelo juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública de Santos, que ordenou imediato
desembarque da boiada, sob a multa de cinco milhões de reais pelo
descumprimento. O desembarque de um número tão grande de animais está fora
da realidade prática, pois precisaria de uma enorme extensão de currais para
contenção, algo que não existe na cidade de Santos, tampouco alimentação e
água para manutenção até a decisão judicial definitiva. Posteriormente, sob pena
de multa diária de um milhão de reais, cedeu prazo para que a Minerva Foods
S.A. apresentasse plano de desembarcamento, com planejamento responsável,
exigindo identificação de destino e logística de transporte.
Entrementes, por liminar em ação civil pública n° 5000325-
94.2017.4.03.6135, que tramitou na 25ª Vara Cível Federal paulista, foi proibido
o transporte marítimo de gado vivo em todo o território nacional! Além disto,
estabeleceu, também, a suspensão condicionada ao comprometimento do país de
destino a adotar práticas de abate humanitário, compatíveis com o ordenamento
jurídico brasileiro, determinando a garantia de bem-estar dos animais. Não fosse
suficiente, concomitantemente, ordenou o desembarque de todos os 27 mil bois
carregados, com retorno à origem, conforme plano de saída organizado pelo
Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA as expensas do
frigorífico Minerva Foods S.A., tido como detentora dos bovinos.
No agravo de instrumento n° 5001499-79.2018.4.03.0000, da relatoria de
Desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, foram ratificadas a
medida liminar e o laudo que a fundamentou.
Estas três decisões escancaram o hiato no diálogo do Direito com o
agronegócio, demonstrando quanto alguns operadores do Direito, pela sua
formação urbana, não conseguem dimensionar a verdade do campo e da
atividade agropecuária. Tais decisões foram totalmente desprovidas de
efetividade, pois não havia como serem realizadas. Ainda mais se analisadas a
motivação e o fundamento das ações iniciais. Ora, se o que pretendiam era
impedir o suposto sofrimento do gado, forçá-los a serem recarregados em
caminhões, tidos como extremamente desconfortáveis, para rodarem mais de
quinhentos quilômetros de volta, do litoral às fazendas, não tem nenhuma lógica!
Indubitavelmente, estas decisões extrapolaram sua jurisdição, desrespeitaram
soberania estrangeira e religião, além de atingirem princípios básicos de livre
mercado, interferiram em negócios perfeitos e acabados, com quebra de
contratos de comércio internacional e abertura de mercado exterior.
Mas o pior é que o laudo que sustentou estes despachos, o relatório técnico
de inspeção, confeccionado por médica veterinária, na ação civil pública, não se
prestou, tampouco foi suficiente, como suporte técnico, porque foi
evidentemente parcial. A começar por descrever como fatos, impressões tidas em
ocorrência antecedente a sua nomeação como perita, que precederam seu
ingresso no navio (descreveu as condições de transporte dos caminhões
boiadeiros em barreira antes de adentrarem o porto, em que atuava como fiscal).
Relatório genérico, carente na especificidade de dados técnicos,
fundamentado em meras percepções pessoais, e que se revelou, nitidamente
tendencioso, ao ressaltar em demasia a estória e pontos negativos, aparentemente
mais convenientes ao discurso de um militante do abolicionismo animal do que a
um perito veterinário isento e imparcial.
A perícia descreveu condições precárias de higiene, esquecendo a condição
excepcional do atraso em uma semana na viagem, pela retenção do navio
ancorado no porto, por ordem judicial, interrompendo do carregamento, sem
imisção da exportadora. A tripulação não podia limpar os decks inferiores,
porque é feita com água dessanilizada e os dejetos são largados em alto-mar; a
poluição sonora dos ventiladores ocorreu para circular ar, diminuir o cheiro e
regular temperatura; embora a alimentação tenha seguido regularmente e a água
potável tenha sido fornecida pela rede urbana, a expensas da exportadora.
A lotação dos transportes, rodoviário ou marítimo, seguiram rigorosamente
as regras do Código Sanitário de Animais Terrestres, instituído pela OIE, bem
como o protocolo de sanidade animal estabelecido com a Turquia pelo
Departamento de Saúde Animal – DSA, com os caminhões partindo das
fazendas lacrados pelo MAPA, o órgão competente para fiscalização.
Sucessivamente, em agravo n° 5001513-63.2018.4.03.0000, a mesma
Relatora, sensatamente reviu sua decisão e autorizou que o navio ganadeiro
zarpasse para a Turquia, admitindo o argumento do risco de dano reverso à
integridade e saúde dos novilhos, e impraticável a higienização da embarcação
enquanto aportada, por prováveis danos ambientais.
O Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos autos do
processo n° 5001511-93.2018.4.03.0000, suspendeu a liminar outrora deferida,
possibilitando, novamente, a exportação de gado vivo para abate no exterior, em
todo o território nacional, por dano à ordem administrativa, gerando quebra de
confiança no país, com reflexos como perda de mercado.
As exportações de gado em pé para países muçulmanos tornaram-se
possibilidade de receita alternativa atrativa à pecuária brasileira porque, mesmo
com as imposições exigidas, rendem até 25% a mais do que no mercado interno.
O islamismo preconiza a compra de gado vivo por questões religiosas, os
garrotes devem ser degolados, segundo rituais ditados pelo Alcorão e a
Jurisprudência Islâmica, que estipula o sacrifício sem sofrimento, para deixar a
carne pura para o consumo humano, o chamado abate halal. Não admite animais
jovens demais (antes do segundo dente definitivo, a partir de 18 meses de idade),
acometidos de qualquer doença (rigorosa sanidade), ou qualquer espécie de
sofrimento (não aceitam nem ao menos novilhos castrados). Certamente, neste
sentido, possíveis flagelos durante a travessia marítima seriam incongruentes.
Sem embargo, a principal evidência do respeito aos protocolos de bem-
estar animal é até singela, durante a viagem, os bois ganham peso. Ora é do
conhecimento campeiro que um novilho maltratado jamais engordaria. O manejo
consciente e sem estresse é fundamental para o sucesso da exportação de gado
em pé. Financeiramente os maus-tratos não se justificam, são contraproducentes
e antieconômicos.
Pelo exposto, chega-se à conclusão que, em verdade, e na prática, tanto o
manejo, quanto o transporte, seja em caminhões ou em navios boiadeiros, não se
justificou a pretensa intervenção do fórum de ONGs veganas, pois restou indene
de dúvidas a legalidade frente o preceito constitucional e o respeito aos
regramentos veterinários de bem-estar animal, no caso das exportações de gado
vivo.
6 BEM-ESTAR ANIMAL
Mas em que consiste, efetivamente, o conceito de bem-estar animal na
pecuária?
Pois, resumidamente, o bem-estar animal constitui-se em certa qualidade e
dignidade de vida despendida em consideração aos semoventes, envolvendo sua
saúde e a percepção de seu contentamento, admitindo-os como seres sencientes.
Porém, esta definição está longe de ser pacífica.
A discussão se baseia pelo caráter subjetivo dado à expressão “bem-estar”,
porque vai muito além da mera preocupação com o ambiente de produção, das
acomodações de alojamento e que abrange, inclusive, o manejo consciente com
os animais.
A uma, para que um empreendimento pecuário tenha sucesso, o
treinamento da mão de obra é elementar, portanto, as normas devem ser claras,
simples e evidentes, para que um programa de qualidade em bem-estar animal
possa ser posto em prática, pois o trabalhador rural geralmente é
semialfabetizado.
A duas, a fronteira que demarca o limite da concepção entre os conceitos
adequados de bem-estar animal são confusos, conforme esclarece Raquel
Bacarat T. R. da Silva, citando McInerney (SILVA, 2012):
De uma maneira geral hoje as questões relacionadas ao bem-estar animal são
confusas e de caráter subjetivo. Limites e definições sobre “bom bem-estar” e
“ruim bem-estar”, levam à confusão interpretativa. O “bom bem-estar” dos
animais é, claramente, um resultado que compõe “bem” como o valor
econômico e como ponto de partida. Pode-se dizer que, para qualquer
sociedade, haverá um ponto específico sobre a escala que é definida por uma
mistura de valores sociais, prática tradicional de pecuária, atitudes culturais e
ciência animal. O contexto do entendimento da sociedade é diferente daquele
do produtor e, determinada situação pode ser considerada “ruim”, em termos
econômicos, mas o bem-estar dos animais está sendo atendido e, com isso, se
considerado com valor, estaria acima deste limiar, sendo um “bem
econômico”, algo que é visto como um benefício e que tem um valor para a
sociedade.
Por outro lado, o bem-estar animal abaixo do limite é um “mal econômico”,
algo que provoca desilusão para a sociedade e pode ser transformada em um
custo. Assim, a palavra “bom” é utilizada na economia como um substantivo
implicando não apenas em uma mercadoria, mas em qualquer coisa que tenha
resultado positivo ou valor. Do mesmo modo, um “ruim” nasce do valor
negativo e é considerado como um custo (McINERNEY, 2004).
A três, ao subentendermos a conceituação de bem-estar animal diante do
parâmetro do consumidor, ou o de um protetor dos animais, este será diferente
daquele de um produtor rural, por óbvio.
Por um lado, o pecuarista é cobrado para que preserve o gado e da
biodiversidade, sem receber absolutamente nada pelos custos e limitações que
esta obrigação compulsoriamente lhe impõe, pelo simples fato de trabalhar na
terra. De outro lado, dele se exige excelência de produtividade, em quantidade,
em qualidade e em preço barato. Porém, toda esta questão tem de ser cotejada
pelo caráter econômico, já que uma atividade que não produza resultados
financeiros perde sua razão de ser. Frente às relativizações do direito de
propriedade, e a possibilidade de desapropriação pelo descumprimento da função
social ou ambiental do imóvel rural, conforme explicado em subcapítulo
anterior, o fazendeiro é obrigado a se desdobrar para poder sustentar seu
negócio.
Contudo, engana-se quem imaginar que ambas as visões têm intenções
diametralmente opostas, embora miradas de pontos de vistas distintos. Satisfazer
o mercado é o objetivo do agronegócio, e, consequentemente, quanto mais
acurada for a sua leitura do consumidor, melhores serão os resultados. O setor
agropecuário tem ciência disto, e, por conseguinte, pretende buscar o bem-estar
animal na esperança de agregar valor ao produto!
7 IMPASSE JURÍDICO ENVOLVENDO PROVAS CAMPEIRAS E A
CRUELDADE
Outro embate que alcançou as vias judiciais foi a discussão sobre a
possibilidade de tratamento cruel a animais em contraposição a esportes e
manifestações culturais em que participam bovinos e equinos.
É consabido que o convívio com equinos fortalece e reaproxima o vínculo
das pessoas com a Natureza. Seja para camperiar tangendo o gado, cavalgar por
campos ou estradas, assim como praticar provas equestres, sejam estas de cunho
esportivo, cultural ou usadas como ferramenta de seleção racial.
Em diversas atividades é testada a aptidão vaqueira da montaria, ou seja, a
habilidade de um cavalo ser conduzido a interagir com um bovino, seguindo os
comandos do ginete.
Ao final de 2015 houve decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que
alertou todo o setor pecuário nacional, ao proibir a realização de provas de laço e
vaquejadas em rodeios, inclusive na Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos[83],
sob o argumento de que a Constituição Federal rechaçaria os maus tratos e a
crueldade com os animais, o que hipoteticamente ocorreriam nestas atividades.
Só na Festa de Barretos a expectativa de público é de novecentos mil
espectadores, ainda somados a outros duzentos rodeios menores, no estilo
country ou sertanejo, pelo interior de São Paulo. No Estado do Rio Grande do
Sul existem aproximadamente mais de vinte mil laçadores, concorrendo em
cerca de quatrocentos rodeios no estilo gaúcho durante o ano. Nas vaquejadas,
do Nordeste, as expectativas são de mais de seiscentos eventos anuais, com
arenas lotadas, com cerca de cinquenta mil pessoas por noite.
Os rodeios concentram demonstrações da destreza em lides campeiras com
o gado, onde o peão mostra habilidade ao montar a cavalo, laçar, colear o boi ou
ginetear, reproduzindo o serviço das fazendas. São expressões culturais do
homem do campo, trazidas para o público da cidade.
As críticas provenientes de entidades protetoras dos animais devem-se ao
caráter competitivo intrínseco que acabam por acontecer nestas provas, em que
polpudas premiações podem provocar a ganância em alguns concorrentes ou
organizadores, preconizando despropositadamente a velocidade, o que pode
facilitar a ocorrência de brutalidade contra bois e montarias.
De fato, tal preocupação foi o motivo da Lei 10.519/2002, que estabeleceu
em seu artigo 4° uma série de exigências para evitar lesões nos animais em
rodeios. No mesmo condão foi promulgada a Lei 10.220/2001, que
responsabilizou peões de rodeios e vaqueiros de vaquejadas atribuindo-lhes a
condição de atletas profissionais e às provas o caráter de esporte.
Tramitou no Supremo a ADI n° 4.983, em face da Lei n° 15.299/13
cearense, que caracterizava a vaquejada como prática desportiva e cultural. O
relator Ministro Marco Aurélio redigiu voto vencedor pela procedência,
afirmando ser “a crueldade intrínseca à vaquejada não permite a prevalência do
valor cultural como resultado desejado”. Em voto divergente, o Ministro Edson
Fachin compreendera que a vaquejada realmente trata-se de uma manifestação
cultural, protegida pela Constituição Federal.
A vaquejada atualmente é uma competição que envolve um par de
cavaleiros montados, em que um conduz velozmente e o outro derruba o boi
puxando-o pelo rabo, em raia demarcada. Espelha a lida para sacar o boi do
mato, que acontecia nos apartes do gado criado solto na caatinga nordestina, que
impedia o uso do laço pela vegetação.
Porém, diante da Emenda Constitucional 96/2017, que incluiu o parágrafo
7° ao artigo 225 da Constituição Federal de 1988, foi posta uma “pá de cal”
sobre a celeuma, determinando que as práticas desportivas que envolvem
animais, expressamente não são consideradas cruéis, quando configuradas como
manifestações culturais, conforme o parágrafo 1° do artigo 215 desta mesma
Constituição, tidas como patrimônio cultural imaterial brasileiro, mesmo sem
deixar de estabelecer a obrigatoriedade de regulamentação por lei específica,
levando em consideração bem-estar animal.
Mas uma situação é cultuar as tradições, na mesma cadência é enaltecer
aqueles que mantêm viva a cultura do campo, mesmo que adaptada à realidade
atual, onde se situam os rodeios.
Outra, bem diferente, é a apologia à crueldade. Tanto as antigas touradas,
quanto a famigerada farra do boi, conquanto as rinhas de galo ou brigas de cães,
que essencialmente se retroalimentam ao justificar a violência. Nestas situações,
não há relativização, tampouco comparação que possa cotejar o patrimônio
cultural e o resguardo com os animais. As questões suscitadas não são as
mesmas.
É neste sentido que o Supremo Tribunal Federal enfrentou questão menos
complexa, entre uma possível colisão de preceitos constitucionais da proteção à
cultura e a proteção aos animais.
COSTUME – MANIFESTAÇÃO CULTURAL –ESTÍMULO –
RAZOABILIDADE – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA –
ANIMAIS – CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno
exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das
manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo
225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os
animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional
denominado “farra do Boi” (Ministro Marco Aurélio – Recurso Extraordinário
n° 153.531 – Diário da Justiça 13/03/1998)
Na mesma senda a Suprema Corte rechaçou a crueldade ao examinar a
ADI n°1.856/RJ, contra Lei fluminense n°2.895/98 que pretendia regulamentar
as rinhas de galo, conforme referido em subcapítulo anterior. Não há como se
legitimar a barbárie.
Mas como se define, então, o que é crueldade?
Este termo crueldade carece de precisão conceitual. Seria a maldade? Seria
o prazer em provocar ou a indiferença em assistir ao sofrimento físico ou
psíquico que tenha sido infligido, a um animal que tenha sido exposto em
situação de risco intolerável?
Em contraponto, a equinocultura perderia muito em sua essência caso não
se pudesse praticar exercícios ou torneios, esportivos ou seletivos, em
movimentos com gado. O cuidado com as montarias e com os bois utilizados
acaba por ser peculiar, porque sem eles não há espetáculo, muito embora, com
todas as cautelas possíveis, o risco ainda persiste, pelo próprio empenho da
prova, e é a principal razão da aplicação de diretrizes bem-estaristas protetivas
dos animais.
CONCLUSÃO
Ao encerrar este artigo, objetivando a análise da adoção constitucional de
um propósito estatal, configurado na proteção à Natureza, o reconhecimento das
repercussões na pecuária nacional conduz à conclusão que houve a escolha por
legitimar as boas práticas de manejo, segundo os ditames de bem-estar animal.
Ao hierarquizar constitucionalmente a salvaguarda do Meio Ambiente, da
flora e da fauna, considerando os semoventes, não como coisas, passíveis de
apropriação e uso imoderado, tampouco como possíveis sujeitos detentores de
direitos, mas, isto sim, contemplando os animais como pertencentes em uma
categoria intermediária, ao conceituá-los como bens ambientais.
Bens ambientais de uso comum do povo, definidos como direito de
Terceira Geração, ou Novíssima Dimensão, de titularidade indeterminável,
direito difuso, transcendental e metaindividual, componentes substanciais ao
equilíbrio ecológico à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações.
O dever inscrito na Constituição Federativa de 1988, determinante na
preservação ambiental e contraforte contra a crueldade com os animais, impede a
falta de sua ponderação em contraste a argumentos de economia, de pesquisa
científica, de esportes ou de manifestações culturais, alçando a proteção à fauna,
à circunstância de limite imanente aos direitos fundamentais humanos. Contudo,
sem chegar a pensar em extremos protecionistas que admitam direitos aos
animais ou imponham à população o veganismo.
Infelizmente, no Brasil, o cidadão urbano tem uma percepção equivocada
do homem do campo. Não há nenhum conhecimento da situação de qualidade de
vida no interior: a ausência de internet, às vezes a precariedade de sinal de
celular e a inexistência de telefones fixos dificulta sobremaneira a comunicação
(fato inadmissível na cidade!); as distâncias a serem percorridas, em estradas
sucateadas, seja para o escoamento da produção, o transporte escolar ou médico,
criam o isolamento; que gera insegurança, aumentando o abigeato (fato que o
estatuto do desarmamento somente agravou); acentuando significativamente, por
via de consequência, o êxodo rural.
Torna-se necessária uma modificação de raciocínio de toda a sociedade
brasileira, valorizando o homem do campo, desde os legisladores aos operadores
do Direito, passando pelos professores, para que haja a conscientização da
importância do produtor rural, da necessidade de legislação adequada e da
relevância do trato em prol do bem-estar animal, determinando um
relacionamento saudável e melhores condições de vida a todos.
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CAPÍTULO 8
A PROPRIEDADE RURAL
PRODUTIVA DEPOIS DE TRINTA
ANOS DE SUA INSERÇÃO NA
CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

JOAQUIM BASSO
Mestre em Direito Agroambiental pela Universidade Federal do Mato Grosso
(UFMT), especialista em Direito Ambiental pela Universidade Católica Dom
Bosco (UCDB), bacharel em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso
do Sul (UFMS) e em Agronomia pela Universidade para o Desenvolvimento do
Estado e da Região do Pantanal (Uniderp) e advogado. Membro associado da
União Brasileira dos Agraristas Universitários (UBAU).

INTRODUÇÃO
Ao ensejo da efeméride de três décadas da promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil (CF), de 5 de outubro de 1988, é oportuno
fazer referência a uma de suas principais novidades e uma das mais polêmicas
questões discutidas na Assembleia Constituinte[84]: a previsão do conceito de
“propriedade rural produtiva”, não existente até então no ordenamento jurídico
brasileiro, agora incluído no art. 185, II, da Carta Política da República.
Com o passar dos anos, esse conceito foi estudado pela doutrina, recebeu
regulamentação legal e infralegal, tendo sido discutido no âmbito
jurisprudencial, principalmente no julgamento de casos de desapropriação para
fins de reforma agrária. Após três décadas da promulgação da Constituição, é
oportuno revisitar o tema a fim de levantar qual foi o sentido adotado pelo
Direito pátrio e, principalmente, se esse sentido é adequado ao que o texto
constitucional dispõe.
O presente artigo tem por objetivo, portanto, avaliar os diferentes sentidos
do conceito constitucional de “propriedade rural produtiva” desde a
promulgação da Constituição de 1988, oferecendo uma análise crítica sobre se
devem ou não ser modificados.
Para o alcance desse objetivo, pretende-se, em um primeiro momento,
investigar o sentido do texto constitucional conferido à produção agrária, com
base não só no dispositivo do art. 185, mas por todo seu texto. Estabelecido esse
sentido constitucional, passar-se-á a investigar quais os sentidos que foram
adotados pela expressão na legislação infraconstitucional e, depois, nas
normativas infralegais e jurisprudência. Ao final, pretende-se avaliar, por
comparação, se o sentido constitucional delineado no início, foi observado no
decorrer das normativas que advieram posteriormente.
Para que essa metodologia seja possível, utilizou-se de pesquisa
bibliográfica e documental, aquela sobre autores e artigos específicos sobre o
tema e esta sobre a legislação e decisões judiciais pertinentes[85].
Com esse caminho metodológico, pretende-se responder ao
questionamento sobre se houve adequação entre o sentido constitucional da
previsão de uma “propriedade rural produtiva” e aquele que foi efetivamente
aplicado ao longo dos últimos trinta anos.
1 A PROPRIEDADE RURAL PRODUTIVA EM SEU SENTIDO
CONSTITUCIONAL
Na Assembleia Constituinte que redundaria na vigente Constituição
brasileira, um de seus maiores impasses foi a questão agrária. A grande
discussão advinha da definição da insuscetibilidade de desapropriação para fins
de reforma agrária da propriedade produtiva. Enquanto um lado, capitaneado
pela União Democrática Ruralista (UDR), desejava uma proibição absoluta de
desapropriação das propriedades assim caracterizadas, os partidos de esquerda e
alguns líderes do Partido do Movimento Democrático do Brasil (PMDB), como
Fernando Henrique Cardoso, sustentavam que a Constituição deveria prever essa
hipótese de insuscetibilidade somente para a propriedade produtiva que
cumprisse a função social[86].
O então Ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim,
rememorando a época em que era congressista constituinte, trouxe notáveis
informações sobre a intenção dos constituintes em relação à interpretação da
questão proposta, ao proferir seu voto no julgamento da Medida Cautelar da
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.213, no Plenário daquela Corte
Suprema. Como líder do seu partido, Nelson Jobim apresentou proposta para que
fosse suprimido aquilo que viria a ser o atual art. 185, mas isso acabou não
sendo aprovado, em virtude, segundo atribui o então Ministro, de uma questão
de “tipicidade regimental equivocada”, tendo faltado apenas três votos para que
esse texto do art. 185 fosse excluído da Constituição[87].
Com a promulgação da Constituição de 1988, foi inovada a história
constitucional brasileira ao incluir no rol de direitos fundamentais o imperativo
de que a propriedade atenda a sua função social (art. 5º, XXIII)[88]. A localização
dessa norma no rol de direitos fundamentais posiciona-a como aquelas de
alcance mais geral possível, de modo que se pode inferir que a função social
incide sobre toda espécie de propriedade — urbana, rural, pública, privada,
produtiva etc.[89]
Na sequência, o art. 5º, XXVI, assegurou à pequena propriedade rural
familiar a garantia de impenhorabilidade para cobrança de débitos decorrentes de
suas atividades produtivas, indicando que a agricultura familiar possui relevância
fundamental no sistema agrário brasileiro[90].
No âmbito dos direitos sociais, devem ser mencionados, além dos diversos
direitos trabalhistas aplicáveis aos trabalhadores urbanos e rurais indistintamente
(art. 7º)[91], que há previsão do direito à alimentação no art. 6º, que, ausente na
redação original da Constituição de 1988, foi acrescido pela Emenda
Constitucional n. 64, de 4 de fevereiro de 2010. Dessas disposições já é possível
extrair a importância social da atividade de produção agrária, eis que esta
depende diretamente dos trabalhadores rurais e provê, em primeira mão, os
produtos que satisfazem o direito à alimentação.
No âmbito da distribuição de competências, a Constituição definiu que
cabe privativamente à União legislar sobre o direito agrário (art. 22, I). O art. 23
estabeleceu, entre as competências administrativas comuns, isto é, aquelas que
podem ser exercidas indistintamente por todos os entes da federação (União,
Estados e Municípios), a de “fomentar a produção agropecuária e organizar o
abastecimento alimentar” (inciso VIII), juntamente com as competências para
“proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” e
“preservar as florestas, a fauna e a flora” (incisos VI e VII). Na mesma senda, a
Constituição estabeleceu competência legislativa concorrente, entre União e
Estados, para os assuntos ligados à produção e consumo (art. 24, V), assim como
aqueles relacionados ao meio ambiente (art. 24, VI e VIII).
Desses dispositivos deflui que a legislação atinente à produção, tal qual
aquela destinada à proteção ambiental, deve ser produzida, no Estado brasileiro,
pela União e complementada pelos Estados. Se essa legislação for objeto do
Direito Agrário, deverá ser aprovada, privativamente, pela União. No entanto, no
que diz respeito às políticas públicas, qualquer ente federativo pode implantá-las
quando se tratar de fomentar a produção agropecuária, o abastecimento de
alimentos e a proteção do meio ambiente. Isso aponta para a natureza crucial
dessas atividades para o Estado brasileiro, eis que não se podem medir esforços
quando se trata de promovê-las.
No tocante às competências tributárias, ao instituir o imposto sobre a
propriedade territorial rural (art. 153, VI), a Carta coloca que tal tributo será
progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção
de propriedades improdutivas (§4º, do art. 153[92]). Já havia previsão legal
semelhante, no sentido de desestimular a existência de propriedades
improdutivas mediante a incidência de imposto (por exemplo, no art. 47, do
Estatuto da Terra), mas agora essa passou a compor o texto constitucional, em
um sinal de que o Estado brasileiro trata, hoje, com maior rigidez a matéria.
No Título VII, nomeado “Da Ordem Econômica e Financeira”, a
Constituição traz o art. 170, em sentido muito semelhante aos arts. 157 e 160,
das Constituições de 1969 e de 1967, respectivamente, em que a função social da
propriedade é posta como um dos princípios da ordem econômica brasileira[93].
Porém, o dispositivo da atual Carta trouxe novidades relacionadas com o assunto
em estudo, ao afirmar a propriedade privada como um princípio da ordem
econômica e ao colocar, pela primeira vez, também a defesa do meio ambiente
como um desses princípios.
Quanto a esta, a Emenda Constitucional n. 42, de 19 de dezembro de 2003,
acrescentou que deveria ocorrer “mediante tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação” (grifo nosso). Nota-se, então, que também na ordem econômica
brasileira a atividade de produção agrária assume crucial relevância, eis que lida
diretamente com a propriedade privada, a sua função social e com a defesa do
meio ambiente.
Mais adiante, o art. 187 disciplina as diretrizes da política agrícola, que
deverá ser planejada e executada com a efetiva participação do setor de
produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais[94].
O art. 191, por sua vez, dispõe sobre a usucapião pro labore, que é o
instituto pelo qual a posse qualificada por uma atividade produtiva ou moradia
habitual, dentre outros requisitos, gera o título de propriedade, em expressão
concreta de privilégio concedido a quem cumpre a função social da
propriedade[95].
Mais à frente, no art. 218, §2º, a Constituição coloca o desenvolvimento do
sistema produtivo nacional e regional como objetivo preponderante da pesquisa
tecnológica. Nesse contexto insere-se a pesquisa agropecuária, efetivada por
órgãos como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
A Constituição de 1988 também dispôs expressamente a respeito do
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o que, até então,
somente poderia ser entrevisto de uma análise implícita dos dispositivos
constitucionais que referenciavam o direito à vida, à saúde e à proteção sanitária.
Nessa linha, o art. 225 é uma importante inovação na história constitucional
brasileira, que nunca havia expressado uma preocupação específica com a
proteção do meio ambiente[96].
Esse novo dispositivo, que certamente influencia a produção agrária,
transpõe o foco antropocêntrico que os direitos à vida e à saúde buscam
resguardar. Consoante Antônio Herman Benjamin, o novo texto traz a
ecologização da propriedade e da sua função social[97]. Além disso, fixa deveres
estatais, entre os quais está o de controlar a produção, a comercialização e o
emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a
qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, §1º, V). A proteção do ambiente,
nesse prisma, alcança não somente sua reparação e a conservação, mas também a
prevenção e até mesmo a precaução contra riscos (isto é, a mera possibilidade de
danos)[98].
Quando trata a respeito dos índios — também de forma inovadora na
história constitucional brasileira[99] —, o art. 231 não só resguarda o direito
destes às terras que tradicionalmente ocupam, como também especifica que estas
abrangem as terras necessárias à sua habitação, as utilizadas em suas atividades
produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais
necessários a seu bem-estar e aquelas necessárias à sua reprodução física e
cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (art. 231, §1º).
Percebe-se aqui que a Constituição admite uma sociedade plural, uma
diversidade cultural, que também influencia nas atividades agrárias, ficando os
indígenas resguardados para desenvolverem essas atividades nos moldes ditados
por sua cultura[100]. Na mesma linha, aliás, é a previsão do art. 68, do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), em que é reconhecida a
propriedade definitiva das terras dos remanescentes das comunidades de
quilombos que as estejam ocupando[101].
Por fim, o art. 243 da Constituição estabelece a hipótese de expropriação
sem qualquer indenização, em uma espécie de “confisco”. A Emenda
Constitucional n. 81, de 5 de junho de 2014, modificou substancialmente a
redação desse dispositivo. Primeiro, não mais trata de “glebas”, mas sim de
“propriedades rurais e urbanas”, deixando claro que também as propriedades
urbanas podem ser confiscadas. Segundo, a nova redação acresceu uma hipótese
de cabimento desse confisco, antes limitado às glebas em que fossem
encontradas culturas ilegais de plantas psicotrópicas: agora também as
propriedades em que haja exploração de trabalho escravo “na forma da lei”[102]
devem ser confiscadas, sem qualquer indenização. Terceiro, a emenda vinculou a
destinação dos imóveis expropriados nessa condição a novas finalidades: se
antes as glebas confiscadas seriam objeto de “assentamento de colonos, para o
cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos”, agora o destino é a reforma
agrária, de maneira ampla, e também programas de habitação popular, aplicável
ao caso dos confiscos de imóveis urbanos.
O art. 243 expressa quão grave é o desenvolvimento de atividades agrárias
ilícitas, visto que ensejam a perda da propriedade sem qualquer indenização,
como nota Cristiane Lisita Passos[103]. Com a recente emenda constitucional há
que se questionar a terminologia “confisco agrário” para a hipótese em questão,
disseminada até então na doutrina, eis que também há a possibilidade de um
“confisco urbano” com o mesmo fundamento constitucional.
Colocadas essas disposições periféricas, que tratam de forma indireta sobre
a produção agrária na Constituição brasileira, perfazendo o contexto do sistema
constitucional pelo qual as demais disposições devem ser interpretadas, é preciso
voltar a atenção para o foco do presente estudo. É no terceiro capítulo do título
VII da Constituição, denominado “Da política agrícola e fundiária e da reforma
agrária”, que se encontra a disposição constitucional relativa à “propriedade
rural produtiva”.
O art. 184 da Carta Magna trata expressa e especificamente da
“desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária”. O dispositivo
traz as seguintes noções sobre esse assunto: a competência para o ato é da
União[104]; o objeto desse ato são os imóveis rurais que não cumprem sua
função social (o art. 186 define o que se deve entender por cumprimento da
função social)[105]; a indenização para esse tipo de desapropriação é especificada,
vez que se apresenta como exceção à regra do art. 5º, XXIV, que diz ser requisito
da desapropriação a indenização em dinheiro, “ressalvados os casos previstos
nesta Constituição”[106]-[107].
O art. 185, colocado no texto logo após a caracterização do regime jurídico
da desapropriação para fins de reforma agrária (art. 184) e logo antes da
indicação dos elementos da função social da propriedade rural (art. 186),
apresenta duas hipóteses em que o imóvel rural não é suscetível àquela
desapropriação-sanção do art. 184. Essas hipóteses são consideradas
imunidades a essa desapropriação, considerando que, por estarem previstas no
texto constitucional, não podem ser modificadas pela lei — diferentes, portanto,
das hipóteses de isenção de desapropriação, estabelecidas em nível legal
apenas[108].
O primeiro caso de imunidade refere-se à pequena ou média propriedade
rural, desde que o proprietário não possua outra. Trata-se de imunidade relativa
ao sujeito passivo da desapropriação: o pequeno ou médio proprietário que
somente possua um imóvel não poderá ser desapropriado para fins de reforma
agrária. Não se trata de impedimento de desapropriação da pequena e média
propriedade, como anota Marcos Prado de Albuquerque, já que estas poderão ser
objeto da desapropriação agrária quando o proprietário tiver outro imóvel
rural[109].
A segunda hipótese de imunidade à desapropriação agrária é a
propriedade produtiva. O parágrafo único do art. 185 acrescenta que a lei
deverá garantir tratamento especial para essa espécie de propriedade e
estabelecer normas para o cumprimento dos requisitos relativos à sua função
social.
Sobre a função social da propriedade rural, o art. 186 submeteu o exercício
dessa propriedade a quatro requisitos que devem estar presentes
simultaneamente, para que se configure o cumprimento da função social, quais
sejam: o aproveitamento racional e adequado, intrínseco às formas de produção
da propriedade, mas não restrito a estas[110] (inciso I); a utilização adequada dos
recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente (inciso II)[111]; a
observância das disposições que regulam as relações de trabalho,
consubstanciadas, em grande parte, no art. 7º, da Constituição (inciso III); e o
bem-estar dos proprietários e trabalhadores, que, conforme José Afonso da Silva,
é o mínimo que se pode pedir de uma propriedade, isto é, que atenda ao bem-
estar do proprietário[112] (inciso IV)[113].
Observam-se três dimensões na função social da propriedade rural
disciplinada no art. 186: a econômica (inciso I), a ambiental (inciso II) e a social
(incisos III e IV)[114]. Para Pedro Ramos, cada inciso seria uma dimensão, que
seriam, ao todo, quatro: econômico-produtivo, ambiental, trabalhista e social[115].
Postas essas considerações dogmáticas, cumpre investigar, nesse
momento, qual seria o significado que pode ser extraído simples e puramente do
texto constitucional brasileiro ora vigente a respeito do que é propriedade rural
produtiva.
“Produtivo”, literalmente, significa “que produz; produtor, producente,
frutífero”, ao passo que “produzir”, entre seus diversos sentidos, é definido como
“dar origem a, ser fértil; gerar, dar, fornecer; criar (bens ou utilidades) para
satisfazer as necessidades humanas; fabricar, manufaturar; dar como proveito ou
rendimento; render”[116]. Giangastone Bolla, um dos responsáveis pela
autonomização científica do Direito Agrário, definia “produzir” como o ato de
encontrar uma utilidade permutável e a “produção”, como o conjunto de
procedimentos humanos com os quais se cria essa utilidade[117].
Uma propriedade produtiva, portanto, é aquela que dá frutos, gera
rendimentos e cria utilidades. Trata-se de um conceito aplicável de forma muito
direta à atividade agrícola, à produção agropecuária, a rendimentos econômicos.
Não é à toa que o art. 185 está colocado no capítulo da Política Agrícola e
Fundiária. É com a atenção voltada para esse tema que a expressão
constitucional “propriedade produtiva” deve ser compreendida.
No entanto, o que seriam “utilidades”? Somente algo com valor
econômico pode ser considerado um produto? “Utilidade” teria relação apenas
com aquilo que atende às necessidades humanas? Se sim, quais humanos? Todos
os humanos têm interesse e necessitam de bens com valor econômico (e dos
mesmos bens)? Se não se destinam somente a necessidades humanas, poderia se
falar em utilidades relacionadas a outros seres vivos, ou mesmo a elementos não-
vivos do ecossistema, como a água, o solo e o ar? Todas essas perguntas indicam
a complexidade que envolve a ideia de uma “propriedade produtiva”. O conceito
constitucional não afasta concepções não econômicas e não humanas de
utilidade e, levando-se em conta todo o plural conjunto de valores que foram
abarcados no texto constitucional, não pode ser demasiado restritivo, sob pena
de ser definido em desconformidade com outras disposições constitucionais.
No que tange à história constitucional brasileira, é de se observar que o
termo “propriedade produtiva” nunca foi utilizado antes da Constituição de
1988. A Constituição de 1969 (ou Emenda n. 01/1969) trazia a disposição, no
seu art. 172, de que o mau uso da terra impediria o proprietário de receber
incentivos e auxílios do governo. Apesar de a disposição não ter sido
reproduzida no vigente texto, trata-se de mandamento ético, que decorre
implicitamente da função social da propriedade. O mau uso da terra não deve ser
premiado — mesmo que se trate de uma propriedade considerada produtiva.
Sob o prisma de uma definição negativa também seria útil perquirir: o que
seria uma propriedade improdutiva? Seria aquela que não cria utilidades?
Seria improdutivo o imóvel rural deixado sem cultivo, sem que qualquer
atividade econômica seja nele exercida? Na União Europeia essa pergunta teria
uma resposta relativa: se o proprietário o mantiver em boas condições agrícolas
e ambientais, estará apto a receber um pagamento por essa simples condição,
sem que exerça qualquer atividade econômica no imóvel[118].
Parece-nos, contudo, que isso deve ser apreciado com cautela, pois nesse
caso o Direito aplicável à realidade da União Europeia deve ser diferenciado
daquele aplicado à realidade brasileira. Enquanto na Europa há uma realidade de
superprodução agrícola[119], aqui isso não se verifica, ao menos na perspectiva
econômica por ora adotada.
É possível concluir que o regime constitucional brasileiro vigente traz um
conjunto complexo, plural e heterogêneo a respeito da produção agrária.
Complexo, pois abarca inúmeras e diversificadas relações sociais, desde o
incentivo à propriedade familiar, passando pela defesa do meio ambiente, a
necessidade de atendimento ao direito à alimentação, a proteção do trabalhador
rural, a função social da propriedade, até a proteção da propriedade produtiva. A
complexidade aqui decorre do fato de que, por vezes, para regular essas
diferentes relações, a Constituição aparenta contraditória ou ambígua, mas, ainda
assim, precisa ser compreendida como um todo coeso.
O regime constitucional também é plural, na medida em que considera
inúmeros sujeitos diferenciados, desde o agricultor familiar às comunidades
indígenas e quilombolas. E é heterogêneo, pois implica a consideração de mais
de um objeto, mais de um modo de produção agrária, não se admitindo a
unicidade: protege-se a propriedade produtiva, bem como as atividades
produtivas dos indígenas, além de tornar impenhorável a pequena propriedade
rural trabalhada pela família, proteger a propriedade dos quilombolas, sem
descuidar das áreas de proteção ambiental. O sentido constitucional do art. 185,
II, não pode ser extraído sem essas características, definidas pelo texto integral.
2 A PROPRIEDADE RURAL PRODUTIVA EM SEU SENTIDO
INFRACONSTITUCIONAL
Desde quando foi promulgada a Carta de 1988, o conceito de “propriedade
rural produtiva” foi debatido e objeto de diversos diplomas jurídicos. É o
momento de verificar quais foram esses documentos normativos que trataram do
assunto, a começar a análise pela legislação ordinária, isto é, as leis aprovadas
pelo Congresso Nacional e sancionadas pela Presidência da República, que
compõem normativos de hierarquia superior aos atos do Poder Executivo, que
serão analisados posteriormente.
2.1 A LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA SOBRE PRODUÇÃO AGRÁRIA APÓS
A CONSTITUIÇÃO DE 1988
Após a promulgação do texto constitucional, um dos principais diplomas
jurídicos acerca da produção agrária, que foi discutido e aprovado no Congresso
Nacional, foi a Lei n. 8.171, de 17 de janeiro de 1991, que dispõe sobre a
política agrícola. Essa lei coloca como um dos objetivos da política agrícola
assegurar o “incremento da produção e da produtividade agrícolas” (art. 3º, I).
Essa mesma política, ademais, deve colimar outros objetivos que precisam ser
compatibilizados entre si, como “proteger o meio ambiente, garantir o seu uso
racional e estimular a recuperação dos recursos naturais” (art. 3º, IV), ou mesmo
“eliminar as distorções que afetam o desempenho das funções econômica e
social da agricultura” (art. 3º, III), entre outros. Com esses objetivos como
premissas, a Lei de Política Agrícola estabelece inúmeros deveres estatais,
integrando todas as atividades realizadas no meio rural para a consecução dos
fins pretendidos, entre eles o de aumento da produtividade[120].
Depois de mais de dois anos da promulgação dessa Lei, o capítulo da
Constituição intitulado “Da política agrícola e fundiária e da reforma agrária” foi
regulamentado. Isso foi feito pela Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993.
Essa lei definiu a pequena e média propriedade rural, com base no número
de módulos fiscais que compõem sua área (art. 4º), no intuito de, entre outras
finalidades, disciplinar a hipótese de imunidade à desapropriação para fins de
reforma agrária do inciso I do art. 185 da CF, consoante restou reproduzido no
parágrafo único de seu art. 4º.
O art. 6º da Lei n. 8.629/1993 dispõe sobre o que se deve entender por
“propriedade produtiva”, definindo dois índices mínimos de produtividade, que
devem ser alcançados simultaneamente, sob pena de a propriedade ser
considerada improdutiva. Antes, porém, de enunciá-los, o art. 6º coloca que a
propriedade produtiva deve ser explorada econômica e racionalmente, à
semelhança do que o Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/1964) dispõe sobre o
conceito de empresa rural (art. 4º, VI, desse Estatuto).
É cabível questionar o que significaria a ideia de “explorar racionalmente”
a propriedade. Outrora, por exemplo, quando da regulamentação da empresa
rural, por normativos infralegais, já se entendeu que dessa expressão
decorressem os requisitos ambientais e sociais (consoante regulava o art. 25, III
e IV, do Decreto n. 55.891/1965, ou o art. 22, III, “c”, do Decreto n.
84.685/1980). Essa compreensão mais ampla do que seja exploração racional da
propriedade poderia modificar substancialmente o entendimento geralmente
aplicado do art. 6º, da Lei 8.629/1993.
Além de ser explorada econômica e racionalmente, contudo, a propriedade
produtiva, segundo essa lei, deve cumprir dois índices, sendo o primeiro deles o
Grau de Utilização da Terra (GUT), que deve ser calculado pela relação
percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do
imóvel. A área efetivamente utilizada é aquela definida no §3º do art. 6º da Lei
em comento, isto é, as áreas plantadas com produtos vegetais
(independentemente de seus rendimentos), áreas de pastagens (desde que com
um índice mínimo de lotação de animais por área, diferenciado para cada
região), de extrativismo vegetal (desde que observados índices mínimos de
rendimento para cada microrregião homogênea, além da observância da
legislação ambiental), de exploração de florestas nativas (com plano de
exploração e nas condições estabelecidas pelo órgão competente) e aquelas em
processo de formação ou recuperação de pastagens ou culturas permanentes,
tecnicamente conduzidas e devidamente documentadas. A área aproveitável
total, por sua vez, é a área total do imóvel, excluídas as seguintes: áreas
ocupadas por construções ou instalações não produtivas; as imprestáveis a
qualquer tipo de exploração agrícola, pecuária, florestal ou extrativa vegetal; as
sob a efetiva exploração mineral; as de preservação permanente e demais áreas
protegidas pela legislação ambiental (art. 10, da Lei n. 8.629/1993)[121].
O GUT deve ser de no mínimo 80% (oitenta por cento), a exemplo da
definição infralegal de empresa rural, que também trazia no art. 22, do Decreto
n. 84.685/1980, a ideia do GUT mínimo de 80%[122]. Isso significa que oitenta
por cento da área aproveitável do imóvel deve ser efetivamente utilizada,
aplicando-se para cada uma dessas expressões os conceitos legais acima
expostos, que não diferem substancialmente das definições aplicáveis à empresa
rural, no Decreto mencionado[123].
Não basta, contudo, que o imóvel rural atinja o grau mínimo de utilização
para ser considerado produtivo. É preciso, também, que alcance certo índice de
Grau de Eficiência na Exploração (GEE). O cálculo desse índice é
disciplinado no §2º do art. 6º, que subdivide a metodologia para produtos
vegetais (no inciso I, que deverá abranger tudo aquilo que não for animal, aí
inclusa a exploração extrativista vegetal ou florestal) e para a exploração
pecuária (inciso II)[124]. Em cada um desses casos, deve-se dividir a quantidade
produzida (vegetais) ou número de animais criados (pecuária) pelos índices
mínimos estabelecidos em regulamentação infralegal. O resultado de cada uma
das atividades deverá ser somado, dividido pela área efetivamente utilizada e
multiplicado por cem, devendo o produto final ser maior que 100% (cem por
cento) (inciso III).
Em uma simplificação, atinge o GEE mínimo o produtor que alcança os
índices mínimos de produtividade estabelecidos no normativo infralegal. Se
certo produto não tiver previsão de um índice mínimo, será considerada sua área
como se houvesse produzido com 100% de GEE, conforme dispõe o §6º do art.
6º, da Lei n. 8.629/1993[125].
A grosso modo, pode-se resumir esses cálculos à ideia de que as
exigências do GUT e do GEE mínimos significam que, para ser considerada
produtiva, uma propriedade deve ter efetivamente utilizado 80% da sua área
aproveitável e, ao mesmo tempo, o que for nessa área produzido deve atingir os
índices mínimos de rendimento definidos em normativos infralegais.
O art. 6º, da Lei n. 8.629/1993, traz outros pormenores acerca do cálculo
desses índices. O §4º prevê que, no caso de consórcio e intercalação de culturas,
a área total será considerada como efetivamente utilizada, o que independe dos
índices de rendimento. A nosso ver, há aqui uma presunção de que, se há
tecnologia suficiente para a implantação de sistemas de consorciação (em que
mais de uma cultura é implantada em uma mesma área) e intercalação (em que
mais de uma cultura alternam-se nas linhas de cultivo de uma mesma área[126]), a
exploração atinge grau mínimo de eficiência[127]. O §5º do mesmo art. 6º prevê o
caso de sucessão de culturas, isto é, quando ocorre mais de um ciclo de certa
cultura (ou de mais de uma cultura, no caso de um sistema de rotação) em um
mesmo espaço, ao longo do período considerado. Nesse caso, se a quantidade de
área explorada para cada ciclo for diferente, assume-se como efetivamente
utilizada a maior área cultivada no período considerado.
O §7º, por sua vez, prevê a ocorrência de caso fortuito ou força maior que
leve ao descumprimento do GEE. Nessa hipótese, se devidamente comprovada
sua ocorrência, a propriedade não perderá a qualificação de produtiva[128]. É certo
que a atividade agrária, mais do que a maioria das atividades, está sujeita a
intempéries da natureza que escapam ao controle dos proprietários. Por essa
razão que essas situações inevitáveis e/ou imprevisíveis estão contempladas
nesse art. 6º, §7º, da Lei n. 8.629/1993.
Percebe-se, pois, que o conceito legal de propriedade produtiva, conforme
a legislação brasileira hoje vigente, envolve dois aspectos indissociáveis — a
utilização da terra e a eficiência na exploração —, que são medidos com
parâmetros fixados objetivamente pelo órgão agrário.
Tempos depois dessa norma legal, adveio a Lei n. 10.831, de 23 de
dezembro de 2003, que trata da agricultura orgânica no Brasil. Esse tipo de
agricultura é desenvolvido em um sistema de produção diferenciado, que, no
conceito do art. 1º da lei, envolve técnicas específicas que vão muito além da
eliminação de agrotóxicos do processo de cultivo, o que, por si só, já representa
uma revolução de paradigma, com benefícios ambientais, sociais e
econômicos[129]. Além desses agroquímicos, também não são admitidos
organismos geneticamente modificados nem fertilizantes sintéticos, devendo
alcançar objetivos abrangentes, como a sustentabilidade, o respeito às diferentes
práticas culturais, maximizando os benefícios sociais e minimizando o uso de
energia não-renovável, entre vários outros (art. 1º, §1º). Ainda, para ser
considerada produção orgânica, deve haver um processo de certificação por um
organismo reconhecido oficialmente (art. 3º), que pode ser facultativa em alguns
casos de agricultura familiar (art. 3º, §1º)[130].
Além dessa lei relativa à produção orgânica, entre as normas mais
recentes, pode-se mencionar a Lei n. 12.512, de 14 de outubro de 2011, que é
fruto de uma medida provisória daquele mesmo ano. Esse diploma legislativo
estabelece, entre outras políticas, o Programa de Apoio à Conservação
Ambiental (alcunhado de “Bolsa Verde”) e o Programa de Fomento às
Atividades Produtivas Rurais. O primeiro visa a beneficiar, com a quantia de R$
300,00 (trezentos reais) por trimestre, famílias em situação de extrema pobreza e
que desenvolvam atividades de conservação em áreas de interesse ambiental.
Essa “bolsa verde” é regulamentada pelo Decreto n. 7.572, de 28 de setembro de
2011[131]. Trata-se de um auxílio governamental para que famílias extremamente
pobres passem a ser remuneradas por desenvolverem atividades que protegem o
meio ambiente[132]. Em 2018, porém, esse Programa teve seu orçamento reduzido
a zero[133].
O segundo Programa (Fomento às Atividades Produtivas Rurais) propõe-
se a beneficiar agricultores familiares, entre outros, também em situação de
extrema pobreza com a quantia de R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais),
ou R$ 3.000,00 (três mil reais), no caso de famílias da região do semiárido. Esse
Programa é regulamentado pelo Decreto n. 7.644, de 16 de dezembro de 2011,
que o une ao Programa Bolsa Família, para sua implementação. Entre seus
objetivos, está o estímulo de atividades produtivas sustentáveis e agroecológicas,
com inclusão de parcelas mais pobres da população rural no processo produtivo
(art. 9º da Lei n. 12.512/2011, e art. 3º, do Decreto n. 7.644/2011).
Tomou grandes proporções no cenário nacional o debate acerca da Lei n.
12.651, de 25 de maio de 2012, que substituiu o então vigente Código Florestal.
Apesar de não tratar diretamente da produção agrária, é certo que suas
disposições conformam a exploração agrária dos imóveis rurais, na medida em
que a limita em detrimento de um mínimo de proteção ambiental das vegetações
nativas. A Lei, colocando como objetivo o desenvolvimento sustentável, instituiu
como um de seus princípios o da “ação governamental de proteção e uso
sustentável de florestas, consagrando o compromisso do País com a
compatibilização e harmonização entre o uso produtivo da terra e a preservação
da água, do solo e da vegetação”, bem como a “criação e mobilização de
incentivos econômicos para fomentar a preservação e a recuperação da
vegetação nativa e para promover o desenvolvimento de atividades produtivas
sustentáveis” (art. 1º, parágrafo único, III e VI). É possível afirmar que essa Lei
ampliou as possibilidades de produção agrária, na medida em que admitiu um
manejo sustentável da vegetação natural, da qual se pode extrair produtos, bens e
serviços (art. 3º, VII).
É oportuno mencionar, também, a Lei n. 12.805, de 29 de abril de 2013,
que instituiu a Política Nacional de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta. Essa
Lei, adequando-se a uma terminologia mais contemporânea, não fala em
aumento da produtividade, mas sim em melhoria sustentável da
produtividade, assim como trata da qualidade dos produtos (art. 1º, I). Apesar
de destinarem-se a uma política específica, os objetivos enumerados nessa lei
denotam uma nova realidade, bem diferente daquela do início da década de
1990, logo após a promulgação da Constituição de 1988. Assim é que se incluem
entre esses objetivos os seguintes: mitigar o desmatamento provocado pela
conversão de áreas de vegetação nativa em áreas de pastagens ou de lavouras;
promover a recuperação de áreas de pastagens degradadas, por meio de sistemas
produtivos sustentáveis; apoiar a adoção de práticas e de sistemas agropecuários
conservacionistas que promovam a melhoria e a manutenção dos teores de
matéria orgânica no solo e a redução da emissão de gases de efeito estufa;
diversificar a renda do produtor rural e fomentar novos modelos de uso da terra,
conjugando a sustentabilidade do agronegócio com a preservação ambiental;
estimular e difundir sistemas agrossilvopastoris aliados às práticas
conservacionistas e ao bem-estar animal (art. 1º, II, V, VI, VII e X), entre outros.
Notam-se aqui objetivos novos para a legislação agrária brasileira, tais quais a
redução na emissão de gases de efeito estufa, a implantação de novos modelos
de uso da terra e o bem-estar animal.
Por fim, a Lei n. 12.854, de 26 de agosto de 2013, instituiu uma política de
incentivo e fomento a ações de recuperação florestal e implantação de sistemas
agroflorestais em áreas de assentamento rural desapropriadas pelo Poder Público
ou em áreas degradadas que estejam em posse de agricultores familiares
assentados, em especial, de comunidades quilombolas e indígenas[134].
Essas últimas Leis podem ser incluídas em uma tendência jusagrarista
mais recente, em que a rentabilidade da atividade agrária pode ser incrementada
pelo pagamento por serviços ambientais[135], de modo a incentivar uma
produção que não descuida do meio ambiente e da sustentabilidade.
Em suma, tem-se que a discussão feita acerca do conceito de propriedade
rural produtiva no âmbito do Congresso Nacional, envolveu a fixação dos
conceitos de graus de utilização e de eficiência na exploração. Apenas mais
recentemente se observou que novos diplomas legais têm abordado questões
diferenciadas, como o pagamento por serviços ambientais e a sustentabilidade da
produção agrária, restando virtualmente ausente a discussão sobre o direito à
alimentação de forma interconectada com a produção agrária.
2.2 AS NORMAS INFRALEGAIS SOBRE PRODUÇÃO AGRÁRIA APÓS
A CONSTITUIÇÃO DE 1988
No âmbito das normas infralegais, ou seja, aquelas editadas pelo Poder
Executivo a fim de regulamentar a Lei, a principal discussão atinente à
propriedade rural produtiva diz respeito aos índices de produtividade que
devem ser considerados na classificação do imóvel rural.
Antes da Constituição de 1988, já havia disciplina infralegal acerca de
índices de produtividade, proveniente da necessidade de regulamentar o Estatuto
da Terra, que, em seu art. 46, ao tratar do cadastro de imóveis rurais, estabeleceu
a necessidade de que esses cadastros contivessem, entre outros dados, as
“condições da exploração e do uso da terra”, indicando, por exemplo, “os
volumes e os índices médios relativos à produção obtida” (art. 46, III, “e”).
Com base nesse dispositivo, os órgãos agrários fixaram, entre 1965 e 1973,
o “coeficiente de rendimento econômico” (Decreto n. 55.981, de 31 de março de
1965, e Instrução Especial do Ibra n. 1/1965); e entre 1973 e 1980, “coeficiente
de produtividade” (Decreto n. 72.106, de 18 de abril de 1973, no capítulo que
trata do ITR, e Instrução Especial do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária – Incra n. 5a/1973), sendo este último definido por um fator
exploração (média aritmética entre a nota de Utilização da Terra e a nota de
Nível de Investimento) e o fator rendimento agrícola, que são precursores dos
atuais GUT e GEE[136].
De fato, o que hoje consta da Lei n. 8.629/1993, acima referida, constava
de forma muito similar em diplomas infralegais anteriores, como o Decreto n.
84.685, de 6 de maio de 1980. Em decorrência desse Decreto, aliás, existia uma
“Instrução Especial” do Incra, que veio a ser editada ainda no mesmo mês de
publicação daquele Decreto, em 28 de maio de 1980, a Instrução Especial de n.
19. Essa norma interna do Incra, de 1980, é que trouxe, pela primeira vez, as
tabelas de rendimento que devem ser consideradas no cálculo do GUT e do
GEE[137]. Essa norma, é importante notar, baseava-se no censo agropecuário mais
atualizado à época, ou seja, o de 1975[138].
Logo após a promulgação da Constituição de 1988, essa Instrução Especial
n. 19/1980 passou a ser objeto de inúmeros estudos, ao longo dos anos,
procurando a atualização dos índices que eram ali trazidos. Pedro Ramos narra
quatro tentativas de atualização dos índices de produtividade, fazendo notar que
desde antes da Lei n. 8.629/1993 (que traz de forma expressa, no seu art. 11, a
obrigação de atualização periódica desses índices) já existia essa preocupação.
Segundo esse autor, a primeira proposta de atualização ocorreu em 1989, que
levaram em consideração o censo agropecuário de 1980 e procuraram identificar
microrregiões para cada produto agrícola. Consoante Pedro Ramos, essa
proposta foi abortada com a troca de governo federal e nunca foi aprovada[139].
Ainda segundo aquele mesmo autor, houve novo grupo de estudo no final
de 1992. Dessa vez, a pesquisa levou em conta o censo agropecuário de 1985 e
já considerava as discussões acerca daquilo que viria a ser a Lei n. 8.629/1993,
que tramitava no Congresso. Depois, um terceiro estudo, posterior à
promulgação dessa lei, foi formalizado em 1994 e voltou-se principalmente para
a discussão dos índices de lotação de pecuária (considerando agora as
modificações trazidas pela Lei n. 8.629/1993) e a necessidade de regionalização
desses índices que definiriam a “unidade animal”. Por fim, o quarto e último
estudo foi realizado em 1999, com base no Censo Agropecuário 1995/1996, que
chegou a uma proposta mais detalhada, inclusive com a divisão de microrregiões
pelo Brasil e atribuição da importância de cada cultura para cada região. Amplos
debates sucederam no campo científico a respeito dessa proposta, tendo sido
nomeado, por portaria interministerial, grupo de trabalho para sua discussão[140].
Esse Grupo, sempre segundo Pedro Ramos, reuniu-se com representantes
de diversos setores públicos, em 25 de setembro de 2002. A reunião resultou no
estabelecimento de metas de curto e médio prazo, sendo que entre elas estava a
recomendação de manutenção dos então vigentes índices de produtividade e, a
médio prazo, novos estudos deveriam ser feitos para que houvesse uma
“mudança de paradigma da propriedade produtiva”, com a mudança dos
indicadores e a inserção de indicadores ambientais[141].
A primeira das conclusões dessa reunião resultou na Instrução Normativa
do Incra de n. 11, de 4 de abril de 2003, que manteve os índices de produtividade
até então previstos — os mesmos desde aquela primeira Instrução Especial de
1980 —, consolidando a manutenção do status quo na matéria, que até hoje
permanece inalterado.
Ainda hoje, a regulamentação infralegal não acompanhou as modificações
introduzidas pela Lei n. 8.629/1993 em relação ao que era antes previsto para
definição dos índices GUT e GEE. Essas modificações foram as seguintes: a) foi
introduzida a “unidade animal” como referência para a lotação das atividades de
pecuária (art. 6º, §2º, II), que é forma mais complexa dessa aferição, em relação
ao então vigente critério de “cabeça por hectare”, que pode trazer distorções,
visto que a “cabeça” de certos animais não equivale à de outros, em termos de
produção animal; b) foi inserida a necessidade de definição dos índices de
rendimento dos produtos vegetais para cada microrregião homogênea (art. 6º,
§2º, I; e §3º, III); e c) a necessidade de reajuste periódico dos parâmetros, índices
e indicadores que informam o conceito de produtividade, disciplinada no art.
11[142].
A segunda inovação até hoje não surtiu efeitos práticos, pois as regiões
consideradas nas tabelas da Instrução Normativa n. 11/2003 são as mesmas
regiões que eram definidas na instrução especial de 1980. Da mesma forma,
quanto à terceira inovação, até hoje os reajustes periódicos jamais foram feitos.
Apenas a primeira modificação surtiu efeito na regulamentação infralegal, o que
foi objeto da Instrução Normativa do Incra de n. 8, de 3 de dezembro de 1993,
resultante dos estudos acima relatados, e que redundou no acréscimo de uma
sexta tabela, relativa aos fatores de conversão de unidade animal[143]. Essa
Instrução Normativa foi substituída pela de n. 10, de 18 de novembro de 2002,
que, por sua vez, foi revogada pela atual, de n. 11/2003. Todas elas, na essência,
trazem as mesmas normas que vinham previstas na Instrução Especial de 1980, à
exceção dessa sexta tabela sobre “unidade animal”.
Assim sendo, no que se refere às normas infralegais, observa-se que tem
prevalecido, na discussão sobre a propriedade rural produtiva, desde a
promulgação da Constituição de 1988, uma vertente conservadora dos conceitos
que já eram vigentes antes mesmo daquela Carta, transplantando-se a noção de
empresa rural e de isenções de impostos sobre a terra para a de propriedade
produtiva, sem qualquer atualização dos índices de produtividade há quase
quarenta anos.
3 A PROPRIEDADE RURAL PRODUTIVA EM SEU SENTIDO
JURISPRUDENCIAL
É o momento de se verificar, no âmbito dos Tribunais brasileiros, como
tem sido a discussão sobre a disposição constitucional relativa à propriedade
rural produtiva[144].
No entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), pode-se observar o
acolhimento da compreensão jurídica de propriedade rural produtiva disciplinada
na Lei n. 8.629/1993, inclusive com a declaração incidental reiterada de
constitucionalidade desse conceito legal[145]. Essa posição tem levado,
invariavelmente, nos julgamentos do STF, à conclusão de que a simples
verificação de que se trata de propriedade produtiva — entendida como a plena
conformidade com a definição legal do art. 6º, da Lei n. 8.629/1993 — é
suficiente para afastar a incidência de desapropriação para fins de reforma
agrária, independentemente de qualquer consideração a respeito do cumprimento
da função social da propriedade[146].
Muito citado é o julgado do Mandado de Segurança n. 22.164[147], que não
discute o conceito de “propriedade produtiva”, mas tem sua relevância no fato de
o Relator ter considerado a possibilidade de desapropriação agrária em razão do
descumprimento do dever de proteção ambiental decorrente da função social da
propriedade, regulamentado no art. 186, II, da CF[148].
Também esse Tribunal Supremo já afirmou o dever jurídico-social de
cultivar a terra e de explorá-la adequadamente[149]. Porém, essa matéria não
foi objeto principal de qualquer julgamento da Corte Suprema, tendo sido apenas
objeto de comentários acessórios às razões de decidir, que não foram tema de
votação pelos demais membros.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é possível afirmar que,
apesar de não ter enfrentado diretamente a questão acerca da compreensão
jurídica da propriedade rural produtiva, em mais de uma oportunidade julgou
suficiente o cumprimento do GUT e GEE para afastar procedimento
expropriatório[150]. Além disso, o Agravo Regimental no Recurso Especial n.
1.138.517 constitui importante precedente que aponta para uma possível
modificação de sentido na jurisprudência daquela Corte, com a relevante
consideração de que o proprietário rural não só deve produzir de modo a
satisfazer as necessidades de exploração econômica, mas também deve fazê-lo
com racionalidade, sustentabilidade e justiça social[151].
No âmbito dos Tribunais Regionais Federais (TRF), que são os que detêm
competência para análise de questões atinentes à desapropriação para fins de
reforma agrária, alguns destaques podem ser feitos.
No TRF da 1ª Região, há uma tendência bastante reiterada no sentido de
proteger os proprietários rurais contra os procedimentos de desapropriação para
fins de reforma agrária, seja para considerar o cumprimento do GUT e GEE
como suficientes para considerar a propriedade como produtiva e insuscetível
daquela espécie de desapropriação[152], seja até mesmo para incluir na
contabilização do GUT a existência de reserva legal não averbada na matrícula
do imóvel[153] e também para flexibilizar as porcentagens dos graus de
produtividade[154]. Ainda que mais recentemente, em julgados de 2013 e 2014,
tenha sido considerada a imprescindibilidade do cumprimento da função social
da propriedade[155], trata-se de precedentes isolados, restritos a uma única turma e
sem a reiteração necessária para caracterizar uma jurisprudência consistente.
O TRF da 2ª Região apresenta tendência semelhante ao da 1ª Região, no
sentido de proteção da propriedade privada[156] e, mesmo em julgados que
consideraram a necessidade de cumprimento da função social da propriedade
para a aplicação do art. 185, II, da CF, outro fundamento afastou a possibilidade
da desapropriação: a inadequada regulamentação do que seria função social que
não permitiria concluir, no caso, pelo seu descumprimento[157]; ou a falta de
prova pericial de descumprimento de normas ambientais não permitiria essa
conclusão[158]-[159].
No TRF da 3ª Região, tal qual nas 1ª e 2ª Regiões, há decisões no sentido
de que o simples cumprimento do GUT e do GEE é suficiente para a
classificação da propriedade rural em produtiva e, desse modo, excluí-la de
procedimento de desapropriação agrária[160]. Todavia, a Primeira Seção
manifestou, em acirrado debate, entendimento contrário, asseverando que o
cumprimento da função social da propriedade e a necessidade de a produção
agrária ser realizada de forma regular (com os devidos registros quando
exigidos) são necessários à composição dos GUT e GEE, influindo na
classificação do imóvel quanto a sua produtividade[161].
O TRF da 4ª Região, por sua vez, assume tendência muito semelhante à
das demais regiões[162], inclusive com precedente de 1999 pela flexibilização do
GUT[163] e, da mesma forma, apresenta decisão isolada em sentido divergente, no
sentido de que a imunização da propriedade rural da desapropriação para fins de
reforma agrária não pode ser assegurada à propriedade que, tão-somente, atende
aos GUT e GEE, quando esta descumpre a função social da propriedade[164].
Por fim, também quanto ao TRF da 5ª Região o mesmo tradicional
entendimento pode ser verificado, no sentido de acolher a definição legal do art.
6º, da Lei n. 8.629/1993, e excluir dos procedimentos de desapropriação agrária,
as propriedades que cumprirem aqueles graus de produtividade[165].
Em suma, a pesquisa jurisprudencial verificou que houve ampla tendência
de todos os TRFs do país no sentido de não trazerem maiores discussões, a não
ser excepcionalmente, a respeito do que deve ser entendido por propriedade
produtiva. No STF e STJ, as matérias não foram enfrentadas como questão
central, porém as decisões proferidas foram no sentido de acatar a disciplina
legal da propriedade produtiva. Identificaram-se diversas decisões que
permitiram a flexibilização desse conceito legal, desde que em favor dos
proprietários rurais. Já a exigência de cumprimento de função social e outras
obrigações do proprietário foi identificada em casos excepcionais e, mesmo
assim, com decisões extraídas de grandes controvérsias e maiorias precárias das
Cortes.
4 A (IN)ADEQUAÇÃO DO SENTIDO APLICADO DE PROPRIEDADE
RURAL PRODUTIVA COM O SENTIDO CONSTITUCIONAL
Colocados esses possíveis sentidos da norma do art. 185, II, da CF, que
foram discutidos ao longo dos 30 anos de vigência da Constituição, incumbe
analisá-los e, se necessário, criticá-los, à luz do que se concluiu do sentido
constitucional do dispositivo, conforme exposto no primeiro tópico.
Como já referido, a Assembleia Constituinte muito debateu a respeito da
redação do inciso II do art. 185, tendo havido corrente, que restou derrotada, no
sentido de acrescentar que a propriedade produtiva, para ser imunizada da
desapropriação para fins de reforma agrária, deveria cumprir também a função
social disciplinada no art. 186. Ao final, isso não restou expresso na Carta de
1988, o que gerou repercussões na legislação ora analisada, posto que a Lei n.
8.629/1993 definiu a propriedade produtiva apenas como aquela que cumpre
graus de utilização e de eficiência mínimos, sem qualquer menção à necessidade
de que esta cumpra a função social para ser assim caracterizada.
Dessa maneira, a propriedade produtiva, em verdade, tornou-se um
conceito muito similar ao de empresa rural, que vinha disciplinado no Estatuto
da Terra, tendo esta (empresa rural) perdido seu sentido, conforme sustenta
Rafael Augusto de Mendonça Lima[166]. De fato, é conceito ainda menos rigoroso
que o de empresa rural. Se for observada a definição do Decreto n. 84.685/1980,
poderá ser notado que a empresa rural, além de ter de cumprir o GUT e o GEE,
deve também cumprir integralmente a legislação que rege as relações de trabalho
e os contratos de uso temporário da terra, o que sequer é mencionado na
conceituação de propriedade produtiva[167]. Assim lido, em uma interpretação
histórica, poder-se-ia concluir que até mesmo uma atividade agrária que
descumpra a legislação trabalhista poderia caracterizar a propriedade
produtiva[168]. É o que decorre da literalidade legal, em cotejo com os diplomas
que antecederam o atual regime. Entendimento diverso somente poderia ser
alcançado se sustentado que o art. 6º, da Lei n. 8.629/1993, ao exigir que a
propriedade produtiva seja explorada racionalmente, estaria incluindo, nessa
expressão, todos os requisitos ambientais e sociais da função social da
propriedade.
A ideia de produção “racional” permeia diversos ordenamentos, inclusive
o nacional, desde o Estatuto da Terra. A Constituição italiana fala em “racional
aproveitamento do solo” (art. 44, §1); a de Portugal incumbe ao Estado o dever
de promover o aproveitamento racional dos recursos naturais (art. 66.2, “d”); na
China, a lei de qualidade dos produtos agrícolas impõe o dever de os produtores
agrários fazerem o uso racional dos insumos agrícolas; a lei cubana dispõe sobre
o uso racional dos meios biológicos e químicos com o mínimo de contaminação
ambiental como elemento de uma agricultura sustentável; no México, lei de
2001 também relaciona a racionalidade ao uso de recursos naturais (art. 164); o
Código Agrário panamenho fala em utilização racional dos recursos naturais; na
Venezuela, já em 1960 falava-se no aproveitamento de recursos naturais sobre
bases racionais (o que levou Roman Duque Corredor a defender que a
conservação dos recursos naturais tinha o foco voltado não só para as gerações
presentes, mas também as futuras[169]); Lei colombiana de 1994 colocou como
hipótese de extinção do domínio a utilização não racional dos recursos naturais;
no Paraguai, a Constituição coloca como base da reforma agrária e do
desenvolvimento rural a racionalização e regularização do uso da terra, enquanto
seu Estatuto Agrário (de 2002) traz definições pormenorizadas de “exploração
racional”[170].
A racionalidade da exploração, portanto, aparece frequentemente
vinculada com o aproveitamento de recursos naturais e com a sustentabilidade
da produção. Em nosso ordenamento constitucional, a expressão foi reproduzida
também nos requisitos que compõem a função social da propriedade (art. 186, I,
CF). Não obstante, os sentidos conferidos à noção de propriedade produtiva
ulteriores à Constituição de 1988 não abordaram devidamente essa ideia de
racionalidade da produção.
Noutro vértice, houve uma transposição de conceitos que eram aplicados a
estímulos fiscais (GUT e GEE) para normas definidoras da política de reforma
agrária. No entanto, essa ideia de estímulo fiscal não abarca toda a complexidade
e pluralidade que decorre da Constituição, que exige uma produção adequada,
racional, com respeito aos recursos naturais e à legislação trabalhista, entre
outros aspectos, aplicáveis a diversos tipos de produção agrária, que devem ser
atendidos em diversos níveis. Daí a inadequação do conceito legal, reduzido a
graus de utilização e de eficiência, que não é capaz de dar cumprimento a todo
esse significado constitucional da expressão.
Mesmo se alargada a ideia de “exploração racional” da propriedade, como
sugerido acima, emprestando sentido adotado em outros ordenamentos, seria
difícil sustentá-la de forma coerente, eis que a lei separa a noção de “propriedade
produtiva” daquela de função social da propriedade rural, sendo que esta, na
redação constitucional (art. 186), incorporou a ideia de “aproveitamento
racional” (inciso I), consignando que este é apenas um dos requisitos da função
social da propriedade. E essa função é apenas um dos diversos aspectos que
devem ser contemplados no regime constitucional estudado. A ideia de
“propriedade produtiva” do art. 6º da Lei n. 8.629/1993 é muito mais restrita do
que todo esse contexto constitucional.
Outro questionamento que poderia surgir, a fim de se criticar a lei
brasileira, é a arbitrariedade do GUT, fixado em um patamar de oitenta por
cento. Por que não 75%, como na lei nicaraguense de 1981? Por que não os 30%
da lei paraguaia? Ou por que não 90%? Parece não haver fundamento plausível
para isso, exceto pela segurança jurídica, isto é, a garantia de que esse valor,
fixado objetivamente, não possa ser questionado juridicamente. Entretanto, por
ser, aparentemente, arbitrário, a quantificação do GUT pode sofrer, ainda assim,
uma flexibilização (como alguns esparsos casos jurisprudenciais têm
demonstrado, atentos para o fato de que uma certa margem de erro deveria estar
incluída no cálculo), o que compromete sua segurança jurídica.
Roberto Wagner Marquesi faz menção à possibilidade concreta de que um
imóvel rural cumpra com os índices de produtividade, atingindo o necessário
grau de eficiência na exploração, sem que, contudo, utilize efetivamente oitenta
por cento da área aproveitável[171]. Segundo o conceito legal, esse imóvel será
considerado improdutivo — não obstante obtenha altos índices de produtividade
—, simplesmente porque o proprietário está obrigado, pelo índice do GUT, a
ocupar oitenta por cento da área aproveitável do imóvel. Parece haver, aqui,
contradição dessa exigência com o respeito à função social da propriedade, que,
entre outros requisitos, preza pela preservação do meio ambiente e a utilização
adequada dos recursos naturais. Além disso, a exigência do GUT, na situação
apontada, indica justamente para o contrário da noção tradicional de
produtividade, já que é mais benéfico ao proprietário, sob os olhos da lei,
alcançar menores índices de produção por área (produtividade menor) e ocupar
uma área maior com sua produção do que ser mais eficiente em sua atividade,
alcançando os índices desejados sem degradar o ambiente do entorno.
Há outras leis infraconstitucionais no ordenamento brasileiro que trazem
uma ideia mais adequada de uma produção agrária conforme com os ditames
constitucionais, tal qual a lei sobre agricultura orgânica e aquela que trata da
integração lavoura-pecuária-floresta, em que não mais se trata de aumento na
produtividade, mas melhoria desta[172]. Essa noção, muito mais afeita a aspectos
qualitativos da produção, ao invés do mero incremento quantitativo, pode
significar algo muito mais amplo e adequável ao espírito de um regime
constitucional que prevê o direito à alimentação, um dever de proteção
ambiental, bem como a função social da propriedade, entre inúmeras outras
facetas da produção agrária.
A respeito das discussões afeitas a normas infralegais sobre a propriedade
rural produtiva, é necessária a atualização dos índices mínimos de rendimento.
As tabelas que compõem o anexo da Instrução Normativa n. 11/2003 trazem os
mesmos índices de produtividade de uma instrução especial de 1980, baseada
nas médias de produtividade do censo agropecuário de então, que era o de 1979,
o qual, por sua vez, refletia dados de 1975[173]. José Garcia Gasques e outros,
considerando diversos fatores de produção, chegaram à conclusão de que o
crescimento da produtividade no Brasil deu-se a uma taxa anual de 3,30% desde
1975[174]. Há estudo indicando que o Brasil teve um crescimento de
produtividade maior do que o dos Estados Unidos, que é referência no setor[175].
Considerados esses dados, infere-se a necessidade de reajuste periódico dos
índices de produtividade, seja por força de imperativo legal (art. 11, da Lei n.
8.629/1993), seja pela constatação fática de que a produtividade cresceu desde
1975, mas os índices mínimos exigidos não acompanharam essa modificação de
cenário.
A razão da necessidade dessa atualização, contudo, não se restringe aos
avanços tecnológicos, mas abrange também a necessidade de estímulo do setor
de produção de alimentos, que demanda aumento da produção e, com isso, a
diminuição da expansão das fronteiras agrícolas e consequente diminuição do
desnecessário desmatamento e da irreversível degradação de diversos biomas[176].
Por fim, quanto à jurisprudência sobre a matéria, na leitura de Fábio Alves
dos Santos, os Tribunais têm contribuído para a preponderância do direito de
propriedade, em todos os aspectos que relevam à questão agrária, o que só atua
no sentido da manutenção de um status quo nesse tema[177]. A pesquisa feita
corrobora essa conclusão quanto às tendências mais antigas, apesar de que
podem ser reconhecidos alguns precedentes isolados mais recentes que apontam
para a possibilidade de modificação de entendimentos.
Não se observou na pesquisa feita na jurisprudência dos Tribunais
nenhuma análise dos conceitos constitucionais e legais sob um viés informado
por uma perspectiva plural, complexa e heterogênea, como sugerida pelo sentido
constitucional aqui retratado[178].
Em resumo, o sentido de “propriedade rural produtiva” que foi discutido
no Congresso Nacional, pela edição e aprovação de leis, não atende à
complexidade, pluralidade e heterogeneidade que a Constituição de 1988
conferiu à produção agrária. Também no âmbito do Poder Executivo, as
discussões que buscaram atualização de índices de produtividade e métodos de
mensuração disso também não atenderam a qualquer aspecto inovador da
Constituição de 1988, mantendo-se basicamente os mesmos desde antes dessa
Constituição. Por fim, na jurisprudência, o sentido constitucional e legal foi
ainda mais restrito, com a limitação da questão da desapropriação agrária, mas
também com a flexibilização do sentido constitucional geralmente voltada para
uma maior proteção da propriedade privada.
CONCLUSÃO
Diante dessas considerações, conclui-se que o sentido de “propriedade
rural produtiva”, nos moldes em que tem sido aplicado no decorrer dos últimos
trinta anos, não foi adequado ao sentido que é delineado pela Constituição de
1988.
O regime constitucional brasileiro vigente prevê um regramento complexo,
plural e heterogêneo a respeito da produção agrária, seja porque abarca inúmeras
e diversificadas relações sociais, políticas e econômicas; porque considera
inúmeros sujeitos diferenciados; e implica a consideração de mais de um objeto,
mais de um modo de produção agrária, não se admitindo a unicidade. O art. 185,
II, da Constituição, não pode ser compreendido de forma a ignorar essas
características definidas pelo texto integral.
No entanto, a discussão feita acerca do conceito de propriedade rural
produtiva no âmbito do Congresso Nacional restringiu-se à fixação dos conceitos
de graus de utilização e de eficiência na exploração. Apenas mais recentemente
se observou que novos diplomas legais têm abordado questões diferenciadas,
como o pagamento por serviços ambientais e a sustentabilidade da produção
agrária, restando virtualmente ausente a discussão sobre o direito à alimentação
de forma interconectada com a produção agrária.
No que se refere às normas infralegais, observa-se que tem prevalecido,
desde a promulgação da Constituição de 1988, uma vertente conservadora dos
conceitos que já eram vigentes antes mesmo daquela Carta, transplantando-se a
noção de empresa rural e de isenções de impostos sobre a terra para a de
propriedade produtiva, sem qualquer atualização dos índices de produtividade há
quase quarenta anos.
Nos Tribunais, verificou-se ampla tendência de acatar o sentido legal de
propriedade produtiva, sem grandes discussões, a não ser excepcionalmente.
Identificaram-se diversas decisões que permitiram a flexibilização desse
conceito legal, desde que em favor dos proprietários rurais. Já a exigência de
cumprimento de função social e outras obrigações do proprietário foi
identificada em casos excepcionais e com decisões provenientes de grandes
controvérsias e maiorias precárias das Cortes.
Assim, o sentido de “propriedade rural produtiva” que foi discutido após a
Constituição de 1988 não atende à complexidade, pluralidade e heterogeneidade
que aquele texto constitucional conferiu à produção agrária.
O presente estudo aponta para que as três décadas de discussão em torno
da “propriedade rural produtiva”, apesar da inquestionável inovação
constitucional, não trouxeram grandes novidades na aplicação desse dispositivo,
mantendo-se, na maior parte das vezes, um regime jurídico muito assemelhado
ao que já existia antes da Carta de 1988.
Essa aplicação conservadora do Texto Maior admite matizes ainda mais
críticos se verificado que a própria Constituição hoje se apresenta carente de
atualizações nesse tema, posto que nada é dito acerca da sustentabilidade e,
muito embora tenha havido emenda constitucional de 2010 para incluir a
previsão do direito à alimentação, o tema da segurança alimentar sequer é
relacionado com a questão agrária, que é ponto chave desse objetivo – apenas
para citar dois temas ignorados pelo Texto de três décadas de idade[179]. É
necessário adotar-se tom crítico da academia a respeito dessa atitude do Estado
brasileiro, sob pena de se verificar o declínio da posição importante do país no
cenário agrário mundial e interno.
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CAPÍTULO 9
A EVOLUÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL
DO IMÓVEL RURAL NA
LEGISLAÇÃO PÁTRIA E SEUS
REFLEXOS JURÍDICO-SOCIAIS COM
ENFORQUE NAS EXIGÊNCIAS DE
PRODUTIVIDADE. ANTES E DEPOIS
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988

LUIZ FERNANDO PEREIRA
Advogado inscrito na OAB/MS n. 17.499, graduado pela UCDB – Universidade
Católica Dom Bosco. Pós-graduando em Direito do Consumidor. Atuação nas
áreas de Direito Cível, Trabalhista, Ambiental e Agrário. Tutor da Rede E-Tec
SENAR/MS nas matérias de Políticas Públicas para o Agronegócio, Legislação
Agrária e Ambiental e Responsabilidade Socioambiental. Membro da Comissão
de Assuntos Agrários e Agronegócio e Comissão de Meio Ambiente da
OAB/MS - gestão 2014/2015.

JOÃO MÁRCIO FREITAS BARROS
Advogado inscrito na OAB/MS n. 17.771, Graduado pela UCDB – Universidade
Católica Dom Bosco, com expertise nas áreas de Direito Civil, Direito do
Trabalho e Processo do Trabalho, e Direito Agrário e Ambiental. Pós-graduando
em Direito do Consumidor. Membro da Comissão de Esporte e Lazer da
OAB/MS (Gestão 2016/2017), Tutor Presencial da Rede E-tec Senar –
Disciplinas Políticas Públicas para o Agronegócio, Legislação Agrária e
Ambiental, e Responsabilidade Social e Ambiental no Agronegócio.
INTRODUÇÃO
O instituto da Função Social da Propriedade, de natureza jurídica sui
generis, foi estabelecido pela Lei n° 4.504/1964 – Estatuto da Terra – surgindo,
entre outras razões, como princípio hábil a assegurar o acesso à propriedade da
terra como e exigência de requisitos para a manutenção do proprietário em suas
terras.
Mesmo que de forma indireta, sem previsão legal específica, nem mesmo
desenvolvimento do tema pela doutrina, a terra sempre possuiu um caráter
social, inclusive na era medieval, e foi sendo desenvolvido o conceito social da
propriedade rural, vagarosamente, ao longo dos séculos.
Durante toda a história da ocupação territorial brasileira, desde o Brasil
Colônia governado pela Coroa Portuguesa, existiu a intenção de se ocupar o
território de forma integral com vistas a atingir uma finalidade estratégica de
evitar, ou ao menos dificultar a invasão do território descoberto por nações
estrangeiras. Além disso, obviamente existia um intuito produtivo e extrativo,
para garantir segurança alimentar a sociedade e prover matéria prima com fins
econômicos, em especial o pau Brasil.
A história da ocupação territorial rural brasileira foi marcada por quatro
fases distintas sendo elas: a fase das sesmarias, da posse, da lei de terras, e a
atual, a fase republicana, marcadas por sensível evolução no que diz respeito ao
direito da propriedade privada e a relação existente entre esse direito e o caráter
social da terra.
No Brasil, a preocupação do governo com essa questão, realmente teve
início a partir da quarta fase da ocupação territorial, a fase republicana, aonde
diversas leis foram editadas a fim de instituir os conceitos jurídicos do direito
agrário, como o imóvel rural, a pequena, média e grande propriedade rural
juntamente com os conceitos de minifúndio e latifúndio e, especialmente, o
conceito de função social da propriedade.
As leis que se destacam acerca dessa temática são o Estatuto da Terra e a
Constituição Federal de 1988, que além dos conceitos dos institutos jurídicos do
direito agrário, instituíram a possibilidade de desapropriação do imóvel rural que
não esteja cumprindo com a sua função social.
A pressão de grupos motivados pela causa da reforma agrária e direitos do
trabalhador rural somada a ideologia de considerável fatia dos políticos
brasileiros, motivou o governo a criar em 1962, a SUPRA – Superintendência da
Política Agrária, posteriormente substituída por outros órgãos até a criação do
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária em 1973, no
intuito de promover o acesso à terra, culminou na edição e promulgação do
Estatuto da Terra em 1964, lei que acalmou os ânimos dos movimentos.
A partir de então, as exigências de uso da terra, posteriormente mensuradas
através do Grau de Eficiência da Exploração (GEE) e o Grau de Utilização da
Terra (GUT), refletindo o nível de exploração do imóvel rural, passaram a ser
fundamental para a relação existente entre a exploração adequada da propriedade
rural e a questão social da terra.
Assim, essa relação existente entre o homem (possuidor), a terra, a
sociedade e o governo, produz reflexos jurídicos-sociais relevantes quanto ao
Grau de Eficiência e Exploração - GEE e Grau de Utilização da Terra - GUT,
encontrando vasto entendimento jurisprudencial acerca de processos que tem por
objeto ações de desapropriação de imóvel rural por desatendimento da função
social da propriedade.
Este trabalho exporá o compilado histórico da questão agrária do Brasil
com enfoque no surgimento do instituto jurídico da função social da propriedade
e sua recepção pela Constituição Federal de 1988, e as exigências de níveis de
exploração e utilização da terra para fins de atendimento desse encargo pelo
produtor.
1 COMPILADO HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO TERRITORIAL BRASILEIRA
A chegada dos portugueses no litoral brasileiro, precisamente no dia
22/04/1500, na região da atual cidade de Porto Seguro, deu início a um modelo
de ocupação territorial que definiu a divisão de terras até os dias atuais.
A propriedade territorial rural no Brasil pode ser dividida em quatro fases
distintas a saber: das sesmarias, das posses, da lei de terras e republicana.
Inicialmente, durante o século XVI, a coroa portuguesa concentrou seus
esforços de ocupação em nossa faixa litorânea, predominando neste período, a
exploração de produtos extrativos, tendo a madeira como principal matéria
prima e, a exploração da produção agrícola, difundindo a produção da cana-de-
açúcar.
A partir do século XVII, dá-se início a uma ocupação territorial mais
efetiva, começando por adentrar a região do nordeste brasileiro rumando em
direção ao sudeste, sul e norte do país, incentivando-se a produção agropecuária
e extrativa mineral.
Na primeira fase da propriedade territorial rural, a partir de 1532 até 1822,
com o intuito de proteger o território descoberto e, assim, evitar invasões e
ocupações por outras nações, através de expedições colonizadoras, a Coroa
Portuguesa distribuiu lotes de terras a beneficiários, chamados sesmeiros, por
meio de cessões de áreas de terras formalizadas através da Carta de Sesmaria.
Era exigido o aproveitamento adequado, medição e demarcação da gleba,
além de uma contribuição paga à Coroa, sob pena de incursão em comisso, para,
posteriormente, atendidas as condições, confirmar a propriedade.
Em contrapartida, os empreendedores portugueses aos quais se socorreu a
Coroa Portuguesa para garantir a adequada ocupação do Brasil, exigiam grandes
vantagens – vastas sesmarias - para que se dispusessem aos riscos e altos custos
para deslocar-se entre continentes.
Por isso, este modelo de ocupação territorial foi determinante para
concentrar boa parte do território brasileiro na mão de poucos proprietários de
terras, mas a Coroa Portuguesa sempre seguiu os princípios da Lei de Sesmarias
de Portugal (1375), democrática e contrária à grande e improdutiva propriedade,
impondo a perda da propriedade àquele que não cumprisse os requisitos
exigidos.
Após a extinção das sesmarias, passou a vigorar o Regime de Posse em
todo o território até a edição da Lei de Terras n° 601/1850, estabelecendo o
processo de venda pública dos imóveis rurais. São a segunda e a terceira fases da
ocupação territorial brasileira.
Segundo Borges (1998)[180], o grande marco na história da propriedade
territorial no Brasil, foi a Lei n° 601/1850 – Lei de Terras – que teve como
objetivo primordial, definir o que estava sob domínio ou posse de particulares,
para, excluindo estas áreas, determinar o que seria de domínio público, o que
acabou por estabilizar as terras devolutas como públicas por exclusão e
remanescência.
Já na era republicana, foi dado pelo governo maior atenção a questão
social propriamente dita, não que antes não houvesse essa abordagem, mas nesta
última fase da propriedade territorial, a possibilidade de desapropriação do
imóvel rural para fins de atendimento de interesse social começa a ser inserida
na legislação.
Eis as palavras do Autor Alencar Mello Proença acerca desta memória da
ocupação territorial brasileira:
A partir do seu descobrimento, e da opção de colonização a dotada por
Portugal, o brasil nasceu sob a sina do latifúndio: grandes e imensuráveis
extensões de terra foram outorgadas pela coroa portuguesa a diversos cidadãos,
para serem exploradas e objetivando promover a ocupação do vasto território
recém conquistado...A ampla maioria das glebas distribuídas restou
improdutiva...Essa matriz de grandes propriedades rurais, no entanto, iria
arrastar-se por toda a história do Brasil e remanesce em nossos dias,
constituindo-se no problema central agrário deste País tão rico...
Ainda que haja nos dias de hoje a ideia de que nossas terras foram mal
distribuídas, é verdade que nossa produção agrícola supera estatísticas ano a ano
e há doutrinadores que defendem ser a reforma agrária algo extemporâneo e
impossível de ser eficazmente implementado por uma série de fatores.
Nas palavras de Navarro (2014. p.714)[181] comentando acerca da realidade
agrária e agrícola atual do país, em síntese, a questão social brasileira, nos
últimos 30 anos, deixou o campo e foi para as cidades, e a questão agrária
tradicional começa a entrar nos livros de história como uma página do passado,
retirando a reforma agrária, para sempre, da agenda política do Brasil.
Assim, mesmo não existindo conceito da função social da propriedade na
época de Brasil Colônia, evidencia-se que o princípio e as exigências de
produtividade possui laços apertados com as raízes históricas do modelo de
ocupação territorial brasileiro, já que, desde os anos de domínio português,
repudiava-se a especulação posses rurais, e se exigia a correta destinação do uso
da terra, para fins de garantir a produtividade e proteção do território brasileiro.
2 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CARÁTER SOCIAL DA
PROPRIEDADE NA HISTÓRIA
Diante da importância para a produção de alimentos e, consequentemente,
para a garantia de segurança alimentar, saúde e dignidade a qualquer povo,
historicamente, a propriedade possui uma conotação social no que diz respeito
ao seu uso.
Nas palavras do Professor Bobbio (1994)[182], já o Direito da Grécia antiga,
admitia alguma forma de propriedade privada, ainda que em esparsos registros
acerca do tema, e na Grécia arcaica, desde a época mais remota, atesta-se a
prática da divisão e atribuição de terras entre vários grupos familiares,
consubstanciada em uma propriedade imóvel familiar, sendo que, somente a
partir do início do século VI a. C é que se vai consolidando a ideia da
propriedade individualmente considerada.
No entanto, a definição de que o proprietário detinha caráter exclusivo
sobre a coisa, ou seja, jus utendi, fruendi et abutendi – os poderes de usar, gozar
e dispor da coisa – é mencionada por leis e autores somente a partir da Idade
Média, no século XIV.
De qualquer forma, vê-se que os textos de leis que garantem o caráter
social da propriedade, não são recentes, remetendo a séculos atrás a preocupação
dos governantes com o adequado uso da terra, sempre com vistas a exigir do
proprietário, a exploração racional e utilização apropriada, mesma época em que
se garantia absolutamente os direitos de propriedade.
A Lei de Sesmarias, promulgada em 26/06/1375, pelo então Rei de
Portugal, Fernando I, com o objetivo de aumentar os braços dedicados à
agricultura, já trazia em se texto clara conotação social acerca da propriedade:
Todos os que tiverem herdades próprias, emprezadas, aforadas ou por outro
qualquer título, que sobre as mesmas lhes dê direito, sejam constrangidos a
lavrá-las e semeá-las.
Se por algum motivo legítimo as não puderem lavrar todas, lavrem a parte que
lhes parece poder comodamente lavrar, a bem vistas, e determinação dos que
sobre este objeto tiverem intendência; e as mais façam-nas aproveitar por
outrem pelo modo que lhes parecer mais vantajoso de modo que todas venham
a ser aproveitadas.
Devem os mesmos ser constrangidos a ter os bois, e as mais coisas necessárias
para a lavoura das suas herdades, assinalando-se-lhes tempo certo para as
comprarem, e darem princípio à mesma lavoura, com certa pena em caso de
falta.
Se por negligência ou contumácia, os proprietários não observarem o que fica
determinado, não tratando de aproveitar por si ou por outrem as suas herdades,
as Justiças territoriais, ou as pessoas que sobre isso tiverem intendência, as
dêem a quem as lavre, e semeie por certo tempo, a pensão ou quota-
determinada.
Durante esse tempo não poderão os proprietários tirá-las àqueles a quem assim
forem dadas, nem mesmo, passado ele, poderão entrar na sua posse por
autoridade própria. Quanto à pensão, ou quota, que os lavradores devem pagar,
serão aplicadas ao bem do comum, em que as herdades forem situadas, sem
contudo se poderem dar, ou desprender em uso algum, sem especial mandado
Real.
Segundo Proença (2007)[183], em pleno século XIV, época em que o direito
de propriedade já era pleno e absoluto, surgiu o referido mandamento legal – Lei
de Sesmarias - publicado pelo Rei de Portugal cujo trecho foi transcrito acima,
dando à terra uma nítida e incontestável conotação social, e ainda questiona se
Sua Majestade o Rei de Portugal, teria, em 1375, antevisto a teoria da função
social da propriedade, que só viria a desenvolver-se, efetivamente, no início do
século XX, através da Constituição de Weimar – Constituição do Império
Alemão, de 1919, reafirmando a garantia ao direito de propriedade mas
acrescentando que a propriedade obriga e seu uso deve ser igualmente feito no
interesse geral.
Vê-se que apesar da exigência de exploração, garantia democracia para o
proprietário, que poderia ceder para terceiro da forma que mais lhe parecesse
vantajoso, demonstrando desta forma que poderia usar economicamente sua
área, assim como também para aqueles que buscassem algum pedaço de terra
para produzir.
No Brasil, quando da sua descoberta, a propriedade das terras aqui
encontradas, foram passadas para a Coroa Portuguesa, como direito de conquista
pela ocupação. Um dos primeiros resquícios para a Reforma Agrária, veio da Lei
das Sesmarias, criada em Portugal e adaptada para funcionar no Brasil, onde, se
o proprietário de certa terra não a cultivasse para produção, a mesma seria
repassada para outro agricultor que interessasse em cultivá-la (BORGES, 2012)
[184]
.
Fato é que, para o direito brasileiro, as garantias absolutas de propriedade,
surgiram somente em 1824, no Brasil Império, quando a 1ª Constituição Federal
define no artigo 179, n° 22, que “é garantido o direito de propriedade em toda a
sua plenitude”.
Porém, o caráter social da propriedade no Brasil, surgiu apenas com a
Constituição de 1934, assim discorrendo o Doutrinador Alencar Mello
Proença[185] acerca do assunto:
Em 1934, quando já se expandia, em outras plagas, a função social da
propriedade, a Constituição brasileira não ficou imune, assegurando aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos
concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à
propriedade (art. 113), mas explicitando, no n° 17 desse artigo, que o direito
de propriedade não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo,
na forma da lei determinasse. Era uma primeira abertura, um passo importante,
porém, ainda discreto.
Vê-se então, ser claro que já era o sinal do surgimento do instituto jurídico
da função social da propriedade, mas, no entanto, como o próprio autor
supracitado discorre de forma discreta, vindo tal princípio surgir em sua mais
pura essência, somente através do Estatuto da Terra – Lei n° 4.504/1964 – e
Constituição Federal de 1967, sendo recepcionado nos mesmos termos desta lei
agrarista, pela atual Constituição de 1988.
Até a Constituição de 1934 a questão social da propriedade não tocava na
questão da possibilidade de desapropriação por interesse social, mas somente por
necessidade ou utilidade pública, sendo inserido na Constituição de 1946, a
possibilidade de desapropriação por interesse social.
No entanto, o marco inicial do caráter social da terra no direito brasileiro
em sua concepção mais consistente e, consequentemente, dos princípios e
características sociais de interesse geral dados à propriedade, é a edição da
Emenda Constitucional n°10/1964.
Como se vê, a legislação trata o instituto da propriedade em seu caráter
essencialmente social, enquanto a doutrina de Celso Antônio Bandeira de
Mello[186] reconhece no mesmo sentido, que a propriedade é matéria de ordem
pública. Cabe aqui destacar os ensinamentos do ilustre Professor acerca do tema:
O direito de propriedade – ou seja, o reconhecimento que a organização
jurídica da Sociedade (Estado) dispensa aos poderes de alguém sobre coisas –
encarta-se, ao nosso ver, no Direito Público e não no Direito Privado. É
evidente que tal Direito comporta relações tanto de Direito Público quanto de
Direito Privado. Entretanto, o direito de propriedade, como aliás sempre
sustentou o prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello é, essencialmente, um
direito configurado no Direito Público – e desde logo – no Direito
Constitucional (1987, p. 39).
Portanto, o direito de propriedade está inserido no Direito Público Interno,
que rege os interesses estatais e sociais, de forma que o Estado sempre deverá
atender à coletividade e aos interesses sociais quando tratar acerca do assunto,
que possui a legislação encartada entre outras, no direito constitucional.
Ainda dentro deste raciocínio merece ser citada a opinião do Professor
Ismael Marinho Falcão[187]:
A propriedade, tal como constitucionalmente protegida, já não comporta mais
no Brasil, ser recepcionada pelo art. 524, do CC, posto que hoje já não se
admite mais possa o proprietário, usar, gozar e dispor com amplitude que os
termos exigem. O uso e o gozo da propriedade rural está diretamente vinculado
à função social que a Constituição da República vota à propriedade. Já não
temos um direito individual, mas socialmente coletivo. Enquanto não serve aos
interesses da coletividade, promovendo-lhe o bem-estar e concorrendo para o
progresso econômico e social de seu titular, a propriedade já não pode mais
permanecer nas mãos de quem não a trabalha, impondo-se a desapropriação
por interesse social a fim de que, redistribuída, possa alcançar, pelo trabalho, a
função social a que estará fechada.
Portanto, mesmo a lei garantindo o direito de propriedade, deverão ser
atendidos os requisitos que caracterizam a função social da propriedade, ou seja,
apesar do proprietário ter o direito à terra, terá o dever de produzir para o seu
bem estar, da sua família, dos seus empregados e da coletividade (BORGES,
2012)[188].
3 O USO DA PROPRIEDADE APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL N°
10/1964
A Emenda Constitucional n°10/1964 foi editada no intuito basilar de
alterar a Constituição de 46 em seu artigo 5°, inciso XV, para inserir na
competência da União, o dever de legislar sobre Direito Agrário.
Como instrumento que teve o desafio de solucionar questões sociais
relevantes, sem o cunho meramente paliativo, foi o primeiro dispositivo de Lei
que autorizava a desapropriação do imóvel, à medida em que alterou o artigo
141, § 16 e acrescentou parágrafos ao artigo 147, da Constituição Federal de
1946.
Os textos dos respectivos dispositivos da Carta Magna vigente, passaram a
ter a seguinte redação[189]:
Art. 4º O § 16 do art. 141 da Constituição Federal passa a ter a seguinte
redação: “§ 16. É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interêsse social,
mediante prévia e justa indenização em dinheiro, com a exceção prevista no §
1º do art. 147. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina,
as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o
exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a indenização
ulterior.”
Art. 5º Ao art. 147 da Constituição Federal são acrescidos os parágrafos
seguintes: “§ 1º Para os fins previstos neste artigo, a União poderá promover
desapropriação da propriedade territorial rural, mediante pagamento da prévia
e justa indenização em títulos especiais da dívida pública, com cláusula de
exata correção monetária, segundo índices fixados pelo Conselho Nacional de
Economia, resgatáveis no prazo máximo de vinte anos, em parcelas anuais
sucessivas, assegurada a sua aceitação a qualquer tempo, como meio de
pagamento de até cinqüenta por cento do Impôsto Territorial Rural e como
pagamento do preço de terras públicas.
As modificações no texto constitucional foram substanciais, especialmente
a alteração da redação do artigo 141, responsável por empregar definitivamente
o caráter social ao direito de propriedade quando passa a autorizar a
desapropriação do imóvel particular para fins de atender a interesse social.
Este é o marco inicial para o direito agrário brasileiro no que diz respeito a
questão da reforma agrária, dando início a tempos em que se exige do
proprietário, níveis substancialmente altos de produtividade sob pena de
desapropriação do imóvel por desatendimento da função social da propriedade.
Segundo Godoy (1998)[190], a Emenda Constitucional n° 10/1964 foi fruto
de uma evolução política, social e jurídica do país, num momento em que
ocorria concomitantemente a industrialização, a regulamentação dos direitos
trabalhistas com Getúlio Vargas, o desenvolvimentismo com Juscelino
Kubitschek e, ainda, a assimilação pelos operadores do Direito no Brasil do
princípio da função social da propriedade, já consolidado nas Constituições de
1934 e 1946, são fatores decisivos a criar um ambiente político, econômico e
jurídico favorável.
A alteração do artigo 141 e acréscimo de parágrafos ao dispositivo n° 147
da Constituição de 1946, trazidos pela EC n° 10/1964, deu início a uma nova
ordem de exigência de utilização da terra pode-se dizer.
Não se está dizendo que a utilização adequada da terra já não era exigida
pelas leis em vigor até este momento, mas é fato que, sendo inserido no texto
constitucional a possibilidade de desapropriação do imóvel para fins de atender a
interesse social, aqueles que integravam movimentos pró reforma agrária,
passaram a ter algo mais a favor de suas reivindicações.
Oportuno transcrever aqui as palavras do Professor Alencar Mello Proença
acerca da dita emenda:
Mas a grande mudança, em termos constitucionais, acontece através da
Emenda Constitucional n° 10/64, de 9 de novembro de 1964. No §16 do art.
141, após “mediante prévia e justa indenização, em dinheiro”, foi
acrescentado: “com exceção prevista no §1° do art. 147”. E o art. 147 teve
acrescidos seis parágrafos, todos eles tratando da desapropriação por interesse
social para fins de Reforma Agrária...
A EC n°10/1964 possibilitou então a edição do Estatuto da Terra, marco
legal que trouxe inovações muito relevantes não somente para o direito agrário
de forma geral, mas também para a questão específica tratada aqui neste
trabalho.
4 A NOVA ORDEM ACERCA DO USO DA PROPRIEDADE TRAZIDA PELA
LEI N° 4.504/1964 – ESTATUTO DA TERRA
Um dos primeiros códigos inteiramente elaborados pelo Governo
Militar no Brasil, a Lei 4504, de 30 de novembro de 1964, foi concebida como
forma de colocar um freio nos movimentos campesinos que se multiplicavam
durante o Governo João Goulart.[191]
Evidentemente que esta não foi a finalidade elementar da nova ordem
agrária, que teve basicamente como principais objetivos, a execução de uma
reforma agrária e o desenvolvimento da agricultura, de forma a disciplinar o uso,
ocupação e relações fundiárias no Brasil com normas rígidas, de ordem pública,
mas, oportunamente, foi concebida também com o intuito de conter o avanço das
reivindicações dos movimentos sociais pró reforma e controlar as tensões que se
acentuavam no campo.
A nova Lei finalmente invocou explicitamente em seu texto, o princípio da
função social da propriedade que até então era assimilado apenas de forma
subentendida, nas entrelinhas.
O artigo 2° da lei, dispõe que “É assegurada a oportunidade de acesso à
propriedade da terra, condicionada pela sua função social...”, e logo adiante,
em seu §1° e letras “a”, ”b”, “c” e “d”, que “...A propriedade da terra
desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:
favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam,
assim como de suas famílias; mantém níveis satisfatórios de produtividade;
assegura a conservação dos recursos naturais e; observa as disposições legais
que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a
cultivem.”[192]
Como bem assevera Borges (2007), o caput do artigo supracitado reflete,
em outras palavras, a democratização da propriedade rural, não garantindo a
terra, mas a oportunidade de possuí-la, devendo, portanto, o interessado,
atendendo as exigências e preferências legais, se inscrever nos departamentos do
INCRA para participar do procedimento administrativo de seleção para
concessão de parcelas.[193]
Ainda que este dispositivo não tenha conceituado o instituto, reconheceu e
estabeleceu os critérios de cumprimento do princípio da função social da
propriedade e, inclusive, através da letra “b” do artigo transcrito, ficou
estabelecido sem margem para dúvidas, que o proprietário deverá garantir níveis
satisfatórios de produtividade, pendendo a partir daí a edição de regulamentação
apta a definir tais níveis, para o fim de garantir segurança jurídica aos afetados
pela nova regra.
Em relação a este inciso que trata da exigência referente aos níveis de
produtividade satisfatórios, Borges (2007)[194] explica que “a propriedade deve
manter níveis satisfatórios de produtividade, para atender os centros de consumo,
assegurar a garantia alimentar do País e gerar recursos tributários para o Erário
Público. Por aí se vê, que a produtividade reflexamente interessa ao Governo no
tocante à ordem econômica e social. Disso demanda o interesse social.”
Após a edição desta mais nova diretriz agrária, a Constituição Federal de
1967, recepcionou o princípio da função social da propriedade no artigo 157,
inciso III, pertencente ao Título III, “Da ordem Econômica e Social”, dispondo
que “A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos
seguintes princípios:...função social da propriedade”.[195]
O texto constitucional, porém, apenas mencionou o dito princípio como
um dos garantidores da ordem econômica, deixando para o Estatuto da Terra a
definição das exigências para considerar o enquadramento das propriedades nos
moldes da premissa.
Eis então a recepção do instituto pela Constituição de 88, de forma
completa e com os mesmos critérios de definição das exigências trazidas pela
Lei n° 8.504/64.
5 A RECEPÇÃO DO INSTITUTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA
PROPRIEDADE PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A
LEGISLAÇÃO ADESIVA REGULAMENTADORA
Após 24 anos de governo militar, no qual o país foi governado sob o
regime da Quinta República Brasileira, aprovada pela Assembleia Nacional
Constituinte de 22/09/1988 e promulgada em 05/10/1988, a Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, surge como instrumento de
redemocratização, assegurando a todos os cidadãos brasileiros, direitos e
garantias fundamentais, além de direitos sociais, estes inseridos de forma mais
explícita que as cartas anteriores.
A sétima Constituição Brasileira, sexta no século de república, e primeira
Constituinte a reservar capítulo próprio para as questões fundiárias e agrárias,
intitulado “Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária - inserido no
título que trata da ordem econômica e financeira, atestando maior enfoque e um
caráter social a questão do acesso à terra.
A recepção do princípio da função social da propriedade, observa-se já
recepcionado pela Constituição de 67, no entanto, sem a definição dos critérios
de exigência, agora está garantido pelo artigo 5°, inciso XXIII da Carta Magna,
que dispõe que “a propriedade atenderá a sua função social”, pelo artigo 170,
inciso III, estabelecendo que “A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:...função social da propriedade”, bem como pelo artigo 186, que
estabelece o seguinte texto[196]:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei,
aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.
Com efeito, simplesmente ninguém pode duvidar que o Estatuto da Terra
tenha sido recepcionado pela Lei Maior, procurando ambos diplomas legais,
integrar as ações do Poder Público e dos proprietários de áreas rurais através de
um seguimento obediente a mens legis, levando o produtor a cumprir a tão
preconizada função social. (BORGES, 2007)[197]
Portanto, com texto sensivelmente modificado, a Constituição Cidadã traz
neste dispositivo basicamente a mesma interpretação do instituto nascido nas
linhas do texto do Estatuto da Terra, adotando a mesma orientação de não
conceituar o princípio da função social da propriedade, mas indicando os
requisitos – incisos do artigo citado acima - que devem ser simultaneamente
atendidos.
Então qual seria a conceituação do princípio da função social da
propriedade já que a lei apenas indica os requisitos para cumprimento do
instituto?
Antes deste conceito, é de valiosa observação que, como defende Borges
(1998)[198], a nomenclatura mais adequada seria função social da terra e não
função social da propriedade, já que “não é apenas a propriedade rural que tem
uma função social a cumprir, mas, se falamos de direito agrário, é estritamente
da função social da terra que trataremos”.
Feita esta simples, mas considerável colocação, vale continuar citando o
ilustre Professor Paulo Torminn Borges[199], que conceitua a função social da
propriedade fazendo uso das palavras do autor Antonino C. Vivanco em Teoría
de derecho agrário, v. 2, p. 472-3:
La función social es ni más ni menos que el reconocimiento de todo titular del
domínio, de que por ser un miembro de la comunidad tiene derechos y
obligaciones com relación a los demás miembros de ella, de manera que si él
há podido llegar a ser titular del domínio, tiene la obligación de cumplir com el
derecho de los demás sujetos, que consiste em no realizar acto alguno que
pueda impedir u obstaculizar el bien de dichos sujetos, o sea, de la comunidad.
El derecho de la cosa se manifiesta concretamente em el poder de usarla y
usufructuarla. El deber que importa o comporta la obligación que se tiene com
los demás sujetos se traduce em la necesidad de cuidarla a fin de que no pierda
su capacidade productiva y produzca frutos em beneficio del titular e
indirectamente para satisfacción de las necesidades de los demás sujetos de la
comunidad.
Cabe expor também, as palavras do Professor Guilherme José Purvin
Figueiredo[200], trazendo uma conotação mais ampla, que aborda de forma mais
completa a todos os requisitos para atendimento da função social estabelecidos
pela legislação:
A concepção de função social nasceu da noção de que, enquanto vivente em
sociedade, o homem deve empregar esforços no sentido de dar sua
contribuição ao bem estar da coletividade em detrimento dos interesses
unicamente individuais. Neste contexto, erige-se a teoria da função social,
segundo a qual “todo indivíduo tem o dever social de desempenhar
determinada atividade, de desenvolver da melhor forma possível sua
individualidade física, moral e intelectual, para com isso cumprir sua função
social da melhor maneira”
Então, a legislação tratada até aqui, define quais são os requisitos para
atendimento da função social da propriedade, ou da terra, mas não regulamenta
quais são os níveis satisfatórios de produtividade tratado pelo artigo 2°, § 1°,
letra “b”, da Lei n° 4.504/1964 e o que seria necessário para cumprir a premissa
de aproveitamento racional e adequado estabelecida pelo artigo 186, inciso I, da
Constituição de 88.
Evidentemente que a Constituição, por ser uma lei principiológica
detentora de normas gerais, carece ter diversos de seus dispositivos
regulamentados por leis infraconstitucionais e, diante disso, em 1993, foi editada
então, a Lei nº 8.629, de 1993, definindo o conceito de propriedade produtiva
com base no Grau de Utilização da Terra (GUT), medido pela relação entre a
área efetivamente utilizada e a área aproveitável do imóvel, e no Grau de
Eficiência na Exploração (GEE), medido pela relação ponderada entre os índices
observados e exigidos de produtividade por hectare para os diferentes produtos e
explorações do imóvel.[201]
Eis a regulamentação dada à deixa da parte final do artigo 186 da
Constituição, “segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei”.
Oportunas aqui, as palavras de Antonio Moura Borges[202] acerca dessa
regulamentação legislativa:
O alcance científico dessa norma é por demais extenso e de alta indagação, até
porque foi reproduzido como dispositivo constitucional inerente à Reforma
Agrária, que foi regulamentado ex abundantia pela Lei n° 8.629, de
25.02.1993, a qual estabeleceu critérios para que tudo isso fosse cumprido na
justa expressão da função social da propriedade rural.
A norma que o autor se refere no início da citação, é a Constituição
Federal de 88, em seus dispositivos que tratam da política agrária e agrícola e da
reforma agrária.
O imóvel cumpre a função social se for explorado adequadamente (Grau
de Eficiência e Exploração - GEE igual a 100% e Grau de Utilização da Terra -
GUT superior a 80%); se utiliza adequadamente os recursos naturais e preserva o
meio ambiente; se observa as disposições que regulam as relações de trabalho e
não utiliza mão de obra em condição análoga à da escravidão; e se a exploração
da terra tem por objetivo o bem estar dos trabalhadores e proprietários.[203]
A Lei n° 8.629/93, repisando o texto constitucional nas exatas mesmas
palavras no que se refere aos requisitos para cumprimento da função social, veio
trazer as definições requeridas pelos artigos 184 a 186 da Carta Magna,
merecendo destaque os seguintes dispositivos[204]:
Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e
racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de
eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal
competente.
§ 1º O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser
igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual
entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel.
§ 2º O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a
100% (cem por cento), e será obtido de acordo com a seguinte sistemática:
I - para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto
pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente
do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;
II - para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais
(UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente
do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;
III - a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo,
dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem),
determina o grau de eficiência na exploração.
§ 3º Considera-se efetivamente utilizadas:
I - as áreas plantadas com produtos vegetais;
II - as áreas de pastagens nativas e plantadas, observado o índice de lotação por
zona de pecuária, fixado pelo Poder Executivo;
III - as áreas de exploração extrativa vegetal ou florestal, observados os índices
de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para
cada Microrregião Homogênea, e a legislação ambiental;
IV - as áreas de exploração de florestas nativas, de acordo com plano de
exploração e nas condições estabelecidas pelo órgão federal competente;
No que diz respeito a regulamentação dos demais artigos constitucionais
que tratam do tema fundiário, quanto ao dispositivo de n° 184, a nova cânone
estabeleceu os prazos e condições para indenização de áreas desapropriadas por
desatendimento da função social da terra, em seu artigo 5° e parágrafos e, em seu
artigo 4°, definiu as dimensões da pequena e média propriedades para fins de
orientação com relação aos imóveis que não são suscetíveis de desapropriação
confirme artigo constitucional de n° 185.
Aliás, com relação a essa questão, desde que não possua outra, o dono de
pequena ou média propriedade rural, não poderá ter seu imóvel desapropriado
para fins de reforma agrária, estando garantido a estes, a presunção absoluta de
produtividade.
Merece destaque aqui o trecho final do caput, do artigo 6°, da Lei n°
8.629/93, “segundo índices fixados pelo órgão federal competente”, ressaltando
que estes índices foram definidos pelo INCRA, inicialmente através da Instrução
Normativa n° 10/2002, revogada logo no ano seguinte pela IN n° 11, tratando
nos artigos 5° e 9°, os critérios a serem considerados para que a propriedade
atinja o Grau de Utilização da Terra (GUT) e Grau de Eficiência na Exploração
(GEE) adequados.
A instrução estabelece diretrizes para a fixação do módulo fiscal de cada
município brasileiro, bem como os procedimentos para cálculo do GUT e GEE,
apresentando via tabela anexa à lei, índices e formas de cálculo de produtividade
do imóvel rural.
Com relação ao GUT, o artigo 5° dispõe que “O Grau de Utilização da
Terra - GUT, de que trata o art. 6.º da referida lei será fixado mediante divisão
da área efetivamente utilizada pela área aproveitável do imóvel, multiplicando-
se o resultado por cem para obtenção do valor em percentuais.”
Os parágrafos do dispositivo, estabelece quais áreas são consideradas
efetivamente utilizadas de acordo com o seu tipo e especificidades, como a
vegetação predominante e atividade desenvolvida.
Já o artigo 9° elenca toda a sistemática para verificação do Grau de
Eficiência e Exploração que deve ser de 100%, definindo em cada inciso como
deverá ser calculado levando-se em consideração as tabelas que estabelecem por
região do país, os índices de rendimento para produtos agrícolas, para produtos
extrativos vegetais e florestais e para pecuária, todas anexadas à lei.
Toda essa sistemática pormenorizada através da legislação adesiva e
regulamentadora, torna eficaz o princípio da função social da propriedade
recepcionado pela Constituição de 88, no que diz respeito ao seu inciso I do
artigo que o preconiza, que dispõe acerca da exigência de se produzir e utilizar a
terra de forma adequada e racional.
A legislação infraconstitucional garante o respeito ao dispositivo
constitucional, norteando os produtores rurais quanto aos níveis mínimos de
utilização e eficiência de exploração da terra, a fim de que a propriedade não se
sujeite a eventual ação de desapropriação por descumprimento da função social
da terra.
CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988 consagra o direito de propriedade em dois
momentos distintos, sendo o primeiro, aquele aonde tal direito é visto como uma
garantia individual, e o segundo, aquele que o consagra como princípio da ordem
econômica, sendo aplicável neste ínterim, o princípio social da propriedade,
impondo caráter público ao uso da terra pelo proprietário.
Assim, resta evidente que, apesar de nossa legislação garantir desde o
Brasil Colônia o direito de propriedade, quem não cumpre com a função social
da propriedade perde as garantias de proteção da posse, inerentes a propriedade,
impondo a este direito limitações de ordem social.
O trabalho procurou deixar claro que das leis mandamentais, a
Constituição de 88 é a precursora no que diz respeito ao instituto da função
social da propriedade, recepcionando o texto originalmente trazido pelo Estatuto
da Terra, dando início a novas regras e princípios para o direito agrário e,
consequentemente, criando novos rumos, em especial quanto a sua relação com
a questão do acesso à terra e a desapropriação de imóvel que não esteja atingindo
aos níveis mínimos de produtividade.
A Constituição Cidadã correspondeu, portanto, a grandes avanços no
campo social, mostrando-se conservadora com relação a matéria da reforma
agrária, consagrando-se como instrumento divisor de águas para o direito
agrário, à medida em que dedicou capítulo próprio para este ramo do direito,
desde sempre tão importante e, ainda mais nestes tempos em que a terra vai se
tornando rapidamente um bem mais e mais valioso, detentor de inúmeras
essencialidades para os seres humanos.
REFERÊNCIAS
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Brasília, 1994.
BORGES, Antonio Moura. Estatuto da Terra Comentado e Legislação Adesiva.
Leme-SP. Editora Edijur, 2007.
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FALCÃO, Ismael Marinho. Direito agrário brasileiro: doutrina, jurisprudência,
legislação e prática.
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ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
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NAVARRO, Zander. O mundo rural no Brasil do século 21. Embrapa. Brasília,
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Sítio: https://pt.wikipedia.org/wiki/Estatuto_da_Terra. Acesso em 03/06/2018.
Sítio: https://www.alainet.org/pt/articulo/170668. Acesso em 03/04/2018.
CAPÍTULO 10
DAS TERRAS NUAS ÀS GRANDES
FAZENDAS PRODUTIVAS:
FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO
PRIVADO

ROGÉRIO REIS DEVISATE
Advogado, desde 1991, com ênfase na área cível – pareceres, imóveis rurais e
seus registros, lei 6739/79 e sua defesa judicial ou administrativa, inventários,
indenizatórias, contratos e arbitramento; vasta experiência com recursos cíveis
nos tribunais superiores (STF-Supremo Tribunal Federal e STJ - Superior
Tribunal de Justiça). Ex-Conselheiro Estadual da OAB/RJ e ex-membro
consultor da Comissão de Advocacia Pública do Conselho Federal da OAB;
Defensor Públitco de Classe Especial/RJ, desde 1993; foi subsecretário de
Estado/RJ, dentre outras relevantes funções públicas; foi membro de bancas
examinadoras de concursos públicos/RJ de nível superior; associado ao IBAP –
Instituto Brasileiro de Advocacia Pública; exerceu docência superior; autor de
artigos jurídicos e dos livros Grilos e Gafanhotos - Grilagem e Poder (2016) e
Grilagem das Terras e da Soberania (2017).

INTRODUÇÃO
Infelizmente não é ocorrência rara que, após anos e vultosos
investimentos, transformando a terra nua em próspera fazenda produtiva, o
proprietário seja surpreendido com o cancelamento do registro do imóvel rural,
por vício insanável do título aquisitivo.
Decorra tal fato de decisão administrativa prevista na Lei 6739/79[205] ou
de sentença judicial, o cancelamento e anulação do registro e da matrícula não
enseja indenização – embora possa gerar evicção[206] - e encerra o fim da jornada
de sonhos e os esforços do empreendedor. O tema é sensível, atual e complexo,
como exemplificam o teor do Provimento 004/81[207], do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado da Bahia e o teor do Pedido de Providências 00019433333-
67.2009.2.00.000[208], do prestigioso Conselho Nacional de Justiça – CNJ[209] -
cada um envolvendo muitas centenas de milhares de hectares.
Para a total proteção do adquirente do imóvel rural – notadamente
quando envolver grandes áreas, com milhares de hectares - e dos vultosos
investimentos é fundamental que a aquisição do imóvel rural seja precedida da
profunda e qualificada análise jurídica da documentação, o que não se limita à
avaliação das tradicionais certidões negativas relacionadas ao vendedor e ao
bem, pois a prudência poderá exigir até a verificação da primeira inscrição do
imóvel nos registros públicos imobiliários e do histórico documental da
propriedade, identificando a origem e a cadeia registral, inclusive os aspectos
específicos das limitações ou restrições legais, como áreas indígenas ou de
fronteira.
Este estudo não abordará as commodities, o crédito agrícola ou os
contratos agrários etc, pois focará no prius em relação a todo esse universo: a
aquisição do imóvel rural.
Ademais, devemos considerar que a mundialização do capital e a
modernização dos fluxos bancários entre as nações fomentam a ímpar
valorização dos imóveis rurais no Brasil, muito atrativos ao capital estrangeiro.
Aliás, bom que se diga, tramita no Congresso Nacional projeto de lei tendente a
reformar a vigente legislação que regula a venda de terras a estrangeiros
(independentemente dos argumentos a favor ou contra, é fundamental que não se
repitam os abusos, negócios nulos, erros e desmandos investigados
profundamente pela Comissão Parlamentar de Inquérito[210], instalada em 1967
no Congresso Nacional, que apurou a venda de terras a estrangeiros). Tudo isso
exige tanto a estabilidade econômica e política nos Estados soberanos quanto a
normatização clara, capaz de proporcionar segurança[211] nos negócios com
imóveis rurais e proteger a circulação dos créditos e ativos bancários.
Mas, afinal, por qual motivo ocorrem cancelamentos judiciais ou
administrativos de registros de imóveis - mesmo daqueles feitos há décadas?
Não é o registro imobiliário uma garantia de que o negócio era bom?
Adquire-se com base no registro ou em título aquisitivo?
O registro de imóveis decorre de atuação submetida ao regime de direito
administrativo, por atos a cargo de delegatários e com regência de cogentes
normas de direito. Se tal atuar for legal, justo e perfeito, encontra proteção no
sistema legal e de justiça, como um ato jurídico perfeito. Contudo, se contém
vício de legalidade, o Poder Público buscará os mecanismos legais pelos quais
possa controlar o ato e obrar para anular o registro do imóvel – pela via judicial
ou administrativa, no primeiro caso pela ação discriminatória de terras
devolutas ou ação anulatória e, no segundo, pelo procedimento regrado pela Lei
Federal n. 6739/79, que trata do cancelamento administrativo das matrículas e
dos registros juridicamente inexistentes, decorrentes de títulos nulos de pleno
direito.
Focaremos tanto na apropriação regular quanto na irregular (grilagem[212])
como modo de obtenção de imensas áreas rurais por particulares, sejam
pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, notadamente abordando o
momento exato e o meio pelo qual foram (ou deveriam ter sido) “destacados” do
patrimônio público! Esse é o ponto central da análise. Se o destaque for correto a
terra ingressará no patrimônio privado, caso contrário continuará sendo pública
em essência, não usucapível e sempre sujeita a ser discriminada, anulando-se os
atos praticados, o que envolve as terras devolutas e o tratamento que se lhe dão a
Constituição Federal e as normas pertinentes.
1 ORIGEM DAS TERRAS, NO BRASIL - AS TERRAS DEVOLUTAS
Abordar todas as nuances relativas à origem da propriedade das terras no
Brasil fugiria do propósito deste estudo e exigiria profundas considerações sobre
o Direito Português, que nos primórdios aqui foi aplicável, além da análise de
todos os aspectos legais que envolveram as Capitanias e as Sesmarias.
Na origem, a propriedade rural no Brasil remonta a Portugal, que nos
conquistou, fixando-se em 07 de junho de 1494 o seu termo inicial, quando em
Tordesilhas, na Espanha, foi assinado Tratado entre o rei português e o espanhol,
isso seis anos antes da data tida como do descobrimento. Ibraim Rocha[213] diz
que as “terras que hoje compõem o Brasil já pertenciam por direito a Portugal”
e que “toda propriedade privada no Brasil tem origem no patrimônio público”,
enquanto Antonio Moura Borges[214] se manifesta dizendo que ”por principio
todas as terras não tituladas [...] são consideradas como devolutas ou terras
públicas” e que ”a definição de terras devolutas deve ser feito por exclusão”,
vindo daí a ideia de propriedade privada, na modalidade de capitais hereditárias,
com os seus donatários podendo distribuir sesmarias e fiscalizar o uso da terra,
sem as poder vender ou partir - porque não eram donos.
Com o fim da concessão de cartas de sesmaria, por cerca de vinte e oito
anos o sistema de aquisição da propriedade privada deu-se pela simples
ocupação ou apossamento das terras, até que fosse editada a Lei 601/1850,
conhecida como Lei de Terras[215], que tratava a Terra Devoluta como a
“devolvida”, correspondendo ao comisso das sesmarias e concessões, quando
não cumpridas as condições fixadas, sendo importante lembrar que a citada
norma emprega a expressão “ao tempo da lei” , para definir as terras devolutas.
Grande parte do problema relacionado às terras devolutas decorreu da
Constituição de 1891, que as cometeu aos Estados[216], como fruto de uma
“descentralização imposta pelos redatores da Constituição Republicana de
1889/91, que quiseram desfazer a supercentralização do Império (1822-89),
para eles nociva ao país”[217]. Além disso, pensamos que tal medida fortalecia o
universo eleitoreiro dos politicamente afinados com o poder dominante, sem
planejamento, sem visão de futuro, bem ao modo do jeitinho brasileiro.
Ademais, o grilo faz parte da nossa história[218], como no instituto do
registro paroquial, que aceitava até declarações inexatas, num cadastro que não
conferia direito algum aos ocupantes das terras (art. 94)[219], embora haja até hoje
absurdos casos de registros paroquiais levados diretamente a registro no cartório
do RGI[220] (a propósito, esse desvirtuado uso do registro paroquial tem alguma
semelhança com os efeitos nocivos que alguns pretenderam extrair do Cadastro
Ambiental Rural – CAR - que também não é título aquisitivo de propriedade)
[221]
.
Inegável que a Lei de Terras de 1850 nos deu o critério da exclusão[222]
para compreensão do fenômeno e, por isso, são devolutas as terras não privadas
e às quais o poder público não deu fim público.
Como visto, é importante considerar que a Constituição Federal de 1988
somente cuida das terras devolutas não cometidas aos Estados membros desde a
Constituição de 1891, ou seja, das que integram os bens da União e sejam
“indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares,
das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em
lei”[223], havendo ainda regra cuidando da destinação das terras públicas e
devolutas, que deve ser “compatibilizada com a política agrícola e com o plano
nacional de reforma agrária”[224]
Já que o Constituinte fala do patrimônio da União (art. 188 c/c art. 20, II) é
crível que considere o momento do destaque da terra pública devoluta, que passa
então ao domínio privado (deixando, assim, de ser pública), o que parece revelar
um paradoxo, na medida em que cuida da destinação de terras públicas e
devolutas enquanto reserva para si as que são “indispensáveis” à defesa em
fronteiras e fortificações etc... Essa finalidade vincula-as ao fim público de
defesa, sendo por isso indisponíveis e inapropriáveis por particulares.
Apesar disso, a política de destinação de terras e de fomento e ampliação
da área produtiva exige novas oportunidades, particularmente nas novas
fronteiras agrícolas (como as terras do Matopiba[225]), como um revival das
migrações da “marcha para o Oeste” eternizada em filmes norte-americanos,
realidade também presente no Brasil.[226]
Assim, no tratamento das devolutas terras é fundamental que se observe a
legislação de cada Estado e se dê o tratamento correto, justo e perfeito, para que
a ocupação seja compatível com a segurança, incentivos verdadeiros,
planejamento e olhos no futuro, protegendo-se o meio ambiente (CF, 22, II, fine)
sem tolher o avanço do progresso, já que o país e o mundo cada vez mais
necessitam de alimentos.
Talvez pudéssemos idealizar um modelo que permitisse a injeção de
vultoso capital estrangeiro sem os riscos decorrente de falhas nos mecanismos de
controle sobre a venda de vastas e imensas áreas a não nacionais, já que no
Brasil há áreas de todos os tamanhos, inclusive com milhares de hectares – como
exemplifica a fazenda com cerca de duzentos e onze mil hectares[227], registrada
em cartório do Registro Geral de Imóveis do Oeste da Bahia – o que pode causar
natural desconforto se vierem a ser livremente passíveis de aquisição,
notadamente num momento em que países estão expandindo enormemente os
seus tentáculos na busca por terras, para aplacar a fome e não frear o seu
crescimento (como se noticia fazer a China, em ritmo voraz)[228].
1.1 DISCRIMINAÇÃO DE TERRAS DEVOLUTAS
Discriminação é o processo pelo qual se categorizam as terras devolutas,
distinguindo-se-as criteriosamente das particulares, já que muitas das vezes
“passaram e continuam passando, ilegalmente, ao domínio particular”[229],
sendo fundamental registrar que é mera ocupação/detenção e não posse o contato
de alguém com as terras públicas[230] e que, na essência, as terras públicas não
são usucapíveis, como expressa o art. 183, da Carta Política de 1988 - aqui
prevalecendo construção da Lei de Terras de 1850, como já visto - e o Código
Civil de 1916 (art. 67), reforçada pelo enunciado 340[231], da Súmula do E.
Supremo Tribunal Federal. Apesar disso, no mesmo sentido editou-se o Decreto-
lei 22.785, de 30.5.1933 e o Decreto-lei 9.760, de 05.10.1946 – a respeito do
qual o Tribunal Pleno do E. Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ACO
132/MT[232], sob relatoria do Min. Aliomar Baleeiro, decidiu que os bens
públicos imóveis não podem ser objeto de usucapião “ressalvados os casos de
praescriptio longis simi temporis, a de 40 anos consumada antes de 1917 e os
do art. 5º, e, do Dec.-lei 9.760/46”.
A ação discriminatória é dúplice[233] e a sentença tem natureza
declaratória[234], motivo pelo qual “é imprescritível, o que intimamente se
relaciona com a impossibilidade de serem usucapidas as áreas discriminandas”,
já que ”não discriminada é indisponível e sobre ela não corre prescrição”[235].
Em sentido contrário, Marcos Afonso Borges[236] a vê como condenatória.
Pensamos ser declaratória a natureza da Sentença, já que o julgamento expressa
a essencial qualidade de público domínio sobre a área de terra em questão, sendo
este o punctum saliens da pretensão deduzida em Juízo, sobre o qual se faz o
pronunciamento judicial, sendo bastante a força declaratória de que a coisa é
pública[237], o que nega a aparência de área privada[238] e a pretensão de
usucapião. A respeito já pudemos nos expressar, dizendo:
Que paradoxo: o Estado-administração formulará pedido por um
pronunciamento judicial que “declare” se a terra é pública ou particular, no
primeiro caso com uma conseqüência que é a desconstituição da aparente
propriedade privada, mas sem que isso corresponda a uma eficácia
desconstitutiva daquela Sentença. O interessante é que esse reflexo
desconstitutivo para uma parte não equivale à natural carga constitutiva em
favor da outra, como seria natural nas ações tipicamente constitutivas.[239]
Ao falar em Direito Administrativo invocamos o império das potestades
administrativas e o modo de avaliação do regime das nulidades, de onde se
conclui que, nos atos nulos de pleno direito, como ensinam os administrativistas
espanhóis Eduardo Garcia de Enterría e Tomás-Ramon Fernández[240], há “um
caráter geral ou erga omnes da nulidade e impossibilidade de repará-lo por
confirmação ou prescrição”, enquanto Odete Medauar[241] registra que a
anulação tem efeitos “ex tunc”. Celso Antonio Bandeira de Mello[242] aborda os
atos inexistentes e diz que “Consistem em comportamentos que correspondem a
condutas criminosas, portanto, fora do possível jurídico e radicalmente vedadas
pelo Direito” e Diogo de Figueiredo Moreira Neto[243] ensina que “a inexistência
é o não ser”, tendo o ato mera aparência de válido”.
Além disso, o lúcido pensamento de Pontes de Miranda[244] muito auxilia o
intérprete, quando diz que “a respeito de conter, ou não, o Código Civil regras
jurídicas de direito administrativo (portanto, heterotópicas), e de poder alguma
regra de direito civil ser invocada como subsidiária do direito público,
especialmente administrativo, tem havido graves confusões, provenientes de
leituras apressadas de livros estrangeiros [...] No art. 1º, diz-se que o Código
Civil regula “os direitos e obrigações de ordem privada”, de modo que é o
fundo comum para o direito civil e o comercial; porém não para o direito
público” (nossos os grifos).
O sistema, sob regência de princípios e regras de direito administrativo,
não admite efeitos ou vigência de ato nulo, razão pela qual há de ser expurgado.
Nesta senda, José Sérgio Monte Alegre[245] já escreveu que “A administração
não pode anular seus próprios atos quando deles resultarem direitos subjetivos
em favor do administrado ou de terceiros, mormente muitos anos depois, salvo
os casos de atos nulos de pleno direito, equivalentes a atos inexistentes” (nossos
os grifos) e é por isso que a sentença na ação discriminatória declara pública a
área discriminanda, qualidade que, aliás, sempre ostentou.
2 CADEIA REGISTRAL – REGISTRO CAUSAL – TÍTULOS
REGISTRÁVEIS – REGISTROS E MATRÍCULAS NÃO SURGEM DO
NADA
O sistema de propriedade brasileiro é de cadeia registral, onde nada surge
do nada[246] e a proteção formal é tão grande que mesmo os títulos judiciais
transitados em julgado têm o ônus de satisfazer aos requisitos registrários.
[247] [248]
`
Aliás, a natureza declaratória da ação discriminatória se reflete
diretamente na necessidade de severo controle e aferição da boa base
documental, pois a nulidade causal se perpetua, por equivaler a ato inexistente
juridicamente, sendo mais do que nulo e, portanto, não produtor de qualquer
efeito jurídico. Aliás, ato nulo e inexistente não se convalesce[249], não admitindo
a cura, a correção ou a purgação dos seus vícios, na forma do art. 169, do Código
Civil brasileiro vigente.
Outro importante foco de análise diz respeito ao cancelamento
administrativo da matrícula e do RGI, pela Lei 6739/79, mesmo em caso de
registro decorrente de Sentença Judicial (pensamos que sem efeito retroativo
e a partir do acréscimo em comento, decorrente da Lei 10267/2001, que
modificou a Lei 6739/79 - isso se admitirmos que uma decisão administrativa
possa desconstituir a “coisa julgada”).
Importante observar que o titular da área em cujo nome esteja inscrito o
registro do título aquisitivo tanto poderá defender-se pela via administrativa
quanto pela judicial, conforme o caso.
Além disso, convém lembrar que o registro de imóveis surge com o
advento do Código Civil de 1916 (CC/16, art. 530 c/c 532, 859, 533, 532 e 831)
e que o registro dos atos de aquisição de direitos sobre a terra surgiu com o
chamado “Registro do Vigário” (Lei 601, de 18.9.1850 c/c Regulamento 1318,
de 30.01.1854, com efeito estatístico e eficácia declaratória), embora o registro
das aquisições e ônus reais tenha surgido com a Lei 1237, de 24.9.1864 c/c
Decreto 3453, de 26.4.1865, aprimorando a pretensão anterior de inscrição as
hipotecas pela Lei Orçamentária 317, de 21.10.1843 (curioso ver e perceber que
antes da valorização e proteção da terra se cuidou do crédito e de se o garantir).
Depois vieram outras normas até que em 1890 introduziu-se o Registro
Torrens[250]´[251], que permite “um registro impecável, de uma perfeição
absoluta”[252] e que serve para proteger tanto o patrimônio público quanto o
privado. Ademais, curiosamente não “pegou” em todo o Brasil, sendo um dos
motivos pelos quais ainda sofremos com a insegurança do sistema e a tal ponto
que até há caso em que mesmo o inviolável registro Torrens já foi fraudado e
anulado.[253]
A sentença que julga o Torrens é de natureza constitutiva[254], com
presunção absoluta[255] (jure et de jure). Com ele não se tem de indagar da
validade ou não dos títulos anteriores, pois isso passa a ser irrelevante, na
medida em que a cadeia sucessória do imóvel já fora antes submetida à séria
análise.[256]
Temos dúvida[257] em atribuir ao usucapião tabular semelhante propósito, a
uma por sequer ser usucapião (já que se trata de “aquisição derivada”), a duas,
por não ser sanatório para todos os males e, por último, pelo fato de que não se
adquire imóvel com base no registro, como diz o legislador, mas em decorrência
de um título causal.[258]



3 O QUE É TÍTULO AQUISITIVO?
Título aquisitivo é o documento hábil a transmitir os direitos sobre bem, de
uma pessoa para outra, seja física ou jurídica, sob a forma de escritura pública
(de compra e venda ou doação), formal de partilha, carta de adjudicação, carta de
arrematação etc. É documento imprescindível para gerar o registro de imóveis,
no sistema jurídico brasileiro, que difere do alemão, no qual se baseou.
No sistema alemão há três elementos presentes na aquisição negocial: o
ato causal, o acordo real e a inscrição. No primeiro (o ato causal -
causalgeschäft) ocorre o negócio obrigacional, no segundo (o acordo real -
einigung) se tem a transmissão e aquisição do bem e, no terceiro, ocorre a
inscrição (eintragung) do acordo real, com eficácia erga omnes, mediante as
anotações no registro de domínio do bem.[259] Aliás, no sistema alemão o registro
é feito apenas após a “depuração do título em processo sumário, que corre
perante os juízes do registro imobiliário”.[260]
No direito brasileiro o contrato não acarreta a transferência do domínio,
apenas efeitos obrigacionais, remetendo-se o efeito real (equivalente ao einigung
ou acordo real, do direito alemão) ao registro do título aquisitivo no cartório do
registro de imóveis. Assim, no Brasil o registro - e a transmissão que produz -
não é abstrato e autônomo em relação ao título aquisitivo, sendo por isso
considerado um ato causal.
Por tal motivo é fundamental que haja justo e perfeito título aquisitivo –
nos planos jurídicos de validade, eficácia e existência.[261]
De toda sorte, o título aquisitivo registrado pode ser questionado por via
administrativa (lei 6739/79) ou judicial, via ação discriminatória ou anulatória
ou quando presente vícios próprios do título (código civil, art. 169 e outros).
Assim, o registro de imóveis adotado aqui deve reproduzir e representar
com eficácia erga omnes o que consta no título aquisitivo, de forma que, se nulo
for o título aquisitivo causal, nulo será o registro que o representa.

4 LEI 6739/79 E O CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO DO RGI - OS
VÍCIOS E NULIDADES DO REGISTRO OU DOS TÍTULOS CAUSAIS
Diz o art. 214, da Lei n° 6015/73, que “As nulidades de pleno direito do
registro, uma vez provadas, invalidam-no, independente de ação direta”,
restando inalterada essa redação mesmo com os 05 (cinco) parágrafos que
foram acrescentados pelo art. 59, da Lei n° 10931/2004, e com a redação do
Parágrafo Único, do art. 1242, do novo Código Civil.
Assim, quando não for o caso de aplicação do art. 214 da Lei n° 6015/73,
inadequado pretender aplicar-se procedimentos previstos nos seus cinco
parágrafos (acerca da retificação de erro constante do registro, apontado por
interessado e desde que não causem prejuízo a terceiro, acrescidos pelo art. 59,
da Lei n° 10931/2004). Pensamos que essa motivação de ausência de prejuízo a
terceiro só se invoca (art. 214 da Lei n. 6015/73) para os casos de retificação por
erro do registro, não por cancelamento do registro por vício do título de
origem, já que é nulidade do próprio registro e não do título causal registrado.
[262]

Noutro foco de abordagem, já que nada surge do nada, a nulidade do


título aquisitivo tem alcance muito maior e contamina o registro ao qual deu
causa. Afrânio de Carvalho afirma que “as nulidades de pleno direito são
imprescritíveis, podendo ser invocadas em qualquer tempo”[263] (nossos os
grifos) e, a respeito, Pontes de Miranda[264] explicou que “não raro, os
particulares e o próprio Estado atribuem efeitos a atos jurídicos nulos, o que
torna indispensável a aplicação da lei pelo juiz”. (nossos os grifos)
Walter Ceneviva[265] se pronunciou no mesmo sentido, dizendo que “as
normas sobre a nulidade, quando for o caso, devem ser lidas em conjunto com
os requisitos de validade do negócio jurídico” e Pontes de Miranda[266] explicou,
com ímpar clareza, que ”o ato jurídico nulo é nulo para sempre, ainda que cesse
a causa da nulidade: o direito do tempo marca-o”, acrescentando[267] que “O
nulo é irretificável, como é o inexistente” e que “o nulo por ilícito não pode
convalescer”[268]. É importante ainda lembrar que já se decidiu que a“nulidade é
perpétua” [269], que “além de insanável, é imprescritível” e que os”atos jurídicos
nulos não prescrevem, podendo ser declarados nulos a qualquer tempo”[270].
Pela profusão de títulos nulos de pleno direito ou feitos em desacordo com
as normas de regência da matéria e diante do que se apurou na comentada CPI
da Venda de Terras a Estrangeiros (Congresso Nacional, 1967) editou-se a Lei
6739/79 que, aplicando-se aos imóveis rurais, alvitra a declaração de
inexistência e cancelamento da matrícula e do registro vinculados a títulos
juridicamente inexistentes. Observando o campo de aplicação da Lei 6739/79,
mais uma vez invocamos palavras do mestre Pontes de Miranda[271]: ”No direito
brasileiro inexiste a abstração causal; logo, se inválido for o negócio jurídico
que deu causa ao registro, a irregularidade projeta seus efeitos para o registro”.
Aliás, como o registro é ato administrativo, este tem que ser obviamente
legal, eficiente e moral, feito com impessoalidade e revestido da segurança
jurídica necessária e desejável (CF/88, art. 37)[272]. Assim, salvo melhor juízo,
não há conflito entre o teor do art. 1.245, § 2° e outras disposições legais que
tratam do sistema de nulidades.
Por fim, sobre a aplicação da Lei 6739/79, urge lembrar que o Superior
Tribunal de Justiça reconheceu que o cancelamento administrativo não contém
ilegalidade ou abuso de poder[273] e que o Supremo Tribunal Federal - além de
não a ter considerado inconstitucional[274] - recentemente assim se pronunciou
(Mandado de Segurança 32.227-AM, sob relatoria da Ministra Rosa Weber):
oportunizada à recorrente, em procedimento administrativo, a demonstração na
cadeia dominial acerca dos imóveis de que se reputa proprietária e falhando na
respectiva comprovação, não se vislumbra ofensa aos princípios do
contraditório e da ampla defesa, carecendo, portanto, a pretensão posta no
mandado de segurança [...] encontra-se em consonância com a legislação (Lei
n. 6739/79,art. 1º).
O desejo do sistema é que sejam bons, válidos e eficazes os atos jurídicos
(sendo, portanto, indesejáveis os atos antijurídicos, que são combatidos e
impedidos de ingressar no sistema e/ou de nele permanecer) e cada caso deve ser
analisado com profundidade.
5 DEFESA JUDICIAL OU ADMINISTRATIVA EM PROL DA
PERPETUIDADE DO REGISTRO
O ato administrativo é vinculado às normas de regência e a conduta do
gestor da coisa pública contém poucos traços de discricionariedade. Essa
conduta regrada, vinculada aos comandos da norma prévia e expressamente
autorizadora do atuar administrativo, é passível de controle pela própria
administração ou pelo Judiciário.
Em ambos os casos há de se avaliar profundamente os motivos para a
prática do ato, sendo sabido que estes integram o campo de análise da legalidade
do ato, pela teoria dos motivos determinantes.
Ademais, em sede administrativa hão de ser observados os elementos
intrínsecos e extrínsecos relacionados ao ato praticado, incluindo o teor de
portarias instauradoras de procedimentos administrativos, a tramitação de
processo administrativo interno, o contraditório e a ampla defesa, a
fundamentação dos pareceres, a eventual existência de parecer normativo e/ou
de minuta padrão da lavra das procuraturas, hipotético desvio de finalidade etc
Na esfera administrativa todos os meios de defesa se fazem presentes,
conforme o caso, incluindo o princípio da autotutela ou da tutela, que podem
ensejar recursos e a reavaliação da decisão administrativa adotada, sujeita que
será, também, aos embargos de declaração em sede administrativa.
Em sede judicial há espaço para cognição ampliada e de controle externo
preventivo ou corretivo da conduta administrativa, via qualquer medida judicial
oponível (inclusive o mandado de segurança, neste caso, por sua natureza, desde
que a hipótese concreta não exija cognição abrangente).
Além disso, sendo o princípio jurídico pedra angular do sistema e estando
os de Direito Administrativo expressados no texto constitucional, naturalmente
são todos aplicáveis e invocáveis, assim como a boa-fé, a razoabilidade, a
dosimetria das penas etc.
O normal é que os imóveis circulem em negócios praticados com total
boa-fé por adquirentes e investidores, os quais nem imaginam que são vítimas e
inocentes úteis num procedimento desde o início viciado – como exemplifica o
caso dos trinta e oito imóveis[275] “abrangendo um total de aproximadamente
6.065.879 hectares”[276], cujos registros e matrículas no RGI foram cancelados
pelo Provimento 04/81[277] da Corregedoria Geral do E. Tribunal de Justiça do
Estado da Bahia.
Este caso foi peculiar a ponto de ter sido tratado na CPI das Venda de
Terras a Estrangeiros (Congresso Nacional, 1967) e onde consta até que
estrangeiro usava o “Brasão da República Federativa do Brasil” nos
documentos particulares dos seus negócios com terras e que teria lesado cerca de
três mil conterrâneos seus, o que até motivou apuração em audiência pública no
Senado do seu país (EUA).[278]
A doutrina e a jurisprudência indicam vários casos de grilagem, como a do
cessionário e adjudicatário estrangeiro que teria recebido dos inventados
falecidos “todos os bens e imóveis situados em determinados municípios, bem
assim quaisquer outros situados no Estado da Bahia”[279], processos de
inventários julgados em prazos recordes, alguns em 48 horas[280] e o caso há
poucos anos julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, decidindo sobre ato
praticado no ano de 1921 e cujos graves vícios jamais se convalidariam (STJ,
AREsp 29.281-PR, Relator Ministro Humberto Martins - j. 24.8.2011, publ. DJe
26.8.2011):
12. Efetivamente, os títulos apresentados pelos apelantes delongam de titulação
efetuada de forma corrompida pelo Governo do Paraná, no ano de 1921
[...]Veja-se: Ementa: Terras da faixa de fronteira. Lei n. 2.597, de 12.9.55.
Essas terras pertencem ao domínio da União. Os Estados delas não podem
dispor. (STF – RE n. 52.331-PR – 2ª. Turma – Rel. Ministro Hermes Lima –
DJ 26.9.1963) Em Embargos, decidiu o Tribunal Pleno: [...] devem ser
interpretadas como legitimando o uso, mas não a transferência de domínio [...]
está fora de qualquer cogitação a validade da venda pelos Estados de terras
devolutas da zona fronteira, pois que se trata de venda a non domino. Sobre
este ponto não pode subsistir a menor dúvida quanto à invalidade do contrato.
[...]17. Daí o surgimento da Súmula n. 447 do Supremo Tribunal Federal (“As
concessões de terras devolutas situadas na faixa de fronteira, feitas pelos
estados, autorizam, apenas, o uso, permanecendo o domínio com a união, ainda
que se mantenha inerte ou tolerante, em relação aos possuidores”). 18. Logo,
pertencendo as terras em desate à União, não poderiam ter sido transferidas
pelo Estado do Paraná, o que demonstra a nulidade da transferência, que não é
passível de ratificação. Além do mais, por outro prisma, as terras públicas em
questão, são inalienáveis, indisponíveis e insuscetíveis de apropriação por
agente privado (nossos os grifos).
Outro recente caso de grande repercussão foi o teor da r. Sentença[281] de
outubro de 2011, com 21 laudas[282] e proferida pela 9ª Vara da Justiça Federal do
Pará, nos autos do processo n. 0044157-81.2010.4.01.3900, pela qual foi
cancelada “a maior grilagem do mundo”[283], onde consta “registro
ideologicamente falso [...] de uma suposta inscrição do imóvel no INCRA, que
nunca existiu. [...] averbou a pretensa inscrição na matrícula do imóvel com
fulcro, simplesmente, em uma guia DARF“ (nossos os grifos).
5.1 VEDAÇÃO À USUCAPIÃO DE TERRA PÚBLICA DEVOLUTA.
Muito já se falou sobre a vedação ao usucapião de terra pública, regrado
pela Constituição Federal de 1988 (artigo 183, Parágrafo 3º e 191) e pelo vigente
Código Civil (art. 102), renovando regra que o antigo já previa (CC/1916, art.
67) e que também já foi regulada pelo Decreto-lei 22.785/1933, pelo Decreto-lei
9.760/1946 e pela Lei de Terras de 1850.
Dada a especificidade do tema é importante conhecer o que a respeito diz a
doutrina especializada e citamos Silvia C. B. Opitz e Oswaldo Opitz[284] que
dizem que “A atual Constituição Federal proíbe usucapião de terras públicas
no parágrafo único de seu artigo 191, mas possibilita sua alienação e concessão
(CF, art. 188), com já vimos antes.” (n.g.) e que “não cabe usucapião das terras
públicas dominicais, entre elas as devolutas, se a área for superior ao módulo
rural da região” (ET, art. 98).[285] Portanto, pelo Estatuto da Terra poder-se-á
usucapir terra pública devoluta com área inferior ao regional módulo rural.
Quanto ao Usucapião Constitucional Rural[286], este só se aplica a imóveis
com área inferior a cinqüenta hectares (CF/88, art. 191) e preenchidas outras
condições.
Cláudio Grande Junior[287] nos deixa importante reflexão sobre essa
histórica opção constitucional e legal, ao dizer que “Se, por um lado, a
usucapião podia ser potencialmente benéfica aos pequenos sitiantes; por outro,
era fundamental limitá-la, visando impedir que grandes porções de terras
continuassem a ser arrancadas do acervo público para compor o patrimônio
individual de umas poucas pessoas” (nossos os grifos)
Outro importante instituto é a Legitimação de Terras Devolutas[288],
instituto previsto na Lei n. 6383/76 (art. 29), aplicável apenas aos imóveis rurais
com área contínua até cem hectares (aqui ousamos trazer reflexão, no sentido de
que esse instituto poderia ser revisto pela legislação e ganhar outro contorno
legislativo, possibilitando também ser adaptado para regrar áreas e prazos
maiores e, penso, nesse caso sem possibilidade de aquisição a qualquer título ou
transmissão dos direitos a terceiros[289], limitando-se o legitimado, nacional ou
estrangeiro, dessas áreas maiores aos cem hectares originalmente considerados, a
ter o direito de usar e fruir a terra – servindo também para aquecer o mercado, a
produção e o intercâmbio sobre tecnologia etc até que mais maduro esteja o
debate sobre a revisão da legislação sobre venda de terras a estrangeiros).
Entretanto, acima do bem e do mal há de se buscar a harmonização entre
as regras e os elevados interesses em jogo, focando-se com especial atenção nos
investimentos vultosos por vezes feitos no campo para a transformação de terra
nua em área produtiva (silos, estradas, irrigação, armazém, etc), sendo crível que
ninguém de boa fé investiria milhões em área que presumisse não possuir boa e
sólida documentação.
Assim, cada caso revela uma história única, que deve ser considerada e
valorizada, com base nos princípios formadores e informadores do sistema
pátrio, como a boa fé, a razoabilidade, a paz e a segurança jurídicas necessárias e
a preclusão dos prazos impugnatórios, etc. Como nos ensinou Moniz Bandeira,
“na história, como Oswald Spengler salientou, não há ideais, mas somente
fatos, nem verdades, mas somente fatos, não há razão nem honestidade, nem
equidade etc, mas somente fatos” [...] ”E palavras não mudam a realidade dos
fatos”.[290]
Se assim não se fizer podem surgir situações paradoxais, como o que
envolveu o desrespeitado direito aos frutos a que teriam direito os fazendeiros
que ocupavam a região onde passou a existir a Reserva Indígena Raposa Terra
do Sol.[291]
CONCLUSÃO
As hipóteses são tantas e geradoras de inúmeras dúvidas e críticos e
apaixonados debates, sendo crível e natural que se postule o usucapião da terra
titulada há anos como particular – repentinamente revelada pública – e, ao
argumento de que se trata de terra pública e, portanto, impossível de ser
usucapida[292], deve-se responder com o simples fato de que não poderia ter sido
grilada e estar documentada como se particular fosse, em evidente falha no
serviço público delegatário e nos demais mecanismos de controle estatal, de
forma que se pudesse analisar cada caso com a individualidade necessária para
lhe destacar os traços essenciais, com base nos princípios do sistema e na teoria
da aparência, naturalmente invocável.
Todavia, essa ainda é uma construção teórica e batalha por se vencer,
prevalecendo ainda e com robustez a tese do não cabimento do usucapião de
terra pública devoluta, a natureza declaratória da ação discriminatória de terra
devoluta e, naturalmente, o regime causal do registro de imóveis pátrio, que
exige correção no título de origem e do destaque da terra do patrimônio público,
de sorte que corretamente passe a integrar o de particular, sem se esquecer da
necessidade de proteção dos bens públicos dos entes federativos de todos os
níveis, da defesa do meio ambiente e da necessidade de readequação do sistema
de acesso de estrangeiros a bens imóveis para o agronegócio, sem que isso
importe em disposição de grandes áreas ou de abalo à soberania nacional, porém
permitindo a ampliação da área para produção de alimentos, novos negócios,
oxigenação da tecnologia, criação de novos empregos e de melhora na
arrecadação de tributos, o que poderia ser feito sem maiores debates ou
resistências de seguimentos mediante readequação do instituto da Legitimação
de Terras Devolutas[293] (Lei n. 6383/76, art. 29), como antes sugerimos.
Paralelamente aos temas suso referidos, é fundamental que se enfrente
seriamente os fundamentos e elementos de cada caso de tentativa de
cancelamento do registro e da matrícula do imóvel rural, fundado ou não em
nulidade ou qualidade do título aquisitivo, seja mediante defesa em sede
administrativa ou em âmbito judicial, pois é certo que a verdade está com a
decisão judicial que venha a ser proferida e não apenas com o ato administrativo
praticado pela Administração Pública que, decerto, com as falhas no seus
próprios mecanismos de controle e dos delegatários, ativamente contribui e
contribuiu para esse caos e insegurança jurídica.
Daí se vê como é importante o papel do Advogado para orientar o
adquirente do imóvel rural, diante desse emaranhado de leis e situações várias
que se vê no cotidiano. Investir em bom aconselhamento jurídico significa a
garantia de uma aquisição segura e sólida, de sorte a se permitir que sobre esse
sólido alicerce se possa erigir toda a cadeia produtiva, com a estabilidade
necessária aos crescentes bons negócios.
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Departamento da Polícia Federal/Delegacia Regional da Bahia, intitulado
“apropriação ilegal de terras do Estado da Bahia”.
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás: Autos da Ação Penal 44, de competência
originária do Tribunal de Justiça de Goiás - TJ-GO, onde foram réus juiz, ex-
senador e ex-deputados federais, advogados, serventuários e outros.
Certidão do RGI, datada de 02 de abril de 2.014, passada pelo Cartório de Goiás-
GO, certificando abertura de matrícula, com base em registro paroquial.
Tribunal de Justiça do Estado do Pará: Sentença da 9ª. Vara Federal do Pará,
proferida em 25.10.2011, nos autos do Processo 44157-81.2010.4.01.3900, com
21 laudas;
Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Corregedoria de Justiça das Comarcas do
Interior. Provimento Conjunto CJCI-CJRMB n. 10, de 17.12.2012 (TJPA, Diário
da Justiça 07.1.2013). Fonte:
https://www2.mppa.mp.br/sistemas/gcsubsites/upload/25/proviment__.pdf
(consulta em 08.10.2015, às 00:30h).
Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas: Autos do RMS 32227-AM.
STF, ERE 52331-PR, Rel. Min. Evandro Lins e Silva, DJ 30.3.1964.
STJ, RMS 9.372-SP, Rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, j. 19.5.2005 (DJ
13.6.2005, p. 285).
STJ, 3ª Turma, AGA 84.867-PR, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j.
27.8.1996, DJ 14.10.1996.
STJ, 3ª Turma, Resp 12.511-SP, Rel. MIn. Waldemar Zveiter, j. 08.10.1991, DJ
04.11.1991.
STJ, 3ª Turma, RMS 17.436/AM, Rel. Ministro Castro Filho, 3ª Turma, j.
29/06/2004, DJ 09/08/2004 p. 267.
TRF-1, 4ª Turma – Ac 19.207-DF 95.01.19207-5, Rel. Juíza Eliana Calmon, j.
19.4.2007, p 26.5.1997, DJ p. 37652
INTERNET:
Isto É – Economia. China compra terras no exterior em ritmo voraz. Edição
2526; 23.2.2018. site https://istoe.com.br/china-compra-terras-no-exterior-em-
ritmo-voraz/ - consulta em 18.5.2018, às 01:26h.
Isso aqui é Brasil, diz fazendeiro sobre grilagem de terras devolutas – Paulo
Peixoto, 10.10.2013. Folha de São Paulo na internet -
http://www1.folha.uol.com.br/ (acesso em 13.3.2014).
Projeto quer cancelar todos os títulos de terra do cerrado para acabar com a
grilagem. Publicado em 03.12.2014, às 17:23. Assina Fábio Lima (in internet,
fonte http://cidadeverde.com/noticias). Consulta em 29.8.2015, às 01:52h.
Arrozeiro quer prazo para colheita; site http://socioambiental.org/inst/esp/raposa,
consulta em 09.4.2014.
BBC Brasil, 27.5.2011 (08:12h). Interesse chinês em terras cria incômodo no
Brasil, diz “NYT” – , consulta em 08.20.2015, às 23:54h.
IG Brasília, 08.9.2011 (05:59:56). “Chineses e árabes procuram terrenos férteis
para produzir no País”, assina Danilo Fariello, Fonte https://www.google.com.br
(..) , consulta em 04.10.2015, às 21:01h.
Consultor Jurídico, Justiça cancela a maior grilagem do país, 19.11.2011, às
7:40h (íntegra da Sentença) fonte: http://s.conjur.com.br/dl/gleba-curua-
sentenca-cancelamento.pdf, consulta em 06.10.2015, às 17:59h.
Arrozeiros acatam ordem de sair da reserva raposa serra do sol, mas querem
indenizações e o direito de colher a safra, sob o título Os índios venceram,
publicada em http://revistagloborural.globo.com/ – consulta em 09.4.2014.
Gazeta do Povo. Investimento estrangeiro reforça potencial do Matopiba (assina
Luana Gomes). 14.6.2010,21:05h. Fonte
http://www.gazetadopovo.com.br/agronegocio; 25.10.2015, 17:03h.
TRF 1ª Região. 9ª Vara Federal do Pará. Cumprimento de Sentença. Fonte
http://processual.trf1.jus.br/ . Consulta em 30.8.2015, às 09.51h.
TRF 1ª Região. 9ª Vara Federal do Pará. Sentença. Fonte:
http://processual.trf1.jus.br/ . Consulta em 30.8
CAPÍTULO 11
CONTRATOS AGRÁRIOS E A
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

JOSÉ FERNANDO LUTZ COELHO
Advogado, Professor Universitário (UFSM), tendo sido professor da URCAMP,
UNIFRA e FADISMA. Mestre em Integração Latino Americana pela UFSM,
consultor jurídico na área imobiliária, Conselheiro Seccional da OAB/RS,
Membro da Comissão de Estudos de Direito Agrário e Agronegócio (CEDAA-
OABRS), autor de obras em direito agrário e imobiliário.

INTRODUÇÃO
Trinta anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que
inaugurou novo paradigma na lei positivada em relação à função social da
propriedade, imperativo que a doutrina se debruce e analise a situação atual da
relação dos contratos agrários, regidos e regulamentados pelo o Estatuto da
Terra, Lei n. 4.504/1964, e pelo Decreto n. 59.566/1966, em sobreposição com a
Constituição Federal de 1988. Em similitude, confrontamo-nos com uma
realidade social inteiramente nova. Não podemos ter a mesma compreensão da
função social da propriedade e seus reflexos nos contratos agrários, enquanto
instrumentos de realização de justiça social, trinta anos após 1988. Ainda mais,
impossível desconsiderar que a realidade do campo é inteiramente diversa a de
1964 e 1966, período em que foi positivada a legislação específica dos contratos
agrários.
Buscamos neste trabalho, portanto, enfrentar a problemática do
questionamento sobre o efetivo cumprimento por parte dos contratos agrários de
sua função social, instrumentos que são da função social da propriedade, em
tempos muito posteriores às normas que os regulamentaram, em uma nova
ordem constitucional que ingressa em sua terceira década sob a necessidade de
abordagem do direito agrário sob novos paradigmas.
Ocorre que, para análise do tema, necessária uma reflexão histórica da
evolução principiológica da função social da propriedade rural, indo do
paradigma privado do civilismo liberal até a diretriz integral da função social da
propriedade ditada pela Constituição de 1988 em seu caráter tridimensional
(econômico, social e ecológico), passando pelo prisma produtivista em que foi
promulgado o Estatuto da Terra.
Após, realizamos uma breve digressão sobre os contratos agrários
enquanto instrumentos para a função social da propriedade rural, de forma a
efetivamente cumprirem sua própria função social. Para isto, realizamos
apontamentos sobre a evolução do direito agrário enquanto disciplina autônoma
ordenada por um dirigismo contratual, reconhecendo-se a importância histórica
deste dirigismo.
Com isto, chegamos à problemática atual da legislação sobre contratos
agrários, especial o Estatuto da Terra e o Decreto 59.566/1966, em contraposição
ao advento da Constituição Federal de 1988 e a alteração na realidade do campo.
Realiza-se análise a respeito do dirigismo contratual estabelecido ainda na
década de 60, e se o rigor formal em sua aplicação resultará efetivamente no
cumprimento da função social destes contratos, especialmente a função social da
propriedade rural conforme estabelecida na Constituição de 1988.
Para tanto, realizamos breves observações sobre os rumos da
jurisprudência pátria no enfrentamento do problema, papel importante cumprido
pela jurisdição ao lapidar o conceito de função social para uma nova realidade,
destacando também a necessidade de se utilizar diretrizes teóricas sólidas para
análise de um quadro social no campo inteiramente novo, que é o que
enfrentamos hoje, trinta anos após a Constituição de 1988.
Concluindo a análise, e com fundamento dos marcos teóricos da teoria
neoagrarista e da tridimensionalidade da função social da propriedade rural,
sugere-se um novo enfrentamento das questões através de uma revisão
legislativa das normas reguladoras dos contratos agrários, conforme já orientado
pela doutrina e lapidado pela jurisprudência, especialmente do Superior Tribunal
de Justiça.

1 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL
Uma das conquistas essenciais das revoluções liberais do século XVIII,
para as quais adotamos didaticamente marco inicial na Revolução Francesa, foi a
conquista e cristalização do direito de propriedade.
Falamos, portanto, em conquista da propriedade no sentido ser um dos
fundamentos motores deste movimento histórico o anseio de uma classe
revolucionária, a burguesia, em conquistar o domínio da propriedade imóvel
individual enquanto direito formalmente acessível e amplamente garantido pelo
ordenamento jurídico. Até aquele momento, conforme aponta Albenir
Gonçalves[294], o pertencimento da propriedade imóvel era exclusivo à realeza e
ao clero, resultando em forte barreira à ascensão social e econômica da burguesia
enquanto classe emergente. O autor bem destaca que o anseio por instrumentos
jurídicos de proteção e garantia da propriedade imóvel individual foi um dos
pontos basilares das revoluções que sepultaram o Antigo Regime.
Doutra senda, falamos em cristalização no sentido de este movimento
histórico ter consolidado, por extenso interregno, o paradigma individualista e
privatista da propriedade, especialmente a propriedade imóvel. A propriedade
passou a ser compreendida como o mais amplo dos direitos reais, destinada
exclusivamente à satisfação dos desejos do proprietário individual. Este
entendimento do instituto da propriedade passou ser respaldado pelas
codificações empreendidas pelos países ocidentais. Nesta senda, o Código
Napoleônico, modelo maior do movimento codificador do Século XIX,
prestigiou de tal forma o instituto da propriedade que foi apelidado “Código da
Propriedade”, e o direito liberal do período pode facilmente ser compreendido
como um direito para proprietários[295].
A função exclusivamente privada outorgada à propriedade, em especial
atento à propriedade imóvel rural, passou a gerar evidente desordem social, à
imagem da efervescência revolucionária que havia dado origem às revoluções
liberais. Sintomático do período é o pensamento marxista, pregando a completa
abolição da propriedade privada[296].
Tornava-se palpável o desarranjo ocasionado pela ordem jurídica ao
outorgar função exclusivamente individual aos bens imóveis, ignorando que não
se tratavam estes de meros bens de consumo, submetidos inteiramente às
liberalidades de seus proprietários, mas verdadeiros bens de produção, bens que
movimentavam economias nacionais e permitiam ascensão social ou acirramento
de desigualdades. A propriedade rural, especialmente, possuía importância
essencial não apenas para uma ordem econômica justa, mas também à
subsistência e felicidade dos povos. A ordem jurídica e seus pensadores
confrontavam a realidade de que o direito de propriedade e os efeitos de seu
exercício possuíam profundos reflexos no desenvolvimento social, sendo a
propriedade imersa em responsabilidade coletiva.
É neste clima que se começa a romper a cristalização do direito de
propriedade enquanto função exclusivamente individual e privatista, e que
começa a se pensar no reconhecimento jurídico de uma função social da
propriedade. Premente, neste momento, a influência do jurista francês Léon
Duguit, o qual chega a afirmar que a propriedade não é um direito, mas uma
função social. Este pensador de direito público ressalvou que não pregava a
extinção da propriedade individual, mas que era necessário modificar toda a
noção jurídica sobre qual se fundamentava o instituto[297]. Ainda que não
exclusivamente pelas bases um tanto radicais deste pensamento, mas por uma
amálgama de reflexões acumuladas no “longo século XIX”, donde se incluem as
postulações de Diguit, os fundamentos do instituto da propriedade lentamente
passaram a se modificar.
No tocante à propriedade rural, não podia mais a ordem jurídica ignorar o
fato de a terra ser ao mesmo passo limitada e indispensável, sendo necessário
alguma forma de limite ou controle à sua utilização, evitando que a propriedade
rural ficasse relegada ao jogo imprevisível das forças sociais livres e do livre
arbítrio dos indivíduos, insulares em suas propriedades privadas.
As crises da modernidade, no início do século XX, e as necessárias
reformas decorrentes, passaram a aproximar os ordenamentos ocidentais do
reconhecimento de uma função social da propriedade. Assim foi, a título
ilustrativo, com a Constituição Mexicana de 1917, em seu artigo 27; a República
de Weimar, na Alemanha de 1919, artigo 153 daquela Constituição; no momento
pós-guerra, a Constituição Italiana de 1947, artigo 42; considerando ainda a
proteção ambiental como face da função social da propriedade, a Constituição da
Espanha de 1978, artigos 148 e 149; a Constituição Alemã de 1949, reformada
em 1972, artigos 24 e 74[298].
Neste momento, o paradigma inicial da função social da propriedade rural
era intimamente ligado com a percepção de improdutividade de imóveis rurais
como elemento nevrálgico de atraso econômico, de discrepância social e
violência. Já não era mais tolerável que um imóvel rural satisfizesse o
proprietário mas restasse improdutivo, gerando reflexos coletivos nefastos em
função de vontades individuais isoladamente consideradas. Giselda Hironaka
ilustra com perfeição este momento, afirmando que “insuportável é a
constatação da terra ociosa. Injusta e anti-social é a verificação da inércia do
bem que tem o dever, a função, a finalidade de alimentar a humanidade”[299].
A preocupação com a produtividade vinha também na esteira de uma
preocupação com um efeito colateral do paradigma privatista: a propriedade sem
controle externo permitia a destinação especulativa de imóveis rurais. Conforme
bem destaca o professor Luiz Ernani Bonesso de Araujo, a utilização
especulativa “[...] faz com que a propriedade rural, em vez ser um bem de
produção, torne-se apenas um bem de valor, em desacordo com os interesses
maiores da nação [...]”[300].
Inobstante, o Brasil do início do século XX, ainda herdeiro de profundos
atrasos econômicos e sociais, quase inteiramente ignorava normativamente o
debate quanto à função social da propriedade[301]. A propriedade continuava a ser
entendida como direito real amplo, absoluto, pleno e de livre exercício pelo
proprietário. A primeira modesta flexibilização foi admitida na Constituição de
1934, onde a norma nacional pela primeira vez possibilitou a lei alterar o
conteúdo da sociedade privada sujeitando-a ao interesse social.
A resistência normativa ao reconhecimento da função social da
propriedade rural restou firme até a década de 60, quando a turbulência social da
guerra fria tornou insustentável o tratamento à propriedade rural relegado pela
legislação pátria. É neste contexto que ocorre a promulgação do Estatuto da
Terra, Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, sob a égide do regime militar.
Inegável que o regime militar sofria profundas pressões internas e externas para
a alteração da legislação agrária no país, até então civilista em essência. Existia
profunda preocupação do novo regime inclusive pela emergência de conflitos
agrários, visualizados pelo governo militar como campo fértil para revoluções e
tensões sociais[302].
É neste momento que, finalmente, a propriedade rural passou a ter como
expressamente reconhecida e nítida a sua função social, então sob um paradigma
produtivista, com a implementação de um dirigismo contratual e a consagração
de uma verdadeira política agrária.
O Estatuto da Terra, em seu artigo 2º, caput e §1º, determina
expressamente que o direito de propriedade rural é condicionado pelo
cumprimento da função socioeconômica da mesma, mediante a observação da
exploração eficiente da terra, aproveitamento racional e observância das
disposições sobre conservação e reposição de recursos naturais renováveis.
Dessa maneira, mesmo que o Estatuto da Terra tenha sido elaborado antes da
Constituição Federal de 1988, a função social da propriedade, posteriormente
consolidada em caráter constitucional, já era considerada pelo legislador pátrio.
Posteriormente, e já alçada ao posto de um dos pilares do direito agrário, a
função social da propriedade foi tratada constitucionalmente sob o aspecto da
função social, elevada pelo legislador à condição de verdadeiro princípio
inserido no artigo 170, inciso III, da Constituição Federal de 1988, bem como no
artigo 5°, XXIII, artigo 182, § 2°.
O artigo 186, dentro do Capítulo III, Da Política Agrícola e Fundiária e da
Reforma Agrária, trata especificamente dos requisitos do cumprimento da
função social da propriedade rural, elencando de forma clara em seus incisos os
elementos da função social: o aproveitamento racional adequado; a utilização
adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, a
observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e a exploração
que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Referido artigo restou pendente de regulamentação, o que foi efetivamente
realizado pela Lei 8.629, de 23 de fevereiro de 1993. Os artigos 6º e 9º do
diploma, especialmente, discorrem acerca da regulamentação dos incisos do
artigo constitucional, elencando objetivamente como será determinado o
cumprimento da função social da propriedade rural. De grande relevo aos
estudos de direito agrário o fato que tal legislação positive objetivamente os
requisitos para que a propriedade rural cumpra a sua função social. Esta
legislação impede em definitivo que o artigo 186 da Constituição de 1988 torne-
se mera norma exclusivamente programática e utópica, impedindo que a função
social da propriedade rural fique relegada ao plano da abstração legal. Permite-se
de plano que tanto a jurisdição quanto o Poder Executivo exerçam o controle do
exercício do direito de propriedade rural[303].
Ressalva-se aqui que a função social da propriedade rural de forma alguma
resulta em negativa ao direito de propriedade. A função social introduz um
interesse preponderante, buscando que a propriedade rural seja um mecanismo
de justiça social. Ao determinar que a propriedade rural deverá atender sua
função social objetivamente considerada, o legislador constituinte condicionou o
exercício do direito ao cumprimento daquilo que hoje se entende dos requisitos
dispostos na Constituição, reservado que a conceituação da função social da
propriedade sofre mudanças históricas acompanhando as transformações das
relações econômicas, de trabalho e culturais de uma sociedade, deixando a
propriedade em perpétua condicional de respeito ao interesse coletivo.
O direito de propriedade obriga, e, na elegante definição trazida do direito
alemão, quando se pensa em direito de propriedade rural é preciso pensar numa
liberdade cunhada normativamente (normeprägte Freiheit)[304].
É nesta senda que cumpre trazer à baila o estudo de Darcy Walmor Zibetti,
que estabelece em sua obra três princípios universais que se coadunam com a
teoria tridimensional da função social da terra-espaço rural: o princípio
econômico, como o incremento racional da produção; o princípio social, com a
distribuição equitativa da riqueza ou bem-estar social rural; e o princípio
ecológico, com a conservação dos recursos naturais renováveis[305].
A interligação entre os três princípios expostos por Zibetti nos permitem
chegar a uma propriedade rural que cumpre sua função social, sendo motor
econômico ao mesmo tempo em que instrumento de paz e justiça social, bem
como instrumento de defesa do meio-ambiente. Esta teoria, mais adaptada aos
novos tempos e à Constituição de 1988, supera tanto o paradigma privatista
quanto o produtivista para consagrar a função social da propriedade rural na
integralidade de suas dimensões.
Tendo como definida a função social da propriedade rural, com
fundamento legal do exposto no artigo 186 da Constituição Federal de 1988 e os
requisitos esposados pela Lei 8.629, bem como sólida base teórica na teoria
tridimensional da função da terra no espaço rural de Darcy Walmor Zibetti,
imperativo considerar os contratos agrários como instrumentos para
cumprimento da função social da propriedade rural em todos os seus eixos
(econômico, social e ecológica).
É nesta oportunidade que surge a problemática da dialética entre o
dirigismo contratual implementado em 1964, com o Estatuto da Terra e sua
realidade, com a Constituição de 1988 e a realidade onde, trinta anos após a
promulgação da mesma, hodiernamente nos encontramos.


2 A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS AGRÁRIOS
Adequado, antes de analisar a função social dos contratos agrários, realizar
breve síntese histórica da evolução do dirigismo contratual agrário no direito
pátrio, evolução normativa esta que resultou no reconhecimento da função social
dos contratos agrários através do Estatuto da Terra em 1964. Justamente é tal
função social que em parte se buscava cumprir através de um dirigismo
contratual por parte da legislação.
No Brasil, a aprofundada disparidade contratual entre o trabalhador rural e
o proprietário da terra tem relação com a mal planejada transição entre uma
economia escravocrata para uma baseada no trabalho livre. A introdução do
trabalho livre no campo ocorreu sob as regras da Lei de Terras, que restringia a
aquisição das terras apenas através de compras junto ao governo. Logo,
introduzia-se uma dupla barreira à aquisição de terras: o dinheiro, obviamente,
mas também a boa relação com os governantes responsáveis pela venda da terra.
A profunda restrição infligida sobre o acesso à terra, especialmente em
regiões mais pobres, não apenas agravou a hipossuficiência do homem do campo
diante dos proprietários, mas também favoreceu o surgimento dos contratos de
parceria e arrendamento, dois dos mais clássicos modelos contratuais no direito
agrário pátrio. Tais contratos eram proveitosos a ambas as partes, bem verdade
que em diferentes medidas.
Ao proprietário, permitia a conservação de sua propriedade com a
utilização da terra e alguma margem de lucro. Ao trabalhador, servia como
mecanismo de ajuste à carência de pequenas propriedades, permitindo sua
subsistência. Inobstante, é visível que este arranjo social na formação dos
contratos agrários resultava em engessamento da hierarquia social, utilizando-se
os proprietários quase livremente dos trabalhadores rurais, aproveitando-se da
influência de sua condição, permitida pela quase irrestrita liberdade contratual.
Por longo período os contratos agrários foram regidos pela legislação civil.
Com o Código Civil de 1916, as relações contratuais agrárias passaram a ser
ordenadas pelo ordenamento civil através das disposições especiais aos prédios
rústicos (arrendamento rural) e à parceria rural (agrícola e pecuária). Entretanto,
o entendimento essencialmente urbano, fortemente calçado no princípio liberal
do pacta sun servanda, não abrangia idealmente a realidade do campo. Neste
modelo, as normas eram de caráter eminentemente dispositivo, com ampla
liberdade contratual. Ignorava-se totalmente não apenas a hipossuficiência do
trabalhador rural frente ao proprietário, mas a própria importância econômica e
social dos contratos agrários. Acabou-se, assim, por agravar a estrutura de
concentração fundiária. Não se pensava em um dirigismo visando o bem da
coletividade. Imperava a autotutela dos interesses privados, causando
disparidades sociais, como bem destaca João Sidnei Duarte Machado:
Em suma, durante a vigência do Código Civil, isto é, antes do nascimento do
Estatuto da Terra, a parceria consubstanciava-se em um contrato onde
imperava a autonomia da vontade, deixando abertas as portas para a efetivação
de procedimentos injustos, do que é exemplo a fixação de cotas de participação
do outorgante nos frutos em proporções elevadas, configurando verdadeira
exploração do parceiro trabalhador.[306]
Nesse sentido, perfeita a colocação de Hironaka, no sentido da necessidade
nacional de:
[...] uma legislação especificamente agrária que disciplinasse a matéria, sem
dissociá-la da realidade social, tornava-se cada vez mais premente à medida
que profundas transformações operavam-se no meio rural. As crises que
abalaram nossa agricultura, nosso país e o mundo todo, de modo geral,
impunham a necessidade de substituição das normas fundamentadas na
doutrina da autonomia da vontade (e que, na realidade, só protegiam os
interesses do proprietário), por outro, que atentassem para os aspectos sociais
do problema, visando antes de tudo o homem, e, a seguir, o uso adequado da
terra, a preservação de recursos naturais, respeitando o princípio da função
social da propriedade.[307]
O objetivo de uma legislação agrária nacional que abrangesse a realidade
social e a premente necessidade de reconhecimento do princípio da função social
da propriedade foi alcançado com o Estatuto da Terra, a Lei n. 4.504/1964, que,
para além da supra mencionada função socioeconômica da propriedade, trata no
Capítulo IV do uso ou da posse temporária da terra, abordando na sua seção I os
contratos agrários. Novas alterações na regulamentação dos referidos contratos
ocorreu através da Lei n. 4.947/1966. Ambas as legislações encontram-se
atualmente regulamentados pelo Decreto n. 59.566/1966.
A nova legislação trouxe novo enfoque à disciplina, verdadeiramente
inaugurando o direito agrário como disciplina autônoma em termos legais. As
normas de caráter supletivo deram lugar às de ordem pública. O novo dirigismo
contratual percebido nos contratos agrários buscava uma exploração eficiente e
correta do campo, preservando os recursos naturais e protegendo o até então
desamparado trabalhador rural. A proteção ao homem do campo foi aprofundada
com o alinhamento dos contratos agrários aos princípios gerais dos contratos e as
cláusulas gerais trazidas pelo Código Civil de 2002[308] e os princípios
trabalhados por décadas pela doutrina especializada. Nesse sentido é o
ensinamento de Ribeiro Machado:
[...] as normas de Direito Agrário dão ao contrato agrário características
próprias. Não é um simples acordo de vontade entre as partes contratantes. O
Estado, atendendo ao interesse coletivo, ao interesse geral da sociedade, traçou
normas obrigatórias e imperativas, as quais as partes devem se subordinar.
Acima do acordo de vontade estão as normas prefixadas em lei.[309]
É nesse sentido que surge a limitação da autonomia da vontade nos
contratos agrários, sancionando com nulidade as cláusulas que contrariam as
disposições legais imperativas. Trata-se, este dirigismo contratual inaugurado
pelo Estatuto da Terra, de reconhecimento pleno da função social dos contratos
agrários, reconhecidos naquele momento pela lei como instrumentos de
exercício e defesa da função social da propriedade rural.
Inegável que a função social da propriedade não pode restar isolada ao
bem tutelado, devendo o princípio ser estendido aos contratos, cujos efeitos são
instrumentais na efetividade da função social da propriedade. O papel
instrumental dos contratos na realização de objetivos programáticos
constitucionais, dos quais se incluem a função social da propriedade rural,
também é realçado por Cassiano Portella Ceresér:
O mercado, importante componente na busca do desenvolvimento, é composto
de inúmeras relações econômicas que se propagam por meio dos contratos.
Nessa linha, os contratos nada mais são do que os instrumentos de viabilização
do desenvolvimento almejado. E os contratos agrários, seja pela relevância
ambiental dos bens que são objeto de sua exploração, seja pela sua natureza
jurídica (negócios jurídicos), tem importante papel na efetivação desse objetivo
traçado pelo Estado.[310]
É nesta senda que o legislador pátrio impôs restrições à liberdade de
contratar, primando pela supremacia da ordem pública nas relações agrárias. O
dirigismo nos contratos agrários é profundamente ligado à função social da
propriedade, que dimensiona a importância e o caráter público da propriedade e
das relações jurídicas que a envolvem. Recordamos, novamente, as três
dimensões da função social da propriedade na teoria de Zibetti: a função
econômica, a função social e a função ecológica. É sob iguais fundamentos que
deve ser analisada a função social dos contratos agrários. Em igual tom, é
perfeita a lição de Liane Tabarelli, ao afirmar que “Portanto, o exercício dos
direitos está condicionado a ditames éticos, os quais contemplam, a um só
tempo, o atendimento de necessidades ambientais, sociais e econômicas”[311].
O legislador do Estatuto da Terra, bem como das normas posteriores até a
Constituição de 1988, instituiu o dirigismo contratual esposado naquelas normas
sob um prisma absoluto. Sob o seu ponto de vista, o proprietário da terra seria,
sempre e necessariamente, a parte privilegiada que, valendo-se de sua posição,
poderia impor ao arrendatário ou ao parceiro outorgado disposições abusivas e
lesivas, estabelecidas sem uma justa e equânime negociação. Com tal
fundamento, o legislador estabeleceu um conteúdo mínimo aos contratos
agrários, presumidos no silêncio das partes, bem como uma série de cláusulas
obrigatórias, impondo pena de nulidade a qualquer estabulação em contrário
pelas partes. Tais cláusulas alcançam, em maior parte, questões como o prazo
dos contratos agrários e os valores a serem pagos ao proprietário do imóvel rural.
Exemplo deste dirigismo contratual, fundamentado na presunção estanque
de hipossuficiência do arrendatário/parceiro outorgado, enfim daquele que não
detém a propriedade, é o artigo 95 do Estatuto da Terra, que, combinado com o
artigo 21 do Decreto 59.566/1966, estabelece como sendo o mínimo admissível
para a duração dos contratos de arrendamento e parceria o período de três anos.
Evidente o intento legislativo de proteger a parte mais débil na relação
contratual, assegurando-lhe um prazo mínimo para permanecer na terra e fazer
com que ela cumprisse a sua função social.
Subsumida na presunção de hipossuficiência do legislador, encontra-se
outra presunção absoluta adotada pelo Estatuto da Terra e o Decreto
59.566/1966: a de que a terra possui valor máximo enquanto bem de produção
no meio rural, sendo aquele que detém a sua propriedade parte com superior
influência e controle sob o estabelecimento do contrato.
Neste sentido, imperativo reconhecer a importância do dirigismo
contratual nos contratos agrários determinado pelo Estatuto da Terra e o Decreto
59.566/1966. É inegável que as garantias fornecidas pela lei à parte
hipossuficiente na década de 60 permitiram um balanceamento nas relações
contratuais agrárias, efetivamente permitindo aos contratos agrários cumprir sua
função instrumental de meio para realização da função social da propriedade.
Inobstante, vinte e quatro anos após o Estatuto da Terra, esta legislação foi
recepcionada por uma nova ordem constitucional. Esta ordem constitucional,
inaugurada pela Constituição Federal de 1988, supera o paradigma quase
exclusivamente produtivista do Estatuto da Terra, efetivamente consagrando um
paradigma tridimensional, englobando a necessidade não apenas de produção,
mas também de justiça social e proteção ambiental.
Hoje, trinta anos depois da promulgação da Constituição Federal de 1988,
necessário que questionemos se o dirigismo contratual da década de 60 permite,
de fato, cumprir a integralidade do eixo axiológico da função social da
propriedade rural, sob a ótica de uma doutrina avançada conforme uma nova
realidade econômica, social e ambiental.
3 CONTRATOS AGRÁRIOS E A FUNÇÃO SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO
DE 1988: NOVOS PARADIGMAS E A NECESSIDADE DE NOVAS VISÕES
Resta dúvida, portanto, quanto à efetiva aplicação da legislação sobre
contratos agrários, especial o Estatuto da Terra e o Decreto 59.566/1966, diante
do advento da Constituição Federal de 1988 e a alteração na realidade do campo.
O regime de dirigismo contratual inflexível se coaduna com o que atualmente
entendemos sobre a função social da propriedade rural, considerada na
integralidade de suas dimensões? Seria possível persistir com a presunção
absoluta de hipossuficiência da parte não proprietária nas relações contratuais
agrícolas?
Imperativo que se reconheça que a proteção ao homem do campo não pode
se traduzir em mero favor legis, desconsiderando a base axiomática desta
proteção (função social da propriedade em âmbito econômico, social e
ecológico) e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Lembra-se
que o direito de propriedade rural é liberdade cunhada normativamente, mas não
pode se perder de vista as bases normativas constitucionais desta cunhagem.
A dúvida nos contratos agrários, mais do que elemento de insegurança
jurídica, acaba por restringir a prática contratual pelos próprios elementos de
instabilidade gerados pela insegurança sobre o tema. Nesse sentido, o ponto de
partida para uma resposta sólida para as questões levantadas é uma base teórica
adequada para o atual momento do direito agrário, afastando tanto a
individualidade exacerbada do civilismo liberal no paradigma privado quanto o
engessamento e restrição da visão que vê o direito agrário como uma série de
favores legais aos produtores no paradigma produtivista, tido nestas como partes
sempre hipossuficientes.
Clara a necessidade de adequação para as novas realidades do campo, em
tempos de globalização, mecanização e capitalização do campo. O que se deve
buscar é uma funcionalidade social, utilizando o direito como mecanismo de
aproximar o campo de seu potencial teórico: de produtividade econômica, de
repostas em resultados sociais, de proteção do meio ambiente. Nesta senda,
trazemos entendimento já manifestado em outras obras sobre mesmo tema[312]:
Se as normas legais aplicáveis ao caso concreto estão inflacionadas,
desadequadas, se destoando de uma nova realidade social e econômica, o
momento é de reflexão, mas com objetivo de construir novas tendências que
possam de forma adequada, justa e equilibrada, discernir as controvérsias
existentes que em determinadas hipóteses estão em choque com a legislação
(Estatuto da Terra/Regulamento), ou são lacunas não apreciadas pelo
legislador, ou teria o regramento legal de 1964 e 1966, previsto novas
tendências principiológicas, o avanço tecnológico, a clonagem, os
transgênicos, o agronegócio.
Hodiernamente, e ao contrário do que foi a pressuposição legislativa
prévia a 1988, não se pode admitir como indiscutível a necessária coincidência
entre o não proprietário e um hipossuficiente econômico. Atualmente,
incontroverso o fato de que atuam no campo diversas forças econômicas, muitas
vezes com a atuação de grandes empresas, inclusive transnacionais, na qualidade
de não proprietárias em contratos agrários[313].
Digamos, por exemplo, que uma empresa internacional com grande aporte
econômico realize contrato de arrendamento com um proprietário de terras
enquanto pessoa física. As cláusulas obrigatórias elencadas no Estatuto da Terra
e Decreto 59.566/1966, neste caso são excessivamente onerosas ao proprietário,
parte hipossuficiente na relação contratual ilustrada. Acordam as partes em
contrariar o conteúdo mínimo e cláusulas obrigatórias elencada na legislação
agrária. Posteriormente, a empresa não proprietária invoca a proteção do
Estatuto da Terra em juízo, o que ocasionaria enorme prejuízo ao proprietário.
Como deve decidir a jurisdição pátria em casos similares é questão em franco
debate.
Tomemos, por exemplo, recente decisão, em sede de Recurso Especial,
onde a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu acerca da
abrangência do direito de preferência concedido ao arrendatário rural pelo artigo
92, § 3º, do Estatuto da Terra. A divergência suscitada dizia respeito à
aplicabilidade do dispositivo em favor de pessoas jurídicas empresárias de
grande porte econômico, que no caso concreto apreciado pela Corte era
arrendatária. Tratava-se o caso de contrato entre o espólio de um proprietário
rural e uma sociedade agropecuária, contrato esse denominado pelas partes de
“contrato de locação de pastagens”. Havia, no instrumento contratual, cláusulas
que expressamente refutavam a qualificação de arrendamento rural e a aplicação
do Estatuto da Terra, submetendo-o ao regime do Código Civil. Poucos meses
após a celebração do contrato, o prédio rural foi transferido para outra sociedade
empresária, em dação em pagamento. Foi feita, da parte dos arrendatários, uma
oferta de compra do imóvel rural, que restou frustrada pelo fato do atual titular
proprietário haver aceitado outra oferta. A sociedade que arrendava o terreno
ajuizou, então, uma causa de preferência alegando aplicação do Estatuto da
Terra, em particular o artigo 92, § 3º.
O Superior Tribunal de Justiça, seguindo voto do relator Paulo de Tarso
Sanseverino, entendeu pela inaplicabilidade das cláusulas protetivas ao
arrendatário do microssistema do Estatuto da Terra. Tal entendimento é louvável,
ao transpor adequadamente o espírito legislativo de 1964 a uma nova realidade e
uma nova ordem constitucional, apontando que as normas protetivas do Estatuto
da Terra seria m aplicáveis exclusivamente àqueles que exploram pessoal e
diretamente a terra, no teor do artigo 38 do Decreto 59.566 de 1966. Solução
elegante adotada pela Corte, mas ainda controversa perante a doutrina e a
própria jurisprudência. Cumpre trazer à baila inclusive o acórdão resultante do
perfeito voto do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, tamanha sua relevância
para o tema em debate:
RECURSOS ESPECIAIS. CIVIL. DIREITO AGRÁRIO. LOCAÇÃO DE
PASTAGEM.
CARACTERIZAÇÃO COMO ARRENDAMENTO RURAL. INVERSÃO
DO JULGADO. ÓBICE DAS SÚMULAS 5 E 7/STJ. ALIENAÇÃO DO
IMÓVEL A TERCEIROS. DIREITO DE PREFERÊNCIA. APLICAÇÃO DO
ESTATUTO DA TERRA EM FAVOR DE EMPRESA RURAL DE GRANDE
PORTE. DESCABIMENTO. LIMITAÇÃO PREVISTA NO ART. 38 DO
DECRETO 59.566/66. HARMONIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO
SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA JUSTIÇA SOCIAL. SOBRELEVO DO
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA SOCIAL NO MICROSSISTEMA NORMATIVO
DO ESTATUTO DA TERRA.
APLICABILIDADE DAS NORMAS PROTETIVAS EXCLUSIVAMENTE
AO HOMEM DO CAMPO. INAPLICABILIDADE A GRANDES
EMPRESAS RURAIS. INEXISTÊNCIA DE PACTO DE PREFERÊNCIA.
DIREITO DE PREFERÊNCIA INEXISTENTE.
1. Controvérsia acerca do exercício do direito de preferência por arrendatário
que é empresa rural de grande porte.
2. Interpretação do direito de preferência em sintonia com os princípios que
estruturam o microssistema normativo do Estatuto da Terra, especialmente os
princípios da função social da propriedade e da justiça social.
4. Proeminência do princípio da justiça social no microssistema normativo do
Estatuto da Terra.
5. Plena eficácia do enunciado normativo do art. 38 do Decreto 59.566/66, que
restringiu a aplicabilidade das normas protetivas do Estatuto da Terra
exclusivamente a quem explore a terra pessoal e diretamente, como típico
homem do campo.
6. Inaplicabilidade das normas protetivas do Estatuto da Terra à grande
empresa rural.
7. Previsão expressa no contrato de que o locatário/arrendatário desocuparia o
imóvel no prazo de 30 dias em caso de alienação.
8. Prevalência do princípio da autonomia privada, concretizada em seu
consectário lógico consistente na força obrigatória dos contratos (“pacta sunt
servanda”).
9. Improcedência do pedido de preferência, na espécie.
10. RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS.
(REsp 1447082/TO, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 10/05/2016, DJe 13/05/2016)
O entendimento acima exposto ilustra uma nova realidade no campo, em
que a relação de poder e hipossuficiência não pode ser analisada sob o
pressuposto subsumido pelo legislador de 1960, de que a propriedade da terra
seria o elemento produtivo essencial na disparidade contratual. Como ilustram
autores mais contemporâneos, na esteira de Alves et. al., na agricultura atual o
valor da terra está perdendo expressão em relação ao capital. A influência da
terra no aumento da renda bruta seria pequena em comparação à influência dos
insumos tecnológicos, sendo os últimos responsáveis pelo efeito dos
rendimentos[314]. Desta forma, a hipossuficiência em relações agrárias pende para
aqueles que não possuem o capital necessário para arcar com os custos técnicos
e tecnológicos para uma produção mecanizada e tecnologicamente avançada.
A elegante solução ilustrada pela jurisprudência tem sido utilizar os
mecanismos internos da legislação dos contratos agrários para melhor coadunar
a mesma a uma realidade para a qual não estava preparada na década de 60. É
de se pensar como aplicar uma legislação agrária muitas vezes ultrapassada,
quando o hipossuficiente na relação contratual é proprietário, mas não o detentor
de tecnologia para a produção.
Nesta esteira, inclusive no exame constitucional de lei pretérita à
constituição, essencial que sejam observadas as alterações das relações
econômicas e sociais. Cabe ao juiz controlar a constitucionalidade determinando
se o legislador observou os limites estabelecidos à lei em Constituição. Tais
limites, conforme supra estabelecido conforme a teoria de Zibetti é o
cumprimento da função social da propriedade rural em suas dimensões
econômica, social e ambiental. Sem cumprir tal função, os contratos agrários
invariavelmente não cumprem com sua função social[315].
Entretanto, impossível ignorar que se trata do esforço do Poder Judiciário
em lapidar as normativas sobre contratos agrários ao século XXI que não
substitui uma necessária revisão legislativa sobre o tema. Trinta anos após a
Constituição de 1988, já tarda o momento de uma revisão sobre a legislação
aplicável aos contratos agrários, permeada de um debate amplo e sério sobre o
tema. Não faltam, como ilustramos ao longo deste trabalho, juristas sérios a
tratar do tema. Resta, como aponta Alencar Mello Proença, “expectativa de que,
um dia, a agricultura e os agricultores sejam realmente objeto de atenção dos
governantes”[316]. Caso contrário, persistirá a necessidade deste esforço
hermenêutico da jurisdição, utilizando mecanismos internos da legislação para
melhor adequá-la à realidade que enfrenta, mas novamente em situação de
insegurança legislativa.
Resta evidente que um dirigismo contratual cego com as mesmas balizas
legislativas de 1964 descumpriria em muitos casos com a função social da
propriedade em suas diretrizes constitucionalmente promulgadas em 1988,
especialmente tendo em vista a realidade de trinta anos depois da promulgação
da Constituição em apreço.
A aplicação das cláusulas obrigatórias por não raro torna insustentável os
contratos agrários para as partes antes consideradas com maior poder de
barganha, os proprietários rurais. Não se pode descuidar que a persistência desta
situação descumpre as dimensões econômica e social da função social da
propriedade, não tardando gerar novos desequilíbrios no campo e falhando na
instrumentalidade dos contratos agrários enquanto meio de redução da pobreza e
desigualdade no campo[317].
CONCLUSÃO
A necessidade de enfrentamento da questão da função social da
propriedade sob paradigmas adequados à ordem constitucional promulgada em
1988 é premente. Neste sentido, necessária a cunhagem normativa da liberdade
inerente à propriedade, superando os paradigmas privatistas e produtivistas que
marcaram os séculos passados, adotando um paradigma digno do novo século
que abranja a função social da propriedade na integralidade de suas dimensões.
Neste sentido, louvável os estudos da doutrina sob o tema, dos quais destacamos
o trabalho do professor Darcy Walmor Zibetti, com sua teoria tridimensional da
função social da propriedade.
Inobstante, não podemos ignorar o descompasso entre o entendimento
avançado da doutrina a respeito da função social da propriedade, respaldado em
uma Constituição exemplar e vanguardista, e os contratos agrários, cuja
normatização tem muitas vezes falhado em fazer com que tais contratos de fato
ajam como instrumentos da função social, trazendo justiça social ao campo. O
dirigismo contratual, tão importante no berço legislativo, muitas vezes
exacerbado pela legislação dos contratos agrários, não raro resulta em desacerto
com uma realidade integralmente nova, onde a propriedade por si só não é mais
o principal elemento produtivo causado de disparidade contratual.
As pesquisas recentes apontam que o principal elemento de disparidade
contratual em relações agrárias tem sido a influência do capital, especialmente
em relação à capacidade de adquirir tecnologias e conhecimento – algo
obviamente não considerado pela legislação na década de 60. A legislação
agrária, defasada tanto em relação à Constituição de 1988 quanto à realidade de
trinta nos depois desta ordem constitucional, muitas vezes não se encontra apta a
dirimir tais questões. A doutrina e a jurisprudência vêm enfrentando a situação
da melhor maneira possível dentro do ordenamento, tentando adequar a
interpretação da legislação agrária aos novos tempos e à Constituição de 1988.
Não se pode olvidar, entretanto, que é imperativa uma revisão legislativa
sobre o tema, sem a qual persistirá situação de insegurança, tão nefasta nas
relações jurídicas, ainda que diante dos esforços constantes de doutrinadores e
recomendamos, assim, a persistência dos estudos, essenciais para que se
consolide novos paradigmas da interpretação dos contratos agrários e da função
social da propriedade, o que esperamos que resulte finalmente na necessária
reforma legislativa.
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Universitária de Direito, 2009.
ZIBETTI, Darcy Walmor. Teoria tridimensional da função da terra no espaço
rural. Curitiba: Juruá, 2005.
CAPÍTULO 12
OS CRITÉRIOS CONSTITUCIONAIS
PARA DEFINIÇÃO DAS ALÍQUOTAS
DO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL
– ITR: ANÁLISE A PARTIR DA
REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA
TRIBUTÁRIA
CLAIRTON KUBASSEWSKI GAMA
Advogado, sócio do escritório Kubaszwski Gama Advogados Associados.
Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul - PUCRS. Pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de
Estudos Tributários - IBET. E-mail: clairton@gamaadvogados.adv.br

INTRODUÇÃO
O agronegócio foi responsável por mais de vinte e três por cento do
Produto Interno Bruto - PIB do Brasil no ano de 2017, segundo dados da
Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária - CNA em parceria com o
Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São
Paulo - CEPEA-USP. É evidente, portanto, a importância deste setor para o
desenvolvimento e crescimento da economia nacional.
E, a exemplo de outros setores econômicos, o meio agrário é também alvo
de uma pesada carga tributária, que impõe uma série de tributos de todas as
espécies ao setor. Dentre estes tributos, identificamos o Imposto Territorial Rural
- ITR. Trata-se de um imposto de competência da União Federal, cuja
competência é estabelecida pelo artigo 156, inciso VI, da Constituição Federal
de 1988, que neste ano completa seus trinta anos de promulgação.
Assim, considerando que a temática da presente obra é abordar o Direito
Agrário nos trinta anos de nossa Carta Magna, escolhemos este tributo, o ITR,
para estudo no presente artigo. Mas, visando delimitar ainda mais o foco de
análise, nos debruçaremos sobre a questão dos critérios eleitos pela Constituição
para definir as alíquotas do imposto em tela.
A escolha deste ponto se deve, precipuamente, a dois fatores: por um lado,
a escassez de material teórico a respeito do mesmo; por outro lado, a existência
de diversas polêmicas em torno desta questão.
Para o presente trabalho, partiremos da análise da Competência
Constitucional para instituição do ITR e caminharemos para a construção da
Regra-Matriz de Incidência Tributária deste imposto. Estabelecidas estas
premissas, analisaremos de forma mais detida os critérios da progressividade e
da extrafiscalidade e, por fim, buscaremos identificar se a legislação em vigor
obedece - ou não - a estes critérios para instituição de tratamento diferenciado
entre contribuintes.
1 A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIA
Iniciando o estudo, mister que fixemos algumas premissas teóricas. O
primeiro passo consiste em analisar o Sistema Constitucional Tributário, ou seja,
o sistema que agrupa as normas constitucionais que versam, de forma direta ou
indireta, sobre matérias de ordem tributária (CARVALHO, P. B., 2015, p. 243).
A função deste sistema constitucional, previsto dentro do Título VI - “Da
Tributação e do Orçamento” - da Constituição Federal, é precipuamente de
discriminar a competência tributária de cada ente político (artigos 153 a 156),
estabelecer limitações ao exercício do poder de tributar (artigos 150 a 152) e
dispor, ainda que implicitamente, sobre os princípios que regem a tributação
(artigos 145 a 149).
Especificadamente quanto à competência tributária, temos que ela é
privativa, no sentido de exclusividade, pois a divisão de competência feita pela
Constituição Federal é inflexível, sendo que somente o ente que recebe a
competência tributária pode exercê-la; é também indelegável, na medida em que
um ente não pode delegar para outro o exercício da competência definida pela
Constituição; é também inalterável, ou seja, a distribuição da competência
tributária não pode ser alterada; apresenta-se, ainda, como incaducável, já que a
competência tributária não está sujeita a decadência, ou seja, o não exercício da
competência não implica na sua perda; e, por fim, é facultativa, pois o ente que
recebeu a competência somente irá exercê-la se assim desejar (PAULSEN, 2008,
p. 55-56).
Veja-se que a atribuição de competência tributária não é sinônimo de
instituição de tributo. A competência tributária é o primeiro passo no clico de
positivação da norma jurídica tributária, quer dizer, é a autorização concedida
pela Constituição Federal para que as pessoas políticas possam, a partir do
exercício desta competência, legislar sobre matérias tributárias. Trata-se,
portanto, de uma especificação da competência legislativa, dotando as pessoas
políticas da aptidão necessária para formular normas jurídicas em matéria
tributária (CARVALHO, P. B., 2015, p. 276).
Em outras palavras, podemos dizer que o Sistema Constitucional
Tributário não institui de per si os tributos, mas atribui competências e determina
limitações, cabendo a cada ente político instituir os tributos a que a Constituição
Federal lhe outorgou competência.
A instituição do tributo, por sua vez, será o resultado do exercício desta
competência, através da qual o Poder Legislativo correspondente (Congresso
Nacional, Assembleia Legislativa ou Câmara Municipal de Vereadores) poderá
instituir o tributo por meio do competente veículo legislativo.
O Imposto Territorial Rural já integrou a competência de todas os entes
federados: as Constituições de 1934 (art. 8º, inciso I, “a”), de 1937 (art. 23,
inciso I, “a”) e de 1946 (art. 19, inciso I) atribuíam a competência aos Estados;
com a Emenda Constitucional nº 05/1961, a competência foi transferida para os
Municípios; e com a Emenda Constitucional nº 10/1964, restou transferida para
a União; posteriormente, as Constituições que se sucederam mantiveram a
competência para instituição do ITR com a União (VELLOSO, 2012, p. 389).
Atualmente, a competência para sua instituição permanece atribuída à
União Federal, conforme a redação do inciso VI do artigo 153, que assim dispõe:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
[...]
VI - propriedade territorial rural;
[...]
Veja-se que a Constituição Federal elegeu o signo presuntivo de riqueza,
ou de capacidade econômica, da propriedade para determinar a materialidade do
imposto em análise. Assim, o ITR incide sobre a propriedade territorial rural.
Quanto à eleição deste signo, não há dúvidas de sua correição, pois a
propriedade é um dos, se não o principal, indicativo de capacidade contributiva.
Tanto é assim que nosso sistema constitucional tributário prevê outras formas de
propriedade como materialidades para outros impostos, v.g.: o IPTU, sobre a
propriedade territorial e predial urbana (art. 156, I); e o IPVA, sobre a
propriedade de veículos automotores (155, III).
Quanto à definição de imóvel rural, já que a Constituição não esclareceu o
que se considera propriedade rural (bem como o que se considera propriedade
urbana), coube ao legislador infraconstitucional fazê-lo. E este é um ponto que
enseja grandes discussões doutrinárias e também práticas. Contudo, este não é o
foco do presente trabalho e é mencionado aqui apenas para que não passe in
albis.
Veremos agora, ainda que forma breve, a forma como se dá a instituição
do ITR em nosso ordenamento jurídico.
2 A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA
Vimos, portanto, que não basta a atribuição da competência tributária feita
pela Constituição Federal para que o tributo seja instituído. É preciso, pois, que
haja o exercício (legislativo) desta competência.
Contudo, o exercício da competência tributária somente logrará êxito na
instituição de um determinado tributo quando o ente político competente o fizer
de forma a permitir a construção da denominada Regra-Matriz de Incidência
Tributária - RMIT. Caso o resultado do exercício legislativo pelo ente político
não possibilite a identificação de todos os critérios da RMIT, não haverá tributo
validamente instituído (TOMÉ, 2011, p. 125).
Para uma melhor compreensão do que vem a ser a Regra-Matriz de
Incidência Tributária, precisamos antes examinar o conceito de norma jurídica.
Adotaremos no presente trabalho o conceito de que norma jurídica é o resultado
que construímos a partir da interpretação dos enunciados prescritivos, ou seja, a
interpretação construída pelo intérprete a partir do texto escrito do direito
positivado. Assim, a norma jurídica não é uma prescrição, mas sim uma
significação que podemos construir a partir da leitura do texto.
Este é o conceito empregado e muito bem explicado pelo professor Paulo
de Barros Carvalho, que conceitua norma jurídica como “a expressão mínima e
irredutível de manifestação do deôntico com o sentido completo” (2015, p. 627).
Quer dizer, a norma jurídica ostenta a característica de nos fornecer o sentido
completo do direito que fora positivado, permitindo a identificação dos aspectos
materiais (quando, onde e porquê de determinado comando, permissão ou
competência) e dos aspectos pessoais (o titular do direito e o obrigado a realizá-
lo).
Interessante destacar a observação feita por Paulo de Barros Carvalho
(2015, p. 625) no sentido de que uma norma jurídica pode ser construída a partir
da interpretação de apenas um enunciado prescritivo ou de vários enunciados.
Assim, uma norma jurídica sempre terá base textual no direito positivo, ainda
que construída a partir da interpretação de vários enunciados conjuntamente, e
não de apenas um específico.
Nesta senda, também há que se referir a observação feita por Rosana
Oleinik (2014, p. 307) no sentido de que, sendo a norma jurídica o resultado de
uma construção interpretativa realizada sobre uma base textual, inúmeras normas
poderão ser construídas a partir da mesma base textual, a depender do intérprete
que a observa.
Norma jurídica é, portanto, algo imaterial, que desborda dos limites do
texto positivado. É o resultado da construção intelectual do intérprete a partir da
sua compreensão dos textos legislados. A lição de Paulo de Barros Carvalho
(2005, p. 08) é precisa:
É exatamente o juízo que a leitura do texto provoca em nosso espírito, é a
significação que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo.
Trata-se de algo que se produz em nossa mente, como resultado da percepção
do mundo exterior.
Pois bem, definido o conceito que adotaremos no presente trabalho quanto
à norma jurídica, podemos dar início ao estudo de um determinado tipo destas
normas: a Regra-Matriz de Incidência Tributária - RMIT.
O estudo da Regra-Matriz teve início no campo do Direito Tributário nos
anos 60 a partir da defesa da tese de doutorado de Paulo de Barros Carvalho. De
acordo com o referido doutrinador, a RMIT, assim como as demais normas
jurídicas, é o resultado da interpretação do direito positivo que define os eventos
passíveis da incidência tributária, determinando os elementos da obrigação
tributária principal, ou seja, de pagar tributos (CARVALHO, P. B., 2015, p. 623).
Para melhor compreender a definição de Regra-Matriz de Incidência
Tributária, entendo pertinente, inicialmente, destacar que esta expressão pode ser
empregada com dois sentidos diversos, a saber: pode identificar uma estrutura
lógica, representada por um esquema sintático cujos conteúdos devem ser
preenchidos pelo intérprete; e também pode se referir a uma norma jurídica, a
partir do momento em que os elementos da estrutura lógica são preenchidos pelo
processo de interpretação do texto normativo que, justamente, constrói a norma
jurídica (CARVALHO, A. T., 2016, p. 230).
A partir do prévio conhecimento da Regra-Matriz enquanto estrutura
lógica, o intérprete do texto jurídico busca o sentido deste para, assim, completar
os dados da estrutura e, consequentemente, construir a Regra-Matriz enquanto
norma jurídica.
A RMIT é a estrutura lógica que orienta o processo de busca – através da
interpretação do texto jurídico – dos elementos mínimos necessários e
indispensáveis para a formulação da norma jurídica que determinará a incidência
tributária; e, ao mesmo tempo, é também o resultado desta busca, ou seja, a
própria norma jurídica que contém estes elementos mínimos necessários e
indispensáveis para determinar a obrigação tributária. É, portanto, estrutura e
função que se complementam e que só podem ser compreendidas quando
consideradas em conjunto (TOMÉ, 2011, p. 139).
Importa, neste ponto, destacar o quanto já foi dito no sentido de que a
norma jurídica pode ser construída a partir da interpretação de vários
enunciados. Assim, a RMIT pode ter seus elementos preenchidos em um único
ou em diversos enunciados prescritivos, até mesmo em enunciados introduzidos
no sistema por veículos legislativos diversos.
Quanto à identificação dos aspectos da RMIT, Paulo de Barros Carvalho
(2005, p. 95) destaca que a Regra-Matriz possui um antecedente, ou hipótese,
onde encontramos os critérios (material, espacial e temporal) para identificação
do fato descrito e que atrai a sua incidência; e também um consequente
normativo, que determina um vínculo obrigacional entre os sujeitos afetados
pela norma e prescreve direitos e obrigações para estes. Desta forma, enquanto a
hipótese indica os critérios para a caracterização do fato tributável, o
consequente tem como função nos indicar os sujeitos do vínculo jurídico.
Quer dizer, no antecedente da norma temos a descrição de um fato
associado a um comportamento de pessoas físicas ou jurídicas (critério material)
em um determinado momento (critério temporal) e em determinado local
(critério espacial). Já no consequente, identificamos a determinação dos sujeitos
da relação (critério pessoal) e a extensão econômica desta relação (critério
quantitativo).
Assim, o antecedente da RMIT (enquanto norma jurídica) prevê um fato
(determinado comportamento, em determinado local e tempo) que, uma vez
ocorrido, dará ensejo à relação jurídica descrita no consequente (relação esta que
conta dois sujeitos – ativo e passivo – e que será quantificada pela aplicação de
uma determinada alíquota sobre uma base de cálculo específica).
Interessante observar que esta estrutura lógica da RMIT serve para os
demais ramos do Direito, além do tributário, que apresentam também esta
mesma estrutura lógica de formatação das normas jurídicas. Isto vai em
consonância com a lição de Paulo de Barros Carvalho (2005, p. 130) no sentido
de que as normas jurídicas possuem homogeneidade sintática e heterogeneidade
semântica e pragmática.
Quanto às funções operacionais da RMIT, cabe destacar a delimitação da
incidência da norma jurídica, ou seja, a Regra-Matriz permite ao intérprete
identificar com precisão qual o fato hipoteticamente previsto no antecedente
como necessário para instaurar a relação jurídica descrita no consequente. Com
isso, evita-se, por exemplo, que seja exigido tributo sobre fato não previsto no
critério material da RMIT (CARVALHO, A. T., 2016, p. 241).
Igualmente, a RMIT é importante para controlar a constitucionalidade e
legalidade da norma jurídica de incidência tributária, uma vez que a norma
jurídica individual e concreta construída pelo intérprete (um auto de lançamento,
por exemplo) deve estar em consonância com a RMIT do tributo lançado, sob
pena de ilegalidade do auto.
Ao mesmo tempo, a estrutura lógica da RMIT permite a verificação de se a
Regra-Matriz, enquanto norma jurídica, também está em consonância com as
normas jurídicas hierarquicamente superiores e que lhe servem de fundamento
de validade.
Portanto, o que temos é que o legislador elege eventos do mundo social
que ostentam a característica de exteriorizar riqueza, de demonstrar capacidade
contributiva, como, por exemplo, ser proprietário de determinado bem imóvel ou
móvel, auferir lucro, realizar importações de bens estrangeiros, entre outros.
Estes eventos têm seus caracteres, ou seja, os meios pelos quais serão
identificados, determinados no antecedente da RMIT (o quê, quando e onde,
correspondendo aos critérios material, temporal e espacial do antecedente da
norma em tela), de modo a permitir que, quando verificada sua ocorrência na
realidade social, se instale uma determinada relação jurídica, também prevista na
RMIT (esta no consequente e que determinará os sujeitos da relação e o seu
conteúdo econômico).
Especificamente quanto ao Imposto Territorial Rural, podemos identificar
sua Regra-Matriz de Incidência Tributária na legislação vigente, construindo tal
norma da seguinte forma[318]:

Antecedente
Ser proprietário ou titular de domínio útil ou de posse
Critério
de imóvel rural- art. 153, VI, CF; art. 29, CTN; art. 1º,
material
L. 9.393/96
Critério Primeiro dia de janeiro de cada ano2 - art. 1º, L.
temporal 9.393/96.
Critério No território Nacional, fora da zona urbana do
espacial município - art. 1º, L. 9.393/96
Consequente

Ativo União Federal ou Municípios - art. 153,


§ 4º, III, CF
Critério pessoal
Proprietário ou titular do domínio útil
Passivo
ou da posse de imóvel rural
Valor da Terra Nua Tributável - art. 10,
Base de cálc.
L. 9.393/96.
Critério
quantitativo Ad valorem, de 0,03% a 20% - art. 153,
Alíquota § 4º, I, CF; Tabela de Alíquotas anexa à
L. 9.393/96.


Analisada a competência tributária e a Regra-Matriz de Incidência
Tributária do Imposto Territorial Rural, podemos, agora, passar ao exame dos
critérios da progressividade e de extrafiscalidade, assim como da forma como se
dá sua aplicação pela legislação de regência do ITR.
3 A PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTAS E A EXTRAFISCALIDADE
Inicialmente devemos tecer algumas linhas a respeito da significação do
termo princípio em nosso ordenamento jurídico. Segundo Paulo de Barros
Carvalho (2005, p. 141), o signo princípio é utilizado no Direito para denotar:
a) norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b)
norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) valores
insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados
independentemente das estruturas normativas; e d) como limite objetivo
estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a
estrutura da norma.
No caso do ITR, temos a incidência de princípios previstos no altiplano da
Constituição Federal e que são comuns quase que a totalidade das espécies
tributárias. É o caso, por exemplo, dos princípios da legalidade tributária (art.
150, I), da irretroatividade (art. 150, III, “a”) e da anterioridade (art. 150, III, “b”
e “c”), os quais trazem limites objetivos e facilmente identificáveis para o
exercício da competência tributária.
Em matéria tributária, ocupa lugar de grande destaque o princípio da
igualdade, ou princípio da isonomia (art. 150, II, da Constituição), havendo
autores que inclusive o classificam como um sobreprincípio[319]. De forma
bastante sintética, podemos dizer que o princípio da isonomia visa impedir que
haja diferenciação no tratamento entre contribuintes que estejam em situação
equivalente.
Importante observar que este princípio não veda a instituição de tratamento
diferenciado, mas apenas limita que haja tratamento diferenciado para
contribuintes em mesma situação. Em verdade, a mera vedação de tratamentos
diferenciados, de forma ampla e irrestrita, sequer alcançaria o mister da
igualdade, pois desde Aristóteles já se tem bastante clara a noção de que a
igualdade reside em tratar de maneira isonômica os iguais e de maneira
proporcionalmente desigual os que se encontram em situações desiguais.
Contudo, o tratamento de forma diferenciada de contribuintes de um
mesmo tributo não pode ser instituído sob quaisquer fundamentos. Como vimos,
reina no Direito Tributário o princípio da isonomia, pelo que, para ser válida a
instituição de tratamento diferenciado, é preciso que esta seja feita através de
critérios bastante claros e definidos.
Leandro Paulsen (2008, p. 75) bem observa que existem duas situações
ensejadoras da instituição de tratamento diferenciado no âmbito da tributação, a
saber: razões de capacidade contributiva e razões extrafiscais.
O art. 145, § 1º, da Constituição[320] é o fundamento de validade para
normas infraconstitucionais que pretendam instituir tratamento diferenciado em
razão da capacidade contributiva. Podemos dizer que em tal dispositivo
constitucional está positivada a progressividade, a qual impõe a utilização
crescente de alíquotas à medida que aumenta a riqueza tributável.
A progressividade é, no âmbito do Direito Tributário, um dos principais
meios para efetivação desta diferenciação entre contribuintes. Para Leonardo
Furtado Loubet (2017, p. 403), a progressividade é um desdobramento do
próprio princípio da isonomia. Determinando um aumento de alíquotas na
mesma medida em que aumenta a base de cálculo, a progressividade atende ao
princípio da isonomia, pois pratica uma diferenciação entre contribuintes em
situações diferentes, mas mantém o tratamento isonômico entre aqueles que se
encontrem na mesma situação.
Através da progressividade, conforme se eleva o signo presuntivo de
riqueza eleito pelo legislador para fazer incidir a norma tributária, eleva-se
também a alíquota determinante do quantum devido. Assim, quanto maior a
capacidade contributiva, maior será o tributo devido. Portanto, além de atender
ao princípio da isonomia, a progressividade atende igualmente ao princípio da
capacidade contributiva (art. 145, § 1º, da Constituição).[321]
Por outro lado, para a instituição de tratamento diferenciado em razão da
extrafiscalidade, o fundamento de validade deverá ser buscado de forma
particularizada, a depender de cada tributo. No caso específico do ITR, temos a
regra do art. 153, § 4º, I, da constituição Federal que prevê que suas alíquotas
serão fixadas “de forma a desestimular a manutenção de propriedades
improdutivas”.
O caráter extrafiscal de um tributo consiste na possibilidade de que ele seja
utilizado não apenas com fins arrecadatórios, mas também como instrumento
para regular determinados setores da economia e as ações dos participantes do
cenário econômico. Leonardo Furtado Loubet (2017, p. 403) bem pontua a
questão, sintetizando a extrafiscalidade como:
[...] a utilização da aparelhagem tributária para fins outros que não os
meramente arrecadatórios. Cuida-se de típica norma de indução, pois através
da extrafiscalidade, o legislador não pode ter em mira o abastecimento dos
cofres públicos, mas sim o emprego do tributo para estimular o comportamento
do contribuinte de acordo com um ato de valoração política.
Portanto, temos que o ITR, assim como todos os demais tributos em nosso
ordenamento, deve obediência ao princípio da isonomia. Contudo, vimos que a
isonomia não impede a instituição de tratamento diferenciado entre os
contribuintes, desde que os contribuintes estejam em situação desigual e que este
tratamento seja estabelecido através de critérios objetivos.
Para tanto, a Constituição Federal prevê a progressividade de alíquotas
(art. 145, § 1º - que diferencia os contribuintes segundo a extensão do signo
presuntivo de riqueza eleito para a incidência do tributo, ou em outras palavras,
segundo a sua capacidade contributiva) e a extrafiscalidade (no caso do ITR, o
art. 153, § 4º, I - que diferencia os contribuintes por razões outras além das com
finalidade arrecadatória).
4 A INSTITUIÇÃO DE TRATAMENTO DIFERENCIADO NO ÂMBITO DO
ITR
Devemos, agora, verificar como funciona a instituição de tratamento
diferenciado entre os contribuintes do ITR.
Vimos que o art. 153, § 4º, I, da Constituição determina que o ITR terá
alíquotas progressivas e fixadas de forma a desestimular propriedades
improdutivas. Portanto, a instituição de tratamento diferenciado no âmbito do
ITR ocorre tanto por meio da progressividade de alíquotas, quanto da
extrafiscalidade.
E nem se diga que a progressividade e a extrafiscalidade se confundiriam
como critério único, devendo, por exemplo, a progressividade se dar em razão da
extrafiscalidade objetivada pelo ITR, ou, em outras palavras, que a
progressividade seria determinada não pela extensão da base de cálculo, mas por
um critério outro, de caráter extrafiscal. Se observarmos a redação do citado § 4º
antes da modificação implementada pela Emenda Constitucional nº 42/2003[322],
veremos que a o legislador constitucional, com a nova redação, buscou deixar
claro que o ITR deve atender tanto à progressividade quanto à extrafiscalidade,
como critérios distintos.
A questão reside em como compatibilizar estas duas situações; como
instituir um tributo que atenda, concomitantemente, à progressividade e à
extrafiscalidade.
Pela progressividade, temos que as alíquotas devem ser maiores tanto
quanto for maior a base de cálculo, ou seja, no caso do ITR, quanto maior o
valor da terra nua tributável (apurado conforme o art. 10 da Lei nº 9.393/96),
maior deverá ser a alíquota incidente. Restará, assim, atendida a progressividade
determinada pelo constituinte e, consequentemente, os princípios da isonomia e
da capacidade contributiva.
Por outro lado, pela extrafiscalidade, em atenção ao que a Constituição
dispôs no art. 153, § 4º, I, as alíquotas deverão se elevar a medida em que
diminuir o grau de utilização da propriedade rural. Assim, restará atendida a
extrafiscalidade pretendida e, consequentemente, a função social da propriedade,
preconizada pelo inciso XXIII do art. 5º da Carta Magna.
Mas a compatibilização destes dois critérios distintos não é tarefa simples.
E nem mesmo o complexo e, ao menos aparentemente, bem arranjado sistema
descrito pela Lei nº 9.393/96 em seu art. 10 logrou êxito nesta empreitada.
Com efeito, verificando a tabela de alíquotas anexa à Lei nº 9.393/96
podemos observar que o legislador instituiu trinta alíquotas diferentes, que vão
desde 0,03% até 20,00%, distribuídas entre dois critérios distintos: área total do
imóvel e grau de utilização (GU). Vejamos:
Área total do imóvel (em
GRAU DE UTILIZAÇÃO - GU ( EM %)
hectares)
Maior que Maior que 65 Maior que Maior que 30
Até 30
80 até 80 50 até 65 até 50
Até 50 0,03 0,20 0,40 0,70 1,00
Maior que 50 até 200 0,07 0,40 0,80 1,40 2,00
Maior que 200 até 500 0,10 0,60 1,30 2,30 3,30
Maior que 500 até 1.000 0,15 0,85 1,90 3,30 4,70
Maior que 1.000 até
0,30 1,60 3,40 6,00 8,60
5.000
Acima de 5.000 0,45 3,00 6,40 12,00 20,00


A área total do imóvel é critério bastante objetivo e fácil de ser verificado,
ainda mais em se tratando o ITR de tributo sujeito ao autolançamento (ou
lançamento por homologação), ou seja, de tributo que exige a elaboração e
entrega de declaração por parte do contribuinte ao Fisco, na qual consta tal
informação.
O grau de utilização, por seu turno, é definido pelo art. 10, § 1º, VI, da Lei
nº 9.393/96 como sendo a “relação percentual entre a área efetivamente utilizada
e a área aproveitável”.
É certo que a tabela anteriormente transcrita atende ao critério da
extrafiscalidade, na medida em que será mais onerado o contribuinte que possuir
um menor grau de utilização do imóvel, o que evidentemente desestimula a
manutenção de propriedades improdutivas.
Contudo, vimos que a instituição de tratamento diferenciado aos
contribuintes do ITR, por expressa disposição constitucional, deve obedecer
também ao critério da progressividade. E, igualmente como já pudemos ver, a
progressividade impõe a majoração das alíquotas a medida em que se eleva a
base de cálculo, que no caso do ITR é o valor da terra nua tributável – e não a
extensão do imóvel.
Assim, em nosso entendimento, a Lei nº 9.393/96 não contemplou o
critério da progressividade. Isto porque, ao utilizar a área total do imóvel como
fator determinante da alíquota aplicável, a lei de regência do ITR distanciou-se
do que havia sido previsto pela Constituição Federal. Ora, a progressividade de
alíquotas em nada tem relação com a extensão territorial do imóvel de
propriedade do contribuinte. A progressividade, como visto, relaciona-se direta e
unicamente com a extensão da base de cálculo, que é o valor da terra nua
tributável.
Este é também o entendimento de Leandro Paulsen, que afirma não haver
“amparo constitucional para a graduação das alíquotas do ITR em função das
dimensões do imóvel” (PAULSEN; MELO, 2008, p. 189), sendo que o critério
deve ser necessariamente o grau de utilização do imóvel ou de produtividade do
imóvel não se prestando para tanto o critério das dimensões do imóvel
(PAULSEN, 2014, p. 347).
Também neste sentido é a lição de Leonardo Furtado Loubet (2017, p.
412), que esclarece:
[...] o ITR não está jungido somente à extrafiscalidade, está preso também à
progressividade. Isso significa que, necessariamente, as alíquotas deveriam ser
organizadas consoante o valor da propriedade. Mas, não foram. O critério
eleito pelo legislador foi apenas a “área total” do imóvel para aferir seu grau de
utilização. E, nesse particular, o sistema de alíquotas prescrito na Lei Federal
nº 9.393/96 atende apenas parcialmente ao mandamento constitucional, o que
não pode ser aceito, razão por que se pode afirmar que as alíquotas do ITR, na
forma como estão previstas na ordem jurídica vigente, revelam-se
inconstitucionais.
Conforme a redação do inciso I do § 4º do art. 153 da Constituição, a
variação de alíquotas deveria ocorrer de acordo com o grau de utilização do
imóvel, onerando as propriedades improdutivas, a fim de atender a
extrafiscalidade; e de acordo com a extensão da base de cálculo, onerando mais
as propriedades de maior valor de terra nua tributável, a fim de atender à
progressividade.
Consequentemente, a graduação de alíquotas em razão das dimensões do
imóvel, conforme faz a tabela anexa à Lei nº 9.393/96, não atende ao disposto na
Constituição.
E veja-se que é completamente inviável em nosso sistema que a
diferenciação de tratamento dos contribuintes do ITR venha a ser realizada por
critérios outros que não os previstos pela Constituição. Especialmente porque,
sendo o ITR um imposto real[323], a variação de alíquotas somente pode ocorrer
nos exatos moldes da autorização constitucional, conforme posição pacífica no
âmbito do Supremo Tribunal Federal[324].
Porém, importa registrar que este não vem sendo o entendimento do
Supremo Tribunal Federal que, ao analisar a questão no Agravo Regimental em
Recurso Extraordinário nº 1.038.357 / SP, decidiu que é constitucional a
“progressividade das alíquotas do ITR a qual se refere à Lei nº 9.393/96,
progressividade essa que leva em conta, de maneira conjugada, o grau de
utilização (GU) e a área do imóvel”[325].
Por fim, ainda que não seja o enfoque do presente trabalho, cabe registrar
que uma das alíquotas definidas pelo legislador infraconstitucional para o ITR
apresenta um nítido problema de instituição de tributo com efeito confiscatório,
violando frontalmente o art. 150, IV, da Constituição Federal. É o caso da
alíquota prevista em 20% (vinte por cento) do valor da terra nua tributável. Uma
alíquota neste percentual representa o pagamento do valor total do imóvel em
imposto em apenas cinco anos.
CONCLUSÃO
No decorrer deste breve estudo, podemos verificar que a instituição de um
tributo em nosso sistema jurídico demanda que o ente político percorra um ciclo
de positivação no plano de sistematização das normas jurídicas que se inicia com
a atribuição da competência tributária pela Constituição Federal e que culmina
no exercício legislativo por parte do ente político competente de forma que
possibilite a identificação de todos os critérios da Regra-Matriz de Incidência
Tributária.
No caso do ITR, a Constituição Federal outorga a competência à União
Federal através do seu art. 153, inciso VI. E, no plano infraconstitucional, é a Lei
nº 9.393/1996 que institui e rege o tributo em tela.
Além de determinar a competência para a União, a Constituição Federal
determinou também que o ITR, muito embora tratar-se de imposto real, deve
observar a progressividade e a extrafiscalidade, de forma a desestimular a
manutenção de propriedades improdutivas, visando atingir a função social da
propriedade.
Desta forma, o ITR deve ter suas alíquotas instituídas de forma progressiva
em razão da base de cálculo, isto é, quanto maior for o valor da terra nua
tributável (base eleita e determinada segundo a lei de regência do imposto),
maior deve ser a alíquota aplicável. Da mesma forma, quanto maior for o grau de
utilização do imóvel (critério também eleito e determinado conforme a Lei nº
9.393/1996), menor deve ser a alíquota incidente.
Ocorre, porém, que o sistema de alíquotas previsto na Lei nº 9.393/1996
contempla apenas este segundo critério, da utilização do imóvel, acatando a
extrafiscalidade, mas desrespeitando a progressividade. Isto porque em nenhum
momento a Constituição Federal autoriza a instituição de alíquotas diferentes em
razão da área do imóvel, critério este que foi eleito pelo legislador ordinário para
formatação da tabela de alíquotas da referida Lei.
Consequentemente, a conclusão a que chegamos é de que o sistema de
alíquotas previsto pela Lei nº 9.393/1996, por fazer incidir alíquotas diferentes
em razão da área do imóvel, é inconstitucional, uma vez que acaba por despeitar
os critérios constitucionais para instituição de tratamento diferenciado entre os
contribuintes do ITR.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o
Construtivismo Lógico-Semântico. 5ª Ed. São Paulo: Noeses, 2016.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 6ª ed.
São Paulo: Noeses, 2015.
______. Curso de Direito Tributário. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
CONTI, José Maurício. Sistema Constitucional Tributário Interpretado pelos
Tribunais. São Paulo: Oliveira Mendes, 1997.
LOUBET, Leonardo Furtado. Tributação Federal no Agronegócio. São Paulo:
Noeses, 2017.
OLEINIK, Rosana. Teoria da Norma Jurídica e a Regra-Matriz de Incidência
como técnica de interpretação do direito. In CARVALHO, Paulo de Barros
(Coord.). Constructivismo Lógico-Semântico. Vol. 1. São Paulo: Noeses, 2014.
PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008.
______; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos Federais, Estaduais e
Municipais. 4ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
______. Direito Tributário - Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina
e da Jurisprudência. 16ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.
TOMÉ, Fabiana Del Padre. O Resgate da Legalidade Tributária. In SOUZA,
Priscila de (coord.). IX Congresso Nacional de Estudos Tributários. São Paulo:
Noeses, 2011.
VELLOSO, Andrei Pitten. Constituição Tributária Interpretada. 2ª Ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
CAPÍTULO 13
ITR: DESTINAÇÃO ECONÔMICA
COMO CRITÉRIO DA IMUNIDADE

ANANDA RODRIGUES BANDEIRA
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (2017). Advogada da Barufaldi Advogados. Participante
do Grupo de Estudos do GTAX - Grupo de Pesquisas Avançadas de Direito
Tributário da PUCRS. Tem experiência na área de Direito Público, atuando
principalmente nos seguintes temas: Direito Administrativo, Constitucional e
Tributário.

CRISTIANO ROESLER BARUFALDI
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (2002). Mestre em Direito pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (2014). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto
Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Especialista em Gestão de Tributos e
Planejamento Tributário pela PUCRS. Advogado e sócio da Barufaldi
Advogados. Diretor Técnico do Instituto de Estudos Jurídicos e Empresariais do
Estado do Rio Grande do Sul - IEJE/RS. Coordenador do eixo de Processo
Tributário do GTAX - Grupo de Pesquisas Avançadas de Direito Tributário da
PUCRS. Tem experiência na área de Direito Público, atuando principalmente
nos seguintes temas: Direito Administrativo, Constitucional e Tributário.



INTRODUÇÃO
A imunidade ao Imposto Territorial Rural (ITR), especialmente no que
concerne ao seu alcance às pequenas propriedades com destinação rural,
localizadas dentro dos perímetros urbanos dos municípios, tem sido muito pouco
analisada pela doutrina e objeto de escassos precedentes jurisprudenciais.
Em razão disso, fundamental que seja verificado se as pequenas
propriedades utilizadas para fins rurais, independentemente de sua localização,
estão albergadas pela imunidade prevista no art. 153, § 4º, inc. II, da
Constituição Federal de 1988.
Destarte, analisa-se o instituto da imunidade, em diferentes prismas do
direito constitucional e tributário brasileiro, no intuito de estabelecer premissas
acerca de seu conceito e de sua natureza jurídica. Para tanto, o presente estudo
examina, inicialmente, algumas das teorias existentes na doutrina pátria, para
traçar os referenciais pelos quais se propõe algumas considerações sobre a
imunidade ao ITR.
Constitui objeto de análise não só os aspectos material e pessoal da
referida imunidade, mas também sua consonância com o próprio caráter
extrafiscal do ITR, consubstanciando a promoção da função social da pequena
propriedade rural.
Adotando o pressuposto de que a imunidade é definida pela sua natureza
constitucional, e exerce uma função de limitação constitucional à competência
tributária, investiga-se, também, o caráter positivo das imunidades, as quais
compõe a estrutura das normas constitucionais que definem a competência
legislativa dos entes tributantes.
Consideradas as premissas acima, o objeto de estudo cinge-se à análise e
classificação da imunidade ao Imposto Territorial Rural, contida no art. 153, §
4º, inc. II, da Constituição Federal de 1988, através de uma análise teórica do
ITR. Na sequência, aborda-se a definição legal da pequena gleba rural para fins
desta imunidade, e, por fim, aprecia-se a função social da propriedade e o
conflito entre ITR e IPTU, à luz de breve estudo de precedentes sobre o tema.




1 O IMPOSTO TERRITORIAL RURAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988
1.1 ARTIGO 153, VI, CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O Imposto Territorial Rural, usualmente designado apenas de ITR,
encontra-se previsto na Constituição Federal, em seu art. 153, inc. VI[326].
O §4º do referido artigo regulamenta alguns aspectos constitucionais do
referido imposto, prevendo expressamente a progressividade, a imunidade da
pequena gleba – que será objeto deste artigo – e a possibilidade de delegação da
sujeição ativa da obrigação tributária ao Município.[327]
O Imposto Territorial Rural foi instituído na Constituição Federal de 1891,
em seu art. 9º, que dispunha: “Art 9º - É da competência exclusiva dos Estados
decretar impostos: [...] 2 º) sobre Imóveis rurais e urbanos;”.
A partir de então, esse imposto foi mantido no nosso sistema constitucional
tributário como tributo de competência estadual até 1961. Após a Emenda
Constitucional nº 5, em 1961, a competência passou aos Municípios, e,
finalmente, a Emenda Constitucional nº 10, em 1964, entregou a competência do
imposto sobre a propriedade rural para a União[328], a fim de instrumentalizar sua
finalidade extrafiscal (MACHADO, 2007, p. 361), de combater os latifúndios
improdutivos – art. 153, §4º, inc. I, da CF.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o repasse da
arrecadação do ITR para os Municípios sofreu uma redução e passou a ser de
50%, conforme a previsão do art. 158, inc. II, da CF[329].
Em relação ao fato gerador deste imposto, surge a controvérsia acerca do
âmbito de abrangência do vocábulo propriedade. Para Leandro Paulsen (2017, p.
273 e 274), em que pese a reiterada aplicação em sentido contrário amparada
pela redação do art. 29 do Código Tributário Nacional, a Constituição Federal,
expressamente, indicou que apenas o proprietário seria contribuinte, excluindo
os demais titulares de outros direitos reais, ainda que esses exerçam
prerrogativas típicas de proprietário. Isto porque, para o Autor, os demais
direitos reais, previstos no art. 1.225 do Código Civil, são revelações de riqueza
em menor grau e que, por tal razão, não estão contempladas pela CF como
ensejadoras da cobrança deste imposto.
Todavia, o próprio Autor destaca que titulares de outros direitos reais
podem ser incluídos no polo passivo da relação tributaria somente como
responsáveis tributários por substituição (PAULSEN, 2017, p. 274).
Contudo, parcela mais robusta da doutrina (MACHADO, 2007;
ANCELES, 2002) entende que a delimitação do CTN é constitucional e que,
portanto, o vocábulo abrangeria a propriedade, o domínio útil ou a posse,
conforme será examinado no subcapítulo 1.2.
Segundo ensina Paulo de Barros Carvalho (2010, p. 209) “O domínio útil e
a posse são atributos intrínsecos a um direito maior, que é o direito de
propriedade”, razão pela qual a previsão de sujeição passiva em relação àqueles
que possuem o domínio útil ou a posse não configura ampliação da previsão
constitucional, mas apenas um desdobramento dos aspectos intrínsecos do
direito de propriedade.
A tributação do domínio útil e da posse de imóvel rural, além de atender o
caráter extrafiscal do referido tributo, possibilitando que esse seja utilizado como
meio de garantir o exercício da função social da propriedade não só às hipóteses
de propriedade, também é meio eficaz de realização do princípio da capacidade
contributiva, buscando a tributação de todos os signos presuntivos de riqueza
relacionados aos imóveis rurais.
Por sua vez, o vocábulo territorial não apresenta maiores divergências
doutrinárias e refere-se à grandeza dimensionada pela terra nua (PAULSEN,
2015, p. 287), em contraponto ao IPTU, que incide sobre a propriedade predial e
territorial.
Por fim, quanto ao termo rural, ao qual, por muitos anos, foi
convencionado como referência ao critério de localização, contrapondo-se ao
imóvel urbano, que estaria localizado na cidade, passa por novo debate que trás
luz também ao critério de destinação.
A doutrina tradicional, a exemplo de Antônio Moura Borges (2012, p.
363), utiliza-se da definição do art. 4º, inc. I do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504,
de 30 de novembro de 1964)[330], no sentido de que a classificação por exclusão é
a mais sensata para classificar a propriedade rural, excluindo-se tudo que for
urbano.
Contudo, a classificação fundada exclusivamente na localização do imóvel
passou a ser considerada como geradora de conflito de competência, uma vez
que estaria atribuindo exclusivamente aos municípios a definição, por exclusão,
dos imóveis rurais. Tal classificação estaria também em dissonância com o
disposto na própria Constituição Federal, que, ao utilizar a expressão rural,
poderia englobar tanto o critério de localização do imóvel quanto a sua
destinação agrícola, independentemente de sua localização. E, como será
exposto no capítulo 3, o critério de destinação do imóvel passou a ganhar grande
relevância, tanto na doutrina, como na jurisprudência nacional.
1.2. DA REGULAMENTAÇÃO LEGAL DO ITR
Regulamentando as previsões constitucionais, o Imposto Territorial Rural
encontra-se elencado no CTN, do art. 29 ao 31[331].
Da leitura do art. 29, é possível observar que a legislação prevê a
incidência do ITR sobre a propriedade, o domínio útil ou a posse do imóvel,
abrangendo, assim, os elementos fracionados da propriedade.
Além disso, a Lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996, que dispõe sobre
o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, sobre pagamento da
dívida representada por Títulos da Dívida Agrária e dá outras providências,
contém previsão similar ao CTN, descrevendo o fato gerador do imposto em seu
art. 1º[332].
Ademais, conforme exposto no capítulo anterior parcela majoritária da
doutrina considera que a delimitação feita pelo CTN é constitucional. Da mesma
forma, esse entendimento é respaldado pela jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça (AgRg no REsp 1346328/PR[333], REsp 963.499/PR[334], entre outros).
Destaca-se, ademais, que o art. 29 prevê a incidência do tributo sobre os
imóveis por natureza. Para Hugo de Brito Machado (2007, p. 363), o CTN
estaria fazendo uma remissão à lei civil vigente na data de edição da legislação.
O art. 43, inc. I, do Código Civil de 1916, descrevia como imóvel por natureza
“o solo com os seus acessórios e adjacências naturais compreendendo a
superfície, as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo”.
O contribuinte encontra-se previsto no art. 31, do CTN, sendo o
proprietário do imóvel rural, o titular de seu domínio útil ou o possuidor a
qualquer título. Socorrendo-se, o legislador, aos dois últimos caso a propriedade
encontre-se fracionada.
A alíquota do imposto, por sua vez, varia de 0,03% até 20%, conforme a
área do imóvel e seu grau de utilização (GU), encontrado através da relação
percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável, nos termos
da Lei nº 9.393/1996.
Aplica-se a alíquota sobre a base de cálculo, que, conforme o CTN é o
valor fundiário do imóvel, que equivale ao Valor da Terra Nua (VTN), calculado
sem levar em consideração as benfeitorias existentes.
O lançamento ocorre por homologação, devendo o contribuinte, em todo
exercício fiscal que preencher os requisitos, apurar e pagar o imposto até o
último dia do mês fixado para a entrega da DITR, para posterior homologação
pela Receita Federal do Brasil, segundo o art. 10, da Lei nº 9.393/1996.
Após breve panorama da hipótese de incidência tributaria do ITR, será
examinada a sua imunidade constitucionalmente prevista.
2 IMUNIDADE AO ITR
2.1 ARTIGO 153, § 4º, II, CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A Constituição Federal de 1946 introduziu no ordenamento constitucional
brasileiro a imunidade ao ITR para pequenas áreas agrícolas, em seu art. 19, §
1º[335].
O teor dessa imunidade restou mantido na Constituição Federal de 1967
(art. 22, § 1º), não obstante a Emenda Constitucional nº 01/69 ter substituído a
expressão sítios por glebas rurais e do limite da área ter aumentado para 25
hectares.
Por sua vez, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a norma
passou a estar prevista no § 4º do art. 153, com a supressão da expressão
limitação do tamanho das glebas rurais imunes, cuja extensão ficou delegada
para ser regulamentada por lei[336].
A Constituição buscou favorecer os interesses econômicos do pequeno
agricultor, visando não somente incentivar o uso da terra, mas também desonerar
aqueles que cultivam e retiram o sustento de suas terras, atribuindo, assim,
caráter extrafiscal à imunidade em questão.
A Emenda Constitucional nº 42, de 19/12/2003, alterou o § 4º do art. 153
da Constituição Federal e desdobrou essas ideias, mantendo as alíquotas
progressivas para promover a função social da propriedade rural e flexibilizando
o modo de exploração da pequena gleba rural imune, ao abolir um dos requisitos
existentes para a fruição da imunidade ao ITR, qual seja, o de que o pequeno
proprietário explore a terra só ou com a sua família.
A ampliação da hipótese de incidência da imunidade, permitindo que a
exploração seja feita pelo proprietário em conjunto com sua família, com o
auxílio de empregados, ou mesmo através de cooperativas, atende integralmente
ao espírito da norma, realizando outros princípios e objetivos insertos na própria
Constituição Federal - função social da propriedade (arts. 5º, inc. XXIII; 170,
inc. III e 186), erradicação da pobreza e da marginalização (art. 3º, inc. II) e
redução das desigualdades sociais e regionais (art. 170, inc. VII).
Pode-se dizer, inclusive, que a imunidade da pequena gleba rural se baseia
na ausência de capacidade contributiva dos proprietários de pequenas
propriedades rurais, ou seja, tal imunidade seria uma consequência necessária do
princípio da capacidade contributiva (AMARO, 2004, p. 156). Para Ricardo
Lobo Torres (2005, p. 380), trata-se de imunidade do mínimo existencial.
Por outro lado, Regina Helena Costa (2006, p. 198) considera que a regra
insculpida no § 4º do art. 153 da CF/88 classifica-se como imunidade de
natureza política, a qual não leva em consideração a capacidade contributiva do
sujeito, porquanto o pequeno proprietário de gleba rural pode ter ou não aptidão
para contribuir.
Trata-se, ainda, de imunidade específica, limitada unicamente ao Imposto
Territorial Rural, não tendo alcance em relação a outros tributos. Já, quanto ao
âmbito de incidência, é tradicionalmente classificada pela doutrina (BALEEIRO,
2005, p. 113; CARRAZA, 2003, p. 634; COSTA, 2006, p. 125-127) como
imunidade mista, já que combina um pressuposto material - pequena gleba rural
– com um pressuposto pessoal - proprietário que a explore e não tenha outro
imóvel.
Outrossim, a imunidade ao ITR classifica-se como condicional,
dependendo do cumprimento de requisito inserto na própria Constituição
Federal, de o proprietário não possuir outro imóvel (condição subjetiva), e não
autoaplicável, prescindindo de outro comando legal para produzir os seus
efeitos, qual seja, a regulamentação legal para a definição de pequena gleba rural
(condição objetiva).
Estas duas condições são cumulativas, razão pela qual a imunidade não
abrange as pequenas glebas rurais não exploradas pelo seu proprietário, as
pequenas áreas rurais cujo proprietário possua outro imóvel e as médias e
grandes glebas rurais.
No tocante ao requisito subjetivo, estabelecido na Carta Magna, para o
gozo da imunidade ao ITR, o contribuinte deve comprovar o cumprimento de tal
condição perante a autoridade administrativa, através da Declaração do Imposto
sobre a Propriedade Territorial Rural (DITR)[337].
Destaca-se que o Decreto nº 4.382, de 2002, que regulamenta a tributação,
fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre a Propriedade
Territorial Rural, assim como o art. 2º da IN/SRF n. 256/02, ratifica as hipóteses
de imunidade ao ITR[338], em seu art. 3º, conjuntamente com as demais
imunidades previstas na Constituição Federal de 1988.
Por fim, quanto à regulamentação legal da pequena gleba rural, para fins
da imunidade constitucionalmente prevista, persiste muita controvérsia
doutrinária a respeito, conforme infra analisado.

2.2 DA REGULAMENTAÇÃO LEGAL DA PEQUENA GLEBA RURAL
A regulamentação do conceito de pequena gleba rural para fins de
imunidade do ITR, conforme a interpretação doutrinária majoritária pátria,
caberia à lei complementar, com base no disposto no art. 146, inc. II, da CF, que
determina caber à lei complementar a regulamentação das limitações ao poder de
tributar (COÊLHO, 2005, p. 368; COSTA, 2006, p. 197).
Portanto, considerando que a imunidade é uma limitação ao poder de
tributar e que todas as limitações ao poder de tributar devem ser reguladas por lei
complementar, todas as imunidades devem ser reguladas por tal espécie
legislativa.
Leandro Paulsen (2011, p. 321) entende que é “certo que a regulamentação
de dispositivo constitucional que condiciona o exercício da tributação só tem
eficácia se não estiver ao alcance do legislador ordinário do ente tributante”.
Já Roque Carrazza (2004, p. 715) conclui que enquanto lei complementar
não definir a pequena gleba rural para fins de imunidade do ITR, tal definição
deve advir da redação do art. 191, da CF, que alude à exploração da terra por
quem não tem outro imóvel, em zona rural, com área não superior a cinquenta
hectares. Destarte, para o Autor, enquanto não editada a lei complementar
específica, regulamentando a pequena propriedade rural, esta não deve exceder
50 ha (cinquenta hectares), conforme a menção constitucional.
Em consonância com o entendimento acima, a corrente doutrinária
majoritária sobre a matéria propõe que para a regulamentação geral de
imunidades tributárias, por interpretação sistemática com o art. 146, inc. II, da
CF, será sempre necessária a lei complementar, mesmo quando a Constituição
Federal refere apenas a lei, sem qualificá-la.
Além desta posição, há entendimento na doutrina (ALVES; MARTINS,
2009, p. 105) de que a Constituição Federal está excepcionando o disposto do
inc. II, do art. 146 quando, ao tratar de imunidades tributárias, refere apenas a
lei.
Subsiste, ainda, uma terceira corrente, que acaba por conciliar de alguma
forma estas posições, adotada pelo Supremo Tribunal Federal[339], segundo a qual
caberia à lei complementar regulamentar os limites das imunidades, enquanto a
lei ordinária poderia dispor sobre seus requisitos formais.
Não obstante a ausência de Lei Complementar, enquanto não examinada a
questão pelo Supremo Tribunal Federal, a pequena gleba rural, para fins da
imunidade ao ITR, continua a ser regulamentada pela Lei Ordinária nº 9.393, de
1996, que a definiu como os imóveis rurais com área igual ou inferior a: (i) 100
ha, se localizado em município compreendido na Amazônia Ocidental ou no
Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense; (ii) 50 ha, se localizado em
município compreendido no Polígono das Secas ou na Amazônia Oriental; (iii)
30 ha, se localizado em qualquer outro município.
Esclarece-se, também, que, independentemente da ausência de expressa
previsão constitucional, pelas mesmas razões que se admite a posse como fato
gerador do ITR, consoante acima exposto, além do proprietário da pequena
gleba rural, os demais sujeitos passivos da obrigação tributária - titulares do
domínio útil (o enfiteuta, o foreiro e os assentados rurais[340]) e os possuidores a
qualquer título (possuidor, usufrutuário) - têm direito a referida imunidade.
Andrei Pitten Velloso (2012, p. 416), excepcionalmente, considera possível
o reconhecimento da imunidade ao pequeno proprietário que tenha mais de um
imóvel rural, desde que suas áreas, somadas, não extrapolem as dimensões de
uma pequena gleba rural.
Por outro lado, a mesma certeza não se aplica ao pequeno proprietário de
imóvel destinado à exploração rural quando este está localizado dentro do
perímetro urbano dos Municípios, como visto no capítulo anterior, razão pela
qual revela-se fundamental a análise do critério da destinação econômica da
pequena gleba para configuração da imunidade ao ITR.
3 DA DESTINAÇÃO DO IMÓVEL COMO CRITÉRIO DEFINIDOR DA
IMUNIDADE
3.1 DA IMUNIDADE AO ITR E A FUNÇÃO SOCIAL DA PEQUENA
GLEBA RURAL
Cabe registrar, finalmente, que a regulamentação da imunidade em questão
passa também pelo enquadramento da pequena gleba como zona rural,
assegurando a esta a imunidade prevista no § 4º, do art. 153, da CF, eis que, caso
classificada como urbana, teríamos um conflito de competência entre a União e
os Municípios.
O conflito de competência tributária entre a União e os Municípios
sobrevém da previsão do Código Tributário Nacional, que, em seu art. 29, adota
o critério de localização como definição de imóvel rural. De acordo com o CTN,
zona urbana é aquela definida em Lei Municipal, observado o requisito mínimo
da existência de 02 (dois) dos melhoramentos públicos referidos no § 1º, do art.
32 do Código Tributário Nacional[341]. O que não for zona urbana (por natureza -
§ 1º do art. 32, ou por equiparação - § 2º do art. 32 do CTN) poderá ser
considerado zona rural para efeitos fiscais.
Em que pese à decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE
nº 93850/MG[342], ainda sob o regime da Constituição Federal anterior, ter
adotado a orientação do CTN para a definição de imóvel rural, entendendo pela
inconstitucionalidade do art. da 6º da Lei nº 5.868/72, o qual adotava o critério
da destinação econômica para fixação de competência entre IPTU e ITR. Assim
como a Lei nº 9.393/96, ter consolidado, em seu art. 1º, o aspecto geográfico
como determinante para a incidência de tributo, o caráter extrafiscal,
possibilitando a utilização do ITR como meio de garantir o exercício da função
social da propriedade, não vinha sendo atendido.
O grande problema na utilização do conceito geográfico de zona urbana e
de zona rural diz respeito ao crescimento desordenado das cidades, dentro das
quais permanecem muitos imóveis com destinação agrícola. Consequentemente,
a função social da pequena gleba estava, muitas vezes, sendo preterida em
detrimento da localização do imóvel.
Tal fenômeno passou a ter maior repercussão com o advento da
Constituição Federal de 1988, a qual atribuiu à função social status de direito e
garantia fundamental – art. 5º, inc. XXIII[343] –, bem como de princípio geral da
atividade econômica – art. 170, inc. III[344].
A Carta Magna conceitua função social no capítulo da política agrícola e
fundiária e da reforma agrária, em seu art. 186[345]. Por sua vez, o Estatuto da
Terra (Lei nº 4.504/64) enumera requisitos similares aos da CF, a serem
cumpridos simultaneamente, para que a propriedade desempenhe a sua função
social, em seu art. 2º, inc. I[346].
Para Antonino Moura Borges (2012. p. 372), a função social nada mais é
do que “a obrigação imposta pela lei ao proprietário rural de explorar racional,
adequada e tecnicamente o seu imóvel [...]”.
Desta forma, constata-se que a finalidade extrafiscal do imposto deve
privilegiar a pequena gleba, independentemente da localização urbana ou rural,
possibilitando o cumprimento da função social da propriedade, aplicando-se,
assim, a limitação constitucional ao poder de tributar prevista no art. 153, § 4º,
da CF.
3.2. O CONFLITO ENTRE ITR E IPTU
Após exame da função social da propriedade, passa-se a uma análise do
conflito entre ITR e IPTU supramencionado, motivado pelos pequenos imóveis
localizados dentro do território municipal, considerado zona urbana, que têm
destinação rural.
O entendimento esposado no julgamento do RE 93850/MG, acima
analisado, foi superado nos Tribunais Superiores, os quais aplicam a exceção
prevista no art. 15, do Decreto-lei nº 57/1966[347], que restringe a competência
determinada no art. 32 do CTN (Lei nº 5.172/1966).
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 140773/SP[348],
manifestou-se pela recepção do art. 15 do Decreto-Lei 57/66 pela Constituição
Federal de 1988 como norma com natureza de Lei Complementar. Nesse mesmo
sentido, encontram-se alguns julgados mais recentes[349], mantendo-se o
entendimento pela regra da prevalência da destinação do imóvel para fins de
incidência do ITR ou do IPTU, sujeitando-se o imóvel com destinação rural ao
ITR, mesmo que esteja localizado na área urbana do município.
Também nesse sentido é o entendimento pacificado no âmbito do Superior
Tribunal de Justiça. Em 2005, a Segunda Turma firmou entendimento publicado
no Informativo de Jurisprudência nº 0240[350], e, na sequência, em 2009, foi
julgado, sob o regime de recursos repetitivos - art. 543-C do CPC/1973 -, o
acórdão do REsp 1112646/SP[351], cadastrado como tema 174, firmada a tese de
que: “Não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do
Município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa,
vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (art. 15 do DL 57/1966)”.
Apenas a título exemplificativo, observa-se que o Plano Diretor do
Município de Porto Alegre (PDDUA – Lei complementar nº 434/99) aduz
expressamente que todas as áreas nele contidas são urbanas, contudo, há áreas
que são rurais dentro dos limites do município, nas quais, além de não existir as
necessárias benfeitorias - listadas pelo art. 32 do CTN – para configuração de
área urbana, é exercida a atividade rural.
Não obstante a disposição do plano diretos municipal, o Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul segue o entendimento assentado dos
Tribunais Superiores no sentido de que, havendo demonstração suficiente de que
o imóvel possui destinação econômica rural, configurando o fato gerador de
ITR.[352].
Conclui-se, portanto, que para a identificação da natureza rural ou urbana
de determinado imóvel, para fins de definição da competência para tributar a
propriedade territorial, deverão ser levados em conta os seguintes critérios: (i)
localização geográfica do imóvel; (ii) atendimento de pelos menos duas das
melhorias indicadas no art. 32, § 1º, do CTN; e (iii) destinação econômica dada
ao imóvel.
Destarte, após a análise desses três critérios, em caso de conflito, deverá
prevalecer o último, conforme os fundamentos acima e os precedentes mais
recentes sobre o tema. Então, preenchidos os demais requisitos previstos no art.
153, § 4º, inc. II, da CF, determinada gleba estará albergada pela imunidade ao
Imposto Territorial Rural – ITR.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Imposto Territorial Rural é de competência da União e encontra-se
previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 153, inc. VI, e § 4º, o
qual dispõe acerca da progressividade, da imunidade da pequena gleba e da
possibilidade de os Municípios fiscalizarem e cobrarem o imposto.
O ITR é regulamentado pelo CTN (Lei nº 5.172/1966), bem como pela Lei
nº 9.393/1996. Não obstante a controvérsia doutrinária a respeito da abrangência
da expressão propriedade, o entendimento jurisprudencial vigente, bem como de
parcela predominante da doutrina, considera constitucional a regulamentação das
normativas supramencionadas – art. 29, do CTN e art. 1º, da Lei nº 9.393 -,
prevendo como fato gerador do imposto a propriedade, o domínio útil ou a
posse.
O gozo da imunidade ao ITR está condicionado aos requisitos insertos na
própria Constituição Federal, no § 4º, inc. II, do art. 153, quais sejam, de que o
proprietário não possua outro imóvel (condição subjetiva), e também a
regulamentação legal para a definição de pequena gleba rural (condição
objetiva).
A regulamentação do tamanho da pequena gleba, apesar da atual definição
da Lei n. 9.393/96, é objeto de severas objeções por parte dos doutrinadores
nacionais, para os quais a matéria é reservada a lei complementar nos termos
determinado pelo inciso II do artigo 146 da Constituição Federal. Parece-nos
realmente que a determinação do tamanho da gleba está reservada à lei
complementar pois é meio pelo qual limita-se o poder de tributar da União,
competente para a tributação do ITR, contudo, enquanto não for editada Lei
Complementar especifica, a normativa da Lei Ordinária nº 9.393 permanece
vigente.
A previsão do Código Tributário Nacional quanto a incidência do ITR
conforme o critério de localização do imóvel originou grande controvérsia
doutrinaria, eis que a função social da pequena gleba estava sendo preterida em
detrimento da localização do imóvel. O entendimento vigente é que o critério do
CTN não é decisivo para fins de exigência de ITR, prevalecendo a destinação
econômica do imóvel, na tentativa de cumprir com a finalidade extrafiscal deste
imposto.
A resolução do conflito de competência entre União e Município – ou
entre ITR e IPTU - leva em consideração três critérios, quais sejam, a
localização do imóvel; o atendimento de pelo menos duas das melhorias
indicadas no artigo 32, § 1º, do CTN; e a destinação econômica dada ao imóvel.
Caso constatada a incidência do ITR, a pequena gleba é albergada pela
imunidade ao Imposto Territorial Rural sempre que preencher os requisitos
previstos no art. 153, §4º, inc. II, da CF, ainda que localizada dentro da área
urbana.
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CAPÍTULO 14
TRIBUTAÇÃO AMBIENTALMENTE
ORIENTADA COMO INSTRUMENTO DE
POLÍTICA AGRÍCOLA CONSTITUCIONAL

ÁLVARO SANTOS
Bacharel em Direito pela UFG; Especialista em Processo Civil; Especialista em
Direito Ambiental pela UFPR;
Pós-graduando em Direito Tributário pelo IBET; Formação Executiva em
Direito do Agronegócio pelo INSPER;
Membro da União Brasileira de Agraristas Universitários – UBAU; Integrante
do Conselho Municipal do Meio Ambiente de Jataí – GO; Advogado.

INTRODUÇÃO
No dia 05 de outubro próximo, nossa Constituição Federal inteira mais
uma primavera, completando neste aniversário trinta anos desde a sua
promulgação. Essa data especial conclamou um grupo de jusagraristas a
dedicarem parte do seu tempo aos parabéns através desta obra e, ao mesmo
tempo, homenagear o professor Darci Walmor Zibetti, um dos maiores
expoentes do Direito Agrário.
O presente capítulo dedicou-se a um sério problema do nosso país. Há
algumas décadas atrás, o produtor rural foi estimulado, inclusive, pelo Estado, a
converter florestas em áreas produtivas, sob pena de desapropriação para quem
não alcançasse critérios satisfatórios de produção. Mais recentemente, porém,
esse mesmo produtor, muitas vezes, é criticado e estigmatizado, como se fosse a
razão de todos os problemas ambientais do Mundo.
Por conta dessa mudança de paradigma, surgem duas questões que
merecem reflexão. A primeira, consiste em buscar uma forma eficiente de
conscientizar o agropecuarista acerca da importância de se produzir alimentos,
fibras e bioenergia de maneira ambientalmente inteligente. A segunda, refere-se
a encontrar uma retribuição justa a ele pelo importante papel social que tem feito
na proteção ambiental no interior de suas propriedades, através das áreas
ecológicas.
A partir de uma interpretação sistemática da Constituição, conjugando-se
normas ambientais, tributárias e agrárias chega-se a tributação ambientalmente
orientada da atividade rural como resposta às duas questões. Somam-se aos
preceitos maiores, as disposições contidas na Lei de Política Agrícola e no
Estatuto da Terra atinentes aos instrumentos fiscais como meio de estimular a
preservação ambiental e compensar seus custos.
1 A PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL CONECTADA COM O TRIBUTO NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Desde a Conferência de Estocolmo em 1972, se passaram mais de quarenta
anos daquele marco histórico da conscientização ambiental a nível planetário. A
mensagem que, de lá para cá, veio se arraigando na mente dos indivíduos,
organizações e países, está num processo irreversível de aceitação: o ser humano
finalmente se deu conta que é uma pequeníssima célula de um organismo
gigantesco.
Os países que despertaram para a questão criaram uma série de
instrumentos normativos, a fim de, quem sabe, estancar a gangrena da
devastação ambiental. Por aqui não foi diferente! A Lei 6.938 de 1.981 instituiu
a Política Nacional do Meio Ambiente no ímpeto de melhorar a qualidade do
ambiente, garantir condições ao desenvolvimento socioeconômico e proteger a
dignidade do homem.
Mas foi em 1.988 que a Constituição Federal consagrou, de uma vez por
todas, o meio ambiente como direito e sua proteção como dever. No seu artigo
225 garantiu a todos, presentes e futuras gerações, o direito ao ambiente
ecologicamente equilibrado, reconhecendo-o, de forma enfática, como bem de
uso comum do povo, vinculando-o, nas palavras de Edis Milaré, “como extensão
ao direito à vida”[353].
A Carta Magna consagrou, também, como um de seus postulados
axiológicos o desenvolvimento sustentável. O artigo 170, VI, dispõe que a
Ordem Econômica visa garantir a existência digna, pautando-se, dentre outras
diretrizes, pela defesa do ecossistema. Em comentários ao dispositivo, assevera
Eros Grau:
O princípio da defesa do meio ambiente conforma a ordem econômica (mundo
do ser), informando substancialmente os princípios da garantia do
desenvolvimento e do pleno emprego. Além de objetivo, em si, é instrumento
necessário – e indispensável – à realização do fim dessa ordem, o de assegurar
a todos existência digna.[354]
Impõe-se, por isso, a busca pelo ponto de equilíbrio entre o
desenvolvimento social, o crescimento econômico e a estabilidade ambiental,
sincronizando-se ecologia e economia. Esta se responsabiliza por gerir recursos
escassos em contraposição a satisfação das necessidades vertiginosamente
crescentes, enquanto a primeira se dedica a relação contínua e gradativa entre o
meio e os seres nele inseridos. Define-se esse princípio como a exigência em se
atender às demandas atuais, sem comprometer as gerações futuras, numa relação
de mútua assistência entre a Economia e o Ambiente.[355]
A atividade agropecuária, por estar intimamente relacionada a segurança
alimentar, possui inegável importância social, já que nada mais caótico do que
uma multidão de famintos. Outrossim, mostra-se essencial para a economia
brasileira, por ser responsável por aproximadamente 1/4 do PIB nacional[356]. Em
que pese sua importância nesses dois aspectos, não pode ignorar seus impactos
ambientais. Deverá buscar, sempre, tecnologias capazes de racionalizar a
utilização dos recursos naturais e otimizar a produção. Se curvar ao princípio do
desenvolvimento sustentável.
Deve-se ressaltar, ainda, que o Texto Constitucional, em seu artigo 225, §
3º, também se preocupou em responsabilizar aqueles cujas atividades sejam
impactantes ao ambiente, trazendo-lhes consequências de teor cíveis, criminais e
administrativas. Além dessa tríplice imputação, extrai-se desse dispositivo, de
forma implícita, o princípio do poluidor-pagador, também colocado no artigo 4°,
da Lei 9.938/1981. Paulo de Bessa Antunes assim o introduz:
O reconhecimento de que o mercado nem sempre age tão livremente como
supõe a teoria econômica, principalmente pela ampla utilização de subsídios
ambientais, a saber, por práticas econômicas que são utilizadas em detrimento
da qualidade ambiental e que diminuem artificialmente preços de produtos e
serviços, fez com que se estabelecesse o chamado Princípio do Poluidor
Pagador.[357]
Esse postulado impregna-se da natureza redistributiva do Direito
Ambiental, inspirando-se na teoria econômica de que todos os custos, ainda que
externos, devem integrar o processo produtivo, atribuindo ao empreendedor cuja
atividade gerá-los. Deve-se ressaltar, contudo, que não significa o direito de
pagar para poluir, mas, sim, responsabilizar, onerosamente, aquele que gerou
níveis altos de degradação, previamente estabelecidos através de subsídios
técnicos, internalizando o que antes não era contabilizado.
Sua concretização se dá, principalmente, através de instrumentos
econômicos-regulatórios afeitos ao mercado, em contraposição ao tradicional
modelo de comando-e-controle. Aquele que, mediante sua atividade produtiva,
poluir ou deteriorar arcará com os dispêndios necessários a prevenção e
reparação dos impactos, o que, obviamente, será repassado no valor final do bem
ofertado. Os consumidores poderão escolher aqueles menos poluentes e, por
isso, mais baratos; as empresas concorrerão para poluir sempre menos, no intuito
de reduzir os custos, se tornando mais competitivas.
Segundo o tributarista Ricardo Lobo Torres, o princípio do poluidor-
pagador é plenamente conciliável com instrumentos tributários “por intermédio
de regras atinentes à instituição de multas, de taxas ou de contribuições”[358]. Luís
Eduardo Schoueri, verbera que “o princípio do poluidor-pagador se baseia na
mesma ideia que inspira, na matéria tributária, o princípio da equivalência”[359].
Nesse diapasão, igualmente pontifica Birnfeld:
seu foco é o preço final do produto e tem a finalidade de evitar que produtos
que respeitem a variável ambiental concorram com aqueles que não a
respeitam – e que, em função deste desrespeito, operam com um preço mais
baixo. Visa evitar um dumping ecológico.[360]
A título de exemplo, os custos da prestação de serviços públicos de
prevenção, limpeza e reconstituição ambiental serão atribuídos,
proporcionalmente, às atividades que, por poluírem mais, exigem gastos
maiores. Também exigirão processos de licenciamento e fiscalização mais
criteriosos, justificando maiores taxas para custeá-los. Pode-se dizer que o
poluidor pagará maiores tributos, internalizando os custos sociais da sua
atividade, nominando-se esse postulado, gestado da intersecção do direito
ambiental com o tributário, de poluidor-pagador-de-mais-tributos.
Como critério de justiça, se o poluidor deve ser onerado, aqueles que
preservam e protegem o meio ambiente devem, acima de tudo, ser incentivados,
donde surge o outro lado da moeda, o princípio do protetor-recebedor[361]. Não
basta onerar as condutas prejudiciais, é preciso recompensar as benéficas através
de normas promocionais. Aliás, o novo Código Florestal, em seu artigo 58,
inciso VIII, prevê explicitamente esse princípio, ao constar o pagamento por
serviços ambientais ao produtor rural.
Esse mecanismo consiste em aporte de recursos financeiros, públicos ou
privados, para quem garanta serviços ambientais ou otimize a oferta de serviços
ecossistêmicos. Além do PSA, o princípio do protetor-recebedor pode se
materializar de outras formas, sobretudo promovendo o incentivo de medidas
virtuosas através da concessão de prêmios fiscais. Mais uma vez, então, nota-se
a ligação íntima que se deve estabelecer entre o Direito Ambiental e o Direito
Tributário, ambos, de mãos dadas com a sustentabilidade ambiental e econômica
da produção rural.
Essa série de princípios ambientais provocou o fenômeno que alguns
doutrinadores denominam de “esverdeamento” do sistema normativo. Ingo
Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer admitem que a proteção ecológica
“desponta como novo valor constitucional, de tal sorte que, de acordo com
expressão cunhada por Pereira da Silva, se pode falar de um “esverdear” da
Teoria da Constituição e do Direito Constitucional, bem como da ordem jurídica
como um todo”.[362]
Esse verde produz reflexos inevitáveis também sobre as normas tributárias,
cuja manjedoura igualmente se encontra na Constituição. A propósito, Hugo de
Brito Machado lembra que tão grande o rol delas ali que surge um novo ramo
jurídico, o direito constitucional tributário.[363] Aqui, é importante destacar aquela
prevista no artigo 145, § 1º, da Constituição, que estabelece o respeito a
capacidade contributiva. Esse princípio constrange a instituição de tributos cuja
materialidade não expresse manifestação econômica, só se cogitando de
hipóteses de incidência que recaiam sobre situação de riqueza.
Com o rigor que lhe é peculiar, afirma Paulo de Barros Carvalho:
Ao recortar, no plano da realidade social, aqueles fatos que julga de porte
adequado para fazerem nascer a obrigação tributária, o político sai à procura de
acontecimentos que sabe haverão de ser medidos segundo parâmetros
econômicos, uma vez que o vínculo jurídico a eles atrelado deve ter como
objeto uma prestação pecuniária.[364]
Seu primeiro destinatário é o legislador, o qual deve se ater as limitações
econômicas dos eventos albergados pelo antecedente da regra-matriz de
incidência tributária. Não há nenhuma incongruência entre o respeito a
capacidade contributiva e o princípio do poluidor-pagador, até porque as
materialidades abrangidas pela tributação serão aquelas já previstas no Texto
Constitucional. Todavia, sem ignorar os impactos ambientais do fato gerador, os
quais também podem ser levados em conta para majorar ou não uma alíquota,
admitir deduções de base de cálculo ou instituir de taxas mais onerosas.
Aquele que possui capacidade de poluir, geralmente detém capacidade
econômica para desenvolver a atividade degradadora e, por consequência,
contribuir. Fazendo esse paralelo, pontua Jorge Henrique De Oliveira Souza:
as materialidades sobre as quais recai a tributação, além de importarem em
inequívoca manifestação de riqueza e, dessa feita, em consonância com o
princípio da capacidade contributiva, representam, no caso, elemento de
agressão do meio ambiente a justificar o tratamento tributário mais severo.
Assim, o princípio da capacidade contributiva servirá de limite ao tributo
ambiental, cujo fato imponível (além de manifestar a possibilidade de
contribuir com as despesas do Estado) deverá guardar relação com o meio
ambiente que se visa preservar, uma vez que a poluição, nas suas mais variadas
formas, atinge o meio ambiente como resultado de um processo produtivo, a
confirmar aquela manifestação de riqueza.[365]
Pode-se afirmar que os vetores do poluidor-pagador e da capacidade
contributiva se complementam, dialeticamente. Guiam o legislador na instituição
de instrumentos tributários capazes de aferir, economicamente, a aptidão
poluente de determinada atividade, constrangendo os agentes econômicos a
contribuírem para os gastos com prevenção, manutenção e reparação do meio
atingido. Simone Martins Sebastião, testifica que:
no tributo ecológico, em especial no imposto, a capacidade econômica estaria
conectada à capacidade de poluir. Pois se o financiamento do gasto social deve
atender ao princípio da capacidade econômica, contribuição na medida de de
suas possibilidades, no que tange à preservação do bem coletivo ambiental,
deve-se levar em consideração a maior ou menor capacidade de poluir,
potencial e efetiva, capacidade de deterioração do bem ambiental.[366]
Embora na maioria das vezes a criação do tributo tenha o objetivo maior
de angariar apenas recursos financeiros ao Estado, não se pode negar que, cada
vez mais, este instituto jurídico tem sido utilizado como elemento de persuasão
sobre o comportamento do contribuinte. Aliás, segundo Souza e Teodorovicz, a
trajetória histórica do Direito Tributário pode ser dividida em três estágios
sucessivos[367].
No inicial, deslumbrado com o modelo liberal clássico, praticamente todas
as espécies tributárias detinham ilimitada vocação fiscal, olvidando outras
finalidades tidas, à época, como irrelevantes. Num segundo momento, ainda
predominantemente arrecadatórios, foram instituídos os primeiros tributos
extrafiscais, quase sempre atrelado a escopos econômicos, como os aduaneiros.
Finalmente, surge “o novo paradigma da socioambientalidade”, impulsionando a
utilização de mecanismos tributários para alcançar resultados sustentáveis.
Regina Helena Costa define essa tributação como a utilização de
ferramentas tributárias a fim de proporcionar “recursos necessários à prestação
de serviços públicos de natureza ambiental (aspecto fiscal ou arrecadatório), bem
como para orientar o comportamento dos contribuintes à proteção do meio
ambiente (aspecto extrafiscal ou regulatório)”.[368]
Carlos Eduardo Peralta Montero distingue os tributos ambientais em duas
categorias: a) em sentindo amplo ou impróprio e b) em sentido estrito ou
próprio[369]. Os primeiros seriam aqueles com função majoritariamente
arrecadadora, que, todavia, em um ou alguns dos seus caracteres se denota um
aspecto ecológico. Já os segundos possuem um vínculo direto entre a sua
estrutura normativa e o impacto ambiental causado pelo fato imponível, de modo
que sua regra-matriz de incidência deverá induzir um comportamento positivo
ou negativo do contribuinte, com nítida finalidade extrafiscal.
Esse novo paradigma não exige a criação de novos tributos, além daqueles
previstos no Texto Constitucional, e nem a descaracterização do conceito de
tributo, introduzindo-lhe um caráter sancionador. Na verdade, reclama uma nova
leitura do Sistema Tributário através da ótica da sustentabilidade. Como propõe
Denise Cavalcante: “uma remodelação ecológica do sistema tributário nacional,
que passa a considerar o meio ambiente como diretriz necessária, inclusive,
redirecionando ecologicamente os tributos que não tinham na sua origem tal
preocupação”.[370]
2 DIREITO AGRÁRIO CONSTITUCIONAL E INSTRUMENTOS FISCAIS
NA POLÍTICA AGRÍCOLA
Em que pese a importância da gama de princípios ambientais e tributários
extraídos da Constituição, em nada teriam importância se não fosse, antes de
tudo, assegurado ao homem o direito fundamental à alimentação,
umbilicalmente ligado à vida digna. Alimentos, por sinal, diretamente
relacionados a atividade rural, objeto de estudo e proteção do Direito Agrário,
vislumbrado na sua perspectiva constitucional no presente tópico.
O direito à alimentação pode ser extraído de uma série de normas
espalhadas pelo texto original da Constituição: pressuposto da dignidade
humana; consectário da erradicação da pobreza; do direito à saúde; do fomento à
produção agropecuária e organização do abastecimento alimentar; entre outros.
Mas, somente a partir da promulgação da Emenda Constitucional 64/2010, é que
foi introduzido, de forma expressa, como direito fundamental em nosso
Ordenamento, no caput do artigo 6º.
Essa garantia está contida no cerne do mínimo existencial, porquanto
atrelado as necessidades básicas de qualquer pessoa. Seu primeiro vilão, sem
dúvida, é a fome que ainda dízima tantas pessoas ao redor do Globo. Apesar de
não ser o único, um de seus principais fatores consiste na oferta limitada e
restrita de alimentos diante de uma demanda cada vez mais crescente.
Eis a preocupação quantitativa do direito à alimentação, voltada ao
abastecimento alimentar da população. Entretanto, a segurança alimentar não se
resume apenas ao problema da fome, de índole numérica, eis que diz respeito,
ainda, a qualidade do alimento:
o direito de não sentir forme é apenas o pilar inicial do direito humano à
alimentação adequada... Aos que já possuem fartura de acesso à alimentação, a
qualidade dos alimentos precisa ser garantida, não só enquanto cidadãos mas
também em consideração à sua condição de consumidores.[371]
Já, aí, o aspecto qualitativo deste direito fundamental, voltado
principalmente a segurança sanitária, nutricional e genética dos alimentos.
Adota-se, pois, o conceito de segurança alimentar trabalhando por Grassi Neto:
como sendo a situação na qual todas as pessoas, regular e permanentemente,
têm acesso físico, social e econômico a alimentos suficientes para o
atendimento de suas necessidades básicas e que, além de terem sido
produzidos de modo sustentável e mediante respeito às restrições dietéticas
especiais ou às características culturais de cada povo, apresentem-se saudáveis,
nutritivos, e isentos de riscos, assim se preservando até sua ingestão pelo
consumidor.[372]
A estreita ligação entre o direito à alimentação e a atividade agrária é
intuitiva, pois, a maior parcela da produção primária se destina à alimentação
humana. Aliás, como ressalta Darcy Walmor Zibetti “o bom alimento provindo
da terra é o grande responsável pela qualidade de vida do homem – é o melhor
remédio para os males que atingem a humanidade”.[373] A proteção, extraída do
Direito Agrário, a essa atividade essencial viabiliza a concretização daquele
direito social.
Nessa sua missão de garantir a fartura de alimentos saudáveis, o Direito
Agrário trabalha com seus instrumentos, como o combate ao latifúndio
improdutivo por meio da Reforma Agrária e o fortalecimento da produção rural
através das diretrizes da Política Agrícola. Elisabete Maniglia aduz que a
ausência “de reforma agrária e mesmo de uma legislação agrária que fortalecesse
o pequeno proprietário, junto com a crescente concentração da propriedade, foi
uma das maiores causas da falta de segurança alimentar”.[374]
Para se aquilatar da envergadura da proteção da atividade rural, como meio
de se garantir a segurança alimentar, é preciso, antes de tudo, partir da
Constituição Federal, podendo-se falar, hoje, num Direito Agrário
Constitucional:
Apesar de sua autonomia, o direito agrário não é ciência estanque, não existe
por si só, não é isolado. Ao contrário, mantêm estreitas relações com os demais
ramos do direito que o complementam. De maneira especial está ligado ao
direito constitucional de onde emanam todas as diretrizes básicas e seus
princípios norteadores;[375]
O mestre José Afonso da Silva, em obra de grande notabilidade, ratifica a
importância que a Constituição conferiu à propriedade rural, ao dizer que:
A propriedade rural, que se centra na propriedade da terra, com sua natureza de
bem de produção, tem como utilidade natural a produção de bens necessários à
sobrevivência humana, daí por que a Constituição consigna normas que
servem de base à sua peculiar disciplina jurídica (arts. 184 a 191). É que a
‘propriedade da terra, bem que se presta a múltiplas formas de produção de
riquezas, não poderia ficar unicamente em subserviência aos caprichos da
natureza humana, no sentido de aproveitá-la ou não, e, ainda, como conviesse
ao proprietário.[376]
O Texto Maior, no artigo 5°, incisos XXII e XXIII, estipula que a
propriedade é protegida, contanto que atenda a uma finalidade social, o que, por
sinal, é enfatizado como princípio da Ordem Econômica, no art. 170, incisos II e
III. A propriedade deixa de ser enxergada como direito mesquinho, absoluto e
ilimitado, como pregado pela Revolução Francesa, passando a exigir que seu
exercício ocorra em prol da pessoa, sem perder de vistas os fins éticos da
comunidade em que aquela está inserida, na visão prenunciada por Aristóteles.
[377]
Com a sutileza que lhe é peculiar, afirma Fernando Sodero que o regime
jurídico da terra “fundamenta-se na doutrina da função social da propriedade,
pela qual toda a riqueza produtiva tem uma finalidade social e econômica, e
quem a detém deve fazê-la frutificar, em benefício próprio e da comunidade em
que vive”.[378]
O Código Civil condiciona-lhe a fruição ao bem-estar socioambiental, no
seu artigo 1.228, ao preceituar que esse direito “deve ser exercitado em
consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam
preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a
fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e
artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. Nesse diapasão, o
professor Álvaro Luiz Valery Mirra, pontifica:
a função social e ambiental não constitui um simples limite ao exercício de
direito de propriedade, como aquela restrição tradicional, por meio da qual se
permite ao proprietário, no exercício de seu direito, fazer tudo que não
prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a função social e
ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário
comportamentos positivos, no exercício de seu direito, para que a sua
propriedade concretamente se adeque a preservação do meio ambiente.[379]
No Capítulo III, da Carta Magna, inteiramente dedicado a questão
agrícola, logo no caput do primeiro artigo, exige-se a função social da
propriedade rural, ameaçando de desapropriação àquele que não a cumprir. O
artigo 186 elenca seus requisitos, a serem preenchidos “simultaneamente”: a)
aproveitamento racional e adequado; b) utilização racional e adequada dos
recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; c) observância
das disposições que regulam as relações de trabalho e d) exploração que
favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Esses deveres constitucionais reclamam um comportamento positivo por
parte do produtor rural, no afã de alcançar dois intentos. Primeiramente, garantir
o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, através das
áreas rurais protegidas, como as de proteção permanente e de reserva legal,
construindo um grande mosaico protetivo em todo território nacional. Mas é
preciso recompensar o produtor por esse benefício ofertado a todos.
Em segundo lugar, busca proteger o agropecuarista dele mesmo, obstando
que a exploração da gleba se torne insustentável a longo prazo, pela utilização de
técnicas que gerem consequências negativas diretas à gleba. Ninguém melhor do
que o agrarista gaúcho Albernir Querubini para tratar do assunto:
Desta forma, o proprietário rural, quando cumpre com os requisitos da função
social da propriedade rural, mantendo índices satisfatórios de produtividade e
protegendo o meio ambiente, assim como observando os seus demais
requisitos, ao mesmo tempo em que satisfaz seus interesses econômicos
particulares da atividade agrária, também satisfaz aos interesses da
coletividade, pois contribui para o abastecimento interno de alimentos e
produtos, gera riquezas para o país, movimenta a economia e protege o meio
ambiente, contribuindo para proporcionar uma melhor qualidade de vida para
as presentes e futuras gerações.[380]
Em contrapartida ao atendimento da função socioambiental, a Carta Maior
estabelece no parágrafo único do artigo 185, “tratamento especial” à propriedade
que alcançar tal missão. Essa mensagem eloquente do constituinte jamais poderá
ser ignorada ou protelada pelo legislador infraconstitucional. Dentro desse
diferimento em relação as demais atividade econômicas, sobreleva-se o trato
tributário diferenciado, reiterado numa série de normas igualmente previstas ali.
A primeira está inserida dentro das disposições pertinentes a Política
Agrícola, tema fundamental de Direito Agrário, entendida como conjunto de
instrumentos de amparo à produção rural. Estes buscam orientá-la,
economicamente, visando seu incremento, a segurança alimentar, a manutenção
da renda no campo, a redução das disparidades regionais, a verticalização das
atividades agropastoris “dentro da porteira” e, não menos importante, a proteção
do meio ambiente. Nesse sentido, pontifica Torminn Borges:
Diversamente da Reforma Agrária, a Política Agrícola, também chamada de
Política de Desenvolvimento Rural, é um movimento permanente, em eterna
renovação para acoplar os recursos da tecnologia e a necessidade de retirar
riquezas cada vez mais densas da terra, sem a exaurir, sem a esgotar.[381]
O artigo 187, da Constituição, prevê que a Política será planejada e
executada com a participação efetiva dos produtores e trabalhadores do campo,
conjuntamente com os setores de comercialização e logística. Neste dispositivo
estão previstos seus fundamentos e ferramentas, como o crédito, a
compatibilidade dos custos de produção com os preços pagos, o seguro, o
cooperativismo, a assistência técnica, o incentivo a pesquisa e tecnologia e
os instrumentos fiscais.
Como, então, utilizar esses instrumentos fiscais, concretizando a Política
Agrícola, como forma de estimular a função socioambiental? A resposta começa
no artigo 170, da Lei Superior, donde se extraem os princípios que devem
nortear a Economia brasileira. Dentre eles, menciona a função social da
propriedade, e logo em seguida resguarda a defesa do meio ambiente,
garantindo, inclusive, tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental
dos produtos e seus respectivos processos produtivos.
Evidentemente, que estão abrangidas as commodities agropecuárias. Aí,
então, está definitivamente consagrada a incidência tributária diferenciada como
forma de estímulo à produção sustentável, conformando a relação do homem do
campo com a natureza. Como defende Liane Tabarelli é preciso repensar a
atividade produtiva:
Como destacado, não mais se admite compreender que crescimento econômico
e sustentabilidade ocupem polos opostos e excludentes nas relações públicas e
privadas. No âmbito das atividades agrárias, por exemplo, infere-se que ‘a
discussão sobre o desenvolvimento sustentável para a agricultura implica
repensar as formas de produção e a redefinição das relações entre produtores e
natureza’”.[382]
Esses “instrumentos fiscais” são repetidos também no artigo 4º, inciso
XIV, da Lei de Política Agrícola, ao prever “a tributação e incentivos fiscais”.
Antes desse dispositivo, mais precisamente no inciso IV, ainda está prevista,
dentre as ações, a “proteção do meio ambiente, conservação e recuperação dos
recursos naturais”. É a prova inconteste de que a conscientização ecológica está
atrelada a tributação rural.
Igualmente a nível legal, não se pode olvidar que o próprio Estatuto da
Terra já previa o tributo ambiental incidente na atividade rural em seu artigo 47.
Dessa vez, especificou que para estimular o desenvolvimento rural e incentivar a
racionalização da atividade agropecuária dentro dos princípios ambientais, deve
o Poder Público lançar mão da “tributação progressiva da terra”, exemplificando,
expressamente, benefícios fiscais dentro do Imposto de Renda do produtor rural.
Lendo-se esse enunciado prescritivo, observa-se que o Estatuto utilizou
dois signos que carregam em si a essência da extrafiscalidade: “incentivar” e
“estimular”. Além disso, fala em “tributação progressiva da terra” e cita a
possibilidade do imposto de renda ser utilizado como veículo da conscientização
ambiental. De uma vez por todas, a tributação ambiental está enclausurada
dentro da legislação agrarista, desde o Estatuto da Terra até a Lei de Política
Agrícola, razão pela qual, desde há muito, reclama por sua efetivação!
Diante dessa plêiade de normas trazidas na Constituição, sejam
ambientais, tributárias ou agrárias, albergadas tanto na Lei de Política Agrícola
quanto no Estatuto da Terra, não basta só proclamá-las, é preciso torná-las
realidade concreta e factível. Em alto e bom som, incumbe ao legislador
ordinário dar concretude a ordem emanada de todos esses enunciados
prescritivos, estabelecendo normas tributárias típicas que repercutam na
obrigação pecuniária impositiva daquele que conservar o meio ambiente.
A tributação ambientalmente orientada encerra o elo de conciliação entre a
produção de alimentos saudáveis por meio da atividade rural e o estímulo à
preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, garantindo ambos às
presentes e futuras gerações. Como dizia o agrarista goiano Paulo Torminn,
impende “proteger a terra, porque ela é a matriz e a nutriz não só no presente
como no futuro. Por isso ela precisa ser tratada com carinho, para que, na
afoiteza, não se mate a galinha dos ovos de ouro”.[383]
3 TRIBUTAÇÃO AMBIENTALMENTE ORIENTADA DA ATIVIDADE
RURAL
Como visto, a extrafiscalidade ambiental insere-se dentre os vários
instrumentos a disposição do legislador para concretização da Política Agrícola
Constitucional, expressamente prevista no art. 187, inciso I. Sua incidência,
dentro das diversas relações do agronegócio, também efetiva o princípio do
desenvolvimento sustentável insculpido no art. 170, VI. Parte-se, agora, para
uma análise mais próxima desse contexto econômico e das possibilidades dessa
forma de tributação.
Segundo o professor Renato Buranello, agronegócio pode ser entendido
como “antes, dentro e após a porteira”, utilizando, de forma metafórica, a porta
de entrada e saída de uma fazenda para se destacar as diversas etapas das cadeias
produtivas desse setor. Com base nas lições dos professores de Harvard John
Davis e Ray Goldberg, ele traz um conceito mais cirúrgico:
a soma das operações de produção e distribuição de suprimentos, das
operações de produção nas unidades agrícolas, do armazenamento,
processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir
deles.[384]
Nessa plêiade de relações interdependentes, ganha importância a
engrenagem maior que faz girar todo o sistema: o “dentro da porteira”. De
acordo com Massilon J. Araújo, essa fase engloba a produção agropecuária
propriamente dita, subdividida, principalmente, em agricultura e pecuária,
“desde as atividades iniciais de preparação para começar a produção até a
obtenção dos produtos agropecuários in natura prontos para a comercialização”.
[385]

A etapa produtiva vai além dessas duas categorias produtivas, englobando,


totalmente, o conceito de atividade rural, trazido pela legislação agrária,
mormente nos dispositivos da Lei nº. 8.629/93. Essa norma, em seu artigo 4º, ao
definir imóvel rural, estabelece as respectivas destinações que o mesmo pode
comportar: exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou
agroindustrial.
O agrarista Christiano Cassetari preleciona que a atividade agrária engloba
dois elementos: processo agrobiológico e risco correlato. O primeiro “é uma
interação do homem com a natureza na busca da produção de alimentos e
matéria-prima”. Já o segundo consiste num “risco da atividade da natureza que
só a atividade agrária possui”[386], no sentido de sofrer interferência de fatos
naturais, totalmente diferente de uma indústria ou comércio.
Esses requisitos inserem-se dentro da “teoria da agrariedade” trazida pelo
professor italiano Antonio Carroza, trabalhada por Flavia Trentini e Mariagrazia
Alabrese. O fator comum da agrariedade é “o desenvolvimento de um ciclo
biológico, concernente tanto à criação de animais como de vegetais, ligado direta
ou indiretamente ao desfrute das forças e dos recursos naturais, resultando na
obtenção de frutos (vegetais ou animais)”[387].
Hoje, caminha-se rumo a profissionalização e otimização organizacional
dessa atividade, tornando-a essencialmente empresarial. Aliás, o artigo 971, do
Código Civil, faculta ao produtor rural se inscrever no Registro Público de
Empresas Mercantil. Nessa proposta moderna de empresa agrária, volta-se a
atenção, não apenas à terra, mas, sobretudo, à atividade nela desenvolvida,
destacando-se como fatores de produção o trabalho, o capital e a terra, cujo
resultado imediato consiste em alimentos, fibras e bioenergia.
Como qualquer outra atividade econômica, não escapa a tributação em
suas mais diversas formas de incidência. A propósito, pontifica Coimbra, “o
tributo afeta toda e qualquer atividade econômica, inclusive o agronegócio e, por
ser uma prestação coativa, restringe a liberdade do contribuinte”.[388] O ex-
ministro Roberto Rodrigues afirma que “não existe dúvida acerca da alta carga
tributária incidente sobre o produtor/consumidor no País, atualmente. Há
cálculos de que essa carga tem superado um terço do valor da produção, em
algumas cadeias produtivas”.[389]
O produtor rural pessoa física está sujeito ao imposto de renda sobre as
disponibilidades econômicas oriundas da atividade rural, com apuração
segregada na declaração anual. A pessoa jurídica produtora rural além de pagar o
imposto de renda, também deve arcar com a contribuição social sobre o lucro
líquido – CSLL e com as contribuições sociais ao Programa de Integração Social
– PIS e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS.
As duas categorias contribuem sobre o resultado da comercialização da
produção rural com o denominado “FUNRURAL”, que, na realidade, consiste
num tributo destinado ao custeio, por parte do empregador, da previdência do
trabalhador rural. Com o advento da Lei 13.606/2018, a partir de 2019 será
possível optar pela contribuição previdenciária sobre a folha de salários.
Havia, ainda, a contribuição sindical destinada a Confederação Nacional
da Agricultura – CNA, cobrada anualmente da categoria. Esta, por sinal, deixou
de ser tributo com as alterações trazidas pela denominada “Reforma
Trabalhista”, dependendo de prévia e expressa concordância do produtor. Alguns
pagam, também, optativamente, a contribuição assistencial destinada aos
Sindicatos Rurais (a qual não é tributo).
Além de todos esses ônus, existem mais dois que impactam diretamente na
atividade rural. O primeiro, consiste no Imposto sobre Propriedade Territorial
Rural – ITR, enquadrado como tributação do patrimônio rural, já que de acordo
com a Lei 9393/97, o imposto não alcança áreas de preservação permanente,
reservas particulares do patrimônio natural – RPPN, reservas legais e nem áreas
de interesse ecológico.
Segundo Souza, é possível concluir que o legislador, ao estabelecer a
regra-matriz de incidência, levou em consideração notas ambientais para a
desoneração tributária das áreas que servem de instrumentos para preservação,
atendendo, assim, ao comando constitucional do artigo 225[390]. Nesse mesmo
diapasão, afirma Celso Fiorillo:
O ITR, como se verificou, guarda em sua totalidade contornos de tributo
afetado a preservação e proteção de um bem ambiental e por conta desta
peculiaridade se caracteriza como típico tributo ambiental a ser observado a
partir dos princípios e valores que moldam o direito ambiental tributário do
País. No preenchimento dos aspectos essenciais da hipótese de incidência de
referido imposto, portanto, os princípios ambientais como prevenção,
desenvolvimento sustentável, poluidor-pagador e tantos outros deverão e
devem ser levados em conta pelo titular da competência tributária sob pena
inclusive de afronta aos mandamentos descritos pelo próprio legislador
constitucional.[391]
Vislumbrando-se seu desenho constitucional, vê-se que seu principal
objetivo é combater a manutenção de grandes propriedades rurais improdutivas
e, por tabela, à especulação imobiliária. Esse desiderato, também gera ganhos
ambientais, porquanto a baixa produtividade exigiria uma porção maior de terras
para acompanhar a demanda crescente por produtos primários, pressionando,
assim, a abertura de nova fronteiras, algumas, infelizmente, através do
desmatamento ilegal. A propósito, afirma Bernard Appy:
Obviamente a baixa produtividade na produção agropecuária e o
desmatamento com finalidades especulativas também têm impactos ambientais
negativos. A baixa produtividade implica na necessidade de um volume muito
maior de terras para um determinado nível de produção agropecuária (e,
portanto, um volume muito maior de desmatamento) que o que seria necessário
caso a produção fosse realizada de forma mais eficiente.[392]
A releitura da regra-matriz de incidência tributária do ITR, inclusive,
atualizando os índices para aferição da produtividade rural e, reflexamente, da
alíquota, em muito contribuiriam para o aumento da eficácia ambiental do
tributo. Em complemento, afirma Bernard Appy:
Adicionalmente, há uma clara correlação entre o grau de produtividade da
pecuária, a qualidade dos pastos e a emissão de gases de efeito estufa. Em uma
pecuária bovina de baixa produtividade, conduzida em pastos degradados, a
emissão líquida de gases de efeito estufa (considerada a emissão pelo animal e
a absorção de carbono pelo pasto) pode chegar a 122 quilos de CO2
equivalente por quilo de carcaça, enquanto que em uma pecuária de alta
produtividade, conduzida em pastos manejados, esta emissão cai para 23 quilos
de CO2 equivalente por quilo de carcaça.[393]
Ademais, questões outras interferem diretamente no grau de eficiência
ambiental do ITR. Dentre elas, a ausência de um cadastro único de imóveis
rurais e a possibilidade de municipalização trazida pela Emenda Constitucional
nº. 42, de 2003. O referido autor apresenta quatro sugestões para otimizar
ambientalmente o tributo, a saber: a) compatibilização da legislação ambiental
com a do ITR; b) aprimoramento do desenho normativo; c) coordenação dos
cadastros dos imóveis e da fiscalização tributária; d) efetivar a municipalização
do imposto[394].
Apesar da importância ambiental do ITR, o foco da presente análise diz
respeito a outro imposto, cuja utilização ambiental ainda é bastante tímida: o
ICMS. Este alcança tanto os insumos adquiridos pelo produtor necessários à
produção, como sementes, fertilizantes e defensivos, quanto a comercialização
dos produtos extraídos da terra, como a soja, o milho, a carne, o ovo, o leite e a
cana-de-açúcar.
Não o denominado “ICMS-ecológico”, que embora possua um importante
papel na conscientização ecológica, está mais afeito a relação federativa entre os
Estados e os municípios. Na produção primária, o uso do referido imposto seria
mais bem explorado através da utilização de benefícios fiscais como forma de
promover condutas ambientalmente inteligentes. Assim, pontifica Fiorillo:
Ainda no que se refere à utilização de impostos para o fomento de atividades
voltadas à preservação do meio ambiente natural, o ICMS é outro tributo que
vem sendo empregado como importante fonte de recursos para o atendimento
dessas finalidades.[395]
De acordo com o artigo 155, § 2º, III, da Constituição Federal, o ICMS
“poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos
serviços”. Assim, torna-se defensável que a essencialidade do produto também
possa estar relacionada ao seu grau de impacto ambiental, em qualquer das
etapas para o seu oferecimento para o mercado consumidor. Deliberando à
respeito da utilização desse tributo de forma seletiva do ponto de vista
ambiental, afirma Jorge Henrique de Oliveira Souza:
...se determinado produto (mercadoria) é elaborado com impacto ambiental e
outro, pela utilização de técnicas mitigadoras, não produz aludido impacto, é
plenamente justificável pelas disposições constitucionais que o produto
elaborado sem impacto para o meio ambiente goze de benefícios fiscais
induzindo seu consumo e utilização em larga escala, prestigiando-se as
condutas ecologicamente equilibradas.[396]
No mesmo norte, Leonardo Maia Nascimento:
E como alternativa, o art. 155, § 2.º, III, da CF/1988 estabelece que o ICMS
poderá ser seletivo em razão da essencialidade das mercadorias e dos serviços,
significando menores alíquotas para os mais essenciais, o que torna plausível
sustentar que a essencialidade pode ser aferida também em face do tipo do
produto ou serviço em espécie, ou seja, quanto mais benéfica ao meio
ambiente, menor seria a alíquota aplicável – é claro desde que previsto em lei
estadual, em face do princípio da legalidade.[397]
Não há exemplo mais inovador da utilização ambientalmente orientada do
ICMS, do que o Programa de Recuperação de Pastagens Degradadas instituído
pelo Estado do Mato Grosso do Sul, por meio do Decreto nº. 14.424/2016. Seu
objetivo primordial foi promover a recuperação de solos em estado de
degradação mediante benefícios fiscais atinentes ao mencionado tributo.
Dentro desse escopo, de forma reflexa, busca-se maior oferta de alimentos,
fibras, energia e produtos florestais; o aumento da rentabilidade do setor
agropecuária, com a consequente geração de empregos; otimização de todo
cadeia produtiva, alavancando, por tabela, os estágios “antes da porteira e depois
da porteira”; redução dos gases do efeito estufa e a incorporação de tecnologias
produtivas ambientalmente adequadas no dia-a-dia dos produtores rurais.
O programa define recuperação de pastagem degradada como sendo a
“reversão do processo evolutivo de perda da produtividade e da capacidade de
recuperação natural para sustentar os níveis de produção e de qualidade exigidos
pelos animais, assim como de superar os efeitos nocivos de pragas, doenças e
invasoras”, conforme explicitado no § 1º, do artigo 1º, do Decreto.
Em contrapartida, logo em seguida delimita a abrangência dos incentivos
destinados àqueles que recuperarem seus pastos, subdividindo-os em duas
categorias. A primeira, para quem recuperar através da utilização de práticas
agrícolas, cujo “prêmio” seria a redução do imposto incidente nas operações com
os produtos oriundos das respectivas lavouras. Nessa hipótese, o incentivo será
calculado no percentual de trinta e três inteiros e trinta e quatro centésimos sobre
o imposto devido em toda a produção obtida na área.
Já a segunda categoria, direcionada a recuperação da área através de
atividades pecuárias por meio de pastagens renovadas, resumir-se-ia no desconto
de mesmo percentual do imposto incidente sobre operações internas de bovinos,
calculado sobre a “produção incremental”. Esse conceito pode ser inferido como
a diferença entre a produção obtida após a adesão ao programa e aquela
angariada anteriormente.
O artigo 2º do mencionado Decreto, estipula os requisitos para aqueles que
pretenderem participar do Programa, dentre eles: indicar profissional técnico
inscrito regularmente no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de
Mato Grosso do Sul (CREA-MS), o qual será responsável pela elaboração de
projeto bem como pela prestação de assistência técnica durante o período de
participação no Programa. E, ainda, apresentar projeto de recuperação da área
degradada ou em processo de degradação e do seu aproveitamento na produção
agropecuária, elaborado pelo técnico por ele indicado.
Esse projeto está sujeito a conferência e validação pela Secretaria de
Produção e Agricultura Familiar – SEPAF, órgão daquele Estado, o qual possui
competência para fiscalizar a execução do projeto. Além disso, caberá
regulamentar, juntamente com a Secretaria da Fazenda do Mato Grosso do Sul, a
metodologia do cálculo da “produção incremental” no âmbito da recuperação
através de atividade pecuárias.
O especialista em direito agroambiental Joaquim Basso, embora louve a
iniciativa, aponta algumas falhas pertinentes ao Decreto nº. 14.424/2016. Uma
das críticas consiste na delimitação do programa apenas aos pecuaristas de
bovinos, seja através de pastagens renovadas ou por meio de lavouras. Por
consequência, outros produtores rurais, por exemplo, dedicados a ovinocultura,
que recuperarem suas pastagens, em princípio, não estariam agraciados com os
benefícios fiscais[398].
Ademais, outras formas de recuperação de pastagens, como a integração
com fruticultura, também estariam fora dos seus requisitos legais. Com base
nessas premissas, novamente afirma Joaquim Basso:
Nota-se, desse modo, que o Programa tem um público muito limitado de
beneficiados, incentivando apenas um modelo de produção, quando se sabe
que é a diversificação na produção agropecuária um dos maiores objetivos da
sustentabilidade, desde a Agenda 21, e o caminho mais consentâneo com a
segurança alimentar. Colocado como um dos objetivos do Programa, o
aumento da produção de alimentos (art. 1º, II) não é o foco do programa, caso
contrário, teria sido mais abrangente para outros tipos de produção.[399]
Quanto a esse ponto, parece que uma correção legislativa tornando a
norma mais abrangente, alcançado outras atividades igualmente importantes do
ponto de vista econômico-social, bem ainda novas tecnologias produtivas que
gerem ganhos ambientais, seria o melhor caminho para a conscientização
ambiental do produtor de um modo geral. Sem qualquer discriminação de outras
atividades.
Esse importante instrumento de tributação ambientalmente orientada está
em perfeita consonância, com a Lei nº. 12.805/2013, que instituiu a Política
Nacional de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta a nível federal. Nesta
perspectiva, destaca-se o disposto no artigo 1º, inciso VII, o qual prevê, dentre os
objetivos, “diversificar a renda do produtor rural e fomentar novos modelos de
uso da terra, conjugando a sustentabilidade do agronegócio com a preservação
ambiental”.
Ainda em âmbito federal, não se pode olvidar as disposições da Lei nº.
12.651/2012, precisamente em seu artigo 41, ao prever a possibilidade de
instituição do Programa de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do
Meio Ambiente. Essa ferramenta almeja adotar tecnologias e boas práticas que
conciliem a produtividade agropecuária e florestal, com redução dos impactos
ambientais, como forma de promoção do desenvolvimento ecologicamente
sustentável. O referido dispositivo legal prevê algumas linhas de ações possíveis
para implementar o dito programa.
A primeira, seria o pagamento ou incentivo a serviços ambientais,
mediante retribuição, monetária ou não, às atividades de conservação e melhoria
dos ecossistemas e que gerem serviços ambientais. Dentre essas atividades,
pode-se citar, como exemplo de interesse à atividade rural: o sequestro, a
conservação, a manutenção e o aumento do estoque e a diminuição do fluxo de
carbono e a conservação e o melhoramento do solo. Ambas, por sinal, podendo
ser alcançadas através da adoção de práticas como a integração lavoura-
pecuária-floresta.
Já a segunda linha de ação consiste em compensar o produtor rural pelas
medidas de conservação ambiental necessárias para o cumprimento dos
objetivos do Código Florestal. Como instrumento apto a tal desiderato, pode-se
mencionar o disposto no inciso II, alínea c, que prevê a “dedução das Áreas de
Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito da base de cálculo
do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, gerando créditos
tributários”. Essa previsão já fora tratada anteriormente.
Ainda citando medidas compensatórias tributárias, a alínea f, inciso II, do
mencionado artigo, estipula a “isenção de impostos para os principais insumos e
equipamentos, tais como: fios de arame, postes de madeira tratada, bombas
d’água, trado de perfuração de solo, dentre outros utilizados para os processos de
recuperação e manutenção das Áreas de Preservação Permanente, de Reserva
Legal e de uso restrito”. Dentre esses impostos, o principal seria o ICMS.
Outra possibilidade de tributação ambientalmente orientada a recair sobre
a atividade agrária, albergada pelo eventual programa, está positivada no § 1º,
inciso II, do sobredito artigo. Ali está estipulada, como forma de financiar as
despesas necessárias a regularização ambiental, a “dedução da base de cálculo
do imposto de renda do proprietário ou possuidor de imóvel rural, pessoa física
ou jurídica, de parte dos gastos efetuados com a recomposição das Áreas de
Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito cujo desmatamento
seja anterior a 22 de julho de 2008”.
Por derradeiro, impende sublinhar a densidade normativa do § 2º, do artigo
41, provavelmente o dispositivo mais impactante nessa nova perspectiva
tributária-ambiental do agronegócio. Nele, se prevê que o Programa de Apoio e
Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente poderá estipular
“diferenciação tributária” para empresas que industrializem ou comercializem
produtos originários de propriedades ou posses rurais que cumpram os padrões e
limites estabelecidos nos dispositivos da legislação florestal, ou que estejam em
processo de cumpri-los.
Essa “diferenciação tributária” é a pedra filosofal para a mudança de
paradigma no agronegócio, sobretudo na atividade rural dentro da porteira,
tornando-a sustentável, diversificada e produtiva. Todavia, ainda não se tem
notícia de instituição, a nível federal, do sobredito “programa”, o qual, pelo
visto, não saiu do papel após esses cinco anos desde a promulgação do Novo
Código Florestal.
Ainda que seja uma legislação vanguardista se comparada com os demais
países do mundo, falta-lhe concretização, principalmente, na conjugação da
conscientização ambiental, otimização da produção rural e o “esverdeamento”
do sistema tributário brasileiro. Em arremate, afirma Marcelo de Aguiar
Coimbra com precisão:
No Estado Democrático de Direito a justiça fiscal também deve reinar no
campo. A adequada e legítima tributação do agronegócio condiciona-se ao
equilíbrio entre as interações, conexões e mesmo eventuais contradições e
colisões da tríade liberdade econômica, capacidade contributiva e preservação
do meio ambiente, autênticos fundamentos constitucionais da justiça fiscal. Em
síntese, um tributação justa do agronegócio, a partir de um perspectiva
constitucional, deve, em linhas gerais, favorecer o crescimento econômico,
levar em consideração a potencialidade econômica dos contribuintes e
conspirar a favor do equilíbrio ecológico e da melhoria da qualidade ambiental.
[400]

Como questionado pelo economista Antônio da Luz, em recente artigo


publicado pelo Sistema Farsul, será que o Brasil ainda precisa de uma Política
Agrícola? O mesmo autor responde que se a resposta for positiva, “com certeza
não é essa em vigor que apresenta um custo enorme e uma eficácia muito baixa,
o que a torna pouco eficiente, além de estar vinte anos fora de seu tempo”[401].
Dentro dessa Política Agrícola, não resta dúvida que a tributação
ambientalmente orientada da atividade rural, através de instrumentos fiscais,
consiste numa importantíssima ferramenta de conscientização do produtor,
previamente constitucionalizada pelo art. 187, I, do Texto Maior. E, sobretudo,
de justa retribuição pelos serviços ecossistêmicos prestados através da
manutenção de áreas protegidas, garantindo-lhe renda e socializando os custos
ambientais, em franca aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável
arrolado no art. 170, VI, da mesma Norma.
Enfim, como bem disse o homenageado professor Darcy Walmor Zibetti,
ao defender a Teoria Tridimensional da Função da Terra no Espaço Rural:
Pelo manejo da terra como fator de produção, o camponês é o guardião
(relativamente adequado, criterioso ou descuidado, por razões educacionais) de
um dos elementos mais obviamente indispensáveis para a vida do homem.[402]

CONCLUSÃO
Ao se preocupar com as presentes e futuras gerações, a Constituição
Federal alçou a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado à
categoria de direito fundamental. Ainda, consagrou expressamente o princípio
do desenvolvimento sustentável, conciliando crescimento econômico,
desenvolvimento social e proteção do ambiente. Esse “esverdeamento” do
sistema jurídico alcançou também às normas tributárias, permitindo uma nova
leitura ao princípio da capacidade contributiva.
Além de proteger o meio ambiente e o contribuinte, a Carta Magna se
preocupou também com o direito social à alimentação, como cerne da dignidade
humana. E, não há como falar de alimentos sem, antes, admitir a importância da
atividade agrária. A fim de garantir a oferta quantitativa e qualitativa de
suprimentos, destinou-se capítulo específico à Política Agrícola, prevendo,
dentre seus fins, o combate ao latifúndio, o fortalecimento da atividade rural e a
função social da propriedade.
O tributo além do caráter fiscal, pode, ainda, carregar um objetivo que vá
além da mera arrecadação, influenciando condutas do sujeito passivo. Dentre
esses objetivos, destaca-se o paradigma da socioambientalidade, a impulsionar a
utilização de mecanismos tributários para alcançar resultados ecológicos
positivos. Para isto, não se exige a criação de novos tributos, mas, sim, uma
releitura de todo o sistema tributário brasileiro através da ótica da
sustentabilidade ambiental. Surge, daí o conceito de tributação ambientalmente
orientada.
A tributação ambientalmente orientada precisa alcançar o campo, até
porque é ali que se produzem alimentos, fibras e bioenergia para abastecer as
cidades. Para se chegar a esses produtos, existe toda uma cadeia produtiva antes,
dentro e depois da porteira, ao que se dá o nome de Agronegócio. A etapa central
consiste na atividade rural, exercida diretamente na terra, através da
administração do processo agrobiológico e riscos correlatos.
Como toda atividade econômica, a agropecuária também deve contribuir
para as finanças públicas, o que se dá mediante uma série de incidências
tributárias sobre o patrimônio, a renda e produção. O ITR e o ICMS que recai
sobre a comercialização da produção rural foram elencados como instrumentos
para a conscientização do produtor rural. Embora o primeiro já possua ínsita
vocação para a questão ambiental, muito, ainda, pode ser explorado. No que
tange ao ICMS, defende-se que a essencialidade do produto também deve estar
relacionada ao grau de impacto ambiental.
Um exemplo emblemático foi a criação do Programa de Recuperação de
Pastagens Degradadas instituído pelo Estado do Mato Grosso do Sul, por meio
do Decreto nº. 14.424/2016. Com o objetivo de promover a recuperação de solos
em estado de degradação mediante benefícios fiscais ao produtor na hora em que
vende a produção obtida na área recuperada.
Já em âmbito federal, não se pode olvidar as disposições da Lei nº.
12.651/2012, precisamente em seu artigo 41, ao prever a possibilidade de
instituição do Programa de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do
Meio Ambiente. Este, infelizmente, ainda não saiu do papel após esses cinco
anos desde a promulgação do Novo Código Florestal.
Destarte, a partir dessas premissas constitucionais, ambientais, tributárias e
agrárias, conclui-se que a tributação ambientalmente orientada encerra o elo de
conciliação entre a produção de alimentos saudáveis por meio da atividade rural
e o estímulo a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Garantindo, pois, ambos às presentes e futuras gerações, em obediência ao
desenvolvimento sustentável previsto no art. 170, VI, da Constituição.
Sem dúvida, a forma mais rápida e eficiente de conscientização ambiental
do produtor rural e justa retribuição pelos serviços ambientais que já vem
prestando a toda sociedade. Velando, assim, pela Política Agrícola
Constitucional, especialmente através dos instrumentos fiscais previstos no art.
187, I, da Constituição.
CAPÍTULO 15
MARCO TEMPORAL COMO
CRITÉRIO CONSTITUCIONAL PARA
A REGULARIZAÇÃO DE
COMUNIDADES QUILOMBOLAS E A
NECESSÁRIA PONDERAÇÃO DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS
COLIDENTES A PARTIR DE UMA
VISÃO AGRARISTA

ANA CRISTINA LEINIG DE ALMEIDA
Graduada em Direito na Faculdade de Direito de Curitiba (2008). Pós-graduada
em Direito Civil e Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
– PUC-PR (2010). Trabalhou por sete anos como tabeliã substituta no
Tabelionato de Notas e Ofício de Protesto de Palmas-PR. Advogada sócia
fundadora de Kohl & Leinig Advogados Associados.

PAULO ROBERTO KOHL
Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS
(2007); Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera-
Uniderp (2012); Pós-graduando em Direito Agrário e Ambiental aplicado ao
Agronegócio pelo Instituto de Educação no Agronegócio – I-UMA e
Universidade Paulista – UNIP; membro da União Brasileira dos Agraristas
Universitários – UBAU; membro da Comissão de Direito Agrário e Questões do
Agronegócio da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Santa Catarina;
Advogado sócio fundador de Kohl & Leinig Advogados Associados.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 trouxe inúmeros avanços e buscou, em
diversos dispositivos, saldar um passivo social a fim de minimizar desigualdades
e incrementar desenvolvimento social.
Nesse contexto, insere-se o tema objeto deste estudo, pois tem por objetivo
analisar o dispositivo constitucional previsto no art. 68[403] do ADCT (Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias), da Constituição Federal de 1988,
especificamente quanto à análise do critério do marco temporal e da
ponderação como instrumento a sinalizar a melhor aplicação da norma.
Primeiramente, vale destacar que a intenção do legislador com a inclusão
desse artigo foi a defesa do patrimônio cultural dos remanescentes dos
quilombos, bem como o reparo de uma dívida de séculos atrás, que remonta à
escravidão e sua respectiva abolição. Sabe-se que a escravidão no Brasil se
iniciou em meados do Século XVI. Por volta de 1532, chegaram os primeiros
escravos negros ao Brasil, pois os portugueses estavam encontrando dificuldades
em conseguir mão de obra para o trabalho. À época, a escravidão era permitida,
e como os africanos tratavam-se de uma mão de obra forte, que detinha técnicas
mais apuradas de plantio que os indígenas, os portugueses viram nessa mão de
obra um ótimo negócio (TORRES, 2010, p. 43). Pois bem, após anos de
escravidão, a abolição da escravatura ocorreu por ato da Princesa Isabel, Lei
Imperial nº 3.353, em 13 de maio de 1888, denominada Lei Áurea, libertando
todos os escravos do Brasil.
Porém, durante todo esse período em que houve a escravidão, o povo
africano e os afrodescendentes sofreram toda a sorte de abusos e preconceitos.
Nessa perspectiva, o legislador constitucional entendeu incluir o art. 68 do
ADCT, pretendendo a manutenção de sua culturalidade ao prever a regularização
territorial dos remanescentes dos quilombos. Muitos daqueles que estão
ocupando tais remanescentes de quilombos preservam a cultura do seu povo,
mas não possuem o título definitivo da terra, motivo pelo qual, portanto, a norma
vem a regularizar essa situação.
É importante que se diga que passados 30 (trinta) anos da Constituição
Federal, ainda se discutem aspectos referentes à regularização fundiária,
especialmente no que concerne à previsão contida em Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. Atualmente, segundo dados obtidos na página
oficial do INCRA, existem 1.715 processos de regularização quilombola abertos
em todo o Brasil[404].
O Direito Agrário, no Brasil, há que ser interpretado e estudado sob mais
de um momento histórico, particularmente duas grandes fases ou dois grandes
ciclos. A primeira fase, cuja origem remonta a edição do Estatuto da Terra
(1964), se preocupou, particularmente, com a regularização fundiária; por sua
vez, a segunda, atual, se preocupa, sobretudo, com o desenvolvimento agrário,
haja vista que o Brasil deixou de ser um país de agricultura de subsistência para
se tornar uma potência na produção de alimentos.
Nessa perspectiva, o Direito Agrário não deve ser interpretado sob a ótica
de um direito fundiário em que seu estudo se resume exclusivamente à resolução
de demandas relativas à posse e propriedade. O Direito Agrário, segundo
Albenir Querubini e Darcy Zibetti em O Direito Agrário brasileiro e sua relação
com o agronegócio é “o principal ramo do direito a regular as relações jurídicas
decorrentes da exploração da atividade agrária, que compõe o setor agrário
brasileiro.” (PARRA, 2018, p. 61).
Portanto, aquilo que se resolveu, didaticamente, denominar, no âmbito da
teoria do agronegócio, como “dentro da porteira”, “antes da porteira” e “fora da
porteira” estão abrangidas e reguladas por normas de Direito Agrário (PARRA,
2018, p. 61).
Desde logo, destaca-se que o Direito Agrário como ramo autônomo possui
princípios próprios, cujas eventuais lides devem ser analisadas à luz destes.
Benedito Ferreira Marques em Direito Agrário Brasileiro, ao discorrer sobre os
princípios de Direito Agrário, identifica dentre os princípios norteadores desse
ramo do Direito no Brasil: a garantia da propriedade da terra, condicionada ao
cumprimento da função social; proteção da propriedade familiar, à pequena e à
média propriedade; fortalecimento da empresa agrária; e a proteção do
trabalhador rural. (MARQUES, 2015, p. 18). Ainda sobre a autonomia do
Direito Agrário, Opitz afirma: “o exame de autonomia do direito agrário
brasileiro pode ser estudado dos pontos de vista legislativo, científico e
didático.” (OPTIZ, 2009, p. 5).
A existência de demandas atuais envolvendo a regularização fundiária
retrata o atraso em que o país se encontra para enfrentar tais questões – já que
nos encontramos no segundo ciclo do Direito Agrário – motivo pelo qual
somente faz aumentar a complexidade e as consequências diretas e indiretas que
atingirão todos os envolvidos para a resolução desses conflitos.
O presente trabalho tem como perspectiva a análise do marco temporal, do
direito à propriedade, segurança jurídica, proteção da confiança e boa-fé, e da
necessária ponderação como instrumentos a sinalizar a melhor aplicação da
norma prevista no art. 68 do ADCT da Constituição Federal de 1988, diante da
complexidade que envolve tais situações e a partir de uma visão agrarista.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal apreciou a ADI 3.239, cujo
plenário, por maioria, julgou improcedente a ação para declarar a
constitucionalidade do Decreto 4.887/2003, que regulamenta o procedimento
para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das
terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata
o art. 68 do ADCT.
No mérito, o STF entendeu que a norma possui eficácia plena,
aplicabilidade direta e integral, sendo apta para produzir seus efeitos no
momento da entrada em vigor da Constituição Federal. Durante o julgamento,
muito se discorreu sobre o marco temporal, com entendimentos diversos quanto
a sua aplicabilidade pelos Ministros. O voto vencedor foi da Min. Rosa Weber,
que, inicialmente, em obiter dictum, afirmou que a efetiva posse das terras em 05
de outubro de 1988, seria requisito essencial para a proteção prevista no art. 68
do ADCT.
Esse entendimento também foi afirmado por outros ministros. Todavia, ao
final do julgamento, a Ministra Relatora entendeu por suprimir qualquer
referência à ideia de marco temporal. Até o fechamento do presente trabalho o
voto ainda não havia sido publicado.
Entretanto, à despeito desse entendimento, o debate ainda está longe de se
encerrar. O marco temporal, fixado e interpretado à luz daquilo que dispôs o
legislador constituinte, que incluiu no texto legal a expressão estejam ocupando,
somado à ponderação dos interesses dos direitos fundamentais envolvidos
mostram-se critérios constitucionais para a resolução de eventuais conflitos que
envolvam ocupação quilombola.
Diz-se isso, pois, com este trabalho, se pretende demonstrar que, se é
necessária a inclusão dos excluídos, é preciso respeitar a segurança jurídica e o
direito adquirido dos demais. Pensar o contrário seria instaurar uma situação
senão igual, mais gravosa do que a reparação de eventual dívida não criada por
aqueles não-quilombolas que se encontram ocupando, em absoluta boa-fé, as
supostas áreas remanescentes de quilombos.
Uma situação é a de quilombos que foram comprovadamente expulsos de
suas terras, outra bem diferente é do pequeno agricultor familiar ou de ocupação
urbana consolidada que possivelmente terão suas propriedades desapropriadas e
que nunca tiveram notícia de quilombos ao tempo em que possuem os imóveis.
Em ambas as hipóteses, podem se tratar de imóveis que foram transmitidos por
gerações e estão cumprindo a efetiva função social da propriedade. Em ambos
os casos, há normas constitucionais que protegem a propriedade rural, o bem
de família e o direito à moradia. A questão que se coloca é como solucionar
tais casos da forma mais justa possível.
Nessas situações, teríamos duas vítimas: quilombolas e proprietários não-
quilombolas. Corre-se o risco de incorrer em flagrante violação à segurança
jurídica, boa-fé e proteção da confiança, sendo, portanto, indispensável a
ponderação dos interesses envolvidos, à luz da razoabilidade e
proporcionalidade.
Por fim, é importante destacar que no presente trabalho não se entrará nos
pormenores do Decreto 4.887/2003, haja vista que o objetivo é a análise do
Direito Agrário nos trinta anos da Constituição Federal, de modo que o
enfrentamento da questão se dará sob perspectivas constitucionais.
1 O ART. 68 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS
TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O MARCO
TEMPORAL COMO CRITÉRIO CONSTITUCIONAL PARA A
REGULARIZAÇÃO DA POSSE QUILOMBOLA
Fruto de uma reivindicação inicialmente do Movimento Negro, mas
também atendendo a demandas internacionais, o legislador constituinte previu na
Constituição Federal dispositivo específico que garantiu a proteção do direito à
propriedade das terras que os remanescentes de quilombolas estivessem
ocupando, cuja previsão foi incorporada em Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias.
Preceitua o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT): “Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que
estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o
Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”(grifo nosso)
Pela redação do referido dispositivo, o titular do direito são os
remanescentes das comunidades quilombolas. Para se chegar à conclusão
daquilo que se atribui como remanescentes das comunidades quilombolas trata-
se de tarefa complexa, situações que têm demandado divergência quanto ao
alcance do próprio conceito de quilombo. Segundo a legislação
infraconstitucional é preciso identificar critérios de autoatribuição, trajetória
histórica de territorialidade e ancestralidade negra relacionada com a resistência
à opressão histórica.
Por sua vez, o objeto do alcance da norma diz respeito a terras que os
remanescentes estejam ocupando, ou seja, estavam ocupando no momento da
promulgação da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, a própria redação
da norma (flexão verbal) conduz a tal conclusão. Igualmente, para se conceber a
relação de pertencimento e territorialidade da comunidade com a terra, mostra-se
fundamental o critério da permanência.
Pensar o contrário seria possibilitar eventual criação de comunidades pós-
88 ou até mesmo deste Século XXI desprovidas de identificação ou trajetória
histórica de territorialidade com a área pretendida, circunstância que poderia
gerar grave insegurança jurídica. Por isso, a ocupação continuada do espaço
mostra-se como critério essencial.
Além disso, a posição do artigo mencionado no Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias conduz a uma interpretação de que se trata de uma
situação temporalmente transitória e que, logo imediatamente, seria superada.
Por isso, tratando-se de norma transitória e excepcional se destina a resolver
situação identificada ao tempo da promulgação da Carta Magna.
É de extrema relevância a análise do fato de o legislador ter colocado tal
dispositivo no ADCT e não no corpo da Constituição Federal. Os artigos
contidos no ADCT têm caráter transitório e servem para solucionar questões
práticas, e, assim que aplicadas esvaem-se de função, não tendo mais aplicação
no futuro. Outro ponto que deve ser observado é o fato de que em havendo
conflito de normas do ADCT e da Constituição, há que se observar que ambas se
submetem aos princípios que informam a interpretação das regras
constitucionais. Ainda que não haja hierarquia ou diferença entre as normas
contidas no ADCT e na Constituição Federal, para a aplicação de ambas, na
prática, devem ser analisados os mesmos princípios de interpretação das regras
constitucionais.
Portanto, há que se recorrer às normas e princípios contidos na Carta
Magna para dirimir dúvidas acerca da aplicabilidade das normas do ADCT,
realizando-se uma interpretação teleológica.
José Afonso da Silva leciona sobre a natureza jurídica das normas contidas
no ADCT:
As normas das Disposições Transitórias fazem parte integrante da
Constituição. Tendo sido elaboradas e promulgadas pelo constituinte,
revestem-se do mesmo valor jurídico da parte permanente da Constituição.
Mas seu caráter transitório indicam que regulam situações individuais e
específicas, de sorte que, uma vez aplicadas, e esgotados os interesses
regulados, exaurem-se, perdendo a razão de ser, pelo desaparecimento do
objeto cogitado, não tendo, pois, aplicação no futuro (SILVA, 2005, p. 889).
São normas que regulam situações ou resolvem problemas de exceção. Por
isso, os autores entendem que de seus dispositivos não se pode tirar argumento
para interpretação da parte permanente da constituição. De uma solução
excepcional para situações excepcionais, seria absurdo extrair argumentos para
resolver situações e problemas de caráter geral e futuros (SILVA, 1982, p.
190).
No mesmo sentido, Denise Vargas em sua obra Manual de Direito
Constitucional:
Assim, sem sombra de dúvidas, podemos afirmar que o ADCT é uma parte
integrante da Constituição que contém normas de transição que regulam a
mudança de regime constitucional precedente para o atual, bem como
contempla normas intermitentes, de caráter excepcional e transitório
(VARGAS, 2010, p. 66).
À despeito de o legislador ter conferido aos remanescentes de
comunidades quilombolas a sua devida regularização, o fez em ADCT, portanto,
não pretendia que fossem subjugados princípios e normas contidas na Lei Maior.
Dessa maneira, salvo alguns casos excepcionais de expulsão comprovada da
comunidade quilombola de seu território, não pretendia que o direito à
propriedade e o da segurança jurídica fossem malferidos.
Ana Cândida da Cunha Ferraz em A transição Constitucional e o Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias e a Constituição Federal de 05.10.1988
ao fazer a distinção entre normas transitórias e permanentes afirma quanto à
finalidade das disposições transitórias que “consiste em, basicamente, permitir
“transição” de uma Constituição anterior para uma nova Constituição, superando
ou aplainando conflitos no tempo.” (grifo nosso). Quanto a sua duração e
permanência “as disposições transitórias de uma Constituição têm duração
precária ou transitória como o nome indica e esgotam-se no tempo, uma vez
esgotada a finalidade para a qual foram postas.” (CLÉVE; BARROSO, 2011, p.
365).
A mens legis, segundo o acima citado era aplainar, solucionar ou amenizar
conflitos existentes à época da promulgação da Constituição. Por conseguinte, é
forçoso dizer que pretendeu o legislador constitucional tratar de uma situação
transitória, ensejando desapropriações futuras e de caráter penalizador em face
de imóveis que cumprem a função social e servem de moradia para as pessoas. O
que se percebe é que a intenção era de preservar a identidade cultural de um
determinado grupo social, regularizando-se os imóveis que estavam ocupando,
conferindo-lhes o direito à propriedade, e não mitigar o princípio da propriedade
ao desalojar famílias que estão conferindo a efetiva função social à propriedade,
sem qualquer comprovação de esbulho ou expulsão das terras em face de
quilombolas.
Nessa linha de raciocínio, procurou o legislador constituinte estabelecer a
paz social de modo a garantir aos remanescentes de quilombos que ocupavam
suas terras a título precário o domínio definitivo.
Há que esclarecer quanto à interpretação segundo a qual a intenção
primordial do legislador deveria ser proteger os ocupantes desprotegidos de
segurança jurídica, titulando suas terras já ocupadas. E não retirar aqueles que
estavam ocupando terras, gerando insegurança jurídica.
Ultrapassada a análise objetiva da norma constitucional em questão, deve-
se adentrar a sua aplicabilidade na prática, e, para tanto, há que se estabelecer
critérios para que haja a segurança jurídica necessária e que deve permear todas
as relações, a fim de manter ambiente saudável em toda a sociedade. Dessa
forma, haverá uma previsibilidade da aplicabilidade da norma, tanto para os que
se beneficiarão com a titulação, como para o restante da população.
Nesse sentido, há que se trazer o conceito de marco temporal. O marco
temporal é a determinação do início ou delimitação da aplicação da norma na
prática. No caso do artigo 68, do ADCT, o marco temporal é o da promulgação
da Constituição Federal, ou seja, em 05 de outubro de 1988. Nessa data, todos os
remanescentes das comunidades quilombolas que estivessem ocupando as terras
teriam direito à titulação.
A intenção do legislador foi proceder-se à salvaguarda do patrimônio
cultural, ao promover a regularização/titulação das comunidades remanescentes
de quilombos. Como já referido, o presente estudo não visa aprofundar os
detalhes do Decreto nº 4.887/2003, porém, para a total compreensão e
aplicabilidade da norma constitucional há que se analisar alguns pontos deste.
O Decreto, em suma, traz elementos práticos para que a norma contida no
artigo em questão seja aplicada com segurança jurídica. Para tanto, os que
mantivessem a identidade cultural, bem como a ligação com a terra, de onde
tiram o seu sustento, teriam direito à titulação, seriam, a partir desse momento,
titulares do direito de propriedade. O intuito foi o de conferir, aos que ali
estavam, um direito que já lhe era devido, porém, por não possuírem título
definitivo da propriedade que ocupavam, estavam “irregulares”.
Todavia, caso não sejam observados tais elementos, ensejar-se-à
insegurança jurídica, e possibilidade de incorrer em irregularidades ou até
mesmo fraude em titulação dessas comunidades quilombolas. Senão, veja-se, a
qualquer tempo e indefinidamente haverá comunidades requerendo o direito de
titulação conferida constitucionalmente, ou ampliação às já tituladas. Por
conseguinte, deve sim ser aplicado o critério constitucionalmente aceito do
marco temporal para que haja maior segurança jurídica para toda a população,
bem como para o Estado, uma vez que terá que arcar com as indenizações
provenientes de possíveis desapropriações.
Há, portanto, que se dar interpretação ao art. 68, do ADCT, sem ofender os
demais princípios constitucionais, pois em um Estado de Direito, existe mais do
que a simples concretização das vontades da maioria; existe também a proteção
dos interesses dos grupos sociais, sejam eles majoritários ou não. Caso não seja
aplicado o critério do marco temporal (critério objetivo), poderíamos solucionar
um problema, criando outro.
Se de um lado estão os remanescentes de quilombolas, de outro estão
proprietários de terra que estão cumprindo a função social da propriedade agrária
e dependem desta para seu sustento. Além de muitas vezes possuírem tais
propriedades como seu único bem – igualmente protegida constitucionalmente.
Nesses casos, somente a justa indenização não resolveria a situação, pois, à
despeito da preferência em eventual programa de reforma agrária, não corrigirá o
dano causado àqueles que muitas vezes construíram toda a sua vida, e de seus
antepassados, na localidade e no imóvel expropriado.
Quanto ao marco temporal, quando do julgamento da ADI 3.239, o Min.
Dias Tóffoli assentou que a disposição constitucional transitória orientou-se a
promover uma discriminação positiva. Para tanto, o texto constitucional foi
expresso em reconhecer a propriedade definitiva das terras que estivessem
sendo ocupadas pelos remanescentes das comunidades quilombolas,
legitimando uma situação fática presente, com data certa e critério objetivo:
a promulgação da Constituição de 1988.
Pensar o contrário, seria propiciar serem objeto de norma constitucional
transitória, as áreas de ocupação consolidada e que não tenham sido
comprovadamente remanescentes de quilombos. Ou ainda, permitir a expansão
futura de áreas já tituladas, a fim de, supostamente, garantir a reprodução física,
socioeconômica ou cultural da comunidade. Em ambas as hipóteses, seria
estimular o conflito fundiário e a violência rural.
Por sua vez, o critério do marco temporal não é novo como instrumento de
interpretação constitucional. No julgamento do caso Raposa Serra do Sol, Pet.
3.388, o Supremo Tribunal Federal fixou o marco temporal da promulgação da
Constituição Federal de 1988 como critério a ser adotado nas demarcações
indígenas. Naquela oportunidade o Min. Carlos Ayres Britto afirmou:
I – o marco temporal da ocupação. Aqui, é preciso ver que a nossa Lei Maior
trabalhou com data certa: a data da promulgação dela própria (5 de outubro de
1988) como insubstituível referencial para o reconhecimento, aos índios, “dos
direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Terras que
tradicionalmente ocupam, atente-se, e não aquelas que venham a ocupar.
Tampouco as terras já ocupadas em outras épocas, mas sem continuidade
suficiente para alcançar o marco objetivo do dia 5 de outubro de 1988. Marco
objetivo que reflete o decidido propósito constitucional de colocar uma pá de
cal nas intermináveis discussões sobre qualquer outra referência temporal de
ocupação de área indígena. Mesmo que essa referência estivesse grafada em
Constituição anterior. É exprimir: a data de verificação do fato em si da
ocupação fundiária é o dia 5 de outubro de 1988, e nenhum outro. Com o que
se evita, a um só tempo: a) a fraude da subitânea proliferação de aldeias,
inclusive mediante recrutamento de índios de outras regiões do Brasil, quando
não de outros países vizinhos, sob o único propósito de artificializar a
expansão dos lindes da demarcação; b) a violência de expulsão de índios para
descaracterizar a tradicionalidade da posse das suas terras, à data da vigente
Constituição. (...)
À despeito de se tratar de regimes jurídicos distintos entre indígenas e
quilombolas, haja vista que a Constituição conferiu aos primeiros a posse
permanente e aos segundos a propriedade definitiva, pró-indiviso e comunitária,
há que se destacar o entendimento do STF envolvendo a posse indígena, pois
adota o marco temporal como critério assegurador da segurança jurídica entre
todos os envolvidos.
Outra manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre a
constitucionalidade de marco temporal foi no julgamento da ADC 42 e ADI
4.901, em que se discutia a constitucionalidade do Código Florestal (Lei
12.651/2012). Naquela oportunidade, entenderam os ministros, por maioria, que
a norma prevista no art. 67 da referida lei é constitucional. Segundo o
dispositivo, o legislador ordinário considerou o marco temporal de 22 de julho
de 2008 como parâmetro objetivo seguro para se aferir a existência de
remanescentes de vegetação nativa em imóveis de até 04 (quatro) módulos
fiscais. Aos agricultores que se encontram nos limites da propriedade prevista na
norma e até essa data suprimiram vegetação nativa, estão dispensados de
recuperá-la.
Esses exemplos, apesar de não dizerem respeito ao tema objeto de estudo,
demonstram que o marco temporal se mostra como critério constitucionalmente
fidedigno e aceito para conferir segurança jurídica às relações jurídicas de direito
agrário.
2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS OFENDIDOS: DIREITO À
PROPRIEDADE E À SEGURANÇA JURÍDICA
Com efeito, o direito à propriedade trata-se, conforme assenta Tereza
Lopez, de “direito fundamental constitucionalmente garantido ao lado do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança.” (BONAVIDES, MIRANDA;
AGRA, 2009, p. 145).
Na esteira de Manuel Gonçalves Ferreira Filho, Teresa Lopez afirma que
“desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789 – a
propriedade aparece com essa proteção –, foi o único dos direitos individuais
declarado inviolável e sagrado.” (BONAVIDES, MIRANDA; AGRA, 2009, p.
145).
Nery Junior e Rosa Maria Nery asseguram, quanto ao direito ao respeito à
propriedade que:
A CF 5º, XXII[405], garantindo o direito de propriedade, celebra o princípio do
respeito à propriedade que consiste em reconhecer a cada um o direito ao
respeito de seus bens. Duas vertentes principais decorrem daí imediatamente:
a) a primeira, que ressalta a natureza de direito fundamental do homem, que o
direito de propriedade revela; b) a segunda, o caráter da obrigação positiva do
Estado, no sentido de adotar as medidas necessárias para assegurar ao
proprietário o gozo efetivo de seu direito de propriedade (CF 5º XLI) (NERY
JUNIOR, 2011, p. 970).
A leitura de tal garantia não pode ser interpretada olvidando-se do disposto
no art. 170, II e III[406], da Constituição Federal, que inclui a propriedade privada
como princípio na “ordem econômica e social, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social.”
Nery Jr., por sua vez, afirma que:
A CF (arts. 5º XXIII[407] e 170 III) estabelece como garantia fundamental e
como princípio de ordem econômica a função social da propriedade. A regra
vem do art. 153 in fine da Constituição alemã de 1919 (Constituição de
Weimar), que estabeleceu, por inspiração dos civilistas Martin Wolff
(Reichsverfassung und Eigentum, FG Kahl, n. II, p. 10) e Otto von Gierke
(Deuts. Privatrecht, v. I, § 28, I, p. 255 e § 28, I, p. 319; v. II, § 120, V, p. 365 e
§ 125, II, p. 408), os princípios de que “a propriedade obriga” (Eigentum
verpflichtet) e da “função social da propriedade” (Gebrauch nach Gemeinem
Besten) (NERY JUNIOR, 2011, p. 970).
Tal se justifica, na medida em que da mesma forma que a garantia ao
direito à propriedade deve ser respeitada, sua função social igualmente deverá
prevalecer, porquanto a propriedade destina-se a cumprir relevante e
constitucional função econômico-social, dando-lhe destinação útil, funcionando
como mecanismo de convívio social e preservação da paz social, resguardado,
evidentemente, sua condição de direito fundamental do homem.
Segundo Luiz Stefanini em Principiologia do Direito Agrário afirma que:
A ciência jurídica, como lembrado, serve aos propósitos de disciplinar e
ordenar as relações, em grande parte os conflitos, em busca de soluções.
Edificando um sistema de proteção às situações fáticas necessárias – posse de
bens materiais – e propiciando os meios de acesso a esses bens, tende a
materializar, nesta meta, os processos de socialização dos indivíduos.
Sem embargo disso, o tópico pertinente ao sistema de domínio e uso do solo
agrário, deve obedecer, como quero acreditar, a princípios fundamentantes a
uma justiça real e não como acontece ainda em nossos dias, quando
presenciamos uma postura de aceitação doutrinária (convencionamento
estratificado) de uma justiça ideal: seja ela distributiva, seja ela ideal e de
outro matiz. [...]
Por outra vertente, considere-se que o imóvel rural, antes de ser um bem
patrimonial, bem social ou bem de reserva ambiental é um bem econômico.
Como tal, além de se prestar à produção de outros bens, este veículo produtivo,
dimensionadamente complexo, deve realizar o fenômeno efetivamente
econômico. (GRECHI; ALMEIDA, 2016, p. 87 a 99).
Dessarte, a função social da propriedade, de modo algum, retira os poderes
do proprietário, antes, o legitima a utilizá-la e extrair dela riquezas, integrando o
conceito de propriedade. Vale dizer: em se respeitando sua função social, a
propriedade configura-se como direito fundamental com vistas a fazer valer o
princípio constitucional que assegura a existência digna da pessoa humana,
mediante a garantia da propriedade privada, nos termos do art. 170 da CF. Celso
Bandeira de Mello leciona:
Em suma, o que o art. 170 faz é obrigar, impor, exigir que a ordem econômica
e social se estruture e se realize de maneira a atender aos objetivos assinalados.
Igualmente, obriga, exige, impõe que a busca destas finalidades obrigatórias se
faça por meio de certos caminhos, também obrigatórios: aqueles estampados
nos incisos referidos, os quais são erigidos ao nível de princípios (MELLO,
2011, p. 32).
Gursen de Miranda em Direito Agrário e Ambiental discorre sobre a
função social da propriedade no agrarismo, principalmente no sentido de que os
problemas agrários devem ser resolvidos com uma “mentalidade agrarista”:
A função social no agrarismo, enfatiza a necessidade da terra efetivar a sua
capacidade produtiva. O titular do bem agrário tem que fazer a terra produzir
para garantir o bem estar daqueles que nela trabalham. Não apenas produzir,
mas, se cultivar eficientemente. A legitimidade à terra somente existe no
cumprimento desta função social.
[...]
No D.a., portanto, somente se alcança o cumprimento da função social da terra,
no exercício da atividade agrária, observando-se, porém, os princípios
fundamentais D.a., como a produtividade, a organização do sistema fundiário
e a conservação dos recursos naturais renováveis (MIRANDA, 2003, pp. 32-
33).
Antonio José de Mattos Neto em Garantia do Direito à Propriedade
Agrária, por sua vez, afirma:
O proprietário moderno tem uma função a exercer. Não basta ser proprietário,
há de imprimir à sua propriedade uma função destinada a prover um elo de
ligação socioeconômico à comunidade. Há, assim, um ônus social ao
proprietário. O seu direito de propriedade deve ser positivamente exercido, não
podendo abster-se de utilizar o imóvel à finalidade adequada e natural a que se
destina.
As atribuições social e econômica devem ser preenchidas de acordo com a
realidade fática a considerar.
Assim, o imóvel urbano apresenta como destinação natural a utilização para
moradia, de abrigo ao ser humano contra as intempéries da natureza; o imóvel
rural, apresenta como finalidade normal a que se destina, a produção de outras
riquezas, os bens alimentícios.
Na propriedade agrária, o aspecto social da produção de alimentos é revelado
pelo trabalho que o proprietário desenvolve na terra; e o aspecto econômico,
pela organização dos fatores de produção que vai resultar em riquezas para a
nação, contribuindo, em última análise, ao aumento do produto interno bruto
(BARROSO; DE MIRANDA; SOARES, 2013, pp. 06-07).
Situada a propriedade na condição de direito fundamental do homem,
registra-se que “a primeira função dos direitos fundamentais – sobretudo dos
direitos, liberdades e garantias – é a defesa da pessoa humana e da sua dignidade
perante os poderes do Estado (e de outros esquemas políticos coactivos).”
(CANOTILHO, 2003, p. 408).
E arremata o jurista português afirmando:
Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos
cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-
objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos,
proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica
individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer
positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões
dos poderes públicos, de forma evitar agressões lesivas por parte dos mesmos
(liberdade negativa) (SARLET; MARINONI; MIDITIERO, 2012. p. 268).
Ingo Wolfgang Sarlet sustenta, ao abordar o tema, direito fundamental:
Nessa perspectiva, é preciso enfatizar que, no sentido jurídico-constitucional,
determinado direito é fundamental não apenas pela relevância do bem jurídico
tutelado considerado em si mesmo (por mais importante que o seja), mas
especialmente pela relevância daquele bem jurídico na perspectiva das opções
do Constituinte, acompanhada da atribuição da hierarquia normativa
correspondente e do regime jurídico-constitucional assegurado pelo
Constituinte às normas de direitos fundamentais (SARLET; MARINONI;
MIDITIERO, 2012. p. 269).
Conceitua, por fim, direito fundamental, na esteira de Alexy:
Como todas as posições jurídicas concernentes às pessoas (naturais ou
jurídicas, consideradas na perspectiva individual ou transindividual) que, do
ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, expressa ou
implicitamente integradas à Constituição e retiradas da esfera de
disponibilidade dos poderes constituídos, bem como todas as posições jurídicas
que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparadas, tendo, ou
não, assento na Constituição formal. (CANOTILHO, 2003, p. 407).
Por derradeiro, nesta ótica, cabe ao Estado garantir a máxima eficácia e
efetividade às normas de direitos fundamentais, sobretudo diante da sua
condição de aplicação imediata (art. 5º, § 1º, CF). Bandeira de Mello afirma que
“certos preceptivos constitucionais outorgam imediatamente, sem necessidade de
qualquer regramento ulterior, tanto o desfrute imediato e positivo de certos
benefícios quanto à possibilidade de exigi-los, se acaso forem negados.” (Mello,
2011, p. 14).
Ao Estado, portanto, cabe, não somente exigir que seja cumprida a função
social da propriedade – utilizando-se dos meios adequados para fazer valer tal
exigência – mas, também, e principalmente, proteger a propriedade, posto que
direito fundamental e garantia da própria preservação da ordem econômica –
haja vista que dela é que se extraem riquezas e se pagam tributos para a
manutenção do Estado.
É importante destacar que o agronegócio é uma das principais atividades
que impulsionam a economia brasileira, sendo responsável por 1/3 do PIB,
proporciona inúmeros empregos no país e arrecada tributos. Porém, a despeito
do seu importante papel, nem sempre lhe é dedicada a devida atenção na
resolução de seus problemas, nem mesmo o estudo aprofundado de questões
agrárias nas Universidades (KOHL, 2011, p. 15).
Por sua vez, preceitua o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal que “a lei
não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”
O direito adquirido, além de constar expressamente na Constituição
Federal, foi alçado à categoria de direito fundamental, e cláusula pétrea, posto
que, à luz do inciso IV do § 4º do art. 60 da Constituição Federal[408], há expressa
vedação ao legislador derivado propor emenda à Constituição que tenha como
objeto a supressão de direitos e garantias individuais.
É cediço que o legislador constitucional procurou se cercar de todas as
garantias para a proteção dos remanescentes de quilombos, todavia quando se
está a tratar de conflitos de interesses legítimos, inclusive culminando em
excepcional ofensa a direito fundamental, urge análise acurada sobre o tema,
sobretudo, levando-se em consideração que a função do Direito é assegurar a
estabilidade social.
J.J. Canotilho afirma que “o homem necessita de segurança para conduzir,
planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde
cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da protecção da
confiança como elementos constitutivos do Estado de direito.” (Canotilho, 2003,
p. 257). O indivíduo tem o direito de poder confiar nos atos emitidos pelo Poder
Público e de que os efeitos desses atos, vigentes e válidos à época que se
realizaram, permaneçam no ordenamento jurídico.
O princípio da segurança jurídica é indispensável à concretização do
Estado de Direito, cuja observância é indispensável para a manutenção da
estabilidade das relações jurídicas e da paz social, e, em última instância,
proteção da dignidade da pessoa humana. Marinoni, nesse sentido, afirma:
O Estado de Direito, por ter uma ampla latitude de objetivos, é um
sobreprincípio, que se correlaciona com vários outros princípios que
incorporam os seus fins. Estes princípios são reveladores do seu conteúdo e,
desta forma, constituem os seus fundamentos.
Entre estes princípios está o da segurança jurídica, indispensável à
concretização do Estado de Direito. A segurança jurídica pode ser analisada em
duas dimensões, uma objetiva e outra subjetiva. No plano objetivo, a segurança
jurídica recai sobre a ordem jurídica objetivamente considerada, aí importando
a irretroatividade e a previsibilidade dos atos estatais, assim como o ato
perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CF). Em uma
perspectiva subjetiva, a segurança jurídica é vista a partir do ângulo dos
cidadãos em face do Poder Público.
Nesta última dimensão aparece o princípio da proteção da confiança, como
garante da confiança que os atos estatais devem proporcionar aos cidadãos,
titulares que são de expectativas legítimas. E o direito à segurança jurídica,
como direito à proteção da confiança gerada pelos atos do Estado, é
indissociável da noção de dignidade da pessoa humana. Como salienta Ingo
Sarlet, (Marinoni, 2010, p. 65-66) “a dignidade não restará suficientemente
respeitada e protegida em todo lugar onde as pessoas estejam sendo atingidas
por um tal nível de instabilidade jurídica que não estejam mais em condições
de, com mínimo de segurança e tranqüilidade, confiar nas instituições sociais e
estatais (incluindo o Direito) e numa certa estabilidade das suas próprias
posições jurídicas. Dito de outro modo, a plena e descontrolada
disponibilização dos direitos e dos projetos de vida pessoais por parte da
ordem jurídica acabaria por transformar os mesmos (e, portanto, os seus
titulares e autores) em simples instrumento da vontade estatal, sendo, portanto,
manifestamente incompatível mesmo com uma visão estritamente kantiana da
dignidade (SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais, 2006, p. 435).”
(MARINONI, 2010, pp. 65-67).
Mizabel Abreu Machado Derzi ao falar sobre o princípio da confiança e
da boa-fé objetiva, em matéria de direito tributário, mas, mutatis mutandis
aplicável, perfeitamente, ao caso em concreto afirma:
O conceito de justiça prospectiva, como sabemos, depende da associação entre
os seguintes fatores: o tempo, a formação dos fatos jurídicos e a proteção da
confiança. Por sua vez, a proteção da confiança, sendo materialização direta da
justiça prospectiva, está envolvida com a formação dos fatos jurídicos e o
tempo. Do ponto de vista do Direito Tributário, é de alta relevância realçar as
relações da proteção da confiança com o a segurança jurídica.
Como lembra MATTERN, Estado de Direito não é apenas Estado das leis, pois
administrar conforme a lei é antes administrar conforme o Direito, razão pela
qual a proteção da confiança e a boa-fé são componentes indivisíveis da
legalidade, do Estado de Direito e da Justiça. Em obra profunda sobre o tema,
explica ROLAND KREIBICH que alguns juristas alemães utilizam a
expressão boa-fé como sinônima de proteção da confiança; outros, como
KRIEGER, THIEL etc., consideram a proteção da confiança um resultado ou
conseqüência legal da boa-fé; há aqueles ainda, como MATTERN, que
sobrepõem o princípio da proteção da confiança, para eles mais abrangente,
como um “Tatbestad-mãe”, ao princípio da boa-fé. Em geral, a expressão boa-
fé é utilizada frequentemente para designar as situações individuais, os casos
concretos que envolvem a proteção da confiança.
[...]
Assim, em toda hipótese de boa-fé existe confiança a ser protegida. Isso
significa que uma das partes, por meio de seu comportamento objetivo, criou
confiança em outra, que, em decorrência da firme crença na duração dessa
situação desencadeada pela confiança criada, foi levada a agir ou manifestar-se
externamente, fundada em legítimas expectativas, que não podem ser
frustradas. (MARTINS; MENDES; NASCIMENTO, 2010, pp. 45-46).
Como admitir, portanto, que alguém ao adquirir suas terras antes mesmo
da promulgação da Constituição Federal, sem a presença de remanescentes de
quilombos, pode ter sua propriedade desapropriada sob o argumento de que se
tratava de área quilombola?
O Pretório Excelso, no ano de 2012, teve a oportunidade de afirmar que
títulos concedidos há décadas atrás devem ser considerados válidos, sob pena de
grave ofensa à segurança jurídica e proteção da confiança legítima dos
adquirentes em face do Poder Público, verbis:
“Sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da segurança jurídica e da
proteção à confiança legítima, não podem ser anuladas, meio século depois,
por falta de necessária autorização prévia do Legislativo, concessões de
domínio de terras públicas, celebradas para fins de colonização, quando esta,
sob absoluta boa-fé e convicção de validez dos negócios por parte dos
adquirentes e sucessores, se consolidou, ao longo do tempo, com criação de
cidades, fixação de famílias, construção de hospitais, estradas, aeroportos,
residências, estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços, etc.” (ACO
79, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 15-3-2012, Plenário, DJE de 28-5-
2012.)
Juarez Freitas afirma, que “o princípio da confiança do cidadão na
Administração Pública, e vice-versa, deve ocupar lugar de destaque em qualquer
agenda baseada nos princípios fundamentais, precisando operar como um dos
norteadores supremos do controle das relações de administração.” (FREITAS,
2004, p. 61).
Maria Sylvia Zanella di Pietro, em sua obra, Direito Administrativo, traz a
importância do princípio da boa-fé e o da confiança nas relações entre
Administração Pública e particulares:
Há quem identifique o princípio da boa-fé e o da proteção à confiança. [...] Na
realidade, embora em muitos casos, possam ser confundidos, não existe uma
identidade absoluta. Pode-se dizer que o princípio da boa-fé deve estar
presente do lado da Administração e do lado do administrado. Ambos devem
agir com lealdade, com correção. O princípio da proteção à confiança protege a
boa-fé do administrado; por outras palavras, a confiança que se protege é
aquela que o particular deposita na Administração Pública. O particular confia
em que a conduta da Administração esteja correta, de acordo com a lei e com o
direito. É o que ocorre, por exemplo, quando se mantêm atos ilegais ou se
regulam os efeitos pretéritos de atos inválidos. (DI PIETRO, 2009, p. 87).
A estabilidade das relações e a certeza da validade dos atos praticados pelo
Estado são medidas vitais à concretização do princípio da legalidade, da boa-fé,
da confiança, do Estado de Direito e da Justiça. Manifestas hipóteses de
insegurança conduzem a um estado de coisas que exigem do Estado resposta
adequada, justa e sensata, sob pena de instauração do caos. Valdemar P. Luz,
afirma, com propriedade sobre o tema:
Na medida em que as múltiplas situações de insegurança se avolumam, mais
respostas exigem-se do Estado (pois o Estado é esse fator de equilíbrio),
responsável direto pelas regras jurídicas institucionalizadas, quer pelo processo
de legislação, quer pela aplicabilidade do direito, como forma de garantir as
relações mínimas de existência. Essa resposta dada pelo direito aproxima-se,
assim, de uma noção de segurança em sentido material (cf. CAVALCANTI
FILHO, Problema da segurança no direito) [...]
Em suma, o direito tem como finalidade não só a segurança jurídica, que
implica a previsibilidade dos direitos e das obrigações de cada um, não só a
justiça concebida como tratamento igual de situações essencialmente
semelhantes, mas também uma eficácia equitativa, sendo a equidade
compreendida desta vez como uma conformidade às aspirações do meio (LUZ,
2006, pp. 19-26).
Juarez Freitas, afirma que a confiabilidade jurídico-administrativa é
condição obrigatória para a estabilidade institucional, e prossegue:
Os controladores, nestas circunstâncias, deverão ser aqueles que funcionam
como avalistas da confiança no tecido administrativo, vigiando para que a
hobbesiana desconfiança generalizada, que redunda na guerra de todos contra
todos, arrefaça e ceda lugar à cultura em que as promessas sejam cumpridas, as
pessoas respeitadas como valores em si mesmos, a racionalidade prepondere
sobre o boato e fique afastado o risco de colapso sistêmico. Com efeito, sem
uma poderosa entronização do princípio da confiança nas relações de
administração, até mesmo a estabilidade constitucional corre riscos na marcha
rumo à efetividade. (FREITAS, 2004, p. 60).
Por derradeiro, Hugo de Brito Machado in Direito Adquirido e Coisa
Julgada como Garantias Constitucionais afirma: “Não é possível, sem um
mínimo de segurança, equacionar o relacionamento humano de forma justa. Nem
é possível, sem a prática de soluções justas para os conflitos, evitar a convulsão
social e a desordem.” (CLÉVE; BARROSO, 2001, p. 690).
3 NECESSIDADE DE PONDERAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
COLIDENTES
O enfrentamento da questão objeto deste estudo, sem dúvida alguma,
mostra-se como de difícil e emblemática solução, sobretudo diante dos inúmeros
direitos e interesses envolvidos, seja da comunidade quilombola ou dos não-
quilombolas atingidos por futuros atos administrativos expropriatórios.
Tem-se de um lado as comunidades quilombolas, que, a Constituição, em
seu art. 68, do ADCT, lhes confere o direito à titulação das terras que estejam
ocupando, e de outro lado, tem-se os produtores rurais, que dão a devida função
social para suas propriedades, e que, por inúmeras vezes, foram incentivados
pelo próprio Estado a ocupar terras no vasto interior do Brasil, agindo com
absoluta boa-fé. Sem dúvida alguma, está-se diante de um conflito de princípios.
Diante dessas circunstâncias, a melhor alternativa mostra-se a ponderação
dos interesses envolvidos, de modo a buscar a solução mais justa, menos onerosa
e mais sensata na análise do tema, haja vista que se está a praticar excepcional
afronta a direitos fundamentais.
De maneira sumária, cumpre destacar que o princípio da razoabilidade é
um dos princípios que mais obstrui o abuso do poder discricionário do
administrador. Diante do poder discricionário conferido em lei, o agente público
está autorizado a julgar casos concretos de acordo com a vontade legal, ou seja,
nos parâmetros da própria legislação. Nesse diapasão, é que está inserido o
princípio da razoabilidade, pois tem a finalidade de indicar a direção a ser
seguida, assim como limitar a liberdade de decisão do agente (FARIA, 2004, p.
39).
Dessa forma, resta evidente que a lei, ao outorgar o poder da
discricionariedade ao administrador desejava que esse operasse para satisfazer os
interesses coletivos dentro da razoabilidade, do sensato, do normal, sem
excessos ou escassez (Gasparini, 2001, p. 22). Para tanto, torna-se pertinente
definir o conceito de razoável, ou seja, “aquilo que se situa dentro de limites
aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam
dispor-se de forma um pouco diversa” (CARVALHO FILHO, 1999, p. 19).
Nesse contexto, Celso Antônio Bandeira de Mello definiu a ação do agente
público que afronta o princípio da razoabilidade:
Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes,
mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente inválidas – as
condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com
desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem
tivesse atributos normais de prudência, sensatez, e disposição de acatamento às
finalidades da lei atributiva da discrição manejada. (MELLO, 2001, p. 79)
Portanto, o princípio da razoabilidade, nada mais é do que um parâmetro
para valoração dos atos administrativos realizados pelo Poder Público, atuando
em busca do valor superior ao ordenamento jurídico, qual seja: a justiça. Logo, a
razoabilidade, ou seja, a sensatez e a razão para a ação do agente público devem
estar consubstanciadas dentro dos ditames legais (BARROSO, 1997, p. 06).
Dessa forma, verifica-se que essa diretriz está incluída na relação entre o
motivo, os meios e os fins para se concretizar o ato. Assim, o princípio da
razoabilidade deve ser visto em harmonia ao motivo da ação e ao ato da
Administração, propriamente dito (FIGUEIREDO, 2000, p. 48). Em outras
palavras, esse princípio atua como critério finalisticamente vinculado, quando se
trata de valoração dos motivos e da escolha do objeto para a prática do ato
discricionário (NETO, 1990, p. 100).
Lucia Valle Figueiredo, na esteira do Prof. Recaséns Siches afirma:
Consoante penso, não se pode conceber a função administrativa, o regime
jurídico administrativo, sem se inserir o princípio da razoabilidade. É por meio
da razoabilidade das decisões tomadas que se poderá contrastar atos
administrativos e verificar se estão dentro da moldura comportada pelo Direito.
[...] Não é lícito ao administrador, quando tiver de valorar situações concretas,
depois da interpretação, valorá-las a lume dos seus standarts pessoais, a lume
da sua ideologia, a lume do que entende ser bom, certo, adequado no
momento, mas a lume de princípios gerais, a lume da razoabilidade, do que,
em Direito Civil, se denomina valores do homem médio (FIGUEIREDO, 2000,
p. 50).
Logo, por meio desse princípio, a Administração Pública enuncia que a
atuação pública deve ocorrer no exercício de discrição, ou seja, “terá de
obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o
senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que
presidiram a outorga da competência exercida.” (NETO, 1990, p. 101).
Alguns autores entendem que o princípio da razoabilidade equipara-se ao
da proporcionalidade. Contudo, são institutos diferenciados, uma vez que o
primeiro determina que a ação do agente público esteja composta de razão e
sensatez; enquanto que o segundo prevê “o justo equilíbrio entre os sacrifícios e
os benefícios da ação do Estado.” (MELLO, 2001, p. 41).
Ainda, em relação à distinção desses dois princípios, Humberto Ávila
ensina que a “proporcionalidade pressupõe a relação de causalidade entre o
efeito de uma ação (meio) e a promoção de um estado de coisas (fim).
Adotando-se o meio, promove-se o fim”. Já, quanto à razoabilidade, referido
autor, explica que entre o critério de diferenciação escolhido e a medida adotada
há uma relação entre qualidade e a medida adotada, enfatizando que uma
qualidade não leva a medida, mas é critério intrínseco a ela (ÁVILA, 2003, p.
101).
Logo, na razoabilidade o que se busca dos administradores é a coerência
lógica e razoável nas decisões e medidas administrativas, ficando a cargo da
proporcionalidade a aplicação da correta intensidade e amplitude nas medidas
adotadas, principalmente nas restritivas e sancionadoras (Medauar, 2005, p.
150). Portanto, os atos administrativos deverão ser sempre limitados pela
razoável compensação entre a vantagem e o prejuízo do administrado, não
ocorrendo, se estará infringindo o princípio da proporcionalidade, através da
desproporcionalidade administrativa (Neto, 1990, p. 102). Em outras palavras, a
contrario sensu: é “aquilo que não pode ser”, o que não é sensato.
Denise Vargas in Direitos e Garantias Fundamentais em Espécie afirma
que o princípio da proporcionalidade é constituído por três elementos ou
subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade no sentido restrito. E
prossegue:
A adequação se refere ao fato de ser necessária a adequação entre os meios e os
fins na adoção de medidas que venham a atingir direitos objetivos.
Ademais, a medida, para os fins a que se destina, deve ser necessária. Por fim,
na proporcionalidade stricto sensu analisa-se se houve razoável proporção
entre os meios e os fins (VARGAS, 2010, p. 361).
Por sua vez, J.J. Canotilho, conceitua:
Posteriormente, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, também
conhecido por princípio da proibição de excesso, foi erigido à dignidade de
princípio constitucional. É de se destacar o fato de que o princípio da
proporcionalidade não encontra guarida expressa na Constituição Federal
brasileira, apesar de que esta circunstância não impede seu reconhecimento,
pois assim dispõe o parágrafo 2º do artigo 5º: “Os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados. (...) (CANOTILHO, 1998, pp. 59-60).
Dessarte, o princípio da proporcionalidade objetiva que as ações
administrativas sejam realizadas sem excesso, buscando um equilíbrio entre os
sacrifícios e benefícios gerados a partir dos atos cumpridos pelo poder estatal,
em face dos interesses públicos. Sarlet, afirma: “O sentido mais comum da
proibição de excesso é o de evitar cargas excessivas ou atos de ingerência
desmedidos na esfera jurídica dos particulares” (SARLET; MARINONI;
MITIDIERO, 2012, p. 214).
Canotilho leciona que “o princípio da proporcionalidade ou da proibição
de excesso é, hoje, assumido como um princípio de controle exercido pelos
tribunais sobre a adequação dos meios administrativos (sobretudo coativos) à
prossecução do escopo e ao balanceamento concreto dos direitos ou interesses
em conflito.” (Canotilho, 2003, p. 268).
Os princípios, portanto, funcionam nas afirmações de Paulo Bonavides
como pedras de toque que orientam a Administração, além de se tratar de pontos
norteadores indispensáveis na formação de justeza em cada caso concreto.
É importante ressaltar que “os princípios sustentam o sistema jurídico,
motivo pelo qual é imprescindível a sua observância não só por aqueles que
legislam ou aplicam a lei, nem somente aos operadores do Direito, mas a todos
os cidadãos comuns, pois a todos atingem” (KOHL, 2011, p. 24).
Bonavides, com propriedade afirma:
Os princípios, compondo a essência e a unidade da Constituição, regem, na
teoria e na práxis, com grau de suprema normatividade, o funcionamento
jurídico do sistema. São eles a alma das Constituições, seu tecido mais nobre,
sua energia mais expansiva, seu elemento mais dinâmico, sua categoria mais
elevada em termos de normatividade (BONAVIDES, 2004, p. 171).
Quando presente, todavia, a colisão entre os princípios, a ponderação dos
interesses, visa, em última instância, dar efetividade ao objetivo maior do Direito
que é obter a paz social. Robert Alexy in Direitos Fundamentais, Ponderação e
Racionalidade afirma: “valores com princípios são propensos a colidir. Uma
colisão de princípios somente por ponderação pode ser resolvida.”(CLÈVE;
BARROSO, 2011, p. 724).
Alexy, ao tratar sobre a lei da ponderação, leciona:
A lei da ponderação expressa que o otimizar relativamente a um princípio
colidente de outra coisa não consiste que do ponderar.
A lei da ponderação mostra que a ponderação deixa-se decompor em três
passos. Em um primeiro passo deve ser comprovado o grau do não-
cumprimento ou prejuízo de um princípio. A isso deve seguir, em um segundo
passo, a comprovação da importância do cumprimento do princípio em sentido
contrário. Em um terceiro passo deve, finalmente, ser comprovado, se a
importância do cumprimento do princípio em sentido contrário justifica o
prejuízo ou não-cumprimento do outro (CLÈVE; BARROSO, 2011, pp. 727-
728).
Outrossim, sobre a técnica da ponderação no campo de interpretação e
aplicação da Constituição, Sarlet afirma:
Como bem pontua Gomes Canotilho, as noções de “ponderação” ou de
“balanceamento” (de acordo com as terminologias preferidas na tradição alemã
[Abwägung] e aglo-americana [balancing]) são utilizadas sempre que surge a
necessidade de “encontrar o direito” para resolver “casos de tensão” (em
especial de colisões) entre bens juridicamente protegidos, situações que tem
sido cada vez mais freqüentes no campo do direito e da interpretação
constitucional, a ponto de se chegar a designar (inclusive com o tom crítico) o
Estado Constitucional Contemporâneo com um “Estado da Ponderação”
(Abwägungstaat). Geralmente atrelada à colisão de direitos fundamentais, a
técnica da ponderação de bens surge a partir da insuficiência da subsunção
como técnica de aplicação do Direito quando da resolução de determinados
problemas jurídico-constitucionais, em especial de caso concretos (SARLET;
MARINONI; MITIDIERO, 2012, p. 210).
JJ Canotilho, ao tratar sobre a adequação da medida expropriatória afirma,
com propriedade, que se mostra necessário o controle a fim de se promover
justiça diante da conflitualidade social, verbis:
Quando se procura um tribunal para decidir sobre a adequação de medidas
expropriatórias para salvaguardar o património paisagístico e cultural, o
cidadão demandante não pretende que o juiz se substitua a administração como
responsável pela defesa do patrimônio, mas apenas que aprecie a
proporcionalidade da intervenção ablatória da administração, tendo em conta o
escopo invocado para a prática do acto expropriativo. Este controle –
razoabilidade-coerência, razoabilidade-adequação, proporcionalidade-
necessidade – é hoje objecto de difusão em toda a Europa através do Tribunal
de Justiça das Comunidades (cfr. Tratado da União Europeia, art. 5º, segundo a
numeração do Tratado de Amesterdão). Trata-se, afinal, de um controlo de
natureza equitativa que, não pondo em causa os poderes constitucionalmente
competentes para a prática de actos normativos e sem afectar a certeza do
direito, contribui para a integração do “momento de justiça” no palco da
conflitualidade social (CANOTILHO, 2003, p. 269).
Na atual ótica constitucional, nos termos daquilo que leciona Luís Roberto
Barroso in O começo da história: a nova interpretação constitucional e o papel
dos princípios no direito brasileiro:
A nova interpretação constitucional assenta-se em um modelo de princípios,
aplicáveis mediante ponderação, cabendo ao intérprete proceder à interação
entre fato e norma e realizar escolhas fundamentadas, dentro das possibilidades
e limites oferecidos pelo sistema jurídico, visando a solução justa para o caso
concreto (SILVA, 2005, p. 314).
O direito, em última instância, visa assegurar a estabilidade social, e o
papel do Poder Judiciário é proteger a ordem natural das coisas, não podendo
instaurar no país clima de total insegurança jurídica, sobretudo diante da atual
fase econômico-social-jurídica em que o Brasil se encontra, e o descrédito nas
Instituições da República parecem soar em todas as esferas.
Maria Cecília de Almeida em Regularização fundiária de populações
tradicionais, Um marco jurídico normativo para o desenvolvimento territorial do
Direito Agrário tece valiosas considerações à respeito do tema:
Como se vê, a questão, longe de ser resgatada pelo desígnio constitucional,
promove um debate mais além, com posições divergentes entre todos os
envolvidos, a insegurança daquele proprietário que cumpre a função social,
posto que não está isento de eventualmente ser desapropriado por interesse
social, [...] (Grechi; Almeida, 2016, p. 175).
Saldar o passivo social implica muitas vezes, como no mencionado dispositivo
constitucional, promover a regularização fundiária de populações tradicionais,
mas corre-se o risco, por outro lado, de alijar outros cidadãos, que até
secularmente ocupam esse território, e que já contribuem com o processo
produtivo nacional, sendo nele incorporados. (Grechi; Almeida, 2016, p. 172)
[...] se é devida a inclusão dos excluídos é preciso respeitar o direito adquirido
do que já estão incluídos. Essa é a equação que o Estado e suas políticas
públicas devem resolver, atendendo ao preceito constitucional[...] (Grechi;
Almeida, 2016, p. 181).
Veja-se que, no caso sob análise, perfeitamente cabível a aplicação da
técnica da ponderação, posto que, visando-se salvaguardar múltiplos interesses,
não se pode, a despeito da proteção das comunidades quilombolas – a partir de
norma prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – olvidar-se
dos princípios da propriedade, segurança jurídica, confiança, boa-fé e dignidade
da pessoa humana daqueles que possuem posse e propriedade de imóveis, e
igualmente resguardadas pela Constituição Federal. Sobretudo em situações em
que tais locais não se encontravam ocupados por remanescentes das
comunidades de quilombos quando da promulgação da Constituição
Federal de 1988.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o presente estudo, não se está a negar direitos aos remanescentes de
quilombos, mas provocar o debate e demonstrar que a questão não é de tão
simples resolução. A parte eventualmente expropriada também merece ser
ouvida, pois ela também cumpre um importante papel na produção de alimentos,
em se tratando de produtores rurais.
Nesses trinta anos de Constituição Federal, depara-se com questões ainda
não resolvidas e que são de extrema preocupação do Direito Agrário, ramo
autônomo do Direito que tem a importante missão de equalizar tais interesses.
A interpretação constitucional não pode estar despreocupada com a
solução justa, vinculada exclusivamente às palavras da lei, dissociada do bem-
estar social, despreocupada com a realidade do país ou sem prever as
consequências da força e do alcance de suas normas.
O questionamento que se faz é se a expropriação de terras para
atendimento de comunidades que não ocupavam tais terras quando da
promulgação da Constituição de 1988 e da respectiva introdução no
ordenamento jurídico do art. 68 do ADCT em detrimento de pequenos
agricultores, trabalhadores que estão dando a função social à propriedade, ou
pessoas que as ocupam como moradia e bem de família, seria a melhor solução
para este impasse. Seria quitada a dívida que o expropriado não é devedor?
Sobre idênticos questionamentos, colhe a lição de Maria Cecília Ladeira
de Almeida:
Todavia, o cumprimento da função social pelo proprietário é fator a ser
sopesado nos casos concretos. Em que pese as regras de hermenêuticas sobre a
ponderação dos interesses, a garantia da segurança alimentar e, com isso, a
segurança nacional, merecem ser apreciadas para que não haja solução de
continuidade. Como dito no início deste estudo, o resultado para um ou para
outro lado também pode levar à desaceleração do crescimento, na medida em
que os efeitos da redefinição de recursos carreados ao Estado, mediante
política fiscal, comprometem a eficiência econômica. (GRECHI; ALMEIDA,
2016, p. 189).
É sabido que, assim como o direito dos remanescentes dos quilombos
possuem especial proteção constitucional, a pequena e média propriedade, a
propriedade produtiva (art. 185, CF[409]) e o direito à moradia (art. 6º[410], CF)
também possuem especial proteção. Como equalizar tais interesses? A correção
de um problema poderá causar outro, senão maior, com certeza de idêntica
gravidade.
O marco temporal, como critério objetivo, pode servir de balizador
importante para a equalização de tais direitos, pois se mostra como instrumento
garante da segurança jurídica necessária aos envolvidos. Como se viu, tal
instituto não é novo no Supremo Tribunal Federal e já foi utilizado como baliza
para a solução de questões agrárias.
Somado a esse instrumento, a ponderação dos direitos fundamentais
envolvidos há que ser analisada a partir de cada caso concreto, pois se é
garantida pela Constituição Federal o direito à titulação dos remanescentes de
quilombolas, também deverá ser preservado o direito dos proprietários que
possuem título legítimo e posse de absoluta boa-fé. Esses proprietários também
possuem direito constitucional resguardado e especialmente protegido, eis que
titulares de direito fundamental.
Zibetti em Teoria Tridimensional da Função Social da Terra no Espaço
Rural – Econômica, Social e Ecológica afirma que “o espaço rural é o espaço
agrário, que, por sua vez, possui um modo especial de vida, direitos e legislações
próprios.” E prossegue:
Quando se trata deste assunto, tem-se, dentro da função social da terra, como
uma pequena parte, o tema da função social da propriedade rural. Observa-se,
então, que a função social da terra é muito mais abrangente, incorporando
muitos outros aspectos; não somente a concepção da propriedade em termos de
direito privado, mas também os sentimentos de solidariedade e de justiça
social.
O titular de uma propriedade, antes de ser proprietário, pertence a um corpo
social, devendo, antes do zelo pelo seu patrimônio, salvaguardar os interesses
de toda a sociedade, jamais a prejudicando. A própria função de produção
alimentar é exercida no intuito de satisfazer as necessidades vitais de toda a
população.
Então, não é somente o proprietário que tem obrigações sociais, mas o
arrendatário, o parceiro sem-terra, o empregado rural, ou seja, qualquer
trabalhador do campo deve viver da produção da terra, satisfazendo não
somente a si mesmo, mas também sua família e, principalmente, toda a
sociedade (ZIBETTI, 2010, p. 49).
Conclui-se que se o proprietário está dando função social a sua
propriedade, o Estado tem o dever de salvaguardar essa propriedade.
Analisando-se caso a caso, há que se proteger aqueles proprietários que estão
cumprindo a função social da terra e que lhe serve de moradia, e não se deve
promover a desapropriação destes, devendo ainda ser respeitado o marco
temporal.
Mattos Neto afirma: “o ordenamento jurídico constitucional brasileiro
garante o direito à propriedade agrária como um dos direitos básicos inerentes à
dignidade humana.” (BARROSO; MIRANDA; SOARES, 2013, p. 22). E
conclui:
O direito à propriedade somente pode ser exercido democraticamente se a
sociedade política reconhecer ao cidadão do povo a ampla liberdade de
conquistas de aquisição dos bens de produção e de consumo. Nessa pluralidade
democrática o indivíduo tem à disposição o livre acesso a propriedade. [...]
Tornando-se proprietário, o exercício subjetivo de propriedade está imbricado
à qualidade de vida humana digna, sendo ético o proprietário exerce o direito
de propriedade socialmente justo, economicamente útil e ambientalmente
sustentável. (BARROSO; MIRANDA; SOARES, 2013, P. 22).
Veja-se que a legislação impõe ao proprietário rural uma série de
obrigações, tendo em vista que a propriedade agrária visa, como fim, a produção
de alimentos a toda a população e da própria garantia da segurança alimentar.
Portanto, cumprida a função social, o Estado igualmente tem a obrigação de
proteger e garantir a propriedade, dando segurança jurídica ao produtor para
desenvolver sua atividade e atingir a desejada justiça social.
E essa é a melhor interpretação que se extrai da leitura do art. 185, caput e
parágrafo único da Constituição Federal, já que garante tratamento especial à
propriedade produtiva e que cumpre a função social. Ora, tratando de garantia,
deve-se ser objeto de tratamento mais benéfico, já que são propriedades
produtivas, e, dentro disso, enquadra-se o dever do Estado em protegê-las.
Conforme já referido neste trabalho são princípios norteadores do Direito
Agrário no Brasil: a propriedade da terra garantida, condicionada ao
cumprimento da função social; proteção da propriedade familiar, à pequena e à
média propriedade; fortalecimento da empresa agrária; e a proteção do
trabalhador rural, de modo que a partir dos princípios agraristas é que a questão
deve ser analisada.
Eis os ensinamentos do agrarista Sodero a respeito da função social da
propriedade vista sob a ótica segundo a qual ambos, Estado e proprietários,
possuem obrigações recíprocas:
A terra existe e é explorada em função das suas possibilidades e das
necessidades da coletividade. Eis a sua função social. Por tal motivo a
necessidade de controle do direito de propriedade neste setor, a fim de que o
objeto do mesmo direito seja explorado eficientemente, corretamente e
diretamente.
[...]
É preciso, pois, que o Estado tenha sempre presente, pelos seus poderes
legislativo e executivo, a obrigação, que lhe cabe de fornecer condições
para o produtor e proprietário rural, a fim de que este possa dar à
propriedade a função social que lhe é inerente. (SODERO, 2006, pp. 49-51).
Veja-se que é uma via de mão dupla. O proprietário é obrigado a cumprir a
função social da propriedade, enquanto o Estado também é obrigado a garantir-
lhe que tal função seja cumprida, propiciando ao produtor rural os elementos
necessários para que sua tarefa se desenvolva com sucesso, haja vista o interesse
coletivo. No caso em estudo, garantindo-lhe o direito à propriedade agrária e à
segurança jurídica para que possa produzir e investir na sua unidade produtiva.
O Min. Luís Roberto Barroso em sua obra, O Novo Direito Constitucional
Brasileiro traz uma sensata conclusão acerca da interpretação prática de alguns
dispositivos constitucionais, que ele denomina de “casos difíceis”:
A norma, muitas vezes, traz apenas um início de solução, inscrito em um
conceito indeterminado ou em um princípio. Os fatos, por sua vez, passam a
fazer parte da normatividade, na medida em que só é possível construir a
solução constitucionalmente adequada a partir dos elementos do caso concreto.
E o intérprete, que se encontra na contingência de construir adequadamente a
solução, torna-se coparticipante do processo de criação do Direito.
(BARROSO, 2013, pp. 36-37)
A verdade, porém, é que para bem e para mal, a vida nem sempre é fácil assim.
Há muitas situações em que não existe uma solução pré-pronta no Direito. A
solução terá de ser construída argumentativamente, à luz dos elementos do
caso concreto, dos parâmetros fixados na norma e de elementos externos ao
Direito. (BARROSO, 2013, p. 37)
Como se vê, as soluções nem sempre estão prontas e acabadas em nosso
ordenamento jurídico, necessitando para a sua aplicação na prática que sejam
tecidas considerações, sejam feitas ponderações, para que a norma expresse a
mais completa Justiça “a solução terá de ser construída argumentativamente
mediante ponderação, isto é, a valoração de elementos com vistas à produção da
solução que melhor atende ao caso concreto.” (BARROSO, 2013, p. 38).
Conforme o autor, se trata de uma construção argumentativa de forma artesanal.
O que se pretendeu com este trabalho foi provocar o debate na construção
de uma melhor solução para um caso difícil, que envolve colisões de direitos e
princípios constitucionais fundamentais, por isso a necessidade da ponderação.
A preservação do patrimônio cultural dos remanescentes de quilombolas é
necessária, mas de forma a não desrespeitar direitos e garantias constitucionais.
Diante de casos em que haja colisões de direitos fundamentais, tais quais os
retratados neste estudo, o Estado poderia lançar mão de outras alternativas, tais
como políticas de incentivo à cultura, utilização de terras devolutas, terras
públicas, permutas, aquisição de áreas especialmente destinadas a esse fim e de
forma a garantir o desenvolvimento físico e econômico das comunidades, etc.
Posto o problema, a decisão a ser tomada deverá ser pautada a partir de um
pensamento agrarista, ou seja, aplicando-se princípios próprios do Direito
Agrário, pois em existindo normas e princípios agrários os intérpretes devem
utilizá-los para a solução dos conflitos agrários.
REFERÊNCIAS
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. São Paulo, Malheiros, 2003.
BARROSO, Luís Roberto. O novo Direito Constitucional Brasileiro.
Contribuições para a construção teórica e prática da Jurisdição Constitucional no
Brasil. 1ª reimpr. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013.
BARROSO, Luis Roberto. Os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade no direito constitucional. Boletim de Direito Administrativo.
Março/97
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CAPÍTULO 16
POSSE CABOCA: GARANTIA DA
TERRA AO POVO NATIVO DA
AMAZÔNIA

GURSEN DE MIRANDA
Professor Decano de Direito (UFRR), Coordenador do Curso de Especialização
em Direito Amazônico (UFRR), Presidente da Academia Brasileira de Letras
Agrárias, Titular da União Mundial de Agraristas Universitários (UMAU),
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima (aposentado).

INTRODUÇÃO
Este trabalho torna-se o ponto de partida para construção de uma espécie
de posse exercida pelo trabalhador rural típico, conhecido como caboco, peculiar
da Amazônia. O caboco que mora em cabana, herói da Cabanagem[411], empresta
novamente seu nome e seu modo de vida, para caracterizar o que denomino
“posse caboca”.
A posse, reconhecida desde o início da Antiguidade Clássica, chegou aos
tempos da Roma Antiga de forma absoluta e foi fortalecida com o Código Civil
francês, de 1804, impregnando os ordenamentos jurídicos do Ocidente com a
concepção da propriedade como direito absoluto, onde a posse seria apenas a
exteriorização dessa propriedade. O Código de Clóvis seguiu essa mesma linha
de compreensão, enquanto o Código Civil, de 2002, estabelece novos elementos
à propriedade, marcadamente a função social, desconfigurando seu caráter
absoluto. Nesse novo cenário jurídico do pós-positivismo, com destaque à
dignidade da pessoa humana, o sujeito de direito foi humanizado, em face de sua
“patrimonialização” defendida pela revolução burguesa francesa de 1789.
Atualmente, deve-se compreender a posse numa visão multifacetária, de
acordo com o regime jurídico dessa posse. Para além da posse civil, existe a
posse agrária, além de outros tipos de posse. Na Amazônia existe uma forma
peculiar de apropriação da terra para o exercício da atividade agrária típica
amazônica, exercida pelo mais legítimo e nativo habitante da Amazônia, o
caboco, sem merecer atenção dos doutos. Surgiu a ideia de se construir os
elementos de fundamentação e caracterização desse instituto jurídico, tema deste
trabalho: POSSE CABOCA: GARANTIA DA TERRA AO POVO NATIVO DA
AMAZÔNIA.
O índio, desde o início do período colonial, com Carta Régia, do dia 10 de
setembro de 1611, é contemplado com ampla legislação garantindo seus direitos
às áreas que tradicionalmente ocupa. O negro, com a Constituição Federal, do
dia 5 de outubro de 1988, conquistou o direito à propriedade das áreas
quilombolas, nos termos do artigo 68, dos Atos das Disposições Constitucionais
Transitórias. E sobre o caboco, ribeirinho da Amazônia, o mais legítimo e nativo
personagem amazônico? Nada dizem.
A posse caboca leva à figura do caboco, titular dessa espécie de posse, a
merecer estudo jurídico, como parte da compreensão da identidade cultural da
Amazônia. Raras são as pesquisas etnográficas, antropológicas ou sociológicas
sobre o caboco, até o final dos anos 60 (sessenta) eram praticamente
inexistentes. A ficção literária foi a única fonte de conhecimento sobre o caboco.
A literatura amazônica reconhece o caboco como o principal tipo humano da
Amazônia, exemplo marcante são as personagens “Manuel dos Santos Prazeres”
e a “Maria de Todos os Rios”, descritas por Benedicto Monteiro, um dos maiores
romancistas da Amazônia de todos os tempos[412]. Na seara do Direito a
abordagem sobre o caboco é inexistente; o caboco não é reconhecido como
sujeito de direito na Amazônia; é totalmente ignorado. O Direito não apreendeu
a importância que a figura merece no contexto amazônico. Não existem estudos
jurídicos sobre a figura do caboco. Por certo, não é por acaso. Justifica-se, assim,
a estudo de uma posse caboca.
A temática posse caboca parte de algumas indagações: 1. O que é a posse
caboca?; 2. Para que serve a posse caboca?; 3. Quem seria o sujeito de direito da
posse caboca? A problemática apresentada exige exposição clara e objetiva, em
linguagem apropriada, para além de jurídica, caboca.
O Brasil, Federação formada por vários Estados Membros em suas
diversas regiões (espaços), em diverso tempo de diferentes realidades –
sociocultural, socioambiental, socioeconômica e histórica – definiu diferentes
tipos humanos característicos dessas regiões. O caboco é o tipo humano peculiar
da Amazônia, nem melhor nem pior, nem superior nem inferior aos tipos
humanos das demais regiões brasileiras, apenas diferente. E o Brasil, como
Estado Democrático - da tolerância, da diversidade, das diferenças, da
pluralidade -, recepciona plenamente a figura do caboco como sujeito de direito
da posse caboca. A figura do caboco merece estudo jurídico, como parte da
compreensão da identidade cultural da Amazônia, considerando o direito
fundamental na garantia de seu espaço, para morar e trabalhar (exercício de sua
atividade econômica agrária), na garantia da dignidade da pessoa humana
(CF/88: art. 1º, inc. III).
Visando estruturar os elementos iniciais desta construção, o trabalho será
desenvolvido em duas partes: 1. Posse: ampla compreensão; 1.1. A posse em
perspectiva histórica; 1.2. Posse contemporânea: posse multifacetária; 1.3. Posse
civil e posse agrária; 2. Posse caboca; 2.1. Sujeito de direito da posse caboca – o
caboco; 2.2. Fundamentação da posse caboca; 2.2.1. Politica colonial; 2.2.2.
Legislação brasileira; 2.2.3. Tratados Internacionais; 2.2.4. Ato possessório:
exercício de atividade agrária típica; 2.2.5. Posse caboca: concretude do
desenvolvimento sustentável; 2.2.6. Posse caboca: sucessão da posse indígena; À
guisa de conclusão: o caboconato.
Em verdade, o Brasil está precisando de política atuante direcionada aos
interesses regionais, preocupada com o bem-estar e a produção de alimento para
o povo amazônida, com desenvolvimento sustentável. Os organismos
internacionais, na mesma linha, ficam mais preocupados com os bichinhos e as
plantinhas da Amazônia, atentos a sua água, a seus minérios, a sua
biodiversidade e ao seu potencial genético, e abstraem as pessoas humanas
nascidas e criadas na região, com suas necessidade naturais, em busca de bem-
estar material e espiritual.





1 POSSE: AMPLA COMPREENSÃO
1.1 A POSSE EM PERSPECTIVA HISTÓRICA
Historicamente, para o mundo Ocidental, o Código de Hamurabi, datado
do sec. XVII a.C., ilustra o fundamento da posse caboca, ao consagrar a posse da
terra para produção agrária, na forma dos parágrafos 30 e 31 (Gursen De
Miranda, 2014, pp. 60-83).
O Direito da Roma antiga deixou amplo legado sobre a posse da terra
rural, bem antes das mais de vinte leis agrárias, a teor da Lei das XII Tábuas. A
Tábua Sexta trata expressamente “Do direito de propriedade e da posse”,
envolvendo a usucapião. As Tábuas Oitava e Décima Segunda, fazem referência
à posse. A doutrina procura demonstrar a origem da posse no Direito Romano.
Savigny, adota a teoria de Niebuhr, para demonstrar que a posse teria surgido
como consequência da repartição de terras conquistadas pelos romanos (lotes =
possessiones), mas a título precário, razão pela qual não caberia ação
reivindicatória, proporcionando o surgimento do interdito possessório. Para
Ihering a posse seria consequência do processo reivindicatório, como medida
arbitraria adotada pelo Pretor, para garantir a quem estivesse trabalhando a terra.
No período feudal, na Europa, anota-se os “cercamentos” ou enclousure
que passavam a integrar o imóvel rural, alterando o modo de ser da pessoa
humana em relação a terra rural.
A América pré-colombiana, marcadamente as civilizações Inca e Asteca,
contribui para compreensão da posse da terra rural, mas sem nenhum sentido de
propriedade privada. Os Incas, de maneira geral, organizavam sua estrutura
fundiária por meio da apropriação comum da terra, chamada ayllu, em sentido
clanístico, porém, havia a apropriação individual em pequenas parcelas cercadas
com pedras, chamadas tupus, recebida por todos, anualmente, para produzir
visando alimento e vestuário. Para o povo e o Estado Asteca, a base da
organização socioeconômica e cultural fundamentava-se no calpulli, que
significa bairro de gente conhecida ou linhagem antiga, igualmente de caráter
clanístico e exogâmico, com traços matriarcais, dividido em terras da
comunidade (altapetlalli) e terras de cultivo familiar (capullalli), para usufruto
dessas famílias, em caráter vitalício, com sucessão.
A Lei de Sesmarias, inserta nas Ordenações Portuguesas, com origem na
Lei de 26 de junho de 1375, do rei D. Fernando I, o Formoso, obrigava o
proprietário de terras rurais a explorá-las, bem como garantia, por certo tempo,
quem estivesse exercendo a posse, trabalhando essas terras, sem que o
proprietário pudesse exercer seu direito de reivindicação em desfavor do
posseiro. A Lei visava impedir o despovoamento do campo em Portugal, que
estava sendo abandonado pelos proprietários e a fome e a miséria se alastravam.
No Brasil, a Lei de Terras do Império[413] reconheceu o direito do posseiro
à terra em que morava e produzia (Gursen De Miranda, 1988, p. 67). Terras
simplesmente ocupadas, figurando, quem a trabalha, como mero posseiro, sem
nenhum título que lhe assegurasse o domínio (Porto, p. 75).
1.2 POSSE CONTEMPORÂNEA: POSSE MULTIFACETÁRIA
A posse, na linha da propriedade, nesse contexto da pós-modernidade e do
pós-positivismo, com destaque a dignidade da pessoa humana no Estado
Democrático, sedimentou a compreensão do cumprimento da função social em
todas suas dimensões. O solidarismo de Duguit e a fraternidade cristã, em busca
da justiça social, são os parâmetros deste momento. Para doutrina, conforme
estruturação teórica de Themis Eloana (p. 38), analisando o direito brasileiro, os
requisitos objetivos constitucionais da função social da terra refletem quatro
dimensões ao posseiro/possuidor, ao proprietário e a ação de governo: 1)
Dimensão econômica (produzir bem = produtividade); 2) Dimensão
socioambiental (desenvolvimento sustentável); 3) Dimensão laboral (proteção ao
trabalhador); e, 4) Dimensão do bem-estar (físico e espiritual). Dimensões estas
envolvidas pela compreensão dos Direitos Humanos, como valores jurídicos
atuais, em nível de Direito Internacional contemporâneo.
O código civil brasileiro, de 2002, condicionou o exercício da propriedade
(e da posse) “de acordo suas finalidades econômicas e sociais e de modo que
sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora,
a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e
artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas” (art. 1.228, § 1º),
seguindo a trilha constitucional da função social com as dimensões do bem-estar,
econômica e socioambiental, ausente, sem demonstração razoável, a dimensão
laboral.
Quando proferi conferência ao III Congresso Internacional de Direito
Amazônico, realizado na cidade de Belém do Pará, no mês de maio de 2006, sob
o tema “Conteúdo do direito de propriedade na Amazônia: peculiaridade
regional da propriedade em face do Pacto Amazônico”, abordei a propriedade
multifacetária (Gursen De Miranda, 2007, p. 241). A posse (no mesmo sentido
da propriedade), abstraindo a dicotomia de público e privado, pode ser
compreendida, para além dos limites do direito civil. Neste terceiro milênio,
torna-se inconcebível e à margem da razoabilidade interpretar a posse (e a
propriedade) conforme o método jurídico tradicional ou clássico, preso à
sistemática do direito romano, adotado para o código civil francês, de 1804. Para
atender as demandas sociais e aos interesses econômicos a sociedade evolui
levando a adaptação do direito ao novo contexto social. A propriedade única,
universal e absoluta, do direito civil, foi substituída por novas formas de
propriedade (e posse), considerando a natureza e estrutura dessas propriedades,
com regime jurídico distinto e método de interpretação próprio. Hoje “são
propriedades”, conforme sua finalidade primeira, ontem era “a propriedade”;
ontem era “a posse, hoje são “as posses”. Analisando enquadramento
constitucional, de 1988, constata-se consagração de espécies diversas de posse:
posse urbana (art. 183), posse agraria (art. 191), posse indígena (art. 231), posse
quilombola (ADCT: art. 68), posse ambiental (art. 225), posse hídrica (art. 22,
IV), posse minerária (art. 20, IX), a pose intelectual (art. 5º, XXVII), etc.. Todas
as espécies de posse, todavia, devem cumprir sua função social, como garantia
fundamental (art. 5º, inc. XXIII) e princípio da ordem econômica e financeira
(art. 170, inc. III).
Os estudiosos do direito italiano, desde Pugliatti (em domínio público),
desenvolvem pesquisas sobre o tema há mas de cinco décadas, os quais
sustentam que “não se pode falar de um só tipo, mas se deve falar de tipos
diversos de propriedade”, e de posse. A posse, portanto, deve ser analisada,
interpretada e aplicada de acordo com seu objeto e nos parâmetros definidos
pelos princípios de seu regime jurídico, são regimes jurídicos distintos e diversa
deve ser a compreensão da posse contemporânea. O direito civil regula apenas as
relações civis referentes a propriedade e a posse.
1.3 POSSE CIVIL E POSSE AGRÁRIA
A questão reivindicatória ou possessória sobre imóvel rural deve ser
analisada, interpretada e aplicada de acordo com as normas do direito agrário,
tendo por fundamento a posse agrária (posse/atividade) dessemelhante da posse
civil (posse/propriedade). No mesmo sentido a posse caboca, como forma
amazônica de posse da terra rural.
Na construção teórica da posse agrária os elementos da realidade cultural,
social, econômica e política do âmbito agrário são inafastáveis, seguindo
orientação metodológica expressa no artigo 103, do Estatuto da Terra[414],
conforme o princípio da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com
a valorização do trabalho humano.
No direito civil, a posse é fundamentada na propriedade, a posse é
consequência da propriedade, somente haverá posse se houver propriedade. A
posse como exteriorização da propriedade, para usar a teoria de Ihering. A posse,
na usucapião civil, refere-se a propriedade, a posse de alguém com animus de ser
proprietário, no caso da teoria de Savigny.
Diferentemente, a posse agrária independe da propriedade agrária. O
fundamento da posse agrária é o trabalho na terra, é o exercício de atividade
agrária, qualquer uma delas. Mantendo-se e garantindo-se o trabalhador rural na
terra enquanto exercer a atividade agrária, porém, caso deixe de trabalhar a terra
perderá a posse agrária. Nessa linha de compreensão, somente o trabalhador
rural no exercício da atividade agrária pode ser titular da posse agrária. É a posse
para quem trabalha a terra, é a posse para quem faz a terra produzir. Trabalhado
rural que envolve atividade econômica típica do caboco.
2 POSSE CABOCA
O marco inicial para compreensão da posse caboca está assentado na posse
exercida pelo caboco, trabalhador rural típico da Amazônia. É uma posse do
âmbito agrário da Amazônia, logo, seria uma espécie de posse agrária, da mesma
forma a posse agroecológica, esta, específica para áreas extrativistas, como
espécie da posse caboca. A posse caboca, do âmbito rural amazônico, onde o
trabalhador rural é conhecido como caboco. Ressalto a Lei nº 3.044, de 21 de
março de 2006, do Estado do Amazonas, que reconhece o caboco como o
mestiço característico do meio rural da Amazônia, além de consagrar “os
mestiços como grupo étnico-racial e sujeito do direito amazônico”.
2.1 SUJEITO DE DIREITO DA POSSE CABOCA – O CABOCO
A vida do caboco é de mansidão; come de arremesso (a farinha) e dorme
de balanço (na rede), sua companhia preferida. Compreendo, no âmbito de um
Direito Amazônico, que o caboco é o sujeito de direito típico, uma figura
jurídica peculiar regional. Permito-me destacar que o caboco não morreu nem é
uma alegoria regional; ele vive e reivindica seu verdadeiro lugar na Amazônia
como legítimo sujeito de Direito. O termo caboco é vigente, habitual e
preponderante na Amazônia, como tratamento informal entre as pessoas em
relações e interação no campo e na cidade.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reconhece o
caboco como um dos tipos regionais do Brasil, peculiar da região amazônica.
Outros tipos regionais seriam as baianas da Bahia, o caipira de São Paulo, o
gaúcho do Rio Grande do Sul, os sertanejos do Nordeste brasileiro. Por certo, os
diferentes tipos são definidos, para além da região e sua história – do espaço e do
tempo -, por fatores étnicos formadores do grupo social, a dimensão
sociocultural, o elemento socioambiental, a componente geoeconomica e a
linguagem. Na formação do caboco o elemento indígena é marcante, para além
do étnico o cultural. O caboco é descendente do índio ou da índia; o caboco é o
resultado humano da mestiçagem na Amazônia. A meta inicial é a compreensão
geral que o caboco é fruto da união física e biológica do português com a índia; é
o mestiço do branco com a indígena. Alguns sugerem que o termo caboco foi
inicialmente usado como sinônimo de tapuiu, termo genérico de desprezo que os
povos indígenas usavam quando se referiam a indivíduos de outros grupos.
Não pretendo, nos limites deste estudo, perquirir em profundidade a
etimologia da expressão caboco, mas há necessidade de algumas colocações
nessa temática. Na Amazônia o termo utilizado pelos habitantes das capitais e
pelos ditos mais cultos e intelectualizados sedimentou preferência da expressão
“caboclo”, como o termo mais “correto”, mas o caboco falava e fala “caboco”.
Câmara Cascudo (Dicionário do folclore brasileiro, p. 165-166), todavia,
defende o uso da expressão CABOCO como forma correta, sustentando que a
letra “L” foi introduzida na palavra, para denominar cabocLo, sem justificativa
etimológica na língua tupi. Observando o nheengatu, se a expressão caboco
deriva do tupi caa-boc, no sentido “o que vem da floresta” (caá = mata; boc =
saído de); ou igualmente do tupi kari’boca, como “filho do homem branco”,
ausente a letra “L”. Ademais, as letras F, L e R, não eram utilizadas nas línguas
indígenas da Amazônia.
Caboco, portanto, é o mestiço nativo da Amazônia; é o verdadeiro e
legítimo amazônida. É o que vive na mata e dela tira seu sustento, conforme suas
características geográficas, o caboco prefere as margens dos cursos d’água, para
estabelecer sua morada, sua cabana, construída sobre palafitas, evitando-se as
águas das cheias, ou em pequeno espaço nos barrancos, mas sempre envolvida
pela mata; a canoa no rio é uma necessidade, para pesca e locomoção; próximo a
casa é construído um chiqueiro, para os porcos, ou pequeno cercado para guardar
o jabuti, a tartaruga, etc... Historicamente, o caboco é reconhecido pelos
brasileiros em geral como o tipo humano característico da população da
Amazônia; como a pessoa humana da Amazônia. Nesse sentido, o caboco é o
amazônida típico, essencialmente rural e, normalmente, ribeirinho. Certamente,
na Amazônia, também existem os trabalhadores rurais, com características da
modernidade, chegados pela necessidade nas diversas levas de migrantes e pela
esperança nos “grandes projetos”.
Infelizmente foram criadas denominações genéricas para manipulação e
divulgação pela mídia, mas que não representam os verdadeiros interesses do
sujeito amazônida, seja “Populações Tradicionais” seja “Povos da Floresta” ou
“Mulheres da Floresta”. São expressões vazias, artificiais, imposta pelos que se
preocupam apenas com os bichinhos e as plantinhas amazônicas e, não por
acaso, esquecem o ser humano que nasce, vive e pensa em morrer na Amazônia.
São expressões que nada dizem sobre os amazônidas. Por outro lado, o caboco,
sob nenhuma hipótese, deve ser comparado ou confundido com o “matuto” ou o
“caipira”, este, do interior dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná,
Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Igualmente infeliz,
atualmente, quando fazem referência ao caboco como invasor, grileiro, bandido,
… O caboco deve ser compreendido como figura jurídica diferente do invasor e
do grileiro, com as quais não deve ser confundido nem tratado; o caboco pode
ser um posseiro, um possuidor, um ocupante, um detentor, um agregado; o
caboco é, antes, o trabalhador rural da Amazônia.
Por certo, a miscigenação física, biológica e cultural na Amazônia, como
fato social, não é homogênea. Por um lado, pelos centros mais urbanos
concentrarem maior contingente de migrantes; por outro, pelo contato entre os
próprios mestiços (caboco, mameluco, mulato, cafuzo), originando o mestiço do
mestiço, estes, dominantes atualmente na região; mas, tudo caboco.
Historicamente, em primeiro momento, a barreira imposta à imigração de
brancos para a Amazônia no período colonial e no Império, além da limitada
participação do negro, proporcionou o cruzamento praticamente exclusivo do
português (branco) com a índia.
O caboco, como mestiço, tem os elementos étnicos em sua formação bem
identificados na Amazônia. Além do indígena, em primeiro momento surgiu o
conquistador português, no início da miscigenação, posteriormente ocorreu a
presença do negro, acrescentando mais um elemento nessa mestiçagem. Anoto
que o período desde a conquista portuguesa até a segunda metade do século
XIX, com o primeiro ciclo da borracha, seria o primeiro momento da
cabocagem, onde surgi o “caboco tradicional” ou caboco ribeirinho. Quando
eclodiu a exploração da borracha, o caboco sofreu grandes e muitas
transformações, em decorrência do “abrasileiramento” da Amazônia pelos
nordestinos do Brasil e da imigração de estrangeiros, até das arábias, em todos
os pontos da região, distantes das margens dos rios, redefinindo o perfil do
caboco, razão pela qual, neste contexto surge o que chamo de “caboco do
centrão”. Mais tarde, grande leva de asiáticos, nomeadamente os japoneses, e
novamente os nordestinos, para o segundo ciclo da borracha. Portanto, o caboco
é fruto da miscigenação proporcionada pela confluência de povos diversos que
se deslocaram para a Amazônia, tento como elemento base o indígena.
A presença do nordestino na Amazônia, justo é reconhecer, causou
profunda transformação sociocultural e econômica na região, levando à nova
concepção da Amazônia distinta da Amazônia caboca: mentalidade, estilo de
vida, padrões sociais e culturais. Todavia, os nordestinos que ficaram na
Amazônia constituíram família, em novo processo de miscigenação do
nordestino com a caboca, com a índia, mas todos com características cabocas,
distantes das margens dos rios, no chamado centrão, onde derrubavam a mata em
torno da casa, razão pela qual eram chamados de “brabos” pelo “cabocos
tradicionais”; chamo de “caboco do centrão”, um caboco diferente.
Em período recente, a caracterização mais atual do caboco ocorreu em
consequência da abertura das grandes rodovias e implantação de grandes
projetos na Amazônia, na década de 1970, como nova fronteira agrária, tendo
como referência a rodovia Belém-Brasília, inaugurada no ano de 1961, para ligar
a Amazônia as outras regiões do Brasil. No sentido Sul-Norte foram construídas
a rodovia Cuiabá-Santarém, Cuiabá-Porto Velho, Porto-Velho-Manaus e
Manaus–Boa Vista, enquanto no sentido Leste-Oeste foi construída a famosa
rodovia Transamazônica e a rodovia Perimetral Norte. Houve grande corrente
migratória interna, para ocupação das terras às margens das rodovias, algumas já
ocupadas por cabocos outras reconhecidas áreas indígenas, muitas cidades
surgiram, houve conflito… a miscigenação foi inevitável do caboco e da caboca
com os migrantes bugres, caipiras e matutos, também mestiços, do Sul, Sudeste
e Centro Oeste do Brasil, fazendo surgir o “caboco de rodovia”.
Todavia, o caboco aculturou o imigrante, onde passou a ser adjetivado:
“caboco negro”; “caboco do centrão”; “caboco alemão”; “caboco galego”;
“caboco italiano”; “caboco turco”; “caboco afrancesado”; “caboco barbadiano”;
“caboco russo”. Seria o sentido multifacetário do caboco em seus vários tipos,
considerando-se que o “caboco ribeirinho” ou “caboco tradicional” é o
paradigma de todos os tipos de cabocos. É certo, em determinadas regiões da
Amazônia, a presença intensa de imigrantes construindo outra característica
cultural nessas localidades, como é o caso dos municípios, em todos os Estados
da Amazônia, com os imigrantes japoneses, constituindo-se nos “nipocabocos”.
O caboco, como mestiço, deve ser compreendido como um grupo étnico
nem superior nem inferior ao português ou ao indígena, ou quaisquer outros
grupos étnicos; apenas diferente. Como exemplo figurativo para miscigenação,
lembro a bandeira do Brasil, com suas cores: a cor verde misturada com a cor
amarela produz a cor azul; é outra cor, é nova cor, nada lembrando as outras
cores, nem mais bonita nem mais feia; depende da “crítica do juízo”, do juízo do
belo. Prefiro a cor verde, minha mulher prefere a cor azul celeste, simplesmente
uma questão de gosto e preferência.
Ressalto que o caboco tem valorização política desde os tempos da
Cabanagem no contexto amazônico e não apenas como objeto das raras
pesquisas. O caboco é o grande herói da Cabanagem, único movimento político
popular no Brasil em que o povo chegou ao poder, em luta que se estendeu pelo
vale do rio Amazonas, durante o período de 1835 a 1840. Não por acaso o nome
do movimento reflete a origem de seus atores, aqueles que vivem em cabanas, os
cabocos.
O caboco tem linguagem própria, a maneira de falar que predominava na
Amazônia, mesmo após a Adesão do Grão Pará à Independência do Brasil, no
dia 15 de agosto de 1823, era a língua geral chamada nheengatu, dialeto
tupinambá desenvolvido pelos jesuítas, com estrutura na língua tupi. Mesmo
com a obrigatoriedade de se comunicar por meio da língua portuguesa, conforme
determinação do Diretório dos Índios, do período pombalino, e até com a Guerra
dos Cabanos, a Cabanagem, quando quase 40% (quarenta por cento) da
população amazônica foi exterminada, em sua maioria cabocos, a força da língua
regional prevaleceu.
O caboco professa religião do “mundo dos encantamentos” e o catolicismo
popular. Suas lendas, para além de diversão trazem elementos éticos e morais. A
Amazônia é um paraíso de lendas, construídas com os elementos da natureza
amazônica, destacando-se os rios e a floresta, transversalizadas pela cultura
portuguesa, com evidente concepção normativa, moral e legal. Lenda da Vitória-
Régia; lenda da Cobra-Grande (Boiúa), lenda da Mandioca, lenda do Boi-
Bumbá, lenda das Icamiábas (as Amazonas), lenda do Mapinguari, lenda do
Tamba-Tajá, lenda do Açaí, … lenda do Boto, … e outras lendas.
No entanto, o caboco “dança conforme a música” e conseguiu se adaptar,
amoldando os ritmos do índio, do português e do negro, com elementos da
fauna, da flora e das águas. Conforme região na Amazônia foi criado ou
apropriado algum tipo de dança e música: o carimbó, o lundu, a dança do
vaqueiro marajoara, o boi-bumbá e tantas outras.
A gastronomia do caboco tem na farinha de mandioca seu principal
alimento, aliás, mandioca nativa da Amazônia que está alimentando o Mundo
faminto. A culinária amazônica é considerada a mais autêntica do Brasil e foi
escolhida pela UNESCO (United Nations Educational Scientific and Cultural
Organization), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura, como a mais importante do Mundo pelo uso de elementos naturais. O
peixe de escama e a caça, crustáceos e quelônios, as raízes e as folhas, as flores,
os frutos e as frutas. O Mercado do Ver-o-Peso é o grande centro gastronômico.
Os pratos mais famosos são a maniçoba, o pato no tucupi e o peixe moqueado
(assado na brasa em buraco no chão envolvido com folha de bananeira).
Enfim, a compreensão jurídica do caboco visa definir se o caboco é uma
figura com características próprias ou se está vinculada a outra. Compreender a
figura jurídica do caboco (1) fortalece a denominação de maneira geral, (2)
proporciona melhor estudo comparativo com outras figuras e institutos jurídicos,
(3) facilita a aplicação do direito na Amazônia – de um Direito Amazônico -,
dentre outras vantagens, (4) haverá menor possibilidade de interferência
político/acadêmica de outras áreas do conhecimento, (5) assegurará ao caboco
acesso à Justiça com maior objetividade, (6) proporcionará maior celeridade na
tramitação dos processos, no âmbito judicial e administrativo, (7) bem como
facilitará obter maiores recursos perante as instituições financeiras.
Benefícios e desvantagens do caboco como figura jurídica, em decorrência
de compreensões diversas, são plenamente aceitas no mundo das ciências
sociais, no mundo da cultura, no mundo do dever ser, no mundo do Direito. É
certo, no entanto, que a compreensão da figura jurídica do caboco (1)
possibilitará aos protagonistas do Direito formas mais objetivas em relação a
outras figuras e institutos jurídicos, (2) proporcionará elaboração de decisões
judiciais com sedimentação jurisprudencial, (3) além de facilitar a produção de
material jurídico em nível doutrinário e acadêmico.
Por via de consequência, compreender o caboco como uma figura jurídica
típica da Amazônia e titular do instituto jurídico da posse caboca, peculiar ao
Direito Amazônico, antes de ser um devaneio acadêmico, é uma necessidade no
Estado Democrático de Direito na concretude da garantia da dignidade da pessoa
humana à esses indivíduos, em cumprimento de um dos princípios fundamentais
do Estado Brasileiro.
Para além do elemento antropocêntrico patrimonialista (ser proprietário),
mas o direito à segurança social e jurídica, a garantia da dignidade da pessoa
humana. A dimensão valorativa do caboco como pessoa humana (valor principal
do ordenamento jurídico), em atividade sustentável com a floresta e os rios,
recepciona, tanto as teorias clássicas de Savigny e Ihering quanto a consagração
atual pós-positivista. Muito mais que um simples elemento técnico da relação
jurídica, o caboco é uma realidade ontológica.
Por inerente à natureza humana, algumas críticas podem ser elaboradas,
todavia, a compreensão de forma clara e objetiva da figura jurídica do caboco,
em face de outras figuras jurídicas do ordenamento jurídico brasileiro,
notadamente no âmbito agrário, além de se garantir a continuidade de utilização
da expressão, com sustentação no âmbito do Judiciário, incluindo-se as
atividades essenciais à Justiça, por certo, levará a redução das resistências e se
evitará a utilização de expressões alheias à realidade amazônica.
É fato que o amazônida tem orgulho de ser mestiço, de ser caboco, orgulho
de sua autodesignação. Conforme o IBGE, por ocasião do censo do ano de
2.000, em declaração espontânea, 68,2% (sessenta e oito por cento e dois
décimos) da população manifestou ser mestiça, bem superior a média de outras
partes do Brasil com 38,6% (trinta e oito por cento e seis décimos).
2.1.1. ATIVIDADE ECONÔMICA DO CABOCO
O caboco é tranquilo por sua própria natureza, aprendeu a viver em região
com abundância, dela tirando seu necessário sustento, destacadamente a farinha.
Indivíduo criativo e racional, perfeitamente adaptado à realidade sociocultural e
ecológica da Amazônia. Na imensidão da Amazônia brasileira com
características próprias em cada espaço, o caboco, no âmbito agrário amazônico,
tem como principal atividade econômica o extrativismo agrário (animal e
vegetal), com destaque à pesca artesanal e a agricultura temporária (de
sobrevivência). Amparado pela economia de subsistência, tem estilo de vida
próprio: (a) planta mandioca, para produzir farinha; (b) em roçado menor, ou
área de várzea após as vazantes, planta outras poucas culturas (feijão, arroz,
milho); (c) no jirau tem suas hortaliças, com legumes e verduras; (d) do rio tira
seu peixe; (e) na várzea o açaí é abundante; (f) da floresta vêm os frutos e as
frutas; (g) floresta de onde tira as raízes, cascas, folhas, flores, sementes, frutas e
frutos, como alimentação e remédios. Estas são algumas atividades econômicas
exercidas pelo caboco.
Na identificação da atividade mais típica da economia caboca sobressaem
aquelas que refletem o mundo amazônico – as águas e a floresta (MOREIRA, p.
89). Da floresta distinguem-se cada uma das atividades, dada sua peculiaridade,
é a chamada cultura florestal com o seringueiro (da seringa), do balateiro (da
balata), do castanheiro (da castanha do Pará), do guaranazeiro (do guaraná), do
piaçabeiro (da piaçaba), do piabeiro (da piaba – peixe pequeno ornamental). Das
águas destacavam-se os arpoadores (de pirarucu e jacaré), os viradores (de
tartaruga), ainda existem os regatões (comércio itinerante nas embarcações), os
canoeiros e outros mais.
Tradicionalmente, pelas regiões da Amazônia, o caboco das marombas e
dos currais do Baixo rio Amazonas, dos oleiros e vaqueiros do Marajó, dos
castanheiros do rio Tocantins e Baixo rio Madeira, dos cacaueiros de Cametá,
dos guaranazeiros de Maués, dos piaçabeiros da foz do rio Branco, das cuias
bonitas de Santarém, dos garimpeiros e criadores do rio Branco, dos
mariscadores e “viradores” do rio Solimões, dos juteiros de Parintins
(BENCHIMOL, p. 87). Todos presentes na Amazônia com sua história,
acreditando no futuro da Amazônia.
A força do caboco, no exercícicio da atividade seringueira, torna-se bem
evidente em sua relação com o regatão. O caboco controlava os meios de
produção e o produto de sua mão-de-obra, geralmente fora do alcance dos
comerciantes e dos proprietários legais.
Como a figura humana sociocultural mais típica do espaço amazônico, o
caboco, com sua mestiçagem, exerce suas atividades econômicas, as quais geram
consequências no campo do Direito, redefinindo sua área de atuação como
espaço jurídico amazônico. Certamente, nesse espaço jurídico, como pessoa
humana, o caboco tem personalidade jurídica, ou seja, tem titularidade jurídica,
logo é titular de direitos e obrigações. A capacidade jurídica do caboco, no
entanto, varia de acordo com a característica individual.
Em verdade, o caboco constitui a população agrária indesejável da
Amazônia, marcadamente pelas conhecidas ONG’s[415], as quais lutam pela
desmestiçagem do mestiço amazônida. Sociedade formada à margem do grande
capital, o caboco se destaca, chega a fazer parte do sistema econômico e sofre
suas influências, mas sempre mantém o nível de autonomia que o marginaliza
em relação aos principais sistemas de produção, nomeadamente da política
agrária.
2.2 FUNDAMENTAÇÃO DA POSSE CABOCA
Seguindo os ensinamentos de Georg JELLINEK (1851-1911), o Direito é
exercido efetivamente somente se houver uma relação permanente do povo em
um espaço (território) onde se estabelece uma identidade. No caso, o povo
amazônico exerce permanente relação no espaço amazônico, onde se estabelece
a identidade cultural amazônica, e o Direito, peculiar da região, é exercido de
forma especial como Direito especial de um espaço, a posse caboca, da qual o
caboco é o típico titular desse Direito.
2.2.1 POLÍTICA COLONIAL
Marques de Pombal. A organização territorial da região em Capitanias (11
em sua totalidade), possibilitava a cessão de áreas em sesmarias durante o
período colonial, seriam para consolidar a conquista das terras aos portugueses,
inicialmente com a exploração da atividade agrária extrativa (vegetal e animal),
as chamadas “drogas do sertão”, bem como suprir as necessidades alimentares
dos colonos com a atividade agrária agricultura e, no período do Marques de
Pombal, com seu plano agrário, para produção de cultivares para exportação à
Metrópole. Nessa época ocorreu o reconhecimento formal do caboco, como
pessoa humana imprescindível à produção de alimento de primeira necessidade
(agricultura de subsistência e escambo do excedente), com atividade agrária de
agricultura, hortaliças, frutíferas, granjearia e extrativismo.
O período colonial foi mais objetivo em face do caboco, conforme
determinação real, nos termos expressos no Alvará de Lei do dia 4 de abril de
1755, o caboco seria o português casado com a índia, ou a portuguesa com o
índio, bem como seus descendentes. Certamente, em decorrência do incentivo de
Dom José I (1714-1777), rei de Portugal, o caboco tornou-se o elemento humano
mais expressivo e característico da população amazônica.
2.2.2 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Lei de Terras do Império. No 2º Império Brasileiro, por meio da Lei de
Terras[416] houve o reconhecimento formal da figura do posseiro e de seus
direitos, incluindo-se entre estes (posseiros), o caboco. Analisando essa política
colonial e a legislação do Império, constato expresso reconhecimento a posse
caboca.
O posseiro foi a principal figura do âmbito agrário brasileiro durante o
fenômeno das posses (1822-1850), em relação a Amazônia, o caboco torna-se a
figura principal, razão pela qual, com a publicação da Lei, essas posses foram
reconhecidas juridicamente pelo Estado brasileiro, conforme pode-se comprovar
pela leitura de diversos dispositivos legais: art. 3º, § 4º; art. 5º e §§ 1º, 2º e 3º. A
Lei de Terras caracteriza juridicamente a figura do posseiro (caboco): (1º)
apossamento de terras rurais (pública ou privada); (2º) morada habitual; e, (3º)
cultura efetiva (trabalho/produtividade). O posseiro (o caboco – posse agrária)
como figura típica diversa do possuidor (posse civil) (arts. 7º; 8º; 9º e 15). A
posse indígena foi reconhecida (art. 12).
Estatuto da Terra. A Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, em seus
128 artigos, traz a expressão posseiro em quatro oportunidades (art. 20, inc. V.;
art. 25, inc. II; art. 97, inc. I; e, art. 99) (v. Gursen De Miranda, 1988, p. 81).
Neste trabalho, o posseiro compreendido como o caboco, considerando-se o
âmbito de estudo de um Direito Amazônico.
O artigo 20 está inserido no capítulo sobre os objetivos e os meios de
acesso à propriedade rural da reforma agrária. O teor do texto legal evidencia a
dessemelhança do posseiro (caboco) em relação as demais figuras, as quais
apresentam algum elemento contratual para estar na terra.
O artigo 25 está inserto no capítulo sobre distribuição de terras na reforma
agrária. Evidencia-se a figura jurídico-agrária do posseiro distinta da figura do
empregado rural, bem como das que apresentem alguma relação obrigacional
por meio de contratos agrários. O Estatuto da Terra expressa que a área onde
houver elevada incidência de posseiros será objeto de desapropriação para fins
de reforma agrária, e determina que o posseiro terá preferência das áreas por ele
apossadas.
Na seção IV (Dos Ocupantes de Terras Públicas Federais), do capítulo IV
(Do Uso ou da Posse Temporária da Terra) do título III (Da Política de
Desenvolvimento Rural) o Estatuto da Terra consagra a caracterização do
posseiro (caboco), como titular da posse agrária, a teor do artigo 98: (1) Não ser
proprietário rural nem urbano; (2) ocupar por dez anos ininterruptos; (3) sem
oposição nem reconhecimento de domínio alheio; (4) tornando-o produtivo por
seu trabalho; (5) tendo nele sua morada; (6) tendo por objeto trecho de terra com
área caracterizada como suficiente para, por seu cultivo direto pelo lavrador e
sua família, garantir-lhes a subsistência, o progresso social e econômico.
No artigo 97 e 99, quando trata da regularização das terras. A expressão
“legítimos possuidores”, é complementada pelo disposto no artigo 102, que
determina os requisitos “absolutamente indispensáveis” para que os posseiros[417]
sejam considerados legítimos: cultura efetiva e morada habitual.
Apesar de ser reconhecida pelo Estatuto da Terra, a figura jurídica do
posseiro (caboco) continua sem regulamentação, desta forma, o posseiro fica
limitado na defesa de sua posse agrária. A questão agrava-se em decorrência dos
protagonistas do Direito utilizarem preceitos do Código Civil, com mentalidade
civilista, em temática de essência do Direito Agrário.
Plano Amazônia Sustentável. As diretrizes do Plano Amazônia
Sustentável[418] seriam para priorizar os interesses da Amazônia Legal. A
elaboração do PAS, seguindo as disposições do Agenda Amazônia 21, contou
com a participação dos governos dos nove estados da região amazônica e da
sociedade civil. É um plano estratégico com diretrizes gerais e recomendações
para sua implementação, para elaboração dos planos operacionais em nível sub-
regional. Dentre as principais diretrizes do PAS destaco a de número 5 (cinco)
que fundamenta uma posse caboca.
(5) Assegurar os direitos territoriais dos povos e das comunidades
tradicionais da Amazônia e promover a equidade social, considerando gênero,
geração, raça, classe social e etnia, condição para a reprodução social e a
integridade cultural das populações cabocas, ribeirinhas, extrativistas, indígenas,
quilombolas, entre outras;
Dizer das comunidades tradicionais da Amazônia, por certo, envolve a
comunidade caboca, fortalece essa compreensão a parte final do texto da Diretriz
5, quando expressa em assegurar “condição para a reprodução social e a
integridade cultural das populações cabocas”. Ademais, “assegurar os direitos
territoriais” do caboco é o reconhecimento e fundamento da posse caboca.
2.2.3 TRATADOS INTERNACIONAIS
2.2.3.1 ACORDO DE PARIS DE 2015
O Tratado sobre Mudanças Climáticas, conhecido como Acordo de
[419]
Paris , no âmbito da Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre a
Mudança do Clima[420], foi elaborado para substituir o Protocolo de Kyoto, a
partir de 2020. O Tratado reconhece os direitos dos povos indígenas e das
comunidades locais, bem como o direito ao desenvolvimento, sob compreensão
de desenvolvimento sustentável.
O Acordo de Paris, ao reconhecer “os direitos dos povos indígenas e das
comunidades locais”, leva à compreensão neste conceito (“comunidades locais),
para a Amazônia, a comunidade caboca, caracterizando a terra que ocupa como
posse caboca. No artigo 7, em mesmo nível de tratamento, o conhecimento
tradicional distinto do conhecimento indígena, embora dele sucessor, aquele
(conhecimento tradicional) inerente ao caboco.
2.2.3.2. CONVENÇÃO Nº 169, DA OIT
Destaco na Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), sobre Povos Indígenas e Tribais[421] o texto que “esses povos deverão
participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de
desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente” (art.
7º, item 2). O artigo 19 é específico ao âmbito agrário, objeto de estudo do
jusagrarismo:
“Artigo 19
Os programas agrários nacionais deverão garantir aos povos interessados
condições equivalentes às desfrutadas por outros setores da população, para
fins de:
a) a alocação de terras para esses povos quando as terras das que dispunham
sejam insuficientes para lhes garantir os elementos de uma existência normal
ou para enfrentarem o seu possível crescimento numérico;
b) a concessão dos meios necessários para o desenvolvimento das terras que
esses povos já possuam.”
A Convenção 169 da OIT seria um instrumento para inclusão social dos
povos indígenas, todavia, desconsidera a conservação do patrimônio natural dos
Estados, frontalmente em desacordo com as normas de desenvolvimento
sustentável das diversas convenções da ONU, certamente, pelo fato de a OIT não
pertencer a ONU. Desenvolvimento sustentável inerente a posse caboca.
2.2.4. ATO POSSESSÓRIO: EXERCÍCIO DE ATIVIDADE AGRÁRIA
TÍPICA
O ato possessório da posse caboca deve ser compreendido conforme o
contexto regional amazônico, caracterizando-se pelo exercício de atividade
agrária típica, demonstrada em outros itens. Quando publiquei o livro “A Figura
Jurídica do Posseiro” (1988, p. 32), procurei caracterizar os elementos de uma
posse caboca, de acordo com com os elementos da região, nos termos a seguir:
“... o típico caboco na Amazônia vive às margens dos cursos d’água (rios,
igarapés, furos e paranás, lagos e lagoas), totalmente alheio ao mundo jurídico
vigente e desconhece o regime de propriedade privada do capitalismo
selvagem dos dias atuais. Para esse trabalhador rural o importante é estar à
beira do rio de onde tira seu alimento e serve de via de transporte e acesso à
cidade; numa zona bem delimitada de terra extrai o açaí para beber e, numa
área mais alta, cultiva um roçado de mandioca para produzir a farinha, o que
complementa sua alimentação. A caça é realizada somente quando o peixe não
vem, quando o rio está “panema”. O extrativismo agrário é sua atividade
econômica principal, em alguns casos, existe o artesanato rústico com seus
paneiros, abanos, alguidares e coisas mais. A terra como bem econômico não
tem valor; o importante é o que a natureza produz sobre essa terra.”
A posse caboca, exercida pelo caboco, observando os elementos espaço e
tempo, traz algumas peculiaridades, conforme síntese, a seguir: (a) sucessão da
posse indígena; (b) o titular da posse caboca como “produto” típico das forças
telúricas da Amazônia; (c) “parceiro” do ambiente natural, em perfeita simbiose;
(d) passividade e ajustamento às imposições do ambiente; (e) vive, adapta-se e
suporta as condições mesológicas; (f) aspecto, modos e atividades de acordo
com o ambiente; (g) habitat à beira dos cursos d’água (rios, igarapés, furos,
paranás); (h) aparente desinteresse ou displicência, como reflexo de sua atitude
mental imposta por um comportamento ancestral em relação ao ambiente; (b)
língua em português com “sotaque de índio”, o “caboquês”.
2.2.5. POSSE CABOCA: CONCRETUDE DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
O caboco, com seu modo de viver peculiar, exerce sua atividade agrária
sem esgotar os recursos naturais, suprindo suas necessidades presentes e
garantindo o aproveitamento futuro desses recursos, trabalha e mantêm o
ambiente amazônico ecologicamente equilibrado. O caboco seria um dos
elementos necessários ao desenvolvimento sustentável da Amazônia, no sentido
de defendê-la e preservá-la às presentes e futuras gerações (CF/88: art. 225,
caput).
O espaço geográfico amazônico e a biodiversidade natural influenciam na
caracterização da sociedade local, criando “fenômenos sociais” e definindo a
identidade cultural das populações rurais da Amazônia. E é nesse “espaço
cultural” que encontra-se o caboco, com habilidade suficiente para obter os
meios necessários para viver no vale amazônico e criar seu “clima cultural”. Os
elementos econômicos, políticos, sociais e culturais definem a identidade do
caboco na sua origem, como pequenos produtores familiares que vivem da
exploração dos recursos da natureza e têm amplo conhecimento da floresta.
Sustenta Benchimol[422] ter o ciclo de vida do caboco se adaptado às
vicissitudes regionais, em que o espaço é importante elemento cultural desse
sujeito tipicamente amazônico, donde ele retira “[...] recursos materiais de
subsistência e as fontes de inspiração do imaginário de mitos, lendas e crenças”.
O caboco é um exemplo de adaptação do ser humano ao ambiente natural,
ou seja, teve habilidade suficiente para obter os meios necessários para viver no
vale amazônico; ocupa ambiente (espaço) de várzea ou terra firme, tem fortes
laços de parentescos locais com os compadres, hábitos alimentares próprios e
padrões de moradia distintos; come de arremesso (a farinha) e dorme de balanço
(na rede). É o modo de viver positivo do caboco, aquele que se satisfaz com a
pura existência em seu desenvolvimento sustentável e é capaz de aproveitar a
vida com o mínimo esforço.
Os elementos econômicos, políticos, sociais e culturais definem a
identidade do caboco na sua origem, como pequenos produtores familiares que
vivem da exploração dos recursos da natureza e têm amplo conhecimento da
floresta. O caboco é aquele que expressa um modo de vida próprio da Cultura da
Selva Tropical, da Cultura da Mandioca, as comunidades amazônicas nativas, os
cabocos, vivem de forma harmônica com o ambiente natural, de forma integrada,
configurando princípios de sustentabilidade. Logo, quem destrói a floresta
amazônica não são os amazônidas; são aqueles de outras regiões, aliados de
grandes empresas norte-americanas, canadenses, suíças, coreanas, etc…
Esse “caboco tradicional”, para usar expressão de Eidorfe Moreira (p. 86),
com suas características bem definidas, é o elemento mais marcante e peculiar
da população amazônica, pessoa humana vivendo em função do ambiente
natural, em face da grandeza da floresta e da grandeza das águas. O caboco
aprendeu a viver em região com abundância de recursos naturais, de onde extrai
seu necessário sustento, destacadamente, a farinha.
A disposição espacial do caboco e sua organização social são peculiares, a
população caboca é extremamente dispersa, por esta razão, como não existe
grandes aglomerados urbanos, torna-se praticamente invisível. Navega-se pelos
rios da Amazônia sem ver ninguém, sente-se a impressão que ninguém vive
naquele mundão de floresta preservada e mundão de águas. De repente, um
pequeno trapiche, onde está amarrada uma canoa, um bote, uma montaria, uma
casa de madeira em palafita, um limitado roçado na parte mais alta. Uma casa
aqui outra acolá, sem aglomerado, é uma comunidade diferente com modo de
viver próprio, com identidade própria: é a chamada “invisibilidade paisagística”
(Adams&Murrieta& Neves: p. 17). O caboco, com seu modo de viver único,
certamente, tenha aprendido que é melhor se dispersar, para produzir apenas o
suficiente, para o grupo familiar, o adensamento populacional, a aglomeração -
poderia levar a esterilidade do solo e a falta de alimento, por outro lado, os
primeiros grupos indígenas exterminados na Amazônia foram exatamente os
mais populosos, logo, os mais visíveis. Caboco “invisível” (geográfica, política e
juridicamente) que vive disperso e desassistido pelo governo, nos rios e na
floresta.
O caboco, no exercício de sua principal atividade econômica, o
extrativismo agrário (animal e vegetal), tem estilo de vida próprio e sem impacto
ambiental expressivo, configurado o chamado desenvolvimento sustentável. A
comunidade científica é importante para compreensão desse processo de
desenvolvimento com sustentabilidade, envolvendo, para além do ambiental,
temas políticos, econômicos e socioculturais. Nessa linha, a posse caboca pode
ser exercida em áreas ambientais de conservação.
Portanto, a posse caboca deve ser compreendida no âmbito de seu contexto
sociocultural, socioambiental, socioeconômico e sociopolítico, como direito
garantido ao caboco, para além do respeito à sua identidade, mas,
essencialmente, por constituir a parcela demográfica mais significativa da
Amazônia. É o grande exemplo de adaptação da pessoa humana ao ambiente
natural da Amazônia, em face da dura condição mesológica - a concretude do
desenvolvimento sustentável.
Nessa linha de compreensão, a efetivação de direitos atinentes à posse e a
propriedade do caboco deve observar preceitos ambientais, … sociais e
...culturais. Todavia, não se pode visualizar apenas os interesses
preservacionistas em detrimento do povo que necessita da terra de tal espaço
para viver[423], assim como não se deve permitir o uso desmedido da
biodiversidade em prol dos interesses do capital. Há que se buscar um termo
ideal tendente a assegurar ao caboco que vive às margens dos rios, igarapés,
furos e paranás.
A importância da preservação do ecossistema amazônico para o caboco
decorre da forma que se dá a relação com a natureza, a qual representa seu modo
de vida, que tem por atividade econômica principal o extrativismo agrário, razão
pela qual, torna-se imprescindível que se estabeleçam os contornos jurídicos
necessários de proteção ao caboco, a posse caboca, em face de interesses
contraditórios e irreconciliáveis.
2.2.6. POSSE CABOCA: SUCESSÃO DA POSSE INDÍGENA
Os índios, na Amazônia, desde o início do período colonial, tiveram ampla
legislação visando a proteção de suas terras e de sua cultura, destacando lei que
declarava os índios pessoas livres e condenava a escravidão. Portugal regulou,
de forma minuciosa e longa, a vida dos índios em relação aos missionários, o
salário que deveria ser pago pelo colono, a forma de tratamento nas atividades
domésticas das casas, repartições, resgates, cativeiro … até o casamento entre o
português e a índia, na regulamentação jurídica da mestiçagem, com o
surgimento do caboco.
A cultura indígena é o fundamento da cultura amazônica atual, da cultura
caboca, desde o vocabulário, onde prevalecia o nheengatu; a crença indígena na
Amazônia ainda lembra o “Deus Sol”, fonte da vida e da morte, respeita os
conhecimentos do pajé com o ritual de batição de folhas, remédios naturais de
raízes, cascas, sementes, folhas flores e frutos; os costumes e as tradições são
bem materializados com o artesanato indígena. A gastronomia tem como
principal elemento da dieta caboca a farinha de mandioca, afinal a Amazônia é
conhecida pela “Cultura da Mandioca”. A mandioca é a base da alimentação
indígena: o beiju, a tapioca, o mingau, o tucupi (vinho da mandioca). Todos
recepcionados e usados pelos cabocos. Os utensílios são muitos utilizados
atualmente, destacadamente a rede, inafastável do indígena, do caboco, do
amazônida.
Todavia, a identidade cultural da Amazônia é indissociável do seu
habitante mais legítimo e nativo – o caboco, um mestiço, sucessor do indígena.
(Benchimol: 1999, p. 2):
(a) Como descendente direto do índio desenvolveu as suas matrizes e os seus
valores, a partir do íntimo contato com o ambiente físico, biológico e cultural,
conservando seu conhecimento tradicional sobre a floresta e a água, necessário
à sua subsistência e sobrevivência, com os alimentos e os remédios;
(b) Aliou às tecnologias trazidas pelo segundo elemento, o colonizador
português.
O caboco assimilou esses conhecimentos e os adaptou uns aos outros,
favorecendo seu desenvolvimento por entre os dois grupos. Inicialmente
indígena, a Amazônia foi se tornando caboca, em decorrência do contato do
indígena com os imigrantes colonos, militares, missionários, pesquisadores, etc.,
sedimentando o processo de miscigenação. Assim, caboco é a designação
específica e exclusiva do amazônida do âmbito rural, tradicionalmente
ribeirinho.
O caboco é o mestiço nativo da Amazônia, herdeiro legítimo do indígena,
tradicionalmente, fruto da interação, para além de biológica, entre o indígena e o
conquistador português. Como descendente direto do índio – ou da índia – o
caboco é sucessor indígena, tanto física (estatura baixa em corpo robusto, pele
cor de canela, nariz achatado, cabelo preto e liso, barba rala, olhos amendoados,
gestos sóbrios) como culturalmente (mundo das águas e da floresta; credos,
mitos, lendas, costumes e tradições), a sucessão étnica evidencia-se pela
semelhança do caboco com o índio.
No campo jurídico, a sucessão do caboco, em face do indígena, deve ser
compreendida, bem mais que física, cultural e étnica, com a questão da posse
indígena. A sucessão da posse e da propriedade tem como fundamentação legal
as disposições insertas no artigo 1.784, do Código Civil brasileiro, com redação
seguinte: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros
legítimos e testamentários.“ Ora, herança é o patrimônio deixado por alguém em
decorrência do seu falecimento, incluindo-se bens, direitos e obrigações, posse e
propriedade. Portanto, o caboco tem o direito de herdar do indígena. No caso, a
posse indígena, com sua imemorialidade, transmite-se ao caboco, herdeiro
legítimo - as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas… pelos cabocos.
CONCLUSÃO
O conquistador português se adaptou perfeitamente ao ambiente
amazônico: andava nu, como os índios, comia mandioca e outras raízes,
aprendeu os segredos da floresta (o nome das plantas e suas utilidades de
farmácia natural), o momento do cultivo e da colheita. Da união com a índia
nasceram os primeiros mestiços – os cabocos -, os quais, com sangue indígena,
assimilaram e adquiriram a cultura da mãe, suas crenças, lendas, costumes e
tradições, gastronomia (farinha) e utensílios (rede)… a língua. Na construção da
cultura da Amazônia, constatei que a relação do português com a índia, ou da
portuguesa com o índio, era incentivada por meio de lei do rei português, com
incentivos materiais (Alvará Régio, do dia 4 de abril de 1755). Ocorreu o
surgimento do “caboco tradicional” ou “caboco ribeirinho”.
O caboco, compreendido como grupo étnico, tem elementos étnicos em
sua formação bem identificados e delimitados, com miscigenação física,
biológica e cultural. Em decorrência dessa mestiçagem, o caboco, nativo da
Amazônia, tornou-se herdeiro legítimo do indígena, tradicionalmente, como
descendente direto do índio – ou da índia –, o caboco é sucessor indígena.
No processo de miscigenação e sucessão, o caboco assimilou os
conhecimentos do indígena, bem como adquiriu seus direitos e obrigações,
definiu área de terra para viver e trabalhar, normalmente às margens dos cursos
d’água (no âmbito da área indígena), inerente ao seu modus vivendi, nato do
caboco. A disposição espacial do caboco e sua organização social são peculiares,
o contato do caboco com o ambiente físico e cultural do indígena, no exercício
de suas atividades, com o trabalho típico do âmbito rural, delimitou a área de sua
ocupação. Implementou os conhecimentos do indígena e do português,
necessários a sua subsistência, sobrevivência e bem-estar, com tecnologia
suficiente ao desenvolvimento sustentável.
Por se constituir em descendente direto, o caboco tem direito de herança
do indígena, tando o conhecimento tradicional sobre a floresta e as águas como a
posse e a propriedade (material e imaterial; móvel e imóvel). A posse caboca,
por via legal, traz a imemorialidade das terras tradicionalmente ocupadas pelos
indígenas – o indigenato. Abstraindo a sucessão do direito de conquista dos
portugueses sobre o território ocupado por esses indígenas.
Fundamentando-se no indigenato (artesanato, nativo, nato), torna-se
possível a compreensão do caboconato, como um direito congênito do caboco
sobre posse territorial na Amazônia do espaço por ele ocupado, por meio de sua
atividade natural, ou seja, fonte primária de um fato (posse) amparada em direito
sucessório do índio (indigenato) que independente de qualquer outro requisito
além da pessoa de seu titular – o caboco - nem de reconhecimento formal pelo
Estado. Posse caboca como sucessão da posse indígena com sua característica de
indigenato transmitida à posse caboca, com característica que denomino
caboconato.
Pode-se alegar que o indigenato, a posse imemorial, é o principal e
inafastável fundamento da posse indígena, razão pela qual poderia se sobrepor a
posse caboca. Ocorre, porém, que o caboco é descendente direto da índia – ou do
índio -, a receber proteção sucessória, a qual, a sucessão, envolve a posse da
terra, igualmente imemorial; o caboconato.
Por certo, está faltando mais amplitude e maior aprofundamento no estudo
sobre o caboco, como o principal sujeito nas relações sociais e jurídicas na
Amazônia. Muito mais que um estudo complexo, ocorre evidente conceito
prévio ([pré] conceito) sobre o caboco, em todos os aspectos. Ademais e
lamentavelmente, verifico um movimento para desacreditar o mais legítimo
sujeito dos fenômenos sociais e jurídicos da Amazônia, com convicção sobre sua
realidade - o caboco.
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CAPÍTULO 17
BASES CONSTITUCIONAIS DA
SECURITIZAÇÃO RURAL

VALTENCIR KUBASZWSKI GAMA
Advogado, sócio do escritório Kubaszwski Gama Advogados Associados. Pós-
graduado em Direito Processual Civil e Constitucional pela UFRGS. Pós-
graduado em Direito Agrário e Ambiental Aplicado ao Agronegócio pelo
Instituto Universal de Marketing em Agribusiness / UNISP. Membro da União
Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU e da Academia Brasileira de
Direito do Vinho – ABDVIN. E-mail: valtencir@gamaadvogados.adv.br

INTRODUÇÃO
O agronegócio representa, já há muito tempo, praticamente um quarto do
PIB nacional. Mas parece não estar recebendo a devida atenção do governo, que
peca ao não propiciar políticas agrícolas sérias que possibilitem o fortalecimento
e crescimento do setor.
A falta de subsídio por parte do governo poderia ser suprida com um
crédito rural que efetivamente propiciasse a inclusão financeira dos produtores
rurais num sistema mais benéfico do que o crédito ordinariamente oferecido
pelas instituições financeiras. Isto porque o setor agrícola atende a diversas
diretrizes de nosso Estado Democrático de Direito determinadas pela
Constituição Federal, como a oferta de empregos (art. 170, VIII), garantia do
desenvolvimento nacional (art. 3º, II), diminuição da pobreza e da
marginalização, bem como da minoração das desigualdades sociais e regionais
(art. 3º, III).
A Constituição Federal de 1988 em seu título VII trata da Ordem
Econômica e Financeira, apresentando os princípios gerais no capítulo I (arts.
170 a 181), da política urbana no capítulo II (arts. 182 e 183), e da política
agrícola e fundiária e da reforma agrária no capítulo III (arts. 184 a 191).
Portanto, é no primeiro e terceiro capítulos do título VII da Constituição
Federal que encontramos a base constitucional da atividade agrícola no Brasil.
Basicamente, estes dois capítulos “estabelecem a estrutura jurídica sob a qual
deve ser assentada a atividade agrícola no Brasil, determinando os fins a serem
atingidos pelo Estado e pelos particulares na exploração (lato sensu) desta
atividade”.[424]
Mas é o inciso I do artigo 187 que mais especificamente trata dos
instrumentos de crédito da política agrícola brasileira. O presente trabalho
procede a uma análise a respeito da securitização rural, enfocando o estudo em
suas bases constitucionais.
Fazendo uma análise acerca do termo securitização, que inicia com o seu
histórico e conceito, esse artigo discorre sobre questões de suma importância à
atividade rural brasileira. Para tanto, o estudo também faz uma análise breve
acerca da Política Agrícola e da legislação envolvendo o tema da securitização
com enfoque nas dívidas rurais.
1 POLÍTICA AGRÍCOLA
Antes de tratarmos especificamente da securitização, para melhor
entendimento é importante falarmos sobre política agrícola, cujo conceito
encontramos no Estatuto da Terra – Lei nº 4.504/1964:
Art. 1º. [...]
§ 2º. Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à
propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia
rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno
emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país.
Dentre o conjunto de providências a que se refere o texto legal acima,
destacamos os instrumentos de crédito necessários para o fomento e
desenvolvimento da atividade agrícola, que encontramos na Lei nº 4.829/65 a
qual institucionaliza o crédito rural no Brasil.
Da lição de Lutero de Paiva Pereira temos que:
Quando foi institucionalizado pela Lei 4.829/65, já no seu art. 1º o legislador
se preocupou em determinar o caráter fomentista do crédito rural, bem assim o
seu alcance social, pois sua aplicação levará em conta o desenvolvimento da
produção rural do País, e isto visando o bem-estar do povo. [...]
Desta forma, financiadores e tomadores de crédito rural, por se envolverem
com recursos que têm aplicação voltada ao interesse socioeconômico do País,
quando contratam operações da espécie, não podem fazê-lo senão sob estreita
observância das regras especialmente traçadas para sua condução.[425]
E a Constituição Federal de 1988, que está completando 30 anos de
promulgação neste ano de 2018, deu status constitucional à política de incentivo
ao desenvolvimento da atividade rural, mais especificamente em seus art. 184 a
191, onde trata da política agrícola e fundiária e da reforma agrária,
consignando, ainda, em seu art. 22, inciso I, que compete exclusivamente à
União Federal legislar sobre o tema.
Contudo, é no art. 187, inciso I, da Constituição Federal de 1988 que
encontramos de forma mais objetiva o papel da política agrícola em nosso país
no que se refere ao financiamento para o setor:
Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a
participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e
trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de
armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:
I - os instrumentos creditícios e fiscais;
[...]
A Lei nº 8.171/1991, editada a partir do comando constitucional (arts. 184
a 191 da Constituição Federal), em seu art. 2º apresenta os fundamentos, e em
seu art. 3º, os objetivos da Política Agrícola:
Art. 3° São objetivos da política agrícola:
I - na forma como dispõe o art. 174 da Constituição, o Estado exercerá função
de planejamento, que será determinante para o setor público e indicativo para o
setor privado, destinado a promover, regular, fiscalizar, controlar, avaliar
atividade e suprir necessidades, visando assegurar o incremento da produção e
da produtividade agrícolas, a regularidade do abastecimento interno,
especialmente alimentar, e a redução das disparidades regionais;
II - sistematizar a atuação do Estado para que os diversos segmentos
intervenientes da agricultura possam planejar suas ações e investimentos numa
perspectiva de médio e longo prazos, reduzindo as incertezas do setor;
III - eliminar as distorções que afetam o desempenho das funções econômica e
social da agricultura;
IV - proteger o meio ambiente, garantir o seu uso racional e estimular a
recuperação dos recursos naturais;
V - (Vetado);
VI - promover a descentralização da execução dos serviços públicos de apoio
ao setor rural, visando a complementariedade de ações com Estados, Distrito
Federal, Territórios e Municípios, cabendo a estes assumir suas
responsabilidades na execução da política agrícola, adequando os diversos
instrumentos às suas necessidades e realidades;
VII - compatibilizar as ações da política agrícola com as de reforma agrária,
assegurando aos beneficiários o apoio à sua integração ao sistema produtivo;
VIII - promover e estimular o desenvolvimento da ciência e da tecnologia
agrícola pública e privada, em especial aquelas voltadas para a utilização dos
fatores de produção internos;
IX - possibilitar a participação efetiva de todos os segmentos atuantes no setor
rural, na definição dos rumos da agricultura brasileira;
X - prestar apoio institucional ao produtor rural, com prioridade de
atendimento ao pequeno produtor e sua família;
XI - estimular o processo de agroindustrialização junto às respectivas áreas de
produção;
XII - (Vetado);
XIII – promover a saúde animal e a sanidade vegetal;
XIV – promover a idoneidade dos insumos e serviços empregados na
agricultura;
XV – assegurar a qualidade dos produtos de origem agropecuária, seus
derivados e resíduos de valor econômico;
XVI – promover a concorrência leal entre os agentes que atuam nos setores e a
proteção destes em relação a práticas desleais e a riscos de doenças e pragas
exóticas no País;
XVII – melhorar a renda e a qualidade de vida no meio rural.
Como bem sabemos, a Política Agrícola no Brasil, com raras exceções, é
quase que integralmente regulada pelo Governo Federal.
Portanto, cabe ao Estado traçar a política agrícola a fim de que seja
explorada de forma racional e adequada, e aportar, direta ou indiretamente, os
recursos financeiros necessários ao desenvolvimento do setor agrário do país. E
o crédito rural é um desses instrumentos que compõe a Política Agrícola
nacional, pelo que se faz necessário a justa e legal política creditícia que atenda
às necessidades do setor primário.[426]
Portanto, a Constituição Federal, em seu art. 187, inciso I, tratou de
determinar o incentivo ao desenvolvimento da política agrícola no país,
principalmente através dos instrumentos creditícios.
2 HISTÓRICO DA SECURITIZAÇÃO RURAL NO PANORAMA NACIONAL
Dada a indiscutível importância do agronegócio no Brasil e em face das
sabidas dificuldades que o setor sempre enfrentou, principalmente com a falta de
recursos financeiros para o seu desenvolvimento, que em grande maioria são
provenientes do governo federal, a partir dos anos 1990 o governo passou então
a promover e estimular o financiamento privado para o agronegócio a fim de
captar mais recursos a serem disponibilizados ao setor.
Até a década de 1990 haviam a Cédula de Crédito Rural (Lei nº
4.829/1965); a Cédula Rural Pignoratícia, Cédula Rural Hipotecária, Cédula
Rural Pignoratícia e Hipotecária e a Nota de Crédito Rural, que encontram base
legal no Decreto-Lei nº 167/1967.
A partir de 1990, com o intuito de atrair o capital privado para o
financiamento do agronegócio, surge a Lei nº 8.929/1994 dando origem a Cédula
de Produtor Rural (CPR), que se tornou um instrumento do direito do
desenvolvimento, exercendo a função de facilitar tanto a comercialização como
o financiamento dos produtos rurais.[427]
Na sequência, temos a Cédula de Produtor Rural Financeira que foi
acrescida na Lei nº 8.929/1994 pela Lei nº 10.200/2001. E, no ano de 2004 a Lei
nº 11.076/2004 cria novos títulos: Certificado de Depósito Agropecuário (CDA)
e Warrant Agropecuário (WA), Certificado de Direitos Creditórios do
Agronegócio (CDCA), Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e o Certificado
de Recebíveis do Agronegócio (CRA).
O exponencial crescimento do endividamento do agronegócio brasileiro,
que há muito já vinha economicamente prejudicado, coincidiu com a
aproximação do capital privado para o setor e com as perdas acumuladas durante
os planos econômicos dos anos 80 e 90 (Plano Cruzado - fevereiro de 1986,
Plano Bresser – julho 1987, Plano Verão – janeiro de 1989, Plano Collor – março
de 1990, Plano Collor II - fevereiro de 1991, e Plano Real – junho de 1993).
Como forma de tentar solucionar esse problema, que pela metade da
década de 1990 estava pondo em crise o agronegócio, o Governo Federal passou
a aplicar um sistema a fim de renegociar esses débitos, que culminou com a
aprovação da Lei nº 9.138/1995, a chamada securitização das dívidas rurais.
Sinteticamente, temos que a Lei nº 9.138/1995 estabelecia como prazo
para enquadramento as operações contratadas até 20/06/1995 (sendo que
posteriormente a Lei n° 9.866/1999 estendeu as hipóteses de alongamento para
os contratos firmados entre 20/6/1995 e 31/12/1997); como beneficiários os
produtores rurais, suas associações, cooperativas e condomínios; e as
modalidades de crédito passíveis de serem securitizados eram o custeio,
investimento ou comercialização, excetuados os empréstimos do Governo
Federal com opção de venda (EGF/COV), pois este último poderia ter sido
liquidado com a opção de venda, o que justificaria sua exclusão do processo de
securitização.
Em que pese neste artigo estarmos tratando da securitização, cumpre
registrar que da Lei nº 9.138/95 também nasceram o PESA (Plano de
Estruturação e Saneamento de Ativos) e o RECOOP (Programa de Revitalização
das Cooperativas).
A securitização tinha como objetivo principal evitar a quebra do setor rural
e os benefícios criados pela Lei Federal nº 9.138/95 foram a “forma de evitar que
uma tensão entre o setor financeiro e o setor agrícola acabasse por levar a
monumentais prejuízos a ambos, com perversos reflexos para a economia como
um todo”[428].
A Lei nº 9.138/95 determinou o alongamento das dívidas oriundas de
crédito rural com o recálculo do saldo devedor que seria securitizado desde o
contrato primitivo, ou seja, desde a operação original, e que esse cálculo deveria
ser apurado conforme as normas fixadas pelo Conselho Monetário Nacional
através das resoluções que depois foram editadas, entre as quais as Resoluções
do Banco Central do Brasil de nºs 2.238 de 31/01/1996, e 2.279 de 22/05/1996,
que dispõem sobre condições e procedimentos a serem observados na
formalização das operações de alongamento de dívidas originárias de crédito
rural de que trata a Lei nº 9.138/1995.
Posteriormente, com a edição da Medida Provisória nº 2.196-3 de
24/08/2001, que estabeleceu o Programa de Fortalecimento das Instituições
Financeiras Federais e autoriza a criação da Empresa Gestora de Ativos –
EMGEA, as dívidas provenientes de operações de crédito rural, e que foram
securitizadas por meio da Lei nº 9.138/1995, acabaram sendo transferidas para a
União Federal.
Ao final, as operações de crédito rural renegociadas através da Lei nº
9.138/1995 foram transferidas para a União, que de seu dever constitucional de
fomentar a agricultura e estabelecer a Política Agrícola, passou a ser credora do
passivo do agronegócio brasileiro.
3 CONCEITO
O termo securitização “consiste numa operação em que o valor imobiliário
emitido de alguma forma está lastreado ou vinculado a um direito de crédito,
também denominado direito creditório ou simplesmente recebível”[429].
A Lei nº 11.076/2004 em seu artigo 40 define:
Art. 40. A securitização de direitos creditórios do agronegócio é a operação
pela qual tais direitos são expressamente vinculados à emissão de uma série de
títulos de crédito, mediante Termo de Securitização de Direitos Creditórios,
emitido por uma companhia securitizadora, do qual constarão os seguintes
elementos:
I - identificação do devedor;
II - valor nominal e o vencimento de cada direito creditório a ele vinculado;
III - identificação dos títulos emitidos;
IV - indicação de outras garantias de resgate dos títulos da série emitida,
quando constituídas.
A securitização, do ponto de vista financeiro, é uma operação por meio da
qual se mobilizam ativos, presentes ou futuros, a fim de lhes permitir que se
autofinanciem e possibilitem a geração de renda presente. A securitização
permite, também, que o agente econômico que origina créditos dilua os riscos de
sua carteira de recebíveis. Desta forma, a securitização em termos financeiros
apresenta três funções: mobilizar riquezas, dispersar riscos e desintermediar o
processo de financiamento.[430]
Lutero de Paiva Pereira observa que o termo “securitização” seria estranho
até mesmo ao texto legal (Lei nº 9.138/1995), e que o legislador utilizou-se da
expressão “alongamento”, que ao final acabou ficando conhecido como
securitização.[431]
4 QUESTÕES CONSTITUCIONAIS A RESPEITO DA SECURITIZAÇÃO
RURAL
Com o intuito de resolver o problema do endividamento do agronegócio
brasileiro e implementar uma política agrícola de caráter protetivo e de
incentivo, apontada no art. 187, inciso I, da Constituição, o Governo Federal
instituiu a securitização da dívida rural.
A Lei nº 9.138/1995 (conversão da Medida Provisória nº 1.199, de 24 de
novembro de 1995) foi a primeira que instituiu as diretrizes para a securitização
das dívidas rurais em nosso ordenamento jurídico. De acordo com o previsto na
referida lei, era possível o alongamento das dívidas originárias do crédito rural
contraídas por produtores rurais, associações, cooperativas ou condomínios,
mesmo que já tivessem sido renegociadas anteriormente.
O alongamento, que ocorria por prazo mínimo de sete anos, abrangia
débitos de no máximo R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) por devedor. Para
débitos superiores a este valor, o valor excedente deveria ser negociado
posteriormente conforme normas fixadas pelo Conselho Monetário Nacional.
O volume financeiro total autorizado pela Lei nº 9.138/1995 para esta
operação de securitização foi de sete bilhões de reais, sendo o Conselho
Monetário Nacional o responsável por definir as características dos títulos a
serem emitidos.
Neste primeiro programa de securitização não houve a compra
propriamente dita de títulos por parte dos produtores, mas sim um repasse de
títulos às instituições financeiras. Desta forma, as instituições passavam a figurar
como coobrigadas dessas operações.
Já no segundo programa de securitização brasileiro, regulamentado pela
Resolução nº 2.471/1998, houve a compra, pelos produtores rurais, de títulos
emitidos pelo Tesouro Nacional que eram utilizados como garantia da
renegociação das operações junto às instituições financeiras.
E num terceiro programa de securitização, através da Lei nº 10.437/2002,
o alongamento das operações foi autorizado até 2025 e o Banco do Brasil foi
desonerado de provisionar despesas para aqueles créditos de liquidação
duvidosa.
Veja-se que todas estas fases da securitização das dívidas rurais brasileiras
ocorreram já na vigência da Constituição Federal de 1988, que neste ano
completa 30 anos de promulgação. Assim, a legislação que pretender instituir
programas desta espécie somente terá validade jurídica se o fizer em
consonância e com fundamento na Constituição.
E entendemos ser o art. 187, inciso I, da Constituição Federal o
fundamento de validade a ser observado para instituição dos programas de
securitização, na medida em que determina que a política agrícola será planejada
e executada através de lei específica e levando em conta, especialmente, os
instrumentos creditícios e fiscais, dentre outros fatores.
A securitização da dívida rural é justamente um instrumento creditício
voltado à política agrícola e que, como vimos, vem sendo instituído no Brasil
através de legislações ordinárias que trazem a forma e os requisitos para a
implantação do sistema.
Ademais, a própria Constituição Federal determina que é dever da União –
bem como dos Estados, Distrito Federal e Municípios – fomentar a produção
agropecuária (art. 23, VIII). Ora, a instituição de programas de securitização,
indene de dúvidas, é forma de fomento ao setor agrário. Isto porque, através da
renegociação das dívidas, os produtores têm, ou voltam a ter, acesso à linhas de
créditos e financiamentos mais favoráveis. Consequentemente, estimula-se a
produção.
Quer dizer, os programas de securitização constituem uma forma de
concretização e de efetividade da norma constitucional.
Luciano Sotero Santiago, professor de Direito Econômico da UFMG, em
recente monografia, apresenta seis conclusões concernentes ao tema:
a) A Lei n. 9.138/1995, que instituiu o programa de crédito rural, constitui uma
forma de concretização e de efetividade da norma constitucional insculpida no
art. 187 da CF, visto que assegura a implementação de políticas econômicas de
fomento e planejamento para o setor agrícola. b) Interpretada, em
conformidade com a Constituição, e lembrando que os recursos para o
alongamento da dívida agrária são públicos, dúvida não há de que a Lei n.
9.138/1995 estabeleceu um caráter obrigatório para as repactuações de dívida
agrária. c) A interpretação literal, como processo casuístico, limitado e
retrógrado, não se adequa para a interpretação da Lei n. 9.138/1995, eis que
impede a concretização das finalidades da referida lei, que são incentivar e
proteger o setor agrícola. Ademais, tal método de interpretação não se
sobrepõe à Constituição e a outros princípios mais modernos e importantes de
hermenêutica jurídica. d) A obrigatoriedade da Lei n. 9.138/1995 não fere o ato
jurídico perfeito. e) A Constituição, por via dos princípios da inafastabilidade
da tutela jurisdicional e da proteção e incentivo da política agrícola, permite
que o Judiciário imponha, desde que preenchidos os requisitos de lei, às
instituições financeiras o alongamento da dívida agrária. f) Desde que feita,
nos moldes estabelecidos pelo art. 174 da Constituição Federal, não é indevida
a intervenção do Estado no domínio econômico.[432]
Portanto, há base de validade constitucional para instituição de programas
de securitização de dívidas agrícolas, o que se revela, em verdade, como um
dever da União e demais entes da Federação.
Ocorre que, com as últimas renegociações da Securitização,
principalmente aquela trazida pela Medida Provisória nº 2.196-3/2001, que
estabeleceu o Programa de Fortalecimento de Instituições Financeiras, os débitos
securitizados foram transferidos à União. As dívidas passaram então a ser
tratadas como dívidas públicas, a partir do que a União passou a exigi-las através
de execução fiscal pelo rito da Lei nº 6.830/1980.
Segundo Ezequiel Morais e Diogo Bernardino:
A cessão dos valores securitizados para a União Federal foi feita para atender
aos “reclames” do Sistema Financeiro Nacional. Em outras palavras, as
instituições financeiras operadoras do Sistema Nacional de Crédito Rural
temiam ser responsabilizadas pelas ilicitudes praticadas durante sucessivas
décadas (1970, 1980 e 1990) em prejuízo dos agricultores.[433]
Consequência dessa cessão de créditos operacionalizada através da Medida
Provisória nº 2.196/2001, foi que aquelas dívidas deixaram de obedecer às regras
do Manual de Crédito Rural e passaram a ser exigidas pela União através de
ação de execução fiscal. E o pior ainda:
A apuração do saldo devedor para o “alongamento da Securitização” aconteceu
sem oportunizar aos mutuários a conferência dos cálculos de evolução da
dívida. O quantum debeatur foi calculado unilateralmente pelos bancos, que
nem sequer forneceram as condizentes planilhas de débito (em contrariedade à
Lei n. 9.138/1995 e à Resoluções n. 2.279, de 22.05.1996, e n. 2.433, de
16.10.1997, ambas do Bacen).[434]
Os créditos securitizados foram transferidos para a União com o
apontamento do saldo devedor realizados pelas instituições financeiras, que
calcularam de forma unilateral a dívida.
Conforme bem explicam Ezequiel Morais e Diogo Bernardino, facilmente
pode-se compreender a motivação da cessão implementada, isto é, a “alteração
da natureza do débito (dívida civil oriunda de crédito rural) para equipará-lo a
crédito fiscal (não tributário), supostamente exequível de acordo com a LEF (Lei
n. 6.830/1980)”[435].
Esta questão relacionada a possibilidade, ou não, de a União Federal, por
meio da Fazenda Nacional, se valer do processo de Execução Fiscal para
cobrança dos débitos vencidos e inadimplidos, oriundos da securitização rural,
foi amplamente discutida judicialmente.
Como se sabe, o rito da Execução Fiscal, previsto na Lei Federal nº
6.830/1980,caracteriza-se como um rito sumário e extremamente gravoso ao
devedor / executado. Inclusive, para a interposição dos Embargos à Execução
Fiscal, ou seja, para apresentação de sua defesa, o devedor deve primeiro ter
constrito seu patrimônio sob a forma de penhora suficiente à garantia do juízo
executivo, conforme se infere do artigo 16 da referida Lei nº 6.830/1980.
A União Federal desde sempre se valeu do processo executivo fiscal para a
cobrança judicial dos créditos oriundos de programas de securitização. Quando
acionados judicialmente e tendo de se defender em sede de Embargos à
Execução Fiscal, a tese defendida pelos produtores / executados era no sentido
de não ser possível à União Federal utilizar do rito da Lei nº 6.830/1980 para
cobrar crédito de natureza privada que lhe foi cedido por particular, uma vez que
antes da cessão o crédito não podia ser exigido por essa forma e a cessão não
pode transmitir mais direitos do que o cedente possuía.
Com efeito, quando efetivada a cessão do crédito do banco (instituição
privada) para a União Federal, por meio do programa de securitização, o crédito
leva consigo e mantém a mesma natureza anterior à cessão, ou seja, natureza de
crédito privado. Mesmo operada a securitização, portanto, o crédito de origem
privada não se confunde com crédito de caráter público, como essencialmente é
o crédito fiscal – este sim passível de execução pelo rito da Lei nº 6.830/1980.
Quer dizer, considerando que o crédito objeto da securitização decorre de
confissão de dívida de contrato privado, a União Federal não poderia valer-se do
procedimento das execuções fiscais para sua cobrança judicial, uma vez que a
instituição bancária não possuía tal direito processual.
O fundamento central desta tese era de que, havendo sub-rogação no
crédito originariamente do banco privado pela União, deveria ser observado os
ditames do art. 349 do Código Civil, que assim dispõe:
Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações,
privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor
principal e os fiadores.
Desta forma, se o crédito cedido ou adquirido não podia ser cobrado por
meio de Execução Fiscal por seu credor originário (instituição bancária),
também o novo credor (União Federal) não poderia dispor de tal rito especial.
Portanto, embora a União Federal tenha sucedido a instituição bancária e
seja parte legítima para figurar no polo ativo da ação judicial de cobrança do
crédito, isto não implica em alteração da natureza jurídica do crédito executado,
sendo esta eminentemente privada. Assim, e considerando que o credor
originário não podia valer-se da Execução Fiscal, também não o poderia fazer a
União Federal, simplesmente porque passou a ser a titular do crédito.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região possui alguns precedentes neste
sentido, acolhendo a tese dos devedores no sentido da impossibilidade de
Execução Fiscal dos créditos oriundos de programas de securitização. Nesse
sentido cabe transcrever a seguinte ementa:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CÉDULAS RURAIS
PIGNORATÍCIAS. CRÉDITO DO BANCO DO BRASIL. EXTINÇÃO.
ARTS. 267, I E IV, DO CPC. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. Incabível a
inscrição em dívida ativa dos créditos decorrentes de cédula rural pignoratícia
cedida pelo Banco do Brasil à União Federal. Embora a Constituição de 1988
tenha alargado o rol de créditos que podem ser inscritos em dívida ativa (e que
não estão arrolados no art. 39, § 2º, da Lei 4.320/64), as cédulas rurais
pignoratícias não sofreram qualquer alteração quanto à natureza. A ausência de
pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo
enseja extinção do feito sem julgamento de mérito, matéria que pode ser
conhecida pelo julgador a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição
(arts. 267, I e IV e § 3º do CPC). Desconstituída a penhora no rosto dos autos
do processo de inventário Adão Ortiz de Tunes, em razão da impossibilidade
da utilização da execução fiscal para a cobrança de crédito de natureza privada.
Sucumbência fixada na esteira dos precedentes da Turma. Prequestionamento
quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir. Apelação
provida.[436]
Contudo, o entendimento dominante atualmente na jurisprudência é de que
os créditos rurais objetos de programas de securitização estão abarcados no
conceito de Dívida Ativa da União para efeitos de Execução Fiscal. Desta forma,
a União Federal pode valer-se do rito da Lei nº 6.830/1980.
A este respeito, veja-se o que dispõe o artigo 2º, caput, e parágrafo 1º da
citada Lei nº 6.830/1980:
Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como
tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as
alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para
elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos
Municípios e do Distrito Federal.
§ 1º - Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que
trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.
Pela redação dos dispositivos legais supra transcritos verifica-se que a
Execução Fiscal é instrumento de cobrança das entidades referidas no art. 1º da
Lei 6.830/80, não importando a natureza pública ou privada dos créditos em si.
Portanto, o direito ou privilégio de executar o crédito pelo rito da Lei nº
6.830/80 está vinculado à condição de Fazenda Pública da nova credora (União
Federal), o que legitima a cobrança via execução fiscal de débito proveniente de
operações de securitização.
Este foi o entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça em
julgamento pela sistemática dos recursos repetitivos. Vejamos a ementa deste
julgado:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. EMBARGOS À EXECUÇÃO
FISCAL. CÉDULA RURAL HIPOTECÁRIA. MP Nº 2.196-3/01. CRÉDITOS
ORIGINÁRIOS DE OPERAÇÕES FINANCEIRAS CEDIDOS À UNIÃO.
MP 2.196-3/2001. DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535
DO CPC NÃO CONFIGURADA. VIOLAÇÃO DO ART. 739-A DO CPC.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO C.
STF.
1. Os créditos rurais originários de operações financeiras, alongadas ou
renegociadas (cf. Lei n. 9.138/95), cedidos à União por força da Medida
Provisória 2.196-3/2001, estão abarcados no conceito de Dívida Ativa da
União para efeitos de execução fiscal - não importando a natureza pública ou
privada dos créditos em si -, conforme dispõe o art. 2º e § 1º da Lei 6.830/90,
verbis: “Art. 2º Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida
como tributária ou não-tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com
as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para
elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos
Municípios e do Distrito Federal. §1º. Qualquer valor, cuja cobrança seja
atribuída por lei às entidades de que trata o art. 1º, será considerado Dívida
Ativa da Fazenda.”
2. Precedentes: REsp 1103176/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/05/2009, DJ 08/06/2009; REsp
1086169/SC, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado
em 17/03/2009, DJ 15/04/2009; AgRg no REsp 1082039/RS, Rel. Ministro
MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em
23/04/2009, DJ 13/05/2009; REsp 1086848/RS, Rel. Ministra ELIANA
CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJ 18/02/2009;
REsp 991.987/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA, julgado em 16/09/2008, DJe 19/12/2008.
3. O art. 535 do CPC resta incólume se o Tribunal de origem, embora
sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta
nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os
argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham
sido suficientes para embasar a decisão.
4. O requisito do prequestionamento é indispensável, por isso que inviável a
apreciação, em sede de recurso especial, de matéria sobre a qual não se
pronunciou o Tribunal de origem, incidindo, por analogia, o óbice das Súmulas
282 e 356 do STF.
5. In casu, o art. 739-A do CPC não foi objeto de análise pelo acórdão
recorrido, nem sequer foi cogitado nas razões dos embargos declaratórios, com
a finalidade de prequestionamento, razão pela qual impõe-se óbice
intransponível ao conhecimento do recurso quanto ao aludido dispositivo.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.
Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ
08/2008.[437]
Ou seja, em que pese tenha sido objeto de grandes discussões judiciais,
atualmente a questão acerca da possibilidade de a União utilizar do processo de
Execução Fiscal para cobrança dos créditos oriundos da securitização está
pacificada no sentido da sua viabilidade.
CONCLUSÃO
O crédito rural no Brasil está constitucionalmente amparado pelo art. 187
da Constituição Federal, o qual expressa que a política agrícola será planejada e
executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção,
envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de
comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta,
especialmente os instrumentos creditícios e fiscais.
Em face a importância do agronegócio para o país, imperioso que o crédito
rural seja concedido com condições especiais ao produtor rural, que ainda sofre
com os riscos climáticos e sanitários, com as mudanças de políticas internas e
externas que acarretam flutuação de preços dos produtos e insumos.
Pelo final dos anos 80 e primeira metade dos anos 90, na chamada década
perdida, os produtores rurais que fizeram uso do crédito agrícola se depararam
com uma dívida impagável, pois completamente incompatível com a capacidade
de renda de sua atividade rural.
O setor rural brasileiro recebeu, então, um paliativo chamado
securitização, um tipo de renegociação da dívida dos produtores rurais, cujo
crédito acabou sendo transferido do sistema financeiro para a União.
A securitização das dívidas rurais, autorizada pela Lei nº 9.138/1995,
impediu a quebra do sistema financeiro nacional e consolidou-se, naquela época,
como importante instrumento de auxílio creditício ao setor rural, pois foi um
amplo processo que abrangeu todas as instituições financeiras do país, fossem
bancos públicos ou privados, todas as fontes de recursos que haviam sido
empregados para o financiamento rural, bem como todas as modalidades de
financiamento e devedores.
Ao final desse processo de alongamento das dívidas rurais, chamado
securitização, foi o sistema financeiro nacional que mais se beneficiou, pois os
financiamentos originais, então considerados de difícil retorno, acabaram sendo
transferidos à União Federal (através da edição da Medida Provisória nº
2.196/2001).
E a cessão desses créditos gerou grande polêmica principalmente porque a
União Federal passou a buscar a realização do passivo através do ajuizamento de
execuções fiscais pelo rito da Lei nº 6.830/1980.
O sistema de financiamento rural no Brasil ainda demanda por uma
solução adequada. Paliativos, como a securitização somente transferem o
problema (e o credor) para o futuro.
Não basta somente resgatar a capacidade de financiamento. O produtor
rural merece ter restabelecida sua capacidade de pagamento, para que se possa
dar fim aos paliativos como renegociações de dívidas, que são um verdadeiro
calvário e em muitas vezes desvirtuam o produtor de seu objetivo, que é o de
produzir alimentos.
REFERÊNCIAS
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empresarial. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da
Arbitragem. São Paulo, nº 10, p. 257-267, out/dez, 2000.
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Brasileiro e o Certificado de Recebíveis para Financiamento do Agronegócio. In
BURANELLO, Renato [et.al.] (Coord.). Direito do Agronegócio: Mercado,
Regulação, Tributação e Meio Ambiente. São Paulo: Quartier Latin, 2011.
CAMINHA, Uinie. Securitização. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
MORAIS, Ezequiel; BERNARDINO, Diogo. Contratos de Crédito Bancário e
de Crédito Rural: Questões Polêmicas. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2010.
PEREIRA, Lutero de Paiva. Dívidas Bancárias: programas especiais de
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______. Financiamento Rural. Coleção Direito do Agronegócio. Vol. 4. 2ª Ed.
Curitiba: Juruá, 2009.
ROCHA, Ibraim. Manual de Direito Agrário Constitucional: lições de direito
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SANTIAGO, Luciano Sotero. A Securitização de Dívida Originária do Crédito
Rural como Técnica de Intervenção do Estado no Domínio Econômico. In
Revista de Súmulas do Superior Tribunal de Justiça - RSSTJ, ano 5, nº 23, out-
2011, p. 334. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-
2011_23_capSumula298.pdf>. Acesso em 06-06-2018.
WALDT, Arnoldo. Da necessidade de pagamento prévio para caracterização da
Cédula do Produto Rural. Rio de Janeiro: Revista Forense, nº 374, jul/ago 2004.
CAPÍTULO 18
OS DISPOSITIVOS DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL NA
COMPREENSÃO DA POLÊMICA DO
FUNRURAL

MARISA MALFER DE MORAIS
Bacharel em Direito pela FEIT-UEMG, 2010; Advogada desde 2010; Pós-
graduada em Direito Público pela Anhanguera-Uniderp, 2012, Pós graduada em
Direito Tributário pela PUC-MG, 2015; MBA em Gestão e Business Law pela
FGV, 2017; Síndica Profissional pelo Sindiconet em parceria com Garbor RH,
2017; Sócia da Empresa MRM Administradora de Condomínios, 2017.

INTRODUÇÃO
É de conhecimento geral que a Constituição Federal foi um marco
histórico para a República Federativa do Brasil. Nela estão dispostas todas as
normas que deveriam ser seguidas pelos cidadãos e pelos poderes: Executivo,
Legislativo e Judiciário.
Este ano a Constituição Federal, mais precisamente em 05 de outubro,
comemorará seus 30 (trinta) anos de existência e para celebrar esta data
resolveu-se escrever este artigo fazendo um paralelo do que está estabelecido
nela e do que ocorreu com o Funrural – Fundo de Assistência ao Trabalhador
Rural que, antes mesmo do advento da Carta Magna já sofria alterações em um
período de aproximadamente 45 (quarenta e cinco) anos.
Como o PIB de nosso país advém em sua maior parte do agronegócio,
acredita-se que tais decisões e alterações ocorridas no tema durante os últimos
anos interferirá diretamente na produção e na economia do país.
Assim, este artigo tem apenas o intuito de esclarecer alguns dispositivos
constitucionais que foram questionados e elevaram a discussão até o Supremo
Tribunal Federal que, ainda não decidiu todos os recursos, mas já decidiu de
forma definitiva, por exemplo, que é constitucional a incidência e que não
haverá modulação dos efeitos, devendo ser aplicada referida decisão desde o não
pagamento até a data da decisão de não modulação, por um prazo prescricional
de 05 (cinco) anos.
Serão abordados o poder de tributar, a limitação desse poder, competência
tributária da União, competências das leis ordinárias e complementares,
previdência privada, segurança jurídica e o Funrural em cada uma desses
capítulos.
1 PARTE I
1.1 O PODER DE TRIBUTAR E SUA LIMITAÇÃO
O direito tributário está inserido dentro do ramo do direito público, em que
prevalecem duas premissas básicas: a supremacia do interesse público sobre o
privado e a indisponibilidade do interesse público.
A tributação é a principal fonte de receita do ente tributante no intuito de
se atingir os objetivos fundamentais inseridos no artigo 3º da Constituição
Federal, que assim preceitua:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Logo, o Estado precisa de fomentar a sua atividade financeira, captando
recursos para se custear estruturalmente, disponibilizando ao cidadão os serviços
que lhe compete cumprindo seu papel, amparando as necessidades coletivas.
De acordo com Eduardo Sabbag: o direito tributário é o ramo do direito
que possui o conjunto de normas que regula o comportamento das pessoas de
levar dinheiro aos cofres públicos. Ele ainda acrescenta que:
O direito tributário é a representação da ciência jurídica que abarca o conjunto
de normas e princípios jurídicos, reguladores das relações intersubjetivas na
obrigação de tributar, cujos elementos são as partes, a prestação e o vínculo.
[438]

O poder de tributar é concedido aos entes federativos, separando-se


tributos que são de competência da União, dos Estados, dos Municípios e do
Distrito Federal. A Constituição Federal é a lei máxima e impõe limites ao poder
de tributar. Estas limitações são advindas dos princípios e das imunidades
constitucionais tributárias dispostas nos artigos 150, 151 e 152 da Constituição
Federal.
É importante mencionar que a Constituição Federal estabeleceu tais
limitações com o intuito de proteger o contribuinte de possíveis situações
‘criadas’ pelos entes tributantes de forma que ultrapassassem a legalidade, por
exemplo, evitando-se o confisco do patrimônio do cidadão. Tal entendimento é
ratificado por Alexandre de Moraes, que assim estabelece em sua obra:
A limitação constitucional ao exercício estatal do poder de tributar é essencial
para a garantia da segurança jurídica e dos direitos individuais, em especial o
de propriedade, evitando abusos e arbitrariedades e permitindo uma relação
respeitosa entre o Fisco e o cidadão.[439]
Assim, a Constituição Federal estabeleceu os princípios tributários que
são: o da reserva legal tributária ou da legalidade estrita (artigo 150, I); o da
igualdade tributária (artigo 150, II); o da irretroatividade tributária (artigo 150,
III, “a”), o da anterioridade (artigo 150, III, “b”); o da anterioridade mitigada ou
nonagesimal (artigo 150, III, “c”); o da vedação do confisco (artigo 150, IV); o
da ilimitabilidade do tráfego de pessoas ou de bens (artigo 150, V); o da
capacidade contributiva (artigo 145, § 1º); o da razoabilidade (artigo 5º, LIV) e o
da uniformidade (artigo 151, I). Portanto, referidos princípios tributários são
limitações constitucionais ao poder de tributar.
Além dos princípios há também as imunidades constitucionais tributárias
que estão presentes na constituição federal e foram mantidas para preservar os
valores políticos, religiosos, sociais e éticos, mantendo como imunes
determinadas pessoas físicas e jurídicas. Tais limitações são de taxas (artigo 5º,
XXXIV), impostos (artigo 150, VI) e contribuições para a seguridade social
(artigo 195, § 7º). Não aprofundaremos neste tema porque não é o objeto de
estudo, apenas mencionamos para iniciar o raciocínio sobre a limitação de
tributação estabelecida pela Constituição Federal.
1.2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DA UNIÃO
FEDERAL
A competência tributária da União está estabelecida nos artigos 153 e 154
da Constituição Federal, que assim preceitua, vejamos:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
I - importação de produtos estrangeiros;
II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;
III - renda e proventos de qualquer natureza;
IV - produtos industrializados;
V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores
mobiliários;
VI - propriedade territorial rural;
VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.
§ 1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites
estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos
I, II, IV e V.
§ 2º O imposto previsto no inciso III:
I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da
progressividade, na forma da lei;
§ 3º O imposto previsto no inciso IV:
I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;
II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação
com o montante cobrado nas anteriores;
III - não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior.
IV - terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo
contribuinte do imposto, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 42, de 19.12.2003)
§ 4º O imposto previsto no inciso VI do caput: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a
manutenção de propriedades improdutivas; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
II - não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as
explore o proprietário que não possua outro imóvel; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
III - será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma
da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de
renúncia fiscal.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
(Regulamento)
§ 5º O ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento
cambial, sujeita-se exclusivamente à incidência do imposto de que trata o
inciso V do “caput” deste artigo, devido na operação de origem; a alíquota
mínima será de um por cento, assegurada a transferência do montante da
arrecadação nos seguintes termos: (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
I - trinta por cento para o Estado, o Distrito Federal ou o Território, conforme a
origem;
II - setenta por cento para o Município de origem.

Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde
que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo
próprios dos discriminados nesta Constituição;
II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários,
compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão
suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.[440]
Como se observa ao ler o dispositivo, o artigo 153 da Constituição Federal
aparenta ser taxativo, porém o artigo 154, I deixa claro que por lei
complementar, impostos não previstos no artigo 153, desde que não sejam
cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos
discriminados na Constituição Federal, também poderão ser instituídos pela
União.
No caso do Fundo de Assistência ao Trabalhador – Funrural, ao invés de
ser instituído por lei complementar, como acima verificamos pelo disposto
constitucionalmente, foi instituído em 28 de fevereiro de 1967 por um Decreto-
lei nº. 276, aludido pelo artigo 158 do Estatuto do Trabalhador Rural – Lei nº.
4.214 de 02 de março de 1963, que provia recursos ao Programa de Assistência
ao Trabalhador Rural – Prorural criado pela Lei Complementar nº. 11 de 25 de
maio de 1971.[441]
O Funrural determinava que a contribuição devida pelo empregador rural
pessoa física era incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização
da produção rural, a finalidade era de arrecadar dinheiro para financiar a
previdência rural.
Mais adiante falaremos sobre previdência social, momento em que houve a
igualdade das categorias urbano e rural, e o ‘extinto’ Funrural, esclarecendo
melhor.
Neste capítulo apenas deixamos claro o disposto no artigo 154 da
Constituição Federal e o procedimento de formalização da tributação de
competência da União estabelecido no dispositivo mencionado que é por meio
de lei complementar.
1.3 DIFERENÇA DA LEI ORDINÁRIA E DA LEI COMPLEMENTAR
Como a competência tributária da União esbarra na possibilidade apenas
mediante a forma de lei complementar, importante fazer-se a diferenciação da lei
ordinária com a lei complementar. O artigo 59 da Constituição assim estabelece:
Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à
Constituição; II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis
delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII -
resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração,
redação, alteração e consolidação das leis.
A lei Ordinária, está expressa no artigo 59, III e é mais simples de
aprovação, já que depende apenas de maioria simples (metade dos parlamentares
presentes na reunião mais um), conforme previsto no artigo 47 da Constituição
Federal, senão vejamos:
Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada
Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a
maioria absoluta de seus membros.
As matérias residuais, ou seja, que não houver expressa exigência de lei
complementar que poderão ser elaboradas por lei ordinária.
Enquanto que a lei complementar é mais rígida, está disposta no artigo 59,
II sendo aprovada por maioria absoluta (metade dos parlamentares integrantes da
Casa Legislativa mais um), conforme estabelecido no artigo 69 da Constituição
Federal, que abaixo transcrevemos:
Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.
Matérias específicas exigidas pela constituição que serão elaboradas por
lei complementar, por exemplo, a que diz respeito ao Funrural.
1.4 O HISTÓRICO DO FUNRURAL
Como mencionado em capítulo anterior, o Funrural é o Fundo de
Assistência ao Trabalhador Rural, que em seu interesse inicial era de arrecadar
dinheiro para financiar a previdência rural. Foi instituído em 28 de fevereiro de
1967 pelo Decreto-lei nº. 276, aludido pelo artigo 158 do Estatuto do
Trabalhador Rural – Lei nº. 4.214 de 02 de março de 1963, que provia recursos
ao Programa de Assistência ao Trabalhador Rural – Prorural criado pela Lei
Complementar nº. 11 de 25 de maio de 1971[442].
Ressaltamos que o conceito de direito tributário é: o conjunto de normas
que leva dinheiro aos cofres públicos. No caso do Funrural, o interesse era de
levar dinheiro do produtor rural para financiar a previdência social rural.
Após o advento da Constituição Federal de 1988, o termo Funrural foi
extinto devido a Carta Magna criar o Regime Geral de Previdência Social que
tratava dos trabalhadores urbanos e dos trabalhadores rurais.
A Lei nº. 8.212/1991 regulamentou a contribuição no ambiente rural, com
os denominados segurados especiais, tratando do agricultor familiar, que deveria
recolher a alíquota de 2,1% sobre toda sua produção vendida, sendo lhe
resguardado o direito de se aposentar percebendo o valor de um salário mínimo.
Vale ressaltar que o segurado especial não podia ter empregados fixos, apenas
sazonais. Com relação ao empregador rural, o mesmo ficou recolhendo a
contribuição previdenciária em pé de igualdade com o empresário urbano, ou
seja, pagando 20% sobre a folha do funcionário.[443] Iniciou a confusão e o
problema da bitributação, porque o artigo 195, § 8º da Constituição estabelecia a
contribuição sobre a receita bruta, por meio de uma alíquota a ser arbitrada em
legislação específica, porém, o que tinha empregados já recolhia um percentual
sobre a folha de pagamento.
Foi julgado o Recurso Extraordinário nº. 718.874/RS[444] pelo Plenário do
Supremo Tribunal Federal, que por maioria de votos entendeu como
recepcionado o artigo 25 da Lei nº. 8.212/1991 pela Constituição Federal,
portanto, constitucional a contribuição do empregador pessoa física ao Funrural,
porém, apesar de ter sido considerada a cobrança procedente, estava
condicionado ao novo regime constitucional e deveria ser regulamentada por
legislação própria.[445]
Veio a Lei nº. 8.540/1992 que regulamentou a contribuição do empregador
rural que possuía empregados, estabelecendo que a cobrança seria sobre a
receita, não mais de 20% sobre a folha. Assim, o empregador rural pessoa física
passou a recolher 2,1% sobre a sua produção e mesmo assim precisava fazer um
recolhimento individual sobre o que faturava para poder aposentar, portanto,
bitributação.
As emendas à Lei nº. 8.212/1991 sobre a organização da Seguridade Social
e instituição do Plano de Custeio pelas Leis nº. 8.540/92 e 9.528/97, equipararam
o empregador pessoa física e o produtor rural segurado especial para efeitos de
contribuição sobre a receita bruta provenientes da comercialização da produção.
Tais leis regulamentadoras, leis ordinárias, determinavam que o produtor rural
pessoa física que não tivesse empregados tinha que contribuir para a previdência
social sobre o seu faturamento, ou seja, comercialização de sua produção –
artigo 25 da Lei nº 8.212/91. Já o produtor pessoa física com empregados, além
de contribuir sobre a folha de salário dos seus funcionários – 20% e o
PIS/Cofins, deveria contribuir sobre o resultado da comercialização da sua
produção – bitributação.[446] Várias pessoas ajuizaram ações devido a este
problema da bitritubação, falaremos adiante, mas antes vamos falar sobre a
Emenda Constitucional 20.
Importante mencionar a Emenda Constitucional nº. 20 de 1998 que alterou
a redação do artigo 195, II e II, que abaixo transcrevemos:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma
direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos
orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das
seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei,
incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a
qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo
empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro;
II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não
incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime
geral de previdência social de que trata o art. 201;
Após a leitura paira-se uma dúvida com relação ao que a lei quis dizer, é
um critério alternativo? Não ficou claro o critério de incidência, auxiliando no
ajuizamento das demandas. A Lei nº. 10.256/01 modificou o caput do artigo 25
da Lei 8.212/91 e determinou a equivalência da contribuição do empregador
rural pessoa física e a do segurado especial para incidirem sobre a receita bruta,
no lugar da contribuição sobre a folha. Porém, por não alterar os incisos do
artigo 25 da Lei 8.212/91 as alíquotas e a base de cálculo ficou a mesma,
mantendo a inconstitucionalidade por desconformidade com a redação da
Emenda Constitucional nº. 20/1998[447].
E isso foi uma das teses que embasaram a Declaração de
Inconstitucionalidade do Funrural no Plenário do Supremo Tribunal Federal em
2010, no julgamento da Recurso Extraordinário nº. 363.852/MG[448], ajuizado
pelo frigorífico Mata Boi S/A. Três foram as inconstitucionalidades ratificadas
pelo Supremo Tribunal Federal:
1ª) Vício de iniciativa: a contribuição foi instituída por lei ordinária, sendo
que pela matéria a exigência constitucional seria por lei complementar;
2º) Bitributação: o empregador rural pessoa física estava compelido a
recolher duas contribuições (sobre a folha e sobre a receita bruta da
comercialização) com a mesma destinação (financiar a previdência rural);
3º) Diferenciação de recolhimento para empregador rural pessoa física
com empregados: o artigo 195, § 8º da Constituição Federal versa
especificamente nos casos de empregador rural pessoa física sem empregados,
faltava uma estipulação de recolhimento para o empregador rural pessoa física
com empregados.
O Supremo Tribunal Federal entendeu que o recolhimento deveria incidir
sobre o resultado da produção rural e não sobre a receita bruta da
comercialização como estava disposto no artigo 25 da Lei 8.212/91. Além disso,
o Tribunal reconheceu a Lei nº. 10.256/2001 como correta para alterar a
disciplina da contribuição social, porém ela apenas alterou o caput do artigo 25 e
equiparou as disciplinas de contribuição do empregador rural pessoa física e a do
segurado especial, ainda sendo necessária uma nova lei que estipulasse a
alíquota e a base de cálculo, sem o que não haveria como cobrar o tributo. A
decisão especificou a necessidade de nova lei, fundamentada na Emenda
Constitucional nº. 20/1998.[449]
Em 11 de fevereiro de 2011, em decisão monocrática do Recurso
Extraordinário nº. 585.684, o Ministro Joaquim Barbosa considerou que a
alíquota e a base de cálculo estariam logicamente contempladas na mudança
trazida pela Lei nº. 10.256/2001[450].
Portanto, alterou a decisão anterior do plenário no que tange a este ponto,
sendo desnecessária a criação de uma nova lei que estabelecesse alíquota e base
de cálculo.
Várias ações foram ajuizadas questionando tudo o que foi acima
mencionado, não houve outra alternativa ao Supremo Tribunal Federal que
reconhecer a inconstitucionalidade da cobrança sobre o empregador rural pessoa
física em 2013, em julgamento do Plenário, no Recurso Extraordinário nº.
596.177[451], com base no artigo 1º da Lei nº. 8.540/1992, conferindo
repercussão geral, alterando o artigo 25 da Lei n. 8.212/1991. Ao conferir
repercussão geral o Supremo Tribunal Federal pacificou que no período vigente
da Lei nº. 8.540/1992 a tributação era indevida e, consequentemente, quem a
pagou deveria ser restituído, respeitando o período de 05 (cinco) anos previsto
no artigo 168 do Código Tributário Nacional.
Achava-se que tudo estava resolvido com esta decisão do Supremo em
2013, porém, nada está tão ruim e confuso, como o caso em questão, que não
possa piorar.
A contribuição sobre a comercialização da produção do empregador rural
pessoa física sofreu alterações posteriores à Lei nº. 8540/1992 que foi declarada
inconstitucional. Foram as alterações das seguintes leis e anos: Lei nº.
9.528/1997; Lei nº. 10.256/2001 (esta inclusive referenciada no julgamento do
Recurso Extraordinário nº. 585.684 de 11 de fevereiro de 2011).
Importante que de acordo com o Recurso Extraordinário nº. 596.177, a
inconstitucionalidade da contribuição foi declarada até que legislação nova fosse
instituída sobre a contribuição em consonância com os termos da Emenda
Constitucional nº. 20/1998. Só que a Lei nº. 10.256/2001 foi publicada após a
Emenda Constitucional nº. 20/1998, por isso o Supremo Tribunal Federal
interpretou que a inconstitucionalidade não mais subsistia.[452]
Em 30 de março de 2017 no julgamento do Recurso Extraordinário nº.
718.874/RS, por 6 votos a 5, também com repercussão geral, o Supremo
Tribunal Federal em Plenário reconheceu a constitucionalidade forma e material
da Lei nº. 10.256/2001, resolvendo em definitivo qualquer dúvida com relação
ao caso de moto a tornar devidas, após o início da vigência desta lei, as
contribuições do empregador rural pessoa física incidentes sobre a receita
bruta da comercialização da produção.
O problema foi que devido ao Supremo Tribunal Federal ter declarado a
inconstitucional da cobrança ao frigorífico Mata Boi S/A, vários empregadores
rurais pessoas físicas ajuizaram demandas e conseguiram liminares lhes
suspenderam a cobrança, ou seja, não mais retinham da produção de seu
estabelecimento, entretanto, poderiam depositar o valor em juízo, ou arriscar não
depositar e ter que pagar caso o Supremo Tribunal Federal alterasse o seu
entendimento.
Essa alteração era possível, mas devido há vários anos terem passado,
cerca de 17 (dezessete) anos, acreditava-se que alterações não ocorreriam, até
porque há incidência direta no agronegócio brasileiro que é o maior fomentador
da economia do país, insegurança jurídica e prejuízos altos que finalizariam com
a atividade de vários empregadores rurais ao serem compelidos a pagar esse
passivo todo.
Ainda havia esperança devido a 8 (oito) embargos de declaração terem
sido ajuizados no Recurso Extraordinário nº. 718.874, pedindo a modulação dos
efeitos para que a decisão tivesse efeito para frente e não para trás, entretanto,
pelo voto de 7 a 3 a maioria dos Ministros seguiu a posição do relator Ministro
Alexandre de Moraes que considerou a modulação impossível uma vez que não
houve declaração de inconstitucionalidade ou mudança de posição do Supremo
Tribunal Federal com relação ao tributo.
Por tudo, podemos concluir que confusão e mais confusão, leis alterando
parcialmente e de forma equivocada e pela metade e anos de indecisões, fizeram
com que todos os empregadores rurais pessoas físicas iniciem seus cálculos de
agora até 5 (cinco) anos para trás e dirijam à Receita Federal do Brasil para
declarar seus débitos e parcelar, porque todos foram considerados devedores da
União a partir do dia 31 de março de 2017.
Porém, não podemos esquecer que ainda há uma Ação Declaratória de
Inconstitucionalidade a ser julgada perante o Supremo Tribunal Federal é a ADI
nº. 4395[453], interposta em 2010 pela Associação Brasileira de Frigoríficos –
Abrafrigo, que questiona a legalidade do artigo 1º da Lei nº. 8.540/1992 que deu
nova redação ao artigo 12, incisos V e VII; artigo 25, incisos I e Ii e artigo 30,
inciso IV da Lei 8.212/1991, com redação atualizada até a Lei nº. 11.718/2008,
sendo a fundamentação constitucional o artigo 195, §§ 4º e 8º. Portanto, a saga
continua.
2 PARTE II
2.1 A SEGURANÇA JURÍDICA
O artigo 5º, XXXVI da Constituição Federal é o dispositivo que versa
sobre a segurança jurídica e assim estabelece: “a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Muitos juristas, estudiosos e
doutrinadores acreditavam que com a Declaração de Inconstitucionalidade
sentenciada no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 363.852/MG, o
Supremo Tribunal Federal ocorrido em 2010, certamente, cerca de 17 (dezessete)
anos depois o tribunal não alteraria seu posicionamento e, declararia
definitivamente que o extinto Funrural estava eivado de vícios formais e
materiais, portanto, não poderia prevalecer.
Entretanto, por razões muito mais políticas do que jurídicas, com a entrada
do Ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal, indicado pelo
atual Presidente da República Michel Temer, a União está com muita
necessidade de arrecadação, para manter as contas públicas em equilíbrio, ao
calcular o montante de arrecadação que a declaração de inconstitucionalidade
causaria ao Poder Público Federal, foi prolatada uma decisão completamente
oposta a todas previsões e foi declarada Constitucional a Lei nº. 10.256/2001.
Para se ter uma ideia, de acordo com previsões embasadas no valor bruto
da produção agropecuária estimada para o ano da decisão, 2017, e sabendo que a
incidência da alíquota de 2,1% é sobre a receita bruta da comercialização da
produção, chega-se a cifra espantosa aos cofres públicos de R$ 11,5 bilhões de
reais. Se levarmos em consideração que o Governo Federal tem interesse em
receber tudo que não foi recolhido pelos últimos 5 (cinco) anos e que o Ministro
relator dos embargos declaratórios no Recurso Extraordinário nº. 718.874/RS é
exatamente o Ministro Alexandre de Moraes, que acabou de negar a modulação
dos efeitos para retroagir a cobrança desde a decisão de inconstitucionalidade em
2001, decisão esta, prolatada em 23 de maio de 2018, R$ 54,3 bilhões entrariam
nas contas da Previdência Social, o que amenizaria parte do rombo de R$ 180
bilhões que ‘dizem’ existir na previdência.[454]
2.2. O QUE FICOU DECIDIDO E COMO DESFAZER TANTOS
EQUÍVOCOS?
Apesar da declaração de constitucionalidade, em 2017, ocorrer quase 17
anos após a declaração de inconstitucionalidade, em 2001, ainda aguardou-se
amenizar o prejuízo e ser, pelo menos, modulado os efeitos da decisão para que
fossem produzidos apenas para frente e não para trás.
Infelizmente, para modular efeitos, conforme estabelece o artigo 27 da Lei
nº. 9.868 de 10 de novembro de 1999, lei sobre o processo e julgamento da ação
direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade
perante o Supremo Tribunal Federal, seria necessário que a maioria de dois
terços dos membros do Supremo Tribunal Federal votassem a favor, se isso
acontecesse restringiria os efeitos da declaração ou pelo menos faria com que ela
tivesse eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou de outro momento que
fosse fixado. Os votos a favor não foram suficientes e a modulação foi negada,
pois a maioria seguiu o entendimento do relator.
Para amenizar a insegurança e os prejuízos no agronegócio brasileiro, a
bancada ruralista trabalhou bastante e conseguiu fazer uma lei para regulamentar
o passivo advindo desta inconstância do Supremo Tribunal Federal, foi a Lei nº.
13.606/2018, chamada de Programa de Regularização Tributária Rural. Toda
essa movimentação iniciou logo após a decisão do Supremo Tribunal Federal em
30 de março de 2017, porém, a lei só foi publicada em 10 de janeiro de 2018.
Esta lei visa amenizar os prejuízos causados pela insegurança jurídica
trazida pelo Supremo Tribunal Federal ao mudar de opinião na decisão do
Recurso Extraordinário nº. 718.874/RS, reduzindo a alíquota da contribuição do
Funrural de 2,1% para 1,2%, tal valor é para a previdência social. Também
incide 0,1% ao RAT e 0,2% ao Senar, totalizando uma alíquota de 1,5% de
imposto incidente sobre a comercialização da produção do empregador rural
pessoa física.
A ideia inicial do projeto de lei era que fosse concedido 100% de desconto
na multa, honorários advocatícios e mora aos empregadores rurais pessoas
físicas que aderissem ao Programa de Regularização Tributária Rural (PRR),
porém, o Presidente da República vetou tais benefícios no que tange ao desconto
de 100% de multa e honorários sob o pretexto de serem contrários ao interesse
público e inconstitucionais. Entretanto, O Congresso Nacional, através da
Câmara do Deputados por 360 votos a 2 (sendo que era necessário 257 votos) e
no Senado Federal por 50 votos (sendo que era necessário 41) derrubaram os
vetos do Presidente da República no que tange aos trechos da proposta que
previam desconto de 100% das multas e encargos do saldo das dívidas e a
redução da contribuição previdenciária dos produtores rurais que administram
empresas de 2,5% para 1,7%. A Receita Federal estima que haverá uma perda de
cerca de R$ 10 bilhões em 2018, por conta dos vetos do Presidente terem sido
derrubados.[455]
Pois bem, até agora ficou estabelecido que o contribuinte que aderir ao
Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) além da redução de 100%
dos juros, terá redução de 100% sobre multas de mora e de ofício, calcularão os
débitos correspondentes aos últimos 05 (cinco) anos, darão uma entrada de 2,5%
do débito que poderá ser parcelado em até 2 (duas) vezes e poderão parcelar o
restante em até 176 parcelas cuja prestação mínima será de R$ 100,00 (cem
reais) e o valor da parcela corresponderá a 0,8% da média mensal da receita
bruta proveniente da comercialização da produção rural do ano imediatamente
anterior ao do vencimento da parcela, em caso de empregador pessoa física ou
jurídica. Se o optante pelo parcelamento for o adquirente de produção rural de
pessoa física ou cooperativa o parcelamento será em até 176 vezes, porém o
valor corresponderá a 0,3% da média mensal da receita bruta proveniente da
comercialização da produção rural do ano imediatamente anterior ao do
vencimento da parcela, sendo que a prestação mínima é de R$ 1.000,00 (mil
reais).[456]
O que foi negativo na legislação do programa é que ressuscitou um fato
que passou por vários anos despercebido já que nenhum produtor recolhia
quando adquiria produto de outro produtor e que ao aderir ao refis-rural o
contribuinte confessa a dívida perante a Receita Federal do Brasil e isso é
irretratável.
Ademais, a partir do momento da declaração o cidadão não poderá deixar
de pagar nenhuma parcela, se o fizer perderá de imediato sua condição de
negociante e a ele será cobrado o valor integral do débito com atualizações,
assim, é muito importante a precaução em não deixar nenhuma parcela falhar,
pois a Receita Federal poderá, por exemplo, buscar bens passíveis de arcar com
o débito com maior facilidade e rapidez, já que é irretratável, dificilmente poderá
ser revisado, e se o for, será perante o Supremo Tribunal Federal, que foi o
causador de todos esses problemas.
Por fim, em 30 de maio de 2018, pela terceira vez, foi prorrogado o prazo
de adesão ao Refis Rural, que passou de 30 de maio de 2018 para 30 de outubro
de 2018, por meio da Medida Provisória nº. 834/2018[457]. Isso ocorreu também
por muita pressão do setor já que o prazo foi curto e foi exatamente no período
da declaração de imposto de renda o que dificultou muito o trabalho de
contadores em auxiliar os produtores rurais a aderirem, já que os cálculos tinham
que ser finalizados e a adesão concluída até 30 de maio. Agora com este prazo
maior, certamente uma grande quantidade de ‘devedores’ calcularão com mais
tranquilidade e farão a proposta que mais condiz com sua realidade.


CONCLUSÃO
Como a homenagem é aos 30 (trinta) anos da Constituição Federal,
podemos observar que o texto constitucional é bem claro e eficiente com relação
a como as normas devem ser feitas e seguidas, entretanto, devido as falhas do
sistema jurídico brasileiro, é dada muita abertura ao Supremo Tribunal Federal
para interpretar as leis.
Por tal razão, o caso do Funrural de todos já vistos até hoje, inclusive
como caso que antecedeu a Constituição de 1988, é clarividente a insegurança
causada, infringindo a norma do artigo 5º e causando um transtorno de elevada
monta aos responsáveis pelo alavancar da economia do país. A forma como as
leis são feitas pelo Congresso Nacional e mau estruturadas derivou uma
dificuldade não só de interpretação, mas também de organização já que a
primeira lei que versou sobre o tema foi um Decreto-lei. Posteriormente vieram
leis ordinárias tratar do tema, sendo que a Constituição estabeleceu que só
poderia ser tratado o tema por lei complementar.
Posteriormente uma lei foi considerada inconstitucional, depois de vários
anos o Supremo Tribunal Federal voltou atrás, por questões meramente
arrecadatórias do Governo Federal e não por questão jurídica que é a sua função,
e declarou constitucional aquilo que havia declarado inconstitucional anos
anteriores.
Resumindo: estamos diante de uma situação desoladora, que faz com que
tenhamos certeza de que a lei está longe de ser seguida da forma como a
constituição prevê há deveres e direitos ali que jamais serão seguidos,
principalmente com o Supremo Tribunal Federal sendo regido por Ministros
parciais, já que são nomeados e escolhidos pelo Presidente da República.
Com relação ao Funrural ficou decidido que a lei é constitucional que
estabeleceu a alíquota e, por tal razão, todos deverão reter da comercialização,
hoje a alíquota de 1,5% (1,2% para previdência; 0,1% ao RAT e 0,2% ao Senar),
sendo que a anterior era de 2,1%. Todos devem aderir ao parcelamento, para
evitar sofrer execuções fiscais, ter impedimentos e certidões negativas de débitos
o que inviabilizaria a concessão de créditos governamentais e serem punidos por
estarem cometendo crime tributário já que não estão repassando a previdência as
contribuições advindas da comercialização de sua produção.

REFERÊNCIAS
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CAPÍTULO 19
ART. 5º, XXVI, DA CF/1988: BREVE
ANÁLISE HISTORIOGRÁFICA DA
IMPENHORABILIDADE DA
PEQUENA PROPRIEDADE RURAL

HELOÍSA BAGATIN CARDOSO
Graduada em Direito (Unicuritiba - 2010) e em Comunicação Institucional
(UTFPR - 2013). Especialista em Direito Aplicado (EMAP - 2012). Cursando
especialização em Direito Contemporâneo (Centro de Estudos Jurídicos Luiz
Carlos). Atua como assessora jurídica comissionada de desembargador no TJPR
desde 2008.

INTRODUÇÃO
Nas palavras de Luiz Fernando Tomasi Keppen[458], o “produtor tem uma
empresa a céu aberto, do tipo que depende de uma infinidade de variáveis
aleatórias, as quais podem fazer do sonho uma triste realidade”, em razão de:
“custeio atrasado; falta ou excesso de chuva na brota; pragas na produção;
ausência de apoio técnico do Estado; mudanças climáticas intensas sobre a
plantação; variação de preços de insumos, do câmbio e do produto”, entre tantas
outras circunstâncias.
Apesar das incertezas, o produtor rural precisa continuar perseverante no
seu trabalho para prover os frutos tão necessários à sobrevivência de todos.
Conforme Gamaliel Seme Scaff apud Airton Spies[459], “cerca de 85% dos 4,8
milhões de estabelecimentos agropecuários do Brasil são considerados
familiares” e “são responsáveis por 38% de toda a produção agropecuária,
ocupando aproximadamente 15 milhões de pessoas”. Scaff, ainda, pondera que
as pequenas propriedades rurais são as responsáveis pelo suprimento alimentar
do país, pois a sua produção corresponde aos principais itens da cesta básica
alimentar dos brasileiros.
Ante a importância da agricultura familiar nacional, por óbvio, mostra-se
necessária uma proteção legislativa. Desse modo, o constituinte estabeleceu
como garantia no art. 5º, XXVI, da CF/1988, a impenhorabilidade da pequena
propriedade rural trabalhada pela família. Entretanto, muitas vezes se verifica a
ausência de aplicação da norma constitucional aos casos concretos, por
desconhecimento da abrangência do instituto e por um exercício hermenêutico
equivocado, por falta de contextualização histórica, social e econômica.
Assim, o presente trabalho busca fazer uma breve análise historiográfica
do direito à pequena propriedade rural em regime de trabalho familiar, tendo em
vista que a impenhorabilidade, na expressão de Luiz Edson Fachin[460], decorre
“[...] da discricionariedade do legislador que toma um bem não necessariamente
inalienável e, em virtude de interesses sociais ou humanitários superiores, o
elege ao patamar de impenhoráveis.”
Desse modo, em um primeiro momento serão pontuados alguns marcos
históricos a respeito da propriedade moderna (como direito natural) e a relação
com o capitalismo, bem como o desenvolvimento do papel do Estado em relação
às propriedades rurais como estratégia de política econômica, indicando as
principais legislações que vislumbraram a função social da terra.
Na sequência, será apresentada as regras jurídicas anteriores à Constituição
Federal de 1988 concernentes à pequena propriedade rural, em especial, o
Estatuto da Terra, abordando-se um pouco dos debates em relação à
hermenêutica que influenciam até hoje na aplicação do instituto da
impenhorabilidade.
E, por fim, no último ponto, será destacada a interpretação constitucional
da impenhorabilidade da pequena propriedade rural familiar à luz do princípio
da dignidade da pessoa humana e da defesa de um patrimônio mínimo do
devedor, ressaltando-se as principais discussões jurisprudenciais acerca do tema,
algumas já pacificadas e outras ainda em aberto - mesmo após 30 (trinta) anos de
previsão da garantia no art. 5º, XXVI, da CF/1988.
1 DA PROPRIEDADE MODERNA E SUA FUNÇÃO SOCIAL
A propriedade moderna passou a ser vista como direito natural[461] do
homem a partir da Revolução Francesa (1789-1799), quando integrou a luta pela
garantia da igualdade, liberdade e fraternidade. Conforme Carlos Frederico
Marés[462], o pai do liberalismo John Locke defendia que cada homem é
proprietário de uma parcela da natureza, podendo transformá-la através do
trabalho, a fim de lhe garantir subsistência. Portanto, diferentemente do sistema
feudal, era possível a mercantilização da propriedade e seus frutos de forma
desvinculada ao sujeito, tratando-se de um direito subjetivo independente.
Entretanto, para Locke a propriedade era limitada pela capacidade de produção
do sujeito, sendo que a deterioração de seus frutos pela inutilização estaria
ferindo o direito natural dos demais de usufruírem das coisas criadas por Deus
na natureza.
Todavia, explica Marés, o desenvolvimento do capitalismo fez com que a
terra adquirisse status de propriedade privada, através de contratos de governo
que a cediam ou reconheciam a ocupação, reduzindo o número de proprietários
(acessível apenas a quem detinha recursos financeiros) e permitindo a
acumulação dos frutos. Desse modo, “a terra deixava de ser uma provedora de
alimento para ser uma reprodutora de capital.”[463]
Marés, ainda, ressalta a importância do caráter absoluto da disponibilidade
da terra para o capitalismo a ponto de transformar o direito de usar em obrigação
de produzir:
Se levarmos em conta que a terra era, e é ainda, a melhor e a principal garantia
hipotecária ao sistema financeiro, fácil a conclusão da importância para o
sistema capitalista financeiro-bancário do caráter absoluto da disponibilidade
da terra. Quando o Banco fica com a terra do devedor inadimplente, ela
passava a representar apenas um valor. Isso significa que, embora não fosse
interessante a manutenção da terra como reserva de valor porque entrava o
desenvolvimento do capitalismo, retirar essa característica seria muito pior, por
isso se admite a manutenção da reserva do valor temporariamente. Se o uso
dominasse a propriedade, porém, o Banco deixaria de ter interesse na terra
como garantia. A solução mais coerente para o sistema, então, foi manter o
caráter de mercadoria, obrigando os proprietários que a fizesse produzir. A
produtividade passou a ser entendida cada vez mais como a obrigação do
proprietário da terra. Contrapondo ao direito de usar, o sistema criou a
obrigação de produzir.[464]
A questão da produtividade da terra também já era preocupação em solo
brasileiro, sendo que o Rei de Portugal D. Fernando instituiu o regime de
sesmarias, em 1375, no afã de direcionar as pessoas desocupadas e em estado de
necessidade concentradas nos centros urbanos para trabalhar no campo. Tanto as
ordenações Manuelinas (1514) quanto as Ordenações Filipinas (1603) previam
um prazo temporal de cinco anos para a gleba ser demarcada e lavrada, sob pena
de revogação da sesmaria e transferência para outros que produzissem. Caso
preenchidos os requisitos, o cessionário se tornava proprietário da terra e
ganhava o direito de vender, doar, transferir, enfim, negociar o bem como lhe
aprouvesse mediante contrato.[465]
Segundo Rafael Machado Soares[466], a Constituição brasileira de 1824
fortemente influenciada pelos ideais do liberalismo individual reforçou a
exploração da propriedade pela elite, aumentando a desigualdade social. Após a
independência do Brasil, a Lei de Terras do Império nº 601, de 18 de agosto de
1850, implementou o instituto da concessão de terras devolutas, reconhecendo
como propriedade as sesmarias confirmadas pela produção.[467] Com as
revalidações, aponta Soares, “a era do latifúndio tem o seu início marcado, e a
sua permanência passa por uma luta constante que vigora até os dias de
hoje.”[468]
Durante o século XIX também começavam a surgir as primeiras regras de
impenhorabilidade da propriedade ao redor do mundo, com maestria Luiz Edson
Fachin pontua as principais[469], iniciando pela República do Texas onde havia a
necessidade de manter o homem vinculado à terra, para povoar e desenvolver o
território. Assim, a Constituição texana de 1836 previu que todo cidadão poderia
receber um pedaço de terra para torná-la produtiva. E, em 26.01.1839, os
texanos instituíram o bem de família através do homestead act, que era a
concessão de glebas ao colono para cultivá-las com os familiares e, após a
residência no local durante o prazo de cinco anos, tinha o direito ao título
dominial, sendo isenta de penhora as áreas até 50 acres. Após a anexação do
Texas aos Estados Unidos, em 1845, passou a constar na Constituição do Estado
que a propriedade familiar deveria ser protegida contra qualquer execução. O
homestead foi regulado por lei federal nos Estados Unidos em 20 de maio de
1862 e, na sequência, em outros estados americanos, sob as mesmas premissas:
i) existência de título sobre o imóvel (de propriedade, usufruto, locação etc); ii) o
titular deveria ser chefe de família; e, iii) o imóvel deveria ser de fato ocupado
por este núcleo familiar.
Em relação ao Brasil, Ricardo Canan[470] menciona que desde 1893, com o
projeto do Código Civil, tentava-se implementar o bem de família, porém a
primeira norma somente adveio com o art. 867, do Dec. 8.332/1910 (Código de
Processo Civil e Commercial do Distrito Federal)[471]. Posteriormente, por
emenda do Senado, foi acrescentada a regra da impenhorabilidade do bem de
família voluntário no Código Civil de 1916, nos artigos 70 a 73[472]. Todavia, não
demorou muito para que se iniciassem as discussões jurídicas acerca do tamanho
e do valor das propriedades que poderiam ser instituídas como bem de família.
Assim, o Dec.-Lei 3.200/1941 no art. 19[473] limitou o valor do imóvel bem de
família (urbano e rural) em 100 contos de réis e no art. 22[474] ampliou a
impenhorabilidade do imóvel rural também aos itens domésticos, gado e
instrumentos de trabalho que estivessem discriminados em escritura pública.
Posteriormente, o artigo 19 foi alterado algumas vezes para elevar o valor do
imóvel para 1 milhão de cruzeiros (Lei 2.514/1955), depois para o equivalente a
500 vezes o salário mínimo e, por fim, para afastar a limitação de valor e
condicionar apenas à necessidade de moradia da família no local por período
superior a dois anos.
Conforme Gamaliel Seme Scaff apud Fernando Curi Peres[475], na década
de 1930, cerca de 80% da população brasileira morava na região rural e somente
20% nas cidades. Desse modo, o Presidente Getúlio Vargas passou a
implementar políticas estratégicas para atrair mão de obra às indústrias dos
centros urbanos, ou seja, incentivos sociais no âmbito trabalhista e
previdenciário, financiamentos imobiliários com taxas subsidiadas, ampliação da
rede de escolas públicas etc., consequentemente houve um maior êxodo rural.
Desse modo, para resguardar os interesses no campo, a impenhorabilidade
legal da propriedade rural (independentemente de ato voluntário e registro) foi
introduzida no ordenamento jurídico pátrio no art. 942, X, do Código de
Processo Civil de 1.939[476]. Segundo Canan[477], o trabalho da família, sem ajuda
de terceiros remunerados, era o requisito primordial para a impenhorabilidade do
imóvel rural.
Após a Crise de 1929 nos Estados Unidos e a II Guerra Mundial (1939-
[478]
1945) , o Liberalismo econômico declinou e abriu espaço para o Estado Social
de Direito. Consoante Soares[479], a alteração no modelo de Estado fez com que
ampliasse o papel de ingerência na economia e na regulação das atividades
econômicas, a fim de conciliá-las com os direitos sociais. Assim, o Estado
passou a interferir mais na propriedade privada, impondo ao proprietário o dever
de uso em conformidade com a necessidade social, sob pena de restrições,
surgindo então a função social do direito de propriedade.
A alteração social representa um fato ocasionado pela própria necessidade
coletiva. Em função do aumento da população, do surgimento de novas
cidades, do aumento das necessidades sociais, da industrialização, a
propriedade não poderia mais ser utilizada apenas para satisfazer necessidades
pessoais dos proprietários. Seu uso fez-se essencial em nome do bem coletivo,
em consonância com os interesses da sociedade modificada, admitindo-se sua
meta social por consequência. Essa transformação é a própria complexidade,
que foi moldada pelos fatos sociais e estruturada por eles.[480]
Para Marés, no início do século XX, o capitalismo percebeu a necessidade
da propriedade rural cumprir duas funções (as quais não são observadas pelos
latifúndios improdutivos): “produzir matérias-primas e alimentos para baratear
o custo da mão de obra e dos insumos industriais e gerar, com salários e rendas
rurais, maior volume de consumo para as mercadorias manufaturadas na
indústria urbana.”[481]
Segundo Erico Marques de Mello[482], a função social da propriedade se
funda no aspecto econômico, com a regulamentação do uso da propriedade, e no
aspecto social, de tornar a propriedade mais acessível a todos tendo em vista a
sua necessidade para a sobrevivência humana. Assim, o autor procura definir a
função social da propriedade atrelada a ideia de dignidade da pessoa humana:
[...] trata-se de concepção de função, atribuída ao bem, que impõe a adoção,
por parte do Estado, de medidas fundamentadas no bem comum, por meio de
intervenção de natureza econômica, tendo em vista a necessidade de coordenar
a situação jurídica, individual, de exercício do direito de propriedade. Em
outras palavras, trata-se de critério de ordem econômica, em que se impõe
interferência na relação jurídica privada, a fim de favorecer a sociedade de
modo geral. [...] Quando se observa a ideia de função social da propriedade,
como fundamento do Estado Social, a dignidade da pessoa humana aparece
como escopo fundamental de realização de acesso a moradia e trabalho. Tal
observação resulta de uma expectativa de solidariedade e de bem comum, em
que a função social corresponde à própria realização de uma sociedade justa.
Mas não é apenas isso. Na verdade não há como se afastar a dignidade da
pessoa humana das condições materiais mínimas para vida digna. Quando se
observa a propriedade como “lugar do trabalho”, encontra-se, em parte, a
própria realização da idéia de vida digna.[483]
A Constituição do México de 1917 foi uma das primeiras cartas
constitucionais a prestigiar a função social da propriedade, seguida da
Constituição alemã de 1919. No Brasil, a prescrição taxativa do interesse social
da propriedade foi verificada no art. 147, da Constituição Federal de 1946: “O
uso da propriedade será condicionado ao bem estar social. A lei poderá com
observância do disposto no art. 141, §16, promover a justa distribuição da
propriedade, com igual oportunidade para todos.” E, a Constituição Federal
brasileira de 1967 alçou o trabalho como condição da dignidade da pessoa
humana e a função social da propriedade como princípio da ordem econômica
nos incisos II, III, do artigo 157[484].
Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabeleceu no
art. XVII, itens 1 e 2[485], o direito à propriedade para todos os homens, bem
como a impossibilidade de ser privado da mesma de forma arbitrária. Da mesma
forma, dispôs o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais de 1966, no artigo 21[486]. Outra importante norma de caráter
internacional foi o princípio nº 10[487] da Conferência das Nações Unidas sobre
Assentamentos Humanos de 1976, que estabeleceu os fundamentos da função
social da propriedade.

2 DA PROTEÇÃO DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL ANTES DA
CF/1988
Segundo Eduardo Alberto de Moraes Oliveira[488], a mudança de
paradigmas do Estado Liberal para o Estado Social contribuiu para que John F.
Kennedy, presidente dos Estados Unidos, idealizasse a Aliança para o Progresso,
que consistia em um programa de ajuda financeira e técnica aos países da
América Latina, tendo em vista que o contexto histórico era de elevado êxodo
rural, inchaço nos centros urbanos (com aumento do desemprego e da violência)
e acirrados conflitos agrários. Assim, os Estados Unidos e os países latino
americanos firmaram a Carta de Punta Del Este, em 1961, tendo a colaboração,
inclusive, do presidente brasileiro Juscelino Kubitschek. Em referido diploma,
no artigo 6º[489], os países signatários estabeleceram, entre diversas metas, a
implementação de programas de reforma agrária para substituir o regime de
latifúndios e minifúndios por uma distribuição mais igualitárias de terras, que
garantissem ao homem trabalhador bem-estar, liberdade e dignidade.
De acordo com Fachin apud Fernando Pereira Sodero[490], no Brasil, as
preocupações na época eram o grande crescimento dos latifúndios improdutivos,
nos quais predominavam relações de trabalho semifeudais, a pulverização de
minifúndios em razão do sistema de sucessões implementado pelo Código Civil
então vigente, agravado pelo baixo nível de instrução e aperfeiçoamento técnico
dos produtores, cujo endividamento ocasionavam na perda das terras para, em
sua maioria, os latifundiários, criando-se os “miseráveis rurais”.
Em 1964, no mesmo ano do golpe militar, começaram a ter avanços
quanto à restrição de grandes propriedades improdutivas e a reforma agrária,
sendo promulgado o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de
1964), que visava à promoção da reforma agrária para extinguir o minifúndio
(terras de tamanho insuficiente para satisfazer as necessidades da família -
abaixo do módulo mínimo regional) e o latifúndio (tanto por extensão, com área
superior a 600 vezes o módulo mínimo regional, quanto por produção - terra
improdutiva). Além do mais, o Estatuto da Terra estabeleceu condições para o
cumprimento da função social da propriedade rural: i) produção; ii) bem-estar;
iii) proteção de recursos naturais; e iv) cumprimento das leis trabalhistas.
O art. 4º do Estatuto da Terra (parcialmente alterado pelo art. 4º, I, da Lei
nº 8.629/93) trouxe os conceitos de imóvel rural, propriedade familiar e criou a
nomenclatura de módulo rural[491] correspondente ao tamanho da propriedade
familiar. Ademais, diferentemente das legislações anteriores, a partir do Estatuto
da Terra passou a ser permitida a ajuda eventual de trabalho de terceiros.
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:
I - “Imóvel Rural”, o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua
localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-
industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de
iniciativa privada;
II - “Propriedade Familiar”, o imóvel rural que, direta e pessoalmente
explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho,
garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área
máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho
com a ajuda de terceiros;
III - “Módulo Rural”, a área fixada nos termos do inciso anterior;
O Decreto 55.891/1965 veio regulamentar alguns dispositivos do Estatuto
da Terra, em especial, a questão do módulo rural nos artigos 11 e 12[492],
destacando que a dimensão deveria levar em consideração a localização da
propriedade e a facilidade de acesso aos mercados, as características ecológicas e
os tipos de exploração do local, precisando garantir o sustento e o
desenvolvimento para a família proprietária que trabalha na terra.
Em relação ao tamanho da pequena propriedade rural, para Canan[493], o
conceito elencado no Estatuto da Terra é vago, pois no art. 4º, II, dispõe que o
imóvel deve ser capaz de garantir ao proprietário a subsistência da família e o
progresso socioeconômico, com área máxima variável para cada região e tipo de
exploração que equivalerá a um módulo rural. Para classificação dos imóveis
rurais foram fixados os critérios gerais no art. 43, §1º[494], do Estatuto da Terra, e
os critérios intrínsecos da propriedade estão previstos no art. 46, III[495], da
mesma legislação.
Por força do art. 46 do Estatuto da Terra, competia ao Instituto Brasileiro
de Reforma Agrária – IBRA (que posteriormente se fundiu com o Instituto
Nacional de Desenvolvimento Agrário – Inda e resultou no atual Instituto de
Colonização e Reforma Agrária - Incra) promover os levantamentos e a
elaboração do cadastro dos imóveis rurais em todo país, bem como as áreas
mínimas ou módulos de propriedade rural. Entretanto, a instituição responsável
não fixou o tamanho do módulo rural, o que gerou diversos percalços ante a
incerteza da classificação das propriedades como pequenas, médias ou grandes,
o que será mais bem explicado adiante.
A redação do art. 50 do Estatuto da Terra foi alterada pela Lei 6.746/1979
criando o conceito de módulo fiscal, para fins de cálculo de imposto,
apresentando fatores específicos na apuração do tamanho da propriedade,
variando o módulo fiscal de 05 a 110 hectares dependendo do município. O
levantamento de dados foi realizado pelo INCRA entre as décadas de 1970 a
1980. Todavia, os critérios legais para cômputo do módulo fiscal não coincidiam
integralmente com àqueles estipulados para o módulo rural. Nas palavras de
Canan[496] acerca da diferença do módulo fiscal e rural:
Assim, ao contrário das regras de delimitação do tamanho do módulo rural,
aquelas fixadas para apurar o tamanho do módulo fiscal não levavam em conta
a localização do imóvel em relação aos centros populacionais, nem o custo da
mão de obra, nem a distância com os serviços públicos, ou com os locais
próprios para o escoamento da produção. O módulo fiscal e o módulo rural,
não necessariamente devem, desta forma, ter o mesmo tamanho. Primeiro
porque a apuração do tamanho do módulo fiscal serve a propósito tributário. Já
o módulo rural serve ao propósito de garantia de subsistência e de
desenvolvimento socioeconômico. [...] É possível afirmar, desta forma, que o
módulo fiscal pode ser menor que o módulo rural.
O Código de Processo Civil de 1973 foi muito criticado por não repetir a
regra da impenhorabilidade legal do bem de família rural prevista no Código de
Processo Civil de 1939. Portanto, a única previsão na legislação para proteção do
imóvel rural era a regra geral do bem de família voluntário, isto perdurou até
09.07.1986 quando houve a edição da Lei 7.513 que acrescentou no rol das
impenhorabilidades o inciso X ao art. 649, do CPC/1973, dispondo ser
impenhorável: “o imóvel rural, até um modulo, desde que este seja o único de
que disponha o devedor, ressalvada a hipoteca para fins de financiamento
agropecuário.”
A redação da lei tem vários aspectos a serem observados: i) limitou a
impenhorabilidade a um módulo sem especificar se dizia respeito ao “módulo
rural” ou se referia ao “módulo fiscal” (lembrando que o primeiro não possui as
medidas apuradas pelo INCRA e o segundo foi criado para fins tributários), ou
seja, permaneciam dúvidas quanto ao tamanho da propriedade impenhorável; ii)
estabeleceu que o devedor somente poderia ter uma única propriedade; iii) nada
dispôs acerca da necessidade do trabalho na terra; iv) permitiu que o imóvel
fosse dado em garantia hipotecária para financiamento da atividade, não
protegendo o bem contra dívidas da própria atividade produtiva.
Após o Estatuto da Terra, seguiu-se com a criação de uma série de atos
legislativos relativos ao direito agrofinanceiro. Em especial, acerca da
institucionalização do crédito rural (lei 4.829, de 05 de novembro de 1965), cuja
regulamentação adveio pelo decreto nº 58.380/1966 e estabeleceu no parágrafo
4º que a competência para disciplinar o crédito rural do país cabe ao Conselho
Monetário Nacional por força das atribuições estabelecidas na lei 4.595, de 31 de
dezembro de 1964 (Lei da Reforma Bancária). Ainda, é relevante destacar o
decreto-lei 167/1967, que dispõe sobre os títulos de crédito rural. O Manual de
Crédito Rural, editado pelo Departamento de Normas do Sistema Financeiro
(Denor) do Banco Central do Brasil (Bacen), reuniu atos normativos do
Conselho Monetário Nacional (CMN), constituindo um importante instrumento
para a “normatização do crédito rural em relação a financiamentos,
investimentos, projetos e para a fixação do valor básico das safras”.[497]
A partir dos anos 1970 o Brasil entrou nos ciclos de produção de soja –
chamado ouro verde – e trigo, cujas commodities permanecem operantes até o
momento e impulsionam o agronegócio. Isso também ocorreu porque contava
com grande incentivo do governo federal por estar, conforme explica Arnaldo
Rizzardo[498], “[...] ligado ao desenvolvimento da produção e ao próprio bem-
estar do povo”.
Todavia, observa Scaff[499], que o boom da soja no Brasil propiciou a
agricultura de larga escala, fazendo ampliar os latifúndios. Com isto, os grandes
produtores adquiriam as pequenas propriedades rurais no entorno, as quais não
tinham as mínimas condições de competirem no mercado agrícola. Tal situação
provocou, por consequência, novo fluxo migratório dos campos para as cidades
contribuindo para a formação de “cinturões de miséria” nas periferias dos
centros urbanos, tendo em vista que, muitas vezes, os pequenos produtores não
tinham formação técnica para se inserir no trabalho de mercado urbano e,
tampouco, as cidades tinham estrutura suficiente para recebê-los. O resultado foi
o aumento da criminalidade e violência.
3 DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA PEQUENA PROPRIEDADE
RURAL
Em meados da década de 1980, o setor agrícola passou por sérias
dificuldades com restrição de crédito, descompasso entre a correção dos valores
financiados e dos preços dos produtos, gerando grande endividamento dos
produtores rurais[500].
A crise econômica durante os planos econômicos atingiu o campo, levando
a assembleia constituinte de 1988 a rever as regras de proteção jurídico-
econômicas da categoria, sob a luz do princípio da dignidade da pessoa humana
para fins de proteção do patrimônio mínimo das famílias de pequenos produtores
rurais.
Conforme Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo Pianovski[501], a dignidade
da pessoa humana é princípio e regra constitucional, sendo fundamento da
República e diretriz para a interpretação de todo ordenamento jurídico brasileiro.
Assim, os autores entendem que “[...] a dignidade da pessoa humana é
imperativo que decorre de uma ética de alteridade que paira sobre o direito e
deve, necessariamente, informá-lo”[502], não podendo ser tomado como
“exercício retórico do legislador constituinte: trata-se de norma constitucional
que, como tal, é vinculante”[503]. Segundo a concepção Kantiana, a dignidade da
pessoa humana é um imperativo categórico, elevado a regra universal, pois o ser
humano sempre deve ser considerado como fim e não como meio, e “[...] tudo o
que se coloca como fim tem ou um preço ou uma dignidade. Terá dignidade
aquilo que não pode ser mensurado de modo a se lhe estabelecer o preço. O
homem, nessa esteira, teria dignidade”[504]. Para os autores, a repersonalização
do direito trata da proteção do Homem “em sua dimensão coexistencial, cuja
rede de relações constitui a sociedade. Não é possível conceber o indivíduo sem
o outro, pelo que a tutela da dignidade humana é sempre interindividual,
baseada em uma ética de alteridade, e jamais individualista.” [505]
Portanto, em face do princípio da dignidade da pessoa humana, Fachin
defende a garantia de um patrimônio mínimo do devedor:
Aponte-se que a garantia de um patrimônio mínimo, a exemplo do que ocorre
com o denominado “bem de família”, não afeta direta e necessariamente o
direito material de crédito propriamente dito, mas sim retira bem (ou bens) da
órbita da executoriedade. Trata-se, por assim dizer, de uma causa elisiva, que
não impugna a regra segundo a qual o patrimônio (leia-se, pois, patrimônio
disponível) do devedor é a garantia do credor.
Sabe-se que as relações entre sujeitos de direito, muito frequentemente, geram
direitos e, também, obrigações, cujo cumprimento é assegurado, em virtude de
lei, pelo patrimônio do devedor. Tem-se no patrimônio do obrigado uma
garantia genérica da satisfação do interesse do credor, no âmbito da seara
contratual ou extracontratual. Isso porque o patrimônio do devedor responderá
por todas as suas dívidas. Mas, será mesmo todo o patrimônio afetado para
esse fim? [506]
Com base no princípio da dignidade da pessoa humana e da necessidade de
proteção de um patrimônio mínimo do devedor, que lhe permita usufruir de
todas as garantias constitucionais previstas, principalmente no caput, do art. 5º
da CF/1988[507], é que também se justificam as regras de impenhorabilidade, em
especial, no caso em análise, da pequena propriedade rural, que vem expressa no
inciso XXVI do mesmo dispositivo:
Art. 5º. [...]
XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que
trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos
decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de
financiar o seu desenvolvimento;
Consoante Wylton Carlos Gaion[508], a Constituição Federal elevou a
proteção da pequena propriedade rural a direito e garantia individual,
enquadrando-a como cláusula pétrea, nos termos do art. 60, §4º, do diploma
constitucional. Desse modo, o autor entende que a impenhorabilidade da
pequena propriedade rural é “absoluta e irrestrita”, bem como “irrenunciável,
pois se trata de um direito indisponível, que tutela a entidade familiar,
garantindo ainda a dignidade da pessoa humana, além de questões de ordem
social, que transcendem ao direito individual de propriedade”[509].
No intuito de justamente ampliar a proteção aos pequenos produtores
rurais, a Constituição Federal não fez qualquer ressalva quanto à hipoteca para
fins de financiamento agropecuário, ou seja, a impenhorabilidade é absoluta
independentemente da origem da dívida. Tal esclarecimento é extremamente
importante, considerando que, após a Constituição Federal, houve discussão
jurisprudencial a respeito: i) da relativização do instituto em razão da garantia
hipotecária; ii) dos requisitos para a declaração da impenhorabilidade da
pequena propriedade rural, tendo uma corrente interpretado de forma equivocada
o texto constitucional no sentido de que caberia ao produtor rural devedor
comprovar que o débito era oriundo da atividade agrícola, como se a natureza da
dívida fosse condição para reconhecimento da impenhorabilidade, o que não é
verdade.
Todavia, posteriormente, a jurisprudência[510] compreendeu que o art. 649,
X, CPC (redação da Lei 7.513/1986) não havia sido recepcionado pela
Constituição Federal, a qual não impôs nenhuma limitação à impenhorabilidade.
E, por intermédio da Lei 11.382/2006, houve ajuste na redação da legislação
processual, a fim de esclarecer que a pequena propriedade rural é absolutamente
impenhorável, sem ressalva quanto à eventual garantia hipotecária e, tampouco,
exigindo que a dívida contraída seja oriunda exclusivamente da atividade
agrícola. Além do mais, pode-se aplicar por analogia o entendimento de que o
bem de família urbano não faz distinção quanto à origem do débito. Nas palavras
de Gaion:
A garantia constitucional de impenhorabilidade da pequena propriedade rural é
irrenunciável, considerando os bens jurídicos protegidos, como a proteção da
família, a dignidade da pessoa humana, bem como a função social de se evitar
grandes êxodos rurais.
Além do mais, de nada adiantaria ser conferida proteção à pequena
propriedade rural se fosse entendido tratar-se de direito disponível e passível
de renúncia. [511]
Entretanto, com a vigência do novo Código de Processo Civil, houve
supressão da expressão “absolutamente” do caput do artigo 833 que trata das
impenhorabilidades, demonstrando uma inclinação do legislador em permitir a
relativização do rol de bens impenhoráveis, inclusive, quanto à pequena
propriedade rural regulada no inciso VIII[512], em especial quanto à exceção posta
no §1º: “A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao
próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição”.
Para Scaff, a pequena propriedade rural continua sendo absolutamente
impenhorável à luz da Constituição Federal, não podendo a legislação
infraconstitucional reduzir o alcance da cláusula pétrea. Desse modo, o autor
interpreta que a única hipótese cabível para excetuar a regra protetiva seria no
caso de dívida “contraída para sua aquisição”, não podendo ocorrer penhora
em razão de “financiamentos agrícolas ou de maquinários e implementos para
uso na propriedade, por exemplo. Tal interpretação, repito, importaria em
negativa de vigência à própria disposição Constitucional”[513].
Por enquanto, o Colendo Superior Tribunal de Justiça tem mantido o
entendimento de considerar a impenhorabilidade da pequena propriedade rural
como garantia absoluta, porém no Recurso Especial nº 1591298 – RJ, da
Terceira Turma, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Belizze, a Ministra
Nancy Andrigui lavrou voto vista por compreender que a “conclusão era mais
ampla que a recomendável, no sentido de que a propriedade rural seria, sempre
e sem exceções, absolutamente impenhorável”, uma vez que “se tem observado,
na evolução jurisprudencial desta Corte, que impenhorabilidades tidas
anteriormente por absolutas têm sido relativizadas, ainda que em caráter
excepcional”[514]. Ora, tal julgado demonstra que a discussão a respeito da
garantia absoluta ou relativa ainda se encontra em aberto.
Outro aspecto a ser destacado sobre a impenhorabilidade da pequena
propriedade rural é que esta não se confunde com a impenhorabilidade do bem
de família rural previsto no art. 4º, §2º, da Lei nº 8.009/1990[515]. Nas palavras de
Amaral[516], existem dois regramentos de proteção, o primeiro do imóvel rural
como bem de família, cuja residência deve ser no local e a impenhorabilidade se
restringe a área sede da moradia com os respectivos bens móveis, enquanto que
no segundo, previsto no art. 5º, XXVI, CF, a área protegida é aquela
compreendida como pequena propriedade rural, trabalhada pela família, porém
sem a necessidade que a mesma ali resida, porque o foco da proteção
constitucional é a garantia do meio de subsistência familiar. Ademais, conforme
bem acentuado por Fachin, “as plantações, se entendidas como acessórios dos
imóveis rurais, também são impenhoráveis, assim como as benfeitorias, sejam
elas úteis, necessárias ou voluptuárias, por força da acessoriedade.” [517]
Também é possível ressaltar que o texto constitucional não definiu o
tamanho da pequena propriedade rural e manteve a celeuma jurídica quanto ao
critério de apuração da área a ser declarada impenhorável. A redação do art. 4º,
II, a, da Lei 8.629/1993[518] (que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos
constitucionais da reforma agrária), reascendeu a discussão a respeito do tema
quando estabeleceu que a pequena propriedade rural varia entre um e quatro
módulos fiscais – e, posteriormente, foi atualizada pela lei 13.465/2017, para
constar que a pequena propriedade rural corresponde: “a área até quatro
módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento”.
Segundo Canan[519], as alíneas b e c, do inciso II, do art. 4º, da Lei
8.629/1993, previam que “a propriedade rural deveria ser explorada pela
família, com auxílio eventual de terceiros, e deveria, o imóvel, ser capaz de
garantir a subsistência familiar, bem como o progresso social e econômico”, ou
seja, a definição de pequena propriedade rural seguia os mesmos parâmetros
elencados no Estatuto da Terra. Todavia, as alíneas foram vetadas, sob o
argumento de que a pequena propriedade rural, para fins de reforma agrária,
também deveria prever a possibilidade da pessoa jurídica ser proprietária do
imóvel, para não correr o risco de afronta ao art. 185, I e II, da CF/1988[520],
desse modo não poderia dispor acerca da exploração familiar.
A partir de então, a jurisprudência passou a discutir se a pequena
propriedade rural para fins de impenhorabilidade era àquela área compreendida
até um módulo (rural ou fiscal), nos termos do Estatuto da Terra, ou até 04
(quatro) módulos fiscais, de acordo com a Lei 8.629/1993[521].
Para Canan[522], ambas as legislações serviram como instrumento legal de
regulamentação da reforma agrária, de modo que os dois textos podem ser
harmonizados para identificação do tamanho da pequena propriedade rural,
dando prevalência à interpretação que a área protegida pela impenhorabilidade é
aquela correspondente até 04 (quatro) módulos fiscais, por atender melhor os
pressupostos de subsistência e desenvolvimento familiar:
Possível afirmar, pois, que o conceito de propriedade familiar, ou de pequena
propriedade rural, na forma do art. 5º, XXVI, da CF/1988, do art. 4º, §2º, da
Lei 8009/1990 e do art. 649, VIII, do CPC [1973], é, atualmente, aquele
estabelecido pelo art. 4º, III, a, da Lei 8.629/1993, ou seja, propriedade que
possui tamanho entre um e quatro módulos fiscais. [...] O critério da pequena
propriedade rural equivalente a imóveis com tamanho entre um e quatro
módulos fiscais afigura-se mais justo, na medida em que a própria legislação
encarregou-se de especificar que o imóvel terá como área aquela suficiente
para preencher os requisitos da subsistência e desenvolvimento familiar.
Ademais, o critério do módulo fiscal admite, de região para região, variação de
tamanho, em conformidade com a capacidade de produção.[523]
Além do mais, o tamanho da propriedade até 04 módulos fiscais também é
um dos critérios utilizados para enquadrar os beneficiários do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), com fulcro no
art. 3º, I, da Lei 11.326/2006[524].
Ultrapassada a questão do tamanho da propriedade rural, outro requisito
para declaração da impenhorabilidade previsto no art. 5º, XXVI, da CF, é que a
terra seja trabalhada em regime familiar, podendo eventualmente ter a ajuda de
terceiros remunerados.
Em relação ao requisito do trabalho familiar, contrariando entendimento da
Terceira Turma, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento
do Recurso Especial 1408152 - PR, de relatoria do Ministro Luis Felipe
Salomão, publicado no DJE 02/02/2017[525], firmou posicionamento no sentido
de que compete apenas ao produtor rural demonstrar que a propriedade rural é
pequena para fins de impenhorabilidade, sendo a presunção juris tantum (que
admite prova em contrário do credor) que é trabalhada pela família, porquanto
presume-se que a área por ser diminuta é explorada em regime familiar.
No tocante à família, cediço que nos últimos anos o conceito tradicional
foi abrandado para contemplar diversas estruturas familiares diferentes e,
evidente, que a proteção constitucional da impenhorabilidade da pequena
propriedade rural não pode deixar de ser aplicada pela interpretação restrita de
tal conceito. Logo, desde que a terra seja trabalhada pelos proprietários caberá a
declaração de impenhorabilidade, aplicando-se a definição abrandada de família:
casal com filhos ou sem filhos, um dos genitores com filhos, irmãos, pessoa
solteira, conviventes, entre tantas outras formações possíveis.
Todavia, vale destacar que, no caso concreto, o julgador deverá avaliar
quantos núcleos familiares residem ou trabalham na propriedade a ser declarada
impenhorável, pois não raro existem matrículas de imóveis com mais de um
núcleo familiar como proprietários. Portanto, nestas situações, mostra-se
plausível que o tamanho da área a ser declarada como pequena propriedade rural
seja multiplicada pela quantidade de núcleos familiares existentes, a fim de
garantir a subsistência e desenvolvimento econômico de todos.[526]
Outra hipótese bastante comum é do proprietário possuir mais de uma
propriedade rural, com matrículas próprias, de áreas contíguas ou não, mas que
as áreas somadas não ultrapassam a 04 (quatro) módulos fiscais da região. Em
tais casos, existem precedentes jurisprudenciais aplicando a norma protetiva da
impenhorabilidade sobre todas as propriedades até o limite de tamanho
mencionado.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do
tema em 08/09/2017, na análise do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE)
1038507 - TJPR, de Relatoria do Ministro Edson Fachin, o qual afirmou que “A
questão posta, portanto, é saber se a garantia de impenhorabilidade da pequena
propriedade e rural e familiar é, ou não, oponível contra empresa fornecedora
de insumos necessários a sua atividade produtiva, quando a família também é
proprietária de outros imóveis rurais” [527], o caso ainda pende de julgamento.
Apenas vale lembrar que, diferentemente do disposto no art. 649, X, CPC/1973,
a Constituição Federal e o novo Código de Processo Civil nada disseram a
respeito da necessidade do imóvel ser o único que disponha o devedor.
Por derradeiro, o autor Lutero de Paiva Pereira[528] destaca que o perigo do
momento em relação à garantia constitucional da impenhorabilidade da pequena
propriedade rural decorre da cláusula de alienação fiduciária em contratos de
financiamento (Cédula de Crédito Rural e Bancário, Cédula de Produto Rural e
outros), ou seja, as instituições financeiras têm buscado medidas alternativas
para burlar a proteção do art. 5º, XXVI, CF, ao estabelecer tal garantia
contratual. Isto ocorre, na medida em que diante do inadimplemento do contrato,
o credor pode se apropriar do bem e vendê-lo em praça pública sem sequer
precisar da intervenção do Poder Judiciário, devendo o produtor rural ter cautela
neste tipo de negociação, para não correr o risco de perder a pequena
propriedade rural familiar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou fazer um breve levantamento historiográfico
do instituto da impenhorabilidade da pequena propriedade rural, podendo ser
extraída algumas considerações pertinentes.
A propriedade moderna é vista como direito natural e extensível a todos,
em especial, a pequena trabalhada pela família em razão da função social que
exerce, pois é abrigo e fonte de produção alimentar que abastece o campo e as
cidades. Deste modo, o próprio movimento capitalista transformou a relação da
terra de um direito de uso para uma obrigação em produzir, o que alterou o papel
do Estado quanto à intervenção nas relações negociais e de proteção à pequena
propriedade privada, a fim de melhor gerir as demandas socioeconômicas tanto
dos centros urbanos quanto do campo.
Tendo em vista o princípio da dignidade da pessoa humana e da defesa de
um patrimônio mínimo do devedor, o art. 5º, XXVI, da CF, estabeleceu o
instituto da impenhorabilidade da pequena propriedade rural trabalhada pela
entidade familiar. Entretanto, a redação constitucional deu margem a uma série
de discussões.
Primeiramente, a aplicação da garantia constitucional se submete a
observância de apenas dois requisitos: i) ser pequena propriedade rural; ii) ser
trabalhada pela família. Portanto, a natureza da dívida contraída pelo produtor é
irrelevante, assim como o fato dele residir no imóvel, não constituindo tais
pontos um terceiro requisito.
Em relação ao tamanho da propriedade, o Estatuto da Terra, em 1964, foi e
continua sendo uma das principais legislações infraconstitucionais para regular a
matéria, porquanto trouxe os conceitos de imóvel rural, propriedade familiar,
módulo rural e módulo fiscal. A finalidade do módulo rural é estabelecer uma
área mínima que proporcione sustento digno para a família do produtor rural e
desenvolvimento econômico da atividade, para isso a legislação impôs critérios
gerais e critérios intrínsecos para apuração do módulo rural. Contudo, o INCRA,
órgão responsável pela fixação do módulo rural de cada região, não conseguiu
realizar tal tarefa, apenas fazendo o levantamento de dados para cômputo do
módulo fiscal, o qual utiliza critérios mais simples e genéricos de averiguação do
tamanho da propriedade para fins tributários. Portanto, é possível afirmar que o
tamanho do módulo fiscal pode ser menor que o módulo rural. Assim, vigora o
entendimento que pequena propriedade rural é aquela com até 04 módulos
fiscais, com base no art. 4º, do Estatuto da Terra, combinado com o art. 4º, II, a,
da Lei 8.629/1993.
Quanto ao requisito do trabalho familiar, a jurisprudência é divergente em
relação à questão probatória, porque uma vertente defende que sendo pequena a
propriedade há presunção juris tantum da produção em regime familiar,
enquanto outra corrente defende que compete ao produtor comprovar o trabalho
da família na terra.
Conforme visto, a discussão da impenhorabilidade da pequena propriedade
rural ser garantia absoluta ou relativa, também se encontra em aberto nos
Tribunais pátrios, notando-se uma tendência em querer excetuar a proteção
constitucional em face da dicção do CPC/2015. Da mesma forma, ainda, pende
de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, a questão da possibilidade de
declaração da impenhorabilidade do bem quando o devedor também é
proprietário de outros imóveis rurais de mesma natureza. Por fim, a ameaça mais
atual quanto à aplicabilidade do instituto são os contratos de financiamento
agrícola com cláusula de alienação fiduciária, que buscam burlar a garantia da
impenhorabilidade.
De todo o exposto, ante a importância das terras rurais familiares para o
país, espera-se que a proteção constitucional da dignidade do pequeno produtor
rural, por intermédio da garantia da impenhorabilidade da pequena propriedade,
mantenha-se perene como os versos de Cora Coralina, em O Cântico da Terra,
“Plantemos a roça. Lavremos a gleba. Cuidemos do ninho, de gado e da tulha.
Fartura teremos e donos de sítio felizes seremos.”[529]
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GAION, Wylton Carlos. Da impenhorabilidade da pequena propriedade rural e
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SOARES, Rafael Machado. Direito de Propriedade & Princípio da Justiça
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STAUT JR, Sérgio Said. Posse e Dimensão Jurídica no Brasil - Recepção e
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STF Consulta Processual. Disponível em:
<http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5164056> Acesso em:
05 jun. 2018.
CAPÍTULO 20
ARRENDAMENTO RURAL DE
IMÓVEIS PÚBLICOS À LUZ DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

ALBENIR QUERUBINI
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Professor de Direito Agrário e Direito Ambiental no Instituto Universal de
Marketing em Agribusiness – I-UMA, Centro Universitário Ritter dos Reis –
UniRitter, Faculdade IDC – IDC e cursos de curta duração da EAD Cursos.com
(www.eadcursos.com). Coordenador Científico do Curso de Especialização em
Direito Agrário e Ambiental aplicado ao Agronegócio do Instituto Universal de
Marketing em Agribusiness – I-UMA. Membro da União Mundial dos
Agraristas Universitários – UMAU. Vice-Presidente da União Brasileira dos
Agraristas Universitários – UBAU (www.ubau.org.br). Coordenador do Portal
DireitoAmbiental.com (www.direitoambiental.com) e do Portal
DireitoAgrário.com (www.direitoagrario.com).

SOFIA DA SILVEIRA BOHRZ
Advogada. Graduada em Direito pela UNISC. Especialista em Direito
Ambiental pela UFRGS e em Direito Agrário e Ambiental aplicado ao
Agronegócio pelo I-UMA. Membro da União Brasileira dos Agraristas
Universitários - UBAU.




INTRODUÇÃO
Desde a edição do Estatuto da Terra – Lei nº 4.504, de 30 de novembro de
1964, a partir da previsão constante no seu art. 10, já não é mais possível ao
Poder Público a exploração da atividade agrária, ou seja, a exploração
econômica, profissionalmente organizada e com fito de lucro, de imóvel agrário,
mediante a produção de produtos de origem animal ou vegetal.
No entanto, o Estatuto da Terra, em seu art. 94, também trouxe a previsão
da possibilidade excepcional de o Poder Público conceder a exploração de terras
de propriedade pública a particulares mediante a pactuação de contrato de
arrendamento rural, sendo prática recorrentemente observada em áreas
administradas pelas forças armadas.
Porém, em que pese seja uma situação vivenciada na prática, desde já
observamos que existe uma lacuna legal (e até mesmo doutrinária) quanto à
regulamentação desses tipos de contratos envolvendo terras públicas. A
propósito, tais contratos firmados entre o Poder Público e os particulares são
comumente tratados como contratos de Direito Administrativo, motivo pela qual
não possuem a característica protetiva em favor dos arrendatários observada nas
normas previstas para os contratos agrários celebrados entre os privados (pessoas
físicas ou pessoas jurídicas de direito privado).
Portanto, o presente trabalho pretende realizar um estudo dessa
modalidade peculiar de contrato de arrendamento reconhecida pelo Estatuto da
Terra, mas cujo tratamento jurídico se desenvolve a partir do regramento dos
contratos administrativos, que além da legislação própria trazida pela legislação
administrativa, deve se sujeitar aos preceitos previstos pela Constituição Federal
de 1988, a exemplo da necessidade de licitação na escolha do arrendatário. Para
tanto, o trabalho partirá das disposições trazidas pelo Estatuto da Terra acerca da
destinação dos bens públicos e discorrerá sobre como a matéria, englobando a
cessão de bens públicos é interpretada pela doutrina e a legislação administrava.




1 A DESTINAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS SEGUNDO O ESTATUTO DA
TERRA E A POSSIBILIDADE DE CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE
ARRENDAMENTO RURAL DE ÁREAS PÚBLICAS
O Direito Agrário enquanto ramo jurídico autônomo é fruto da
Modernidade, nascendo a partir de uma ruptura do Direito Civil diante da
necessidade de um direito especializado para regular as relações jurídicas
agrárias. No Brasil, o surgimento do Direito Agrário se deu de forma autônoma a
partir da edição do Estatuto da Terra – Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964,
publicado 20 dias após a edição da Emenda à Constituição de 1964 de nº 10, de
10 de novembro de 1964, a qual outorgou à União a competência privativa para
legislar em matéria de Direito Agrário (ZIBETTI e QUERUBINI, 2018),
prevendo tanto disposições de natureza de direito privado quanto de direito
público.
Conforme ressalta Fernando Pereira Sodero, o Estatuto da Terra deu novas
normas aos imóveis rurais de propriedade pública, dando a tais bens finalidades
específicas, a partir da previsão constante no art. 10 (SODERO, 1982, p. 12). A
partir do referido dispositivo legal, verifica-se que o ordenamento jurídico
brasileiro adotou como regra a privatização dos imóveis rurais destinados à
exploração da atividade agrária, autorizando a exploração dos imóveis rurais
pertencentes ao Poder Público apenas nas hipóteses e para as destinações nele
previstas. Assim prevê o respectivo dispositivo do Estatuto da Terra:
Art. 10. O Poder Público poderá explorar direta ou indiretamente, qualquer
imóvel rural de sua propriedade, unicamente para fins de pesquisa,
experimentação, demonstração e fomento, visando ao desenvolvimento da
agricultura, a programas de colonização ou fins educativos de assistência
técnica e de readaptação.
§ 1° Somente se admitirá a existência de imóveis rurais de propriedade
pública, com objetivos diversos dos previstos neste artigo, em caráter
transitório, desde que não haja viabilidade de transferi-los para a propriedade
privada.
§ 2º Executados os projetos de colonização nos imóveis rurais de propriedade
pública, com objetivos diversos dos previstos neste artigo, em caráter
transitório.
§ 3º Os imóveis rurais pertencentes à União, cuja utilização não se enquadre
nos termos deste artigo, poderão ser transferidos ao Instituto Brasileiro de
Reforma Agrária, ou com ele permutados por ato do Poder Executivo.
Portanto, a exploração da atividade agrária pelo Poder Público foi vedada
no ordenamento jurídico brasileiro a partir de tal dispositivo, que tolerou a
prática apenas em caráter transitório.
Por outro lado, o Estatuto da Terra trouxe a previsão excepcional da
possibilidade de pactuação com o Poder Público a partir da cessão de terras de
propriedade pública, viabilizando a exploração da atividade agrária por
particulares, mediante remuneração pelo seu uso. Assim dispõe o art. 94 do
Estatuto da Terra:
Art. 94. É vedado contrato de arrendamento ou parceria na exploração de terras
de propriedade pública, ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. Excepcionalmente, poderão ser arrendadas ou dadas em
parceria terras de propriedade púbica, quando:
a) razões de segurança nacional o determinarem;
b) áreas de núcleos de colonização pioneira, na sua fase de implantação, forem
organizadas para fins de demonstração;
c) forem motivo de posse pacífica e a justo título, reconhecida pelo Poder
Público, antes da vigência desta Lei.
Ainda que o citado parágrafo único do art. 94 do Estatuto da Terra fale na
possibilidade de pactuar contratos de arrendamento rural e parceria rural, cumpre
observar que a parceria rural é incompatível com o art. 173 da Constituição
Federal de 1988, o qual prevê que a exploração direta de atividade econômica
pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo. Isso porque, conforme definição
constante no § 1º do art. 96 do Estatuto da Terra, incluído pela Lei nº
11.443/2007, o contrato agrário de parceria rural caracteriza-se para partilha de
riscos. Na prática, isso significa que o parceiro-outorgado (que no caso seria o
Poder Público) participa, mesmo que indiretamente, da exploração da atividade
agrária. Por consequência lógica, apenas há compatibilidade constitucional para
a cessão de imóveis de propriedade do Poder Público, passíveis de exploração da
atividade agrária por particulares, apenas se ocorrer a pactuação de contrato de
arrendamento rural.
Por sua vez, de acordo com o art. 92 e seguintes do Estatuto da Terra, os
contratos agrários de arrendamento rural se caracterizam pela cessão temporária
de imóvel agrário para o fim de exploração da atividade agrária, mediante
remuneração a ser paga pelo arrendatário ao arrendador. Portanto, o
arrendamento rural apresenta-se como a modalidade contratual compatível com
a previsão do art. 94 do Estatuto da Terra e o art. 173 da Constituição Federal de
1988, tanto que é aquela observada na prática.
No entanto, os contratos de arrendamento rural de imóveis rurais do Poder
Público, em que pese estejam mencionados no art. 94 do Estatuto da Terra, a eles
não se aplicam as demais disposições previstas nos arts. 92, 93, 95 (além das
disposições previstas pela Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966, e regulamentação
pelo Decreto nº 59.566, de 14 de novembro de 1966). Isso porque os contratos
agrários firmados entre os particulares possuem por característica o dirigismo
estatal presente na legislação agrária em favor dos hipossuficientes na relação
contratual agrária (arrendatários ou parceiros-outorgados), a qual se manifesta
através da previsão de direitos irrenunciáveis, a exemplo da observância dos
prazos mínimos de exploração, direito de preferência de renovação diante da
existência de oferta de terceiro, dentre outros.
Inclusive, as poucas decisões presentes na jurisprudência afastam a
incidência das normas protetivas previstas pelo Direito Agrário de aplicação aos
contratos agrários firmados entre particulares, reafirmando se tratar os contratos
de arrendamento de terras rurais pertencentes ao Poder Público de contratos
administrativos. Nesse sentido, a ementa seguinte da 4ª Turma do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região:
ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO.
ARRENDAMENTO DE TERRAS RURAIS. UNIÃO FEDERAL.
ESTATUTO DA TERRA. INAPLICABILIDADE. RENOVAÇÃO. Os
contratos de arrendamento, relativos a imóvel rural pertencente à União,
devem ser interpretados como cessão remunerada de uso, não se sujeitando à
normatividade do Estatuto da Terra. Inexiste direito subjetivo ao particular de
renovar o contrato de arrendamento quando manifesto o desinteresse do ente
público arrendador. Não há direito do autor à manutenção do contrato e à
permanência na posse do imóvel, diante da comprovação das infrações
contratuais cometidas pelo arrendatário da área rural. (TRF4, Apelação Cível
nº 5058524-73.2012.4.04.7100, 4ª Turma, Relatora Desembargadora Federal
Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 06.08.2015)
Portanto, diante do entendimento de que os contratos de arrendamento
rural de terras públicas, dos quais trata o art. 94 do Estatuto da Terra, são na
verdade contratos administrativos, cumpre então analisar como a matéria é
enfrentada a partir da doutrina e das disposições legais específicas trazidas pelo
Direito Administrativo.

2 OS BENS PÚBLICOS E A DISCIPLINA LEGAL DO USO EXCLUSIVO
POR PARTICULAR
Os bens públicos são aqueles de titularidade do Estado, através dos quais
se desempenham as funções públicas e, segundo classificação do Código Civil
(art. 99), podem ser de uso comum do povo, de uso especial, ou bens dominicais.
Os primeiros, de uso comum e especial, em casos excepcionais, podem ser
fruídos exclusivamente pelo particular, mediante autorização, permissão e
concessão de uso de bem público (DIAS, 2013, p. 227).
Já, os bens dominicais são alienáveis, desde que respeitadas as exigências
legais (art. 101 do Código Civil) e podem, assim, ser objetos de transações civis,
como a locação e a compra e venda.
Note-se que o sistema jurídico brasileiro permite que o bem público,
quando perde sua destinação originalmente adstrita, tenha destino ou uso
diverso, de forma exclusiva pelo particular, sem que isso afaste seu domínio
público.
Conforme observa Marçal Justen Filho, os bens dominicais ociosos, que
não estejam sendo utilizados para a satisfação imediata de uma função pública,
não autorizam o uso ou fruição por qualquer pessoa, devendo ser preservados na
sua integralidade pelo Estado para que seus potenciais econômicos sejam
especialmente revertidos à realização das funções estatais (JUSTEN FILHO,
2010, p. 1066).
O autor ainda menciona, quanto ao uso do bem público pelo particular,
que:
A regra é que os bens de uso comum do povo sejam utilizáveis por todos do
povo, diversamente do que se passa com os bens de uso especial. Quanto a
esses, a regra é a utilização exclusiva pela Administração Pública. Por fim, os
bens dominicais podem ser utilizados pela Administração inclusive para
obtenção de resultados econômicos, o que supõe a possibilidade de uso pelos
particulares (JUSTEN FILHO, 2010, p. 1078).
O uso exclusivo de bem público por particular, também denominado de
“privativo”, é consentido pela Administração para uma finalidade específica,
sendo exigido um título jurídico individual, através do qual o ente público
outorga o uso, já estabelecendo as condições para seu exercício.
Por sua vez, Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica que os referidos títulos
jurídicos podem ser públicos ou privados, sendo os públicos obrigatórios para o
uso privativo de bens de uso comum e de uso especial e os privados para os bens
dominicais, em determinadas hipóteses previstas em lei, podendo abranger a
locação, o arrendamento, o comodato, a enfiteuse e a concessão de direito real de
uso (DI PIETRO, 2010, p. 693).
Di Pietro ainda acrescenta a característica de “precariedade” do uso
privativo de bem público, eis que seria revogável, a qualquer tempo, por motivo
de interesse público, mesmo sendo o uso concedido através de contrato, com
prazo determinado, não obstante, nesse último caso, o direito do particular à
compensação de natureza pecuniária, em razão da revogação antecipada.
3 CARACTERÍSTICAS GERAIS ENVOLVENDO A CONTRATAÇÃO COM
O PODER PÚBLICO
Os contratos celebrados com a Administração Pública são sempre
revestidos de peculiaridades inatas, no intuito de preservação de suas finalidades
sociais. Nesse sentido, uma série de princípios e normas deve ser observada
quando se trata de contratação com o Poder Público.
Pode-se dizer, de maneira geral, que a administração dos bens públicos é
regida por normas do Direito Público e, sendo essas omissas ou falhas, permite-
se a aplicação supletiva de preceitos do Direito Privado (MEIRELLES, 2010, p.
552). Contudo, a doutrina ainda faz uma distinção mais categórica entre os
contratos de Direito Privado da Administração e os “contratos administrativos”,
sendo os primeiros regidos quanto ao conteúdo e efeitos pelo Direito Privado e
os demais pelo Direito Administrativo (MELLO, 2012, p. 627).
Os contratos administrativos são tratados pela Lei nº 8.666/1993, que, em
verdade, rege não apenas esses contratos em sentido estrito, mas todos aqueles
celebrados com a Administração, o que inclui os de caráter civil, conforme se
denota da própria leitura do texto legal, no art. 62, § 3º, I, o qual atribui a certos
contratos o regimento predominantemente por norma de direito privado. Nesse
sentido, pode-se afirmar, especificamente quanto aos contratos administrativos,
que esses são revestidos essencialmente de uma utilidade pública, daí a
necessidade de serem regrados sob regime jurídico administrativo.[530]
Por outro lado, quando o contrato celebrado com o Estado possui como
objeto interesse social de forma indireta, ele irá ou poderá se submeter às normas
de direito privado. É o que ocorre, por exemplo, quando há utilização de
proveito exclusivo do particular sobre bens dominicais, em que o interesse
público é protegido apenas indiretamente, à medida que a Administração estará
explorando o patrimônio para obtenção de renda (DI PIETRO, 2010, p. 258).
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, em que pese os contratos de
Direito Privado travados pela Administração estarem vinculados, em seu
conteúdo, às normas de Direito Privado, ambos os contratos devem ser
disciplinados pelo Direito Administrativo quanto às condições e formalidades
para estipulação e aprovação (MELO, 2012, p. 627).
Sob um aspecto mais amplo, observa Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Não há possibilidade de estabelecer-se, aprioristicamente, todas as hipóteses
em que a Administração pode atuar sob regime de direito privado; em geral, a
opção é feita pelo próprio legislador, como ocorre com as pessoas jurídicas,
contratos e bens de domínio privado do Estado. Como regra, aplica-se o direito
privado, no silêncio da norma de direito público.
O que é importante salientar é que, quando a Administração emprega modelos
privatísticos, nunca é integral a sua submissão ao direito privado; às vezes, ela
se nivela ao particular, no sentido de que não exerce sobre ele qualquer
prerrogativa de Poder Público; mas nunca se despede de determinados
privilégios, como o juízo privativo, a prescrição quinquenal, o processo
especial de execução, a impenhorabilidade de seus bens; e sempre se submete a
restrições concernentes à competência, finalidade, motivo, forma,
procedimento, publicidade. Outras vezes, mesmo utilizando o direito privado, a
Administração conserva algumas de suas prerrogativas, que derrogam
parcialmente o direito comum, na medida necessária para adequar o meio
utilizado ao fim público a cuja consecução se vincula por lei. (DI PIETRO,
2010, p. 60)
Por certo, há regras aplicáveis aos contratos administrativos, de forma
geral, que devem rigorosamente ser observadas. Conforme Hely Lopes
Meirelles, em todo contrato administrativo há “cláusulas essenciais ou
necessárias e cláusulas acessórias ou secundárias” (MEIRELLES, 2010, p.
226). As primeiras definem o objeto e as condições fundamentais para sua
execução e, as secundárias complementam e esclarecem a vontade das partes.
São, portanto, as cláusulas essenciais, como o próprio nome sugere,
indispensáveis aos contratos administrativos, sob pena de nulidade destes. Nesse
sentido, conclui o autor:
Essencial, portanto, será toda cláusula cuja omissão impeça ou dificulte a
execução do contrato, quer pela indefinição de seu objeto, que pela incerteza
de seu preço, quer pela falta de outras condições necessárias e não
esclarecidas.
Observe-se, finalmente, que em todo contrato administrativo estão presentes
também as denominadas cláusulas implícitas, que, por serem da própria
natureza dos ajustes públicos, consideram-se existentes mesmo que não
escritas tais como a que permite a rescisão unilateral por interesse público, com
a consequente indenização; a que autoriza a alteração unilateral por
conveniência do serviço, desde que mantido o equilíbrio financeiro; a que
possibilita a redução ou ampliação do objeto do contrato, dentro dos limites
regulamentares; a que faculta a assunção dos trabalhos paralisados, para evitar
a descontinuidade do serviço público, e outras dessa espéci, reconhecidas à
Administração como privilégios irrenunciáveis em suas contratações.
(MEIRELLES, 2010, p. 227)
Note-se, contudo, que referido doutrinador faz menção aos “contratos
administrativos”, o que nos permite apontar, ainda que trate tais modalidades sob
um aspecto geral, que, aos contratos de direito privado da Administração, as
cláusulas essenciais, especialmente as mencionadas implícitas, ainda podem
sofrer alguma filtragem para melhor se moldar às necessidades concretas.
Tal conclusão pode ser aplicada aos contratos de locação firmados com o
ente público. Assim, quando a Administração for locatária, a Lei nº 8.666/1993,
em seu art. 62, § 3º, I, estatui que tais contratos sejam regidos
predominantemente por normas de direito privado, aplicando-se, no que couber,
as normas atinentes aos contratos administrativos. Trata-se, pois, de um contrato
privado da Administração.
Mas, quando se trata de locação de bem público da União, esta é
regulamentada pelo Decreto-Lei nº 9.760/1946, o qual não admite a aplicação do
regime geral da legislação civil (art. 86 e seguintes), conforme explica Diogo de
Figueiredo Moreira Neto:
Inversamente se a Administração dá em locação um bem público, o regime
contratual será público e, na ausência de norma geral nacional sobre o instituto
da concessão de bens públicos, seu conteúdo poderá ser objeto de disciplina
pelos próprios entes políticos titulares do domínio (art. 18, CF).
Com efeito, se a Administração toma determinado bem móvel ou imóvel em
locação, nem por isso o bem se torna de imediato interesse público, como
ocorreria, por exemplo, se fosse declarado de utilidade pública para fins de
expropriação; o interesse público é, portanto, apenas mediato, pois, com sua
utilização, a Administração passará a ter, hipoteticamente, condições de
atender, então sim, imediatamente, alguma finalidade específica que a lei lhe
cometeu. Este contrato, por não visar a um objeto de interesse público
imediato, terá plena validade, venha ou não a ser efetivamente atendido
qualquer interesse que a Administração porventura pudesse ter tido em mira ao
celebrá-lo, salvo se constar expressamente do contrato.
Diversamente ocorre quando a Administração dá em locação um bem de seu
domínio. Neste caso, a prestação do contratante privado é de imediato interesse
público, pois o aluguel constituir-se-á numa receita pública. O objeto do
contrato se submete ao direito público, e ele terá eficácia, se sua finalidade, de
gerar renda adequada a seu valor de uso, estiver sendo atendida, devendo ser
disciplinado por lei de qualquer das esferas federativas, geralmente sob a
denominação, mais apropriada, de concessão de uso (...). (MOREIRA NETO,
2005, p. 176)
Por outro lado, Marçal Justen Filho faz importante ressalva sobre o
assunto:
É necessário aperfeiçoar esse enfoque, para destacar que os bens públicos não
afetados comportam utilização em condições menos rigorosas ou severas do
que as previstas em relação aos bens afetados à satisfação de necessidades
coletivas. No entanto e como os bens dominicais não são objeto de uma
relação própria de direito privado, a sua utilização por particulares nunca será
disciplinada exata e precisamente pelas regras do direito privado. Sempre
haverá características diferenciais relacionadas com a eventual identificação da
utilidade do bem para fins de interesse coletivo. (JUSTEN FILHO, 2010, p.
1081).
Portanto, certo é que nas locações de bem público, sendo o ente federal
locador ou locatário, imprescindível que sejam aplicadas as normas tipicamente
de Direito Público. Porém, na medida em que o caso em concreto exigir, normas
de direito público mais específicas e até mesmo institutos de direito privado
podem ser observados, desde que não desrespeitem os interesses da coletividade,
e de forma a atender melhor as especificidades daquele caso. É o que pode
ocorrer com o arrendamento rural de bem público, o qual, de acordo com o
Decreto-Lei nº 9.760/1946 seria uma modalidade de locação (art. 64, § 1º; e art.
96).
Nesses casos, de contratos de arrendamento rural de imóvel público, as
peculiaridades são indubitavelmente maiores. Isto porque as avenças
estabelecidas nos contratos de arrendamento rural de imóveis públicos deverão
seguir os parâmetros indicados pelas normas de Direito Administrativo, não
sendo possível a aplicação direta das regulamentações previstas pelas normas de
Direito Agrário, em que pese a finalidade seja a exploração da atividade agrária
pelo arrendatário. Porém, diante da lacuna normativa, é salutar que a legislação
agrária referente aos contratos de arrendamento (em especial as disposições
contidas no art. 95 do Estatuto da Terra) seja observada como parâmetro para a
elaboração dos contratos de arrendamento de áreas públicas, mas devendo ter o
cuidado para compatibilizar as cláusulas aos parâmetros delineados pela
legislação administrativa afeta aos contratos agrários, mormente aos princípios
constitucionais aplicáveis às respectivas modalidades contratuais.
4 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AOS CONTRATOS
ADMINISTRATIVOS A SEREM OBSERVADOS NOS CONTRATOS DE
ARRENDAMENTO RURAL DE IMÓVEIS PÚBLICOS
Sabe-se que toda e qualquer relação que envolva a Administração Pública
é embasada por princípios constitucionais, expressamente previstos ou não, mas
de aplicação essencial.
Como já explanado, mesmo que se esteja diante de um contrato de Direito
Privado da Administração, tais princípios devem ser observados.
De forma explícita, a Constituição Federal, no seu art. 37, reportou os
princípios básicos aplicáveis preponderantemente à execução das atividades da
administração pública, quais sejam: princípio da legalidade, da impessoalidade,
da moralidade, da publicidade e da eficiência.
Além desses princípios, devem ser mencionados outros, também explícitos
na Constituição Federal de 1988, porém, em outros dispositivos, e ainda aqueles
decorrentes desses que se encontram implícitos na Constituição, mas igualmente
relevantes para consagrar direitos e garantias dos administrados.
Dentre esses, destaca-se o Princípio da Supremacia do Interesse Público
sobre o Privado, o qual é princípio geral de Direito inerente a qualquer
sociedade. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, trata-se de “um pressuposto
lógico do convívio social”, mas que ainda restam evidenciados na Lei Maior ao
tratar dos institutos da desapropriação e da requisição - conforme conta no art.
5º, XXIV e XXV, da Constituição Federal de 1988 (MELLO, 2012, p. 99).
Diferentemente das relações tipicamente privadas, em que há uma
presunção de igualdade da vontade das partes, podendo dispor, como regra geral,
livremente sobre seus interesses privados, nas relações públicas, “a lei capta e
identifica um determinado interesse geral, define-o como um interesse público e,
com isso, prioriza seu atendimento sobre os demais interesses, em certas
condições” (MOREIRA NETO, 2005, p. 90). Da mesma forma, a execução da
lei pela Administração Pública tem o objetivo primordial de atender os interesses
públicos.
Esse princípio está expressamente previsto no art. 2º, caput, da Lei nº
9.784/1999, restando indubitável, pela leitura do parágrafo único, inciso II, a
irrenunciabilidade do interesse público pela autoridade administrativa.
Outros princípios, não contemplados no art. 37 da Constituição Federal de
1988, mas que igualmente merecem destaque são o da Razoabilidade e da
Proporcionalidade. Celso Antônio Bandeira de Mello (MELLO, 2012, p. 112)
explica que o princípio da razoabilidade fundamenta-se nos mesmos preceitos
que arrimam constitucionalmente os princípios da legalidade e o da finalidade
(arts. 5º, II e LXIX, 37 e 84). É, pois, um princípio muito abrangente, que impõe
limitações à discricionariedade administrativa e amplia o âmbito de apreciação
do ato administrativo pelo Poder Público (DI PIETRO, 2010, p. 79).
Nesse sentido, tem-se que o princípio da proporcionalidade constitui um
dos aspectos contidos no princípio da razoabilidade, visto que este exige
proporcionalidade entre os meios utilizados pela Administração e seus fins
pretendidos. “E essa proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios
pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns na sociedade em que
vive, e não pode ser medida diante dos termos frios da lei, mas diante do caso
concreto” (DI PIETRO, 2010, p. 80).
Ainda, se pode trazer ao presente estudo o princípio da segurança jurídica
que, apesar de não se encontrar na Constituição nenhum dispositivo específico
mencionando este princípio, ele está inserido nesta Lei Maior, fazendo parte
como um todo no sistema constitucional. Nas palavras de Celso Antônio
Bandeira de Mello:
Esta “segurança jurídica” coincide com uma das mais profundas aspirações do
Homem: o da segurança em si mesma, a da certeza possível em relação ao que
o cerca, sendo esta uma busca permanente do ser humano. É a insopitável
necessidade de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estável, ou
relativamente estável, o que permite vislumbrar com alguma previsibilidade o
futuro; é ela, pois, que enseja projetar e iniciar, consequentemente – e não
aleatoriamente, ao mero sabor do acaso -, comportamentos cujos frutos são
esperáveis a médio e longo prazo. Dita previsibilidade é, portanto, o que
condiciona a ação humana. Esta é a normalidade das coisas. (MELLO, 2012, p.
127)
Voltando-se aos princípios expressamente previstos no art. 37 da
Constituição Federal de 1988, tem-se primeiramente o Princípio da legalidade,
que é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, pelo qual se entende
que a vontade da Administração Pública é a que decorre da lei. Assim, a
Administração Pública só pode fazer o que a lei permite.
Quanto ao Princípio da impessoalidade, se entende que a Administração
deve exigir impessoalidade tanto com relação aos administrados como à própria
administração. Assim, no primeiro sentido, a impessoalidade recai sobre a
finalidade pública, ou seja, “a Administração não pode atuar com vistas a
prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o
interesse púbico que tem que nortear o seu comportamento” (DI PIETRO, 2010,
p. 67).
Sobre o segundo sentido, se extrai que as realizações, no âmbito da
Administração, são imputáveis ao órgão ou entidade administrativa, que
expressam a vontade estatal, e não ao funcionário ou autoridade que as pratica.
Já pelo Princípio da publicidade se exige ampla divulgação dos atos
praticados pela Administração, com ressalvas àqueles em que se deve respeitar o
sigilo por previsão legal.
Com relação à moralidade administrativa, Diogo de Figueiredo Moreira
Neto muito bem sintetiza o seu significado:
Para bem compreender o correto alcance dessa regra moral na Administração
Pública, é preciso considerar que o dever de seus agentes não é apenas o da
mera gestão dos interesses públicos a eles confiados, mas, além dele, como se
afirmou, o de bem administrá-los. Enquanto a observância da moral comum é
suficiente para qualquer administrador privado, o administrador público se
sujeita, por acréscimo, a regras, estejam elas escritas ou não, que dele exigem
fidelidade ao fim institucional de cada ato praticado na gestão da coisa pública.
(MOREIRA NETO, 2005, p. 97)
Por fim, o Princípio da eficiência administrativa pode ser entendido, em
suma, como a realização da gestão pública da melhor forma, atendendo à
satisfação da sociedade de maneira menos onerosa possível.
Quanto à remuneração pela fruição de bem público, Marçal Justen Filho
defende que “deve ser compatível com os princípios jurídicos da isonomia,
proporcionalidade e legalidade, dentre outros”, todos acima analisados, à
exceção da Isonomia que, segundo o autor, “é o fundamento para a exigência de
uma remuneração pelo uso especial de bem público. Essa remuneração deve ser
fixada segundo a intensidade dos benefícios aferidos pelo particular ou dos
encargos decorrentes desse uso peculiar” (JUSTEN FILHO, 2010, p. 1083).
Dessa forma, tais princípios, assim como os demais anteriormente
elencados, de status constitucional, devem ser observados nos contratos que
envolvam a Administração Pública, o que não é diferente quando há locação (ou
arrendamento) de bem público para uso privativo de particular. Não obstante a
possibilidade de utilização de instrumentos de direito privado, como já visto,
esses instrumentos ainda devem se moldar aos referidos princípios, em razão da
presença do Estado nessas relações.
5 A REGULAMENTAÇÃO NA VIA ADMINISTRATIVA PELO EXÉRCITO
BRASILEIRO DOS ARRENDAMENTOS RURAIS DOS IMÓVEIS DA
UNIÃO SOB A SUA JURISDIÇÃO COMO EXEMPLO DE
PREENCHIMENTO DA LACUNA LEGAL
Conforme salientado anteriormente, embora o art. 94 do Estatuto da Terra
reconheça a existência dos contratos de arrendamento rural de imóveis públicos
para a finalidade de exploração da atividade agrária por particulares, existe uma
lacuna normativa regulamentando tal modalidade especial de contrato de
arrendamento. Nesse sentido, a Administração Pública tem expedido atos
administrativos a fim regulamentar a prática dos contratos de arrendamento rural
de áreas públicas, prática existente especialmente envolvendo a cessão de
imóveis sob a jurisdição das Forças Armadas.
Nesse sentido, o Exército Brasileiro, por meio da Portaria nº 011 do
Departamento de Engenharia e Construção, de 4 de outubro de 2005, a qual
aprova instruções regulamentadoras de utilização do patrimônio imobiliária da
união sob sua tutela (EXÉRCITO BRASILEIRO, 2005), prevê, no seu art. 17 e
seguintes, disposições referentes aos contratos agrários de arrendamento rural
das respectivas áreas militares. Segundo a Portaria tais contratos são definidos
como “a forma de utilização pela qual o Comando do Exército cede um imóvel a
terceiros, para fins de exploração de frutos ou prestação de serviços, mediante o
pagamento de quantia periódica denominada renda” (art. 17, caput).
Importante referir que a Portaria nº 011-DEC/2005 traz uma série de
disposições em observância às normas de Direito Administrativo referentes aos
contratos administrativos, a exemplo da necessidade de observância de
procedimento licitatório, a supremacia do interesse público ao ressalvar o uso
das áreas arrendadas para a realização de atividades militares (art. 18), análise da
conveniência, oportunidade e viabilidade econômica do ato administrativo que
elabora o processo de arrendamento rural (art. 21), inexistência de renovação
automática, dentre outras disposições que acabam por diferenciar essa
modalidade especial de arrendamento rural daquela celebrada entre particulares,
prevista pelas normas de Direito Agrário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em que pese existir previsão legal contida no art. 94 do Estatuto da Terra
reconhecendo a possibilidade excepcional de que as terras pertencentes ao Poder
Público possam ser cedidas a particulares para que nelas exerçam atividade
agrária, durante a pesquisa que embasou o presente trabalho, constatou-se a
existência de uma lacuna normativa (e também doutrinária) acerca do
regramento dessa modalidade especial de arrendamento rural, embora na prática
seja comum observar a celebração de tais contratos, especialmente em áreas
militares.
Além disso, registrou-se que tais modalidades especiais de arrendamento
rural, embora tenham como finalidade a exploração da atividade agrária,
possuem a natureza jurídica de contratos administrativos, razão pela qual as
regras dos contratos agrários do Estatuto da Terra previstas para os contratos
celebrados entre particulares são inaplicáveis, uma vez que as avenças
envolvendo a cessão de imóveis públicos aos particulares acabam se sujeitando à
disciplina jurídica aplicável aos contratos administrativos, em atenção aos
princípios constitucionais que regem a Administração Pública.
Após discorrer sobre o tratamento jurídico dos contratos administrativos,
citou-se o exemplo da Portaria nº 011-DEC/2005 do Exército Brasileiro,
demonstrando que, diante da lacuna legislativa acerca dos contratos de
arrendamento rural de bens públicos, a solução prática para a viabilização da
celebração dessas modalidades contratuais se dá mediante a regulamentação por
meio de atos administrativos.
Para finalizar, embora a presente pesquisa tenha trabalhado com dados
empíricos, ressalta-se que a celebração de contratos de arrendamento de áreas
públicas para a exploração de atividade agrária por particulares, quando viável
na prática, assim como ocorre frequentemente com áreas militares, é plenamente
compatível com os interesses coletivos, na medida em que se acresce utilidade a
tais bens que se revertem em benefício da nação.

REFERÊNCIAS
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CAPÍTULO 21
A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A
PROPRIEDADE CULTURAL
IMATERIAL FRENTE À CULTURA
JURIDICA CRIADA PELO CURSO DE
DIREITO DA UNESP EM FRANCA

ANA CAROLINA WOLFF
Graduada (2012) e Mestre (2015) em Direito pela Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP/Franca). Ex-bolsista PIBIC/CNPq, AREX, PROPe e CAPES. Atuação
na área de Direito, com ênfase em Direito Público, especialmente nos temas de
Direitos Humanos, Direito Ambiental, Direito Agrário e Direito do Patrimônio
Cultural.

ELISABETE MANIGLIA
Possui graduação em Comunicação Social Jornalismo pela Universidade de São
Paulo (1975), graduação em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (1988), mestrado em Direito pela Universidade de São Paulo
(1994) e doutorado em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (2000).Defendeu livre docência em 2007 e atualmente é
professora adjunto da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Agrário e ambiental
rural, atuando principalmente nos seguintes temas: reforma agrária, direito
agrário, trabalho rural, direito empresarial rural e direitos humanos.Sua área de
pesquisa esta voltada neste momento para produção agraria , segurança
alimentar e políticas públicas de sustentabilidade rural. Membro da Comissão de
Direito Agrário, da Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP), Ordem
dos Advogados do Brasil, Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA),
Associação Brasileira de Direito Agrário (ABDA).

RICARDO HAJEL FILHO
Doutorando em Direito (Direito Processual do Trabalho) pela USP - Largo São
Francisco. Mestre pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Fllho -
Unesp - (2003). Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho - Unesp- (1998). Foi pesquisador, com bolsa da Fapesp, tanto
na Graduação como no Mestrado. É professor nos cursos de Especialização da
Unesp-Franca (Direito Processual e Empresarial) e da Escola Superior de
Advocacia -ESA em Rio Claro/SP, onde atuou também como Coordenador. É
professor da Unip-Limeira/SP e das Faculdades Integradas Claretianas de Rio
Claro/SP, nas áreas de Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e
Direito Processual Civil. Advogado.

ENSAIO SOBRE DIRETOS HUMANOS, DIREITO AMBIENTAIS: DIREITO
MATERIAL E IMATERIAL CULTURAL
A ênfase aos direitos humanos é uma realidade interposta nos estudos
jurídicos hodiernos. O ambiental está na meta do politicamente correto e os
direitos materiais e imateriais enfatizam o lado cultural criado pelo povo, numa
perspectiva de manter tradições, expor praticas conhecimentos, e manter a nossa
história. Este trinômio: direitos humanos, meio ambiente e cultura material e
imaterial se relacionam numa perspectiva criada pelo estudo incialmente dos
direitos humanos. Este, dividido didaticamente em três dimensões apresenta o
lado ultimo a ser estudado como sendo os direitos humanos da terceira
dimensão, ou seja, o direito do meio ambiente, o direito da paz, o direito da
solidariedade, o direito coletivo, numa perspectiva de natureza jurídica difusa.
Passa–se a considerar que o meio ambiente protegido em toda sua
extensão representa qualidade de vida, que propicia ao ser humano saúde, vida
adequada, meio ambiente de trabalho saudável e cultura que possa ser protegida
e repassada para as gerações futuras. Extrai-se a versão que meio ambiente é
direito humano e que o direto ambiental é a interação do conjunto de elementos
naturais, artificiais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da
vida em todas suas formas. (SILVA, 2009, P201) Assim pode-se dizer que o
direito ambiental não se resume ao aspecto naturalístico, mas comporta uma
conotação abrangente, holística compreensiva de tudo o que cerca e condiciona o
homem em sua existência e no seu desenvolvimento na comunidade a que
pertence e na interação do ecossistema que o cerca (MANCUSO, 2011, p. 94).
Neste raciocínio é mister romper com as velhas concepções sobre meio
ambiente que é algo que vai muito muito além do seu simples aspecto natural.
Somente assim é passível de receber proteção integral em toda sua inteireza
assegurando que os bens de valor cultural também são essenciais à sadia
qualidade de vida. Hoje é bastante difícil diferenciar o que é natural do que é
cultural, sendo muito rara a existência de lugares na Terra que não sofreram os
impactos da atividade humana. O que se observa, portanto é a aproximação entre
aquilo que é dado – meio ambiente natural e aquilo que é criado – meio
ambiente cultural (WOLFF, 2015 p; 72.). A simbiose entre meio ambiente,
direitos humanos e cultura é tratada no universo jurídico por meio de leis, teorias
e jurisprudência.
O meio ambiente em toda sua plenitude e de um ponto de vista humanista,
compreende a natureza e as modificações que nela vem introduzindo o ser
humano. Assim o meio ambiente é composto pela terra, a agua, o ar. A flora, a
fauna, as edificações, as obras de arte e os elementos subjetivos e evocativos
como a beleza da paisagem ou a lembrança do passado, inscrições marcos ou
sinais de fatos naturais ou da passagem dos seres humanos. Desta forma, para
compreender o meio ambiente é tão importante a montanha, como a evocação
mística que dela faça o povo. (SOUZA FILHO, 2011, p. 15).
Visto esta postura holística do direito ambiental na visão teórica, é preciso
repassar o suporte legal que embasa os preceitos ambientais no seu todo. São
eles o art. 216 da Constituição que trata do patrimônio cultural brasileiro e que
em seus incisos(V) e artigos (III E IV) cuidam de dizer que os sítios e paisagens
artísticas, arqueológicas ecológicas e científicas embora sejam patrimônio
natural são também bens culturais. O SNUC – Sistema Nacional de conservação
da Natureza tem como meta proteger os bens naturais relevantes, mas, também o
aspecto arqueológico, paleontológico e cultural (Lei 9985/2000) e a Lei de
Crimes Ambientais (Lei 9605/98) , que possui uma seção especifica de crimes,
contra o patrimônio cultural.
Corroborando os pensamentos ambientalistas é necessário dizer que a
proteção cultural se mescla por vezes, com o meio natural e que a proteção a
ambas se faz pela atuação do Poder Publico no âmbito administrativo, legislativo
e até no judiciário e independentemente do nível de reconhecimento, do valor
cultural de determinado bem e da comunidade, por força do art. 225 da CF, que
impõe a todos a responsabilidade pela manutenção do meio ambiente, Sob a luz
da competência é reponsabilidade comum de todos os entes, União, Estados,
Distrito Federal e municípios proteger os documentos, obras de arte e outros
bens de valor histórico artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais
notáveis e os sítios arqueológicos. (art. 23 CF). Portanto o patrimônio é visto
como sendo brasileiro e não de uma dada região, o que é protegido em uma
esfera, vale para todas.
De suma importância é o principio da função sócio cultural da propriedade
trazido na CF. art. 5 inciso XXIII e art. 171 inciso III e no art. 1228 paragrafo 1
do Código Civil. Sob a luz destes princípios legais. os proprietários de bens
culturais devem exercer seu direito de propriedade em seu interesse, mas,
sobremaneira em beneficio da coletividade. Para o alcance da função social,
ambiental e cultural da propriedade, o poder publico, pode se valer de
instrumentos que imponham ao proprietário, comportamentos positivos, e não
meramente a abstenção para que sua propriedade promova a preservação do
meio ambiente cultural (MIRANDA, 2006 p 28),
Ensina SOUZA FILHO (2011, p. 27) que o fato de um imóvel ser
residência, incide sobre ele, a função social de moradia, porem se ele se
transforma também em um patrimônio cultural e (fatos corriqueiros em cidades
históricas como Tiradentes, Outo Preto, Diamantina e outras tantas) passa a
partir de então, ter sua função social ampliada, agregando valor. A Constituição
Federal no seu art. 215 dispôs sobre os bens ambientais incluindo os culturais e
diz que o Estado deve garantir a todos o pleno exercício dos bens culturais e o
acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivara a valorização e a
difusão das manifestações culturais. Estes bens por seu turno, não passam a ser
públicos, se particulares forem, porém ganham a designação de bens de interesse
publico. (Miranda 2006, p 30-31) Este fato é bem típico do patrimônio cultural
material, que sendo devidamente protegido passa a gerações futuras construindo
uma história não só para o povo, mas, para cada pessoa que ali se interage,
como cidadão de um Estado. Portanto os bens culturais, quer materiais, ou
imateriais, se revestem de passado, presente e futuro e, são parte de uma riqueza
popular, que conta o nascimento, a elaboração, a cultuação de uma coletividade.
com características impares, que em hipótese alguma, invocando mesmo. danos
morais e financeiros, não pode ser destruído. Destarte estes bens trazem
juridicamente, princípios lineares que garantem sua proteção. São eles, a saber:
Principio da solidariedade Inter geracional: e impõe um dever de proteção
em relação aos bens culturais, para que eles se garantam para as gerações
futuras, com dinamização e atualização. Principio da prevenção de danos:
havendo possibilidade de danos todas as decisões devem ser tomadas para
impedir, principalmente porque se esta a frente de danos irreversíveis e as
ameaças de dano devem ser tratadas com punição (art., 216 paragrafo 4º CF)
Principio da responsabilização: na impossibilidade de não ter havido
prevenção e acontecer danos, a responsabilidade deve se dar nos três níveis,
civil, administrativo e penal, podendo haver danos morais coletivos, quando
houver ruina ou desaparecimento de bens culturais. Princípio da Participação
popular: ocorre entre a sociedade e o Estado com o intuito de solucionar os
problemas culturais que devem ter em mente, a educação patrimonial associada
ao bem cultural como fonte de conhecimentos. Principio da Informação:
bastante negligenciado este principio, que tem como escopo prestar informações
e não realizar omissões, deriva dos órgãos públicos, que em paralelo com a
informação deve fazer publicidade e transparência, o que significa acesso a base
de dados, projetos, resultados. A informação gera participação que se completa
com a educação patrimonial. Educação Patrimonial: consiste no principio que
gera a cultura como fonte de conhecimentos por meio de programas educativos,
que deve envolver a comunidade na gestão dos conhecimentos e troca de
saberes.
Listados os princípios mais amplos temos os princípios mais específicos
do direito patrimonial cultural que são principio da vinculação dos bens
culturais, aos seus locais de origem o que reflete na competência comum da
União, DF, Estados e municípios de impedir a evasão das obras de arte e outros
bens de valor cultural. Os objetos culturais só podem sair do país por meio de
intercambio cientifico e cultural. O principio da proteção do entorno previsto
no Decreto 25/37que proíbe na vizinhança da coisa tombada fazer construção
que impeça a redução da visibilidade, bem como colocar cartazes. Principio
compatível com a natureza do bem que se revela que todo bem cultural tem
que ter um uso e que este uso deve ser harmonizado, com as características
essenciais deste bem. Por fim o principio pro monumento que significa que
mesmo quando não incluído nos inventários , Livros de tombo ou livros de
Registro pode o bem ser merecedor de algum tipo de tutela. O direito brasileiro
tem reconhecido em alguns julgados a tutela a bens que ainda não são
reconhecidos como culturais, pelo Poder Executivo ou Legislativo.
(MARCHESAN, 2013, p. 110).
O termo patrimônio traz em seu bojo a ideia de propriedade. “Num
primeiro momento seu significado é de herança paterna bem de família”,
conjunto de bens susceptíveis de apreciação econômica que são transmitidos de
geração em geração, ou seja, um patrimônio ainda restrito à esfera individual
(MACHADO, 2013, p. 1092). Porem com os ideários da revolução francesa, de
conservação do patrimônio como bem coletivo associado ao sentimento nacional
foi se convertendo no sentido de que patrimônio cultural é o que a humanidade
produziu de melhor. A noção de preservação atrelou-se a ideia de um acervo para
toda humanidade ( teoricamente) principalmente com a criação da UNESCO –
Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. O Brasil
reservou em sua Constituição vigente uma seção inteira para tratar do tema e
definiu:
[...] conjunto de manifestações, realizações e representações de um povo
de uma comunidade. Ele está presente em todos os lugares e atividades:
nas ruas em nossas casas, em nossas danças e musicas, nas artes, nos museus e
escolas, igrejas e praças. Nos nossos modos de dizer, criar e trabalhar. Nos livros
que escrevemos, nas poesias que declamamos, nas brincadeiras que
organizamos, nos cultos que professamos. Ele faz parte do nosso cotidiano e
estabelece as identidades que determinam os valores que defendemos É ele que
nos faz sermos o que somos. Quanto mais cresce e se educa, mais cresce e se
diversifica o patrimônio cultural. O patrimônio cultural de cada comunidade é
importante na formação da identidade de todos nós, brasileiros (IPHAN, 2012, p.
7).
Fontes de cultura diferem de patrimônio cultural conforme Reisewitz,
(2004 p. 86) diz à autora que a Constituição chamou de fontes de cultura, as
manifestações culturais como a vasta rede de significações e linguagens, fruto da
atividade do ser humano, que não tem qualquer limite colocado pela norma
dentro da qual cabem todas as formas e formações do povo brasileiro, suas mais
diversas manifestações culturais, que devem ser valorizadas e difundidas. Assim
conclui-se que patrimônio cultural é uma espécie de fonte de cultura e por isso
recebe a tutela jurídica das fontes de cultura. Porem, mesmo que uma fonte de
cultura não tenha sido patrimonializada por qualquer razão o Estado Brasileiro
realizou um compromisso constitucional em sua constituição de 88, de garantir o
acesso ás fontes de cultura para todos, do qual não pode se escusar. Uma fonte
de cultura poderá ser incluída no patrimônio cultural brasileiro após um processo
de patrimonialização, sempre que houver um nexo vinculante com esse bem,
com a [....] identidade a ação e a memoria dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira (FIORILLO, 2013, p. 383).
Os processos de patrimonialização são em numero de cinco instrumentos
administrativos: inventário, registro, vigilância, tombamento e desapropriação. O
texto constitucional possibilitou a criação de outras formas de acautelamento e
preservação de modo a realizar a máxima proteção dos bens culturais. Todos
envolvem as definições do direito administrativo e aqui não serão tratadas por
ser de conhecimento básico. Os órgãos responsáveis por estes procedimentos são
o IPHAN, Patrimônio Histórico e Artísitico Nacional, IBAMA – Instituo
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis segundo suas
atribuições. Lembra-se que bens imateriais (nosso tema central) são afetos ao
IPHAN e que o INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agraria e
da Fundação Nacional do Índio é essencial na preservação de patrimônio cultural
das comunidades quilombolas e das comunidades indígenas respectivamente. O
poder legislativo poderá decretar um bem, através de lei como sendo um
patrimônio cultural, quando há desinteresse dos órgãos administrativos
competentes. São coisas distintas, pois o processo de tombamento é de natureza
administrativa e a patrimonialização por lei especifica, deriva do poder
legislativo sendo este segundo. a exceção da regra. O Poder Judiciário tem como
atuar não somente em bens culturais decorrentes de processo formal de
patrimonialização, mas todos os bens culturais enquanto fonte de cultura
brasileira que possa a vir ser alvo de lesão ou ameaça de lesão. Isto mostra um
papel proativo e protetivo do juiz, que se encaixam num perfil de um judiciário
que representa a coletividade, os cidadãos na defesa dos direitos humanos
fundamentais.
Milaré (2007, p. 276) defende que a preservação das fontes de cultura e do
patrimônio cultural não é privativa do Poder legislativo nem do Executivo
podendo ser determinada pelo poder Judiciário. Esta linha é preconizada pela Lei
de Ação Civil Publica que tornou possível tutela do patrimônio cultural
independentemente do critério administrativo Ramos Rodrigues (2005, p. 284)
conclui:
Ora nem a Constituição de 88 nem a lei determinam que esses bens
tenham sido previamente reconhecidos como culturais pelo poder executivo para
ser dignos de proteção do Poder Publico. o valor cultural existe como
característica intrínseca do bem , desde que reconhecido como portador de
referência à identidade ,à ação, à memoria de algum grupo formador da
sociedade brasileira (art. 216 ) já a partir dai cabe ao poder publico em conjunto
com a comunidade protege-lo (art. 216 parag. 1 da CF ) mesmo que não tenha
sido tombado ou protegido formalmente por algum outro instrumento jurídico ,
Portanto é dever do Poder Publico , seja União , Estado município , seja por
intermédio do poder executivo , Legislativo ou Judiciário proteger os vens
integrantes do patrimônio cultural por meio de qualquer forma de acautelamento
ou preservação , desde que tenham algum fundamento legal. É o que ocorre com
a decisão judicial transitada em julgado na ação covil publica art5º LXXIII, CF)
e na ação popular (artº5 LXXIII. CF).
O Patrimônio cultural imaterial deriva do patrimônio cultural material que
sempre foi corpóreo, material sempre ligado a questões de monumentos,
inscrições, grutas, pinturas, conjuntos, prédios ligados a valores universais. Em
oposição a este conceito, os países de terceiro mundo passaram a reivindicar a
realização de estudos para a proposição, em nível internacional de um
instrumento de proteção as manifestações populares de valor cultural
(SANT’ANA, 2009, p. 52) Anos depois em atendimento a esta reivindicação foi
realizada em Paris a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional
Popular durante a 25º Conferencia Geral da UNESCO em 1989. A partir desta
reunião em processo lento iniciou-se o processo onde as praticas culturais
passaram a ter significado de bens patrimoniais em si, sem a intermediação de
objetos. Em 2003 a UNESCP promulgou a Convenção da Salvaguarda do
Patrimônio Cultural Imaterial, definindo este como:
As praticas, representações, expressões, conhecimento e técnicas-junto
com os instrumentos, objetos artefatos e lugares que lhe são associados-que as
comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos reconhecem como
parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial
que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas
comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a
natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade,
contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à
criatividade humana (UNESCO, 2003, on line).
No Brasil pais de profundas diversidades culturais, a definição de um
patrimônio imaterial trouxe um empoderamento e fortalecimento da autonomia
dos detentores e produtores de referência cultural. Os bens culturais passaram a
ser identificados pela própria comunidade como legitima produtora e
beneficiaria dos bens culturais com o Poder Publico contribuindo com uma
maior garantia de efetiva preservação (RODRIGUES 2012b. p. 95.).
Mormente o art. 216 da CF aqui já tratado se constitui na Constituição
como certamente um dos mais avançados do mundo, devido a sua abrangência
capaz de dar guarida às referências culturais de todos os grupos formadores da
sociedade brasileira e sua determinação do dever de preservação do Estado em
colaboração com a comunidade detentora de uma referência cultural. Este
mandamento constitucional comtemplou que o principal critério de avalição para
a referência cultural não é mais a monumentalidade como costumava ser antes,
mas, o fato de ser referência cultural, isto é ser representativa ou evocativa da
cultura brasileira (SOUZA FILHO (2011, p. 65.).
Frente a esta ampliação foi necessário criar o Registro de Bens Culturais
de Natureza Imaterial regido pelo Decreto Federal n. 3551/00que regulamentou–
se um instrumento hábil para preservar os bens culturais imateriais. O registro é
um recurso de reconhecimento e valorização do patrimônio imaterial. Ele
corresponde à identificação e a produção de conhecimento sobre o bem cultural,
de natureza imaterial e equivale a documentar pelos meios adequados o passado
e o presente, dessas manifestações em suas diferentes versões tomando tais
informações amplamente acessíveis ao publico. (SANT’ANA 2009, p. 55.)
O processo de registro pode ser instaurado pelo Ministro da Cultura, às
Secretarias dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal e por fim às
sociedades ou associações civis. Consagra-se assim a participação popular.
Ainda, deveria ser incluída neste rol, a possibilidade de qualquer cidadão,
provocar o processo de registro. O registro será supervisionado pelo IPHAN que
pós parecer, enviara ao conselho consultivo do Patrimônio Cultural de formação
multidisciplinar para verificação a existência de requisitos formais e matérias
para o devido registro. Sobre os registros formais devera constar a descrição
pormenorizada do bem a ser registrado, acompanhada da descrição
correspondente, com a menção de todos os elementos que lhes sejam
culturalmente relevantes. Por sua vez os requisitos materiais são a continuidade
histórica do bem e sua relevância nacional para a memoria, identidade e a
formação da sociedade brasileira.
O registro da continuidade é fundamental para se provar que o bem
cultural não esta sendo congelado, ao contrario, esta sempre em transformação
Sobre o tempo necessário para se constituir manifestação cultural Paulo Afonso
Machado (2013, p. 1102) entende que dez anos seriam suficientes). O requisito
material de relevância nacional é criticado pelos ambientalistas por barrar
manifestações regionais e municipais. Chegam às raias de considerar este
dispositivo inconstitucional. São quatro os livros de Registro: Registro dos
Saberes onde se registram os conhecimentos e modos de fazer enraizado no
cotidiano das comunidades, como as atividades desenvolvidas por atores sociais
reconhecidos como conhecedores de saberes técnico e de matérias primas que
identifiquem um grupo social ou uma localidade. Registro das Formas de
Expressão inclui as manifestações literárias, musicais plásticas cênicas e lúdicas
que são as formas de comunicação de um grupo social de uma região
desenvolvida por atores sociais reconhecidos pela própria comunidade e em
relação {às quais o costume refine normas, expectativas e padrões de qualidade.
Registro das Celebrações abrange os rituais e festas que marcam a vivência
coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras praticas da
vida social. Tratam-se das ocasiões diferenciadas de sociabilidade que
participam fortemente da produção de sentidos específicos de lugar e territórios
nas quais se incluem os principais ritos e festividades associados à religiosidade,
civilidade, ciclos do calendário, etc. Registro dos Lugares é aquele no qual se
registra os mercados, as feiras, os santuários, as praças e demais espaços onde os
indivíduos de uma sociedade concentram-se e reproduzem praticas culturais e
coletivas, ou seja, aqueles lugares que possuem um sentido cultural diferenciado
para a população local, independentemente de qualidade arquitetônica.
Com a inscrição de um bem cultural em um dos livros de Registro
outorga-lhe o titulo de Patrimônio Cultural do Brasil que cria para o Poder
Publico a obrigação de documentar e dar ampla divulgação a esse bem de modo
que toda sociedade possa ter acesso a informações sobre sua origem sua
trajetória e as transformações por que passaram ao longo do tempo, seus modos
de produção, seus produtos, o modo como é consumido e como circula entre os
diferentes grupos da sociedade entre outros aspectos relevantes (IPNHAN 2012,
p. 23). O Programa Nacional de Proteção do Patrimônio Imaterial-PNPI é uma
maneira de o governo federal apoiar e fomentar por meio de parcerias com
governos, federal estaduais, municipais universidades, organizações não
governamentais, agências de desenvolvimento e organizações privadas ligadas a
cultura e à pesquisa, projetos de identificação reconhecimento salvaguarda e
promoção da dimensão imaterial do patrimônio cultural. Cada plano de
salvaguarda deve ser diferente do outro o que permite a flexibilidade, mas o
plano é essencial para que a proteção se estenda além da titulação e da
documentação de bens culturais. O registro não deve ser um fim em si mesmo,
mas sim o ponto de partida da complexa tarefa de preservação e para dar
continuidade à tradição. São muitas as formas de tradição cultural imaterial já
registradas no Brasil, porem, muitas ainda não foram descobertas e outras se
encontram em fase de processo de registro. O que não pode se perder é a cultura
e a tradição de um povo, são estes os indicadores de nossa história que são
fundamentais para a formação do povo brasileiro e sua preservação social. Da
mesma forma não se deve esquecer que as manifestações culturais não
registradas, as fontes de cultura, também devem ser protegidas e ter seu espaço
na vida do Brasil.
Neste raciocínio de formação cultural e identificação ligada ao patrimônio
cultural imaterial passa-se a tratar de uma realidade trazida pela história e
formação daquilo que tradicionalmente passou a ser conhecido durantes os
últimos trinta anos como sendo “Direito UNESP” em todo território nacional. A
historia de um curso no interior do Estado de São Paulo na barranca do Rio
Grande,( expressão usada pelo Prof. Machado do curso Direito/Unesp) quase na
divisa de Minas Gerais, modificou padrões de cultura jurídica, estabeleceu a
pesquisa como meta para transformar o direito técnico, trouxe o direito ciência,
para debates e reflexão e ainda a extensão do direito pratica, para modificar o
ambiente social da região . Mas este conjunto de ensinamentos não se prendeu
ao norte paulista, caminhou pelo Brasil levando profissionais para todas as
cidades distantes de outros estados sempre com a marca Direito UNESP o que
passou a significar, aprendizado social no meio jurídico, com pesquisa pratica e
humanização com uma comunidade unida e despojada. Por mais que a missão
seja ligada ao empresariado, à pratica advocatícia, a magistratura, quer estadual
ou federal ao ministério publico federal e estadual, a defensoria publica ou da
União às salas das universidades publicas e particulares e a outras funções do
Direito, o aluno Direito UNESP é reconhecido no seu perfil, questionador,
intrigante, participante e comprometedor com a Justiça.
Falar de um curso de direito do interior frente a um curso da capital com
tradição mais que centenária, de uma universidade mundialmente reconhecida e
onde muitos de nos, docentes da UNESP lá estudamos não tem o sentido de
comparar ou querer ser superior. Trata-se apenas de mostrar um lado de cultura
imaterial fundada nas praticas interioranas, calcadas na amizade, decorrente da
proximidade, das festas onde todos se encontram, dos passeios na praça
discutindo a nova versão legal de algum decreto. Nos protestos contra isto,
contra aquilo. Com a intenção de somente contradizer, de brincar com o colega
que carrega no erre, de imitar o paulistano com o sotaque do Brás e depois tudo
acabar na republica com um bom vinho para afastar o frio da Franca. Este curso
que surgiu como a segunda opção publica no Estado de São Paulo não esperava
ter o renome e a tradição que atingiu. A história demonstrou que o Direito
UNESP é sem duvida uma tradição histórica cultural jurídica. E porque direito
UNESP? Ficou assim conhecido para se diferenciar do direito da UNIFRAN
(Faculdade particular) e do Direito da Municipal (faculdade com mais de 60
anos na cidade.). Assim na apresentação, o aluno já dizia sou direito UNESP
para mostrar que ele cursava esta faculdade estadual que tinha como
peculiaridade abrigar em media 95% de alunos vindos de outros locais não só do
interior. mais da capital do Estado e de lugares diversos do Brasil. Um novo
perfil de estudantes vinha se aconchegar e estudar na Franca (expressão da
tradição francana). Iniciava-se uma nova história cultural na história do Direito
na Franca, no Estado de São Paulo, no Brasil.
Em abril de 1984, o vestibular fora de época anunciava que um novo
Curso de Direito Estadual estava para se iniciar. Dessa vez, era para valer. As
arcadas da São Francisco, pertencentes à Universidade de São Paulo, teriam um
curso coirmão, não para concorrer, mas para se somar à grande disputa por uma
vaga, nos cursos jurídicos estaduais.
A UNESP, UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE
MESQUITA FILHO, no Campus de Franca, selecionaria, através de vestibular,
setenta (70) candidatos, com vagas iguais para o diurno e noturno, para
frequentar o primeiro curso de Direito Estadual radicado no interior paulista. A
honra e glória de tal feito eram comandadas pelo diretor do Campus francano,
Prof. Manoel Nunes Dias, com a colaboração dos docentes Prof. Dr. Ibraim
Hadad, Prof. Dr. João Alves Pereira Penha e Prof. Dr. Paulo de Tarso Oliveira.
Muitos candidatos, desde o início, procuravam adentrar no Direito da UNESP.
Poucos foram os selecionados, pelo pequeno número de vagas a disposição.
Naquele momento, um diferencial se apresentava, grande parte dos estudantes
residia em Franca.
A 1ºTurma foi constituída de forma heterogênea quanto às idades:
mocinhas saídas do colegial, senhores e senhoras já formados em outros cursos,
rapazes mais maduros e com profissão. Mas, com relação aos ideais e lutas, a 1º
turma sempre primou pela homogeneidade. Sempre tivemos, como objetivo,
fazer de nosso curso um dos melhores do país.
A união, a amizade, o coleguismo foram à tônica marcante em nossa
turma. Fato que se comprova pelos laços profundos de amor, traçados ao longo
dos 20 anos de convívio. Os colegas se tornaram amigos, compadres, padrinhos
de casamento, marido e mulher, professores dos filhos, uma grande família se
formou nos cinco anos de UNESP, se prorrogando extramuros e perpetuando nos
dias de hoje. Os colegas de outras cidades frequentavam as casas dos francanos,
onde, entre um lanchinho e outro, estudávamos, discutíamos o andamento do
curso e também se divertíam, em grandes festas.
Esta turma foi marcada pela solidariedade, fato este que sempre nos
impulsionou para conseguirmos bons trunfos. O tempo ingrato separou
fisicamente os colegas, mas a lembrança agradável permaneceu nos corações. O
exemplo destas salas (diurno e noturno) perpetuou nas outras gerações que
vieram entrando neste espaço acadêmico privilegiado que funcionava junto com
os cursos de serviço social e história da UNESP, no prédio tombado pelo
patrimônio histórico onde em tempos passados funcionou o Colégio Nossa
senhora de Lourdes inaugurado no século XIX e que permaneceu aberto até
1969.
O espaço físico ajudava em muito o propósito cultural, O prédio com
amplas salas de pé direito alto, janelões de venezianas, escadas de mármores
franceses, porões, imagens de santas deixadas pelas freiras de São Jose, e para
completar um lindo pé de flamboyant, que na primavera entrava com seus galhos
floridos na sala do primeiro ano de direito. Este prédio continha na parte de
baixo, arcos modestos, mas, havia arcos como na São Francisco em São Paulo. E
o sonho de muitos alunos e em especial do Prof. Clovis de Carvalho Junior
professor do curso desde 1985 até a sua morte em 2002, resumia em deixar o
curso de Direto funcionando sozinho neste edifico, para ser conhecido como
Direito UNESP - as Arcadas do Interior Paulista. O sonho não foi realizado. O
Prédio do Direto UNESP foi transferido para o campus junto com os demais
cursos e as arcadas passaram para o Estado de São Paulo para o funcionamento
de diversas secretarias de cunho fiscal, previdenciário e apoio. Mas, muitas
turmas desfrutaram deste espaço. Por vinte e três anos alunos conviveram neste
monumento cultural e muitas histórias do passado foram repetidas de turma em
turma como a história da freirinha que passeava nos corredores noturnos
gemendo. Os professores que usavam o alojamento não confirmavam, mas
também não desmentiam.
O curso formou a primeira turma em janeiro de 1989 e desta turma quatro
ex-alunos logo entraram como docentes do Direito UNESP. O mesclado de
alunos e ex-alunos foi vital na luta para aperfeiçoar o curso. Desde então no tripé
da Universidade o ensino, a pesquisa e a extensão passaram a ser trabalhados
pelos discentes em parceria com os docentes. Bolsas da FAPESP – Fundação de
Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo comtemplavam estes alunos que
ainda não eram muito conhecidos no meio jurídico. Semanas Jurídicas
brindaram a cidade e todo meio universitário foi comtemplado. O entusiasmo
dos palestrantes que vinham para as conferências dos eventos era tamanho com o
bom astral dos alunos e do curso que muitos vieram integrar o corpo docente
deste Direito UNESP.
Os alunos tinham na década de noventa um compromisso fazer deste
Direito o melhor do país. Na época o processo avaliatório, denominado Provão,
trouxe para a cidade a nota cinco o melhor desempenho deste processo. Franca
que já tinha fama de ter bons cursos jurídicos ficou conhecida nacionalmente
como a terra da melhor faculdade de direito do interior. As notas foram cinco
seguidamente em todas as avaliações enquanto durou o Provão. Na prova da
OAB todos alunos sem exceção passavam no primeiro exame. Assim o curso
se consolidou e o Direito UNESP passou a ser a grande estrela jurídica. O
vestibular concorridíssimo e agora já com 50 vagas para o diurno e 60 para o
noturno batia 75 candidatos por vaga. Mesmo com a dificuldade de trazer
docentes para lecionar no interior nunca o curso deixou a fama e a seriedade cair.
Os alunos eram chamados a reponsabilidade de ser Direito UNESP e manter o
perfil de brilhantes em todas as áreas. A esta altura profissionais estavam em
todo o Brasil levando o nome e a tradição do Direito UNESP
Mas o que fazia este curso ser especial? Problemas havia muitos. Falta de
professores compromissados em viajar todas as semanas para Franca era um
destes problemas, outro era a rotatividade de docentes que se inscreviam nos
concursos, passavam, davam dois ou três meses de aula e logo depois iam
embora levando em seu currículo ter passado e lecionando em uma instituição
publica que se destacava. Os alunos e docentes fiéis ao campus de Franca logo
perceberam este mecanismo a qual foi chamado de trampolim , logo foi brecado.
Estes procedimentos nas entrevistas dos concursos, por que afora a despesa com
o dinheiro publico o curso não merecia aproveitadores. Os alunos unidos com os
docentes buscaram outras soluções e a solidariedade e o amor ao curso, mais
uma vez, falaram alto e os problemas foram vencidos. O curso tinha na verdade
união, pessoas serias no seu comando, funcionários que torciam pelo sucesso e,
sobretudo alunos comprometidos com o estudo com o curso e com a tradição.
Neste interim já havia sido fundada a Pós Graduação em Direito com o
curso de mestrado e doutorado, sendo que este ultimo infelizmente, por deslizes
administrativos e falta de orientação da reitoria à época, foi fechado por gestores,
no inicio de 2000. Mas o mestrado formou muitos docentes preparados que
posteriormente foram cursar doutorado e retornaram a UNESP. O Mestrado
também caminhou no sentido da graduação. O conteúdo humanizado a
preocupação com o social e o anseio de justiça continuaram como marcas do
Direto UNESP agora em nível de mestrado. Este processo solidário esta vontade
de pesquisar e agir em prol da sociedade irradiou inclusive os mestrandos, que
vinham de outras instituições. Com três, no máximo cinco meses de convivência,
estes discentes já estavam no convívio e na sintonia jurídica unespiana.
No transcorrer do século XXI a comunidade do direito UNESP passou a
conviver com a tecnologia com as redes sociais com o avanço das comunicações
e com um novo campus que estava sendo construído. Foram tempos de ebulição,
protestos para ficar no centro da cidade, politica avaliatória em mudança,
conteúdos interdisciplinares, governos populares, discussões ideológicas e um
novo rumo para o Direito, mas, em nenhum momento o carisma, o brilho o amor
do direito UNESP foi apagado. As pesquisas tomaram rumos mais sociais que
jurídicos a luta pelo empoderamento das mulheres, contra o preconceito, contra
o racismo contra as diferenças religiosas foram ocupando o espaço das pesquisas
A internacionalização da UNESP trouxe a baila a convivência com estrangeiros
nos cursos de graduação e pós, discussão sobre migração e intercâmbios para
países europeus. O Direito ganhou novo espaço físico no Jardim Petraglia
passou a ocupar uma parte do prédio juntamente com os demais cursos inclusive
com o de Relações Internacionais que havia sido aberto. Por economia financeira
á áreas especificas do quinto ano terminaram. Não havia dinheiro para manter
docentes para dar aulas para grupos pequenos de alunos. Mais uma vez
reinventamos o Direito UNESP. As disciplinas especificas como comercio
internacional, previdenciário agrário e ambiental foram mantidas . Não
podíamos abrir mão das nossas especificidades.
De casa nova, com jardins, com uma área para discussão (a várzea) com
tecnologia de ponta com alunos cada vez mais novos nos bancos da
universidade, com redes sociais a todo vapor, com professores que estudaram na
UNESP, já se aposentando, com ex-alunos ocupando os cargos diretivos. Com
novos e simpáticos colegas doutores com vontade de trabalhar, com
programação financeira, reduzida. o Direito UNESP está firme consolidado em
suas tradições e com as mesmas bases de sua fundação. São 35 anos de
existência A cidade reconhece e se curva aos grandes saberes deste curso. O
estado de São Paulo tem em sua maquina administrativa e em seus poderes, um
grande numero de unespianos. O Brasil recebe nas esferas federais e na
advocacia alunos formadas no Direito UNESP. Todos eles ou a grande maioria
esta conectada na rede social se falando e se ajudando mutuamente. Formam
sem dúvida uma cultura jurídica diferenciada que pode sem dúvida ser
transformada em patrimônio cultural imaterial.
Entrementes com que foi apresentado no aspecto teórico o grupo formado
pelo Direito UNESP torna-se um referencial cultural jurídico, com evolução
histórica porem firmado em bases solidas tradicionais. Traz na sua base um
valor de identidade –todos estudaram na UNESP, a ação- caminham em quase
toda maioria para um perfil social humanizado e trazem a memoria- estudantes
que mantem a tradição dos tempos de faculdade. Além do que este trinômio
identidade ação e memoria é uma referência nacional na cultura brasileira e esta
sendo preservada pelos alunos, que mantem as raízes históricas, culturais da
solidariedade, da amizade e dos grupos de trabalho de pesquisa e extensão.
Apesar de sua continuidade histórica, ele também se transforma e se adapta as
transformações. Não tem registro no Patrimônio Cultural, mas possui os
registros necessários, continuidade histórica do bem e sua relevância nacional
para a memoria, a identidade e a formação da sociedade brasileira. No nosso
entender deveria ser inscrito no Registro dos Saberes onde se coloca os
conhecimentos e modos de fazer, enraizados no cotidiano das comunidades.
Direito UNESP deve ser registrado e ter um plano de salvaguarda
correspondente as suas manifestações culturais. Mas caso não se compreenda
esta postura ambiental cultural, há de se entender que em toda fonte de cultura
cabem todas as formas e formações do povo brasileiro e suas mais diversas
manifestações culturais, que devem ser valorizadas e difundidas
independentemente de passar, por um processo de patrimonialização. Direito
UNESP é uma marca, um paradigma uma certificação, oxalá se torne um
patrimônio cultural.
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CAPÍTULO 22
MULTIFUCIONALIDADE DO NOVO
DIREITO AGRÁRIO - DIREITO
AGROALIMENTAR E O DIREITO
FUNDAMENTAL SOCIAL À
SEGURANÇA ALIMENTAR

FREDERICO PRICE GRECHI


Pós-Doutor, Doutor e Mestre em Direito pela UERJ. Advogado e Professor.
Presidente da Comissão de Direito Agrário do Instituto dos Advogados
Brasileiros – IAB e da OAB/RJ.
INTRODUÇÃO
É um privilégio colaborar com a magnífica obra em homenagem ao
estimado Professor Darcy Walmor Zibetti, Presidente da União Brasileira dos
Agraristas Universitários - UBAU[531], o qual vem se dedicando com afinco na
investigação científica[532] e na promoção do Direito Agrário no Brasil[533].
Registre-se, ainda por relevante, que o nosso homenageado, que nasceu no
campo, defende, com veemência e originalidade, que “o agrarismo é uma
doutrina que se caracteriza pela sua transcendência, transversalidade de
conhecimentos e sua universalidade. O objetivo do agrarismo é a produção de
alimentos para humanidade e a preservação do Planeta Terra”.
Nesse contexto, o presente artigo versa sobre a articulação entre o Direito
Agrário e o Direito Agroalimentar, destacando-se os seus fundamentos
constitucionais em comemoração ao 30 (trinta) anos da Constituição da
República Federativa do Brasil.
Na última quadra histórica, o Direito Agrário assumiu novos contornos em
virtude do desenvolvimento científico e dos influxos sociais, políticos e
econômicos, daí porque falar-se em um “novo Direito Agrário”.
Entre os problemas inerentes ao Direito Agrário, destacamos a agricultura
com referência à dimensão do Direito Agroalimentar, enfatizando particular
atenção à procedência dos produtos agrícolas destinados à indústria alimentar e
as consequências da proteção higiênico-sanitária dos consumidores, os quais
habitam, em sua maioria, as áreas urbanas das cidades que, por sua vez, crescem
exponencialmente, sobretudo as chamadas cidades médias com população entre
100 (cem) mil e 500 (quinhentos) mil habitantes.[534]
A noção de segurança alimentar, que começa com a produção no espaço
rural das cidades, exige, assim, uma ordenada e efetiva integração com o espaço
urbano por meio de mecanismos e de ações político-administrativas também
relacionadas, por exemplo, à mobilidade e circulação urbano-rural.
Bem por isso, é, pois, preciso pensar, a um só tempo, na harmonização do
sistema jurídico com o Direito Agroalimentar, espécie do gênero do novo Direito
Agrário, e a adoção conjunta de mecanismos, públicos e privados, assegurando a
tutela adequada, preventiva e repressiva, dos interesses e os direitos individuais e
coletivos da comunidade (v.g., alimentação, saúde, informação, liberdade de
escolha etc.).
No primeira parte do artigo, apresentaremos uma breve digressão sobre a
multifuncionalidade do Direito Agrário, caracterizada pela variedade de funções
da atividade agrária, sob diversos enfoques que enfatizam os sujeitos
(agricultores, empresários, cultivadores, produtores rurais etc.), os bens de
produção e os elementos naturais sobre os quais ela se exerce (solo, terra,
fundo).
Em seguida, na segunda parte do nosso estudo, investigaremos os
contornos da pertinência entre o Direito Agroalimentar e o Direito da Cidade,
identificando os principais elementos de conexão deste em busca de um efetivo
diálogo, de modo a permitir uma interpretação sistemática e coordenada.
Por fim, dedicaremos a terceira parte do artigo à segurança alimentar e as
suas dimensões (quantitativa, qualitativa e etc.), com destaque ao relevante
mecanismo da rastreabilidade como instrumento de gerenciamento informativo
relativo à cadeia alimentar que tem o seu início com a produção de alimentar, em
regra, nos espaços rurais, chegando ao seu termo final com o consumo
notadamente nos centros urbanos das cidades.
1 MULTIFUNCIONALIDADE DO NOVO DIREITO AGRÁRIO.
Após a conquista da sua autonomia científica no século passado[535], nessa
quadra histórica do século XXI, o Direito Agrário vem assumindo contornos
dinâmicos a partir de dimensões funcionais que revelam diversos parâmetros
empregados para descrever os fenômenos da atividade agrária, os quais podem
ser sintetizados nas seguintes fases.
Na fase de Direito genérico da agricultura, o Direito Agrário está
relacionado a um mundo campesino (pessoa campestre), no qual é valorizado o
modo de viver (cultura) e de operar das populações rurais[536]. No Brasil, o
Código Civil de 1916[537] continha, por exemplo, normas que faziam referência
ao proprietário campesino e as regras relativas à acessão pela sementeira e
plantação acentuando, assim, a dimensão do “Direito genérico da
agricultura’[538].
Modernamente, a figura isolada do campesino que desenvolve atividade
rural cede espaço para uma articulação que congrega diversas organizações
camponesas de agricultores pequenos e familiares (v.g. Confederação
Camponesa da França, Via Campesina etc.). E, segundo Bernardo Mançano
Fernandes, “tem como objetivo a construção de um modelo de desenvolvimento
da agricultura, que garanta a soberania alimentar como direito dos povos de
definir sua própria política agrícola, bem como a preservação do meio
ambiente, o desenvolvimento com socialização da terra e da renda”[539].
A fase do Direito das coisas com referência ao “fundo rústico” (“produtos
agrícolas”) enfatiza o perfil objetivo da empresa[540], isto é, o estabelecimento[541],
que no Direito Agrário é denominado fundo rústico, consubstanciado no
conjunto dos elementos materiais e imateriais[542] que imprime o caráter de
elemento base da organização produtiva[543] com vistas à consecução da sua
atividade, por exemplo, de criação de animais ou de cultivo de vegetais.
O Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64, art. 4º) identifica o imóvel rural,
tradicionalmente ligado ao direito das coisas, como elemento essencial da
empresa rural, de pessoa física ou jurídica, pública ou privada[544]. Note-se que os
elementos materiais do fundo rústico já podiam ser inferidos do elenco do art.
781 do Código Civil de 1916[545], que disciplinava o objeto de penhor agrícola.
Entretanto, o progresso técnico aplicado à atividade agrária mitigou a
essencialidade do fundo rústico, sob o aspecto material, para a produção
agrícola, colocando, de acordo com a teoria biológica, o recurso do fenômeno
em si da criação de animais e do cultivo de vegetais como verdadeiramente
essencial[546].
Nesse sentido, Olavo Acyr de Lima Rocha afirma que “foi na biologia, no
ciclo biológico como processo natural, evolutivo, orgânico, não artificial, sujeito
a risco, que se foi buscar os elementos definidores da atividade agrária”,
traçando os contornos da moderna teoria da agrariedade[547].
A vinculação com a propriedade da terra é a fase na qual o Direito Agrário
brasileiro estava ligado ao Direito Civil fundiário e substancialmente regulado
pelo livro da propriedade do Código Civil de 1916. Sob este prisma, a atividade
agrária estaria relacionada, primordialmente, ao modo de exercício da
propriedade imobiliária da terra.[548]
Luciano de Souza Godoy parece compartilhar essa visão ao sustentar que a
especialidade do Direito Agrário, o qual seria um microssistema do Direito
Civil, estaria revelada no valor da produção agrária da propriedade imobiliária,
um de seus principais institutos[549]. Por sua vez, Leandro Ribeiro da Silva
também destaca a relevância da propriedade rural para o Direito Agrário,
manifestando, por outro lado, a sua frustração quanto aos poucos avanços sociais
do Estatuto da Terra[550].
Desde a última quadra do século XX, a propriedade imobiliária rural
isoladamente considerada vem gradativamente deixando de ser o núcleo central
da relações inerentes à produção agrária[551], o que comprova o anacronismo da
definição sugerida, posto que este pensamento pertence a uma determinada
época que não encontra consonância com a atual[552].
A fase do Direito Agrário baseada nos contratos agrários (associativos, de
locação etc.) permitiu o exercício da atividade agrária independentemente da
aquisição da propriedade da terra rural. Nesse sentido, Fabio Maria de Mattia,
citando Emilio Romagnoli, ressalta que “no setor agrário o contrato de locação é
largamente difuso principalmente porque o empresário, empenhado
economicamente na aquisição de capitais e no pagamento do trabalho,
dificilmente pode suportar o posterior esforço necessário para adquirir a
terra”[553]. Todavia, a progressiva restrição à autonomia da vontade decorrente do
crescente dirigismo estatal ensejou limitações à vontade das partes na
contratação agrária (v.g., art. 18, caput, e seu parágrafo único, do Decreto nº
59.566/66)[554], objetivando tutelar a parte mais vulnerável (fraca) na relação
contratual e assegurar a efetividade na utilização do imóvel rural sob o prisma da
produtividade e sustentabilidade. Por outro lado, o incentivo público para
aquisição da terra para a exploração direta pelo proprietário também retirou do
contrato agrário, notadamente do arrendamento rural, a sua centralidade[555].
Apesar disso, o contrato agrário representa um instituto ainda importante para o
Direito Agrário, bastando pensar no grande número de contratos que podem ser
denominados agrários enquanto instrumentos do exercício de uma empresa
agrícola já constituída (v.g. contratos de financiamento, contratos de consórcio,
contratos agroindustriais etc.). Por isso, o contrato agrário não é, por si só, capaz
de subministrar a conotação essencial deste ramo do direito[556].
A fase de identificação o Direito Agrário com o exercício da agricultura na
forma de empresa (perfil subjetivo) em detrimento da propriedade não exige um
extenso discurso, porque há uma rica literatura em matéria de empresa e empresa
agrária[557]. Na Itália com o advento do Código Civil de 1942, no seu artigo
2.135[558], foi positivada a noção de empresário ou empreendedor rural[559]. No
Direito brasileiro, a empresa rural foi inicialmente prevista no artigo 4º do
Estatuto da Terra, definida como “o empreendimento de pessoa física ou
jurídica, pública ou privada, que explore econômica e racionalmente imóvel
rural, dentro de condições de rendimento econômico (...) da região em que se
situe e que explore área mínima agricultável do imóvel segundo padrões fixados,
pública e previamente, pelo Poder Executivo. Para esse fim, equiparam-se às
áreas cultivadas, as pastagens, as matas naturais e artificiais e as áreas
ocupadas com benfeitorias”.
Posteriormente, o Decreto n. 84.685, em seu art. 22, inciso III, alterou a
redação do Estatuto da Terra, estabelecendo nova definição de empresa rural
como “o empreendimento de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que
explore econômica e racionalmente o imóvel rural, dentro das condições de
cumprimento da função social da terra e atendidos simultaneamente os
requisitos seguintes: (a) tenha grau de utilização da terra igual ou superior a
80% (oitenta por cento), calculado na forma da alínea a, do art. 8º; (b) tenha
grau de eficiência na exploração, calculado na forma do art. 10, igual ou
superior a 100% (cem por cento); (c) cumpra integralmente a legislação que
rege as relações de trabalho e os contratos de uso temporário da terra”.
Ao contrário do vigente Código Civil de 2002, que preferiu definir o
empreender ou empresário (individual), o nosso legislador agrarista privilegiou a
noção mais ampla de empresa rural, quando se refere à pessoa física ou jurídica,
ou seja, empresa individual ou coletiva (art. 4º, inciso VI, do Estatuto da Terra).
Isso significa dizer que a titularidade da empresa rural pode ser de um particular
(parterfamilias), empreendimento da família, ou de uma sociedade. Em suma, o
empresário, individual ou coletivo, será aquele que organiza e põe em atividade
os fatores da produção agrícola, pecuária etc.[560] Já a empresa agrária, que se
distingue da empresa rural do Estatuto da Terra, deve ser “compreendida como
uma entidade que tem por objeto o exercício de uma atividade agrária para
finalidades empresariais ou mercadológicas”, de modo que “não importa o
índice de aproveitamento ou eficiência da exploração, ou a exploração de
imóvel situado no meio rural, e nem se leva em conta o cumprimento da função
social da propriedade”[561]. Não obstante, Arnaldo Rizzardo assenta que, “em
ambas as modalidade [empresa rural e empresa agrária], no entanto, está ínsita a
finalidade da exploração de atividades agrárias com vistas a obter lucro”[562].
Como visto, é, pois, relevante e conhecida a noção de empresa em relação
à sistematização doutrinária e jurisprudencial do Direito Agrário. Todavia, é
necessário ainda salientar que, desde algum tempo, começou a suscitar-se uma
dúvida, depois de um quarto de século de grandes ilusões por parte dos
privatistas, da capacidade dos legisladores de tomar e produzir formulações
adequadas e significativamente as redefinidas elaborações e variações sobre o
tema da empresa que a doutrina nos oferece.
Desta feita, não apenas se verificam sintomas de esgotamento na
elaboração da teoria da empresa, sendo que se adverte quase um retrocesso –
perceptível em todo o campo do Direito europeu – a expressa com o tema
empresa. Deveras, o ramo o Direito Agrário positivo, notadamente no Direito
italiano, acabou por ser contagiado mais que os demais ramos, conforme se
infere da circunstância de que cada vez com mais frequência se encontram nas
leis expressões tais como “produção” e “produtores”, ao contrário das
expressões técnicas “empresas” e “empresário”[563].
Recentemente, alguns juristas passaram a sustentar que o Direito Agrário
teria vocação preponderante para a proteção dos recursos naturais, chegando a
definir o Direito Agrário como Direito da natureza[564]. Esta proposição enfática
revela-se exagerada, sendo, pois, fruto de um equívoco que remonta a distinção,
surgida nos estudos dos administrativistas e a agricultura protetora da natureza e
conservadora do meio ambiente.
A proteção dos recursos naturais no meio ambiente é dever de todos,
segundo o mandamento constitucional do art. 225 da CF/88[565]. É, pois, nesse
contexto difuso e participativo de toda a sociedade civil, que, sob a ótica
agrarista, vinculará o empresário às preocupações com a finitude, ou
inesgotabilidade dos recursos naturais, concluindo que “as preocupações
ambientais, com natural reflexo, na valorização das ciências ecológicas,
ampliam, a cada dia, a importância do Direito Agrário”[566].
Efetivamente, sob o enfoque de um primeiro aspecto, a agricultura se
apresenta com o sentido tradicional de produção de bens, ou seja, de atividade de
caráter industrial, com tudo o quanto é conexo mais ou menos diretamente com
as estruturas produtivas. Dessa forma, as intervenções sobre a dimensão de
cultivo, os incentivos financeiros e as ajudas creditícias dos entes públicos
(Comunidade Européia, Estados, Regiões etc.) aos produtores individuais e
associativos etc. Contudo, junto à agricultura-produção sugiram outras funções,
sintetizadas na expressão “agricultura-proteção”, a qual pode ser articulada com
a “defesa do solo”, “parques naturais”, “reserva e zonas úmidas”, “montanhas e
bosques”, “caça e pesca”, “proteção do ambiente natural, da flora e da fauna”
[567]
.
Na Itália, a exigência de definir competências regionais no tema de
agricultura e florestas terminou por deformar o âmbito da agricultura no sentido
próprio e genuíno, incluindo aquele, a rigor, compete à administração pública do
território e seus componentes de natureza heterogênea. A bem da verdade é que
estaríamos diante de duas esferas diferentes, cujas solicitações, sobretudo, se
encontram potencialmente em contraste, no sentido de que satisfazendo
integralmente as exigências da esfera externa (a agricultura de proteção) nascem
vários condicionamentos do regime da esfera interna (a agricultura de produção)
e limitações várias da propriedade fundiária-agrária e das estruturas da empresa
dirigida a produção agrícola. Sem embargo, a atividade da agricultura,
infelizmente, se perpetua numa séria de contradições e conflitos, tais como o
conflito secular entre proprietários e plantadores / trabalhadores rurais
(atualmente, se diz entre propriedade e empresa), e entre utilização agrícola do
solo e utilização urbana[568]; e, agora, como se viu alhures, caminha-se para um
terceiro contraste põe de frente a tutela da produção e a tutela dos bens e valores
que pela produção podem ser ofendidos (violados), ou, mais genericamente, a
tutela de interesse que à agricultura lhe são estranhos, ainda sendo, em alguma
medida, conexos com a temática da localização e o desenvolvimento da empresa
agrícola.
Dessa forma, é também indubitável que o Direito Agrário vem sendo
chamado em causa, não em significado limitado no que foi dito, quando se
constate a obrigatória necessidade de orientar o programa produtivo havia um
modelo que consinta uma disciplina racional de manipulação e da gestão de
recursos naturais. Contudo, a chama em causa vale para qualquer ramo o Direito,
privado ou público, melhor dizendo, é este um dos tantos modos nos quais se
manifesta e se insinuar-se de público ou privado. Não se está, portanto, diante de
uma nova dimensão do Direito Agrário, mas, sim, de uma nova dimensão do
Direito, sem atributos. Tudo isso induz a estimar que o objeto do Direito Agrário
permaneça específico, ou seja, que continue compreendendo um estatuto
específico para a propriedade da terra e dos bens conexos, uma para a atividade
vista como empresa agrícola, um diploma para a categoria dos contratos agrários
etc. Em outras palavras, o Direito Agrário continuará referindo-se a organização
das relações jurídicas relativas à fruição da sede do homem, uma espécie de
fruição que não é a única possível nem a mais importante, tanto é verdade que os
Estados que atravessaram uma fase de intensa industrialização aflora muitas
vezes a tentação de afirmar a primazia de outras formas de fruição, chegando-se
a sustentar a primazia urbanística, por exemplo, no tocante à agricultura.
Consequentemente, não se revela razoável a proposição segundo a qual o uso
competitivo entre a indústria e agricultura dos recursos naturais deveria ser
controlado e regulado pelo Direito Agrário, com precedência a respeito de outras
disciplinas. A razão dessa objeção está assentada na tese de que expressar uma
disciplina dotada de valor para todos os possíveis destinados do território e para
todos os possíveis usos dos recursos não pode ser tarefa exclusiva e nem sequer
principal do Direito Agrário, porque um programa como este não deixa de
respeitar as fronteiras da competência reconhecida ao Direito Agrário
pertencente ao aparato constitucional administrativo responsável do governo da
economia. Outra colocação é que as disposições que têm por objeto a matéria
especificamente agrária deverão refletir e secundar as prescrições de ordem geral
editadas ou a serem editadas com esse propósito específico[569].
Conclui-se que a correta e mais vantajosa gestão dos recursos naturais, a
conversação com o verde, a tutela do solo e a valorização em geral do meio
ambiente, a prevenção à degradação, a luta contra a contaminação da água e do
ar, tudo isto entra no objeto e na finalidade do Direito Agrário, contudo, apenas
indiretamente, ocasionalmente e em todo caso sempre em função do processo
produtivo. Este e apenas este processo, que tem por denominador comum o clico
produtivo de vegetais e a criação de animais dominado por forças biológicas,
representa o dado essencial e constante que nos serve para caracterizar a
matéria[570].
No Direito comparado, o Direito Agrário também é visto, mais
recentemente, como o Direito do Território (Cidade), sugerindo um modo mais
amplo e talvez útil de conceber o Direito Agrário, de maneira que a intenção de
enquadra-lo no âmbito jurídico mais amplo revelaria, em última análise, a
mitigação, por um lado, da sua concepção privatista e, por outro lado, da sua
concepção publicista[571]. Seguramente, os operadores do Direito Agrário não
podem permanecer insensíveis diante da carga da sociabilidade introduzida no
conceito de território, como destinatário de diversas regras jurídicas
convergentes. Em comparação, a noção tradicional de ‘fundo’, padece “abusado”
do ponto de referência principal de uma regulamentação de relações
interprivadas. Em outras palavras, a paisagem do ‘fundo’ que representa o
território de cada uma das empresas e simboliza a prioridade do domínio
individual – o “território” – que pertence ao povo, é uma res communitatis –
parece apto para ser o símbolo de trânsito do privado ao público: um itinerário
obrigado para quem hoje se ocupa das colocações gerais do Direito Agrário.
Contudo, também para o território, assim como para os recursos naturais, é
necessário colocar em relevo que estas considerações não são direcionados
apenas e exclusivamente para o Direito Agrário, mas, evidentemente, interessam
todos os ramos do Direito, todas as denominadas ciências sociais e, ainda,
muitas ciências físicas, as quais também possuem um objeto imediato, que não
podem olvidar a tarefa de fazer a sistematização (em sentido amplo) do
território, este como objetivo ao menos mediato.
É verdade, e é uma reflexão importante, que no campo das ciências sociais
o interesse pelo território se manifestou anteriormente na área do Direito Agrário
antes que em outras partes (reordenação e recomposição do território e, em geral,
no que os franceses indicam com o nome expressivo de management du
territorie). Acrescente-se que, de fato, as primeiras experiências em grande
planificação do espaço pertencem ao Direito Agrário, tais como as colonizações,
as reformas fundiárias são planificações no sentido literal da palavra. Não
obstante isso, uma vez aclaradas as funções primárias e verdadeiramente
essenciais do Direito Agrário, parece evidente que uma competência específica
do Direito Agrário moderno em relação ao território está delineado apenas
quando (e a condição de que) se trate de disciplinar as formas, os limites e as
situações de fruição agrícola e florestal do mesmo território, aos fins da criação
de animais e do cultivo de vegetais. Não respeitando esta condição, forçoso é
reconhecer o afastamento do domínio da agrariedade e da tipicidade do
fenômeno jurídico pertinente ao Direito Agrário[572].
Uma nova e relevante posição doutrinária com ampla ressonância nos
ordenamentos jurídicos estrangeiros e nacional sugere que o Direito Agrário
deva ser, atualmente, Direito Agroalimentar.
Para tanto, são subtraídos os nexos entre a produção agrícola e a indústria
da transformação (indústria agroalimentar). Tais nexos existem com a indústria
alimentar, e não há dúvida, mormente diante do crescente interesse pelos
contratos agroindustriais, os quais são importantes instrumentos negociais de
união entre a agricultura e a indústria[573].
Não obstante, a construção de um Direito Agroalimentar capaz de tomar
exclusivamente o lugar do Direito Agrário convencional, a sugere de uma nova
dimensão não resistiria a objeção de que não todos os produtos agrícolas são
destinados à alimentação, conforme bem pondera Ricardo Zeledon Zeledón:
“Igual criterio podría afirmarse respecto de la alimentación o el surgimiento de
un cierto derecho agroalimentario. En efecto una buena parte de la produción
agrícola es de alimentos. La influencia misma del ambiente há conducido a
formular una certa agricultura multifuncional, plurifuncional, o polifuncional,
respectuosa del ambiente y el ciclo biológico para producir alimentos sanos,
incapaces de causar daños en la salud o la vida de los consumidores. Por eso la
importância de la tutela de los recursos fitogenéticos y zoogenéticos, y la lucha
contra las plagas o la degradación de ellos. El agrario tampoco es derecho de la
alimentación”.[574] Ademais, basta também pensar no cultivo de fibras têxteis,
no tabaco e na floricultura mesmo (as flores, em regra, não são consumidas
como alimento)[575].
Em resposta à crítica de Ricardo Zeledon Zeledón, trazemos à colação à
precisa lição de Ballarín Marcial que, em apertada síntese, sugere que um amplo
significado da denominação “derecho agroalimentario” alberga “todas las
produciones obtenidas en el ager, en el prédio o en el fundo, sean alimentarias o
no, y además aquellas otras que son típicamente alimentarias, obtenidas fuera
de él, y por ello la expresión ‘derecho agrario’ resulta ahora insuficiente,
debiéndose ampliarla para abarcar lo alimentario no agrário, por lo que el
objeto del nuevo derecho agroalimentario nos es y ala tierra, ni siqueira la
empresa, ni la reforma agraria, sino el complejo agroalimentario”[576].
Como se vê, a variedade de funções da atividade agrária, sob diversos
enfoques que enfatizam os sujeitos (agricultores, empresários, cultivadores,
produtores rurais etc.), os bens de produção, os elementos naturais sobre os quais
ela se exerce (solo, terra, fundo), revela, pois, a multifuncionalidade do novo
Direito Agrário.
Corroborando com a noção de pluralidade de funções do novo Direito
Agrário, ensina Flavia Trentini que “a implantação do conceito de
multifuncionalidade é o reconhecimento explícito de que a agricultura não é
somente responsável pela produção de alimentos, mas também pela conservação
dos valores culturais, históricos, ambientais e paisagísticos próprios do mundo
rural. As funções que a Comissão Europeia considera como fomentadoras da
nova agricultura europeia e que permitem falar de multifuncionalidade são,
principalmente: a) produção de alimento para o consumo humano e para a
alimentação animal, assim também outros bens para consumo industrial; b)
defesa dos valores paisagísticos e do meio ambiente; c) incentivos ao
desenvolvimento econômico equilibrado do ponto de vista territorial das áreas
rurais”[577].
Nesse passo, estabeleceremos um diálogo sistemático e coordenado entre
as funções da atividade agrária das suas dimensões Agroalimentar e Territorial
(Cidade), respectivamente, sob os prismas da segurança alimentar e da
planificação e ordenação do territorial.
2 DIÁLOGO ENTRE O DIREITO AGROALIMENTAR E O DIREITO DA
CIDADE.

A evolução jurídica dos contornos do Direito Agroalimentar é tributada
pela doutrina[578] ao maestro espanhol Alberto Ballarín Marcial, o qual sugere
uma descritiva e extensa definição de Direito Agroalimentar, nos seguintes
termos: “es el sistema de normas relativas a la agricultura, o, para ser más
exactos, por ‘atividad agraria’, la de una persona física o jurídica (el agricultor
e empresario) que, a partir de una organización racional mínima estable,
constituida por la tierra y los elementos de cultivo (la explotación) obtiene de
esa tierra todas las producciones vegetables posibles, principalmente de
alimentos para el hombre, de fibras textiles para el vestido, tambíen de flores y
plantas de adorno, de biomassa energética, así como de madera por la
plantación y cuidado de árboles, todo ello, mediante el control de su desarrollo
biológico (por tal razón queda exluida la extracción de materiales de cuevas,
minas, canteras o turberas); lo es también, la de mero cuidado de los
medioambientales, que incluyen la recogida por su titular de leña y frutos
alimentícios espontâneos, o el pastoreo con animales destinados a la
alimentación humana, abarcando la conservación y el embellecimiento del
paisaje; también es actividad agraria la cria de animales en el fundo o fuera de
él, siempre que se destinen al abasto, aí como la cria (acuicultura) u obtención
(pesca) de peces, mariscos, crustáceos o moluscos en toda classe de aguas,
incluídas las marítimas”[579].
Na Argentina, Leonardo Fabio Pastorino sustenta que “la relación entre
actividad primaria y actividades de transformación y comercialización, lo que
Vivanco llamada actividades vinculadas, se hace cada vez más estrecha y se
tiene sensación, siempre mayor, de que el campo produce de acuerdo con las
exigências de las industrias y de los consumidores. Ello lleva a hablar de
derecho agroalimentario, e incluso de derecho alimentario, en el que lo agrario
sería un capítulo inicial mucho menos central respecto de los problemas del
consumo y de los traspasos entre los segundos, terceiros y ulteriores eslabones
por los que el produto transita. Como se vio con la teoria de la empresa, el
derecho agrario regiría solamente la actividad agraria que produce para el
mercado. Esa idea del mercado, por outra parte, está haciendo regular la
actividad agraria cada vez más bajo la idea de cadena de producción, donde se
analisa el produto agrario, a través de los sucessivos passos, hasta llegar al
consumidor. Cada eslabón debe articularse con el outro en forma sincronizada y
armónica para que no existan desajustes en precios, productividad, deficiências
de calidad, etc. Incluso nacen nuevos contratos agrarios, no vinculados con la
obtención del fundo, sino con las etapas posteriores a la producción primaria.
Este derecho agroalimentario se ocuparia del circuito completo, superando el
concepto que centraba la autonomia del derecho agrario exclusivamente en la
primeira etapa productiva”[580].
Na Itália, a doutrina aborda a noção de Direito Agroalimentar a partir do
Regulamento nº 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de
janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação
alimentar, criando a autoridade europeia para a segurança dos alimentos, bem
como estabelece procedimentos em matéria de segurança dos gêneros
alimentícios[581].
Mais recentemente, a definição de Direito Agroalimentar foi ampliada para
também albergar o espaço rural da cidade e ordenação do seu território com
vistas a melhoria da qualidade de vida, de acordo com a lição de “a
conservación y desarrollo constante del medio rural, ‘valorizando el medio
ambiente y el espacio natural, sosteniendo la gestión del território y la mejora
de la calidad de vida en las zonas rurales y promovendo la diversificación de las
actividades económicas’ (las palavras entrecomilladas provienen del R.
1698/2005) sobre la base de comunidades poblacionales vivas y acogedoras de
las nuevas generaciones de agricultores y de los visitantes o turistas en general
o, incluso de quienes prefieren habitar en un ambiente de esse tipo a vivir en la
ciudad”[582].
Eis, aí, o elo de conexão entre o Direito Agroalimentar e o Direito da
Cidade (art. 182 da CF/88). O espaço rural é valorizado a partir da concretização
da multifuncionalidade da agricultura, de modo que se torna imperiosa o
adequado planejamento e gestão do território rural e urbano com vista ao
desenvolvimento sustentável da cidade como um todo[583].
O traço comum entre o rural (meio ambienta natural) e o urbano (meio
ambiente artificial) não pode dispensar a regulação de um sem considerar o
outro. Isso porque, em última análise, os espaços urbanos são frutos das
adaptações do meio ambiente natural às necessidades básicas do homem,
surgindo, daí, o meio ambiente artificial[584].
Por isso, o tratamento do espaço rural deve conjugar-se com o espaço
urbano, mediante novas ações, instrumentos e mecanismos políticos e legais
(v.g. plano diretor) para promover a função social das cidades e o bem-estar da
coletividade, com a melhoria da qualidade de vida (arts. 1º, parágrafo único, 2º e
40 da Lei nº 10.257/2001)[585].
O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) é um dos pilares legislativos
que promove as funções sociais dos ambientes natural (rural) e artificial (urbano)
[586]
, notadamente sob o enfoque da ordenação e gestão territorial, integrando e
organizando os espaços habitáveis e de circulação (mobilidade) entre eles,
promovendo o equilíbrio ambiental[587] e propiciando melhores condições de vida
ao homem na comunidade[588].
A preservação do meio ambiente não se limita a coibir a sua degradação
como bem de interesse difuso, mas, também, proteger a integridade e
manutenção dos recursos naturais que permitem a continuidade da produção, do
transporte e do abastecimento alimentar.
O Plano Diretor consiste no principal instrumento de planejamento
municipal, previsto no Estatuto da Cidade (art. 182, §1º, da CF/88; art. 40 da Lei
n. 10.257/2001). Além dos instrumentos nominados previstos expressamente no
Estatuto da Cidade (arts. 2º e 4º da Lei n. 10.257/2001), é, pois, imprescindível a
utilização de outros instrumentos complementares em atendimento às suas
necessidades e peculiaridades locais (municípios) e regionais (regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas, microrregiões).
Nesse sentido, a noção de multifuncionalidade do Direito Agrário é ampla
o suficiente para compreender tanto os bens públicos quanto os particulares[589],
alcançando o território rural, que integra a cidade como um todo (art. 40, §2º, da
Lei n. 10.257/2001).
A seguir, estudaremos a noção de segurança alimentar, diretamente
relacionada ao Direto Agroalimentar, congrega as noções associadas à
disponibilidade quantitativa de bens (food security) e da qualidade (nutricional)
desses bens (food safety). Tais noções devem ser complementadas com a ideia do
seu transporte/distribuição (food transportation) até o consumidor final,
enfatizando-se, aqui, o aspecto da mobilidade (circulação) inerente ao Direito da
Cidade, que responsável pela ordenação e planificação territorial.
3 DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À SEGURANÇA ALIMENTAR.
A atividade agrária deve estabelecer a chamada segurança alimentar que se
dá pela estabilidade da produção de alimentos para a população, sem
necessidade de importação, estabelecendo uma proteção à agricultura[590].
Nesse sentido, o preâmbulo da parte A, da Constituição da FAO
(Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) já expressava
sua preocupação com a alimentação como instrumento de combate e eliminação
da fome mundial, nos seguintes termos: “As Nações que aceitam esta
Constituição, decididas a promover o bem estar geral pelo estímulo a medidas
individuais e coletivas com o propósito de: (i) elevar os níveis de nutrição e
padrões de vida dos povos sob suas respectivas jurisdições; (ii) aumentar a
eficiência da produção e distribuição de todo os produtos alimentícios e
agrícolas; (iii) melhor a condição das populações rurais; (iv) contribuir, assim,
para a expansão da economia mundial”.
O Decreto nº 7.752, de 14 de junho de 2012, promulgou a Constituição da
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO,
firmada em Quebec, Canadá, em 16 de outubro de 1945, e atualizada por
emendas que lhe foram apostas até novembro de 1955[591]. A promulgação e a
publicação do texto mediante decreto presidencial foi a última etapa o seu
ingresso na ordem jurídica interna, assegurando-se, assim, a executoriedade do
ato internacional que, a partir de então, passa a vincular e obrigar no plano do
direito positivo interno[592].
No Brasil, a Emenda Constitucional n. 64, de 2010, incluiu o direito à
alimentação no rol do art. 6º da CF/88, introduzindo-o na categoria de direito
fundamental social, acentuado expressamente a dimensão da disponibilidade
quantitativa de alimentos.
Não obstante, anteriormente ao advento da sobredita Emenda
Constitucional n. 64, de 2010, este direito fundamental social à alimentação já
era inferido a partir de uma interpretação extensiva do direito fundamental à vida
que encontra guarida no caput, do art. 5º da CF/88 e da norma de sobredireito da
dignidade da pessoa humana (integridade física e saúde básica), vetor axiológico
de todo ordenamento jurídico, assegurado no inciso III, do art. 1º da CF/88[593].
Outrossim, o preceito constitucional contido no art. 196 da CF/88 também
confere fundamento à alimentação como elemento indispensável à saúde,
assegurada como direito de todos e dever do Estado garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviço para sua promoção,
proteção e recuperação.
Deveras, é impositiva a compreensão integrativa da disponibilidade
quantitativa de bens alimentícios com a dimensão de qualidade dos alimentos
revelada numa perspectiva constitucional agroambiental, por meio da expressão
“sadia qualidade de vida”, prevista no caput do art. 225 da CF/88.
A propósito da ligação da ideia da alimentação qualitativa ao direito a um
meio-ambiente ecologicamente equilibrado e a sadia qualidade de vida, pontifica
Mérces da Silva Nunes que “a Constituição Federal de 1988 dispõe no artigo
225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presente e
futuras gerações, o que significa dizer que o conteúdo do direito à sadia
qualidade de vida deve ser tal que possibilite ao seu titular usufruir do bem-
estar físico, psíquico e social com segurança de pleno acesso às informações e
prestações do Estado e da sociedade, apropriados a proporcionar-lhe padrões
adequados de alimentação, habitação, saneamento, condições razoáveis de
trabalho, educação integral e continua, ambiente físico e equilibrado, apoio
social, quando em estado de necessidade e um rol de serviços de prevenção e
recuperação da saúde”[594].
Embora as expressões “qualidade de vida” e “segurança alimentar” sejam
conceitos indeterminados sob o ponto de vista jurídico – e, portanto, dinâmico e
mutável em vista do desenvolvimento da sociedade e da alteração dos padrões de
consumo – é preciso estabelecer um conjunto de fatores (ações e instrumentos)
que servirá de balizamento para um padrão mínimo que constituirá o seu núcleo
central.
A Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, criou o sistema nacional de
segurança alimentar e nutricional (SISAN) visando assegurar o direito humano à
alimentação adequada, inerente à dignidade da pessoa humana (art. 2º), mediante
adoção de políticas e ações que levarão em conta as dimensões ambientais,
culturais, econômicas, sociais e regionais. Consiste a segurança alimentar e
nutricional na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a
alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a
outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras
de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural,
econômica e socialmente sustentáveis. Também deve o Poder Público garantir
mecanismos para exigibilidade de informar, monitorar, prover, proteger,
respeitar, fiscalizar e avaliar a realização do direito humano à alimentação
adequada (art. 3º do SISAN).
Nesse sentido, cumpre assinalar que o transporte de alimentos, a
distribuição e o abastecimento do mercado consumidor[595] (art. 23, VIII, da
CF/88) está contido na ideia de produção alimentar, que também compreende a
sua colheita e a armazenagem[596].
Sucede que a distância entre o local de produção do alimento e o local da
oferta ao consumidor é por vezes ampla[597], exigindo um mecanismo adequado
de informação (conteúdo) ao consumidor para o exercício dos seus direitos
básicos à saúde e de escolha (arts. 6º, II, III, 30 e 31, da Lei nº 8.078/90)[598],
considerando as características do produto alimentar (v.g. presença ou não de
glúten)[599], desde a sua produção até a sua distribuição.
Este instrumento aplicado à serviço da segurança alimentar denomina-se
rastreabilidade, que será estudado adiante, instrumento fundamental em países
com um extenso território como o Brasil e diante da globalização dos mercados
comerciais.
3.1 A RASTREABILIDADE COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO
DA SEGURANÇA ALIMENTAR.
A Comunidade Europeia, pelo seu Regulamento nº 178/2002, conceitua
rastreabilidade como “a capacidade de detectar a origem e de seguir o rastro de
um gênero alimentício, de um alimento para animais, de um animal ou de uma
substância, destinados a ser incorporados em alimentos para animais, ou com
probabilidade de o ser, ao longo de toda fase de produção, transformação e
distribuição”.
No Brasil, não há uma definição legal. A doutrina esclarece que “o
rastreamento, de forma muito simplificada, é o ato de rastrear, identificar a
origem de um produto em qualquer momento do seu processo de transformação
e de distribuição. Significa identificar o seu percurso pela cadeia de
fornecimento desde o produtor até o consumidor. Em muitas regiões no mundo,
o rastreamento é empregado com maior sucesso devido à pressão de mercados
consumidores mais maduros e também como estratégia de diferenciação
mercadológica e garantia de qualidade”[600].
O mecanismo da rastreabilidade também possibilita a detecção e a retirada
de produtos potencialmente contaminados, por meio dos registros gerados. Em
última análise, o sistema de rastreabilidade estimulará, ainda, a concorrência por
meio da diferenciação da qualidade dos produtos, conferindo-lhes maior
credibilidade perante o mercado consumidor, nacional e internacional.
Roberto Grassi Neto informa que a “sua adoção vem se tornando
obrigatória em um número cada vez maior de países, de molde a possibilitar a
reconstituição da origem, da embalagem, do transporte e da armazenagem de
diersos produtos. A União Europeia, por exemplo, assegura rastreabilidade e
rotulagem dos organismos geneticamente modificados (OGM) e dos produtos a
partir deles produzidos ao longo de toda a cadeia alimentar”[601].
No Brasil, a obrigatoriedade do emprego do instrumento de rastreamento
cinge-se ao setor de medicamentos, à produção destinada ao mercado externo e a
alguns alimentos (v.g., Lei nº 11.903/2009, Resolução RDC nº 259/2009, da
Anvisa), inexistindo, até o momento, uma obrigatoriedade de sua aplicação ao
comércio de alimentos em geral[602].
Sob o prisma do Direito Agroalimentar, a rastreabilidade é uma ferramenta
importantíssima com o objetivo de permitir a identificação da origem das
matérias primas, dos insumos e outros elementos (v.g. agrotóxicos) empregados
na produção dos alimentos que será transportado e abastecerá os centros de
consumo para a sua utilização, definindo a responsabilidade de cada um dos
atores intervenientes da cadeia alimentar.
Sucede que a operacionalidade da ferramenta da rastreabilidade é
viabilizada pela atuação integrada e em conjunta dos seguintes atores: a) agentes
reguladores; b) agentes facilitadores; c) agentes certificadores; d) consumidores;
e e) cadeia produtiva.
Portanto, é imprescindível considerar a integração dos diversos modos de
transporte e a acessibilidade e mobilidade de cargas no território da cidade, ao
longo de toda a fase de produção até a distribuição, permitindo melhor
capacidade de detectar a origem e de seguir o rastro do gênero alimentício, de
um alimento para animal, de um animal ou de uma substância (v.g. agrotóxico).
O agrotóxico é substância química empregado na produção alimentar, cujo
armazenamento e transporte exigem a observância das formalidades legais,
sendo a rastreabilidade um relevante instrumento complementar para identificar
todos os locais de onde os produtos se originaram, foram embalados e
armazenados, transportados até as empresas atacadistas e varejistas, para, ao
final, ser consumido.
O Brasil é o maior mercado do mundo de agrotóxicos. Conforme pesquisa
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), realizada no ano de 2010,
28% dos vegetais mais consumidos no mercado brasileiro apresentaram índices
de agrotóxicos acima do limite recomendável ou substâncias não aprovadas para
o cultivo. O abuso de produtos químicos na agricultura é gerador de poluição
com efeitos danosos ao meio ambiente, em todas as suas dimensões, e à saúde do
produtor e do consumidor.
Em 11 de julho de 1989, foi promulgada a Lei nº 7.802, dispensou
tratamento minucioso disciplinando a pesquisa, a experimentação, a produção, a
embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a
propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final
dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a
fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins (art. 1º).
Os agrotóxicos e afins são conceituados, para efeitos deste Lei, como
sendo “a) os produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos,
destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento
de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou
implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos
e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim
de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos; b)
substâncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes,
estimuladores e inibidores de crescimento (art. 2º, I). Por isso, as atividades de
produção, utilização, comercialização, exportação e importação dos agrotóxicos
está condicionada ao registro prévio em órgão federal (Anvisa), em
conformidade com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis
pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura (art. 3º). O uso de
agrotóxicos não é exclusivo de atividades rurais, os quais também são
empregados em ambientes urbanos[603], exigindo, sob o prisma da cidade, uma
atuação coordenada e ampla capaz alcançar todo o seu território.
Sob o aspecto da responsabilidade do particular, verifica-se a incidência
múltipla de normas administrativa, civil e penal pelos danos causados à saúde
das pessoas e ao meio ambiente (art. 14)[604], em regime de solidariedade que
advém da sua natureza difusa (art. 225, §3º, da CF/88)[605].
A Lei nº 9.974/2000, introduziu competência Poder Público para fiscalizar
(i) a devolução e destinação adequada de embalagens vazias de agrotóxicos, seus
componentes e afins, de produtos apreendidos pela ação fiscalizadora e daqueles
impróprios para utilização ou em desuso, (ii) do armazenamento, transporte,
reciclagem e inutilização de embalagens vazias e produtos referidos
anteriormente (art. 12-A).
Além da competência legislativa[606], o dever de fiscalização é competência
administrativa comum do Poder Público, conforme se infere do disposto do art.
12, determinando que a União, através dos órgãos competentes, prestará o apoio
necessário às ações de controle e fiscalização, à Unidade da Federação – Estado,
Município e Distrito Federal, que não dispuser dos meios necessários.
Com efeito, o armazenamento dos agrotóxicos também exige a
observância das normas municipais, inclusive no tocante à edificação e à
localização (art. 62 do Decreto nº 4.074/2002). Já o transporte dos agrotóxicos e
as suas embalagens (art. 63 do Decreto nº 4.074/2002) sujeitar-se-á à legislação
da mobilidade urbana.
Daí a importância da articulação entre os Poderes Públicos das Unidades
da Federação, dos produtores, dos fornecedores e dos consumidores na
implementação do sistema de rastreamento integrado e colaborativo, contendo
informações adequadas acerca da cadeia alimentar, alcançando, especialmente,
as centrais de abastecimento, redes de mercados e supermercados.
4 SÍNTESE CONCLUSIVA
Ante o exposto, conclui-se que o novo Direito Agrário é caracterizado pela
sua multifuncionalidade, albergando, entre outras, a dimensão do Direito
Agroalimentar que, sob a perspectiva constitucional da segurança alimentar
(arts. 1º, III, 5º, caput, 6º, 196 e 225 da CF/88), permite um importante diálogo
com o Direito da Cidade, sobretudo, no tocante à distribuição de alimentos,
desde a sua produção no espaço rural até o seu consumo final nos centros
urbanos.
Entendemos que deveria ser adotado o sistema de rastreabilidade
obrigatória dos alimentos (arts. 6º, II, III, 30 e 31, da Lei nº 8.078/90; arts. 2º e
3° da Lei nº 11.346/2006) no Brasil, haja vista que se trata de relevante
instrumento de efetivação do direito fundamental social à alimentação adequada.
O sistema de rastreabilidade obrigatória deverá ser implementado e fiscalizado
mediante a atuação colaborativa dos Poderes Públicos das unidades federativa
(União, Estados, Municípios e Distrito Federal), dos produtores, dos
fornecedores e dos consumidores.
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SANTOS, Ângela Moulin S. Penalva. Município, Descentralização e Território.
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SCAFF, Fernando Campos. Aspectos fundamentais da empresa agrária. São
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SENN, Adriana Vanderlei Pommer, CENEDESE, Diana Aparecida.
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SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 3ª ed. São Paulo:
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SILVA, Leandro Ribeiro da. Propriedade Rural. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen
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TRENTINI, Flavia. Teoria Geral do Direito Agrário Contemporâneo. São Paulo:
Atlas, 2012.
VAZ, Paulo Afonso Brum. O Direito Ambiental e os Agrotóxicos:
responsabilidade civil, penal e administrativa. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006.
[1]
O Superior Tribunal de Justiça – STJ tem posição favorável à possibilidade de controle judiciário da
política agrícola brasileira. Sobre o assunto confira-se a seguinte decisão (aparentemente é contrária a
essa ideia, pois confirma a ação governamental): BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no MS
15.417/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/03/2011, DJe
19/04/2011. No tocante à doutrina, o controle das políticas públicas é tema frequente, confira:
TUTUNGI JÚNIOR, Nicola. Ação civil pública e políticas públicas: implicações na tensão entre o
estado-administrador e o estado-juiz. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.

[2]
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 859360 AgR, Relator (a): Min. Roberto Barroso, Primeira
Turma, julgado em 17/02/2017, Processo Eletrônico DJe-047 Divulg 10-03-2017 Public 13-03-2017.

[3]
A ideia de desenvolvimento sustentável, que é o substrato da sustentabilidade agrária expressa nos
requisitos, critérios e graus da função social da terra, encontra interessante vinculação com as políticas
públicas em SANTOS, Nivaldo dos. Patentes verdes: mecanismo de desenvolvimento sustentável. Rio
de Janeiro: Lúmen Juris, 2016. No tema sustentabilidade é marcante BASSO, Joaquim. Propriedade
rural produtiva: contexto, atualidade e perspectivas sob a ótica jurídica. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
2018.

[4]
TÁVORA, F. L. A Política Agrícola e a Questão Agrária pós-Constituição Federal de 1988: sucessos,
fracassos e digressões. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, out./2013 (Texto para
Discussão nº 142). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 31 out. 2017. p. 16.

[5]
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Inteligência do artigo 187, incisos I e II, da Constituição Federal – os
encargos financeiros da dívida agrícola – o “princípio da compatibilização” hospedado pela lei suprema.
In: REVISTA DE DIREITO CIVIL, IMOBILIÁRIO, AGRÁRIO E EMPRESARIAL. Ano 19, outubro-
dezembro/1995, número 74. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda., 1995. P. 147-160. p. 152.

[6]
BARROSO, Luís Roberto. Vinte anos da Constituição brasileira de 1988: o Estado a que chegamos.
Revista de Direito do Estado, nº 10, 2008, p. 49-50.

[7]
Ibidem, p. 52.

[8]
SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade jurídica das políticas públicas: a efetivação da cidadania. In:
SMANIO, Gianpaolo Poggio, BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins (Org.). O direito e as políticas
públicas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013. p. 13

[9]
Há uma descrição da evolução histórica dos documentos atinentes à política agrícola brasileira assaz
interessante em PEREIRA, Luciano Gomes de Carvalho. Política agrícola brasileira: breves
considerações. Nota Técnica. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. Biblioteca Digital –
Câmara. MARÇO/2013:7. Disponível em http://bd.camara.leg.br. Acesso em mai.2018. (p. 3-5).

[10]
BRASIL. Mensagem N.º 33, de 1964 (C.N.). In: ZIBETTI, Darcy W. Legislação agrária brasileira. 6.ª
ed. Rio de Janeiro: Aide, 1986. P. 13-20. p. 17.

[11]
BRASIL. Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Ap 100398/2011, DES. MARCOS MACHADO,
PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 21/03/2012.Publicado no DJE
04/04/2012.
[12]
VIVANCO. Antonino C. Teoria de derecho agrário. La Plata: Ediciones Libreria Juridica, 1967. p.75.

[13]
PEREIRA, Lutero de Paiva. Agricultura e estado: uma visão constitucional. Curitiba: Juruá, 2011. p.
57

[14]
ALEXY, Robert. Teoria discursiva do direito. 2.ed. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2018. p.
146.

[15]
Os subsídios agrícolas são temas polêmicos no âmbito do comércio internacional, recomenda-se para o
assunto: DANTAS. Adriana. Subsídios agrícolas – regulação internacional. São Paulo: Saraiva, 2009;
SOBESTIANSKY, Natália Fernanda Gomes. Subsídios agrícolas e OMC: as assimetrias na regulação do
comércio agrícola mundial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

[16]
PEREIRA, Luciano Gomes de Carvalho. Política agrícola brasileira: breves considerações. Nota
Técnica. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. Biblioteca Digital – Câmara.
MARÇO/2013:7. Disponível em http://bd.camara.leg.br. Acesso em mai.2018.

[17]
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 9ª edição, revista e ampliada. São
Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2014. p. 21

[18]
“Teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição. A emenda só serviu
como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente
reformulado”. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10. ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 88.

[19]
Art. 20. São bens da União: (...) III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu
domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a
território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;
[20]
Paulo Affonso Leme Machado defende que, não obstante a redação do texto constitucional, é possível
a existência de águas municipais, na hipótese de uma corrente de água nascer em um município e ter a
sua foz, junto ao mar, no território do próprio município. (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito
ambiental brasileiro. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 329

[21]
Art. 8º do Decreto nº 24.643, Código de Águas: “São particulares as nascentes e todas as águas
situadas em terrenos que também o sejam, quando as mesmas não tiverem classificadas entre as águas
comuns de todos, as águas públicas ou as águas comuns”.

[22]
Princípio, do latim principium, significa dizer, numa acepção empírica, início, começo, origem de
algo, mas também significa preceito, regra, lei. PAULO BONAVIDES (Curso de Direito Constitucional,
12ª edição, São Paulo Malheiros, 2002, p.228) refere que a noção deriva da linguagem da geometria
onde designa as verdades primeiras.
Para a filosofia, princípio é a origem de algo, de uma ação ou de um conhecimento.
Princípios, no sentido jurídico, são proposições normativas básicas, gerais ou setoriais, positivadas ou
não, que, revelando os valores fundamentais do sistema jurídico, orientam e condicionam a aplicação do
direito, como ensina LUCIANO SAMPAIO GOMES ROLIM, em artigo publicado na Internet.
Para CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (Elementos de Direito Administrativo, São Paulo,
RT, 1980, p. 230), princípios são mandamentos nucleares de um sistema.
Penso que princípio é o norte, e ademais disposições são os caminhos que conduzem a ele. Os princípios
não se atritam ou se subsumem uns nos outros, apenas se limitam ou se restringem. Como o princípio é
norma emoldural, sofre limitações impostas pela própria lei. Não há conflito entre o princípio e a lei.
Esta explicita aquele. No plural, significa as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos
como base, como alicerces de alguma coisa. E, neste diapasão, os princípios revelam o conjunto de
regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a
conduta a ser tida em qualquer operação jurídica.
O sistema jurídico possui uma ordem de valores que o norteia, incubindo-lhe como função protegê-la. O
valor em si constitui uma abstração em que a especificidade de seu conteúdo se apresenta fluida.
Constitui-se apenas uma ideia de Direito. Ao tornar-se princípio, o valor assume um grau de
concretização maior, no entanto, ainda não constitui uma disposição jurídica. Para tanto, os princípios
gerais de Direito necessitam de uma concretização maior que é realizada pelos subprincípios, como por
exemplo, o princípio do Estado Democrático de Direito ou princípio da dignidade da pessoa, conforme
lição de RAQUEL DENIZE STUMM.
Um princípio jurídico-constitucional, em rigor, não passa de uma norma jurídica qualificada.
Qualificada porque, tendo o âmbito de validade maior, orienta a atuação de outras normas, inclusive as
de nível constitucional. Exerce, tal princípio, uma função axiologicamente mais expressiva dentro do
sistema jurídico. Tanto que sua desconsideração traz à sirga consequências muito mais danosas que a
violação de uma simples regra. Mal comparando, diz ROQUE ANTONIO CARRAZZA (Princípios
constitucionais tributários e competência tributária, São Paulo, RT, 1986, p. 13):
acutilar um princípio constitucional, é como destruir os mourões de uma ponte, fato que, por certo
provocará seu desabamento. Já lanhar uma regra, corresponde comprometer uma grade desta mesma
ponte, que apesar de danificada, continuará em pé.
Dessa forma, segundo lição de PAZZAGLINI FILHO (Princípios constitucionais reguladores da
administração pública, São Paulo, Atlas, 2000, p. 11-12) os princípios constitucionais consubstanciam a
essência e a própria identidade da constituição e, como normas jurídicas primárias e nucleares,
predefinem, orientam e vinculam a formação, a aplicação e a interpretação de todas normas
componentes da ordem jurídica.
Os princípios, ao lado das regras, são normas jurídicas. Entretanto, insertos no sistema normativo,
aqueles exercem um papel diferente do das regras. Ao descreverem fatos hipotéticos, estas possuem a
nítida função de regular, direta ou indiretamente, as relações jurídicas que se enquadrem nas molduras
típicas por elas descritas. Diferente são os princípios, que se revelam normas gerais dentro do sistema.
Imperativo, ainda, efetuar a clarificação conceitual do que sejam normas e valores, diferenciando-se
estes e aquelas dos princípios. Devem as normas, entendidas como preceitos menos amplos e
axiologicamente inferiores, harmonizar-se com tais princípios conformadores. Quanto aos valores
stricto sensu, em que pese o preâmbulo constitucional mencionar valores supremos, consideram-se
quase com o mesmo sentido de princípios, com a única diferença de que os últimos, conquanto sejam
encarnações de valores, têm a forma mais elevada de diretrizes, que faltam àqueles, ao menos em grau
de concretização.
CANOTILHO (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2ª edição, Portugal, Almedina, 1998, p.
1034), em percuciente análise, sugeriu alguns critérios de diferenciação entre princípios e regras:
A – O grau de abstração: os princípios são normas com grau de abstração relativamente elevado; de
modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida.
B – Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e
indeterminados, carecem de imediações concretizadoras, enquanto as regras são susceptíveis de
aplicação direta.
C – Carácter de fundamentalidade no sistema de fontes de direito: os princípios são normas com
natureza ou com papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no
sistema de fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema
jurídico (ex. princípio do estado democrático de direito).
D – Proximidade da ideia de direito: os princípios são “standards” juridicamente vinculantes radicados
nas “exigências de justiça” (DWORKIM) ou na “ideia de direito” (LARENZ); as regras podem ser
normas vinculantes com um conteúdo meramente formal.
E – Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na
base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética
fundamentante.
Em outras palavras, as regras descrevem uma situação jurídica, vinculam fatos hipotéticos específicos,
que preenchidos os pressupostos por ela descritos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos
definitivos, sem qualquer exceção. Os princípios, por sua vez, expressam um valor ou uma diretriz, sem
descrever situação jurídica, nem se reportar a um fato particular, exigindo, porém, a realização de algo,
da melhor maneira possível, observadas as possibilidades fáticas e jurídicas, segundo diz GEORGE
MARLMELSTEIN LIMA, em publicação na Internet.
Em passado recente, os princípios, especialmente os constitucionais, eram tidos como meras normas
programáticas, destituídas de imperatividade e aplicabilidade incontinente. Presentemente, os princípios
constitucionais ostentam denso e superior valor jurídico, ou melhor, são normas jurídicas hegemônicas
em relação às demais regras do sistema jurídico, de eficácia imediata e plena, imperativas e coercitivas
para os poderes públicos e para a coletividade.
Em minucioso estudo, o professor HUMBERTO ÁVILA (Teoria dos Princípios: da definição à
aplicação dos princípios jurídicos, 2ª edição, São Paulo, Malheiros, p. 70) apresenta uma proposta
conceitual das regras e dos princípios, in verbis:
As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com a pretensão de
decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre
centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes,
entre a construção conceitual da descrição normativa e a descrição conceitual dos fatos.
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de
complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre
o estado das coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua
promoção.
Basicamente, três foram os critérios de dissociação encontrados pelo autor para a construção do
conceito: a) critério da natureza do comportamento prescrito; b) critério da natureza da justificação
exigida; c) critério da medida de contribuição da decisão.
Quanto ao primeiro, menciona a descritibilidade das regras, por estas estabelecerem obrigações,
permissões e proibições perante a conduta a ser cumprida, uma espécie de previsão do comportamento,
enquanto os princípios são normas finalísticas que estabelecem um estado de coisas, um estado ideal de
coisas a ser atingido, para cuja realização é necessária a adoção de determinados comportamentos.
No que tange ao critério da natureza da justificação exigida, ressalta que a aplicação e a interpretação
das regras exigem uma avaliação da correspondência entre a construção conceitual dos fatos e a
construção conceitual da norma e da finalidade que lhe dá suporte, ao passo que a interpretação e a
aplicação dos princípios demandam uma avaliação da correlação entre o estado das coisas posto como
fim e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária.
Quanto ao critério de contribuição para a decisão, sustenta que os princípios são normas primariamente
complementares e preliminarmente parciais, pois têm a pretensão de contribuir, não de gerar uma
solução específica. Diferente são as regras, porque preliminarmente decisivas e abarcantes, possuindo o
intento de gerar uma solução específica para a tomada de decisão.
CHADE RESEK NETO (Princípio da proporcionalidade no estado democrático de direito, São Paulo,
Lemos & Cruz, 2004, 43) comenta que os princípios se caracterizam por serem um indispensável
elemento de fecundação da ordem jurídica positiva, possuindo eles um grande número de soluções
exigidas pela realidade.
A partir do magistério de CANOTILHO, extrai-se a lição de que os princípios são multifuncionais,
possuindo basicamente uma função normogenética e uma função sistêmica. Quanto à primeira, significa
que os princípios são predeterminantes do regramento jurídico, são os vetores que devem direcionar a
elaboração, o alcance e o controle das normas jurídicas. As normas jurídicas inconciliáveis ou
contrapostas ao conteúdo da essência dos princípios constitucionais são ilegítimas. No que tange à
função sistêmica, esclarece que o exame dos princípios constitucionais de forma globalizada permite a
visão unitária do texto constitucional, o que pode ensejar a unidade do sistema jurídico fundamental, a
integração do direito, a harmonia e a superação de eventuais conflitos entre os próprios princípios e
entre os princípios e as normas jurídicas. Entretanto, o rol de funções não se resume a elas.
A função orientadora quer dizer que os princípios constitucionais servem de norte à criação legislativa e
à aplicação de todas as normas jurídicas, constitucionais e infraconstitucionais.
A função vinculante disciplina que todas as regras do sistema jurídico estão presas aos princípios
constitucionais que as inspiraram. São parâmetros aos juízos de constitucionalidade das regras jurídicas
e de legalidade das decisões administrativas delas originadas.
A função interpretativa, atualizada com os valores éticos, sociais e políticos, deve respeitar a harmonia
entre o conteúdo das regras jurídicas com os princípios.
A função supletiva supre a aplicação do direito a situações fáticas que ainda não foram objeto de
regulamento próprio; atuam os princípios na lacuna ou insuficiência de norma jurídica que o caso
concreto necessite.
Outrossim, serve também o princípio como limite da atuação do jurista. Assim como funciona como
vetor de interpretação, o principio tem como função limitar a vontade subjetiva do aplicador do direito,
pois estabelece balizamentos dentro dos quais o jurista exercitará sua criatividade, seu senso do razoável
e sua capacidade de fazer a justiça do caso concreto.
Igualmente, pode-se dizer que os princípios funcionam também como fonte de legitimação da decisão
eis que, quanto mais o magistrado os torna eficaz, mais legítima será sua decisão, do contrário, carecerá
de legitimidade a decisão que desrespeitar esses princípios constitucionais ou que não procura torná-los
o mais legítimo possível.
É importante assinalar, seguindo o entendimento de LUÍS ROBERTO BARROSO, “que já se encontra
superada a distinção que outrora se fazia entre norma e princípio. A dogmática moderna avaliza o
entendimento de que as normas jurídicas podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as
normas-princípio e as normas-disposição. As normas-disposição, também referidas como regras, têm
eficácia restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já às normas-princípio, ou simplesmente
princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do
sistema”.
ANA CRISTHINA DE SOUSA SANTANA, em publicação na Internet, buscando explicitar o
significado da palavra “princípios”, cita MIGUEL REALE, que entende que:
(...) os princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por
serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter
operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades de pesquisa e da praxis.
MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (Direito Administrativo, 14ª edição, São Paulo, Atlas, 2002,
p. 66), citando JOSÉ DE CRETELLA JÚNIOR, diz que os princípios se classificam em:
a) onivalentes ou universais, comuns a todos os ramos do saber, como o da identidade e o da razão
suficiente;
b) plurivalentes ou regionais, comuns a um grupo de ciências, informando-as nos aspectos em que se
interpretam. Exemplos: o princípio da causalidade, aplicável às ciências naturais e o princípio do
alterum non laedere (não prejudicar a outrem), aplicável às ciências naturais e às ciências jurídicas;
c) monovalentes, que se referem a um só campo do conhecimento; há tantos princípios monovalentes
quantas sejam as ciências cogitadas pelo espírito humano. É o caso dos princípios gerais de direito,
como o de que ninguém se escusa alegando ignorar a lei;
d) setoriais, que informam os diversos setores em que se divide determinada ciência. Por exemplo, na
ciência jurídica, existem princípios que informam o Direito Civil, o Direito do Trabalho, o Direito
Penal, etc.
[23]
WEISSHEIMER, José Álvaro de Vasconcelos. A constituição e o regime das águas. In Revista Justiça
do Direito, Passo Fundo, n. 16, p. 167, 2002.

[24]
“Simplesmente, isto não é tudo. Já atrás aludimos a certos outros valores chamados éticos, estéticos e
religiosos. Ora será a definição que acabamos de dar aplicável também a eles? Será aplicável aos valores
que residem, não já na esfera do <<vital>>, da natureza, mas na do espírito, do espiritual? Sem dúvida –
podemos responder. É evidente que por meio destes valores espirituais se satisfazem também
necessidades; não necessidades vitais, mas espirituais; não do homem externo, mas do homem interior”
(HESSEN, 1967, p. 42, grifo nosso).

[25]
Cf. HOBSBAWM, (1995, p. 29-219, 223-390, 393-562), respectivamente tratando de “A era da
catástrofe”; “A era de ouro” e “O desmoronamento’. Para Hobsbawm (1995), a história do século XX
poderia ser dividida em três eras. A primeira, a da catástrofe, marcada pelas duas grandes guerras, pelo
crescimento do socialismo e pela crise econômica de 1929. A segunda, referida na citação, relaciona-se
à era de ouro, décadas de 50 e 60 que, viram a viabilização e a estabilização do capitalismo, responsável
pela promoção de uma extraordinária expansão econômica e de profundas transformações sociais. A
última era, denominada do “desmoronamento’, vincula-se à queda das instituições que previnem o
barbarismo contemporâneo.

[26]
“Quer seja denominado ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentável, a abordagem
fundamentada na harmonização de objetivos sociais, ambientais e econômicos não se alterou desde o
encontro de Estocolmo até as conferências do Rio de Janeiro, e acredito que ainda é válida, na
recomendação da utilização dos oito critérios distintos de sustentabilidade parcial apresentados no
Anexo 1” (SACHS, 2000, p. 54) .

[27]
Questões como a agricultura, a matriz energética, a mineração, a indústria de transformação, os
transportes, a população, a urbanização, o saneamento, a saúde e a questão indígena devem ser vistas
sob a ótica do desenvolvimento sustentável (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO
AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p. 25-66).

[28]
“O princípio da defesa do meio ambiente conforma a ordem econômica (mundo do ser), informando
substancialmente os princípios da garantia do desenvolvimento e do pleno emprego. Além de objetivo,
em si, é instrumento necessário – e indispensável – à realização do fim dessa ordem, o de assegurar a
todos existência digna. Nutre também, ademais, os ditames da justiça social. Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo – diz o art. 225, caput. O
desenvolvimento nacional que cumpre realizar, um dos objetivos da República Federativa do Brasil, e o
pleno emprego que impede assegurar supõem economia autossustentada, suficientemente equilibrada
para permitir ao homem reencontrar-se consigo próprio, como ser humano e não apenas como um dado
ou índice econômico. Por esta trilha segue a chamada ética ecológica e é experimentada a perspectiva
holística da análise ecológica, que, não obstante, permanece a reclamar tratamento crítico científico da
utilização econômica do fator recursos naturais” (GRAU, 1994, p. 249).

[29]
A Constituição Federal vigente em seu art. 174, §1o, assinala: “Art. 174 como agente normativo e
regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização,
incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
§ 1o – A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional
equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”
(grifo nosso).

[30]
A “Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento” (Comissão Brundtland), criada em
1983, trabalhou durante quatro anos para produzir o documento “Nosso Futuro Comum”, em que foi
consagrada a expressão “Desenvolvimento Sustentável”, que foi ali conceituado como aquele que atende
às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas
próprias necessidades. Ele contém dois conceitos-chave: a) o conceito de “necessidade”, sobretudo as
necessidades essenciais dos pobres do mundo, que devem receber a máxima prioridade; e b) a noção das
limitações que o estágio da tecnologia e da organização social impõe ao meio ambiente, impedindo-o de
atender às necessidades presentes e futuras.
[31]
Ao se decompor essa disposição constitucional percebe-se que, entre esses aspectos, se encontra um de
feição eminentemente ecológica ou ambiental, qual seja o item II (utilização adequada dos recursos
naturais disponíveis e preservação do meio ambiente), que, na verdade, constitucionalizou e ampliou
uma disposição infraconstitucional já presente na alínea “c” do parágrafo 1o do art. 2o da Lei no
4.504/64 (Estatuto da Terra), qual seja, a que “assegura a conservação dos recursos naturais”.

[32]
No Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1991, p. 388),
definiram-se como princípios gerais a equidade entre as gerações (2. Os Estados devem conservar e
utilizar o meio ambiente e os recursos naturais em benefício das gerações presentes e futuras) e a
conservação e uso sustentável (3. Os Estados devem manter os ecossistemas e os processos ecológicos
essenciais ao funcionamento da biosfera, preservar a diversidade biológica e observar o princípio da
produtividade ótima sustentável, ao utilizarem os ecossistemas e recursos naturais vivos).

[33]
No Brasil, segundos dados do IBGE, 58,40% dos distritos brasileiros pesquisados em 2000 não
possuem rede coletora de esgotos, sendo que 1,5% lançam o esgoto diretamente sem tratamento em
cursos d´água. (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2002).

[34]
Conforme afirma Piovesan (1997, p. 76): “Os tratados são, por excelência, expressão de consenso.
Apenas pela via do consenso podem os tratados criar obrigações legais, uma vez que os Estados
soberanos, ao aceitá-los, comprometem-se a respeitá-los. A exigência de consenso é prevista pelo art. 52
da Convenção de Viena, quando dispõe que o tratado será nulo se a sua aprovação for obtida mediante
ameaça ou o uso da força em violação aos princípios de Direito Internacional consagrados pela Carta da
ONU”.

[35]
O art. 25 da UDHR afirma que: “everyone has the right to a standard of living adequate for the health
and well-being of himself and of his family, including food, clothing, housing [...]”

[36]
Essa evolução, como ressalta Bobbio (1992, p. 5), mostra-se impulsionada pela luta em defesa de
novos direitos fundamentais em razão de novas circunstências fáticas vivenciadas pelo homem.

[37]
“A agricultura produz a maior parte dos alimentos consumidos pela humanidade. Simplesmente não há
outra solução para o nosso futuro senão continuar a cultivar o planeta, e a usar plantas e animais como
alimento. No entanto, a agricultura é também o maior consumidor de água doce, sendo responsável por
cerca de três quartos do consumo mundial. Se a população aumentar em 65% nos próximos cinquenta
anos, como é virtualmente certo, cerca de 70% dos habitantes deste planeta enfrentarão deficiências no
suprimento de água, e 16% deles não terão água bastante para produzir sua alimentação básica. O
necessário aumento da produção de alimentos não poderá ser alcançado sem uma maior produtividade
na terra existente e com a água disponível (SELBORNE, 2002, p. 32).

[38]
Aqui se faz uma diferenciação entre os animais e os homens (animais que sentem dor: sensitivos) e os
outros seres que, aparentemente, não expressam de forma visível a dor.

[39]
No sentido da íntrinseca correlação entre as águas, os animais, as plantas e o ecossistema, e o papel
destes na purificação da água deve ser analisada a obra WATER: a natural history. Outwater (1996)
demonstra em exemplificativa argumentação da história americana da exploração ambiental e hídrica
que: animais como os castores (engenheiros da natureza) e as árvores (elementos fixadores e protetores
das águas superificiais e subterrâneas no ciclo hidrológico) são junto com outros elementos abióticos
(solo e clima), os grandes responsáveis pela proteção e conservação dos recursos hídricos em oposição
às atividades humanas agrícolas, urbanas e industriais que degradam estes recursos.
[40]
No modelo protetivo do Estado brasileiro, esta curadoria existe, constitucionalmente e legalmente, e
pode ser visualizada na proteção ambiental, por exemplo, na atuação dos diferentes ramos do Ministério
Público Brasileiro, nos termos do art. 129, inciso III: “São funções institucionais do Ministério Público:
[...] III – promover o inquérito civil e a acão civil pública, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”, bem como, dentre outras, pelas
associações protetivas do meio ambiente nos termos da legislação da ação civil pública (Lei 7.347, de 24
de Julho de 1985, art. 5).

[41]
“The occasion for Stone’s defense of the rights of natural objects was the legal dispute concerning
Mineral King Valley. The Sierra Club had filed suit to prevent Walt Disney Enterprises from building a
large ski resort in the Sierra Mountains. This suit was rejected m California courts because the Sierra
Club lacked standing. That is, members of the Sierra Club could not show that they would suffer any
legally recognized harm by the development of Mineral King Valley. As this case made its way on appeal
to the U.S. Supreme Court, Stone wrote na essay titled “Should Trees Have Standing?”. Stone hoped to
support the Sierra Club’s case by arguing that the natural objects like trees and mountainsides that
would be destroyed in this development should be given legal standing. The Sierra Club could then be
seen as a legal guardian of these rights” (DES JARDINS, 2000, p. 106).

[42]
Para aprofundar neste caso vide MURCHISON (2007).

[43]
GRAU, Eros Roberto, A ordem econômica na constituição de 1988. 14ª ed. São Paulo: Malheiros,
2010, p.241.

[44]
SILVA, Jose Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 124.

[45]
Nesse sentido, ver: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Comentários
à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeir: Forense, 2009, p. 158.

[46]
Ibid., p. 157.

[47]
., loc. cit.

[48]
BARBOSA, Denis Borges. Tratado de propriedade intelectual: Tomo I. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2013, p. 109-110.

[49]
Determina o artigo 182 de Lei da Propriedade Industrial: “[o] uso da indicação geográfica é restrito
aos produtores e prestadores de serviço estabelecidos no local, exigindo-se, ainda, em relação às
denominações de origem, o atendimento de requisitos de qualidade.”

[50]
NORTH, Douglass. Institutions. Journal of Economic Perspectives, Pittsburgh, v. 5, n. 1, p.97-112,
1991.

[51]
NORTH, Douglass. Institutions. Journal of Economic Perspectives, Pittsburgh, v. 5, n. 1, p.97-112,
1991.

[52]
MERCURO, Nicholas; MEDEMA, Steven G., Economics and the Law, 2. ed. New Jersey: Princeton
University Press, 2006, p. 243.
[53]
JENA, Pradyot R.; GROTE, Ulrike, Changing institutions to protect regional Heritage: A case for
geographical indications in the indian agrifood sector, Development Policy Review, v. 28, n. 2, p. 217–
236, 2010, p. 5.

[54]
., loc. cit.

[55]
A origem da expressão é atribuída a John R. Commons (na obra: COMMONS, John R. Institutional
Economics. American Economic Review, vol. 21, pp. 648-657, 1931). Mas coube a Ronald Coase a
consolidação do termo e a condução de uma teoria mais aprofundada sobre o tema (em especial, nas
obras: COASE, Ronald H. The Nature of the Firm. Economica, 1, n.s. pp. 386-405, nov.1937; e
COASE, Ronald H. The Problem of Social Cost. Journal of Law and Economics, pp. 1-44, out. 1960).

[56]
Tradução livre do seguinte excerto: “The costs of exchange [i.e., transaction costs] depend on the
institutions of a country - the legal system (including property rights and their enforcement), the political
system, the educational system, the culture. These institutions in effect govern the performance of the
economic system”. COASE, Ronald H. The Task of the Society. Newsletter of the International Society
for New Institutional Economics, vol. 2, n. 2, set 1999, p. 4.

[57]
DAHLMAN, Carl J. The Problem of Externality. Journal of Law and Economics, vol. 22, n. 1, pp.
141-162, 1979.

[58]
LANDES, William M.; POSNER, Richard a., The Economic Structure of Intellectual Property Law,
Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 2003.

[59]
RANGNEKAR, Dwijen. The Socio-Economics of Geographical Indications, UNCTAD- ICTSD
Project on IPRs and Sustainable Development, No. 8, 2004, p. 8.

[60]
JENA, Pradyot R.; GROTE, Ulrike. Op. cit., p. 5.

[61]
VIEIRA, Adriana C. P.; BUAINAIN, Antônio M.; BRUCH, Kelly L. A indicação geográfica como
estratégia para minimizar a assimetria de informação, In: BUAINAIN, Antônio M. ; BONACELLI,
Maria B. M. (org). Propriedade intelectual e inovações na agricultura. Brasília; Rio de Janeiro: CNPq,
FAPERJ, INCT/PPED, IdeiaD ; 2015. p. 207.

[62]
JENA, Pradyot R.; GROTE, Ulrike. Op. cit., p. 6.

[63]
Ibid., p. 6-7.

[64]
Ibid. p. 7.

[65]
DULLIUS, Paulo Roberto. Indicações geográficas e desenvolvimento territorial: as experiências do
Rio Grande do Sul. 2009. 149 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Extensão Rural, Universidade
Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2009. Disponível em:
<http://w3.ufsm.br/ppgexr/images/Dissertação_Dullius.pdf>. Acesso em: 30 maio 2018.

[66]
VIEIRA, Adriana P.; ZILLI, Julio C. de F.; BRUCH, Kelly L. Políticas públicas como instrumento de
desenvolvimento de indicações geográficas. Revista FOCO. V.9, nº 2, p. 138-155, ago./dez. 2016.
[67]
BRUCH, Kelly L.; COPETTI, Michele. Evolução das indicações geográficas no direito brasileiro.
Revista Brasileira de Viticultura e Enologia, v. 2, p. 20-40, 2010.

[68]
BRUCH, Kelly L.; VIEIRA, Adriana C. P. ; DEWES, Homero. Da proteção positiva à proteção
negativa: como surge a Indicação Geográfica nos países europeus. In: PREVE, Daniel R.;
ENGELMANN FILHO, Alfredo; CAMPOS, Juliano B. (Org.). Patrimônio, cultura, direito e cidadania.
1ed.Habilis: Criciúma, 2013, v. , p. 1-30.

[69]
BRUCH, Kelly L. Indicações geográficas para o Brasil: problemas e perspectivas. In: PIMENTEL,
Luiz Otávio; BOFF, Salete Oro; DEL’OLMO, Florisbal de Souza. (Org.). Propriedade intelectual: gestão
do conhecimento, inovação tecnológica no agronegócio e cidadania.. 1ed. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2008, v. , p. -245.

[70]
Formulado pela Secretária de Atenção à Saúde, Coordenação- Geral da Política de Alimentação e
Nutrição do Ministério da Saúde, em 2006, contém as primeiras diretrizes oficiais alimentares para a
população, com orientações para a prevenção de doenças crônicas não transmissíveis. O Guia representa
parte da estratégia para a implementação da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) e da
política nacional da saúde no Brasil, com recomendações preconizadas pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) no âmbito da Estratégia Global de Promoção da Alimentação. Disponível em:
<http://nutricao.saude.gov.br/guia_conheca.php>. Acesso em: 01 maio. 2018.

[71]
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.

[72]
Comissão especial destinada a apreciar e proferir parecer à proposta de emenda à constituição no 47,
de 2003, do senado federal, que “altera o art. 6o da constituição federal, para introduzir a alimentação
como direito social”, 2009, p. 06.

[73]
Preguntas incómodas in revista Viva, Jornal Clarín, 29 de fevereiro de 2004.

[74]
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1856, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno,
julgado em 26/5/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-02
PP-00275 RTJ VOL-00220- PP 00018 RT V. 101, N. 915, 2012, P. 379-413).

[75]
Disponível em <https://br.reuters.com/article/topNews/idBRKBN1IC28D-OBRTP> Acesso em: 02 de
fevereiro de 2018.

[76]
Disponível em <https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/economicas/agricultura-e-
pecuaria/9107-producao-da-pecuaria-municipal.html?=&t=destaques> Acesso em: 02 de fevereiro de
2018.

[77]
Disponível em <http://www.usdabrazil.org.br/pt-br/reports/livestock-and-products-annual.pdf> Acesso
em: 02 de fevereiro de 2018.

[78]
Disponível em <https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/downloads-estatisticas.html> Acesso
em: 02 de fevereiro de 2018
[79]
Disponível em <https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/downloads-estatisticas.html> Acesso
em: 02 de fevereiro de 2018.

[80]
Disponível em <https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/downloads-estatisticas.html> Acesso
em: 02 de fevereiro de 2018.

[81]
Disponível em <http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/balanca-
comercial-brasileira-acumulado-do-ano> Acesso em: 02 de fevereiro de 2018.

[82]
CIA World Factbook 2013, Disponível em <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-
factbook/rankorder/2147rank.html> Acesso em: 02 de fevereiro de 2018 e IUCN and UNEP-WCNC
(2014), The World Database on Protected Areas (WDPA) [On-line], [08/2016], Cambridge, UK: UNEP-
WCNC Disponível em < www.protectedplanet.com> Acesso em: 02 de fevereiro de 2018.

[83]
TJSP, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2146983-12.2015.8.26.0000, Rel. Des. Péricles Piza,
julgada em 09.12.2015.

[84]
Sobre a gravidade dessa polêmica, cf. CARVALHO, Luiz Maklouf. 1988: segredos da Constituinte. Os
vinte meses que agitaram e mudaram o Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2017. p. 181-2; 383-4; passim.

[85]
O presente artigo utiliza-se fundamentalmente de dados levantados em pesquisa anterior, publicada em
sua integralidade na seguinte obra: BASSO, Joaquim. Propriedade rural produtiva: contexto, atualidade
e perspectivas sob a ótica jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.

[86]
POLESI, Alexandre. Desapropriação cria impasse para a reforma agrária. Folha de São Paulo, São
Paulo, Política, A5, 4 maio 1988; ANDRADE, Luciano. Conceito de desapropriação impede acordo.
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1º caderno, p. 3, 4 maio 1988; TERRA produtiva continua a dividir
Constituinte. Jornal de Brasília, Brasília, Política, p. 3, 10 maio 1988.

[87]
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
2.213, do Tribunal Pleno. Relator Ministro Celso de Mello. Brasília, 04 abr. 2002. Diário de Justiça,
Brasília, 23 abr. 2004. p. 4 do voto do Ministro Jobim. Nelson Jobim explica com mais detalhes essa
questão regimental em entrevista que pode ser lida em: CARVALHO, Luiz Maklouf, op. cit., p. 197-219.

[88]
RIOS, Roger Raupp. A função social da propriedade e desapropriação para fins de reforma agrária. In:
PAULSEN, Leandro [Org.]. Desapropriação e reforma agrária: função social da propriedade, devido
processo legal, desapropriação para fins de reforma agrária, fases administrativa e judicial, proteção do
direito de propriedade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 15-51. p. 21.

[89]
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
p. 274.

[90]
Sobre a relevância da agricultura familiar para o Brasil, cf. SAUER, Sérgio. Agricultura familiar
versus agronegócio: a dinâmica sociopolítica do campo brasileiro. Brasília: Embrapa Informação
Tecnológica, 2008. Texto para discussão, 30. p. 67-8.

[91]
Sobre o trabalho rural, cf. GONZALEZ, Carlos Alberto. El trabajo rural como instituto del Derecho
Agrario o del Derecho Laboral. In: PROENÇA, Alencar Mello. Direito Agrário no cone sul. Pelotas:
EDUCAT, 1995. p. 47-60; e MAIA, Altir de Souza. O trabalhador rural no Direito brasileiro. In:
BARROSO, Lucas Abreu; MANIGLIA, Elisabete; MIRANDA, Alcir Gursen de. [Coords.]. A Lei
Agrária Nova: biblioteca científica de Direito Agrário, Agroambiental, Agroalimentar e do
Agronegócio. Curitiba: Juruá, 2009. v. 2. p. 147-67.

[92]
Esse dispositivo teve sua redação modificada pela Emenda n. 42, de 19 de dezembro de 2003, mas
sem alteração na parte aqui mencionada, que já constava da redação original.

[93]
Sobre a função social da propriedade como um aspecto da ordem econômica brasileira, cf. RIOS,
Roger Raupp, op. cit., p. 23-49.

[94]
Na classificação de Antonio Vivanco sobre a “Política Agrária”, esta pode ser permanente ou de
reforma, sendo o primeiro caso a política que pretende manter e expandir o regime social, econômico e
jurídico existente, ao passo que a de reforma pretende transformar da forma mais adequada a estrutura
existente. A Política Agrária permanente é a Política Agrícola, ao passo que a de reforma é conhecida,
em geral, como Reforma Agrária (VIVANCO, Antonio C. Teoria de Derecho Agrario. La Plata: Librería
Juridica, 1967. Tomo I. p. 76). No mesmo sentido, BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos do
Direito Agrário. 11. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 22. Sobre a Política Agrária, cf. BARROSO,
Lucas Abreu. A política agrária como instrumento jurídico da efetividade dos fundamentos e objetivos
da República Federativa do Brasil na Constituição Federal de 1988. In: ______; PASSOS, Cristiane
Lisita [Orgs.] Direito Agrário Contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 87-104.

[95]
BARBOSA, Alessandra de Abreu Minadakis. Usucapião constitucional agrário. In: BARROSO, Lucas
Abreu; MIRANDA, Alcir Gursen de; SOARES, Mário Lúcio Quintão. O Direito Agrário na
Constituição. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 251-69. p. 252.

[96]
Sobre a importância da constitucionalização do direito ao meio ambiente, cf. BENJAMIN, Antônio
Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira. In: CANOTILHO,
José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato [Orgs.]. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro.
5. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 83-156. p. 92-108.

[97]
Ibidem, p. 96-8.

[98]
Sobre os princípios da precaução e da prevenção como decorrências do texto constitucional brasileiro,
cf. LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
LEITE, José Rubens Morato [Orgs.]. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 5. ed. rev. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 157-232. p. 206.

[99]
COLAÇO, Thais Luzia. O direito indígena a partir da Constituição brasileira de 1988. In:
WOLKMER, Antonio Carlos; MELO, Milena Petter [Orgs.]. Constitucionalismo latino-americano:
tendências contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2013. p. 191-211. p. 191.

[100]
Ibidem, p. 201-2.

[101]
Para estudo aprofundado sobre a questão dos quilombolas, cf. FRANCO, Rangel Donizete.
Desapropriação: limites e possibilidades na regularização dos territórios quilombolas. Curitiba: Juruá,
2014.
[102]
Na parte relativa às plantas de culturas ilegais de plantas psicotrópicas, o art. 243 da Constituição já era
regulamentado pela Lei n. 8.257, de 26 de novembro de 1991, que, por sua vez, foi regulamentada pelo
Decreto n. 577, de 24 de junho de 1992. Quanto ao trabalho escravo, a nova redação constitucional
ainda aguarda regulamentação específica.

[103]
PASSOS, Cristiane Lisita. Confisco agrário. In: BARROSO, Lucas Abreu; MIRANDA, Alcir Gursen
de; SOARES, Mário Lúcio Quintão [Orgs.]. O Direito Agrário na Constituição. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p. 305-24. p. 317-20.

[104]
Sobre a competência de expropriação, cf. NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Desapropriação para fins
de reforma agrária. 3. ed. rev. atl. Curitiba: Juruá, 2006. p. 101-9; SALLES, José Carlos de Moraes. A
desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 6. ed. rev., atl. e amp. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009. p. 770-1.

[105]
Sobre o imóvel rural como objeto da desapropriação agrária, cf. ALBUQUERQUE, Marcos Prado de.
Desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. In: BARROSO, Lucas Abreu;
MIRANDA, Alcir Gursen de; SOARES, Mário Lúcio Quintão. O Direito Agrário na Constituição. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 173-80; NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira, op. cit., p. 129-35. Sobre o
imóvel rural, cf. MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro. 9. ed. rev. e amp. São Paulo:
Atlas, 2011. p. 29-33.

[106]
Sobre a indenização da desapropriação para fins de reforma agrária, cf. SALLES, José Carlos de
Moraes, op. cit., p. 775-80; NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira, op. cit., p. 187-213.

[107]
Para maiores detalhes sobre a desapropriação para fins de reforma agrária, cf. BASSO, Joaquim.
Propriedade rural produtiva..., p. 148-9.

[108]
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira, op. cit., p. 135; 144-7.

[109]
ALBUQUERQUE, Marcos Prado de, op. cit., p. 172-3.

[110]
BERTAN, José Neure. Propriedade privada e função social. Curitiba: Juruá, 2009. p. 124.

[111]
Sobre o aspecto ambiental da função social da propriedade, cf. PETERS, Edson Luiz. Meio ambiente e
propriedade rural. 1. ed. 7. reimp. Curitiba: Juruá, 2010. p. 123-43.

[112]
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.
763.

[113]
Vicente Gonçalves de Araújo Júnior aponta para uma lacuna no inciso IV do art. 186, que menciona
apenas os proprietários, esquecendo-se dos possuidores, que são aqueles que realmente trabalham a terra
(ARAÚJO JÚNIOR, Vicente Gonçalves de. Direito agrário: doutrina, jurisprudências e modelos. Belo
Horizonte: Inédita, 2002. p. 25-6).

[114]
Em sentido semelhante, falando de função ecológica, ao invés da ambiental, cf. ARAÚJO JÚNIOR,
Vicente Gonçalves de, op. cit., p. 26.

[115]
RAMOS, Pedro. Índices de rendimento da agropecuária brasileira. Brasília: Ministério do
Desenvolvimento Agrário/NEAD, 2005. p. 22.

[116]
HOUAISS, Antônio et al. (Ed.). Dicionário eletrônico Houaiss de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2009. 3.0 CD-ROM.

[117]
BOLLA, Giangastone. Scritti di diritto agrario. Milano: Dott. A. Giufrè, 1963. p. 365-6.

[118]
Para detalhes, cf. BASSO, Joaquim. Propriedade rural produtiva..., p. 114-6.

[119]
LEITE, Carlos A. Moreira; DIZ, Jamile B. Mata; RODRIGUES, Daniel de Sá. A questão agrícola no
Mercosul e na União Européia (UE). Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 35, n. 137, p. 297-
302, jan.-mar. 1998. p. 298.

[120]
Sobre a política agrícola, ou “política de desenvolvimento rural”, cf. ARAÚJO JÚNIOR, Vicente
Gonçalves de, op. cit., p. 106-13.

[121]
Segundo o Manual de Obtenção de Terras e Perícia Judicial, aprovado pela Norma de
Execução/INCRA/DT/nº 52/2006, entre essas áreas protegidas pela legislação ambiental, está a reserva
legal. Para maiores detalhes, v. BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra. Lei 8629/93 comentada por procuradores federais:
uma contribuição da PFE/Incra para o fortalecimento da reforma agrária e do direito agrário autônomo.
Brasília: INCRA, 2011. p. 113-23. Há discussão jurisprudencial e doutrinária sobre a necessidade de as
áreas de preservação e reserva legal terem sido averbadas na matrícula para serem consideradas como
áreas não aproveitáveis (NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira, op. cit., p. 141).

[122]
LIMA, Rafael Augusto de Mendonça. Direito Agrário. 2. ed. atl. e amp. Rio de Janeiro: Renovar,
1997. p. 7-8.

[123]
Sobre toda metodologia de cálculo do GUT, cf. RIZZARDO, Arnaldo. Curso de Direito Agrário. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 128-32.

[124]
Essa metodologia é a mesma utilizada para o cálculo do grau de eficiência na exploração do art. 10, do
Decreto n. 84.685/1980, que é utilizado para definir a empresa rural e os estímulos fiscais do Imposto
sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR.

[125]
BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, op. cit., p. 94-5. Sobre a metodologia
do cálculo do GEE, cf., no mesmo sentido exposto, RIZZARDO, Arnaldo, op. cit., p. 132-8.

[126]
A nosso ver, a intercalação é uma espécie de consorciação, razão pela qual a lei afigura-se redundante
nesse particular.

[127]
Em sentido semelhante, afirmando que não haveria razão para penalizar a iniciativa de intercalar ou
consorciar culturas, cf. BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, op. cit., p. 94.

[128]
No entender dos procuradores federais do Incra, somente o GEE insere-se nessa exceção; o GUT, não
(Ibidem, p. 95).

[129]
MEDAETS, Jean Pierre; FONSECA, Maria Fernanda de A. C.. Produção orgânica: regulamentação
nacional e internacional. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, NEAD, 2005. p. 10.

[130]
Com detalhes sobre a ampla discussão da certificação da produção orgânica, cf. MEDAETS, Jean
Pierre; FONSECA, Maria Fernanda de A. C., op. cit., p. 13-91.

[131]
Esse Decreto antecede a lei regulamentada, pois esta é decorrência de uma medida provisória anterior.

[132]
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Bolsa Verde: erradicar a extrema pobreza e conservar o meio
ambiente. Brasília, jan. 2013. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/desenvolvimento-rural/bolsa-
verde/item/8928>. Acesso em: 07 maio 2018.

[133]
BRASIL. Senado Federal. Portal Siga Brasil. Disponível em:
<http://www9.senado.leg.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?
document=Senado%2FSigaBrasilPainelEspecialista.qvw&host=QVS%40www9&anonymous=true>.
Acesso em: 10 maio 2018.

[134]
Para uma crítica sobre essa “política”, asseverando que deslocou recursos destinados à preservação
ambiental, cada vez mais escassos, para uma política agrária, cf. FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin
de. Agricultura financiada com fundos ambientais. O eco, 20 jan. 2014. Disponível em:
<http://www.oeco.org.br/guilherme-jose-purvin-de-figueiredo/27942-agricultura-financiada-com-
fundos-ambientais>. Acesso em: 11 maio 2018.

[135]
Sobre o assunto, cf. LAVRATTI, Paula; TEJEIRO, Guillermo [Orgs.]. Pagamento por Serviços
Ambientais: fundamentos e principais aspectos jurídicos. São Paulo: Instituto O Direito por um Planeta
Verde, 2013. Direito e mudanças climáticas, 6.

[136]
Para uma análise detalhada do histórico acerca da definição desses índices de produtividade, cf.
BASSO, Joaquim. Revisão de índices de produtividade agrária e a sustentabilidade no contexto do
Direito Agrário contemporâneo. In: BENJAMIN, Antonio Herman et al. [Coords.]. Licenciamento,
Ética e Sustentabilidade. São Paulo: 18º Congresso Brasileiro de Direito Ambiental, 2013. v. 2. p. 370-
89.

[137]
RIZZARDO, Arnaldo, op. cit., p. 127.

[138]
RAMOS, Pedro, op. cit., p. 25; RIZZARDO, Arnaldo, op. cit., p. 122.

[139]
RAMOS, Pedro, op. cit., p. 25-6.

[140]
Ibidem, p. 27-34; RIZZARDO, Arnaldo, op. cit., p. 128.

[141]
RAMOS, Pedro, op. cit., p. 33-4.

[142]
Ibidem, p. 24-5.

[143]
Para uma discussão técnica sobre os índices de produtividade da pecuária, v. SORIO JÚNIOR,
Humberto. A ciência do atraso: índices de lotação pecuária no Rio Grande do Sul. 2. ed. Passo Fundo:
Universidade de Passo Fundo, 2001.
[144]
As conclusões apresentadas neste tópico decorrem, principalmente, de pesquisa jurisprudencial
desenvolvida, com detalhes sobre sua metodologia, em 2016, e publicada em: BASSO, Joaquim.
Jurisprudência brasileira sobre a propriedade rural produtiva e sua função socioambiental: início de
tendência divergente. In: BENJAMIN, Antonio Herman; LEITE, José Rubens Morato [Orgs.].
Jurisprudência, ética e justiça ambiental no século XXI. São Paulo: 21º Congresso Brasileiro de Direito
Ambiental, 2016. v. 1. Conferencistas e teses profissionais. p. 621-40.

[145]
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 22.302-2, do Tribunal Pleno. Relator
Ministro Octávio Gallotti. Brasília, 21 ago. 1996. Diário de Justiça, Brasília, 19 dez. 1996. No mesmo
sentido, nesse particular, foi a seguinte decisão: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de
Segurança n. 23.391-5, do Tribunal Pleno. Relator Ministro Octávio Gallotti. Brasília, 11 maio 2000.
Diário de Justiça, Brasília, 24 nov. 2000. Ainda, cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de
Segurança n. 23.645-1, do Tribunal Pleno. Relator Ministro Carlos Velloso. Brasília, 20 fev. 2002.
Diário de Justiça, Brasília, 15 mar. 2002; e BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança
n. 23.148-4, do Tribunal Pleno. Relator Ministro Néri da Silveira. Brasília, 22 abr. 2002. Diário de
Justiça, Brasília, 07 jun. 2002.

[146]
Nesse sentido, por exemplo, cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n.
22.193, do Tribunal Pleno. Relator para acórdão Ministro Maurício Corrêa. Brasília, 21 mar. 1996.
Diário de Justiça, Brasília, p. 47.160, 29 nov. 1996; e BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de
Segurança n. 23.211-8, do Tribunal Pleno. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 21 jun. 2000.
Diário de Justiça, Brasília, 08 set. 2000.

[147]
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 22.164, do Tribunal Pleno. Relator
Ministro Celso de Mello. Brasília, 30 out. 1995. Diário de Justiça, Brasília, p. 39.206, 17 nov. 1995.

[148]
Para Edson Luiz Peters, esse julgado reconheceu a função ambiental da propriedade rural (PETERS,
Edson Luiz., op. cit., p. 110-3).

[149]
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
2.213, do Tribunal Pleno. Relator Ministro Celso de Mello. Brasília, 4 abr. 2002. Diário de Justiça,
Brasília, p. 7, 23 abr. 2004.

[150]
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 443.669, da Segunda Turma. Relator
Ministro Franciulli Netto. Brasília, 03 dez. 2002. Diário de Justiça, Brasília, 02 jun. 2003. Cf., também,
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.108.733, da Primeira Turma. Relatora
Ministra Denise Arruda. Brasília, 07 maio 2009. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 10 jun. 2009.
[151]
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.138.517, da
Segunda Turma. Relator Ministro Humberto Martins. Brasília, 18 ago. 2011. Diário de Justiça
Eletrônico, Brasília, 1º set. 2011.

[152]
Apelação Cível (AC) 2009.35.00.014074-2/GO, da Terceira Turma, publicada em 07/12/2012; AC
0013101-21.2009.4.01.3300/BA, da Terceira Turma, publicada em 26/11/2015; Remessa Ex Officio
(REO) 0045894-41.2004.4.01.3800/MG, da Quarta Turma, publicada em 10/09/2015; AC 0020620-
05.2004.4.01.3500/GO, da Quarta Turma, publicada em 27/07/2015; AC 0003463-
32.2007.4.01.3300/BA, da Quarta Turma, publicada em 13/02/2015; AC 0020882-
20.2007.4.01.3800/MG, da Terceira Turma, publicada em 10/10/2014; AC 0006038-
24.2009.4.01.3500/GO, da Quarta Turma, publicada em 10/06/2014; AC 0002055-
13.2006.4.01.3503/GO, da Quarta Turma, publicada em 04/02/2014; AC 2008.35.00.012732-1/GO, da
Terceira Turma, publicada em 19/10/2012. Além destas, podem-se citar as seguintes: AC
2002.38.00.011415-5/MG, da Quarta Turma, publicada em 14/05/2010 (no mesmo sentido, afirmando
que para ser produtiva a propriedade precisa apenas cumprir com o GUT e GEE); AC
2001.38.00.003138-1/MG, da Terceira Turma, publicada em 31/01/2012 (converteu em desapropriação
indireta ante a consolidação de assentamento em área posteriormente considerada produtiva); AC
2006.35.00.014465-0/GO, da Quarta Turma, publicada em 29/05/2009; AC 2001.38.00.021406-1/MG,
da Quarta Turma, publicada em 19/12/2008 (de forma bastante ostensiva, conclui que a propriedade
produtiva é insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária); Agravo de Instrumento (AG)
2008.01.00.038316-1/MA, da Terceira Turma, publicado em 12/12/2008 (no mesmo sentindo,
determinando a suspensão de processo de desapropriação até que se averiguasse a condição de
produtividade do imóvel), entre outros, apenas para mencionar os mais recentes.
Todos os julgados do TRF da 1ª Região citados neste estudo foram obtidos de: BRASIL. Tribunal
Regional Federal da 1ª Região. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em:
<http://jurisprudencia.trf1.jus.br/busca/>. Acesso em: 30 jan. 2016.

[153]
AC 0029034-61.2010.4.01.3700/MA, da Quarta Turma, publicada em 31/08/2012; AC
2005.38.00.020927-3/MG, da Terceira Turma, publicada em 28/10/2010; AC 2005.33.00.019447-1/BA,
da Terceira Turma, publicada em 30/09/2010.

[154]
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação Cível n. 0023533-12.2003.4.01.3300, da
Terceira Turma. Relator Desembargador Federal Cândido Ribeiro. Brasília, 07 ago. 2012. Diário da
Justiça Federal da Primeira Região, Brasília, p. 729, 17 ago. 2012.

[155]
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação Cível n. 0008364-54.2009.4.01.3500, da
Terceira Turma. Relator Desembargador Federal Cândido Ribeiro. Brasília, 11 jun. 2013. Diário da
Justiça Federal da Primeira Região, Brasília, p. 1.054, 21 jun. 2013; e BRASIL. Tribunal Regional
Federal da 1ª Região. Apelação Cível n. 0000055-36.2003.4.01.3700, da Terceira Turma. Relator
Desembargador Federal Cândido Ribeiro. Brasília, 12 mar. 2014. Diário da Justiça Federal da Primeira
Região, Brasília, p. 923, 28 mar. 2014.

[156]
AC 393.603/ES, da Sexta Turma Especializada, publicada em 08/06/2007; e AG 34.194/RJ, da Quarta
Turma, publicada em 12/09/2000. Na AC 419.328, da Quinta Turma Especializada, publicada em
05/03/2009, aplicou-se literalmente o art. 6º da Lei n. 8.629/1993, considerando o GUT e GEE como
suficientes para caracterizar se uma propriedade é ou não produtiva. Na AC 200450030001391/ES, da
Sétima Turma Especializada, publicada em 30/06/2015, reconheceu-se a necessidade de cumprimento
da função social da propriedade, apenas para afastar a classificação de improdutividade, por uma
questão da regulamentação infralegal (definição de zonas de pecuária) que julgou equivocada. Na AC
0006511-93.1996.4.02.5001, da Quinta Turma Especializada, publicada em 12/05/2015, tratou-se o
cumprimento do GUT e GEE como sinônimo de cumprimento da função social da propriedade.
Todos os julgados do TRF da 2ª Região citados neste estudo foram obtidos de: BRASIL. Tribunal
Regional Federal da 2ª Região. Jurisprudência. Pesquisa avançada de jurisprudência. Disponível em:
<http://www10.trf2.jus.br/portal/>. Acesso em: 02 fev. 2016.

[157]
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação/Reexame Necessário n. 586.923, da Sexta
Turma Especializada. Relator Desembargador Federal Guilherme Couto de Castro. Rio de Janeiro, 15
jul. 2013. Diário da Justiça Federal da Segunda Região, 24 jul. 2013.

[158]
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação/Reexame Necessário n. 587.361, da
Sétima Turma Especializada. Relator Juiz Federal Convocado José Eduardo Nobre Matta. Rio de
Janeiro, 07 ago. 2013. Diário Eletrônico da Justiça Federal da Segunda Região, 14 ago. 2013.

[159]
Para uma crítica a essas decisões cf. BASSO, Joaquim. Propriedade rural produtiva..., p. 207.

[160]
No TRF da 3ª Região, encontram-se os seguintes precedentes: AG 66.327/SP, da Quinta Turma,
publicada em 21/11/2012, em que a constatação de que a propriedade era improdutiva permitiu o
prosseguimento do processo de desapropriação; AC 1.200.086/SP, da Quinta Turma, publicada em
24/07/2012, em que o preenchimento dos GUT e GEE mínimos foi determinante para a declaração de
insuscetibilidade à desapropriação agrária; e AG 226.258/SP, da Segunda Turma, publicado em
13/10/2006, que suspendeu imissão na posse para que fosse verificada, de forma exauriente, se a
propriedade era ou não produtiva, sob o fundamento do art. 185, II, da CF.
Todos os julgados do TRF da 3ª Região citados neste estudo foram obtidos de: BRASIL. Tribunal
Regional Federal da 3ª Região. Pesquisa Temática de Jurisprudência. Disponível em:
<http://www.trf3.jus.br/NXT/Gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=trf3e:trf3ve>. Acesso em:
07 fev. 2016.

[161]
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Embargos Infringentes n. 2004.61.07.001104-2, da
Primeira Seção. Relator Desembargador Federal José Marcos Lunardelli. São Paulo, 15 dez. 2011.
Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3ª Região, São Paulo, ano 2012, n. 31, 13 fev. 2012.

[162]
Apelação Cível n. 5003134-13.2011.404.7211, da Quarta Turma, publicada em 02/07/2015;
Apelação/Reexame Necessário n. 5002225-04.2011.404.7103, da Terceira Turma, publicada em
17/05/2013; Apelação 2007.70.00.000109-8/PR, da Quarta Turma, publicado em 23/11/2009; e
Apelação 2007.71.06.000531-1/RS, da Terceira Turma, publicado em 29/07/2009. Todos os julgados do
TRF da 4ª Região citados neste estudo foram obtidos de: BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª
Região. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em:
<http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/pesquisa.php?tipo=1>. Acesso em: 09 fev. 2016.

[163]
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível n. 91.04.18586-2, da Terceira
Turma. Relatora Desembargadora Federal Luiza Dias Cassales. Porto Alegre, 17 dez. 1998. Diário da
Justiça Federal da 4ª Região, Porto Alegre, p. 714, 24 mar. 1999. Essa decisão foi confirmada pela
Segunda Seção do Tribunal, em embargos infringentes e foi mantida pelo STJ (Recurso Especial n.
1.004.060), que se negou a analisar a matéria, sob a alegação de que revolveria matéria fática. O recurso
extraordinário interposto pelo Incra teve seu seguimento negado por decisão monocrática do Ministro
Ricardo Lewandowski, entendimento que foi confirmado pela Segunda Turma, no julgamento de agravo
regimental (Recurso Extraordinário n. 630.987, conforme andamento consultado em 08 out. 2017). O
caso foi mencionado por RIZZARDO, Arnaldo, op. cit., p. 125-6.

[164]
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível n. 2007.72.11.001000-1, da Quarta
Turma. Relatora Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler. Porto Alegre, 15 jun. 2011. Diário
Eletrônico da Justiça Federal da 4ª Região, Porto Alegre, ano VI, n. 141, 22 jun. 2011.

[165]
Apelação/Reexame Necessário 30.829/SE, da Quarta Turma, publicado em 19/08/2014 (acolhe prova
pericial que atestava cumprimento de GEE e GUT e invalida desapropriação); Embargos Infringentes
em AC 9.734/01/PE, do Tribunal Pleno, publicado em 31/03/2014 (privilegiou a vistoria administrativa
em detrimento de perícia judicial baseada em data posterior); Apelação/Reexame Necessário 11.368/PE,
da Terceira Turma, publicado em 23/08/2012 (no mesmo sentido que o anterior); AC 542.262/PB, da
Quarta Turma, publicado em 09/08/2012 (discutindo a inclusão de Reserva Legal e Área de Preservação
Permanente no cálculo do GUT, entendeu que o imóvel era produtivo e o excluiu de procedimento de
desapropriação); AC 498.224/PE, da Quarta Turma, publicado em 15/07/2010 (assumindo como
premissa a definição legal de propriedade produtiva, afirma que o imóvel não cumpriu o GUT e,
portanto, é propriedade improdutiva); Apelação/Reexame Necessário n. 8.684/SE, da Primeira Turma,
publicado em 02/09/2010 (afirmando expressamente a constitucionalidade da definição legal de
propriedade produtiva, manteve, sem qualquer flexibilização, classificação da propriedade como
improdutiva mesmo que seu GUT era de 77,96%, ou seja, quase 2% abaixo do mínimo legal); entre
outros. Todos os julgados do TRF da 5ª Região citados neste estudo foram obtidos de: BRASIL.
Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Jurisprudência. Disponível em:
<https://www.trf5.jus.br/Jurisprudencia/>. Acesso em: 19 fev. 2016.

[166]
LIMA, Rafael Augusto de Mendonça, op. cit., p. 10.

[167]
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira, op. cit., p. 145-6.

[168]
Há quem defenda que a empresa agrária é a única forma de exercício da atividade agrária em que essa
cumpre com sua função social da propriedade (SCAFF, Fernando Campos. A função social dos imóveis
agrários. Revista dos Tribunais, v. 840, p. 107 et seq., out. 2005.). Não concordamos com esse
posicionamento, pois há várias outras formas, decorrentes da plural sociedade descrita na Constituição
de 1988, que também cumprem com a função social, tal qual a propriedade familiar, a propriedade
indígena, de quilombolas etc.

[169]
CORREDOR, Roman J. Duque. Introducción al Derecho Agrario Venezolano. Caracas: Universidad
Central de Venezuela, 1970. Clases dictadas por el profesor. f. 15.

[170]
Para o estudo detalhado dessas normas estrangeiras, cf. BASSO, Joaquim. Propriedade rural
produtiva..., p. 31-105.

[171]
MARQUESI, Roberto Wagner. Direitos reais agrários & função social. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009. p.
110.

[172]
Nesse sentido, Raymundo Laranjeira, ao falar do princípio do aumento da produção e dos níveis de
produtividade no Direito Agrário, já apontava que mais do que o aumento de quantidade de produção, a
qualidade dos produtos agrários também deve ser buscada (LARANJEIRA, Raymundo. Propedêutica do
Direito Agrário. 2. ed. São Paulo: LTR, 1981. p. 169-170).

[173]
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Agropecuário: Brasil. v. 1.
Rio de Janeiro: IBGE, 1979. Censos econômicos de 1975, Série Nacional.

[174]
GASQUES, José Garcia et al.. Condicionantes da produtividade da agropecuária brasileira. Revista de
Política Agrícola, Brasília, ano XIII, n. 3, p. 73-90, jul./set. 2004. p. 88.

[175]
FORNAZIER, Armando; VIEIRA FILHO, José Eustáquio Ribeiro. Heterogeneidade Estrutural na
Produção Agropecuária: uma comparação da produtividade total dos fatores no Brasil e nos Estados
Unidos. Brasília: IPEA, mar. 2013.

[176]
Essas conclusões foram desenvolvidas em: BASSO, Joaquim. Revisão de índices de produtividade...,
p. 370-89.

[177]
SANTOS, Fábio Alves dos. Direito Agrário: política fundiária no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey,
1995. p. 130-1.

[178]
Concluindo, em sentido semelhante, pelo fato de a jurisprudência não ter alcançado o nível de
exigência constitucional proposto no texto maior, cf. CASTILHO, Manoel Lauro Volkmer de. Meio
ambiente e desapropriação agrária. Revista de Direito Ambiental, v. 20, p. 37 et seq., out. 2000.

[179]
Para maior desenvolvimento sobre questões negligenciadas pela Constituição no tema da produção
agrária, cf. BASSO, Joaquim. A insuficiência da função social da propriedade como critério orientador
do exercício da propriedade agrária. Campo Jurídico, v. 3, n. 1, p. 53-82, maio de 2015.

[180]
BORGES, Paulo Torminn. Institutos Básicos do Direito Agrário. 11ª Edição, São Paulo, Editora
Saraiva, 1998. 45 p.

[181]
NAVARRO, Zander. O mundo rural no Brasil do século 21. Embrapa. Brasília, DF. 2014. 714 p.

[182]
BOBBIO, Norbert. Dicionário de Política. Brasília. Editora da Universidade de Brasília, 1994, 1.030 p.

[183]
PROENÇA, Alencar Mello. Compêndio de Direito Agrário. Pelotas. Editora da Universidade Católica
de Pelotas, 2007, 86 p.

[184]
BORGES, Antônio Moura. Curso completo de direito agrário – 4ª. Ed. – Campo Grande:
Contemplar, 2012.

[185]
PROENÇA, Alencar Mello. Compêndio de Direito Agrário. Pelotas. Editora da Universidade Católica
de Pelotas, 2007, 87 p.

[186]
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª edição, São Paulo:
Malheiros Editores, 2010.

[187]
FALCÃO, Ismael Marinho. Direito agrário brasileiro: doutrina, jurisprudência, legislação e prática.

[188]
BORGES, Antônio Moura. Curso completo de direito agrário – 4ª. Ed. – Campo Grande:
Contemplar, 2012.

[189]
BRASIL. Emenda Constitucional n°10, de 09 de Novembro de 1964. Diário do Congresso Nacional.
Brasília, DF, 10 nov., 1964.
[190]
GODOY, Luciano de Souza. Direito Agrário Constitucional. São Paulo. Editora Atlas S.A., 1998, 49 p.

[191]
Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Estatuto_da_Terra. Acesso em 03/06/2018.

[192]
BRASIL. Lei n° 4.504, de 30 de Novembro de 1964. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 30 nov.,
1964, retificado em 06/04/1965.

[193]
BORGES, Antonio Moura. Estatuto da Terra Comentado e Legislação Adesiva. Leme-SP. Editora
Edijur, 2007, 33-34 p.

[194]
BORGES, Antonio Moura. Estatuto da Terra Comentado e Legislação Adesiva. Leme-SP. Editora
Edijur, 2007, 36 p.

[195]
BRASIL. Constituição Federal Brasileira, de 24 de Janeiro de 1967. Diário Oficial da União. Brasília,
DF, 24 jan., 1967.

[196]
BRASIL. Constituição Federal Brasileira, de 05 de Outubro de 1998. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil. Brasília, DF, 05 out., 1988.

[197]
BORGES, Antônio Moura. Estatuto da Terra Comentado e Legislação Adesiva. Leme-SP. Editora
Edijur, 2007, 40 p.

[198]
BORGES, Paulo Torminn. Institutos Básicos do Direito Agrário. 11ª Edição, São Paulo, Editora
Saraiva, 1998. 06 p.

[199]
BORGES, Paulo Torminn. Institutos Básicos do Direito Agrário. 11ª Edição, São Paulo, Editora
Saraiva, 1998. 07 p.

[200]
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. A propriedade no Direito Ambiental. 3ª ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008.

[201]
Disponível em https://www.alainet.org/pt/articulo/170668. Acesso em 03/04/2018.

[202]
BORGES, Antônio Moura. Estatuto da Terra Comentado e Legislação Adesiva. Leme-SP. Editora
Edijur, 2007, 37-38 p.

[203]
Disponível em http://www.incra.gov.br/imovel_improdutivo. Acesso 29/05/2018.

[204]
BRASIL. Lei n° 8.629/93, de 25 de Fevereiro de 1993. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 26 fev.,
1993.

[205]
Lei 6739/79, art. 1º - A requerimento de pessoa jurídica de direito público ao corregedor-geral da
justiça, são declarados inexistentes e cancelados a matrícula e o registro de imóvel rural vinculado a
título nulo de pleno direito”... (n.g.)

[206]
Pode gerar evicção, ou seja, o direito de cobrar reparação de quem lhe vendeu as terras (Código
Civil/2002, artigos 447/457).

[207]
DEVISATE, Rogério Reis. Grilagem das Terras e da Soberania. Rio de Janeiro, ImagemArtStudio,
2017, p. 59/60 (analisando o caso e o Provimento, que na internet pode ser acessado no site do TJ-
BA/Corregedoria http://www5.tjba.jus.br/corregedoria/images/pdf/provimentos19801999.pdf).

[208]
DEVISATE, Rogério Reis. Grilagem das Terras e da Soberania. Obra citada, p. 87/92.

[209]
Relacionado ao Provimento 013/2006/CJCI, da Corregedoria da Justiça do Estado do Pará que, tendo
avaliado aproximadamente cinqüenta mil documentos “de posse” emitidos em fins do Século XIX,
baseados em decreto estadual do ano de 1.891, bloqueou milhares de matrículas e produziu o
Provimento 002/2010-CJCI, que cancelou cerca de seis mil (6.000) matrículas no RGI – Registro Geral
de Imóveis e os registros e averbações subseqüentes.

[210]
DEVISATE, Rogerio Reis. Venda de terras a estrangeiros: passado, presente e futuro. Artigo publicado
em Dezembro/2017. Site JusNavigandi. Jus.com.br. Fonte https://jus.com.br/artigos/62606/venda-de-
terras-a-estrangeiros-passado-presente-e-futuro; consulta em 23.5.2018, 19:56h.

[211]
Exemplifica o Provimento 004/81, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado da Bahia, pelo qual
muitos estrangeiros e brasileiros perderam as grandes propriedades rurais (e os investimentos feitos no
Brasil), algumas com dezenas de milhares de hectares, por insanáveis vícios dos títulos de origem – o
inquérito que o precedeu falava em cerca de seis milhões de hectares.

[212]
“o total de terras no país sob suspeita de serem griladas é de aproximadamente 100 milhões de
hectares. Isso representa quatro vezes a área do estado de São Paulo, quase 12% do território nacional. O
Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Incra, confirmou em julho de 2000 o
cancelamento do cadastro de 1.899 grandes propriedades rurais, com área total equivalente a 62,7
milhões de hectares”... (Governo Federal: A grilagem de terras públicas na Amazônia brasileira/Instituto
de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM. Série Estudos 8 – Brasília: Ministério do Meio Ambiente
- MMA, 2006 – fonte:
http://www.mma.gov.br/estruturas/168/_publicacao/168_publicacao30012009114114.pdf, página 16,
consulta em 17.2.2015, 11:20h)

[213]
ROCHA, Ibraim. Cancelamento do Registro de Imóveis decorrente de nulidades, independente de ação
judicial. Possibilidade. Revista da Procuradoria Geral do Estado do Pará, Belém: Imprensa Oficial do
Estado do Pará, n.s 14/15, jan/jun-jul/dez, 2006, p. 38/39.

[214]
BORGES, Antonio Moura. Divisão e Demarcação de Terras, 2ª ed., Campo Grande, Contemplar,
2012, p. 536 e 539.

[215]
FAORO, Raymundo, Os Donos do Poder, obra cit., p. 484: ...“os sistemas legais – a sesmaria (até
1822), a posse (até 1850), a venda ou concessão (depois de 1850) – traduzem conflitos e tensões,
tentativas e objetivos harmônicos com o curso geral da economia”...

[216]
Apenas como exemplo, citamos a legislação do Estado de Goiás, que diz que “Art. 3° São terras
devolutas pertencentes ao Estado de Goiás as assim definidas pela Lei n° 601, de 18 de setembro de
1850, que lhe foram transferidas pela Constituição da República de 1891 e que não se compreendam
entre as do domínio da União por força da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.”
(Lei nº 18.826, DE 19 DE MAIO DE 2015, que em seu art. 1º cuida da “regularização fundiária das
terras devolutas do Estado de Goiás” – fonte http://www.gabinetecivil.go.gov.br/pagina_leis.php?
id=12906)

[217]
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio a Castello (1930-64), tradução Berilo Vargas. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010, p. 68.

[218]
DEVISATE, Rogério Reis. Grilagem das Terras e da Soberania. Obra citada, p. 99: ... “o grilo faz parte
da nossa história, em certa medida isso percebemos até na tolerância com “declarações inexatas”, como
consta na Lei de Terras de 1850, regramento do chamado Registro Paroquial, que as prevê (diz o art. 13,
da Lei 601/1850, art. 13, que far-se-á “o registro das terras possuídas, sobre as declarações feitas pelos
respectivos possuidores)”.

[219]
MAIA, Altir de Souza, Registro Paroquial, in Revista de Direito Agrário, Ano 1, n. 1, 2o
trimestre/1973, publicação do INCRA, Brasília, 1973, p. 5: ... “art 94 [...] as declarações de que tratam
esse artigo e o antecedente não conferem algum direito aos possuidores [...] o registro do vigário não
confere jus in re nem direito nenhum”...

[220]
Certidão do RGI, datada de 02 de abril de 2.014, passada pelo Cartório de Goiás-GO, certificando
abertura de matrícula, com base em registro paroquial.

[221]
DEVISATE, Rogerio Reis. O novo código florestal rearma a velha grilagem de terras - Embora com
finalidade diversa, o Cadastro Ambiental Rural se forma de modo assemelhado ao que ocorreu com o
Registro Paroquial (da lei de Terras de 1850) e rearma a Grilagem de Terras Públicas. Artigo. Site Jus
Navigandi. Novembro 2017.

[222]
SILVA, Ângela. Obra cit, P. 50, nota 18 (citando Messias Junqueira, obra citada, p. 107).

[223]
Constituição Federal, artigo 20, inciso II – n.g.

[224]
CF/88, Art. 188. A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política
agrícola e com o plano nacional de reforma agrária.
§ 1º A alienação ou a concessão, a qualquer título, de terras públicas com área superior a dois mil e
quinhentos hectares a pessoa física ou jurídica, ainda que por interposta pessoa, dependerá de prévia
aprovação do Congresso Nacional.
§ 2º Excetuam-se do disposto no parágrafo anterior as alienações ou as concessões de terras públicas
para fins de reforma agrária.
[225]
Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

[226]
DUTRA E SILVA, Sandro. No Oeste, a terra e o céu: a expansão da fronteira agrícola no Brasil central.
Rio de Janeiro: Mauad Editora, 1ª ed., 2017.

[227]
Certidões do Registro de Imóveis: Comarca de Santa Maria da Vitória, Certidão do Cartório do RGI,
datada de 03.3.1993 (certidão original); Comarca de Correntina, Certidão do Cartório do RGI, de Inteiro
Teor, datada de 28.11.2014 (certidão original).

[228]
Isto É – Economia. China compra terras no exterior em ritmo voraz. Edição 2526; 23.2.2018. site
https://istoe.com.br/china-compra-terras-no-exterior-em-ritmo-voraz/ - consulta em 18.5.2018, às
01:26h.
[229]
CARVALHO, Edson Ferreira de. Manual Didático de Direito Agrário. Curitiba. Juruá Editora. 2010, p.
237.

[230]
STF, RE 51.290-GO, j. 24.9.1968, Relator Ministro Evandro Lins e Silva (...”a transcrição não expurga
de vícios o domínio nem a posse pode se objetivar sobre coisa fora de comércio”... - Processo citado, fls.
665; no Acórdão citado, página 6 – nossos os grifos)

[231]
STF, Súmula 340: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais como os demais bens
públicos não podem ser adquiridos por usucapião”.

[232]
STF, Tribunal Pleno, ACO n. 132/MT; Rel. Ministro Aliomar Baleeiro. J. 04.4.1973.

[233]
ALVIN, Arruda. Mandado de Segurança e Direito Público. Estudos e Pareceres. Editora Revista dos
Tribunais. São Paulo. 1995, p. 201.

[234]
Na jurisprudência: TRF-1, 4ª Turma – Ac 19.207-DF 95.01.19207-5, Rel. Juíza Eliana Calmon, j.
19.4.2007, p 26.5.1997, DJ p. 37652: “natureza eminentemente declaratória”... Na doutrina:
GUGLIELMI, Vito José. As terras devolutas e seu registro. Revista de Direito Imobiliário. Editora
Revista dos Tribunais. São Paulo, Janeiro/junho de 1992, p. 106 e 107; ASSIS, Jacy de. Ação
Discriminatória, Forense, Rio de Janeiro, 1978, P. 32.

[235]
DEVISATE, Rogério Reis. Grilagem das Terras e da Soberania. Obra citada. p. 149.

[236]
BORGES, Marcos Afonso. Ação Discriminatória. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado
de São Paulo, São Paulo, Brasil, 1971, p. 195/211 (p. 208).

[237]
Como consta na Sentença proferida na Ação Discriminatória de terras situadas no Município de Nova
Roma, Comarca de Formosa, em 5 de março de 1982, pelo Juiz de Direito Felipe Batista Cordeiro, p
31/32 – Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado de Goiás na Internet – Fonte
http://www.pge.go.gov.br/revista/index.php/revistapge/article/view/296/272; consulta em 31.5.2018, às
11:37h.

[238]
CARVALHO, Edson Ferreira de. Obra cit., p. 235: ... “segundo informações do INCRA (2009) o
Município de Sena Madureira apresentava uma área cadastrada correspondente a 185,3% de sua área
total, Brasiléia 164,4%, Manoel Urbano 123,0%, Rio Branco 118,6% e Xapuri 108,0%”.
(acrescentamos: com “andares” de terra).

[239]
DEVISATE, Rogerio Reis. Grilagem das Terras e da Soberania. Obra citada, PP. 151.

[240]
GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo, Tomás-Ramon Fernández. Curso de Direito Administrativo
(tradução Arnaldo Setti, Colaboração Almudena Marín Lopez e Elaine Alves Rodrigues). São Paulo, Ed.
Revista dos Tribunais, 1990, p. 531.

[241]
MEDAUAR, Odete. Direito Deministrativo Moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996,
p. 181.

[242]
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros,
1993, 4ª Ed., p. 231.

[243]
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Ed.
Forense, 2014, 16ª edição, p. 221/222.

[244]
MIRANDA, Pontes de. Direito das coisas: propriedade. Aquisição da propriedade imobiliária. Parte
Especial. Tomo XI. Atualizado pro Luiz Edson Fachin. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2012, p.
21.

[245]
MONTE ALEGRE, José Sérgio. A estabilidade da relação jurídica administrativa e a anulação de atos
ilícitos. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 139:286-297, jan/mar, 1980, p. 287.

[246]
“Natura non facit saltus” (a natureza não dá saltos), percepção que, aplicada ao registro imobiliário,
exigirá transcrição anterior.

[247]
CARVALHO, Afrânio. Registro de Imóveis. 4ª Ed.. São Paulo, Ed Forense. 1997, p. 394.

[248]
STJ, 3ª Turma, RMS 9.372-SP, Relator Ministro Antonio de Pádua Ribeiro, j. 19.5.2005 (DJ
13.6.2005, p. 285).

[249]
O Governo Federal, pelo Ministério do Meio Ambiente, em trecho aqui destacado do conjunto,
afirmou “Se toda grilagem de terra é ilegal, não há alternativa para o governo a não ser recuperar a terra
para o patrimônio público, pois a origem da ocupação está viciada e não há como admitir a confirmação
dos atos praticados.” (A grilagem de terras públicas na Amazônia brasileira/Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia – IPAM. Série Estudos 8 – Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2006 –
fonte: http://www.mma.gov.br/estruturas/168/_publicacao/168_publicacao30012009114114.pdf (página
20); consulta em 17.2.2015, às 00:48h.

[250]
“compreendeu Rui Barbosa que as alienações se deveriam vincular umas às outras, numa corrente
perfeita, em seqüência lógica, sem truncamentos, ligada a transação subsequente à antecedente,
possibilitando a perquirição última até a boa origem” (ERPEN, Décio Antonio. O registro torrens e o
sistema imobiliário atual. RDI 19-20/60. Janeiro/dezembro/1987, p. 310 - reproduzida na obra Direito
Registral, Doutrinas Essenciais, Edições Especiais, Revista dos Tribunais 100 anos, org. por Ricardo
Dip e Sérgio Jacomino, Vol. VI, Registro Imobiliário: Dinâmica Registral, n. 18. São Paulo, Ed. RT,
2012, p. 305/309).

[251]
PEREIRA, Virgílio de Sá, Manual do Código Civil Brasileiro, vol. VIII, 1ª. Ed, página 116, pois,
acrescentamos, antes de ser feita a sua matrícula ou registro relativo ao imóvel este é identificado com
rigor e perfeitamente individualizado.

[252]
AZEVEDO, Pedro Ferreira de. O Registro Torrens. Artigo publicado na Revista dos Tribunais, RT
315/487, janeiro de 1962, páginas 853/862 (citação: fls. 857).

[253]
DEVISATE, Rogerio Reis. Grilagem das Terras e da Soberania. Obra citada, pp.165/170 (citando e
analisando o V. Acórdão transitado em julgado e proferido na Apelação Cível 9.609/1969, do Tribunal
de Justiça do Estado da Bahia, julgado em 22.10.1969, anulando registro Torrens).

[254]
ASSIS. Jacy de. Do Registro Torrens. Revista dos Tribunais. RT 371/20. Setembro/1966. Reproduzido
na obra Doutrinas Essenciais – Direito Registral, Vol. VI, Registro Imobiliário: Dinâmica Registral,
Organizadores Ricardo Dip e Sérgio Jacomino, sob o n. 31 (p. 583/601), Editora Revista dos Tribunais,
São Paulo, citando, na nota 49, Lopes da Costa e seu Manuel elementar de Direito Processual Civil
(Edição de 1956, n. 634, pág. 368): ...”Sem dúvida o processo de registro Torrens é tipicamente de
procedimento edital judicial. É de jurisdição graciosa a sentença, de natureza constitutiva”.

[255]
Artigo 75, § 1º do Decreto n. 451-B de 1890.

[256]
GARCIA, Paulo. Terras Devolutas. Ed. Livraria Oscar Nicolai, 1958, p. 165: ...”Eis ai uma das
grandes vantagens do instituto, saneando as tramas administrativas, ensejando ampla defesa aos
verdadeiros titulares do direito”...

[257]
DEVISATE, Rogério. Usucapião tabular: análise sistêmica (para que não sirva como sanatória da
“grilagem” presente na realidade fundiária brasileira). Revista de Direito da Escola da Magistratura do
Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. 65ª edição. Rio de Janeiro, maio/agosto de 2014, p. 207/236
(também publicado na Revista de Direitos Difusos, vol. 62, Coordenadores Guilherme José Purvin de
Figueiredo e Marcelo Abelha Rodrigues. São Paulo, IBAP – Instituto Brasileiro de Advocacia Pública,
Julho-Dezembro/2014, p. 119/150).

[258]
DEVISATE, Rogério Reis. Grilagem das Terras e da Soberania. Obra citada, p. 165.

[259]
SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. Vol. 6. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996,
página 653.

[260]
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. 22ª edição, Rio de Janeiro: Forense,
2014, página 101.

[261]
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia. 2ª ed., São
Paulo: Saraiva, 1986.

[262]
SWENSSON, Walter Cruz, Renato Swensson Neto e Alessandra Seino Granja Swensson. Lei de
Registros Públicos Anotada. São Paulo. Editora Juarez de Oliveira, 4ª. edição, 2006, p. 541:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Bloqueio e cancelamento da transcrição - Admissibilidade –
Irregularidade no imóvel – Nulidade de pleno direito – Dispensabilidade de ação direta – Inteligência do
art. 214 da Lei n. 6.015/973 – Poder – Dever da Administração Pública – Inexistência de ofensa ao
princípio do contraditório – Recurso não provido (Processo CG n. 1.821/94) Corregedoria Geral da
Justiça de São Paulo.”

[263]
CARVALHO, Afrânio. Registro de Imóveis. 4ª Ed.. São Paulo, Ed Forense. 1997, p. 394.

[264]
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo IV. Atualizado por Marcos
Bernardes de Mello e Marcos Ehrhardt Jr, São Paulo, ed. RT, 2013, p. 107.

[265]
CENEVIVA, Walter, Lei dos Registros Públicos Comentada, ed. Saraiva, 19ª edição, 2009, p. 505.

[266]
Obra cit., p. 108.

[267]
Obra cit., p. 110.
[268]
PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. Parte Geral, Tomo IV. Atualizado por Marcos
Bernardes de Mello e Marcos Ehrhardt Jr, São Paulo, ed. RT, 2013, trechos citados na página 250.

[269]
STJ – 3ª Turma, Resp 12.511-SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 08.10.1991, DJ 04.11.1991.

[270]
STJ – 3ª Turma, AGA 84.867-PR, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 27.8.1996, DJ
14.10.1996.

[271]
PONTES DE MIRANDA, obra cit., p. 350.

[272]
CF/88: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência”...

[273]
STJ, 3ª Turma, RMS 17.436/AM, Rel. Min. Castro Filho, 3ª Turma, j. 29/06/2004, DJ 09/08/2004 p.
267.

[274]
STF, Pleno, Representação de Insconstitucionalidade n. 1070-DF, Rel. Min. Moreira Alves, j.
23.3.1983.

[275]
DEVISATE, Rogerio Reis. Grilagem das Terras e da Soberania. Obra citada, p. 54/81.

[276]
DEVISATE, Rogerio Reis. Grilagem das Terras e da Soberania. Obra citada, p. 54/55; notas de rodapé
108 e 109, citando a Ação Penal Originária 44 – Tribunal Pleno/TJ/GO. Denúncia de 31.8.1972,
oferecida pelo Ministério Público Federal, fls. 1.253/1.283 – dimensão indicada às fls. 1258, ao final do
item 3, onde se lê: “abrangendo um total de aproximadamente 6.065.879 hectares; [...] procurações com
amplos poderes para venda de direitos hereditários sabidamente inexistentes [...] na fabricação desses
títulos de propriedade, ideologicamente falsos, pois se referem a terras devolutas Brasília, 31 de agosto
de 1972” (nossos os grifos).

[277]
DEVISATE, Rogerio Reis. Grilagem das Terras e da Soberania. Obra citada, p. 74/78:
...“fraudulentamente [...] inventários, concluídos naquele Juízo do Estado de Goiás, no mínimo espaço
de 48 horas, com o sacrifício de todos os prazos legais, sem provas dos óbitos [...] com as mais
grosseiras violações [...] assentamentos nos livros paroquiais, cuja falsidade material, no entanto, foi
proclamada e evidenciada no acórdão [...] a sobredita decisão condenou, nas penas dos crimes de
falsidade ideológica, estelionato e de uso de documento falso [...] consubstanciando-se, assim, a fortiori,
a nulidade absoluta de tais registros [...] declarar inexistentes e cancelados, nos termos do art. 1º da Lei
nº 6739/79, as matrículas e os registros dos imóveis rurais supra-elencados... (trechos destacados -
nossos os grifos).

[278]
DEVISATE, Rogerio Reis. Grilagem das Terras e da Soberania. Obra cit., p. 54/81. CPI citada:
Resolução n. 94/1970, de 1º-7-1970 (para o uso do Brasão da República Federativa do Brasil em
documentos particulares) e Vol. II, páginas 221/241 c/c 235 e seguintes (sobre Audiência Pública no
Senado dos EUA).

[279]
DEVISATE, Rogerio Reis. Grilagem das Terras e da Soberania. Obra cit., p. 59/60 (Arrolamentos de
inventados falecidos; escrituras de 8 e 9 de dezembro de 1966, lavradas em Taguá, Bahia – PGE.
Parecer citado, feito em papel timbrado do Ministério da Justiça – Departamento de Polícia Federal –
Delegacia Regional da Bahia, página impressa 16, correspondendo às fls. 23).

[280]
Parecer citado, p. impressa 19, equivalendo às fls. 26.

[281]
BRASIL. TRF 1ª Região. 9ª Vara Federal do Pará. Sentença. Fonte:
http://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php?secao=PA&proc=
00441578120104013900&seq_proc=1. Consulta em 30.8.2015, às 09:48h.

[282]
Íntegra da Sentença: site Consultor Jurídico, Justiça cancela a maior grilagem do país, 19.11.2011, às
7:40h, fonte: http://s.conjur.com.br/dl/gleba-curua-sentenca-cancelamento.pdf, consulta em 06.10.2015,
às 17:59h.

[283]
JUS BRASIL. MPF pede execução de sentença que cancelou a maior grilagem do mundo. P.
03.4.2013, ÀS 9:21. Fonte http://pr-pa.jusbrasil.com.br/noticias/100433582/mpf-pede-execucao-de-
sentenca-que-cancelou-a-maior-grilagem-do-mundo. Consulta em 30.8.2015, às 09:55h.

[284]
OPITZ, Silvia C.B. e Opitz, Oswaldo. Curso Completo de Direito Agrário. 7ª ed. São Paulo, ed.
Saraiva. 2013, p. 197.

[285]
Obra cit., p. 115.

[286]
Obra cit., p. 99

[287]
GRANDE JUNIOR, Cláudio. “USUCAPIÃO QUARENTENÁRIA SOBRE TERRAS DO ESTADO:
Fundamentos Jurídicos, Atualidade e Repercussão na Questão Agrária Brasileira” - Dissertação
apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Agrário da Universidade Federal de Goiás, como
requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Direito Agrário; Universidade Federal de Goiás,
2012;https://mestrado.direito.ufg.br/up/14/o/USUCAPI%C3%83O_QUARENTEN%C3%81RIA_SOBRE_TERRAS_DO
_Disserta%C3%A7%C3%A3o_-_Texto_Final_Revisto_-
_Cl%C3%A1udio_Grande_J%C3%BAnior_(1).pdf (consulta em 09.10.2015, às 02:27h), páginas 87/88
e 287/288.

[288]
Obra cit., p. 119/120.

[289]
...”Se o contrato de concessão de uso de terras públicas proibia a cessão, reputando nulo qualquer ato
nesse sentido, o cessionário não pode ser considerado parte contratante, mas mero esbulhador”...
(Apelação Cível 19990110850468-DF, p. 19.6.2007, fonte https://tj-
df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2706801/apelacao-civel-apc-19990110850468-df; consulta em
30.5.2018, às 21:32h).

[290]
MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. A desordem mundial: o espectro da total dominação: guerras por
procuração, terror, caos e catástrofes humanitárias. Rio de Janeiro. Ed. Civilização Brasileira, 1ª edição,
2016, p. 513 – trecho destacado e grifado.

[291]
“Quem plantou nas terras sob litígio o fez por sua conta e risco” (como consta em
http://www.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=noticias&page=6, sob o título “Arrozeiro quer prazo
para colher”; consulta feita em 09.4.2014-n.g.); “Fazendeiros terão de sair até abril” (matéria publicada
no Correio Brasiliense, em 26.3.2009”) e ”Arrozeiros acatam ordem de sair da reserva raposa serra do
sol, mas querem indenizações e o direito de colher a safra” (em matéria intitulada Os índios venceram,
publicada em http://revistagloborural.globo.com/GloboRural/0,6993,EEC1698650-1641,00.html –
consulta em 09.4.2014).

[292]
STF, ERE 52331-PR, Re. Min. Evandro Lins e Silva, DJ 30.3.1964. “II - Os bens públicos imóveis da
União não podem ser adquiridos por usucapião (CC, art. 67, Dec 22785/33, DL 9760/46, art. 200),
ressalvados os casos de praescriptio longissimi temporis, a de 40 consumado antes de 1917 e os do art.
5º, “e”, do DL 9760/46, III”.

[293]
Obra cit., p. 119/120.

[294]
GONÇALVES, Albenir Itaboraí Querubini e CERÉSER, Cassiano Portella. Função ambiental da
propriedade rural e dos contratos agrários. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2013. p. 23.

[295]
RIZZARDO, Arnado. Direito das Coisas. 7 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014. p. 175-176.

[296]
RIZZARDO, Arnaldo. Op. cit. p. 177.

[297]
OPITZ, Silvia C. B. e OPITZ, Oswaldo. Curso Completo de Direito Agrário. 2 ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 168.

[298]
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p.
206-201.

[299]
HIRONAKA, Giselda M. Fernandes Novaes. A função social do contrato. Revista de Direito Civil,
Imobiliário, Agrário e Empresarial, vol. 45, 1988, p. 141.

[300]
ARAUJO, Luiz Ernani Bonesso de. O Acesso à Terra no Estado Democrático de Direito. 1 ed.
Frederico Westphalen: Ed. da URI, 1998, p. 69.

[301]
Gize-se, neste ponto, que, enquanto a lei silenciava a respeito, o debate sobre a necessidade de
evolução do direito agrário era premente na política e na doutrina jurídica. No período compreendido
entre 1947 e 1962, foram apresentados em torno de quarenta e cinco projetos de leis sobre a reforma
agrária, muitos dos quais abordando diretamente a questão da função social da propriedade rural. O
debate já possuía alcance continental, deflagrado na América do Sul pela Carta de Punta del Este, em
1961, que apontava uma preocupação supranacional com a produtividade e com a definição de uma
conceituação de justiça social. A discussão e debates técnicos e ideológicos sobre o tema persistiram e
atingiram um pináculo a partir de 1963, resultando na assinatura do Decreto 53.770 por João Goulart e a
instauração do governo militar. Nesse sentido, é palpável que a questão da política agrária e do
paradigma pelo qual o direito pátrio deve ou deveria considerar a propriedade rural são pontos que estão
no cerne do debate político e jurídico nacional pelo menos desde a década de 40. Fatos históricos estes
que tornam ainda mais gritante o silêncio do direito positivado pátrio até 1964.

[302]
O debate sobre o que viria a ser o Estatuto da Terra persistiu mesmo após a queda do governo
democrático, com forte oposição social e política à novel legislação. Depoimento a respeito de grande
valor histórico e cultural são as memórias de Roberto Campos, diplomata e político atuante na questão
da reforma agrária tanto junto ao governo Jânio Quadros quanto junto ao governo Castello Branco.
(CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. 4 ed. Rio de Janeiro: Topbook, 2004).
[303]
Não se pode ignorar, entretanto, que a prática ainda muitas vezes se encontra presa a um paradigma
anterior inclusive ao do Estatuto da Terra. Como ilustra de forma magnífica Wellington Pacheco Barros,
autor de leitura indispensável para correta compreensão do tema, “Embora a função social da
propriedade seja, hoje, no País, mandamento constitucional, o que ainda se observa é uma perseverante
manutenção de seu conceito individual ou privatístico, numa intrigante distonia entre o direito
positivado e a realidade social de sua aplicação, mesmo por aqueles que operam a ciência jurídica e
sedimentam opiniões através da doutrina e jurisprudência, como se o conceito do código civil, uma lei
menor, ainda vigorasse, e não tivesse sofrido dimensionamento conceitual pela Carta Constitucional
vigente” (BARROS, Wellington Pacheco. Curso de direito agrário. v. 1. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1997, p. 36).

[304]
A doutrina e jurisprudência alemãs contrapõem tal espécie de liberdade, donde se inclui o direito de
propriedade e a garantia de casamento, às chamadas liberdades naturais. Estas são liberdades que não
necessitam do Estado para serem exercidas, porque correspondem a um comportamento individual ao
qual o Estado pode apenas, em regra, opor óbice. O direito de propriedade, doutra senda, é
exclusivamente uma atribuição normativa de bens e direitos a pessoas, liberdade de intenso cunho
normativo (SCHWABE, Jürgen e MARTINS, Leonardo. Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal
Constitucional Federal Alemão. Berlin: Konrad-Adenauer-Stiftung. p.720).

[305]
ZIBETTI, Darcy Walmor. Teoria tridimensional da função da terra no espaço rural. Curitiba: Juruá,
2005. p. 17.

[306]
MACHADO, João Sidnei Duarte. A Parceria Agrícola no Direito Brasileiro. 1 ed. Porto Alegre: S. A.
Fabris, 2004. p. 46.

[307]
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Contratos agrários. Revista de Direito Civil,
Imobiliário, Agrário e Empresarial, São Paulo, v. 14, n. 53, p. 100-121, jul./set. 1990. p. 111.

[308]
Existe debate doutrinário, especialmente no campo civilista, a respeito da natureza da função social
relativa aos contratos. A principal discussão gira em torno da positivação do principio no Código Civil
de 2002, tornando a função social dos contratos cláusula geral e supostamente perdendo seu caráter
axiológico. Com isso, a função social teria sido alterada para adquirir natureza de norma jurídica.
Quanto a isto, entendemos adequado o posicionamento de Cláudio Luiz Bueno de Godoy, que entende
que a função social é tanto um princípio quanto uma cláusula geral, que remete o juiz a um princípio
contido no próprio ordenamento (GODOY, Cláudio Luiz Bueno. A função social do contrato. 4 ed. São
Paulo: Saraiva, 2013. p. 148).

[309]
MACHADO, Antônio Luiz Ribeiro. Manual Prático dos Contratos Agrários e Pecuários. 3 Ed. São
Paulo: Saraiva, 1991. p. 3.

[310]
GONÇALVES, Albenir Itaboraí Querubini e CERÉSER, Cassiano Portella. Função ambiental da
propriedade rural e dos contratos agrários. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2013. p. 119.

[311]
TABARELLI, Liane. Contratos agrários e sustentabilidade ambiental. 1 ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado. p. 104.

[312]
COELHO, José Fernando Lutz. Contratos Agrários: Uma Visão Neoagrarista. 2° Ed. Revista e
Atualizada de Acordo com o Novo Código de Processo Civil. Curitiba: Juruá, 2016. p. 64.
[313]
Observe-se, aqui, que não se está a questionar a presença destas empresas e sua atuação no campo.
Hoje, é necessário aceitar a presença e o valor que estas empresas possuem, inclusive no cumprimento
da função social da propriedade rural. A coexistência da atuação do grande capital com a do homem do
campo não é apenas possível, mas deve ser um objetivo legal. Neste sentido, também aponta Zibetti
(ZIBETTI, Darcy Walmor. A agroindústria no sistema do direito agrário e do desenvolvimento
sustentável. In: ZIBETTI, Darcy Walmor e BARROSO, Lucas Abreu. (org.). Agroindústria: uma análise
do contexto socioeconômico e jurídico brasileiro. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito. 2009 p.
11-12.

[314]
Trabalho de suma importância desenvolvida pro estes pesquisadores, que, analisando os dados do
Censo Agropecuário de 2006, concluíram que a tecnologia explica a maior parte das desigualdades de
renda bruta no Brasil rural. De 100% de crescimento da renda bruta, a terra explicou 9,6%; trabalho,
22,3%; e tecnologia, 68,1%, sendo que o trabalho representa o valor gasto com os trabalhadores, a
tecnologia significando a soma dos valores dos insumos que carregam tecnologia, e terra a área do
estabelecimento em hectares (ALVES, Eliseu; SOUZA, Geraldo; GOMES, Eliane; MAGALHÃES,
Eduardo; ROCHA, Daniela. Um modelo de produção para a agricultura brasileira e a importância da
pesquisa da Embrapa. Revista de Política Agrícola, Brasilia: Secretaria Nacional de Política Agrícola,
Companhia Nacional de Abastecimento, v. 21, n.4, p. 35-59, 2012).

[315]
O regime de cláusulas obrigatórias em geral se coaduna à dimensão ambiental da função social da
propriedade, ao estabelecer reservas mínimas para a preservação do meio ambiente. Inobstante, também
merece cuidado e revisões neste ponto, de modo a melhor abranger o entendimento constitucional do
tema, muito mais protetivo do meio ambiente. Neste sentido, remetemos aos supramencionados
trabalhos de Liane Tabarelli (TABARELLI, Liane, op. cit.) e de Albernir Itaboraí Querubini Gonçalves e
Cassiano Portella Ceréser (GONÇALVES, Albenir Itaboraí Querubini e CERÉSER, Cassiano Portella,
op. cit.).

[316]
PROENÇA, Alencar Mello. Compêndio de Direito Agrário. 1 ed. Pelotas: EDUCAT, 2007. p. 321.

[317]
Não se pode olvidar que a vinculação do crescimento econômico como vetor redutor da pobreza está
condicionada a um imenso conjunto de regras formais e informais, “que vão da Constituição ao mais
simples dos costumes ou tradições, passando, é claro, pela distribuição do direito de propriedade, ou
pelas transferências de renda operadas por todas as esferas governamentais” (VEIGA, José Eli da. Males
independentes. Jornal Estadão, São Paulo, 2002. Disponível em: http://www.zeeli.pro.br/3456 Acesso
em: 11/05/2017).

[318]
Sobre a tabela:
* A questão da materialidade do ITR é tema de grande controvérsia no meio acadêmico. Há os que
defendem a tese de que somente a propriedade de imóvel rural seria fato jurídico suficiente para
caracterizar a materialidade delimitada pelo art. 153, VI, da CF, sendo, pois, inconstitucionais neste
ponto os artigos 29 do CTN e 1º da Lei nº 9.393/96, por extrapolarem a previsão constitucional. A esta
tese manifestamos nossa concordância. Mas, como não é este o objeto do presente estudo, deixamos
registrado o entendimento mais abrangente.
* O critério temporal não deve ser confundido com o momento da apuração do ITR ou com o
vencimento do prazo para pagamento do tributo, pois tratam-se de situações completamente distintas.
Enquanto o critério temporal diz respeito ao momento em que se verifica a incidência da norma jurídica
a que denominamos RMIT, o momento de apuração e prazo para pagamento dizem respeito ao momento
do cumprimento das obrigações desencadeadas pela incidência desta norma.
* Registra-se que a possibilidade da cobrança, arrecadação e fiscalização do ITR ser transferida para os
municípios não implica em modificação da competência tributária. Como dito, esta é indelegável e será
sempre exercida, no caso do ITR, privativamente pela União Federal. O que é passível de delegação é a
capacidade tributária ativa, ou seja, a capacidade para figurar no polo ativo da relação jurídico-
tributário.
* Renova-se aqui a observação feita no sentido de que a materialidade do ITR estaria limitada à
propriedade. Sendo esta a premissa, então somente o proprietário é que poderia figurar como sujeito
passivo da relação jurídico-tributária na qualidade de contribuinte.
[319]
Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho (2015, p. 282), os sobreprincípios são “primados
axiológicos do direito”, ou seja, são os ideais maiores que o Direito busca alcançar e que se irradiam por
todo o ordenamento, inclusive através de princípios. Além da isonomia, é o caso, por exemplo, da
segurança jurídica, sobreprincípio que se dissemina inclusive através dos princípios da legalidade, da
irretroatividade e da anterioridade.

[320]
“Art. 145. § 1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a
capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir
efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o
patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

[321]
Há quem considere a progressividade em verdade um subprincípio da capacidade contributiva. Nesse
sentido: CONTI, José Maurício. Sistema Constitucional Tributário Interpretado pelos Tribunais. São
Paulo: Oliveira Mendes, 1997.

[322]
“§ 4º. O imposto previsto no inciso VI (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural / ITR) terá suas
alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas e não incidirá
sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário
que não possua outro imóvel”. Veja-se que, a partir da redação dada pela EC nº 42/2003, passou a
constar expressamente que o ITR “será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular
a manutenção de propriedades improdutivas”.

[323]
Por imposto real entende-se aqueles que são instituídos em decorrência de algum fato jurídico
tributário objetivo, como deter a propriedade de algum bem. São impostos que não levam em
consideração as condições subjetivas do contribuinte. Opõe-se aos tributos de caráter pessoal, cujo
lançamento é feito atendendo às condições pessoais do contribuinte (VELLOSO, 2012, p. 75).

[324]
Nesse sentido temos a Súmula nº 668 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe: “É inconstitucional a
lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas
para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.” E
também o Recurso Extraordinário nº 153.771, de relatoria do Min. Carlos Velloso, com acórdão relatado
pelo Min. Moreira Alves, julgado pelo Tribunal Pleno do STF em 20/11/1996 (DJ 05/09/1997, p.
41892), assim ementado: “IPTU. Progressividade. - No sistema tributário nacional é o IPTU
inequivocamente um imposto real. - Sob o império da atual Constituição, não é admitida a
progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse
imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica
do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo
156, § 1º (específico). - A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à
conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a
explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido
no artigo 156, I, § 1º. - Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU,
que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações
expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal. Recurso
extraordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o subitem 2.2.3 do setor II da Tabela
III da Lei 5.641, de 22.12.89, no município de Belo Horizonte.”

[325]
Supremo Tribunal Federal, Segunda Turma, RE 1038357 AgR / SP, Relator Min. Dias Toffoli,
julgamento em 06/02/2018, DJe-036 publicado em 26/02/2018.

[326]
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
VI - propriedade territorial rural;

[327]
§ 4º O imposto previsto no inciso VI do caput:
I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades
improdutivas;
II - não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não
possua outro imóvel;
III - será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não
implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal.
[328]
Art. 15 Compete à União decretar impostos sôbre:
VII - Propriedade territorial rural.
§ 9º O produto da arrecadação do impôsto territorial rural será entregue, na forma da lei, pela União aos
Municípios onde estejam localizados os imóveis sôbre os quais incida a tributação.
[329]
Art. 158. Pertencem aos Municípios:
II - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial
rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se
refere o art. 153, § 4º, III;

[330]
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:
I - “Imóvel Rural”, o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina
à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de
valorização, quer através de iniciativa privada;

[331]
Art. 29. O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato
gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil,
localização fora da zona urbana do Município.
Art. 30. A base do cálculo do imposto é o valor fundiário.
Art. 31. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou o seu
possuidor a qualquer título.
[332]
Art. 1º O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, de apuração anual, tem como fato
gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana
do município, em 1º de janeiro de cada ano.
§ 1º O ITR incide inclusive sobre o imóvel declarado de interesse social para fins de reforma agrária,
enquanto não transferida a propriedade, exceto se houver imissão prévia na posse.
§ 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se imóvel rural a área contínua, formada de uma ou mais
parcelas de terras, localizada na zona rural do município.
§ 3º O imóvel que pertencer a mais de um município deverá ser enquadrado no município onde fique a
sede do imóvel e, se esta não existir, será enquadrado no município onde se localize a maior parte do
imóvel.
[333]
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.
MANDADO DE SEGURANÇA. INEXIGIBILIDADE DO ITR DE IMÓVEL RURAL INVADIDO
POR SEM TERRAS. AUSÊNCIA DE FATO GERADOR. AGRAVO REGIMENTAL DA FAZENDA
NACIONAL DESPROVIDO. 1. Consoante já decidiu esta Corte, se o proprietário não detém o domínio
ou a posse do imóvel, invadido pelos Sem Terra, a sua titularidade, tão-somente, não configura fato
gerador do ITR (REsp. 963.499/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 14.12.2009; e REsp.
1.144.982/PR, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 15.10.2009). [...] (AgRg no REsp
1346328/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em
15/12/2016, DJe 06/02/2017)

[334]
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. [...] ITR. IMÓVEL INVADIDO POR INTEGRANTES DE
MOVIMENTO DE FAMÍLIAS SEM-TERRA. AÇÃO DECLARATÓRIA. PRESCRIÇÃO
QUINQUENAL. FATO GERADOR DO ITR. PROPRIEDADE. [...] INEXISTÊNCIA DE HIPÓTESE
DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. PERDA ANTECIPADA DA POSSE SEM O DEVIDO PROCESSO
DE DESAPROPRIAÇÃO. ESVAZIAMENTO DOS ELEMENTOS DA PROPRIEDADE.
DESAPARECIMENTO DA BASE MATERIAL DO FATO GERADOR. PRINCÍPIOS DA
RAZOABILIDADE E DA BOA-FÉ OBJETIVA. [...] 3. O Fato Gerador do ITR é a propriedade, o
domínio útil, ou a posse, consoante disposição do art. 29 do Código Tributário Nacional. 4. Sem a
presença dos elementos objetivos e subjetivos que a lei, expressa ou implicitamente, exige ao qualificar
a hipótese de incidência, não se constitui a relação jurídico-tributária. 5. A questão jurídica de fundo
cinge-se à legitimidade passiva do proprietário de imóvel rural, invadido por 80 famílias de sem-terra,
para responder pelo ITR. 6. Com a invasão, sobre cuja legitimidade não se faz qualquer juízo de valor, o
direito de propriedade ficou desprovido de praticamente todos os elementos a ele inerentes: não há mais
posse, nem possibilidade de uso ou fruição do bem. 7. Direito de propriedade sem posse, uso, fruição e
incapaz de gerar qualquer tipo de renda ao seu titular deixa de ser, na essência, direito de propriedade,
pois não passa de uma casca vazia à procura de seu conteúdo e sentido, uma formalidade legal negada
pela realidade dos fatos. [...] 11. Na peculiar situação dos autos, considerando a privação antecipada da
posse e o esvaziamento dos elementos da propriedade sem o devido processo de Desapropriação, é
inexigível o ITR ante o desaparecimento da base material do fato gerador e a violação dos Princípios da
Razoabilidade e da Boa-Fé Objetiva. 12. Recurso Especial parcialmente provido somente para
reconhecer a aplicação da prescrição quinquenal. (REsp 963.499/PR, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/03/2009, DJe 14/12/2009)

[335]
§ 1º - O imposto territorial não incidirá sobre sítios de área não excedente a vinte hectares, quando os
cultive, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel;

[336]
§ 4º - O imposto previsto no inciso VI terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a
manutenção de propriedades improdutivas e não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei,
quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel.

[337]
Determina o artigo 36 da IN/SRF n. 256/2002: “O sujeito passivo, inclusive o isento, ou a pessoa
imune deve apresentar anualmente, em modelo aprovado pela SRF, a Declaração do Imposto sobre a
Propriedade Territorial Rural (DITR) correspondente a cada imóvel rural, composta pelos seguintes
documentos:
I - Documento de Informação e Atualização Cadastral do ITR (Diac), mediante o qual o sujeito passivo,
inclusive o isento, ou a pessoa imune deve prestar à SRF as informações cadastrais correspondentes a
cada imóvel rural e a seu titular;
II - Documento de Informação e Apuração do ITR (Diat), mediante o qual o sujeito passivo deve prestar
à SRF as informações necessárias ao cálculo do ITR e apurar o valor do imposto correspondente a cada
imóvel rural.”
[338]
Art. 3º São imunes do ITR:
I - a pequena gleba rural, desde que o seu proprietário a explore só ou com sua família, e não possua
outro imóvel (Constituição Federal - CF, art. 153, § 4º; Lei nº 9.393, de 1996, arts. 2º e 4º);
II - os imóveis rurais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (CF, art. 150, inciso
VI, alínea “a”);
III - os imóveis rurais de autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, desde que
vinculados às suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes (CF, art. 150, inciso VI, alínea “a” e
§ 2º);
IV - os imóveis rurais de instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos,
relacionados às suas finalidades essenciais (CF, art. 150, inciso VI, alínea “c” e § 4º).
[339]
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. ADIN 1802 MC. Relator: Min. Sepúlveda
Pertence. Julgado em: 27 ago. 1998. DJ 13 fev. 2004.

[340]
O artigo 3º. da Lei n. 9.393/96 contempla hipótese de isenção para o imóvel rural compreendido em
programa oficial de reforma agrária, caracterizado pelas autoridades competentes como assentamento.

[341]
Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana
tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por
acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.
§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado
o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos
seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:
I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
II - abastecimento de água;
III - sistema de esgotos sanitários;
IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel
considerado.
§ 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes
de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio,
mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior.
[342]
IMPOSTO PREDIAL. CRITÉRIO PARA A CARACTERIZAÇÃO DO IMÓVEL COMO RURAL OU
COMO URBANO. A FIXAÇÃO DESSE CRITÉRIO, PARA FINS TRIBUTÁRIOS, E PRINCÍPIO
GERAL DE DIREITO TRIBUTÁRIO, E, PORTANTO, SÓ PODE SER ESTABELECIDO POR LEI
COMPLEMENTAR. O C.T.N. SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA DO S.T.F., E LEI
COMPLEMENTAR. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 6., E SEU PARAGRAFO ÚNICO
DA LEI FEDERAL 5.868, DE 12 DE DEZEMBRO DE 1972, UMA VEZ QUE, NÃO SENDO LEI
COMPLEMENTAR, NÃO PODERIA TER ESTABELECIDO CRITÉRIO, PARA FINS
TRIBUTÁRIOS, DE CARACTERIZAÇÃO DE IMÓVEL COMO RURAL OU URBANO DIVERSO
DO FIXADO NOS ARTIGOS 29 E 32 DO C.T.N. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E
PROVIDO, DECLARANDO-SE A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 6. E SEU
PARAGRAFO ÚNICO DA LEI FEDERAL 5.868, DE 12 DE DEZEMBRO DE 1972. (RE 93850,
Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 20/05/1982, DJ 27-08-1982 PP-08180
EMENT VOL-01264-02 PP-00336 RTJ VOL-00105-01 PP-00194)

[343]
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

[344]
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
III - função social da propriedade;

[345]
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo
critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
[346]
Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua
função social, na forma prevista nesta Lei.
§ 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas
famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a
cultivem.
[347]
Art.15. O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel de que,
comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial,
incidindo assim, sôbre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados.

[348]
DIREITO CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO PREDIAL E
TERRITORIAL URBANO (I.P.T.U.). IMPOSTO TERRITORIAL RURAL (I.T.R.). TAXA DE
CONSERVAÇÃO DE VIAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. R.E. não conhecido, pela letra “a”
do art. 102, III, da C.F., mantida a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal de Sorocaba, de
n 2.200, de 03.06.1983, que acrescentou o parágrafo 4 ao art. 27 da Lei n 1.444, de 13.12.1966. 2. R.E.
conhecido, pela letra “b”, mas improvido, mantida a declaração de inconstitucionalidade do art. 12 da
Lei federal n 5.868, de 12.12.1972, no ponto em que revogou o art. 15 do Decreto- lei n 57, de
18.11.1966. 3. Plenário. Votação unânime. (RE 140773, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES,
Tribunal Pleno, julgado em 08/10/1998, DJ 04-06-1999 PP-00017 EMENT VOL-01953-01 PP-00127)

[349]
AI 773785, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 10/09/2010, publicado em DJe-179
DIVULG 23/09/2010 PUBLIC 24/09/2010.

[350]
IPTU. ITR. LOCALIZAÇÃO. IMÓVEL.
A localização do imóvel não é suficiente para que se decida entre a incidência de IPTU ou ITR. Há que
se observar sua destinação econômica. AgRg no Ag 498.512-RS, Rel. Min. Peçanha Martins, julgado
em 22/3/2005.

[351]
TRIBUTÁRIO. IMÓVEL NA ÁREA URBANA. DESTINAÇÃO RURAL. IPTU. NÃO-
INCIDÊNCIA. ART. 15 DO DL 57/1966. RECURSO REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC. 1. Não
incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que
comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (art.
15 do DL 57/1966). 2. Recurso Especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da
Resolução 8/2008 do STJ. (REsp 1112646/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA
SEÇÃO, julgado em 26/08/2009, DJe 28/08/2009).

[352]
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. MUNICÍPIO DE
PORTO ALEGRE. IMÓVEL. DESTINAÇÃO RURAL. ITR. O critério para definir a incidência dos
impostos em questão - IPTU e ITR - é a destinação econômica do imóvel tributado. Assim, se esta for
rural, incide o ITR, independente dos requisitos do CTN. De outro lado, em não havendo destinação
rural, incidirá o IPTU. Dessa forma, ainda que o imóvel esteja localizado em área urbana do Município,
incidirá o ITR, caso o bem possua comprovadamente destinação econômica rural, com base no disposto
no art. 15 do Decreto-Lei nº 57/1966. Hipótese em que a parte embargante comprovou a destinação
rural, incidindo, portanto, o ITR. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70077134971, Primeira
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Luís Medeiros Fabrício, Julgado em
25/04/2018).

[353]
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 8. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 258.

[354]
GRAU, Eros. A Ordem Econômica na Constituição de 1988: Interpretação e Crítica. 19. Ed. São
Paulo: Malheiros, 2018. p. 248.

[355]
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 16. Ed. São Paulo: Saraiva,
2015. p. 83.

[356]
USP. PIB do Agronegócio brasileiro. Disponível em: http://www.cepea.esalq.usp.br/br/pib-do-
agronegocio-brasileiro.aspx Acesso em: 27 fev. 2017.

[357]
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 18. Ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 55.

[358]
TÔRRES, Heleno Taveira. et. al. Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 28.

[359]
Idem, p. 236.

[360]
Apud SEBASTIÃO, Simone Martins. Tributo ambiental. 1. Ed. 6. Reimp. Curitiba: Juruá, 2011. p.
218.

[361]
MILARÉ. Édis. Obra citada. p. 271.

[362]
SARLET, Ingo Wolfgang. et. al. Direito Constitucional Ambiental. 05 Ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2017. p. 37.

[363]
MACHADO, Hugo de Brito. Direito Constitucional Tributário. 02 Ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p.
50.

[364]
CARVALHO. Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 6. Ed. São Paulo: Noeses,
2015. p. 340.

[365]
SOUZA, Jorge Henrique de Oliveira. Tributação e meio ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
p.129.

[366]
SEBASTIÃO, Simone Martins. Tributo ambiental. 1. Ed. 6. Reimp. Curitiba: Juruá, 2011. p. 239.

[367]
SOUZA, James Marins et. al. Extrafiscalidade socioambiental. Doutrinas Essenciais de Direito
Ambiental, vol. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.17.

[368]
TÔRRES, et al. Obra citada. p. 313.
[369]
MONTERO, Carlos Eduardo Peralta. Obra citada. p. 275.

[370]
CAVALCANTE, Denise Lucena. Tributação ambiental: por uma remodelação ecológica dos tributos.
Nomos: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC v. 32.2, jul./dez. 2012. p. 13.

[371]
BARROSO, Lucas Abreu. et. al. O direito agrário na Constituição. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense,
2013. p. 54-58.

[372]
GRASSI NETO, Roberto. Segurança alimentar: da produção agrária à proteção do consumidor. São
Paulo: Saraiva, 2013. p.67-68.

[373]
ZIBETTI, Darcy Walmor. Teoria tridimensional da função da terra no espaço rural. 01. Ed. Curitiba:
Juruá, 2010. p. 13.

[374]
MANIGLIA, Elizabete. Atendimento da função social pelo imóvel rural. in BARROSO, Lucas Abreu
et. al. O direito agrário na Constituição. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 47.

[375]
ROCHA, IBRAIM et. al. Manual de Direito Agrário Constitucional: Lições de Direito
Agroambiental. Belo Horizonte: Forum, 2015. p. 47.

[376]
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 41. Ed. São Paulo: Malheiros, 2018. p.
833.

[377]
MANIGLIA, Elizabete. Obra citada. p. 32.

[378]
Apud SILVA, José Afonso. Obra citada. p. 834.

[379]
Apud MILARÉ, Édis. Obra citada. p. 274.

[380]
GONÇALVES, Albenir Itaboraí Querubini. et. al. Função ambiental da propriedade rural e dos
contratos agrários. São Paulo: Ed. Universitária de Direito, 2013. p. 72.

[381]
BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos de direito agrário. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 1.995. p.
22.

[382]
TABARELLI, Liane. Contratos agrários e sustentabilidade ambiental. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2017. p. 138/139.

[383]
BORGES, Paulo Torminn. Obra citada. p. 14.

[384]
BURANELLO, Renato. Manual do Direito do Agronegócio. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 32.

[385]
ARAÚJO, Massilon. Fundamentos de Agronegócios. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 49.

[386]
CASSETTARI, Cristiano. Direito agrário. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 30.
[387]
ALABRESE, Mariagrazia et. al. Definição jurídica da atividade rural: uma árdua tarefa. Disponível
em: http://www.conjur.com.br/2017-mar-31/direito-agronegocio-definicao-juridica-atividade-agraria-
ardua-tarefa#_ednref2 Acesso em: 27 maio 2017.

[388]
TÔRRES, et. al., Obra citada, p. 167.

[389]
BORGES, Eduardo de Carvalho (org.). Tributação no Agronegócio. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
p. 28.

[390]
SOUZA, Jorge Henrique de Oliveira. Obra citada. p. 163.

[391]
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco et. al. Direito ambiental tributário. 3. Ed. São Paulo: Saraiva,
2010. p.135.

[392]
APPY, Bernard. O imposto territorial rural como forma de induzir boas práticas ambientais. IPAM:
2015. p. 16.

[393]
Idem, p. 20.

[394]
Ibidem, p. 36.

[395]
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Obra citada. p. 150.

[396]
SOUZA, Jorge Henrique de Oliveira. Obra citada. p. 168.

[397]
TUPIASSU, Lise et. al. Tributação, meio ambiente e desenvolvimento. 1. Ed. São Paulo: Forense.
Belém: CESUPA, 2016. p. 42.

[398]
BASSO, Joaquim. Programa de recuperação de pastagens degradadas do Mato Grosso do Sul assegura
vantagens fiscais ao produtor rural. Disponível em: http://direitoagrario.com/programa-recuperacao-
pastagens-degradadas-mato-grosso-do-sul-assegura-vantagens-fiscais-produtores-rurais/. Acesso em:
21/05/2018.

[399]
Idem.

[400]
BORGES, Eduardo de Carvalho (org.) Tributação no Agronegócio. São Paulo: Quartier Latin, 2015.
p. 179.

[401]
LUZ, Antônio da. et. al. Política Agrícola não interessa à agricultura. Rio Grande do Sul:
Agroanalisys, 2017.

[402]
ZIBETTI, Darcy Walmor. Obra citada. p. 89.

[403]
Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. (grifo nosso)
[404]
Disponível em: http://www.incra.gov.br/sites/default/files/incra-processosabertos-quilombolas-v2.pdf.
Acesso em 03 de junho de 2018.

[405]
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXII - é garantido o direito de
propriedade

[406]
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: [...] II - propriedade privada; III - função social da propriedade

[407]
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

[408]
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV - os direitos e
garantias individuais.

[409]
Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I - a pequena e média
propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; II - a propriedade
produtiva. Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará
normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social. (grifou-se)

[410]
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição. (grifou-se)

[411]
Movimento sociocultural e político em toda região do Grão Pará ocorrido durante o período da
Regência do 2º Império brasileiro, no período de 1835 a 1840, destacando-se como único levante da
história do Brasil em que o povo chegou ao Poder político.

[412]
Nos romances “Verde Vago Mundo”, Minosauro”, “A Outra Margem”, “Aquele Um”, “Maria de Todos
os Rios”.

[413]
Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850.

[414]
Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964.

[415]
Organização Não Governamental.

[416]
Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850.

[417]
Consta expressão “possuidores”, própria do regime jurídico civil.

[418]
Lançado pelo governo federal no dia 8 de maio de 2008.
http:www.mma.gov.br/florestas/controle-e-prevenção-do-desmatamento/plano-
amazônia-sustentável-pas

[419]
Assinado no dia 12 de dezembro de 2015.

[420]
Adotada em Nova York em 9 de maio e 1992.

[421]
Adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989. Promulgada no Brasil, por meio do Decreto nº 5.051,
de 19 de abril de 2004.

[422]
BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: Formação social e cultural, 3ª ed., Editora Valer, Manaus, 2009, p.
25.

[423]
BENCHIMOL, Samuel. A Amazônia e o terceiro milênio. Parcerias Estratégicas, Brasília, número 9,
2000. Disponível em: <http://www.ufpa.br/epdir/images/docs/paper27.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2017.

[424]
ROCHA, Ibraim. Manual de Direito Agrário Constitucional: lições de direito agroambiental. Belo
Horizonte: Fórum, 2010, p. 299.

[425]
PEREIRA, Lutero de Paiva. Financiamento Rural. Coleção Direito do Agronegócio. Vol. 4. 2ª Ed.
Curitiba: Juruá, 2009, p. 29.

[426]
PEREIRA, Lutero de Paiva. Op. cit.

[427]
WALDT, Arnoldo. Da necessidade de pagamento prévio para caracterização da Cédula do Produto
Rural. Rio de Janeiro: Revista Forense, nº 374, jul/ago 2004.

[428]
BURANELLO, Renato; BREDA, Renata Rodrigues. O Mercado de Capitais Brasileiro e o Certificado
de Recebíveis para Financiamento do Agronegócio. In BURANELLO, Renato [et.al.] (Coord.). Direito
do Agronegócio: Mercado, Regulação, Tributação e Meio Ambiente. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p.
581.

[429]
BORGES, Luis Ferreira Xavier. Securitização como parte da segregação de risco empresarial. Revista
de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo, nº 10, p. 257-267, out/dez,
2000.

[430]
CAMINHA, Uinie. Securitização. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

[431]
PEREIRA, Lutero de Paiva. Dívidas Bancárias: programas especiais de renegociação. Coleção Direito
Bancário. Vol. III. 3ª Ed. Curitiba: Juruá, 2008.

[432]
SANTIAGO, Luciano Sotero. A Securitização de Dívida Originária do Crédito Rural como Técnica
de Intervenção do Estado no Domínio Econômico. In Revista de Súmulas do Superior Tribunal de
Justiça - RSSTJ, ano 5, nº 23, out-2011, p. 334. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/
docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2011_23_capSumula298.pdf>. Acesso em 06-06-
2018.

[433]
MORAIS, Ezequiel; BERNARDINO, Diogo. Contratos de Crédito Bancário e de Crédito Rural:
Questões Polêmicas. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 31-32.
[434]
MORAIS, Ezequiel; BERNARDINO, Diogo. Op. cit., p. 32.

[435]
Loc. cit.

[436]
Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Quarta Turma. Apelação Cível nº 0002204-
92.2010.4.04.9999. Relatora Silvia Maria Gonçalves Goraieb. Publicado no Diário Eletrônico em
14/06/2010.

[437]
Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. Recurso Especial nº 1.123.539 / RS. Relator Ministro
Luiz Fux. Julgado em 09/12/2009. Publicado no Diário Eletrônico em 01/02/2010.

[438]
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2016; p. 52.

[439]
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 829.

[440]
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Presidência da República. Casa Civil.
Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1988.

[441]
JOTA. A cobrança do Funrural do empregador rural. Acesso em 12 de maio de 2018. Disponível em:
<https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-cobranca-do-funrural-do-empregador-rural-
30082017>.

[442]
JOTA. A cobrança do Funrural do empregador rural. Acesso em 12 de maio de 2018. Disponível em:
<https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-cobranca-do-funrural-do-empregador-rural-
30082017>

[443]
Aqui iniciou o problema da bitributação, já que o artigo 195, § 8º da Constituição Federal estabeleceu
que o produtor rural, o parceiro, o meeiro, o arrendatário rural e o pescador artesanal, bem como seus
cônjuges, que exercessem suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados
permanentes, deveriam contribuir para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre
o resultado da comercialização da produção e, só assim, fariam jus aos benefícios da lei, que seria
aposentar com um salário mínimo.

[444]
RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº. 718.874/RS. Acesso em 26 de maio de 2018; Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13715465>.

[445]
Leia-se lei complementar.

[446]
JOTA. A cobrança do Funrural do empregador rural. Acesso em 12 de maio de 2018. Disponível em:
<https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-cobranca-do-funrural-do-empregador-rural-
30082017>.

[447]
JOTA. A cobrança do Funrural do empregador rural. Acesso em 12 de maio de 2018. Disponível em:
<https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-cobranca-do-funrural-do-empregador-rural-
30082017>.

[448]
RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº. 363.852/MG. Acesso em 18 de março de 2018. Disponível em:
< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=610212>.

[449]
RIZZARDO, Arnaldo. Curso de Direito Agrário. 3ª edição revista, atualizada e ampliada. Thomson
Reuters. Revista dos Tribunais. P. 423

[450]
JOTA. A cobrança do Funrural do empregador rural. Acesso em 12 de maio de 2018. Disponível em:
<https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-cobranca-do-funrural-do-empregador-rural-
30082017>.

[451]
RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº. 596.177/RS. Acesso em 12 de maio de 2018. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=626799>.

[452]
JOTA. A cobrança do Funrural do empregador rural. Acesso em 12 de maio de 2018. Disponível em:
<https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-cobranca-do-funrural-do-empregador-rural-
30082017>.

[453]
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº. 4395. Acesso em 18 de março de
2018. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoDetalhe.asp?
incidente=3855030>.

[454]
CASMIL. STF surpreende e decide que recolhimento do Funrural é constitucional. Publicado em 11
mai. 2017. Acesso em: 30 de abril de 2018. Disponível em: < http://www.casmil.com.br/noticia/64/stf-
surpreende-e-decide-que-recolhimento-do-funrural-eacute-constitucional>.

[455]
G1. Congresso derruba vetos de Temer e permite 100% de descontos em multas sobre saldo da dívida
de produtor rural. Acesso em 19 de abr. 108. Disponível em:
<https://g1.globo.com/politica/noticia/congresso-derruba-vetos-de-temer-e-permite-100-de-desconto-
em-multas-sobre-saldo-da-divida-de-produtor-rural.ghtml>.

[456]
MINISTÉRIO DA FAZENDA, Receita Federal. Receita Federal regulamenta Programa de
Regularização Tributária Rural (PRR). Acesso em 09 de mai. 2018. Disponível em:
<http://idg.receita.fazenda.gov.br/noticias/ascom/2018/abril/receita-federal-regulamenta-programa-de-
regularizacao-tributaria-rural-prr>.

[457]
GOVERNO DO BRASIL. Prazo de adesão ao Refis Rural é prorrogado para 30 de outubro. Acesso
em: 14 de abr. 2018. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/editoria/economia-e-
financas/2018/05/prazo-de-adesao-ao-refis-rural-e-prorrogada-ate-30-de-outubro>.

[458]
KEPPEN, Luiz Fernando. Fachin no STF e a defesa do produtor rural. Disponível em:
<https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/fachin-no-stf-e-a-defesa-do-produtor-rural-
8z664u5c4islftyietxpu7yt0> . Acesso em: 05 jun. 2018.

[459]
SCAFF, Gamaliel Seme. A impenhorabilidade da pequena propriedade rural no Brasil. In Agricultura
Familiar, Reflexiones desde cinco continentes. Em el Año Internacional de La Agricultura Familiar
2014. Dirección: Leticia A. Bourges/Esther Muñiz Espada. Gobierno de España. Ministerio de
Agricultura, Alimentación y Medio Ambiente. Madrid, 2014.

[460]
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 208.
[461]
Em relação à propriedade como direito natural na corrente do individualismo possessivo do
contratualista inglês John Locke: “[...]o objetivo de se constituir uma sociedade é a preservação do
direito natural, por excelência, que é a propriedade privada. No entendimento de Locke, a propriedade
nasce e se constitui antes mesmo do que o próprio contrato social; é um direito natural que dá origem a
todos os outros, como a liberdade e a própria vida. A propriedade estaria constituída antes do Estado,
seria anterior ao pacto fundamental e, nesse sentido, não poderia ser instituída ou criada pelo Estado e
por seu ordenamento jurídico. A propriedade deveria, apenas, ser declarada. Isso caracteriza a idéia de
que o direito de propriedade privada, também, não poderia ser suprimido, modificado ou limitado,
porque já estava naturalmente estabelecido. Nessa linha de raciocínio, o direito de propriedade não
poderia ser repensado, constituía um direito intocável, repita-se, inerente ao ser humano,
individualmente considerado.” (STAUT JR, Sérgio Said. Posse e Dimensão Jurídica no Brasil -
Recepção e Reelaboração de um Conceito a Partir da Segunda Metade do Século XIX ao Código de
1916. Curitiba: Juruá, 2015. p. 76-77).

[462]
MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Imprenta, 2003. p. 18-25.

[463]
Ibidem p. 26.

[464]
MARÉS, Carlos Frederico. Reforma Agrária e Meio Ambiente. p. 187-188. Disponível em:
<http://www.itcg.pr.gov.br/arquivos/File/LIVRO_REFORMA_AGRARIA_E_MEIO_AMBIENTE/PARTE_3_1_CARLO
Acesso em: 05 jun. 2018.

[465]
MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Imprenta, 2003. p. 30-31.

[466]
SOARES, Rafael Machado. Direito de Propriedade & Princípio da Justiça Social - Controle Social da
Propriedade pela Desapropriação do Latifúndio - Uma Análise Sistêmica: Brasil e Portugal. Curitiba:
Juruá, 2015. p. 191.

[467]
MARÉS, Carlos Frederico. Reforma Agrária e Meio Ambiente. p. 184. Disponível em:
<http://www.itcg.pr.gov.br/arquivos/File/LIVRO_REFORMA_AGRARIA_E_MEIO_AMBIENTE/PARTE_3_1_CARLO
Acesso em: 05 jun. 2018.

[468]
SOARES, Rafael Machado. Ibidem. p. 192.

[469]
Fachin prossegue dando outros exemplos de normas acerca da impenhorabilidade, a saber. Em 1875, a
Inglaterra criou institutos semelhantes para evitar a despopulação dos campos, os allotments – concessão
de até um acre de terras cultiváveis mediante pagamento de aluguel e sem a possibilidade de sub-
locação -, e os small-holdings – concessão de um a 50 acres para venda (devendo o comprador dar uma
entrada de 20% do valor total e o restante para pagamento em cinqüenta anos, com o contrato garantido
por hipoteca) ou para aluguel. A lei federal de 1878 do Canadá, por sua vez, protegeu o direito de
propriedade e usufruto de imóvel (de até dois mil dólares), contra execuções por dívidas desde que
houvesse declaração pública no registro, não dispondo nada acerca da questão familiar. O Código Civil
de 1907 da Suíça estabeleceu três institutos para proteção da família, a saber: i) a fundação familiar
(patrimônio destinado a finalidade especial, em prol de despesas com educação ou manutenção da
família); ii) a comunidade familial (patrimônio oriundo de herança, no qual os herdeiros administram
com iguais direitos, devendo o acordo constar em escritura pública); iii) o asilo ou abrigo de família
(constituição da impenhorabilidade, mediante inscrição no Livro de Imóveis, de imóvel para exploração
agrícola ou industrial pela entidade familiar). Na França, em 12 de julho de 1909, houve legislação
regulando o bien de famille, permitindo a impenhorabilidade de casa residencial, terras cultivadas pela
família ou imóvel misto (residência e oficina, com instrumentos de trabalho, de famílias de artesãos). A
Constituição de Weimar de 1919, na Alemanha, impôs ao Estado a competência para regular a
distribuição e uso do solo, a fim de garantir uma habitação digna e um bem de família a todos os
alemães. O Decreto português nº 7.033/1920 criou o casal de família que permitia ao cidadão pleitear, ao
juiz de direito da Comarca do domicílio familiar, a indivisibilidade e inalienabilidade do bem imóvel. Na
Espanha a impenhorabilidade do patrimônio de família foi regulada pela legislação em 1921. FACHIN,
Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 167-170.

[470]
CANAN, Ricardo. Impenhorabilidade da pequena propriedade rural. Revista de Processo, Coord.
Teresa Arruda Alvim Wambier. Ano 38, vol. 221, julho de 2013. p. 123.

[471]
Dec. 8.332/1910: “Art. 867: Fica reconhecida por este Código a isenção de penhora para a casa de
propriedade do devedor e por elle habitada com sua família. Para que gose dessa isenção, porém, é
mistér que a mesma propriedade não exceda o valor de 10:000$ e que a intenção do proprietário de
constituir bem inalienável tenha sido feita publica pela imprensa e averbada no registro de hypotecas.”

[472]
Código Civil de 1916: “Art. 70. É permitido aos chefes de família destinar um prédio para domicilio
desta, com a clausula de ficar isento de execução por dividas, salvo as que provierem de impostos
relativos ao mesmo prédio. Parágrafo único. Essa isenção durará enquanto viverem os cônjuges e até
que os filhos completem sua maioridade. Art. 71. Para o exercício desse direito é necessário que os
instituidores no ato da instituição não tenham dívidas, cujo pagamento possa por ele ser prejudicado.
Parágrafo único. A isenção se refere a dividas posteriores ao ato, e não ás anteriores, se verificar que a
solução destas se tornou inexeqüível em virtude de ato da instituição. Art. 72. O prédio, nas condições
acima ditas, não poderá ter outro destino, ou ser alienado, sem o consentimento dos interessados e dos
seus representantes legais. Art. 73. A instituição deverá constar de instrumento publico inscrito no
registro de imóveis e publicado na imprensa e, na falta desta, na da capital do Estado.”

[473]
Dec. Lei 3.200/1941:
“Art. 19. Não será instituído em bem de família imóvel de valor superior a cem contos de réis.
Art. 19. Não será instituído em bem de família, imóvel de valor superior a Cr$1.000.000,00 (um milhão
de cruzeiros). (Redação dada pela Lei nº 2.514, de 1955)
Art. 19. Não será instituído em bem de família imóvel de valor superior a 500 (quinhentas) vêzes o
maior salário-mínimo vigente no País. (Redação dada pela Lei nº 5.653, de 1971)
Art. 19. Não há limite de valor para o bem de família desde que o imóvel seja residência dos
interessados por mais de dois anos.(Redação dada pela Lei nº 6.742, de 1979).”
[474]
Dec.Lei 3.200/1941: “Art. 22. Quando instituído em bem de família prédio de zona rural, poderão ficar
incluídos na instituição a mobília e utensílios de uso doméstico, gado e instrumentos de trabalho,
mencionados discriminadamente na escritura respectiva.”

[475]
SCAFF, Gamaliel Seme. op. cit.

[476]
CPC/1939: “Art. 942. Não poderão absolutamente ser penhorados: [...] X – o prédio rural lançado para
efeitos fiscais por valor inferior ou igual a dois contos de réis (2:000$0), desde que o devedor nele tenha
a sua morada e o cultive com o trabalho próprio ou da família.”

[477]
CANAN, Ricardo. Impenhorabilidade da pequena propriedade rural. Revista de Processo, Coord.
Teresa Arruda Alvim Wambier, Ano 38, vol. 221, julho de 2013. p. 125.
[478]
De acordo com Oliveira, na década de 1940 os Estados Unidos da América estavam fomentando
pesquisas no âmbito da comunicação para desvendar o processo de aceitação ou rejeição das inovações
agrícolas por parte dos agricultores, viabilizando a prática de extensão rural. Todavia, com o advento da
Segunda Guerra Mundial os norte-americanos precisavam manter sua hegemonia ideológica e
econômica – com o discurso de país capitalista e desenvolvido – sobre os demais países, em especial os
de terceiro mundo, chamados de subdesenvolvidos. Nesse paradoxo, segundo Oliveira, surge a ideia de
que o desenvolvimento está atrelado à tecnologia – países de primeiro mundo, cidades e grandes centros
industriais – e o subdesenvolvimento à ausência dela – países periféricos e localidades afastadas, como o
meio rural. Nesse contexto, dois pólos distintos são criados, o positivo e o negativo. Dessa forma, era
necessária uma difusão de recursos para modernizar as sociedades atrasadas. Assim, houve um acordo
entre os governos brasileiro e americano, no qual o Brasil facilitava a concessão de crédito se o
agricultor importasse os equipamentos e tecnologias estadunidenses. OLIVEIRA, Valdir de Castro.
Questões metodológicas da comunicação rural: notas para um debate. In: SILVEIRA, Miguel Ângelo da
et al. (Org). Estudos de comunicação rural. São Paulo: Loyola, 1988. p. 132-75.

[479]
SOARES, Rafael Machado. Direito de Propriedade & Princípio da Justiça Social - Controle Social da
Propriedade pela Desapropriação do Latifúndio - Uma Análise Sistêmica: Brasil e Portugal. Curitiba:
Juruá, 2015. p. 81-84.

[480]
Ibidem. p. 83.

[481]
MARÉS, Carlos Frederico. Reforma Agrária e Meio Ambiente. p. 184. Disponível em:
<http://www.itcg.pr.gov.br/arquivos/File/LIVRO_REFORMA_AGRARIA_E_MEIO_AMBIENTE/PARTE_3_1_CARLO
Acesso em: 05 jun. 2018.

[482]
MELLO, Érico Marques de. Função social da propriedade como expectativa social. Rio de Janeiro:
Revista Forense, Ano 2009 (julho/agosto), vol. 404. p. 148/149.

[483]
Ibidem. p. 149-152.

[484]
CF/1967: “Art 157: A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes
princípios: [...] II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana; III - função social da
propriedade;”

[485]
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: “Art. XVII [...] 1. Todo homem tem direito à
propriedade, só ou em sociedade com outros. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua
propriedade.”

[486]
Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966: “Art. 21. Direito à
propriedade privada. §1º Toda pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus bens. A lei pode subordinar
esse uso e gozo ao interesse social. §2º Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens, salvo mediante o
pagamento de indenização justa, por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na
forma estabelecidas pela lei.”

[487]
Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos de 1976: “Princípio Geral nº 10: A
terra é um dos elementos fundamentais dos assentamentos humanos. Todo Estado tem direito a tomar as
medidas necessárias para manter sob fiscalização pública o uso, a propriedade a disposição e a reserva
de terras. Todo o Estado tem direito a planejar e administrar a utilização do solo, que é um dos seus
recursos mais importantes, de maneira que o crescimento dos centros populacionais, tanto urbanos como
rurais, se baseiam num plano amplo de utilização do solo. Essas medidas devem assegurar a realização
dos objetivos básicos da reforma social e econômica para cada nação, de conformidade com o seu
sistema e suas leis de propriedade da terra.”

[488]
OLIVEIRA, Eduardo Alberto de Moraes. O módulo e o fracionamento da propriedade rural. Revista
de Direito Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo: RT, 1977, p. 153.

[489]
Carta de Punta Del Este de 1961: “Art. 6º Impulsionar, respeitando as particularidades de cada País,
programas de reforma agrária integral, encaminhada à efetiva transformação onde for necessária a
modificação das estruturas dos injustos sistemas de posse e uso da terra, a fim de substituir o regime de
latifúndios e minifúndios por um sistema justo de propriedade, de maneira que, complementada por
crédito oportuno e adequado, assistência técnica, comercialização e distribuição dos seus produtos, a
terra se constitua, para o homem que a trabalha, em base da sua estabilidade econômica, fundamento do
seu crescente bem-estar e garantia de sua liberdade e dignidade.”

[490]
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 240.

[491]
Segundo Fachin, há institutos semelhantes ao módulo rural na Itália e na França que, seguindo o
percurso histórico de proteção e socialização do direito, visava garantir a área mínima necessária para o
trabalhador rural e família conseguirem viver com dignidade e manterem a atividade (pagamento dos
custos da produção e reserva para o novo ciclo produtivo). FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do
patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 239.

[492]
Decreto 55.891/1965: “Art. 11. O módulo rural, definido no inciso III do art. 4º do Estatuto da Terra,
tem como finalidade primordial estabelecer uma unidade de medida que exprima a interdependência
entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e condições do seu aproveitamento
econômico. Parágrafo único. A fixação do dimensionamento econômico do imóvel que, para cada zona
de características ecológicas e econômicas homogêneas e para os diversos tipos de exploração,
representará o módulo, será feita em função: a) da localização e dos meios de acesso do imóvel em
relação aos grandes mercados;
b) das características ecológicas das áreas em que se situam; c) dos tipos de exploração predominante na
respectiva zona. Art. 12. O dimensionamento do módulo define a área agricultável que deve ser
considerada, em cada região e tipo de exploração, para os imóveis rurais isolados, os quais constituirão
propriedades familiares se, nos têrmos do inciso II do art. 4º do Estatuto da Terra: I - forem direta e
pessoalmente explorados pelo agricultor e sua família, admitida a ajuda de terceiros em caráter eventual;
II - absorverem, na sua exploração, tôda a fôrça de trabalhos dos membros ativos do conjunto familiar;
III - garantirem à família a subsistência e o progresso social e econômico.”

[493]
CANAN, Ricardo. Impenhorabilidade da pequena propriedade rural. Revista de Processo, Coord.
Teresa Arruda Alvim Wambier, Ano 38, vol. 221, julho de 2013. p. 129.

[494]
Estatuto da Terra: “Art. 43.O Instituto Brasileiro de Reforma Agrária promoverá a realização de
estudos para o zoneamento do país em regiões homogêneas do ponto de vista sócio-econômico e das
características da estrutura agrária, visando a definir: [...] § 1° Para a elaboração do zoneamento e
caracterização das áreas prioritárias, serão levados em conta, essencialmente, os seguintes elementos: a)
a posição geográfica das áreas, em relação aos centros econômicos de várias ordens, existentes no país;
b) o grau de intensidade de ocorrência de áreas em imóveis rurais acima de mil hectares e abaixo de
cinqüenta hectares; c) o número médio de hectares por pessoa ocupada; d) as populações rurais, seu
incremento anual e a densidade específica da população agrícola; e) a relação entre o número de
proprietários e o número de rendeiros, parceiros e assalariados em cada área.”
[495]
Estatuto da Terra: “Art. 46. O Instituto Brasileiro de Reforma Agrária promoverá levantamentos, com
utilização, nos casos indicados, dos meios previstos no Capítulo II do Título I, para a elaboração do
cadastro dos imóveis rurais em todo o país, mencionando: [...] III - condições da exploração e do uso da
terra, indicando: a) as percentagens da superfície total em cerrados, matas, pastagens, glebas de cultivo
(especificadamente em exploração e inexplorados) e em áreas inaproveitáveis; b) os tipos de cultivo e de
criação, as formas de proteção e comercialização dos produtos; c) os sistemas de contrato de trabalho,
com discriminação de arrendatários, parceiros e trabalhadores rurais; d) as práticas conservacionistas
empregadas e o grau de mecanização; e) os volumes e os índices médios relativos à produção obtida; f)
as condições para o beneficiamento dos produtos agropecuários.”

[496]
CANAN, Ricardo. Impenhorabilidade da pequena propriedade rural. Revista de Processo, Coord.
Teresa Arruda Alvim Wambier. Ano 38, vol. 221, julho de 2013. p. 133.

[497]
Publicações editadas pelo Banco Central do Brasil. Banco Central do Brasil. Disponível em:
<http://www.bcb.gov.br/htms/public/assinat/publicap.asp?idpai=assinaimp#destino10>. Acesso em: 07
set. 2009.

[498]
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.
205.

[499]
SCAFF, Gamaliel Seme. op. cit.

[500]
Segundo informações no site do Banco do Brasil: “Até o início dos anos 80, a quase totalidade da
produção agropecuária era financiada com recursos orçamentários da União, com taxas subsidiadas. O
Governo disponibilizava expressivas somas de recursos que se destinavam, principalmente, para a
produção e a comercialização dos produtos. Paralelamente, existiam programas complementares para o
financiamento de atividades de investimentos setoriais e regionais.Em meados da década de 80, frente à
impossibilidade do Governo Federal continuar disponibilizando expressivos recursos orçamentários para
o financiamento do setor, foi criada a caderneta de poupança rural que destinaria parcela da captação
para financiar o setor e, rapidamente, tornou-se a maior fonte financiadora do setor agropecuário. Como
eram recursos captados no mercado, sem subvenção governamental, o custo financeiro para os
produtores tornou-se elevado. Essa situação foi agravada com o longo período de instabilidade
monetária vivido no País e os sucessivos e fracassados planos econômicos oficiais. Naquele período, as
dívidas dos produtores estiveram indexadas à variação monetária, enquanto os bens por eles produzidos
foram fortemente afetados pela redução do consumo e até mesmo por congelamentos de preços. Esse
descasamento provocou expressiva elevação no endividamento dos produtores, com acirramento de suas
relações com os bancos.” Banco do Brasil. Disponível em:
<http://www44.bb.com.br/appbb/portal/ra/agr/Endividamento.jsp>. Acesso em: 07 set 2009.

[501]
FACHIN, Luiz Edson. PIANOVSKI, Carlos Eduardo. A dignidade da pessoa humana no direito
contemporâneo: uma contribuição à crítica da raiz dogmática do neopositivismo constitucionalista.
Disponível em: <http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima5-Conselheiros/Luiz-Edson-Fachin.pdf>
Acesso em: 05 jun. 2018.

[502]
Ibidem, p. 2-3.

[503]
Ibidem, p. 3.
[504]
Ibidem, p. 6.

[505]
Ibidem, p. 11.

[506]
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 73-
74.

[507]
CF/1988: “Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”

[508]
GAION, Wylton Carlos. Da impenhorabilidade da pequena propriedade rural e da sua
irrenunciabilidade. Curitiba: Revista Bonijuris, Dir. Luiz Fernando de Queiroz. Ano 2014 (agosto), vol.
26, n. 8, p. 38-39.

[509]
GAION. Op. Cit.

[510]
A título de exemplo:
RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE
DE PEQUENA PROPRIEDADE RURAL, DEFINIDA EM LEI E TRABALHADA PELA ENTIDADE
FAMILIAR, COM ESCOPO DE GARANTIR A SUA SUBSISTÊNCIA. REJEIÇÃO, PELAS
INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, SOB O FUNDAMENTO DE QUE O EXECUTADO NÃO RESIDE
NO IMÓVEL E DE QUE O DÉBITO NÃO SE RELACIONA À ATIVIDADE PRODUTIVA.
IRRELEVÂNCIA. RECONHECIMENTO. NECESSIDADE DE SE AFERIR, TÃO SOMENTE, SE O
BEM INDICADO À CONSTRIÇÃO JUDICIAL CONSTITUI PEQUENA PROPRIEDADE RURAL,
NOS TERMOS DA LEI DE REGÊNCIA, E SE A ENTIDADE FAMILIAR ALI DESENVOLVE
ATIVIDADE AGRÍCOLA PARA O SEU SUSTENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tomando-se por base o fundamento que orienta a impenhorabilidade da pequena propriedade rural
(assegurar o acesso aos meios geradores de renda mínima à subsistência do agricultor e de sua família),
não se afigura exigível, segundo o regramento pertinente, que o débito exequendo seja oriundo do
atividade produtiva, tampouco que o imóvel sirva de moradia ao executado e de sua família.
2. Considerada a relevância da pequena propriedade rural trabalhada pela entidade familiar, a propiciar a
sua subsistência, bem como promover o almejado atendimento à função sócioeconômica, afigurou-se
indispensável conferir-lhe ampla proteção. 2.1 O art. 649, VIII, do CPC/1973 (com redação similar, o
art. 833, CPC/2015), ao simplesmente reconhecer a impenhorabilidade da pequena propriedade rural,
sem especificar a natureza da dívida, acabou por explicitar a exata extensão do comando constitucional
em comento, interpretado segundo o princípio hermenêutico da máxima efetividade.
2.2 Se o dispositivo constitucional não admite que se efetive a penhora da pequena propriedade rural
para assegurar o pagamento de dívida oriunda da atividade agrícola, ainda que dada em garantia
hipotecária (ut REsp 1.368.404/SP, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em
13/10/2015, DJe 23/11/2015), com mais razão há que reconhecer a impossibilidade de débitos de outra
natureza viabilizar a constrição judicial de bem do qual é extraída a subsistência do agricultor e de sua
família.3. O fundamento que orienta a impenhorabilidade do bem de família (rural) não se confunde
com aquele que norteia a da pequena propriedade rural, ainda que ambos sejam corolários do princípio
maior da dignidade da pessoa humana, sob a vertente da garantia do patrimônio mínimo. O primeiro,
destina-se a garantir o direito fundamental à moradia; o segundo, visa assegurar o direito, também
fundamental, de acesso aos meios geradores de renda, no caso, o imóvel rural, de onde a família do
trabalhador rural, por meio do labor agrícola, obtém seu sustento.
3.1 As normas constitucional e infralegal já citadas estabelecem como requisitos únicos para obstar a
constrição judicial sobre a pequena propriedade rural: i) que a dimensão da área seja qualificada como
pequena, nos termos da lei de regência; e ii) que a propriedade seja trabalhada pelo agricultor e sua
família. Assim, para o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural, não se exige
que o imóvel seja a moradia do executado, impõe-se, sim, que o bem seja o meio de sustento do
executado e de sua família, que ali desenvolverá a atividade agrícola.
3.2 O tratamento legal dispensado à impenhorabilidade da pequena propriedade rural, objeto da presente
controvérsia, afigura-se totalmente harmônico com aquele conferido à impenhorabilidade do bem de
família (rural). O art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.008/1990, que disciplina a impenhorabilidade do bem de
família, põe a salvo de eventual contrição judicial a sede da moradia, e, em se tratando de pequena
propriedade rural, a área a ela referente.
4. Recurso especial provido. (STJ - REsp 1591298/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE,
TERCEIRA TURMA, julgado em 14/11/2017, DJe 21/11/2017)
[511]
GAION, Wylton Carlos. Da impenhorabilidade da pequena propriedade rural e da sua
irrenunciabilidade. Curitiba: Revista Bonijuris, Dir. Luiz Fernando de Queiroz. Ano 2014 (agosto), vol.
26, n. 8, p. 39.

[512]
CPC/2015: “Art. 833. São impenhoráveis: [...] VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em
lei, desde que trabalhada pela família;”

[513]
SCAFF, Gamaliel Seme. op. cit.

[514]
STJ - REsp 1591298/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA,
julgado em 14/11/2017, DJe 21/11/2017.

[515]
Lei 8.009/1990. “Art. 4º Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente,
adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da
moradia antiga. [...]§ 2º Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade
restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI,
da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural.”

[516]
AMARAL, Paulo Osternack. Impenhorabilidade do bem de família. São Paulo: Revista Dialética de
Direito Processual nº 115. Dir. Valdir de Oliveira Rocha, Ano 2012 (out), p. 86/87.

[517]
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 160.

[518]
Lei 8.629/1993: “Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se: [...] II - Pequena Propriedade - o
imóvel rural: a) de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais; a) de área até quatro
módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento; (Redação dada pela Lei nº 13.465, de
2017) b) (Vetado) c) (Vetado).”

[519]
CANAN, Ricardo. Impenhorabilidade da pequena propriedade rural. Revista de Processo, Coord.
Teresa Arruda Alvim Wambier. Ano 38, vol. 221, julho de 2013. p. 135-136.

[520]
CF/1988: “Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I - a pequena e
média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; II - a
propriedade produtiva. Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e
fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.”

[521]
Conforme Canan, no AgRg no AgIn 1050472/GO ficou decidido que a pequena propriedade rural
impenhorável é aquela com tamanho de até quatro módulos fiscais. Idêntico entendimento foi posto no
REsp 1.018.635/ES. E, finalmente, no REsp 1.284.708/PR houve alteração de entendimento do Min.
Massami Uyeda, que havia sido relator do REsp 1.007.070/RS, para entender pelos quatro módulos
fiscais. CANAN, Ricardo. Impenhorabilidade da pequena propriedade rural. Revista de Processo,
Coord. Teresa Arruda Alvim Wambier. Ano 38, vol. 221, julho de 2013. p. 138.

[522]
A título de argumentação, Canan explica porque não cabe a aplicação de outras legislações para
definição do tamanho da propriedade rural. O art. 2º, da Lei 9.393/1996, que dispõe sobre o imposto
territorial rural, concede imunidade tributária para pequenas glebas rurais, classificando-as em três
diferentes tamanhos: “Art. 2º Nos termos do art. 153, § 4º, in fine, da Constituição, o imposto não
incide sobre pequenas glebas rurais, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não
possua outro imóvel. Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, pequenas glebas rurais são os imóveis
com área igual ou inferior a : I - 100 ha, se localizado em município compreendido na Amazônia
Ocidental ou no Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense; II - 50 ha, se localizado em município
compreendido no Polígono das Secas ou na Amazônia Oriental; III - 30 ha, se localizado em qualquer
outro município.” Entretanto, tal dispositivo legal não pode ser utilizado para fins de impenhorabilidade,
pois deixa de abranger todo o território nacional e não leva em consideração as medidas necessárias para
garantia da subsistência e desenvolvimento do produtor rural. Pelo mesmo motivo, também não é
possível adotar o critério de limitação da área impenhorável em 50 hectares que regula o tamanho da
propriedade passível de usucapião especial constitucional, previsto no art. 191 da CF: “Aquele que, não
sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem
oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu
trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.” CANAN, Ricardo.
Impenhorabilidade da pequena propriedade rural. Revista de Processo, Coord. Teresa Arruda Alvim
Wambier. Ano 38, vol. 221, julho de 2013. p. 131-138.

[523]
Ibidem, p. 137-138.

[524]
Lei 11.326/2006: “Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor
familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes
requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize
predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento
ou empreendimento; III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas
do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; (Inciso com
redação dada pela Lei nº 12.512, de 14/10/2011) IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento
com sua família.
§ 1º O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica quando se tratar de condomínio rural ou
outras formas coletivas de propriedade, desde que a fração ideal por proprietário não ultrapasse 4
(quatro) módulos fiscais.”

[525]
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. IMPENHORABILIDADE. PEQUENA PROPRIEDADE
RURAL. REQUISITOS E ÔNUS DA PROVA.
1. A proteção da pequena propriedade rural ganhou status Constitucional, tendo-se estabelecido, no
capítulo voltado aos direitos fundamentais, que a referida propriedade, “assim definida em lei, desde que
trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua
atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento” (art. 5°, XXVI).
Recebeu, ainda, albergue de diversos normativos infraconstitucionais, tais como: Lei n° 8.009/90,
CPC/1973 e CPC/2015.
2. O bem de família agrário é direito fundamental da família rurícola, sendo núcleo intangível - cláusula
pétrea -, que restringe, justamente em razão da sua finalidade de preservação da identidade
constitucional, uma garantia mínima de proteção à pequena propriedade rural, de um patrimônio mínimo
necessário à manutenção e à sobrevivência da família.
3. Para fins de proteção, a norma exige dois requisitos para negar constrição à pequena propriedade
rural: i) que a área seja qualificada como pequena, nos termos legais; e ii) que a propriedade seja
trabalhada pela família.
4. É ônus do pequeno proprietário, executado, a comprovação de que o seu imóvel se enquadra nas
dimensões da pequena propriedade rural.
5. No entanto, no tocante à exigência da prova de que a referida propriedade é trabalhada pela família,
há uma presunção de que esta, enquadrando-se como diminuta, nos termos da lei, será explorada pelo
ente familiar, sendo decorrência natural do que normalmente se espera que aconteça no mundo real,
inclusive, das regras de experiência (NCPC, art. 375).
6. O próprio microssistema de direito agrário (Estatuto da Terra;
Lei 8.629/1993, entre outros diplomas) entrelaça os conceitos de pequena propriedade, módulo rural e
propriedade familiar, havendo uma espécie de presunção de que o pequeno imóvel rural se destinará à
exploração direta pelo agricultor e sua família, haja vista que será voltado para garantir sua subsistência.
7. Em razão da presunção juris tantum em favor do pequeno proprietário rural, transfere-se ao exequente
o encargo de demonstrar que não há exploração familiar da terra, para afastar a hiperproteção da
pequena propriedade rural.
8. Recurso especial não provido. (STJ - REsp 1408152/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 02/02/2017)
[526]
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL.
IMPENHORABILIDADE DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. REQUISITOS
PREENCHIDOS.DECISÃO REFORMADA. I - A impenhorabilidade da pequena propriedade rural (art.
5º, XXVI, da CF) visa a garantia do trabalho e o cumprimento da função social da terra, devendo o
cálculo da área, para fins da configuração como pequena propriedade, prestigiar o número de núcleos
familiares quando se tratar de bem com múltiplos proprietários.II - O requisito da propriedade ser
trabalhada pela família constitui presunção juris tantum.III - “Em harmonia com o disposto no art. 5º,
XXVI, da Constituição da República, a nova redação do inciso VIII (antigo inciso X) do art. 649 do
CPC suprimiu a anterior exceção legal, afastando qualquer dúvida: nem mesmo eventual hipoteca é
capaz de excepcionar a regra que consagra a impenhorabilidade da pequena propriedade rural sob
exploração familiar.” (STJ - REsp 684.648/RS).Recurso conhecido e desprovido. (TJPR - 16ª C.Cível -
AI - 1204211-4 - Corbélia - Rel.: Luiz Fernando Tomasi Keppen - Unânime - J. 15.10.2014).

[527]
PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 5º,
XXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. É dotada de repercussão geral a controvérsia constitucional
acerca da garantia, ou não, de impenhorabilidade da pequena propriedade rural e familiar, oponível
contra empresa fornecedora de insumos necessários à sua atividade produtiva, nos casos em que a
família também é proprietária de outros imóveis rurais. STF Consulta Processual. Disponível em:
<http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5164056> Acesso em: 05 jun. 2018.

[528]
PEREIRA, Lutero de Paiva. Alienação fiduciária – o perigo do momento. Disponível em:
<https://www.agrolink.com.br/colunistas/coluna/alienacao-fiduciaria---o-perigo-do-
momento_404234.html> Acesso em: 05 jun 2018.

[529]
CORALINA, Cora. O Cântico da Terra. Disponível em:
<http://www.releituras.com/coracoralina_cantico.asp> Acesso em: 05 jun 2018.

[530]
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao tratar dos contratos administrativos, aqui entendidos de forma
restritiva, ou seja, aqueles que estão somente sob regime jurídico publicístico, aponta algumas
características a serem observadas por esses contratos, como a presença da Administração Pública como
Poder Público; a finalidade pública; a obediência à forma prescrita em lei; o procedimento legal; a
natureza de contrato de adesão; a natureza intuitu personae; a presença de cláusulas exorbitantes; e a
mutabilidade (DI PIETRO, 2010, p. 261).
[531]
A União Brasileira dos Agraristas Universitários - UBAU, foi constituída em 05 de julho de 2014 e
com duração por prazo indeterminado, é uma entidade associativa civil sem fins lucrativos, com sede
administrativa e legal no Município de Porto Alegre/RS, possui abrangência nacional, buscando
congregar os agraristas de todos os Estados da Federação.

[532]
Zibetti, Darcy Walmor. Cidadania e Segurança Alimentar no Brasil. In Direito Agrário
Contemporâneo. Organizadores Lucas Abreu Barroso e Cristiane Lisita Passos. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004. Seguro Agrícola e Desenvolvimento Sustentável. Curitiba: Juruá, 2006. Teoria
Tridimensional da Função da Terra no Espaço Rural. 1ª ed. 2ª tiragem. Curitiba: Juruá, 2006.

[533]
Entre outras iniciativas, deve ser tributado ao homenageado a idealização do I Congresso Nacional de
Direito Agrário – Homenagem a Octavio Mello Alvarenga, realizado nos dias 10 e 11 de agosto de
2017, na sede do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB.

[534]
A propósito das cidades-médias, consulte-se GRECHI, Frederico Price. Direito Urbanístico: o modelo
da cidade-média como técnica urbanística de integração e de sustentabilidade entre os espaços urbano e
rural na efetivação da função social da cidade. In Transformações do Direito de Propriedade Privada.
Coord. Mauricio Mota e Marcos Alcino. São Paulo: Elsevier, 2009; SANTOS, Ângela Moulin S.
Penalva. Município, Descentralização e Território. Rio de Janeiro: Forense, 2008. Por oportuno, tenha-se
presente que o adensamento populacional desordenado dos centros urbanos contribui negativamente
para a circulação e a mobilidade da cidade, sobrecarregando a infraestrutura instalada, com sérios e
graves efeitos para a segurança alimentar, cuja noção também gravita, além da produção, em torno da
distribuição e do abastecimento de alimentos adequados para a população.

[535]
Confira-se, por todos, ALVARENGA, Octavio Mello. Manual de Direito Agrário. Rio de Janeiro:
Forense, 1985, pp. 5-7: “As peculiaridades do Direito Agrário, acentua o mestre italiano [Bolla], está
presente em todos os elementos da relação jurídica agrária, no que diz respeito à função social e
econômica. (...) A conclusão de Bolla é perfeita: ‘A autonomia do Direito Agrário deve ser entendida,
portanto, como um fato relativo à sua origem, ao seu objeto, e às suas fontes: autonomia exclui, porém,
isolamento ou divisão em todos os casos em que a particularidade do fenômeno encontra fontes iguais e
aplicação para outras situações indiferenciadas”.

[536]
CARROZZA, Antonio. ZELEDÓN, Ricardo Zeledón. Teoría general e institutos de derecho agrário.
Buenos Aires: Astrea, 1990, p. 31

[537]
Código Civil / 1916, art. 546. Aquele que semeia, planta, ou edifica em terreno próprio, com sementes,
plantas, ou materiais alheios, adquire a propriedade destes; mas fica obrigado a pagar-lhes o valor, além
de responder por perdas e danos, se obrou de má-fé.

[538]
Consulte-se BEVILAQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. 6ª tiragem.
Edição histórica: Ed. Rio, 1975, p. 1027.

[539]
FERNANDES, Bernardo Mançano. Agricultura Camponesa e/ou Agricultora Familiar,
http://www.geografia.fflch.usp.br/graduacao/apoio/Apoio/Apoio_Valeria/flg0563/2s2012/FERNANDES.pdf,
acesso em 28/07/2015, às 06:44: “A Via Campesina foi criada em 1992 e é uma articulação que
congrega diversas organizações camponesas da Ásia, África, América e Europa. (...). No Brasil estão
vinculados à Via Campesina: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST; Movimento dos
Pequenos Agricultores – MPA; Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, Comissão Pastoral da
Terra – CPT e Associação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais – ANMTR”.

[540]
A propósito dos perfis da empresa, confira-se a clássica lição de ASQUINI, Alberto. Perfis da
Empresa. Trad. Fábio Konder Comparato. In Revista de Direito Mercantil. São Paulo: Malheiros, n.
104/109, 1983, pp. 109 e seguintes, onde identifica quatro perfis: (i) o subjetivo (a empresa vista como
empresário); (ii) o funcional (identifica a empresa à própria atividade); (iii) o objetivo (ou patrimônio;
azienda ou estabelecimento); e (iv) o corporativo (vê a empresa como uma instituição reunindo
empresário e empregados com fins comuns). Diz, ainda, Asquini, que, a partir da ideia de
profissionalidade, o fim de lucro não é elemento essencial, mas, sim, elemento natural.

[541]
No Brasil, a definição do estabelecimento e o seu fundamento legal como objeto de negócio jurídico
está previsto nos artigos 1142 e 1143 do Código Civil vigente. Sobre o assunto, permita-nos reportar ao
nosso estudo GRECHI, Frederico Price. Inexecução Contratual Positiva, Pós-Eficácia Contratual dos
Deveres Anexos (laterais) e a Violação da Proibição de Concorrência no Contrato de Trespasse e em
Outros Negócios Empresariais. In Transformações Contemporâneas do Direito das Obrigações. Org.
Mauricio Mota e Gustavo Kloh. São Paulo: Elsevier, 2011, p. 328.

[542]
CC, Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da
empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

[543]
SCAFF, Fernando Campos. Aspectos fundamentais da empresa agrária. São Paulo: Malheiros, 1997,
pp. 27, 112-116: “(...) São várias as perspectivas de avaliação da disciplina, surgindo igualmente
diversas ideias do que se deva considerar como o efetivo âmbito de investigação deste ramo jurídico
[Direito Agrário], (...) Nesse sentido, o conceito de empresa agrária e a elevação deste conceito à
categoria de instituto fundamento do Direito Agrário (...). Ora, na empresa agrária, como de resto em
qualquer forma de empresa, o que se observa, sob o aspecto dos bens materiais e imateriais que
viabilizam o seu desenvolvimento e consecução da atividade, é exatamente o sentido da vinculação
funcional deste conjunto de bens, vinculação que é criada por aquela específica e determinada atividade
de criação de animais ou de cultivo de vegetais que se busca perfazer. Nestes termos, este conjunto de
coisas, entre si relacionadas e que, segundo o enunciado legal, só podem ser entendidas ‘como
agregadas em todo’, são, deste modo, reconhecida não por uma expressa e taxativa disposição legal,
inexistente em nosso ordenamento, mas sim pela própria natureza que adquirem quando servem de
instrumento para a realização de uma determinada atividade, ou seja, ao se constituírem na referida
projeção patrimonial da empresa. (...). Conclui-se, desta forma, que o mesmo que numa determinada
empresa agrária, ‘a destinação agrícola imprima ao fundo rústico o caráter de elemento base da
organização produtiva, não é, todavia, possível reduzir a este último a variedade de elemento que
exercem a função de suporte material do estabelecimento’.

[544]
Lei nº 4.504/64, Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se: VI – ‘Empresa Rural’ é o
empreendimento de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que explore econômica e
racionalmente imóvel rural, dentro de condição de rendimento econômico ... Vetado ... da região em
que se situe e explore área mínima agricultável do imóvel segundo padrões fixados, pública e
previamente, pelo Poder Executivo. Para esse fim, equiparam-se às áreas cultivadas, as pastagens, as
matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com benfeitorias (grifou-se).

[545]
CC/1916, Art. 781. Podem ser objeto de penhor agrícola: I - Máquinas e instrumentos aratórios, ou de
locomoção. II - Colheitas pendentes, ou em via de formação no ano do contrato, quer resultem de prévia
cultura, quer de produção espontânea do solo. III - Frutos armazenados, em ser, ou beneficiados e
acondicionados para a venda. IV - lenha cortada ou madeira das matas preparada para o corte. V -
Animais do serviço ordinário de estabelecimento agrícola.
[546]
CARROZZA, Antonio. ZELEDÓN, Ricardo Zeledón. Teoría general e institutos de derecho agrário.
Op. Cit., p. 32.

[547]
ROCHA, Olavo Acyr de Lima. Atividade Agrária. Conceito Clássico. Conceito moderno de Antonio
Carrozza. In www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67431/70041, acesso em 18/07/2015, às
16:38h, pp. 35, 40-41: “Não é aceitável começar a tratar desse ramo do Direito equiparando-o de forma
acrítica ao Direito da Agricultura. Isso não permite definir a real amplitude da matéria agrária e sua
delimitação nas relações com outras matérias. Não existem na legislação agrária conceitos ou definições
de atividade agrária que permitam ao jurista estabelecer quando determinada atividade é agrária e
quando não é. Daí a necessidade de se fixar uma noção de ‘agrariedade’ fora da disciplina, pelo recurso
ao elemento extrajurídico. (...) A referência aos contratos, aos créditos, aos sujeitos da relação jurídica,
como contratos agrários, crédito rural, produtor rural, em relação aos institutos e categorias homólogas
de outras disciplinas jurídicas, tem valor mais nominal do que propriamente científico. E é sobremodo
vantajoso não só sob o aspecto didático como científico fixar a noção de ‘agrariedade’. (...) A atividade
agrária, pois, decorreria de um processo natural evolutivo, orgânico, do ciclo biológico sujeito a risco.
Eliminado o risco e afastado o processo biológico natural pelo recurso à química ou à física inorgânica
desapareceria o caráter de agrariedade da atividade”.

[548]
Enfatizando a centralidade da propriedade da terra rural, inclusive valorizando a posse agrária, sem
deixar, contudo, de reconhecer a importância de outros institutos para o Direito Agrário, consulte-se, por
todos, BORGES, Paulo Torminn. Direito de propriedade e posse da terra agricultável: uma nova
dimensão jurídica. In Estudos em homenagem ao Professor Washington de Barros Monteiro. São Paulo:
Saraiva, 1982, pp. 325-326: “Embora o Estatuto da Terra seja pródigo em proclamar a excelência da
propriedade privada, vemos que tudo gira em tornar melhor a sorte dos homens. (...) O direito de
propriedade da terra tem que ser um direito solidário. Daí serem a justiça social e o aumento da
produtividade os dois fulcros em que se sustenta e se justifica o direito agrário, desgarrado de maneira
principal do direito civil. (...) Nós não chegamos a este extremo, que consideramos inadequado à nossa
cultura. Se se afastassem da terra os empresários, entraríamos em colapso total de produção. A
propriedade familiar, só ela, representa apenas uma parte em nossa produção agropecuária. Precisamos
do trabalho e do capital. Precisamos da empresa rural, tanto da pequena quanto da média e da grande
empresa. (...) Esta posse agrária, de quem ocupa e trabalha a terra, uma posse dinâmica, desgarra-se da
posse civil, que é um reflexo do direito de propriedade, a sua exteriorização, a sua imagem exterior, a
qual, a nosso ver, é uma posse estática”.

[549]
GODOY, Luciano de Souza. Direito Agrário Constitucional: o regime da propriedade. São Paulo:
Atlas, 1998, p. 107: “Quanto ao Direito Agrário, este um ramo especial, um microssistema dentro do
Direito Civil, (...), tem a propriedade imobiliária como um de seus principais institutos. (...) A
especialidade do Direito Agrário e da propriedade agrária está revelada pelo valor da produção agrária,
que a Constituição Federal coloca a partir do momento que beneficia a propriedade agrária produtiva e
não prestigia a manutenção da propriedade improdutiva, e faz isso em nome da função social da
propriedade, por meio dos instrumentos de política agrária: política agrária, ITR progressivo,
desapropriação agrária e proteção da pequena propriedade agrária”.

[550]
SILVA, Leandro Ribeiro da. Propriedade Rural. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 259-261:
“O Estatuto da terra, que surgiu em 1964, reside em lei efetivamente agrária que, se aplicada
convenientemente, poderia não só modificar a estrutura social do meio rural brasileiro, mas, certamente,
também levaria à mudança do pensamento egoístico e concentrador dos proprietários rurais que
preferem conservar os seus latifúndios, a cedê-los em benefício comum da reforma agrária e,
consequentemente, da sociedade. Sem dúvida alguma, o Estatuto da terra representou um grande avanço
em nível jurídico, todavia, muito pouco a nível social, vez que o seu objetivo maior, consiste na
mudança jurídico-social, a não aconteceu”.

[551]
Cf., entre outros, SCAFF, Fernando Campos. Aspectos fundamentais da empresa agrária. Op. Cit., p.
27: “Destaca-se do Direito Civil o Direito Agrário a partir da perspectiva, por este empregada, de
priorizar a ideia de sujeição do bem a um agente que efetivamente imprima um sentido dinâmico e de
resultado coerente com as potencialidades e com a natureza produtiva deste bem, e não como a mera
relação de sujeição do bem a uma pessoa, pelo prisma apenas do direito de propriedade”.

[552]
CARROZZA, Antonio. ZELEDÓN, Ricardo Zeledón. Teoría general e institutos de derecho agrário.
Op. Cit., pp. 32-33.

[553]
MATTIA, Fabio Maria de. Generalidades sobre os contratos agrários. In Estudos em Homenagem ao
Professor Silvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1989, pp. 135-141: “(...) é muito importante por razão
de ordem econômica, o que gera o aperfeiçoamento desses contrato, conforme foi apreendido por Emilio
Romagnoli quando, em artigo publicado em Revista de Direito Agrário, 4:27, declara: ‘no setor agrário
o contrato de locação é largamente difuso principalmente porque o empresário, empenhado
economicamente na aquisição de capitais e no pagamento do trabalho, dificilmente pode suportar o
posterior esforço necessário para adquirir terra. (...) Mas este princípio social da propriedade rural,
influindo na natureza dos contratos agrários, faz com que a estes se aplique a regra de que o Direito
Agrário coloca a terra jurídica e economicamente como um bem de produção, daí a necessidade de fazer
a terra produzir e produzir bem. Ou, em outros termos: produzir diretamente, produzir corretamente e
produzir eficientemente”.

[554]
A título de ilustração, confira-se o estudo crítico de SENN, Adriana Vanderlei Pommer, CENEDESE,
Diana Aparecida. Remuneração e Pagamento no Contrato de Arrendamento de Imóvel Rural. pp. 28-30,
In http://www.publicadireito.com.br/artigos, acesso em 02/08/2015, às 06h51: “Desse modo, mesmo
com a maior liberdade contratual das partes envolvidas nos contratos agrários, vê-se que as normas de
Direito Agrário evoluíram com o advento do Estatuto da Terra e tais modalidades contratuais foram
regulamentadas pelo Decreto 59.566/66, que também instituiu requisitos para formação dos contratos
agrários. Nesse contexto o estudo demostrou que no arrendamento rural, assim como na parceria, as
partes devem observar as normas do Estatuto da Terra e seu Regulamento, cuja inobservância pode
acarretar nulidade absoluta do contrato ou da cláusula contratual, foi exatamente o que extraímos da
presente pesquisa. É cediço que toda problemática que envolveu a presente pesquisa, persiste no
ajustamento da remuneração em frutos ou produtos. Nesse ponto a pesquisa apontou a norma que regula
os contratos agrários, onde exige-se que seja exclusivamente em pecúnia, porém, no meio doutrinário e
nos tribunais deste País, há divergências acerca da nulidade contratual quando essa estipulação é feita
em frutos ou produtos, seguindo o usos e costumes. Não se pode negar que há rigorismo imposto pela
norma, todavia, o legislador infraconstitucional, no intuito de “preservar” interesses das partes, acabou
por prejudicar a livre manifestação da vontade entre os contratantes. Ademais, o ajuste da remuneração
do arrendamento, não implica em ofensa a princípio da supremacia do interesse público sobre o privado,
o que de certo modo não prejudica a coletividade, pois está restrito aos limites da manifestação da
vontade entre particulares, motivo pelo qual o ajustamento da remuneração em critérios contrários ao do
regulamento não tem o condão de contaminar o contrato. (...) Além disso, a repetição de julgados que
visam o reconhecimento de validade dos contratos que estipulam o preço do arrendamento rural em
frutos ou produtos confirmam a força dos costumes no âmbito da regulamentação agrária, o que é
fundamental para consolidar um entendimento unânime no âmbito dos Tribunais mantendo por vezes
cláusula que contrária à vedação legal. Nesse contexto, a provocação de interessado enseja ao Poder
Judiciário firmar súmulas nos Tribunais Superiores, sobretudo na aceitação dos usos e costumes locais, o
que de fato vem acontecendo nos tribunais estaduais, cuja demanda cresce paulatinamente devido o
crescimento da economia rural e no número de contratos de arrendamento rural firmados. O estudo
demonstrou ainda que a maioria da doutrina não afasta a possível nulidade da cláusula contratual, mas
de maneira alguma imputou a contaminação por completo do contrato de arrendamento rural, o que de
fato seria extremamente injusto para qualquer das partes. A jurisprudência por sua vez, não é de todo
que resiste ao rigorismo do artigo 18, do Decreto n. 59.566/66. Embora a Corte do Rio Grande do Sul
seja categórica ao afirmar que o ajustamento da remuneração em frutos ou produtos não causa nulidade
da cláusula contratual, o estudo apontou que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso ainda não arriscou
firmar um só entendimento, alega que não se admite a anulação do pacto para evitar o enriquecimento
sem causa, assim como os demais Tribunais de São Paulo e Mato Grosso do Sul, que seguem
estritamente orientação do STJ. O Superior Tribunal de Justiça, não afasta a nulidade da cláusula
contratual que ajustar a remuneração em produto, reconhece o rigorismo da norma, mas entende que
uma vez decretada tal nulidade, é possível substituí-la por apuração do preço em liquidação de sentença
por arbitramento. Nesse contexto, o objetivo do estudo foi atendido, demonstrando que a remuneração e
o pagamento no contrato de arrendamento imóvel rural geram polêmica no meio doutrinário e
jurisprudencial, mas que a tendência jurisprudencial é de admissão dos usos e costumes da região. O
artigo certamente contribui para o desenvolvimento do tema em analise, uma vez que é com apoio na
doutrina e na jurisprudência, que se constroem leis capazes gerir o crescimento de uma nação, sobretudo
quando envolve a economia rural, uma vez que o agronegócio é grande responsável pelo progresso do
País”.

[555]
O Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) do Ministério do Desenvolvimento Agrário visa
permitir o acesso à terra e a consolidação da agricultura familiar, incentivando, mediante a concessão de
crédito, os trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra a compra um imóvel rural ou ainda investir
na infraestrutura da propriedade.

[556]
CARROZZA, Antonio. ZELEDÓN, Ricardo Zeledón. Teoría general e institutos de derecho agrário.
Op. Cit., p. 33.

[557]
Cf. BREBBIA, Fernando P., MALANOS, Nancy L. Derecho agrário. Buenos Aires: Astrea, 2007, pp.
31-32: “La sanción del Código de 1942, que como hemos visto reunifica el Código Civil de 1865 y el
Comercial de 1882 en torno a una definición unitária de la empresa, produce naturalmente un gran
cambio en la evaluación del problema de la autonomia, ya que ambas escuelas consideran igualmente
central la noción de empresa, aunque con evidentes diferencias de método. (...) La equiparación de
derecho agrario y empresa agraria há sido también criticada por autores como Carrozza que, como
veremos, propone una superación de este problema. En este orden de ideias se sostiene que no siempre
el cultivo del fundo (o la cria de animales o la explatación florestal) da lugar a la organización de una
empresa en sentido técnico, sobre todo cuando es realizada en función de atender a las necessidades de
una família agraria y falta la incidência en el mercado, o cuando el produtor es un trabajador
autonomo que no tiene colaboradores associados o subordinados”.

[558]
Capo II. Dell´Impresa Agrícola. Sezione. I. Dispozioni generali. 2.135. Imprenditore agricolo. – É
imprenditore agricolo chi exercita una atività direta alla coltivazione del fondo, alla silvicoltura, all
´allevamento del bestiame e attività connesse. Si reputano conesse le attività dirette alla trasformazione
o all´alienazione dei prodotti, quando rientrano nell´esercizio normale dell´agricoltura. (Tradução livre:
É empreendedor agrícola quem exerce uma atividade direta ao cultivo do fundo, à silvicultura, à
pecuária e atividades conexas. Se reputam conexas as atividades direta de transformação ou alienação
dos produtos agrícolas, quando voltadas para o exercício normal da agricultura”).

[559]
A propósito do perfil do Direito Agrário à luz da empresa agrícola na Itália, confira-se GERMANÒ,
Alberto. Manuale di Diritto Agrario. Sesta edizione. Torino: G. Giappichelli Editore, 2006, p. 21-26:
“complesso di norme che, in parte differenziandosi da quelle regolatrici delle attività economiche
extragricole, conducono anche ad implicazioni pratiche di grande rilievo (...) di porre l´impresa agrícola
in una posizione di uguaglianza o di parità con l´impresa commerciale, sicchè la diversità sai in qualche
modo eliminata attraverso normative particolari: speciali sí, ma – allora – non di privilegio”.

[560]
OPITZ, Silvia C.B., e OPITZ, Oswaldo. Curso Completo de Direito Agrário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2007, p. 48.

[561]
RIZZARDO, Arnaldo. Curso de Direito Agrário. São Paulo: R.T., 2013, pp. 216-217.

[562]
RIZZARDO, Arnaldo. Curso de Direito Agrário. Op. Cit., p. 217.

[563]
CARROZZA, Antonio. ZELEDÓN, Ricardo Zeledón. Teoría general e institutos de derecho agrário.
Op. Cit., p. 33.

[564]
Cf. BREBBIA, Fernando P., MALANOS, Nancy L. Derecho agrário. Op. Cit., p. 40: “La doctrina
jurídica latino-americana más reciente há aportado un nuevo critério para el derecho agrario, en base a lo
que se denomina derecho de los recursos naturales”.

[565]
CF, Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º Para assegurar a efetividade desse
direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o
manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio
genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; VII
- proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função
ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

[566]
ALVARENGA, Octavio Mello. Manual de Direito Agrário. Op. Cit., p. 4: “Chega-se ao
equacionamento de um desfrute racional e perene, tanto por sabedoria quanto por previdência
econômica. As duas doutrinas não podem excluir o fato de partirem de um fato absoluta: a terra. Há que
se estudar, portanto, as características dos recursos que a compõem; a finitude ou capacidade renovável
dos mesmos; os que são auto-renováveis, ou admitindo a colaboração do homem nesse renovação, até
quando terão existência”.

[567]
CARROZZA, Antonio. ZELEDÓN, Ricardo Zeledón. Teoría general e institutos de derecho agrário.
Op. Cit., p. 35: “Pero junto a la agricultura-producción surgieron otras funciones, reasumibles, por
brevedad, en la expresión agricultura-protección”.

[568]
CARROZZA, Antonio. ZELEDÓN, Ricardo Zeledón. Teoría general e institutos de derecho agrário.
Op. Cit., p. 35, nota de rodapé 22: “Aquí estamos a la espera aún de una estratégia idónea, también en
cuanto se refiere a los instrumentos jurídicos, para afrontar a esa urbanización incontrolada que se há
producido en el pasado reciente, frecuentemente con perjuicio de terrenos cultivables o cultivados. Así
las cosas, en el conflito entre usos agrícolas y usos extra-agrícolas del suelo los primeiros están
destinados a sucumbir por efecto de la especulación edilícia: ésta no encuentra, como sucede en otros
ordenamentos, el obstáculo de una prioriedad (adecuadamente sancionada) de la vocación o destino
agrícola del terreno respecto de todo otro tipo de disfrute; la única rêmora, bastante seria, a la conversión
del suelo agrícola en suelo edilício la constituye la existência de una relación contratactual agraria y la
consecuente tutela acordada en medida cresciente a contratante cultivador introducido en el fundo”.

[569]
ZELEDÓN, Ricardo Zeledon. Derecho Agrario. Nuevas Dimensiones. Op. Cit., p. 248: “Por estas
razones el derecho agrario no es ambiental. No puede concebirse una actividad agraria sin el ambiente
porque la agricultura es la actividad más cercana a la naturaliza, pero ele no le transforma en derecho
ambiental”.

[570]
CARROZZA, Antonio. ZELEDÓN, Ricardo Zeledón. Teoría general e institutos de derecho agrário.
Op. Cit., pp. 36-37.

[571]
CARROZZA, Antonio. ZELEDÓN, Ricardo Zeledón. Teoría general e institutos de derecho agrário.
Op. Cit., p. 38: “(...) digamos del derecho agrário en sentido muy estricto, porque para el derecho
florestal el perfil publicístico existe desde hace mucho tempo con toda evidencia, como es evidente el
servicio público de la floresta”.

[572]
CARROZZA, Antonio. ZELEDÓN, Ricardo Zeledón. Teoría general e institutos de derecho agrário.
Op. Cit., pp. 38-39.

[573]
Cf. BREBBIA, Fernando P., MALANOS, Nancy L. Derecho agrário. Op. Cit., pp. 45-46.

[574]
ZELEDÓN, Ricardo Zeledon. Derecho Agrario. Nuevas Dimensiones. Op. Cit., p. 248.

[575]
CARROZZA, Antonio. ZELEDÓN, Ricardo Zeledón. Teoría general e institutos de derecho agrário.
Op. Cit., pp. 37-38.

[576]
Apud BREBBIA, Fernando P., MALANOS, Nancy L. Derecho agrário. Op. Cit., pp. 46-47.

[577]
TRENTINI, Flavia. Teoria Geral do Direito Agrário Contemporâneo. São Paulo: Atlas, 2012, p. 44.

[578]
Consulte-se, por todos, BREBBIA, Fernando P., MALANOS, Nancy L. Derecho agrário. Op. Cit., p.
45: “Ya hemos passado revista a las diversas concepciones del derecho agrário expuestas, a través de
una fructífera evolución jurídica, por Ballarín Marcial, quien en la revista ‘Derecho Agrario y
Alimentario’ que él mismo dirige, ha perfeccionado una doctrina concebida con anterioridade, con la
que há procurado actualizar su pensamiento ampliando notablemente las fronteras del derecho agrario de
la que nace el derecho agroalimentario, que significa un sensible crecimiento de la importância y del
contenido del viejo derecho de la agricultura”.

[579]
BALLARÍN MARCIAL, Alberto. Definición y justificación del derecho agroalimentario. In Derecho
Agrario y Alimentario Español y de La Unión Europea. Coordinador Pablo Amat Llombart. Valencia:
Tirant lo Blanch, 2007, pp. 37-38.

[580]
PASTORINO, Leonardo Fabio. Derecho Agrario Argentino. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2009, p.
43.

[581]
COSTATO, Luigi. Compendio di Diritto Alimentare. Quarta edizione. Padova: Cedam, 2007, p. 8:
“Fondamentale como fonte del diritto alimentare è il regolamento 178/2002 del Parlamento europeo e
del Consiglio che stabilisce i principi e i requisiti generali dela legislazione alimentare, istituisce l
´Autorità europea per gli alimenti e fissa le procedure nel campo dela sicurezza alimentare”.

[582]
BALLARÍN MARCIAL, Alberto. Definición y justificación del derecho agroalimentario. In Derecho
Agrario y Alimentario Español y de La Unión Europea. Op. Cit., p. 40.
[583]
BODIGUEL, L. L´entreprise entre activités économiques et territoire rural. Paris: L´Hartmattan, 2002,
p. 388 Apud TRENTINI, Flavia. Teoria Geral do Direito Agrário Contemporâneo. Op. Cit., p. 45:
“Parte-se do pressuposto de que o meio rural não deve ser entidade somente como um simples gerador
de desenvolvimento econômico, mas, sim, em sentido amplo, abrangendo outros aspectos, sobretudo
relacionados com a necessidade de que o desenvolvimento seja um processo controlado, atento ao
equilíbrio social e biológico. O desenvolvimento sustentável, imposto tanto na esfera internacional como
na nacional, deve disciplinar todas as atividades produtivas e, de modo particular, a agrária, que
necessita da utilização de muitos recursos naturais para a sua prática”.

[584]
SÉGUIN, Elida. Estatuto da Cidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 9: “Destas adaptações da
Natureza às necessidades humanas surge o Meio Ambiente Construído ou Artificial onde as relações
sociais se desenvolvem. Posteriormente, quando ocorre a positivação das relações oriundas do convívio
em assentamentos humanos, está-se diante do Direito Urbanístico. Em termos ambientais, os espaços
construídos são dependentes de energias e recursos naturais externos, pressionados para a adoção de um
modelo de auto-sustentabilidade de difícil consecução, na prática, se divorciado da participação popular
na gestão dos problemas e da luz da Ética Ambiental”.

[585]
O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) prevê como política urbana tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante, entre outras, a
diretriz geral de integração e complementariedade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o
desenvolvimento sócio econômico do Município e do território sob sua área de influência. O plano
diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão
urbana. O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano
plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades neles
contidas. O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo (artigo 40, § 2º).

[586]
MEDAUAR, Odete. Estatuto da Cidade: Lei 10.257. de 10.07.2001, comentários / coordenadores
Odete Medauar, Fernando Dias Menezes de Almeida. 2ª ed. São Paulo: R.T., 2004, pp. 34-37: “Eis um
ponto relevante na política urbana, que impede raciocinar-se e agir em termos de separação rígida entre
urbano e rural. As fronteiras se flexibilizaram, as atividades se integram e se complementam, pois
urbano e rural fazem parte do território do Município. O urbano está atento ao rural e dele não se
esquece. (...) Parâmetro relevante da política urbana diz respeito à proteção e recuperação do meio
ambiente natural e cultura. A Constituição Federal atribui ao Poder Público e à coletividade a proteção
do meio ambiente cultural (art. 216) e natural (art. 225) e a política urbana não poderia deixar de lado
tais aspectos. Denota-se aí a profunda conexão entre urbanismo e meio ambiente, entre Direito
Urbanístico e Direito Ambiental”.

[587]
ANTUNES, Paulo Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 321: “O Estatuto
da Cidade é uma norma jurídica que veio estabelecer os princípios gerais a serem adotados para a boa
gestão da vida urbana. (...) É evidente, contudo, que gerir cidades é produzir impactos sobre o meio
ambiente – positivos e negativos”.

[588]
LIRA, Ricardo Pereira. Direito Urbanístico, Estatuto da Cidade e Regularização Fundiária. In Direito
da Cidade. Novas Concepções sobre as Relações Jurídicas no Espaço Social Urbano. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2007, pp. 6-7: “Esse diploma está profundamente penetrado pela função social da
propriedade, sendo fundamental a consideração desse princípio para efetividade dele”.

[589]
TRENTINI, Flavia. Teoria Geral do Direito Agrário Contemporâneo. Op. Cit., p. 45.

[590]
Cf. CASSETTARI, Christiano. Direito Agrário. São Paulo: Atlas, 2012, p. 6.
[591]
A Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da
Constituição, e Considerando que a Constituição da Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura - FAO foi firmada em Quebec, Canadá, em 16 de outubro de 1945, e
atualizada por emendas que lhe foram apostas até novembro de 1955; Considerando que o Congresso
Nacional aprovou a Constituição da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura, por meio do Decreto Legislativo nº 21, de 23 de julho de 1964; Considerando que a
Constituição da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura entrou em vigor
para a República Federativa do Brasil, no plano jurídico externo, em 16 de outubro de 1945;
Considerando que a República Federativa do Brasil depositou o instrumento de ratificação em 28 de
abril de 1965, e que, portanto, a referida Constituição entrou em vigor, para a República Federativa do
Brasil, em 28 de abril de 1965, DECRETA: Art. 1o Fica promulgada a Constituição da Organização
das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura - FAO, anexa a este Decreto. Art. 2o São
sujeitos à aprovação do Congresso Nacional atos que possam resultar em revisão do ato e ajustes
complementares que, nos termos do inciso I do caput do art. 49 da Constituição, acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Art. 3o. Este Decreto entra em vigor na data de sua
publicação.

[592]
STF, ADI nº 1.480-3/DF, Rel. Ministro Celso de Mello, DJ 18/05/2001.

[593]
Sobre o elemento nuclear integridade física da dignidade da pessoa humana, consulte-se BODIN DE
MORAES, Maria Celina. O Conceito de Dignidade Humana: substrato axiológico e conteúdo
normativo. In SARLET, Ingo Wolfang (Coord.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, pp. 105-107. No tocante à fração nuclear saúde básica do
mínimo existencial, confira-se BARCELLOS. Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios
Constitucionais. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pp. 103,
247-248.

[594]
NUNES, Mérces da Silva. O Direito Fundamental à Alimentação: e o princípio da segurança. São
Paulo: Elsevier, 2008, p. 50-52: “Dessa perspectiva, resta inequívoco o entendimento de que o direito
fundamental à alimentação decorre diretamente do direito à vida e guarda estreitas relações tanto com o
direito à saúde como o direito à sadia qualidade de vida que, por sua vez, abrange o direito à
alimentação e à nutrição adequados em qualidade e quantidade indispensáveis ao pleno
desenvolvimento da pessoa humana”.

[595]
Trata-se da atividade complementar da exploração rural, compreendendo o transporte e a
comercialização dos produtos, conforme MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário Brasileiro. 7 ª
ed. São Paulo: Atlas, 2007, pp. 8-9: “A atividade complementar da exploração rural, por sua vez, é
aquela que diz respeito ao transporte e à comercialização dos produtos, diretamente do estabelecimento
rural e pelo próprio produtor. Não sem razão, uma corrente doutrinária denomina de conexas essas
atividades. A classificação dessas atividades como agrárias, todavia, não é pacífica, pois há quem as
inadmita mesmo como atípicas, à consideração de que se situam no setor terciário da economia. A
primeira – transporte – é considerada como prestação de serviços, e a segunda – comercialização – como
atividade tipicamente comercial (mercantil). Não obstante argumentos tão relevantes, tem-se que é
basicamente compreensível que essas atividades constituam o ‘coroamento lógico do próprio processo
produtivista’, como observa, acertadamente, o Prof. RAYMUNDO LARANJEIRA, assinalando que
‘essa é a vazão natural que o produtor procura dar aos frutos obtidos, não só para atender as
necessidades de consumo de terceiros, como para haurir os benefícios da sua atividade mesma”.

[596]
NUNES, Mérces da Silva. O Direito Fundamental à Alimentação: e o princípio da segurança. Op. Cit.,
p. 82.

[597]
MASINI, Stefano. Corso di Diritto Alimentare. Seconda edizione. Milano: Giuffrè, 2011, p. 49: “L
´ampiezza del mercato e la distanza che se misura, ormai, tra luoghi di produzione e luoghi dell´oferta
commerciale vale, non di meno, ad incrementar la diffusione di prodotti tipici o tradizionali, in quanto l
´indicazione dela provenienza geográfica e il radicamento nella tradizione di una comunità locale
diventano connotati capaci di indiririzzare le scelte dei consumatori”.

[598]
“(...). 4. O ponto de partida do CDC é a afirmação do Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor,
mecanismo que visa a garantir igualdade formal-material aos sujeitos da relação jurídica de consumo, o
que não quer dizer compactuar com exageros que, sem utilidade real, obstem o progresso tecnológico, a
circulação dos bens de consumo e a própria lucratividade dos negócios. 5. O direito à informação,
abrigado expressamente pelo art. 5°, XIV, da Constituição Federal, é uma das formas de expressão
concreta do Princípio da Transparência, sendo também corolário do Princípio da Boa-fé Objetiva
e do Princípio da Confiança, todos abraçados pelo CDC. 6. No âmbito da proteção à vida e saúde
do consumidor, o direito à informação é manifestação autônoma da obrigação de segurança. 7.
Entre os direitos básicos do consumidor, previstos no CDC, inclui-se exatamente a “informação
adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (art. 6°, III).
8. Informação adequada, nos termos do art. 6°, III, do CDC, é aquela que se apresenta simultaneamente
completa, gratuita e útil, vedada, neste último caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante
pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia para o consumidor. 9.
Nas práticas comerciais, instrumento que por excelência viabiliza a circulação de bens de consumo, “a
oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas,
ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço,
garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à
saúde e segurança dos consumidores” (art. 31 do CDC). 10. A informação deve ser correta (=
verdadeira), clara (= de fácil entendimento), precisa (= não prolixa ou escassa), ostensiva (= de fácil
constatação ou percepção) e, por óbvio, em língua portuguesa. 11. A obrigação de informação é
desdobrada pelo art. 31 do CDC, em quatro categorias principais, imbricadas entre si: a) informação-
conteúdo (= características intrínsecas do produto e serviço), b) informação-utilização (= como se usa o
produto ou serviço), c) informação-preço (= custo, formas e condições de pagamento), e d) informação-
advertência (= riscos do produto ou serviço). 12. A obrigação de informação exige comportamento
positivo, pois o CDC rejeita tanto a regra do caveat emptor como a subinformação, o que transmuda o
silêncio total ou parcial do fornecedor em patologia repreensível, relevante apenas em desfavor do
profissional, inclusive como oferta e publicidade enganosa por omissão. 13. Inexistência de antinomia
entre a Lei 10.674/2003, que surgiu para proteger a saúde (imediatamente) e a vida (mediatamente) dos
portadores da doença celíaca, e o art. 31 do CDC, que prevê sejam os consumidores informados sobre o
“conteúdo” e alertados sobre os “riscos” dos produtos ou serviços à saúde e à segurança. 14.
Complementaridade entre os dois textos legais. Distinção, na análise das duas leis, que se deve fazer
entre obrigação geral de informação e obrigação especial de informação, bem como entre informação-
conteúdo e informação-advertência. 15. O CDC estatui uma obrigação geral de informação (= comum,
ordinária ou primária), enquanto outras leis, específicas para certos setores (como a Lei 10.674/03),
dispõem sobre obrigação especial de informação (= secundária, derivada ou tópica). Esta, por ter um
caráter mínimo, não isenta os profissionais de cumprirem aquela. 16. Embora toda advertência seja
informação, nem toda informação é advertência. Quem informa nem sempre adverte. 17. No campo da
saúde e da segurança do consumidor (e com maior razão quanto a alimentos e medicamentos), em que
as normas de proteção devem ser interpretadas com maior rigor, por conta dos bens jurídicos em
questão, seria um despropósito falar em dever de informar baseado no homo medius ou na generalidade
dos consumidores, o que levaria a informação a não atingir quem mais dela precisa, pois os que
padecem de enfermidades ou de necessidades especiais são freqüentemente a minoria no amplo universo
dos consumidores. 18. Ao Estado Social importam não apenas os vulneráveis, mas sobretudo os
hipervulneráveis, pois são esses que, exatamente por serem minoritários e amiúde discriminados ou
ignorados, mais sofrem com a massificação do consumo e a “pasteurização” das diferenças que
caracterizam e enriquecem a sociedade moderna. 19. Ser diferente ou minoria, por doença ou qualquer
outra razão, não é ser menos consumidor, nem menos cidadão, tampouco merecer direitos de segunda
classe ou proteção apenas retórica do legislador. 20. O fornecedor tem o dever de informar que o
produto ou serviço pode causar malefícios a um grupo de pessoas, embora não seja prejudicial à
generalidade da população, pois o que o ordenamento pretende resguardar não é somente a vida de
muitos, mas também a vida de poucos. 21. Existência de lacuna na Lei 10.674/2003, que tratou apenas
da informação-conteúdo, o que leva à aplicação do art. 31 do CDC, em processo de integração jurídica,
de forma a obrigar o fornecedor a estabelecer e divulgar, clara e inequivocamente, a conexão entre a
presença de glúten e os doentes celíacos. 22. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte,
provido (STJ, REsp 586.316/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 17/04/2007, DJe 19/03/2009; grifou-se).

[599]
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRODUTOS ALIMENTÍCIOS. OBRIGAÇÃO
DE INFORMAR A PRESENÇA OU NÃO DE GLÚTEN. LEGITIMIDADE ATIVA DE
ASSOCIAÇÃO. REQUISITO TEMPORAL. CONSTITUIÇÃO HÁ, PELO MENOS, UM ANO.
FLEXIBILIZAÇÃO. INTERESSE SOCIAL E RELEVÂNCIA DO BEM JURÍDICO TUTELADO.
DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA. (...) 3. A doença celíaca caracteriza-se pela
atrofia parcial ou total das vilosidades intestinais, causada pela ingestão de glúten, presente no trigo,
centeio, cevada, aveia e malte. A ingestão do glúten, por portadores da doença, pode trazer diversos
males à saúde, como a má absorção de nutrientes que são essenciais para a manutenção fisiológica do
organismo, assim como pode ser fator de risco para o desencadeamento de doenças crônicas como
diabetes tipo 1, doença autoimune da tireoide, artrite reumatoide, doença de Addison, síndrome de
Sjögren, câncer intestinal, osteoporose, infertilidade em mulheres, enfermidades neurológicas, bem
como distúrbios psiquiátricos e morte. 4. A informação acerca da existência do glúten em
determinado produto alimentício é a forma mais eficiente para que o portador da doença garanta
seu bem-estar, e, sobretudo, uma das formas de efetivação do direito humano à alimentação
adequada, alçado ao nível de direito fundamental, acrescentado ao rol de direitos sociais, após a
Emenda Constitucional n. 64/2010, tomando lugar entre os direitos individuais e coletivos” (REsp
1357618/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 26/09/2017,
DJe 24/11/2017; grifou-se).

[600]
ECKSCHMIDT, Thomas, DONADEL, André, BUSO, Giampaolo, ECKSCHMIDT, Alex. O Livro
Verde de Rastreamento: conceitos e desafios. São Paulo: Livraria Varela, 2009, p. 9.

[601]
GRASSI NETO, Roberto. Segurança Alimentar: da produção agrária à proteção do consumidor. São
Paulo: Saraiva, 2013, p. 321.

[602]
GRASSI NETO, Roberto. Segurança Alimentar: da produção agrária à proteção do consumidor. Op.
Cit., pp. 321-322.

[603]
VAZ, Paulo Afonso Brum. O Direito Ambiental e os Agrotóxicos: responsabilidade civil, penal e
administrativa. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 23: “O uso de agrotóxicos, como bem
indica o conceito legal (ut retro), não é privativo de atividades rurais. Aliás, o emprego de agrotóxicos se
encontra incrementado nos ambientais urbanos pelo uso recorrente de produtos tóxicos extremamente
nocivos e perigosos, rotulados de ‘herbicida urbano’, ‘capina química’, ‘desfolheante agroindustrial’,
etc. Nos ambientes domésticos, não menos preocupante se revela o uso indiscriminado dos chamados
‘inseticidas domésticos’, ‘matamosca’, ‘mata-barata’, ‘mata-mosquito’ etc., indicativo de sérios riscos à
saúde humana. Da mesma forma, os produtos tóxicos usados para ‘desinsetização’ em ambientes de
trabalho, como indústrias, escolas, hospitais, depósitos etc., alguns deles do grupo químico
‘organofosforados’, sabidamente nocivos à saúde humana”.

[604]
Art. 14. As responsabilidades administrativa, civil e penal pelos danos causados à saúde das pessoas e
ao meio ambiente, quando a produção, comercialização, utilização, transporte e destinação de
embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, não cumprirem o disposto na legislação
pertinente, cabem: a) ao profissional, quando comprovada receita errada, displicente ou indevida; b) ao
usuário ou ao prestador de serviços, quando proceder em desacordo com o receituário ou as
recomendações do fabricante e órgãos registrantes e sanitário-ambientais; c) ao comerciante, quando
efetuar venda sem o respectivo receituário ou em desacordo com a receita ou recomendações do
fabricante e órgãos registrantes e sanitário-ambientais; d) ao registrante que, por dolo ou por culpa,
omitir informações ou fornecer informações incorretas; e) ao produtor, quando produzir mercadorias em
desacordo com as especificações constantes do registro do produto, do rótulo, da bula, do folheto e da
propaganda, ou não der destinação às embalagens vazias em conformidade com a legislação pertinente;
f) ao empregador, quando não fornecer e não fizer manutenção dos equipamentos adequados à proteção
da saúde dos trabalhadores ou dos equipamentos na produção, distribuição e aplicação dos produtos.

[605]
MANCUSO, Rodolfo Camargo. Ação Civil Pública: em Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio
Cultural e dos Consumidores. 2ª ed. São Paulo: R.T., 1992, p. 191.

[606]
Art. 10. Compete aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos dos arts. 23 e 24 da Constituição
Federal, legislar sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos agrotóxicos,
seus componentes e afins, bem como fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o armazenamento e o
transporte interno. Art. 11. Cabe ao Município legislar supletivamente sobre o uso e o armazenamento
dos agrotóxicos, seus componentes e afins.

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