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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES


CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

FERNANDA CAROLINE CABRAL

UMA ANÁLISE CRÍTICA DA ATUAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NA


CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITOS

CURITIBA
2013
FERNANDA CAROLINE CABRAL

UMA ANÁLISE CRÍTICA DA ATUAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NA


CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITOS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Graduação em
Serviço Social da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, como requisito parcial
à obtenção do título de Bacharel em
Serviço Social.

Orientadora: Profª. Drª. Jucimeri Isolda


Silveira

CURITIBA
2013
Página reservada para ficha catalográfica que deve ser confeccionada após
apresentação e alterações sugeridas pela banca examinadora.
Deve ser impressa no verso da folha de rosto.

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Em até 48h a ficha será encaminhada para o email do solicitante.
FERNANDA CAROLINE CABRAL

UMA ANÁLISE CRÍTICA DA ATUAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NA


CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITOS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Graduação em
Serviço Social da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, como requisito parcial
à obtenção do título de Bacharel em
Serviço Social.

COMISSÃO EXAMINADORA

_____________________________________
Professor 1(Titulação e nome completo)
Instituição 1

_____________________________________
Professor 2 (Titulação e nome completo)
Instituição 2

_____________________________________
Professor 3 (Titulação e nome completo)
Instituição 3

Cidade, ____ de ________ de 2013.


Agradeço às e aos incansáveis
batalhadoras e batalhadores que dispõem
de suas vidas à luta pela justiça e
equidade no cenário cotidiano da vida.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar expresso minha gratidão a Deus pela intensa oportunidade
de superar meus limites rumo à nova etapa.
Ao meu querido e amado esposo Renato Pastene Pires, obrigado pelo
constante entusiasmo e por todas as palavras de força! Seu companheirismo foi
extraordinário nesse tempo, Te amo! Aos meus sogros, Roberto Pires e Rosangela
Pastene Pires, obrigado pela gentileza e pelo carinho.
Agradeço ao meu pai Fernando Cesar Cabral, que sempre me impulsionou a
estudar, e à minha mãe, Andrea Cristina de Oliveira Cabral, pelo amor e cuidado
dedicado durante esses 23 anos. Aos meus irmãos Filipe Cesar Cabral e Fábio
Cabral, amor de irmão é insipido, incolor e inodoro, mas concerteza existe! À minha
família “ampliada”, meus avós, Gilberto de Oliveira, Ivone Andrade de Oliveira e
Marli Cardoso Cabral, batalhadores de uma vida inteira. À memória de meu avô
Joaquim Fernando Cabral, sem dúvidas se estivesse aqui ficaria orgulhoso! Sua vida
de empenho aos livros me inspira a continuar. Não poderia deixar de agradecer à
minha tia Mirian Cabral, sempre pronta a amparar os sobrinhos, obrigada! À minha
querida prima Priscila Ramos de Oliveira, amo você Pri!
Chegou o momento de prestigiar meus amigos que compartilharão das
aflições “universitárias” por longos e curtos quatro anos. Aos meus queridos, Lalini
Moreira Chiarello, amiga imprescindível, obrigado por me lembrar das datas dos
trabalhos e provas, o que seria de mim sem você?! À Sabrina de Oliveira, a
companheira de todos os momentos, valeu Sa! E como se esquecer da amiga mais
dedicada de toda a história do Serviço Social, Dábila Natiele de Paiva! Às loucuras
da doce e extrovertida Mariana Falcão, foi um prazer! E ao “esquisito” e bom amigo
Fábio Sieg, “tamo junto”.
Meus sinceros agradecimentos à equipe de docentes de Serviço Social da
PUC-PR, Solange Fernandes, Ilda Wiutiuk, Márcia de Oliveira, Maria Izabel Pires e
Zely Barbosa vocês são transformadores. À minha querida supervisora Jucimeri
Isolda Silveira, sua dedicação e profissionalismo me mostraram que é possível
ultrapassar limites. Obrigada pelas orientações tão, tão rápidas e tão, tão produtivas.
E, por fim, a todos que compartilharam comigo esse momento, meu sincero
agradecimento!
“o socialismo não consiste apenas na socialização dos
meios de produção [...] consiste também – ou deve consistir
numa progressiva socialização dos meios de governar, uma
socialização também aqui tornada possível pela crescente
participação das massas na vida política, através de sujeitos
políticos coletivos (...)”.

(Coutinho, 1979, p. 38).


RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar a atuação da Sociedade Civil no contexto
de redemocratização do Brasi, a partir da teoria de Gramsci sobre Estado Ampliado.
Dentro dessa perspectiva, propõe-se analisar a Sociedade Civil como um conjunto
de apelhos privados que disseminam a direção intelectual e moral de uma
determinada classe. O período da redemocratização do Brasil é marcado por
expressivas manifestações da Sociedade Civil contra o Estado. Entendendo o
Estado como promotor dos interesses da classe burguesa, buscou-se pesquisar a
postura da Sociedade Civil nesse período, seja como reprodutora da ideologia
dominante, seja como transformadora social.
Palavras-chave: Sociedade Civil 1. Redemocratização 2. Hegemonia 3.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ARENA Aliança
CEB´S Comunidades Eclesias de Base
CUT Centra Única dos Trabalhadores
MST Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
PT Partido dos Trabalhadores
UNE União Nacional dos Estudantes
URSS União das Repúblicas Soviéticas Socialistas
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...............................................................................................10
2 ESTADO E SOCIEDADE CIVIL....................................................................15
2.1 O ESTADO: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS DOS CLÁSSICOS..................15
2.2 SOCIEDADE CIVIL: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS DOS CLÁSSICOS......20
2.3 A FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO.....................................................21
2.4 A TEORIA LIBERAL SOBRE O ESTADO.....................................................26
2.5 ESTADO E SOCIEDADE CIVIL PARA MARX E POULANTZAS..................31
2.6 ESTADO E SOCIEDADE EM GRAMSCI.......................................................34
3 A SOCIEDADE CIVIL NO PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO.........37
3.1 AS PECULIARIDADES HISTÓRICAS DA DITADURA.................................37
3.2 SOCIEDADE CIVIL NO BRASIL: DA DITADURA À REDEMOCRATIZAÇÃO
39
3.3 À SOMBRA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITOS..........................44
3.4 DA DEMOCRACIA LIBERA À DEMOCRACIA CONTRA HEGEMÔNICA....46
4. ANÁLISE DO SERVIÇO SOCIAL NO PERÍODO DA
REDEMOCRATIZAÇÃO.............................................................................................49
4.1 O LEGADO DA RECONCEITUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL.....................49
4.1.1 A perspectiva do Serviço Social sobre a Reconceituação no Período da
Redemocratização.....................................................................................................52
4.1.2 O Assistente Social Como Intelectual Orgânico: Contribuições de Um
Serviço Social Reconceituado ...............................................................................56
4.1.3 O Estado Democrático de Direito na Perspectiva do Serviço Social no
Período da Redemocratização.................................................................................58
4.1.4 Sociedade Civil e Participação Sob a Ótica do Serviço Social
Reconceituado no Período da Redemocratização................................................60
4.2 A INCIDÊNCIA DE GRAMSCI NO SERVIÇO SOCIAL E A INFLUÊNCIA DE
SUAS TEORIAS NA FORMAÇÃO DO PROJETO PROFISSIONAL.........................63
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................67
REFERÊNCIAS...........................................................................................................71
10

1 INTRODUÇÃO

Na década de 1960 o Brasil, juntamente com outros países da América


Latina, tornou-se palco da peça hedionda da autocracia burguesa: a Ditadura Militar.
A finalidade dessa Revolução suscitava a pretenção da classe dominante em
adequar o Brasil ao modelo econômico hegemônico mundial, além de pretender
paralisar movimentos da classe subalterna que propendiam ao comunismo (NETTO,
1996).
A transição do capitalismo concorrencial para o monopolista foi resultado
dessa manobra burguesa, cujo intuito consistia em industrializar e modernizar o
país, e ao mesmo tempo conter a ascenssão política da classe subalterna. O lema
da Bandeira Nacional Brasileira, “ordem e progresso”, de inspiração positivista,
propaga precisamente o propósito da classe burguesa nesse período: induzir a
nação para o progresso capitalista e manter a “ordem”, silenciando as classes
subalternizadas por meio de atos repressivos.
Diante dessa conjuntura, imposta pela autocracia burguesa, a organização
dos trabalhadores peregrina para a foice da despolitização e, consequentemente,
para o desencaminhamento de suas conquistas sociais. Na tentativa de desmobilizar
os trabalhadores, enquanto classe, e minimizar os efeitos da questão social, o
governo autocráta institui práticas assistencialistas destinadas principalmente às
camadas mais marginalizadas (SILVA e SILVA, 1995).
O alicerce de manutenção da ditadura advinha da “superação econômica”,
consentida históricamente como “milagre econômico”, período marcado pela intensa
industrialização e modernização do país sob o comando da hegemonia burguesa
mundial. No entanto, o “prodígio econômico”, que durou de 1968 a 1973, aterrisa
forçosamente, pela dívida externa acumulada nesses anos, e confina o país a uma
violenta crise recessiva e inflacionária.
Perante a ruína econômica do país, a sociedade expõe notoriamente a
insatisfação quanto à administração política, econômica e social do regime militar.
Movimentos populares começam a surgir nas surdinas das periferias, organizando-
se nas lutas sociais. Reaparecem movimentos sindicais, desatrelados do Estado,
promovendo mobilizações de trabalhadores pela luta por melhores condições de
trabalho.
11

Nesse momento histórico, surgem segmentos da Sociedade Civil, que se


inserem no contexto da redemocratização do país, abordando a concepão crítica de
luta de classes. Com destaque para o Partido dos Trabalhadores (PT), criado em
1980 e para a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que nasce em 1983.
Perante esse contexto, a Sociedade Civil adquiriu nova articulação, e as
oposições políticas à ditadura, conseguiram seus primeiros êxitos eleitorais
(NOGUEIRA, 2011). Em 1982, nas eleições para deputados estaduais e federais, a
bancada da oposição elege-se em vários estados brasileiros, e passam a ocupar
grande parte das cadeiras do Congresso Nacional. Em 1985, encerra-se o ciclo de
manutenção coercitiva do poder burguês e renasce a democracia brasileira.
A partir de aproximações acadêmicas em Gramsci, sobre a função exercida
pela Sociedade Civil como aparelho privado de hegemonia, será refletido acerca da
atuação deste ator social no período de redemocratização do Brasil. Buscar-se-a
analisar o projeto societário defendido pela Sociedade Civil nessa conjuntura, assim
como estudar sobre a direção intelectual e moral delineada por esta, no contexto
referido.
Uma vez que o objetivo desta pesquisa é analisar, a partir da concepção
crítica dialética, a atuação da Sociedade Civil no período de redemocratização do
Brasil, fez-se necessário: conceituar Estado e Sociedade Civil a partir das principais
matrizes teóricos metodológicas da teoria social; Analisar o processo histórico de
participação e mobilização da Sociedade Civil na construção do Estado Democrático
de Direitos; Pesquisar, a partir do principal referencial da profissão produzido na
época1, qual era o direcionamento da profissão no período, e de que forma o Serviço
Social se mobilizou juntamente com a Sociedade Civil em defesa da transição
democrática; E, examinar quais as perspectivas profissionais sobre o processo de
redemocratização no Brasil.
Buscou-se traçar o caminho metodológico para subsidiar essa pesquisa no
método crítico dialético. Para Marx este é o “método cientificamente exato”, uma vez
que descobre “(...) por meio da análise, certo número de relações gerais e abstratas
que são determinantes”. Ou seja, no método dialético, não se estuda “uma
representação caótica de um todo”, mas sim “uma rica totalidade de determinações
e relações diversas” (Marx, 2000, p.39). Portanto, a análise investigativa dessa
pesquisa foi construída por aproximações sucessivas com a realidade, procurando
1
Revista Serviço Social & Sociedade
12

revelar as determinações, desde as relações mais complexas até às mais


particulares. Na fundamentação da pesquisa, será utilizada especialmente pesquisa
bibliográfica, a qual, de acordo com (Gil, 2002) consiste em exploração cientifica de
materiais já elaborados como, livros, artigos científicos, publicações periódicas etc.
Para a análise metodológica da terceira seção, foi utilizada a Revista Serviço
Social & Sociedade, a qual foi escolhida, sobretudo por tratar-se do primeiro material
períodico produzido pelo Serviço Social a partir de um referencial crítico dialético, e
também, por tratar-se de uma produção que compõe artigos de diversos
profissionais, sendo possível examinar e comparar perspectivas distintas a respeito
do mesmo assunto. Foram consultados 14 (quatorze) artigos, desde a Revista n. 1
de 1979, até a Revista n. 26 de 1988. A opção de analise das revistas durante o
intervalo que vai da década de 1960 ao final de 1980, é concernente ao objetivo de
pesquisar o Serviço Social no período de transição da ditadura militar para a
democracia.
A pesquisa está dividia em três seções: a primeira sintetiza as principais
conceitualizações de Estado e Sociedade Civil, assim como o processo de formação
do Estado Moderno. A teoria contratualista é a primeira abordada sobre esse
aspecto. As principais contribuições são de Hobbes, Rousseau e Locke, os quais
defendem que o Estado = Sociedade Política é, a mesma coisa que Sociedade Civil.
Para esses teóricos, o estabelecimento da Sociedade Política ou Civil constitui-se
por meio do estabelecimento do contrato social, isto é, um pacto firmado entre os
homens, tendo em vista passar seus direitos naturais para o controle de um
soberano, nesse caso o Estado.
O que difere e partículariza as concepções desses teóricos contratuais, sobre
o tema, é a dimensão de poder concedida ao governante. Para Hobbes, o estado
natural caracteriza-se como uma condição de absoluta liberdade, porém que leva os
homens a lutarem entre si. No intuito de resguardar a vida, esses sujeitos aderem ao
contrato social, transferindo seus poderes e direitos a um soberano de poder
absoluto. Rousseau acredita que o estado natural é pacífico, e não de guerra, como
afirma Hobbes, no entanto, como contratualista, Rousseau acredita que os homens
devem sair do estado de natureza. No entanto, ele defende a formação de um
Estado que atenda a vontade geral dos indivíduos. Locke é defensor incondicional
da propriedade privada, e dentro dessa perspectiva, o Estado é constituído para
proteger esse direito individual.
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O que difere e partículariza as concepções, desses teóricos contratuais, sobre


a sociedade política/sociedade civil seria a dimensão de poder concedida ao
governante. Para Hobbes, o estado natural caracteriza-se como uma condição de
absoluta liberdade, porém que leva os homens a lutarem entre si. No intuito de
resguardar a vida, esses sujeitos aderem ao contrato social, transferindo seus
poderes e direitos a um soberano de poder absoluto. Rousseau acredita que o
estado natural é pacífico, e não de guerra, como afirma Hobbes, no entanto, como
contratualista, Rousseau acredita que os homens devem sair do estado de natureza.
No entanto, ele defende a formação de um Estado que atenda a vontade geral dos
indivíduos. Locke é defensor incondicional da propriedade privada, e dentro dessa
perspectiva, o Estado é constituído para proteger esse direito individual.
A teoria liberal sobre Estado é simétrica à concepção contratual de Locke.
Para os liberalistas, o Estado possui função de proteger a propriedade privada, e
deve ter um papel pouco interventor na sociedade, atuando, somente, como
ordenador da questão jurídica. A Sociedade Civil, na visão dos liberais, é o locus de
exercício da filantropia e caridade. Em contraposição a essas perspectivas, a teoria
social de Marx constitui o Estado como espaço de conceções dos interesses da
classe burguesa. Já a Sociedade Civil, segundo a teoria de Marx, é o espaço onde
se realizam as relações de produção e reprodução da ordem capitalista.
Para finalizar a primeira seção, será recorrido a Antonio Gramsci, para
explicar Estado e Sociedade Civil a partir da concepção de Estado Ampliado -
Sociedade Política somada à Sociedade Civil. É por meio dessa análise que será
compreendida a função consensual da Sociedade Civil em consolidar a hegemonia
da classe dominante.
Na segunda seção será abordado acerca da participação e mobilização da
Sociedade Civil no período de redemocratização do Brasil. A partir de uma análise
sociohistórica, compreender-se-a o motivo econômico burguês do golpe político de
1964, o qual, em síntese, retrata uma revolução nacional burguesa, sob o comando
da hegemonia burguesa mundial. O capital extrangeiro tinha como intuito
estabelecer a hegemonia capitalista nos países periféricos. Portanto, utilizará da
administração estatal coerciva para industrializar e modernizar essas nações,
visando à entrada do capitalismo monopolista. No entanto, a cíclica crise do sistema
capitalista adentra as portas de diversos países Liberalistas, inclusive o Brasil. Um
14

amplo debate político sobre a redemocratização incitou as bases populares a


manifestarem-se contra a ditadura.
Frente a essa conjuntura, de que forma se deu a participação e mobilização
da Sociedade Civil no período de redemocratização do país? Qual era o projeto
societário defendido por esta nesse período? Qual foi a perspectiva da Sociedade
Civil sobre o Estado Democrático de Direitos? Estas são algumas das questões que
tentar-se-a esclarecerem.
Na última seção, tratar-se-a sobre o Serviço Social no período de
redemocratização. Primeiramente, será abordado sobre o processo de
reconceituação do Serviço Social, que iniciou na década de 1960, e avançou nas
décadas de 1970 e 1980, período este de redemocratização do Brasil. Portanto, será
analisado de que forma a atuação da Sociedade Civil, nesse período, influenciou no
processo de reatualização das bases profissionais.
A partir da análise da Revista Serviço Social & Sociedade (publicações entre
1979 a 1988), será pesquisado o posicionamento de assistentes sociais que
publicaram artigos na revista referida, acerca: do processo sociohistórico de
reconceituação da profissão; da perspectiva profissional sobre a função do
intelectual orgânico na sociedade de classes; do Estado Democrático de Direitos; e,
da participação e mobilização da sociedade civil na redemocratização.
O propósito em pesquisar, especificamente esses temas, suscita responder:
O que a categoria profissional de assistentes sociais pensava, no período da
redemocratização, sobre o processo sociohistórico da reconceitualização? Qual era
o projeto societário defendido por esses profissionais? Quais suas expectativas e
perspectivas sobre o Estado Democrático de Direitos? Quais eram seus
posicionamentos sobre a participação e mobilização da Sociedade Civil no período
de transição democrática? Que influência teve Gramsci no Serviço social
Reconceituado?
15

2 ESTADO E SOCIEDADE CIVIL

2.1 O ESTADO: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS DOS CLÁSSICOS

O trato sobre Estado sempre instigou pensadores políticos. Há séculos que


filósofos e demais intelectuais fomentam a discussão sobre o tema 2. O caminho
percorrido desemboca em um abismo de controvérsias resultante das
particularidades ideológicas que forjam as teorias de Estado.
O Estado, tido como moderno3 resulta da teoria Contratualista, fundamentada
no jusnaturalismo, que defende a garantia do direito natural, individual, de cada
sujeito (MONTAÑO; DURIGUETO, 2010). A efetivação e o resguardo destes direitos
seriam assegurados pelo Estado, ou pela figura do soberano, ao qual a sociedade
transferiria seus “poderes e direitos” por meio do contrato social (DURIGUETO,
2007, p. 35).
Bobbio (1986) descreve que o firmamento do contrato social entre os
indivíduos requer consenso a fim de instituir um soberano o qual assegure o bem
comum, ou seja, o direito à propriedade privada. Essa relação é entendida como a
passagem do estado de natureza para o estado civil ou político.
Tomas Hobbes, filósofo e escritor da obra “Leviatã” compara o estado de
natureza semelhante ao anarquismo, ou seja, como uma condição de “absoluta
liberdade, como é daqueles que não são nem súditos nem soberanos”, resultando
em “condição de guerra” de todos contra todos (Hobbes, 1651, p.18). A igualdade do
direito natural, de apropriar-se de tudo que desejar, ou do direito sobre todas as

2
A questão do Estado inicia com os postulados de Aristóteles ao trazer à luz a “existência de
classes sociais diferenciados pela condição social”, sendo esta situação permeada por tensões, as
quais só seriam possíveis de resolutividade com a intervenção do Estado (Montaño; Durigueto,
2010, p. 20). Outro teórico que faz menção ao Estado é Nicolau Maquiavel, que em sua literatura “O
Príncipe” dispõe de conselhos ao príncipe da Itália, Lorenço de Médici, afirmando ao governante
que é melhor ser “temido do que amado” pelo povo (Maquiavel,1532, p. 65). Maquiavel adverte que
o príncipe não deve esperar gratidão do povo, se assim fizer, será derrotado (GRUPPI, 2001), por
isso, o governante deve agir de forma que as pessoas o temam.
Montaño e Durigueto descreve o Estado na visão de Maquiavel como um “espaço onde o príncipe
exerce a coerção e procura o consenso para manter a ordem social” (Montaño; Durigueto, 2010, p.
21).
Maquiavel esboça sua análise sobre Estado a partir do absolutismo. No entanto, o que renova a
teoria de Estado, seriam as considerações de Maquiavel acerca da separação entre política e
religião. Para Gruppi (2001) Maquiavel não se ocupa em tratar os princípios da moral, mas sim em
fundamentar uma ciência política. Portanto Maquiavel separa a moral religiosa das ações na
política. Pois, o príncipe deve ter total autonomia para exercer seu poder.
3
Cf. BOBBIO. Norberto. Estado Governo e Sociedade. 8ª ed. Paz e Terra 1999, pg. 67. (sobre
“Argumentos em favor da descontinuidade”)
16

coisas, pode causar a morte entre os homens. O anseio em possuir o mesmo bem
conduz os homens à desconfiança um dos outros, e a preparação para a guerra.
(Bobbio, 1991). Isso exprime que, o estado de natureza, na concepção de Hobbes, é
a expressão do desejo dos homens pelo poder. A conquista do poder depende da
capacidade individual de aquirir riquezas.
Hobbes propõe o contrato social como, “uma espécie de pacto entre os
homens para estabelecer normas e autoridades às quais se submeterão
consensualmente” (MONTAÑO; DURIGUETO, 2010, p. 23), como artifício para livrar
os homens deste estado de terror. A propriedade privada, na concepção de Hobbes,
institui-se com o contrato social.
O objetivo do contrato entre os indivíduos é de transferir dos homens ao
soberano, o Estado, o direito de estabelecer regras e normas que garantam a paz,
“(...) conduzindo o homem para uma coexistência pacífica” (BOBBIO, 1991, p. 39),
cujo propósito é de conservação da vida.
Para a instituição do Estado, é necessário, que os indivíduos concordem
consensualmente, tendo em vista transferir a uma só pessoa, (ou assembleia) o
direito de estabelecer normas e regras. Para Hobbes, todos precisam se sujeitar
aos ditames do soberano, em benefício do bem comum, “(...) é necessária uma
coisa a mais, além do pacto, para tornar constante e duradouro seu acordo: ou seja,
um poder comum que os mantenham em respeito, e que diriga suas ações no
sentido do bem comum” (HOBBES, 1997 p.61).
Hobbes é defensor “da obediência incondicional” às leis, “mesmo quando
aqueles a quem são dirigidas as consideram como iníquas” (Bobbio; Bovero, 1994,
p. 81). Além disso, o filósofo acredita que o Estado não criaria leis não boas para
com os homens, pois a pessoa do soberano, consentida pelo povo, também seria
afetada ao estabelecer leis injustas. “Nenhuma lei pode absolutamente ser injusta,
na medida em que cada homem cria, com seu consentimento, a lei que ele é
obrigado a observar, esta, por conseguinte, tem de ser justa, a não ser que um
homem possa ser injusto consigo mesmo” (On Liberty and Necessity, in EW. IV, pp.
252-253, apud, BOBBIO, 1991, p. 49).
Porém, mesmo que o soberano estabeleça leis injustas, o povo deve render-
se em total obediência, pois o representante do povo possui poder ilimitado de
governança. A única coisa que o destituiria seria “a escassez de poder” (BOBBIO,
1991, p. 51), isto é, a incapacidade em proteger a vida dos súditos. Os homens
17

firmam o contrato para que o direito à vida seja resguardado. Portanto, se o


soberano for incapaz de assegurar a proteção à vida, o pacto é rompido, e os
indivíduos retomam a liberdade, de não mais obedecer às leis do soberano, mas de
se defender da maneira que assim o querer (BOBBIO; BOVERO, 1994).
No contrassenso do prisma de Hobbes, Rousseau contesta a teoria
dissertada por esse filósofo, que presume que o estado de natureza é estado natural
de guerra, ou em possível condição de guerra:
(...) é a relação das coisas, e não dos homens, que produz a guerra, e, como o
estado de guerra não pode nascer das simples relações pessoais, mas somente
das relações reais, a guerra particular, ou de homem para homem, não pode
existir nem do estado natural, em que não há propriedade constante, nem do
estado social, em que tudo se acha sob a autoridade das leis (ROUSSEAU, 1996,
p. 16).
Rousseau identifica o estado de natureza como pacífico e harmonioso. Pois,
já que, “(...) o homem, não tendo outros carecimentos além daqueles que podia
satisfazer em contato com a natureza, não se via no dever nem de unir nem de
combater os próprios semelhantes” (MONTAÑO; DURIGUETO, 2010, p. 28).
Apesar de o estado natural não ser considerado por Rosseau, como estado
de guerra, o filósofo supõe que esse estado de natureza não subsistiria por muito
tempo. Isso porque com a “instituição da propriedade privada” (Cf. BOBBIO;
BOVERO, 1994, p. 58-59) seria incitado nos homens seus “instintos egoístas”. Isto
é, o descobrimento de novas habilidades para transformação da natureza
promoveria a “dominação dos mais fortes sobre os mais fracos” (BOBBIO, 1999, p.
48).
Portanto, a passagem do estado natural para o estado civil, que significa o
firmamento do contrato social, de acordo com o pressuposto de Rousseau, propicia
um cenário de desigualdades sociais, ou como chama o autor de “desigualdade
moral ou política” 4, estabelecida por meio do consenso entre os homens. A origem
dessa desigualdade, “(...) consiste nos diferentes privilégios que gozam alguns com
prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos dos que
os outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles” (ROUSSEAU, 1754, p. 39).
Como contratualista, Rousseau descreve que o homem deve sair do estado
de natureza, mas, propõe que seja instituída uma “(...) república fundada sobre o

4
Rousseau, J.J. “Discurso Sobre a Origem da Desigualdade”. Edição online Acesso em 20/08/2013:
http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/desigualdade.pdf
18

contrato social, isto é sobre o acordo paritário de cada um com todos os demais (...)”
(BOBBIO, 1999, p. 48).
Esta disposição pactuada entre os homens é chamada de “vontade geral”, ou
seja, - sociedade governada pelo interesse comum, onde todos os indivíduos
possuem o direito de governar e assentir leis. De acordo com Rousseau “a vontade
geral propende para a igualdade” (ROUSSEAU, 1996, p. 34). Portanto, ao contrário
de Hobbes, Rousseau acredita na divisibilidade do poder (grifo nosso), pois “(...) no
momento em que há um senhor, já não há soberano e, desde então, destrói-se o
corpo político” (idem, 1996, p. 34). Dessa forma, o filósofo distribui o poder destinado
a um único soberano a todos os membros da sociedade, alegando que: “(...) assim
como a natureza dá a todo homem um poder absoluto sobre todos os seus próprios
membros, do mesmo modo o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto
sobre todos os seus próprios membros”. 5

Rousseau dispõe que a propriedade privada é a origem das desigualdades


entre os homens, e apresenta a proposta de uma forma de governo, que modifique
não somente a sociedade, mas também o próprio sujeito (COUTINHO, 1996). Esta
transformação é feita através da vontade geral, no cultivo do interesse de todos para
uma sociedade remota à desigualdade social.
Coutinho (1996) explica que Rousseau, não obstante, tenha proposto
extinguir a “polarização extrema entre a riqueza e a pobreza” (idem, p. 22), ele não
sugere a socialização da propriedade privada como alternativa para declínio das
desigualdades sociais. Portanto, contribui para a permanência de uma sociedade de
classes, em que a exuberante longitude entre riqueza e pobreza é o que precisa ser
ajustada.
O filósofo Jonh Locke, autor de “Segundo Tratado de Governo”, elucidou sua
concepção de teoria contratualista na perspectiva da preservação da propriedade
privada. Assim como Hobbes, Locke fomentou a discussão sobre a instituição do
Estado por meio do consenso entre os homens. Bobbio e Bovero (1994 p. 64)
explicam que “(...) se a única forma de legitimação política é o consenso daqueles
sobre quem esse poder se exerce, na origem da sociedade civil deve ter existido um
pacto se não expresso, pelo menos tácito entre os que deram vida a tal sociedade”.
O pacto é o contrato social firmado entre os indivíduos, um acordo consensual
que possui como função proteger os direitos naturais de cada sujeito. Em Locke, a
5
Rousseau Du contrat social, L.II, cap. 4.apud Bobbio e Bovero, 1994.
19

propriedade privada6 é o direito natural dos homens, sendo esse um direito instituído
anterior à existência do Estado (MACHPERSON, 1979).
Machperson (1979) explica que a passagem do estado de natureza para o
estado civil se deu em função da manutenção da propriedade privada. A submissão
dos homens a um soberano, neste caso, permeou-se por inseguranças quanto à
proteção à propriedade privada:
(...) o que falta ao estado de natureza para ser um estado perfeito é, sobretudo, a
presença de um juiz imparcial, ou seja, de uma pessoa que possa julgar sobre a
razão e o erro sem ser parte envolvida. Ingressando no estado de direito, ao
direito de fazer justiça por si mesmos, e conservam todos os outros, in primis o
direito de propriedade, que já nasce perfeito no estado de natureza, pois não
depende do reconhecimento de outros mas unicamente de um ato pessoal e
natural, como é o caso do trabalho.” (BOBBIO; BOVERO, 1994, p. 73)
Como Hobbes, Locke defendia a ideia de que o estado de natureza era um
estado de total liberdade, (MONTAÑO, DURIGUETO 2010). Mas Locke, ao contrário
de Hobbes, entendia que o estado de natureza não era um estado natural de guerra,
mas um estado onde todos os homens possuíam direitos iguais, ‘naturais’ (grifo
nosso). No entanto, ele afirma que este estado natural é sucetivel a conflitos, devido
à falta de leis e coerção (idem, 2010).
O contrato social, nessa lógica serviria para preservar os interesses
individuais e egoístas dos sujeitos. O Estado seria instituído, com poderes limitados,
visando, especificamente, assegurar e defender a propriedade privada. Locke
defende que, os homens não devem transferir todo o poder ao Estado, como é em
Hobbes, mas, parte dele, tendo o direito de não legitimar leis postas pelo
governante, bem como revogar o poder destinado a este. De acordo com Bobbio,
(1998, p. 102) Locke acreditava que: “o pacto comum não atribui ao soberano o
direito de guardar a autoridade e o direito natural dos indivíduos singulares”. O poder
limita-se à proteção dos direitos individuais. Essas presunções de Locke, acerca da
função do Estado, do direito à propriedade privada, da defesa de direitos individuais
etc., irão nortear a formulação dos princípios liberalistas.
Apesar das diferenças teóricas entre os teóricos, para Hobbes e Locke, os
indivíduos são orientados por interesses egoístas e individuais. Já para Rousseua o
Estado originário do homem é de felicidade e paz, porém, com a instituição da
6
A propriedade (grifo nosso) que prediz Locke está se referindo a “riqueza, a vida e a liberdade,
como objeto dos desejos naturais dos homens, objetos para cuja preservaçao os homens instituíam
governos” (MACHPERSON, 1979, p. 210).
20

propriedade privada isso se modifica. Nesse sentido o fundamento da ordem resulta


de um pacto, o pacto social, em que o povo é que dita a vontade geral, cuja
expressão é a lei.

2.2 SOCIEDADE CIVIL: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS DOS CLÁSSICOS

Para a teoria Contratualista não existe Sociedade Civil dissociada do Estado.


Pode-se afirmar, portanto, que sociedade civil caracteriza-se como a substituição do
estado de natureza, após a instauração do contrato social entre os homens
(MONTAÑO; DURIGUETO, 2010).
As diferenças teóricas reluzem nas características que cada teórico dota o
governante. Para Hobbes, os homens precisam sentir-se protegidos pelo soberano,
o qual foi impossado, em consenso, para zelar pela vida de seus súditos. A
passagem do estado natural para o estado político (civil) se dá por meio da
concessão entre os homens, os quais concordam em sair do estado natural para
“viverem conforme a razão” (BOBBIO; BOVERO, 1994, p. 39).
No momento em que os sujeitos incorporam-se à sociedade civil, estão
automaticamente subordinados ao poder absoluto do soberano, pois “não importa o
que faça, não importa a lei que viole [o governante] não pode ser submetido a
julgamento” (BOBBIO; BOVERO, 1994, p. 76). Além do mais, é dever do povo que
disponha de total obediência à figura do soberano, despojando-se de seu “direito
natural sobre todas as coisas” (DURIGUETO; MONTAÑO, 2010, p. 24) em benefício
do bem comum.
Em contrapartida, Locke denota que os homens aderem à sociedade civil
para protegerem-se dos incovenientes do estado de natureza, assim como para
assegurarem a preservação da propriedade privada (MACHPERSON, 1979). Nesse
sentido, a questão de sociedade civil polemiza-se ao evidenciar que os homens a
estabelecem, no intuito da manutenção de sua propriedade privada. No entanto,
nem todos a possuem, portanto, não teriam motivos que levariam ao ingresso nessa:
(...) todos, tendo ou não propriedade, no sentido comum, estão incluídos, como
interessados na preservação das próprias vidas e liberdades. Ao mesmo tempo,
apenas os que têm “fortuna” podem ter plena cidadania, por duas razões: apenas
esses têm pleno interesse na preservação da propriedade, e apenas esses são
integralmente capazes de vida racional – aquele compromisso voluntário para com
21

a lei da razão – que é a base para a plena participação na sociedade civil.


(MACHPERSON, 1979, p. 260).

Portanto, compreendido que sociedade civil é sociedade política, na teoria de


Locke, as pessoas que não possuem propriedade privada não participam da
sociedade civil, não integram a vida política da sociedade.
Rousseau é o teórico que elucida sociedade civil sob uma ótica que difere dos
demais contratualistas. Pois, para o filosófo, sociedade civil, é um estado de
corrupção, causado pela instituição da propriedade privada (BOBBIO, 1999). Porém,
por meio da vontade geral seria possível transformar este estado de devassidão em
inteirada convivência entre os sujeitos.

2.3 A FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO

O Estado Moderno nasce a partir da desvinculação com a Igreja, e a


formação de um Estado Absoluto. Gruppi (2001) cita dois elementos que difere o
Estado Moderno dos Estados antigos (Romano e Grego): a autonomia estatal e a
distinção entre Estado e Sociedade Civil. A desvinculação das competências do
Estado em submissão à Igreja Católica forjou pilares para a constituição de um
Estado Soberano, proposto pelos pensadores contratuais (grifo nosso).
O rompimento com as fundamentações de Estado suscitadas pela religião
inicia com o Renascimento. Período histórico este, em que os questionamentos
emergem no seio de descobertas científicas, cujas verdades postas pela Igreja
Católica passam por um processo de arguição:
(...) juntamente com a perda da hegemonia da Igreja como instituição e o
conseqüente aparecimento de novas doutrinas e seitas conclamando seus
seguidores a uma leitura interpretativa dos textos sagrados, o homem
renascentista redescobre a importância do pensamento especulativo. O
conhecimento deixa de ser encarado como uma revelação, resultante da
contemplação da fé, para voltar a ser como o fora para os gregos e romanos, o
resultado de uma bem conduzida atividade do pensamento (COSTA, 2005, p. 30).
Segundo Costa (2005) o movimento renascentista contextualizou um período
de transição do feudalismo para a sociedade capitalista moderna. As revoluções
expressaram o processo sócio histórico da burguesia de consolidação e
disseminação de seus projetos políticos e ideológicos.
22

Esse percurso burguês começou com a Revolução Gloriosa na Inglaterra em


1688, cujo cenário fora resoluto de expressões contrárias ao absolutismo. A
manifestação política referenciava uma nova forma de governo que expressasse os
ideiais liberalistas (COUTO, 2006).
Em meados do século XVIII, ocorre primeiramente na Inglaterra, a Revolução
Industrial (idem, 2006). A burguesia se apropria dos meios de produção, e inaugura
a fase do capitalista industrial. Surge, então, a Indústria - locus (grifo nosso) de
prudução (mecanizada) de mercadorias.
Os capitalistas passam a se apropriar da força de trabalho da classe
subalternizada. Figura, nesse contexto, o trabalhador assalariado, os proletários:
(...) os “proletários” – trabalhadores despossuídos dos meios de produção,
[...] vendem sua força de trabalho em troca de salário – e os “capitalistas”,
que possuindo meios de pordução sob a forma de propriedade privada,
“apropriam-se” do produto do trabalo de seus operários em troca de salário
do qual eles dependem para sobreviver (COSTA, 2005, p. 114) (grifo do
autor).
Com a Revolução Francesa acontece a difusão da proposta burguesa, ou
seja, conquistar direitos que protejessem a propriedade privada, por meio de um
discurso que defendia a “Liberdade” “Igualdade” e “Fraternidade” (grifo nosso).
Neste período são conquistados os “direitos de primeira geração, sob a
hegemonia do liberalismo” (SIMÕES, 2009, p. 71 grifo do autor); direitos civis e
políticos, ou direitos individuais, manifestos na Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão. Couto (2006) explica que para os liberais clássicos, os direitos 7
deveriam ser exercidos somente pelos cidadãos livres e autônomos, ou seja, os
proprietários de terras e donos dos meios de produção. Isso presupõe que a teoria
liberalista defende uma liberdade restringente aos interesses de uma determinada
classe social: Burguesia.
As premissas do liberalismo: Liberdade, Fraternidade e Igualdade, com a
Revolução Francesa, inaguraram-se como princípios “humanísticos” (COUTO,
2006), como sinonimos de “igualdade de direitos” (grifos nosso). No entanto, a
pretensão burguesa consistia em legitimar “seus valores, seus interesses e seu
modo de vida” de forma que fossem aceitos por todos da sociedade (MONTAÑO;
DURIGUETO, 2010, p. 106).

7
Direitos civis e políticos.
23

Chaui (1981, p. 154) expõe que a igualdade delineada na tradução liberal


sistetiza como “um fenômeno natural reconquistado pela política”, ou seja, a
desigualdade no liberalismo é aprisionada ao fator de conquista da igualdade
política. Isso ocorre com a inserção da democracia instituída pelos liberais. Neste
contexto desaparece a questão histórica de luta entre as classes para o surgimento
de uma cidadania (grifo nosso) na qual todos possuem direitos e deveres e são
representados pelo Estado.
Outro aspecto imbutido na democracia liberal é a questão da Liberdade como
meio para o exercício “da liberdade de escolha”: “Na lógica da democracia liberal, a
liberdade é um ato subjetivo da vontade e por isso se exprime como capacidade
para escolher” (CHAUI, 1981, p. 155). Vale destacar que a liberdade referida aqui é
um princípio da teoria liberal, portanto, é inerente ao sistema capitalista.
(...) os “proletários” – trabalhadores despossuídos dos meios de produção,
[...] vendem sua força de trabalho em troca de salário – e os “capitalistas”,
que possuindo meios de pordução sob a forma de propriedade privada,
“apropriam-se” do produto do trabalo de seus operários em troca de salário
do qual eles dependem para sobreviver (COSTA, 2005, p. 114) (grifo do
autor).
O processo de aprofundamento da desigualdade de classe engendra
condições para o questionamento teórico-político do fetiche, da liberdade e
igualdade na sociedadde capitalista. Na medida em que a classe operária reconhece
que sua força de trabalho esta sendo explorada, passa a identificar seus direitos e
sucessivamente a reinvindica-los. (COUTO, 2006). Schons (1999) explica que no
final do século XIX começaram a surgir organizações proletárias, especialamente de
base fabril, que iniciaram o processo de resistência.
A classe trabalhadora começa a questionar os princípios de liberdade e
igualdade afirmados pela classe dominante, haja vista, que a precária condição de
trabalho, e a insuficiência de recursos para a sobrevivência expuseram a
incompatibilidade entre o direito burguês, e o real direito da classe trabalhadora
(SIMÕES, 2009). Os movimentos operários, de luta por melhores condições de
trabalho, resultaram nos direitos de segunda geração8.
A organização da classe operária culminou na consolidação de um projeto
societário antagônico às premissas liberais. Em 1917, a Russia promove uma

8
Cf. SIMÕES. Carlos. Curso de Direito do Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2009, p. 72, (grifo
do autor).
24

Revolução Socialista. As ideias marxistas, que impulsionaram a revolução,


começaram a se espalhar pelo mundo, no entanto, esse processo repercurtiu em
oposição capitalista ao socialismo9 (COSTA, 2005). Em 1968, houveram
manifestações e ações contra o sistema capitalista em diversos países do mundo,
esse evento ficou conhecido como “Maio Francês” (grifo nosso) (MONTAÑO;
DURIGUETO, 2010). Porém, apesar dessa explosão de movimentos contrários à
revolução burguesa, o capitalismo ainda permanece como projeto hegemônico nos
países ocidentais. O projeto socialista entra em crise, culminado na dissolução de
duas conquistas significativas para o bloco soviético: a queda do Muro de Berlim, em
1989 e o fim da URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em 1991. Com
a fragilização do socialismo no contexto mundial, o sistema capitalista, sem
oposição, irá legitimar seu projeto de exploração e dominação em vários países do
mundo.
No entanto, segundo Teixeira (1998) nas primeiras décadas do século XX,
com a queda da bolsa em 1929, o capitalismo se defronta com uma crise que
balanceia seus pilares e põe em risco a sobrevivência do sistema. A Grande
Depressão faz com que milhares de trabalhadores percam seus empregos, o que
desemboca em um cenário de miséria e altos índices de inflação (idem, 1998). Os
“donos dos meios de produção” (grifo nosso) viam-se aterrorizados diante de uma
crise de superprodução10, na qual os lucros exauriam-se e os investimentos
retraiam-se à falência.
Diante deste panorama o sistema capitalista reconfigura-se para sustentar-se
diante da crise. Após a Segunda Guerra Mundial, os países ocidentais tomam
providências para minimizar os efeitos da guerra, bem com da crise que se alastrava
sobre o mundo. Na tentativa de salvar o sistema capitalista, os Estados passam a
intervir nas condições de emprego, e na garantia de assistência à população, como
explica Teixeira (1998, p. 212):
O Estado é obrigado a abandonar sua posição de “vigia da economia” para
se tornar instrumento de salvação do sistema, com suas políticas de apoio
direto ao processo de acumulação de capital e com suas políticas sociais
compensatórias de ajuda para os excluídos do mercado. (grifo do autor).

9
Após a segunda guerra mundial, suscitou no mundo “A Guerra Fria”, uma guerra de caráter
ideológico entre o capitalismo, representado pelos EUA, e o socialismo, representado pela URSS.
10
“As crises capitalistas são crises de superprodução de troca”, pois, “os capitalistas não estão
interessados na simples venda de mercadorias. Estão interessadas em vendê-las com lucro
suficiente” (Mandel, 1990, p. 210; 211 apud Schons, 1999, p. 123).
25

Os países industrializados adotam o Welfare State – Estado de Bem Estar


Social, como forma de preservar o capitalismo e a liberdade individual, mesmo com
a intervenção do Estado (COUTO, 2006).
O Fordismo11 era o modo de produção capitalista que imperava neste
contexto, modelo este cujo cerne centrava-se na produtividade – produção em
massa. O trabalho consistia na segmentação da produção, ou seja, cada operário
atuava em parte da fabricação da mercadoria.
De acordo com Teixeira (1998) trabalhadores e capitalistas acordaram, numa
relação entre polos interdependentes, em aumentar a produtividade em troca de
aumento dos salários e redução da jornada de trabalho. Neste período os sindicatos
se organizaram em defesa dos direitos da classe operária, na busca por melhores
condições de trabalho; O Estado atuava como mediador resguardando os interesses
do capital, e ao mesmo tempo investindo em políticas sociais compensatórias.
O Estado de Bem Estar Social entra em colapso na década de 1970. A
economia mundial declina com a crise do Petróleo (1973 e 1979), o que resulta em
altos índices de inflação que afetam os países centrais. O estigma referenciado pela
burguesia quanto à procedência da crise, gerou em torno do déficit do Estado
desencadeado pela intervenção estatal. Outro aspecto apontado, como agente
influenciador da crise, refere-se às conquistas trabalhistas, cujo aumento dos
salários, gerenciou a redução do lucro capitalista:
(...) lutas operárias contestando a organização do trabalho, reinvindicações
de salários reais acima dos ganhos de produtividade, a crise fiscal do
Estado, instabilidade financeira, inflação, etc., tudo isso cortou o círculo
vituoso de crescimento e de desenvolvimento social, jogando a economia
em uma crise estrutural, que se arrasta até os dias de hoje (TEIXEIRA,
1998, p. 214).
Como artifício de combate à crise, os capitalistas forjaram um molde para o
exercício da livre acumulação capitalista sem o intervencionsimo do Estado: O
Neoliberalismo. A reorganização do capital sistematiza um novo modelo de
produção, o Toyotismo, o qual centra suas bases na flexibilização do trabalho 12
“capaz de satisfazer as novas exigências do mercado” (idem, p. 214), as
mercadorias são criadas e produzidas para suprir as requisições dos consumidores.
11
Anterior ao modo de produção capitalista Fordista predominou o Taylorismo – modo de produção
capitalista cujo elemento de enfoque é a produção na “esteira”. O Fordismo...Ao que tange ao
trabalhador, este período marcou pela intensa exploração da força de trabalho.
12
A flexibilização do trabalho sucede a partir da inteiração do trabalhador com o processo interino de
produção de uma determinada mercadoria.
26

A reestruturação produtiva implicou em condições de precarização do


trabalho13. Mesmo diante desta conjuntura, o Estado retoma uma função mínima
para as políticas sociais, como expõe Couto (2006, p. 70): “As políticas sociais
retomam seu caráter liberal residual; a questão da garantia dos direitos volta a ser
pensada na órbita dos civiis e políticos, deixando os sociais para a caridade da
sociedade e para a ação focalizada do Estado”. O Estado deteu-se a propiciar
políticas assistenciais focalizadas direcionadas para os sujeitos em condição de
extrema pobreza. As demais políticas sociais são solicitadas a instituições
filantrópicas, como oferta de caridade.
O Estado Moderno consiste em um Estado Liberal de Direito: um Estado
limitado aos interesses da burguesia, com bases no individualismo. Os direitos são
meros abstratos às classes subalternizadas, ou seja, “(...) os direitos naturais ou
humanos acabam por ser simplesmente os direitos da burguesia, direitos que só de
modo formal e fictício são igualmente concedidos aos indivíduos das classes
inferiores (Diaz, 1977, p. 44, apud Shons, 1999, p. 105). O Estado, no sistema
capitalista, Independente dos regimes adotados pela burguesia para geri-lo
(autocrático, democrático etc.), estará em função dos interesses da classe
dominante.

2.4 A TEORIA LIBERAL SOBRE O ESTADO

O Estado, na concepção liberalista, presume-se ao termo “Estado Mínimo”,


isto é, pouco interventor na sociedade, a não ser com papel importante na ordem
jurídica para a manutenção da propriedade. Os autores que defendem esta teoria
acreditam que o Estado, deve governar o mínimo possível, delimitando-se à
proteção da propriedade privada.
As leis são fixadas a fim de blindar os direitos individuais “à vida, à liberdade,
à propriedade, à saúde” (STEWART, 1988, p. 45). Na Teoria Contratualista diz-se
que o homem deixa seu estado natural, e passa para o estado civil, ou civilizado, no
qual são estabelecidas regras e leis para a sociedade. De acordo com o liberal
Stewart (1988. p, 44) o homem civilizado “não está à mercê de seus instintos”,
porém se coloca sujeito às leis e estabelece um “estado de direito”. O Estado surge
para fazer com que se cumpram as normas ordenadas.

13
Desemprego estrutural, tercerização do trabalho, redução dos salários etc.
27

Para os liberais o Estado é um mal necessário 14, que por meio da coerção,
auxilia no cumprimento de regras e leis por todos os cidadãos. As normas
estabelecidas traçam perspectivas, que se tornam fundamentos morais, de como
todos os indivíduos devem agir com o seu próximo (STEWART, 1988) 15.
O liberal Adam Smith, autor do célebre “Riqueza das Nações” considera que o
papel do Estado circunfere ações para a manutenção e segurança da propriedade
privada:
A fartura dos ricos excita a indignação dos pobres, que muitas vezes são
movidos pela necessidade e induzidos pela inveja a invadir as posses daqueles.
Somente sob a proteção do magistrado civil, o proprietário dessa propriedade
valiosa – adquirida com o trabalho de muitos anos, talvez de muitas gerações
sucessivas – pode dormir à noite com segurança. (SMITH, 1985, p. 164).
Smith (1985) localiza três áreas que é possível à intervenção do Estado,
dispondo de gastos fiscais. A primeira que o autor situa está vinculado com a
proteção da nação contra a invasão de outros países. Segundo o autor, o Estado
deve investir na força militar preparando-a para possíveis ataques externos, assim
como se sobrevierem tempos de guerra.
A segunda permissão de intervenção do Estado localiza, principalmente, à
proteção à propriedade privada. Para Smith o governante deve “proteger, na medida
do possível, cada membro da sociedade da injustiça ou opressão de todos os outros
membros da mesma (...)” (SMITH, 1985, p. 163). Para tanto, faz-se necessário que o
Estado invista no sistema judicial, para que as infrações contra a propriedade sejam
submetidas a julgamento e punição.
A terceira e última área de intervenção do Estado remete aos gastos com
obras e com as instituições públicas. De acordo com Smith, o governante deve
investir em obras públicas que beneficiem o comércio 16. O teórico propõe que seja
14
Ver BOBBIO. Norberto. Estado Governo Sociedade: Para Uma Teoria Geral da Política. Paz e
Terra: Rio de Janeiro, 1988, p. 128.
15
De acordo com o intectual da teoria positivista Émile Durkhein, a consciência coletiva é que
estabeleceria tais normas e regras. A sociedade, tratada pelo teórico como um organismo, dispõe
tanto de normalidades como anormalidades - patologias sociais (COSTA, 2005). Estes desajustes
precisam ser corrigidos com uma ação coercetiva do Estado, embora, a própria sociedade possa
“reagir castigando quem se comporta de forma discordante em relação a determinados valores e
princípios” (idem, p. 82).
16
Adam Smith (1985) proprõe que seja investido em obras as quais facilitaram o comércio como
boas estradas, pontes, canais navegáveis, portos etc. Porém, para o autor, não há necessidade de
gastar com as obras públicas o dinheiro da receita pública. A alternativa que Smith propõe é a
privatização. A construção e manutenção de estradas, por exemplo, pode ser efetuado com a
contratação de empresas privadas que construirão e farão a manutenção destas rodovias por meio
do pedágio.
28

investido em instituições para a educação da população, de modo que seja


favorecido o comércio. No entanto, Smith visualiza não ser necessário o
investimento do Estado em educação para juventude, por exemplo, já que é possível
que haja dotações, “ora do próprio soberano, ora por algum doador particular”
(SMITH, 1985, p. 199). Na proposta do economista a receita pública ficaria
disponível para empréstimos aos donos de produção para efetivarem seus negócios.
Adam Smith adere à sua tese a discussão sobre o processo de acumulação
capitalista17. A partir deste enfoque, o economista denota as competências do
Estado. Este ramo teórico é que traça o caráter não interventivo do Estado no
“funcionamento livre e ilimitado do mercado para atingir-se o bem estar social”
(CARNOY, 1986, p. 37). Para Smith o acúmulo individual de riquezas faz com que,
consequentemente, toda a sociedade se beneficie: “(...) o mercado livre é força tão
poderosa para melhorar a condição humana que ele pode até mesmo sobrepor-se a
leis pobres e a um governo ‘intervencionista’” (grifo do autor) (CARNOY, 1986, p.
37).
Na teoria liberal de Smith o Estado deve favorecer o mercado, ou seja,
contribuir para acumulação de riqueza individual dos proprietários e capitalistas. De
acordo com Carnoy (1986, p. 42), Smith define que o papel do Estado é de “permitir
maior liberdade ao mercado livre”, permitindo a este exercer livremente o controle da
economia.
Em oposição à tese de Smith, Jonh Maynard Keynes cursou sua expectativa
na defesa da intervenção estatal. Keynes propunha que o Estado intervisse na
economia de forma a auxiliar o capital diante da crise financeira 18.
De acordo com os pressupostos teóricos de Keynes, em tempos de crise
econômica tende a aumentar o desemprego. Pois, de acordo com o teórico, os
“compradores da força de trabalho” (grifo nosso) deixam de fazer novos
investimentos em seus negócios, o que acarreta em um cenário de déficit na
economia. Pois, sem demanda efetiva19 não há consumo. (SWMRECSÁNYI;
17
A acumulação capitalista é gerada pelo trabalho produtivo, isto é o trabalho que gera mais valia
para os donos de produção. Na teoria de Smith o aumento do “nível natural” do trabalho faz com
que a taxa “natural” de lucro diminui, decrescendo o valor do excedente da mercadoria (Napoleoni.
1991).
18
Cf. SZMRECSÁNYI. Tamás; FERNANDES. Florestan. Jonh Maynard Keynes: Economia. 2ª ed.
São Paulo: Ática, 1984, p. 20-21.
19
Cf Keynes. “Demanda efetiva é simplesmente a renda agregada (ou produto) que os empresários
esperam receber, incluídas as rendas que fazem passar às mãos dos outros fatores de produção, por
meio do volume de emprego corrente que resolvem conceder”. (grifo do autor) Ver Keynes, 1987, p.
85.
29

FERNANDES, 1984). Keynes propõe o aumento do investimento para gerar


consumo:
Um acréscimo do investimento, por menor que fosse, desencadearia um
aumento cumulativo da demanda efetiva até que se alcançasse uma situação de
pleno emprego, ao passo que uma diminução do investimento provocaria uma
queda cumulativa da demanda efetiva até que ninguém tivesse emprego. (...) o
crescimento do capital não depende absolutamente de uma baixa propensão a
consumir, mas, é, ao contrário, reprimido pela mesma, e que apenas em
condições de pleno emprego pode uma baixa propensão a consumir levar ao
crescimento do capital. (KEYNES, 1987, p. 242; 341).

O economista indicou que, o caminho ao consumo poderia ser solucionado


através do pleno emprego. A incubência destinada ao Estado seria de contribuir com
o mercado, de modo a investir nos eixos insuficientes do setor privado. “O Estado
deverá exercer uma influência orientadora sobre a propensão a consumir, em parte
através de seu sistema de tributação, em parte por meio da fixação da taxa de juros
e, em parte, talvez, recorrendo a outras medidas” (Keynes, 1987, p. 345).
Portanto, de acordo com Keynes, as ações a serem tomadas pelo Estado
teriam como foco propiciar condições de investimento na produtividade do mercado.
Para tanto, os rumos da intervenção do Estado correriam na direção do “controle
governamental dos meios de pagamento e da taxa de juros” (SZMRECSÁNYI;
FERNANDES, 1984, p. 18).
Hayek contesta a teoria de Keynes quanto à intervenção do Estado. O teórico
resgata a teoria de Smith quanto às atribuições do Estado, pois, como Smith, Hayek
superestimava a “liberdade individual”, ou seja, o livre comércio do mercado, sem a
interferência de um agente coercitivo. Para Hayek, Estado é sinônimo de coerção, e,
portanto, quanto menos interferência deste agente, melhor para a sociedade (Hayek,
1987).
A perspectiva de Hayek admoesta a teoria keynesiana, a qual propôs a
participação do Estado na garantia do pleno emprego para que houvesse o fluir da
economia. O defensor das premissas liberais clássicas imprime que, as causas do
desemprego não supõe interferência do Estado, porquanto, a queda dos níveis de
emprego deve-se à pressão dos sindicatos em reinvindicarem salários “excessivos”
(grifo nosso) aos trabalhadores (Butler, 1987). Hayek é defensor da premissa de que
o Estado não deve intervir na liberdade individual de cada sujeito, “(...) o indivíduo é
livre para perseguir suas metas e desejos pessoais, tendo a certeza de que os
poderes do governo não serão empregados no propósito deliberado de fazer
30

malograr seus esforços” (HAYEK, 1987, p. 86). Para o teórico, a interferência nos
salários e preços das mercadorias afetaria a liberdade individual.
A organização social de uma sociedade deveria ser, portanto, efetivada pelo
mercado, por meio da livre concorrência, por considerá-la como o processo mais
eficaz a favor do incentivo a capacidade individual de cada um em promover seus
próprios interesses:
“(...) o liberalismo econômico é contrário à substituição da concorrência por
métodos menos eficazes de coordenação dos esforços individuais. E
considera a concorrência um método superior, não somente por constituir,
na maioria das circunstâncias, o melhor método que se conhece, mas
sobretudo por ser o único método pelo qual nossas atividades podem
ajustar-se umas às outras sem a intervenção coercitiva ou arbitrária da
autoridade” (HAYEK, 1987, p. 58).
Porém, assentindo “determinadas formas de ação governamental” (idem, p.
58) para o pleno exercício sem interferências no preceito da competetividade “é
essencial (...) que a lei não tolere que indivíduos e grupos tentem restringir esse
acesso pelo uso aberto ou disfarçado da força” (idem, p. 58).
Este modelo de organização social defendido por Hayek não prega a justiça
social ou a equidade, mas, ao contrário, presume que o objetivo de uma sociedade
política livre não consiste em ofegar pela redistribuição das riquezas (BUTLER,
1987). O Estado deve intervir somente naquilo que sustenta o mercado, e, por
conseguinte, não carece objetivar combates contra as desigualdades sociais
(MONTAÑO; DURIGUETO, 2010). Hayek tão logo sustentou em seus escritos, ao
referenciar o papel do rico e do pobre 20, uma sociedade de classes, na qual é
imprenscindível a existência de pessoas ricas e pessoas pobres.
Ao trazer à luz propostas que visam minimizar a ação do Estado, Hayek
elucidou as premissas do neoliberalismo, em que a livre concorrência é a
engrenagem de toda a sociedade. Os postulados para o neoliberalismo, Estado
Mínimo, e plena liberdade política e econômica, estão expressos na teoria de Hayek.
Hayek é incisivo ao fomentar a defesa pela liberdade individual de cada
sujeito. Esta liberdade está vinculada à absoluta autonomia do mercado na
sociedade capitalista. Para tanto, ele alvitra um Estado que protega os designos do
sistema capitalista, delineando as demandas do Estado às atividades que o mercado

20
Cf.Butler, 1987, p. 101-105.
31

não pode suprir, como por exemplo, o policiamento, para garantir que as regras 21
sejam cumpridas (BUTLER, 1987). As demais atividades que podem ser satisfeitas
pelo mercado, não carecem de gasto público, haja vista que o mercado poderá
vender o serviço à sociedade.
Na ótica liberal, as demais situações, não lucrativas, podem ser atendidas
pela filantropia, isto é, por organizações de voluntariados (BUTLER, 1987). Este
plano suscita a sociedade civil, ou o terceiro setor, como agente fundamental a
conduzir as funções da sociedade que não geram lucros aos donos dos meios de
produção. O único eixo em que o Estado é permitido intervir consiste em políticas
assistenciais, precárias e focalizadas, para os indivíduos que não conseguem sair do
grau de manutenção para a sobrevivência (MONTAÑO; DURIGUETO, 2010).

2.5 ESTADO E SOCIEDADE CIVIL PARA MARX E POULANTZAS

Karl Marx, em seus textos clássicos “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”,


de 1842, “Manifesto do Partido Comunista”, de 1848, “Questão Judaíca” e “Ideologia
Alemã”, analisará Estado e Sociedade Civil, demonstrando a oposição entre a esfera
política e a vida civil na civilização moderna 22. Marx defronta as concepções de
Estado e Sociedade Civil, o que nos permite reconhecer os limites nas abordagens
contratualistas e economicitas/ liberais.
A base para a construção do pensamento marxista fundamenta-se na
concepção materialista histórico crítica da sociedade (CARNOY, 1986). Marx não
compreende sua tese através do idealismo, mas do concreto (materialismo), da
multiplicidade das relações sociais de uma sociedade, apensar à compreensão sócio
histórica. Para Marx, a história é construída em condições objetivas, ou seja, os
homens é que fazem a história, mas em condições materiais concretas.
Marx parte da apreensão de que a sociedade é dinâmica, e, portanto, sofre
modificações. Nas sucessivas aproximações com esta realidade, esta se satura de
determinações. É por meio da busca na história, que há o processo de reconstrução,
embora, estas transformações não cessem em si, porquanto, a dialética é cíclica.
Marx irá partir da historicidade, para compreender as determinações concretas do
Estado, na sociedade capitalista.

21
As regras referidas fazem menção ao livre comércio, ou seja, a normatização para o livre
desempenho da concorrência. Ver Hayek, 1987, p. 58-59.
22
SILVEIRA, J. Sintese das questões teórico-metodológicas do Serviço Social. Mimeo, 2012
32

Para Marx a sociedade é dividida em classes: burguesia e proletariado. Com


a divisão social do trabalho emergiu os interesses antagônicos entre estas. A
burguesia, classe a qual se apropriou dos meios de produção, solidifica seus
interesses com base em um discurso de universalidade, na defesa pelo direito à
liberdade e à igualdade. A defesa destas premissas referenciou os direitos civis
(COUTINHO, 1996), os quais irão nortear os alicerces do liberalismo.
Nesta esfera, o Estado é conduzido pela burguesia a conceder os interesses
desta classe, de forma a corroborar com a dominação da classe dominante, “(...) O
Estado representa [para Marx] a relação dos interesses das classes dominantes com
as das outras classes” (SADER, 1993, p. 110). Portanto, em contraposição aos
contratualistas, Marx vai contra a posição de que o Estado é constituído para a
defesa do bem comum, visto que, o Estado é a manifestação dos interesses
individuais da classe burguesa, a qual se prevalece deste como instrumento de
dominação (CARNOY, 1986). O Estado, portanto, representa os interesses da
classe dominante: “(...) o governo moderno não é senão um comitê para gerir os
negócios comuns de toda a classe burguesa” (MARX; ENGELS, 1999, p. 10).
Marx descreve sociedade civil, como o espaço de produção e reprodução do
modo de produção capitalista (MONTAÑO; DURIGUETO, 2010). Como dispõe
Carnoy (1986, p. 65), Marx considerava as “condições materiais de uma sociedade
como a base de sua estrutura social e da consciência humana”. Destarte, é na
sociedade civil que se consolida o aporte da burguesia ao que tange as relações de
produção. O Estado advém como mecanismo de manutenção da ordem capitalista,
embutido de coercetividade a fim de perfazer leis e regras, as quais expressam
interesses de classe:
(...) na produção social de sua vida, os homens contraem determinadas relações
necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção que
correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças
produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura
econômica da sociedade, a base real sore a qual se levanta a superestrutura
jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência
social (Marx, 1977, p. 301, apud Montanõ; Durigueto, 2010, p. 37).
Para Marx o Estado nasce no intuito de sustentar a divisão de classes
propiciada pelo capitalismo, garantindo que os interesses da burguesia sejam
impostos a toda sociedade (COUTINHO, 1992). O Estado, portanto, representa os
33

interesses da classe dominante pelo processo de alienação 23 política,


fundamentando o reconhecimento de que os interesses entre as classes são
inconciliáveis, antagônicos e complementares no processo de reprodução social
(SILVEIRA, 2013).
Portanto, o Estado caracteriza como momento da superestrutura, espaço no
qual se dá a organização política da sociedade, e a sociedade civil seria o momento
da estrutura, isto é, o locus em que se realiza a organização das relações de
produção.
Poulantzas, em seu livro “O Estado, poder e socialismo” considera o Estado
como pruduto das relações das classes sociais, bem assim, como modelador destas
relações (Silva e Silva, 1995). Apesar de o Estado ser forjado pelas lutas de classe,
as quais emergem com o sistema de produção capitalista, o próprio Estado isola as
classes em individuos, isto é, burguesia e proletariado são afastados do senso de
pertencimento a uma classe e postos como sujeitos individualizados. Carnoy (1986)
explica que através desta manobra, o Estado, por meio de seu aparelho jurídico –
político mascara as relações antagônicas entre as classes suscitando a concorrência
entre os membros da mesma classe.
O Estado é formado pela classe dominante, “(...) O Estado constitui a unidade
política das classes dominantes: ele instaura essas classes, como classes
dominantes” (POULANTZAS, 1986, p. 145 apud SILVA e SILVA, 1995, p. 110). Isso
explica o porquê da classe burguesa conseguir dominar o Estado e construir sua
ideologia como base para toda a sociedade.
É por meio da formação da Nação, que o Estado integra todos os indivíduos.
Isso acontece por meio da instituição de leis, que configuram todos da sociedade
como sujeitos iguais (SILVA E SILVA, 1995). Mas, esta tática não possui a
finalidade, de “transformar todos em sujeitos de direitos” (grifo nosso), mas sim
fortalecer o poder político da classe dominante, e desorganizar os trabalhadores.
“(...) a classe ou fração hegemônica polariza os interesses contraditórios
específicos das várias classes ou frações dos blocos do poder,
trasnformando seus próprios interesses econômicos em interesses políticos
e representando os interesses gerais comuns das classes ou frações do
bloco do poder. Esse interesse geral consiste na exploração econômica e

23
Alienação supõe separação entre o trabalhador e os meios de produção, uma vez que este tenha
perdido o controle do produto do seu trabalho. SILVEIRA. Jucimeri. Explicação Teórica Sobre o
Processo de Reprodução Capitalista”, JUCI... COMO EU POSSO COLOCAR TUA
REFERENCIA?
34

da dominção política” (Poulantzas, 1974, p. 239, apud Carnoy, 1986, p.


134).
A classe dominante detém do controle do Estado a partir da tomada do poder
político. Parte desta classe (frações) se constitui em bloco do poder, exercendo a
hegemonia e disseminando interesses particulares. Tudo este processo ocorre sem
a interferência das lutas de classe.

2.6 ESTADO E SOCIEDADE EM GRAMSCI

Crítico político do século XX, Gramsci, irá nortear sua análise sobre Estado e
Sociedade a partir dos pressupostos de Karl Marx. O teórico aprofunda a análise de
sociedade civil, à luz de uma perspectiva que traz a abordagem de sociedade civil
como parte da Superestrutura. Variante ao pensamento de Marx, porém não
destoante Gramsci amplia o conceito de Estado, e ultrapassa a faceta de Estado,
unicamente, como ator repressivo que exerce o controle a favor da classe
dominante.
De acordo com Coutinho (1992, p. 74) “Gramsci não inverte nem nega as
descobertas essenciais de Marx, mas “apenas” as enriquece, amplia e concretiza,
no quadro de uma aceitação plena do método do materialismo histórico” (grifo do
autor). Isso significa que o teórico marxista, não desconsidera a tese de Marx, a qual
sopesa Estado e Sociedade Civil a partir das relações de produção. No entanto,
Gramsci parte das determinações da conjuntura sóciohistórica, que reluzia no
contexto em que forjou seus escritos, para elucidar sua tese. Período em que a
classe operária começou a organizar-se, compondo aparatos da sociedade civil.
Diante das transformações do cenário histórico que assistia Gramsci, o
teórico moldou a ánalise de Estado, partindo da conceituação de Estado Ampliado,
sociedade política + sociedade civil. Então, Estado é: sociedade política, “(...)
conjunto de aparelhos através dos quais a classe dominante exerce a violência”
(SIMIONATTO, 1999, p. 68) e, também, sociedade civil, “(...) organismos de
participação política aos quais se adere voluntariamente e que não se caracterizam
pelo uso da repressão” (COUTINHO, 1992, p. 76).
Portanto, sociedade civil é para Gramsci o espaço no qual se dão as relações
culturais e ideológicas, e não as relações materiais, como em Marx. Pois, para ele a
Revolução não é feita sem conquistar o consenso, que consolidifica através da
hegemonia: domínio político, econômico e cultural. O intelectual orgânico da classe
35

trabalhadora24 possui papel fundamental nesse processo, o qual irá direcionar o


caminho intelectual e moral para a construção de uma contra hegemonia. Essa
‘contra hegemonia’ possui impacto na superestrutura, de modo a contribuir na
alteração das condições materiais:
É essa conexão de teoria e prática que permite a Gramsci afirmar que a
teoria e a realização da hegemonia do proletariado (...) têm um grande valor
filosófico, já que a hegemonia do proletariado representa a transformação, a
construção de uma nova sociedade, de uma nova estrutura econômica, de
uma nova organização política e também de uma nova orientação
ideológica e cultural. Como tal, ela não tem conseqüências apenas no nível
material da economia ou no nível da política, mas no nível da moral, do
conhecimento, da “filosofia” (GRUPPI, 1980 p.34).
A sociedade civil é o espaço onde ocorre a disseminação de uma direção
intelectual e moral para toda a sociedade, estabelecida por uma determinada classe
que alcançou a hegemonia, em síntese, é o “conjunto de organismos chamados de
privados e que correspondem à função de hegemonia que o grupo dominante
exerce sobre toda a sociedade” (Gramsci, 1977, apud Simionatto, 2001, p. 12). A
classe dominante, portanto, irá deter das instituições da sociedade civil (Igreja,
escolas, meios de comunicação etc.) a fim de difundir sua ideologia.
Em suma, Gramsci propõe o caminho para alcançar a revolução: por meio da
conquista da hegemonia na esfera da sociedade civil (SIMINONATTO, 1999). Para
tanto, o arguidor político explica que é preciso que a classe operária unifique as
forças em favor de todas as camadas da classe trabalhadora, transformando-se em
classe nacional.
Coutinho (1992) explica que, somente com a adesão do consenso de grande
parte da poupulação trabalhadora é que a classe operária alcançaria a direção
política e ideológica da sociedade. Esse movimento é tratado por Gramsci como
“catarse”, “(...) processo pelo qual uma classe supera seus interesses econômico-
corporativos imediatos e se eleva a uma dimensão universal” (idem, p. 53).

24
O conceito de intelectual orgânico implica as relações dos grupos intelectuais com as classes
fundmaentais e a explicitação de suas funções técnicas. A concepção de orgnanicidade é inerente
à formação mesma das suas competências e das funções que desenvolvem no interior do modo de
produção capitalista, inclusive o encaminhamento das lutas junto à classe a que está vinculado.
Estar vinculado orgnanicamente a uma classe não significa agir de fora, externamente, de maneira
mecânica. Significa, sim, participar efetivamente de um projeto junto às classes fundamentais:
burguesia ou proletariado. Cf SIMIONATTO. Ivete. Gramsci: Sua teoria, incidência no Brasil:
Influência no Serviço Social. São Paulo, Cortez, 1999.
36

Isso significa que para Gramsci a classe subalterna deve organizar-se


politicamente para impedir e romper com a consciência imposta pela classe
dominante, tendo em vista a construção de uma nova cultura. Os intelectuais
orgânicos têm um papel essencial na legitimação desta nova cultura, de forma a
organizar estratégias para viabilizar o projeto societário o qual defende.
“uma das características mais marcantes de todo grupo que se desenvolve
no sentido do domínio é sua luta pela assimilação e conquista “ideológica”
dos intelectuais tradicionais, assimilação e conquista que são tão mais
rápidas e eficazes quanto mais o grupo em questão for capaz de elaborar
simultaneamente seus próprios intelectuais orgânicos” (Gramsci, 2001, p.
19).
Montanõ e Durigueto (2010) explicam que é no terreno da sociedade civil que
se confrontam os projetos societários das classes sociais. É neste momento que
uma determinada classe conquista o consenso e estabelece a hegemonia. A
burguesia é a classe que constitui o projeto hegemônico, porém, a classe operária,
por meio da caterse, pode construir um projeto contra hegemônico e criar um novo
bloco histórico25.
Sem o consenso, a classe dirigente irá operar por meio da ditadura, isto é, irá
operar exclusivamente por meio da coersão, exercida pelos mecanismos de coibição
e controle político: burocracias executiva e policial-militar. Portelli (1990, p. 32) diz
que “a dominação baseada unicamente na força, só pode ser provisória e traduzir a
crise do bloco histórico em que, a classe dominante, já não detendo mais a direção
ideológica, mantém-se artificialmente por meio da força”.
Mas, isso não significa que a classe dominante irá perder o Poder. Haja vista
que esta pode reestabelecer o consenso e consolidar a hegemonia. Simionatto
(1999, p. 69) expõe que “O Estado pode assegurar a ordem pela força, mas pode
também recorrer aos aparelhos da sociedade civil para obter o consenso em torno
de seus atos”. Isso ocorre através da capturação para si da opinião pública 26, como
afrima Portelli (1990, p. 33) “A opinião pública é o exemplo concreto das relações
permanentes entre o governo político e a sociedade civil que favorece o consenso
em torno de seus atos”. A burguesia emprega a estratégia de revolução passiva ao
se defronta com o enfraquecimento de sua hegemonia, ou quando não consegue
ampliar as relações de produção (CARNOY, 1986).

25
Tomada do poder pela classe operária, tornando-se a classe dirigente.
26
Meios de Comunicação, Partidos Políticos etc.
37

O Estado é tensionado pelas relações de classes, e, portanto, um espaço, no


qual proletários e burgueses disputam entre si a conquista deste, tendo em vista que
possuem o interesse em estabelecer seus projetos societários como hegemônicos.
A sociedade civil é o meio que as classes utilizam para infiltrar seus interesses, e
estabelecer o consenso, podendo esta expressar, tanto os interesses da classe
dominante como da classe subalterna.
Na visão de Gramsci, o Estado pode ser conquistado pelas vias da
apropriação da classe trabalhadora dos aparelhos ideológicos. Como exemplifica
Simionatto (1990) Gramsci indica que a coerção do Estado deve ser suprimida pela
hegemonia, isto significa a construção da sociedade regulada (grifo nosso) - a
ampliação da sociedade civil e o desaparecimento da sociedade política. A
hegemonia conquistada pelo proletariado traduz-se na construção de uma nova
sociedade, expressando nova organização política, econômica e ideológica. Para
Gramsci, a sociedade civil seria responsável pela construção dessa nova
hegemonia, difundindo um projeto ético-político, o qual agregaria diversos
interesses, na perspectiva de uma nova sociedade, de um novo bloco histórico.
Portanto, para Antonio Gramsci, a tranformação social, seria realizada por
meio de uma ‘guerra de posição’, ou seja, “(...) a conquista da hegemonia, a ser
obtida no âmbito da sociedade civil” (SIMIONATTO, 1999, p. 39). Por meio de uma
aliança entre as classes dominadas, na luta pelo processo de conquista de uma
direção político-ideológica, e do consenso (idem, 1999). Através da organização da
classe trabalhadora na sociedade civil, está poderia formar uma contra hegemonia, e
com isso tornar-se a classe dominante.

3 A SOCIEDADE CIVIL NO PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO

3.1 AS PECULIARIDADES HISTÓRICAS DA DITADURA

As particularidades da formação social brasileira, marcadas por


desigualdades sociais, evidenciam um contexto histórico de processos imersos na
exploração. O período da colonização brasileira retrata o inicio de bases
supersaturadas de opressão e abuso, motivadas pela economia externa: “O sistema
colonial organizava-se, tanto legal e política, quanto fiscal e financeiramente, para
drenar as riquezas de dentro para fora” (Fernandes, 1987, p. 24).
38

Com a entrada do Liberalismo e a proposta de “Independência”, a elite rural


optou por romper com o “estatuto colonial” que sustentava o sistema de apropriação
de grande parte da riqueza brasileira à economia financeira externa. A revolução da
aristocracia rural sucedeu de forma branda, mas estratégica, ao integrar o cenário
político da nação, objetivando conquistar o poder político nacional ao novo sistema
(Liberal):
(...) sem negar a ordem social imperante na sociedade colonial e
reforçando-a, ao contrário, as referidas elites atuaram revolucionariamente
ao nível das estruturas do poder político, que foram consciente e
deliberadamente adaptadas às condições internas de integração e de
funcionamento daquela ordem social (Fernandes, 1987, p.32).
O liberalismo conquistou espaço na sociedade brasileira, e aos poucos foi
expandindo seus princípios até estabelecer totalmente sua ordem social. O intuito
deste novo sistema era constituir mecanismos políticos, sociais e culturais, de forma
a fornecer o aparato à entrada da hegemonia econômica mundial no Brasil (idem,
1987).
Esse é o cenário que propiciou a Revolução Burguesa, que devido às
demandas externas fora se adaptando às transformações econômicas mundiais.
Segundo Fernandes (1987) a Revolução Burguesa só ocorre quando o capitalismo
alcança o ápice da industrialização. O processo de modernização da sociedade
brasileira, portanto, convergia com os interesses burgueses em ampliar sua
dominação e consolidar sua hegemonia. O aparelho estatal é apreendido pelas
classes dominantes, para favorecer seus interesses: “o Estado é capturado
historicamente pelo bloco do poder, por meio da violência ou de cooptação de
interesses” (IAMAMOTO, 2007, p. 132).
Nogueira (1998) dispõe que a revolução burguesa utilizou-se de práticas
antigas (formas coloniais) para estratificar suas bases. De acordo com Iamamoto
(2007, p. 128) “o ‘moderno’ se constrói por meio do ‘arcaico’” (grifo da autora), ou
seja, a autora explica que a herança colonial e patrimonialista, presente na história
do Brasil, é recriada nas transformações da sociedade. O velho e o novo atrelam-se
formando o moderno, o que significa que as antigas formas de desigualdade social
se refazem junto ao sistema de produção capitalista refeito.
No processo de industrialização, o Brasil é influênciado pela hegemonia do
capital externo. Fato este que resultou na transição da economia brasileira do
39

capitalismo concorrencial para o monopolista. As mudanças impulsionadas pela


hegemonia econômica externa na sociedade brasileira derivaram em processos
acelerados de industrialização, inchaço das grandes cidades e, consequentemente,
problemas sociais refletidos na classe trabalhadora, como expõe Fernandes (1987,
p. 322):
“a adaptação da dominação burguesa às condições históricas
emergentes, impostas pela industrialização intensiva, pela metropolização
dos grandes centros humanos e pela eclosão do capitalismo monopolista,
processou-se mediante a multiplicação e a exacerbação de conflitos e de
antagonismos sociais, que desgastavam, enfraqueciam cronicamente ou
punham em risco o poder burguês”.
De acordo com Couto (2006, p. 37) “foi com a consolidação do capitalismo, e
na relação contraditória entre as demandas do capital e as dos trabalhadores que se
criaram as condições objetivas para a identificação das lutas de classes”. Diante do
“temor” à presença operária, a classe dominante deparou-se ao inevitável:
“consolidar o poder burgês de forma ditatorial e autocrática” (FERNANDES, 1987, p.
281; 283, grifo do autor). Este é o momento histórico que a burguesia retira as
máscaras do consenso e escancara a face coercetiva.
A burguesia, aliada ao Estado, impôs sua dominação. O Estado utilizou o
poder para alimentar o sistema capitalista, bem como sustar direito sociais
conquistados pela classe trabalhadora. Isso influência o interesse da classe
dominante em manusear as cordas da marionete. Segundo Iamamoto (2007, p. 132)
“o Estado assume um papel decisivo não só na unificação dos interesses das
frações e classes burguesas, como na imposição e irradiação de seus interesses,
valores e ideologias para o conjunto da sociedade”.
Nogueira (1998) explica que o regime ditatorial (1964-1985), articulando-se
com a burguesia atrasada e com o grande capital monopolista promoveu avanço e
modernização na economia brasileira. O período ficou conhecido como “milagre
econômico”: Décadas de atraso quanto ao processo de industrialização foram
desenvolvidas em poucos anos. Isso graças ao capital estrangeiro, e ao denso
endividamento da nação brasileira. Porém, não demorou muito para o avanço
econômico desconfigurar-se em crise. O sistema ditatorial logo começou a revelar
“suas contradições e impossibilidades” (Fernandes, 1982, p. 8), assim como dispõe
Nogueira (1998, p. 103):
40

(...) para realizar uma rápida acumulação, o regime pôs em prática uma
política econômica voltada para a produção de bens de consumo duráveis,
favoreceu as grandes empresas nacionais e estrangeiras, capitalizou e
reprivatizou a economia, reduziu salários e estimulou o inchaço do sistema
financeiro. Modernizou o país, mas deformou-o em vários setores,
recheando de artificialismo a estrutura produtiva e impondo um pesado ônus
à sociedade [...] jogou o país em grave crise inflacionária e recessiva, que
se estendeu por toda a década de 80.
O intenso conflito entre capital e trabalho alterou o rumo da ditadura para o
colapso. Fernandes (1982) explica que o desenvolvimento do capitalismo não pode
operar somente para o próprio capital. Segundo o autor, ante a precarização do
trabalho, a classe operária manifestaria oposição à sociedade, e principalmente ao
Estado, expressando sua revolta em manifestações públicas.
Esse foi o ciclo que desencadeou no período da administração autocrática
burguesa. Porém, mesmo com a defrontação entre as classes, o centro de
resistência da classe trabalhadora voltou-se, sobretudo, para o Estado, “(...) o
antiditatorialismo é freado pela dinâmica política da oposição legal e pela ausência
de uma sólida impulsão revolucionária antiburguesa e socialista das classes
proletárias” (FERNANDES, 1982, p. 23). Na realidade, o que se esconde por traz
desta conjuntura, é a ditadura de uma classe sobre a outra.

3.2 SOCIEDADE CIVIL NO BRASIL: DA DITADURA À REDEMOCRATIZAÇÃO

Em 1964, após um período de avanços e conquistas sociais pela classe


trabalhadora, eminente à ameaça da “ordem social”, a burguesia embate o
movimento operário direcionando o país à revolução nacional. O Estado é então,
apreendido pela autocracia burguesa. Essa transformação na sociedade brasileira
ocorreu: “através da conciliação entre as frações das classes dominantes, de
medidas aplicadas “de cima para baixo””, cujo intento centraria em excluir a classe
trabalhadora da vida social e das decisões políticas nacionais (COUTINHO, 1979, p.
41, grifo do autor).
O regime militar, compreendido entre 1964 a 1985, atuou com base autoritária
e repressiva, inibindo qualquer forma de manifestação contrária a normalidade
positivista. Sufocou as manifestações da classe operária, decretando a probição de
greves e fechamento dos sindicatos dos trabalhadores (MONTAÑO; DURIGUETO,
2010).
41

Em face às barbáries cometidas pelos militares e a deflagração de direitos


humanos, civis e políticos27 “movimentos populares reinvidicatórios”, organizaram-se
em defesa da “consolidação de novos direitos” (DURIGUETO, 2007, p. 150). Inicia a
trajetória pela redemocratização da sociedade brasileira:
(...) no final da década de 1970 assistimos uma reativação dos movimentos
sociais, de base operária e popular, em múltiplas e diferentes formas de
organização e de expressão de conteúdos reivindicativos. Uma pluralidade
de movimentos sociais de diversos matizes multiplicaram-se por todo o pais,
constituindo uma vasta teia de organizações que passaram a dinamizar
processos de mobilização de defesa, conquista e ampliação de direitos
civis, políticos e sociais (...) (DURIGUETO, 2007, p. 149).
Embora ainda, obstante o consenso de classe explorada, frações da
população começaram a integrar a sociedade civil. As Comunidades Eclesias de
Base (CEB´s), Clubes de Mães, Associações de Bairros, Pastorais das Igrejas,
provocaram o despertamento de uma consciência política (MONTAÑO;
DURIGUETO, 2010).
A movimentação de resistência ao Estado contribuiu para o cerceamento da
autocracia. Segundo Sosnovski (1989) a partir de 1974 iniciou o decurso da crise do
regime militar. “(...) Pouco a pouco, foram levantando a cabeça a oposição de
esquerda, as forças progressistas, os movimentos sociais de massas. Ressurgiu a
luta sindical e apareceram novos e poderesos movimentos sociais” (idem, 1989, p.
51). Este período é marcado por uma intensa participação da sociedade civil.
Em 1977 o movimento sindical articula os trabalhadores metalúrgicos na
região do ABC paulista para o inicio de greves de frentes confrontativas ao regime
dos militares. A classe operária demandava por melhores condições de trabalho,
além de liberdade e autonomia sindical (MONTAÑO e DURIGUETO, 2010). Até

27
No período da ditadura foram instituídos atos institucionais que, aos poucos, foram limitando os
direitos dos “não privilegiados” pelo regime. O primeiro foi decretado pelo presidente Castelo
Branco em 1964. As primeiras ações foram: cassar os direitos políticos de líderes políticos,
aposentar funcionários públicos, fechamento da União Nacional dos Estudantes (UNE) e de
sindicados, tarefa de acabar com o comunismo, centralização na figura do presidente das
atividades políticas e econômicas do país. O segundo ato institucional aconteceu em 1965;
consistiu em acabar com as eleições diretas para presidente, dissolução dos partidos políticos,
criação da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e do Movimeno Democrático Brasileiro (MDB)
como partido oposicionista. Em 1967 foi outorgada uma nova constituição federativa, dispondo das
novas decretações. Em 1968 o presidente Costa e Silva institui o Ato Constitucional nº 5 (AI5) que
determinou o fechamento do Congresso Nacional, dando poder absoluto para o Executivo. Além
disso, no governo Médice, foi permitido o exílio e prisão de pessoas que se manifestassem contra a
ordem, o alto grau de censura, entre outras medidas. Cf COUTO. Berenice R. O Direito Social e a
Assistência Social na Sociedade Brasileira. Uma equação possível? . São Paulo: Cortez, 2006, p.
122-127.
42

então, os sindicatos eram ligados ao Estado, estratégia do governo populista das


décadas de 1930/ 194028. Sosnovski (1989) explica que o movimento dos grevistas
exerceu grande influência sociopolítica para a concretização da redemocratização
no país.
Ante a tal conjuntura, o regime militar é forçado a dar inicio a um projeto de
“abertura controlada”, (NOGUEIRA, 2011, p. 24). Os geneirais Geisel e Figueiredo
tencionaram os pilares de manutenção da ditadura para um esquema de liberdade
política restritra e controlada. Seria o que Sosnovski (1989, p. 51) define como
“liberalização por cima”, maneira encontrada para permanecer no poder, e ao
mesmo tempo conter os ânimos da massa oposicionista.
Essa nova configuração da gestão autocrática, cujas alterações elementares
consistiam em “diminuição da repressão; afrouxamento e, depois revogação da
censura à imprensa; anulação de parte das leis repressivas; anistia a presos e
exilados; restabelecimento do pluripartidarismo e das eleições direitas para
governadores dos estados” (idem, 1989, p. 51) não atingiu o ápice do objetivo. Uma
vez que a economia brasileira deflagrava e o que permanecia era a rigorosa crise,
forjada pelos altos índices de inflação e pela intensa recessão.
Na gestão do general Figueiredo a deficiência administrativa saltou para as
janelas da sociedade: “O governo Figueireido mergulhou em profunda crise de
governabilidade e foi literalmente paralisado pelos efeitos de sua própria
incopetência administrativa, de sua desastrada conduta política e da corrupção
plantada em seu interior” (NOGUEIRA, 1998, p. 111).
Em suma, as medidas adotadas pelo regime não alcançaram o propósito
delineado. Entrentanto propiciou espaço para a sociedade civil compor peças
importantes na organização do quebra cabeça da democracia. Em 1980 é criado o
Partido dos Trabalhadores (PT) gerado no bojo da sociedade civil (MONTAÑO;
DURIGUETO, 2010). Segundo Nogueira (2011, p. 26) o “(...) Partido dos
Trabalhadores experimentou uma estruturação organizativa a partir “de baixo”, isto
é, dos sindicatos e dos movimentos populares”, o que resultou na concepção de um
partido com características socialistas.
Nesta mesma perspectiva de transformação societária “de baixo”, (grifo
nosso) nasce em 1983 a Central Única dos Trabalhadores (CUT), “inspirada num

28
“Dentre tantas outras coisas, foi naquela conturbada década [1945] que se organizou a estrutura
sindical brasileira – corporativista e subordinada ao Estado” (NOGUEIRA, 1998, p. 22).
43

socialismo classista, autônomo e independente do Estado” (MONTAÑO;


DURIGUETO, 2010, p. 241).
De acordo com Montaño e Durigueto (2010) a CUT constituiu-se como
referência para a organização dos trabalhadores. Vários sindicatos filiaram-se a esta
instituição por conta de sua proposta política. Segundo os autores citados, a CUT
articulou jornadas de lutas e diversas greves durante a década de 1980. Além disso,
colaborou, mesmo antes de sua fundação, para a criação do PT e já em 1984, na
formação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) (idem, 2010).
A sociedade civil avançava para o processo de redemocratização do Brasil. A
“liberalização” (grifo nosso) executada pelos militares direcionava-se ao seu próprio
desenvolvimento (SOSNOVSKI, 1989), ou seja, à abertura completa para a entrada
da democracia.
Em 1982 iniciou a campanha pelas ‘Diretas Já!’. Este foi o momento decisivo
para o fim de uma liberalização controlada e o caminho à concreta democratização
(idem, 1989). A oposição aproveitou o momento de enfraquecimento dos pilares do
domínio militar e consolidou o período de transição. Os partidos de frente contrária
ao regime fundaram uma Aliança Democrática sob a direção do PMDB. O fito desta
“coligação pela redemocratização” (grifo nosso) consistia em “(...) desencadear uma
complexa operação política e inviabilizar qualquer tentativa de bloquear o
prosseguimento da abertura ou de retroceder ao status quo ante” (NOGUEIRA,
2011, p. 27, grifo do autor).
SOSNOVSKI (1989, p. 104) afirma que “(...) de modo geral, nos últimos anos
[década de 1980] o Brasil avançou substancialmente na criação de uma sociedade
mais moderna, mais organizada, com maior participação política das massas”.
Apesar disso, Nogueira (1998) explica que a transição para a democracia, sempre
marcada por pressões do movimento democrático, crescia sem conseguir se
completar. Isso porque a sociedade civil centrou esforços na “(...) luta contra a
burocracia autoritária, reinante no Estado” (DURIGUETO, 2007, p. 143).
A sociedade civil redigiu o lema do movimento de resistência à questão do
lapso dos direitos agenciado pela ditadura. Desta forma, “(...) a sociedade civil,
terminou, por se entregar aos interesses particulares mais imediatos que nela
convivem de modo concorrencial, não se deixando alcançar por qualquer projeto
“geral”” (NOGUEIRA, 2011, p. 110).
44

Isso demonstra que a sociedade civil não direcionou suas bases ideopolíticas
para o conflito de classes, mas endereçou suas ações às lutas sociais 29:
(...) a transição para a democracia, não significou, para além de um projeto
que se esgota na normalização e vigência das instituições que corporificam
a democracia política, uma efetiva ampliação e universalização dos direitos
sociais de cidadania, tão demandados pelos sujeitos e pelas organizações
das classes subalternas. Com isso, a democracia passa a ser percebida,
por esses sujeitos e suas organizações, como meramente adjetiva,
reduzindo-se à defesa da existência das “regras do jogo” de padrões de
convivência democrática (DURIGUETO, 2007, p. 148-149).
Em síntese, a conquista da classe trabalhadora, organizada na sociedade
civil, efetuou-se pelos ares da emancipação política, a qual remete à garantia de
direitos sociais e políticos afirmados na lei, porém dentro da ordem social
comandada pelo capital. Por outro lado, a emancipação humana, caracteriza-se pela
total eliminação da desigualdade, dominação e exploração, e se faz mediante a
superação do capitalismo (MONTAÑO; DURIGUETO, 2010, p. 131). A emancipação
política é importante na conquista de direitos, mas não garante a emancipação
humana. Esta só acontecerá quando houver a passagem do plano “egoístico-
passional” para o plano “ético-político” 30.

3.3 À SOMBRA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITOS

A personificação do Estado de Direitos numa “concepção normativista” 31


se
dá com a constitucionalização dos direitos naturais, ou seja, a proteção dos direitos
jusnaturalistas pelo Estado (Bobbio, 1994). É o pacto social firmado entre os
indivíduos por meio do estabelecimento do contrato social.
No Brasil, após o período de extermínio e revogação de direitos, é
materializado o “novo” pacto social na Constituição Federal de 1988, na qual
expressa se garantia de direitos aos cidadãos: “O Estado de direito, [...] é o que não
admite o arbítrio, isto é a ofensa às garantias individuais, asseguradas pelas leis,

29
As lutas sociais são desdobramentos das lutas de classe. Colidem diretamente com as expressões
da questão social. Cf. MONTAÑO, 2010, p. 119.
30
Termos grifados de Antonio Gramsci, 1999, p. 314 citados por Nogueira, 2011, p. 106 (grifos do
autor).
31
Cf. SIMÕES. Curso de Direito e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2009, ver p. 84 e 85 sobre O
Estado Democrático de Direito.
45

nem quaisquer discriminações entre as pessoas, não aceitas socialmente, que lhes
extirpem a cidadania” (BOBBIO, 2004, apud SIMÕES, 2009, p. 86).
A característica essencial das décadas que antecederam a consolidação do
Estado de Direito refere-se à questão de projetos antagônicos pela democratização.
O Estado “é um espaço de disputas, no qual a correlação de forças, a
movimentação social e a organização política dos interesses têm papel decisivo”
(NOGUEIRA, 2011, p. 65). Portanto, burguesia e proletariado disputavam o espaço
do “novo” Estado para consolidar seus projetos societários (grifo nosso).
Para Fernando Henrique Cardoso, intelectual da democracia liberal, o
advento do Estado de direito era conveniente à liberdade econômica:
(...) o restabelecimento do Estado de Direito e seu funcionamento conforme
os cânones da divisão dos poderes, como abertura de espaços de
organização e exposição dos problemas dos grupos sociais e como
liberdade de ação das leis do mercado [...] mas, sobretudo a democracia
seria o regime mais adequado à expansão do capitalismo por facilitar os
fluxos de informação para o mercado e por possibilitar, através da
organização e explicitação de interesses, a contínua formação de elites
capazes de assumir a liderança política (DURIGUETO, 2007, p. 141).
Nogueira (1998) dispõe que com o crescimento do movimento democrático
surgiu à necessidade de modernizar o Estado, em “(...) um Estado [...] socialmente
comprometido e capacitado para operar como efetivo articulador de um novo modelo
de desenvolvimento econômico, menos predatório e mais sustentável” (idem, 1998,
p. 186).
Essa lógica traçada da perspectiva “Estado de Direito”, refere-se ao método
de juridificação dos direitos à luz de reforçar o controle do Estado de forma a
proteger e conservar a hegemonia do capital (COUTO, 2006).
Simões (2009) expõe que o Estado de direito torna-se democrático ao instituir
direitos sociais universais e seletivos. Esses direitos são determinados por meio das
políticas sociais em resposta às demandas da classe trabalhadora, como dispõe
Couto, (2006, p. 60) “(...) essas políticas são um campo privilegiado de
concretização das demandas postas pelos trabalhadores ao Estado”.
Dentro desse aspecto, o Estado Democrático, seria resultado de conquistas e
de direitos sociais pela classe trabalhadora. Síntese da luta dos movimentos sociais
no período de transição do autoristarismo para a democracia. “O Estado social
[portanto] vai ser criado quando da necessidade de responder diretamente às
46

necessidades substanciais das classes trabalhadoras, em vista da integração social,


surgindo, assim as bases concretas para a formulação dos direitos sociais”
(COUTO, 2006, p. 59-60).
A Constituição Federal de 1988 inaugurou esses direitos sociais, ampliou os
direitos de cidadania, beneficiando os trabalhadores, e propiciou formas de gestão
dos direitos pela esfera da descentralização participativa (NOGUEIRA, 1998).
Introduzem, nesse contexto, mecanismos de participação popular: Plebiscito,
Referendo, Audiência Pública, Fóruns, Conferências deliberativas de políticas
públicas e os Conselhos.
Segundo Simões (2009, p. 107) “(...) a participação popular é o meio de
controle social, exercido pela sociedade civil, para garantir direitos sociais,
superando os mecanismos tradicionais de controle técnico-burocrático”. Essa via da
participação insita superar a Democracia Representativa, cujo principal meio
participativo é o voto. A junção da democracia representativa com a democracia
participativa forma um meio mais operante quanto o controle social (NOGUEIRA,
2011).
Dentro do andaime Democrático, a participação organizada da população
pode significar transformação para a sociedade. Mas isso, somente acontecerá se
os cidadãos passarem por processos de educação política e politização (idem,
2011). Os intelectuais orgânicos, criados por uma classe e defensores de um projeto
societário, possuem esta função educativa ao que tange conquistar ou manter a
hegemonia de uma classe32. A sociedade civil possui papel fundante nessa
conjunção, pois détem do controle de meios que disseminam a ideologia e ajudam a
construir ou manter a hegemonia de uma classe.

3.4 DA DEMOCRACIA LIBERA À DEMOCRACIA CONTRA HEGEMÔNICA

A Democracia no sentido restrito ao Liberalismo está instrisicamente atrelada


com a defesa e proteção dos direitos individuais. Ao estabelecer o pacto de tutela da
propriedade privada pelo Estado, a Democracia, nesse sentido, emerge como forma
de conter o totalistarismo do governante, bem como assegurar as vontades
individuais:
“(...) todos os homens, indiscriminadamente, têm por natureza e, portanto,
independentemente, de sua própria vontade, e menos ainda da vontade de
32
Cf Montaño e Durigueto (2010, p. 112).
47

alguns poucos ou de penas um, certos direitos fundamentais [entende-se


aqui direitos individuais], como direito à vida, à liberdade, à segurança, à
felicidade – direitos esses que o Estado, ou mais concretamente aqueles
que num determinado momento histórico detêm o poder legítimo de exercer
a força para obter a obediência a seus comandos devem respeitar, e
portanto não invadir, e ao mesmo tempo proteger contra toda possível
invasão por parte dos outros” (BOBBIO, 1994, p. 11).
O Estado, ao defender os direitos civis e políticos individuais e ao enjeitar os
direitos sociais toma forma liberalista, cuja proposição externaliza a função de
proteção à propriedade privada. Fora no contexto de transição da sociedade feudal
para a sociedade capitalista que os princípios democráticos de um Estado de
Direito (grifo nosso) foram se moldando. Isso explica, portanto, a base da
democracia assentada na sociedade ocidental, cuja característica sobressalhente
entorna acerca do estabelecimento da Lei como garantia de igualdade jurídica e
liberdade de opinião.
“(...) quanto à igualdade nos ou dos direitos, ela representa um momento
ulterior na equalização dos indivíduos com respeito à igualdade perante a lei
entendida como exclusão das discriminações da sociedade por
estatamentos: significa o igual gozo por parte dos cidadãos de alguns
direitos fundamentais constitucionalmente garantidos” (BOBBIO, 1994, p.
41).
O percurso traçado pelos liberais à Democracia (grifo nosso) circunscreve-se
na questão da vontade geral. Rousseau é o teórico contratual que tratou sobre esta
suposição ao evidenciar que “são os indivíduos que devem criar as leis que regulam
suas vidas” (DURIGUETTO, 2007, p. 40), tendo como base o interesse comum.
Para tanto o sujeito deve dispor de seus interesses particulares, tendo
constantemente uma “vigilância ética” em torno de suas ações, em prol da vontade
geral (idem, p. 42).
Ao transcorrer a tese de Rousseau para a teoria liberal é possível visualizar
que a vontade geral citada pelo teórico, acaba por se tornando vontade de uma
minoria (burguesia), porém, concebida como a vontade de todos. A
constitucionalização dos direitos individuais, ou, “a transformação desses direitos em
direitos juridicamente protegidos” (BOBBIO, 1994, p. 18) objetiva a democracia
liberal.
A manobra para estabelecer o consenso da classe dominante ao que se
refere à imposição de sua cultura democrática sucede por meio da alienação e
48

controle das massas. Chaui (1981) explica que para uma classe impor sua ideologia
sobre as outras, é necessário que se propague um discurso, o qual defenda que
todos são representados indistinguívelmente pelo Estado.
A instauração de um Estado de Direitos é arquitetado como meio de
institucionalizar princípios liberais. Como explica Chaui (1981, p. 139) “as classes
dominantes, finalmente, descobriram que o consenso é mais eficaz do que a pura
coerção” e passaram a utilizar-se do consenso para “conservar o controle de vida
social e política sem alterar profundamente a forma de acumulação no plano
econômico” (idem, p. 111).
O Ato de votar, por exemplo, produz consenso na classe oprimida ao dispor
da democracia representativa como meio eficiente de “participação” (grifo nosso).
Contudo, isso se caracteriza como controle de uma classe sobre a outra, mascarado
como exercício da cidadania, porquanto: “A participação política, como o ato do voto,
não produz consciência política, ou conduz as massas ao poder” (DURIGUETTO,
2007, p. 75).
Tendo em vista abrir as cortinas da alineação burguesa, Gramsci traça uma
nova proposta, a qual propõe a organização da classe trabalhadora à conquista da
hegemonia para então, a construção de um novo bloco histórico. O percurso de
Gramsci, para alcançar este alvo, consiste na “democratização e conquista de
espaços políticos e de participação popular crítica e organizada nos espaços da
sociedade civil” (DURIGUETTO, 2007 p. 61). Compreende-se, portanto,
participação, nesta perspectiva, como à conscientização da classe trabalhadora
como classe explorada, e a desvinculação com a moral burguesa, construindo uma
nova direção política e ideológica.
Coutinho (1979) análogo à ideia de Gramsci defende a democracia como
forma de alcançar o socialismo. Para isso, o autor expõe que é necessário que a
classe trabalhadora, principalmente a classe operária, se organize e tome
politicamente e coletivamente os espaços da sociedade civil:
“o socialismo não consiste apenas na socialização dos meios de
produção [...] consiste também – ou deve consistir numa progressiva
socialização dos meios de governar, uma socialização também aqui tornada
possível pela crescente participação das massas na vida política, através de
sujeitos políticos coletivos (...)” (Coutinho, 1979, p. 38).
49

Esse processo caracterizaria-se ao que Marx denomina da passagem da


classe em si à classe para si, ou seja, a preparação da classe trabalhadora para o
empoderamento de uma consciência coletiva. Isso significa que o antagonismo
entre capital e trabalho fez com que emergisse uma diferenciação econômica social
distinta em classes, e com o reconhecimento da exploração do capital sobre o
trabalho, a classe trabalhadora uniu forças e objetivou interesses comuns na luta
contra a opressão da classe burguesa 33. Portanto, a construção de um novo projeto
societário depende do rompimento com a cultura alienante imposta pela classe
dominante, pois, como explica Chaui (1981, p. 67) “Se, para a classe dominante, a
alienação vivida e exercida é fonte de autoconservação e de legitimação, para os
dominados é fonte de paralisia histórica”.
Ao interromper o fluxo de combustão da hegemonia da classe burguesa, o
seguinte passo confere à organização da classe oprimida tendo em vista a
consolidação da hegemonia. No entanto, Coutinho (1979) dispõe que a hegemonia
dos trabalhadores não se deve fazer por meio da burocracia e autoritárismo “que
governe de cima para baixo”, mas através de uma “democracia de massas”,
conquistada pelo consenso.
A partir dessa análise acerca do processo contrutivo de uma contra
hegemonia, a Democracia na perspectiva transformadora, seria o processo
mediador para chegar no socialismo. Nessa lógica, a democracia seria o meio para
a conquista de direitos à classe trabalhadora, porém, principalmente como
propiciadora de um espaço construtivo de participação de sujeitos coletivos:
[...] a democracia formal é a condição preliminar para que possam ser
satisfeitos os carecimentos radicais. Onde não há democracia formal, os
movimentos que expressam carecimentos radicais não têm sequer a
possibilidade de se constituírem [...] A democracia formal é uma premissa,
mas certamente não é uma premissa suficiente (Heller, 1982, p. 137 apud
Barata, 2011, p. 135).
Nessa perspectiva, a revolução aconteceria “de baixo para cima”, isto é, por
meio da ampliação e organização de novos atores políticos no âmbito da Sociedade
Civil. A democracia constitui-se como “patamar mínimo” (Coutinho, 1979, p. 43) para
a transformação social plena da sociedade.

33
Cf MONTAÑO. Carlos; DURIGUETTO. Maria Lúcia. Estado, Classe e Movimento Social. São
Paulo: Cortez, 2010, p. 97-98.
50

4. ANÁLISE DO SERVIÇO SOCIAL NO PERÍODO DA REDEMOCRATIZAÇÃO

4.1 O LEGADO DA RECONCEITUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL

Em face à conjuntura do período da ditadura militar, o serviço social buscou


reconceituar as bases da profissão. O momento inicial dessa renovação deriva de
uma perspectiva modernizadora, que consistia em “adequar o Serviço Social,
enquanto instrumento de intervenção inserido no arsenal de técnicas sociais a ser
operacionalizado no marco de estratégias de desenvolvimento capitalista, às
exigências postas pelos processos sociopolíticos emergentes no pós 64” (NETTO,
1996, p. 154).
Frente a esse intento, a reconstrução dos fundamentos do serviço social
corresponderia ao projeto da autocracia burguesa de “modernização” da
infraestrutura econômica do país. O governo injetou na sociedade brasileira o
programa de “Desenvolvimento de Comunidade” (DC) (grifo nosso), como alternativa
social para enfrentamento dos empecilhos que colidiam com o desenvolvimento
econômico. Nesse contexto, o assistente social seria o profissional que executaria a
política social cuja função seria de “eliminação dos pontos de estrangulamento do
crescimento econômico e de criação de condições para que esse atingisse maiores
índices, sendo percebido o desenvolvimento social como consequência automática
do crescimento econômico” (SILVA e SILVA, 1995, p. 32).
Nesse período, a matriz teórica que norteava o direcionamento da profissão
era a positivista estrutural funcionalista, que possui como projeto o ajuste dos
indivíduos à normatividade da sociedade. A função do assistente social, dentro desta
perspectiva, se faria por ações que objetivassem o ajustamento do sujeito, através
da disseminação de valores burgueses34.
O teor das propostas da categoria profissional, traçadas a partir da vertente
modernizadora, consolidará nos Encontros do Serviço Social 35. O objetivo era
tecnificar a profissão, para contribuir com o processo de desenvolvimento do país,
tendo em vista superar o atraso da modernização na economia brasileira (SILVA e
SILVA, 1995).

34
Notas de aula ministrada pela Drª. Profª. Jucimeri Isolda Silveira, em 17 de fevereiro de 2012, na
Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
35
Encontro de Araxá, em 1967, e Teresópolis, em 1972. Cf. NETTO. José Paulo. Ditadura e Serviço
Social. Uma análise do serviço social no Brasil pós-64. São Paulo: Cortez, 1996, p. 164-193.
51

Diante das novas demandas, postas pelo governo no período da ditadura


militar, o Serviço Social buscará atualizar práticas profissionais. De acordo com
Iamamoto (2007) essa intenção da categoria profissional dos assistentes sociais
surge após 1964, cujo intuito seria oferecer respostas às demandas que surgem
com a inserção do capitalismo monopolista.
Uma nova intenção de ruptura emerge no Serviço Social. Os assistentes
começaram a repensar a prática conservadora, que até então indicava o modelo de
conduta profissional, e então, buscaram em outra vertente metodológica o
direcionamento para a profissão. De acordo com Netto (159, p. 157) essa tentativa
de romper com a vertente modernizadora se materializou como a própria
reatualização do conservadorismo (grifo do autor). A profissão irá buscar na
fenomenologia36 o caminho para refazer suas bases, o que se constitui como a
atualização da perspectiva positivista à luz de uma “(...) aparência científica que tem
por base rudimentos da psicanálise” (IAMAMOTO, 1997, p. 34).
Surge a figura do “cliente”, isto é, o individuo que necessita de “ajuda
psicossocial” (grifo nosso) para superar problemas relacionados com a moral. A
abordagem do assistente social se fará de forma individualizada, com ações de
caráter assistencialista (SILVA e SILVA, 1995). A classe burguesa utilizou-se destas
práticas assistencialistas para impor sua dominação na classe subalternizada. O
Serviço Social, cuja direção prática se fará pela execução da “ajuda psicossocial”, é
o elemento fundamental na imposição da ideologia dominante: “(...) o assistente
social, imbuído de competência técnica e poder institucional, decodifica e seleciona
situações e indivíduos, bem como habilita os indivíduos para o acesso ao serviço ou
auxílio solicitado, enquadrando-os nos padrões morais de sociabilidade
determinados pela ordem do capital” (ABREU, 2002, p. 95).
Com a eferscência dos movimentos de oposição ao regime militar, o Serviço
Social passa a rever o direcionamento de sua prática profissional, assim como
assumir um posicionamento político que irá nortear a profissão. Iamamoto (1997)
relata que a organização dos trabalhadores, tanto urbanos como rurais, fora
escoltada por um processo de politização dos setores médios. Esse movimento se

36
A matriz teórica fenomenológica consiste em buscar a “significação” e compreensão dos
fenômenos. Afastar e suspender as pré-noções e preconceitos. Compreender a pessoa no mundo,
seu vivido e significados atribuídos. Nota retirada de material compartilhado, da disciplina de
Fundamentos V, Professora Drª Jucimeri Isolda Silveira.
52

expressa em uma “esquerda cristã” que irá influenciar segmentos do Serviço Social
(idem, 1997, p. 35, grifos da autora).
Nasce, dentro da categoria profissional, uma mobilização para romper com a
estrutura conservadora que direcionava a profissão. O primeiro marco dessa
intenção de ruptura se deu com o ‘Método de BH’ (grifo nosso), sendo a primeira
proposta dialética sistematizada37. Em meio às contradições entre capital e trabalho,
os profissionais começaram a questionar as práticas conservadoras da profissão
frente às novas manifestações da questão social (NETTO, 1996).
No final da década de 1970, paralelo à transição democrática, o Serviço
Social se aproxima à linha teórica marxista. De acordo com Netto (1996) o projeto de
ruptura se aproxima do marxismo pelo viés da militância política, principalmente sob
a influência política de esquerda da Igreja, e também, pela ascendência do
“marxismo acadêmico” na profissão (grifo do autor).
Em 1979 acontece o III Congresso Nacional de Assistentes Sociais (CBAS), o
denominado “Congresso da Virada” (grifo nosso), o qual representou o “marco
histórico do compromisso político e coletivo da categoria com as classes
trabalhadoras” (ABRAMIDES, 2006, p. 119 apud ABRAMIDES e CABRAL 1995, P.
168, grifo da autora).
Esse momento retrata o inicio da articulação do Serviço Social com a
sociedade civil, visando à transformação da sociedade. De acordo com Abramides
(2006) a virada do III CBAS esteve intrinsecamente relacionada com a militância de
assistentes sociais em segmentos da sociedade civil, principalmente na esquerda
sindicalista. O marco do rompimento da profissão com o conservadorismo, no
âmbito acadêmico, se dá com a publicação em 1982, da literatura clássica do
Serviço Social: “Serviço Social e as Relações Sociais no Brasil”, dos autores,
Marilda Vilela Iamamoto e Raul Carvalho (ABRAMIDES, 2006). Este é o primeiro
livro que tratará da significação do Serviço Social, como profissão inserida na divisão
sócio técnica do trabalho, assim como, será a primera obra inspirada na tradição
marxista (idem, 2006).
A partir de então, o Serviço Social passa a construir um novo projeto
profissional, cujo propósito seria: “vincular a prática da profissão com os interesses
dos setores populares, tendo como horizonte a transformação social, [valendo-se] de

37
Notas de aula ministrada pela Drª. Profª. Jucimeri Isolda Silveira, em 10 de novembro de 2011, na
Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
53

um conjunto de categorias teóricas para fundamentar a sua construção” (Iamamoto,


1995, p. 105). A profissão assume, então, a postura para a construção de um projeto
profissional vinculado com o projeto societário que visa superar a ordem capitalista.

4.1.1 A Perspectiva de Assistentes Sociais Sobre a Reconceituação do


Serviço Social no Período da Redemocratização

Em 1979 é criada a Revista Serviço Social & Sociedade, que “se transforma
em espaço e veículo extremamente relevante de divulgação da nova postura”
(SILVA e SILVA, 1995, p. 102). Esta “nova postura” consiste no processo
sociopolítico de Reconceituação da Profissão, a qual ocorre como resposta ao
contexto de transformações históricas na sociedade brasileira.
Defronte à conjuntura de lutas sociais, imprimidas pela organização da
sociedade civil, principalmente pela atuação do “novo” sindicalismo 38 (grifo nosso), o
Serviço Social adere à proposta ideopolítica de transformação da sociedade à luz de
um novo projeto societário:
(...) nessa conjuntura político-econômica em que já não se podem ignorar as
manifestações populares, em que os movimentos sociais e processo
organizativo de diversas categorias profissionais se revigoram, a prática do
Assistente Social passa a ser analisada a partir das implicações políticas do
papel desse intelectual vinculado a um projeto de classe. Verificam-se
tentativas de ruptura de parte do meio profissional com o papel
tradicionalmente assumido, na procura de somar-se às forças propulsoras
de um novo projeto de sociedade (IAMAMOTO, 1997, p. 37-38).
Neste momento de reatualização da profissão, sobretudo no período histórico
de transição democrática (final de 1970 e a década de 1980), o Serviço Social reúne
posições de assistentes sociais, a esse respeito, na Revista Períodica Serviço Social
& Sociedade, cuja primeira edição foi impressa em 1979.
O primeiro autor a tratar sobre o tema da Reconceituação na Revista referida
foi o teórico Vicente de Paula Faleiros, que na época lecionava na Universidade
LAVAL-QUEBEC, Canadá. A primeira publicação da revista foi dividida em dez
artigos referentes a diversas temáticas. O artigo de Faleiros está logo na

38
“(...) a concepção e a prática sindical adotam [...] o critério amplamente democrático de
representação, baseado na proporcionalidade das forças políticas vivas, presentes no movimento
de organização das classes trabalhadoras, pressuposto histórico da democracia operária, na
construção do sindicalismo de classe” (Abramides, 2006, p. 129).
54

apresentação, após o parecer da categoria profissional sobre o processo de


redemocratização39.
No artigo “Espaço Institucional e Espaço Profissional” 40
, Faleiros (1979)
abordará sobre as implicações da reconceituação quanto às relações profissionais
nas instituições. O autor explica que “só a crítica não pode mudar as instituições
[pois] é necessário uma nova correlação de forças e uma estratégia capazes de
implementar a mudança” (idem, p. 138).
Faleiros (1979) situa o espaço político das instituições sociais, refletindo sobre
a questão da hegemonia da classe dominante, a qual se utiliza das instituições
sociais para estabelecer o consenso na classe dominada, para então exercer o
domínio. Nessa perspectiva, os usuários dos serviços sociais, termo empregado
pelo autor como “cliente” (grifo nosso), “é posto numa condição passiva”, ou seja,
“se não aceita às normas da instituição fica excluído dos benefícios”, em
contrapartida “se integra às normas da instituição fica socialmente excluído, fica
institucionalizado cliente (...)” (idem, 1979, p. 141). De acordo com o autor a
instituição passa a controlar a vida social e pessoal desse sujeito. O controle é
exercido por meio da própria prática profissional: “entrevistas, visitas, fichários,
documentos, interrogatórios” (FALEIROS, 1979, p. 141).
A burguesia utiliza-se de meios para enfraquecer a atuação ideopolítica da
classe dominada e com isso manter a ordem social. Segundo Faleiros (1979, p. 143)
um dos mecanismos para manter a reprodução da força de trabalho dentro da
“ordem” é fragmentar a classe explorada em segmentos: “velhos, menores,
acidentados etc” 41. Isso, segundo o autor, camufla a existência de classes sociais, e
produz um cenário propicio para sustentar o perfeito funcionamento do modo de
produção capitalista.
Faleiros (1979) expõe sobre as relações de poder no contexto institucional. O
autor fala sobre a competição entre profissionais, visando redirecionar o controle do
poder e dos recursos no interior da instituição. Por conta disso, ele explica que os
clientes tornam-se a intermediação para a conquista do status profissional, resultado
de eficiência técnica no atendimento da demanda.

39
Este tema será tratado adiante.
40
Título do artigo publicado em Setembro de 1979 na Revista Serviço Social & Sociedade, nº 1.
41
A terminologia ‘menor’ foi substituída com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente em
1990, por criança e adolescente. Da mesma forma, o termo ‘velho’, foi substituído por idoso com a
instituição do Estatuto do Idoso em 2003. A terminologia utilizada por Faleiros (1979) corresponde
às legislações da época.
55

No que tange essa contextualização, pode-se afirmar que Faleiros expõe uma
critica a utilização dos recursos para exercer o poder. A questão inicial objetivada na
crítica, sobre a prática nas instituições sociais, após a reconceituação, não
corresponde a uma crítica ao teor da própria reatualização profissional, mas sim a
preocupação em romper com práticas conservadoras, ainda manifestadas no
Serviço Social. Faleiros (1979, p. 152) afirma que “o processo de reconceituação do
serviço social não consiste somente numa reflexão abstrata sobre métodos, mas
implica na busca de novas formas de atuação a partir de sua própria prática
limitada”.
Helena Juracy Junqueira42 publicou em 1980, na Revista Serviço Social &
Sociedade nº 4, acerca da Reconceituação do Serviço Social. Segundo os
pressupostos da autora, em quinze anos do movimento de reatualização da
profissão, ainda não havia sido encontrado o compasso entre operacionalização e a
ideologia aderida pelo Serviço Social. Segundo a autora, após duas décadas de
propostas metodológicas de cunho crítico, ainda era pouco significativo o espaço
disponível para por em prática a proposta. De acordo com Junqueira (1980) um dos
mecanismos de dissociação entre teoria e prática, são as próprias Escolas de
Serviço Social. Pois, conforme a autora, os alunos encontram dificuldades em
relacionar a teoria da sala de aula com a prática do campo de estágio. Junqueira
(1980, p. 35) discorre sobre “uma prática inspirada, orientada por uma teoria que,
por sua vez, é testada pela prática, dela retirando elementos de crítica e de
reformulações, que novamente enriquecerão a prática, num processo dialético”. A
autora entende o Serviço Social como uma práxis, em que é necessário
operacionalizar a teoria, para alcançar a transformação da sociedade.
Em 1981, é publicado o último artigo43 na Revista Serviço Social & Sociedade
referente à Reconceituação do Serviço Social. Desta vez, o profissional que
dissertará sobre o tema, é José Paulo Netto, já na época, docente em Serviço Social
do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-SP. Netto enunciou, por
meio do artigo, respostas à fração conservadora da profissão, que criticava o
movimento de reconceituação.
O autor argumenta, contrapondo a oito críticas relacionadas com a
reconceituação. A primeira delas exprime que a reconceitualização conduziu a
42
Em 1980 professora titular do curso de pós-graduação da PUC-SP.
43
O período utilizado para análise da perspectiva de assistentes sociais quanto à reconceituação do
serviço social é referente ao contexto de transição democrática, especificamente entre 1979 a 1988.
56

profissão à insegurança, à angustia e à desorientação profissional. Netto (1981, p.


63) responde que, na verdade, esses fatores permeavam o Serviço Social
tradicional, a reconceituação “teve um único papel: produzir um tipo de ambiência
onde a insegurança e a desorientação próprias do Serviço Social tradicional
saltaram à luz do dia”.
A segunda critica diz repeito ao modismo infiltrado no Serviço Social pela
reconceituação. Netto (1981) afirma que o modismo não é um processo exclusivo da
reconceituação, mas acontece em qualquer movimento que estabeleça novos
padrões intelectuais e profissionais. A terceira crítica apresentada refere-se à
reconceitualização como “revolução” de pequenos grupos de elite (grifo nosso). O
autor defende que todo movimento revolucionário ou renovador “se realiza,
inicialmente, engendrando uma estratificação própria reforçada, inclusive, pela
solidariedade que os seus pioneiros desenvolvem entre si” (NETTO, 1981, p. 64). No
entanto, segundo o autor, não há evidências de que esse grupo tenha implementado
políticas de exclusão.
A quarta crítica profere que a reconceitualização recusou o passado
profissional, afirmando-se negativamente. Ao contrário do que apregoa a crítica,
Netto (1981, p. 65) dispõe que o que se pode questionar na reconceituação, foi sua
incapacidade de fazer a crítica teórica radical do passado profissional (grifos do
autor). A quinta critica faz menção à ideologização profissional determinada pela
reconceituação. De acordo com Netto (1981) a ideologização trazida pela
reconceituação é um avanço para o Serviço Social. Pois, de acordo com o autor, o
problema não é a profissão assumir uma posição ideológica, mas qual posição
assumirá.
A sexta crítica, impetrada pelo conservadorismo, sugere que a
reconceitualização desprofissionalizou o Serviço Social pela via da politização. A
proposição desta critica está alicerçada sobre o fato de assistentes sociais terem,
saído da neutralidade e assumidos posições políticas partidárias. Netto (1981)
explica que os assistentes sociais aderiram a um posicionamento político, não por
influência partidarista, mas sim pela realidade social exposta à categoria. Ele afirma
ainda, que não existiria possibilidade de uma profissão, cuja reconceitualização
expressou-se de forma “ideologizante” e “politizador”, se dissolver (idem, 1981, p.68,
grifos do autor). Ou seja, a politização teria fortalecido ainda mais a profissão.
57

A sétima suposição conservadora, critica a reconceituação sobre o


pressuposto de que esta tenha instaurado uma separação entre os centros de
formação e as agências de intervenção. Segundo Netto (1981) a formação
acadêmica não pode condicionar a preparação de assistentes sociais somente pela
via das demandas imediatas, postas pelas agências. O autor dispõe que a formação
universitária ultrapassa formas de intervenção imediata, de forma a considerar tanto
essas demandas, como também as possíveis condições sociohistóricas que
determinarão novas demandas. Para Netto (1981) a única aproximação entre
aquelas agências e os centros de formação, é o campo de estágio.
A última crítica diz que a reconceitualização não foi capaz de produzir uma
prática profissional sistematizada. Netto (1981) afirma que, apesar de ser fato essa
arguição conservadora, ele afirma que os profissionais da disposição retrógrada, não
alcançaram em décadas, “parâmetros profissionais consistentes e sólidos” (idem,
1981, p. 71). Além do mais, o autor pontua que as poucas experiências de
intervenção sob a perspectiva reconceitualizada, experimentaram efetivo resultado.
Os artigos analisados mostraram que os assistentes sociais manifestavam
certa preocupação ao que se refere a conciliar teoria (crítico dialética) e prática
profissional. Mas, ao mesmo tempo, é possível perceber que os autores
reconheceram a reconceituação como avanço da profissão, como ruptura com a
prática conservadora.
O processo de reconceituação aproximou a profissão da inspiração marxista,
o que resultou em um projeto profissional comprometido com a classe trabalhadora.
A intervenção, a partir de então, a prática passa a configurar-se como uma ação
transformadora, isto é, a filosofia da práxis: a unidade entre teoria e prática,
buscando romper com o senso comum (SIMIONATTO, 1999). Ou seja, a formação
da criticidade, que vise desfazer a alienação burguesa.

4.1.2 O Assistente Social Como Intelectual Orgânico: Contribuições de Um


Serviço Social Reconceituado

No período de reconceituação foram tratados diversos temas que ainda


permeiam o Serviço Social do século XXI. Um dos assuntos contemplados pela
profissão foi à perspectiva do assistente social como um intelectual orgânico de uma
das classes fundamentais, burguesia ou proletariado.
58

Em 1980 na segunda publicação da Revista Serviço Social & Sociedade, Luiz


Eduardo W. Wanderley, na época, professor nos Programas de Estudos Pós-
Graduados em História e Ciências Sociais da PUC-SP, versou sobre as
“Perspectivas do Profissional na Atual Conjuntura” 44
. Wanderley (1980) analisou
aspectos que precisam comparecer em profissionais que desejam tornarem-se
intelectuais orgânicos de uma das classes fundamentais. O aspecto central consiste
em “atuar coletivamente, organizando-se em grupos, associações, participando de
sindicatos, de movimentos, de partidos” (WANDERLEY, 1980, p. 77). Para isso,
explica o autor, é preciso que o profissional comprometa-se efetivamente com os
interesses de uma classe, burguesa ou trabalhadora. Isso ocorre quando o sujeito se
indentifica com o projeto societário imprimido por uma das classes.
As autoras, Maria Barroso e Lourdes Karmann, descreveram, em 1983, na
Revista do Serviço Social & Sociedade nº 11, acerca das relações históricas da
profissão que defeniram o papel do assistente social como intelectual orgânico
vinculado à classe dominante. De acordo com as autoras, o Serviço Social
institucionaliza-se como profissão, a partir das necessidades históricas surgidas com
o desenvolvimento do capitalismo.
Barroso e Karmann expõem que com o surgimento do proletariado como
força política, a questão social passa a ser alvo de enfrentamento do Estado, com
isso surgem os técnicos de intervenção social que irão dar respostas e ao mesmo
tempo controlar a classe trabalhadora. As autoras afirmam que o Serviço Social
historicamente contribuiu, através de sua ação educativa, para “corrigir as
disfunções sociais" (BARROSO e KARMANN, 1980, p. 70). Isso significa que desde
sua gênese, o Serviço Social esteve em função da classe dominante.
Contudo, na ótica das autoras, é possível que o assistente social assuma o
compromisso junto às classes trabalhadoras, e com isso torne-se intelectual
orgânico da classe subalternizada. Segundo as autoras “assumir um compromisso
com as classes subalternas está em relação direta com a aquisição de uma
consciência crítica que desmistifique a ideologia dominante” (BARROSO e
KARMANN, 1980, p. 76).
Maria Ozanira da Silva e Silva, em 1986, em artigo publicado na Revista
Serviço Social & Sociedade nº 20, a partir de análise dos pressupostos de Gramsci,
afirmará que são os intelectuais orgânicos são encarregados de elaborar a ideologia
44
Título do artigo publicado em Março de 1980 na Revista Serviço Social & Sociedade, nº 2.
59

de uma determinada classe, e transformar esta ideologia em direção para toda a


sociedade. A autora explica que é por meio dos aparatos da sociedade civil que
esses intelectuais obterão o consenso de toda sociedade para consolidação do
projeto de classe que defende.
Silva e Silva (1986, p. 38) afirma a necessidada do “proletariado atrair para si
intelectuais de todos os nívies e, principalmente, os grandes intelectuais, para que
possa de ato aspirar à hegemonia da sociedade”. Nessa perspectiva o assistente
social poderia aderir à proposta política do proletariado, e assim tornar-se intelectual
orgânico da classe dominada. Densta forma teria como essência de sua função
educativa “contribuir para a homogeineização da classe” (idem, 1986, p. 38).
Observa-se na análise dos autores no contexto histórico de transição
democrática, uma perspectiva teórico-política que atribui ao assistente social a
função de intelectial orgânico da classe trabalhadora, a serviço dos usuários dos
serviços sociais. Tal tendênica foi hegemoniada pela atauação das organizações
profissionais e difusão teórico-prática, o que pode ser constatado, especialmente, na
legislação profissional pós reconceituação, notadamente nos Códigos de Ética de
1986 e 1993.

4.1.3 O Estado Democrático de Direitos na Perspectiva do Serviço Social


no Período da Redemocratização

A categoria profissional de assistentes sociais manifestou-se, no período


histórico de transição democrática, a respeito do Estado e da Democracia. Em 1979,
assistentes sociais a convite do CFAS45 publicaram, na primeira edição da Revista
Serviço Social & Sociedade, considerações concernentes à Democracia e Direitos
Sociais.
Os assistentes sociais fomentaram acerca da Democracia como exercício de
liberdade. O Serviço Social presava pela superação do Estado centralizador, e,
portanto, em substituição ao modelo autocrático, referenciavam o Estado
descentralizador: “(...) a descentralização do poder é inerente à democracia como
prática da liberdade” (CFAS, 1979, p. 6). Eles acreditavam que o Estado de Direito

45
Artigo elaborado por um grupo de Assistentes Sociais brasileiros a convite do Conselho Federal de
Assistentes Sociais. Cf. CFAS. Revista Serviço Social & Sociedade, 1979, p. 5.
60

descentralizado, asseguraria a transformações das demandas do povo em direitos


consolidados:
“Ao poder público em seus vários níveis corresponde a tarefa de
absorver as críticas, pressões e reinvindicações dos vários setores da
sociedade e propor a esses um rumo e um controle sem o que eles se
tornem anárquicos e desgovernados ou quando muito orientados apenas
por interesses específicos de grupos privilegiados. A voz e o interesse dos
mais fracos precisam ser garantidos” (CFAS, 1979, p. 10).
Na ótica desses profissionais, a representatividade garantida pela
democracia seria capaz de conceder a aproximação entre o povo e o governo
(CFAS, 1979). Isso significa, no parecer destes, que a sociedade civil, atuando
livremente, exprime demandas da população ao Estado, visando transforma-las em
direitos, que serão manifestados em políticas sociais organizadas coletivamente:
“(...) o direito à autonomia de organização, à participação e à cidadania social
representam a pedra de toque de uma política social autência e centrada na
realização do homem” (CFAS, 1979, p. 15). Portanto, o Estado de Direito, nessa
perspectiva, responderia às necessidades da população, que teriam seus direitos
respondidos por meio de políticas sociais construídas coletivamente.
As concepções sobre o Estado de Direito, porém, vão se alterando com o
passar dos anos. Em 1987, José Walter Canoas, na época professor da UNESP, em
Franca São Paulo, disse na Revista Serviço Social & Sociedade nº23, que a
transição democrática retrata o momento de consolidação da hegemonia burguesa.
Segundo o autor essa transição “favorece o fracionamento das forças políticas,
tática da divisão para melhor se tirar proveito” (CANOAS, 1987, p. 21). Isso
expressa, segundo o autor, a desmobilização das camadas populares, que com o
debate centrado em torno da democracia e direcionado pela burguesia, retiraria o
debate popular das ruas.
No entanto, Canoas (1987) afirma que é esse momento de transição
democrática que a classe trabalhadora precisa fazer valer seus direitos perante o
Estado, por meio de “(...) um projeto político que empolgue a sociedade e no qual
estejam inseridos os pressupostos do socialismo democrático” (idem, 1987, p. 22).
Caso isso não aconteça, afirma o autor, “(...) teremos a manutenção da farsa
reformista novamente encenada no arremedo da democracia vigente (...)” (idem, p.
22). Portanto, para Canoas (1987) a classe trabalhadora não pode deixar de
61

participar de forma autônoma aos interesses da burguesia, para fazer valer sua força
organizativa na Assembleia Constituinte.
Carlos Simões, na época professor de Direito na Faculdade de Serviço Social
da PUC-SP46, na mesma edição da Revista Serviço Social & Sociedade de 1987, a
qual publicou o artigo de José Walter Canoas, pontuou aspectos sobre uma
Constituição, e a relação desta, com as classes sociais.
De acordo com Simões (1987, p. 7) é “(...) pela Constituição, [que] a classe
dominante busca a estabilidade e os conflitos sociais em jogo equilibram-se”. O
autor explica que quando há substituição hegemônica de uma classe por outra, faz-
se necessário o advento de uma nova Constituição, assim, tanto no Capitalismo
como no Socialismo a Carta Magna será a Lei principal. Porém, Simões (1987, p.
14) explica que “(...) a substituição de uma classe por outra não significa,
necessariamente a subsituição da classe dominante na sociedade”. No momento
que acontece modificações na correlação de força das classes, a Constituição é
repensada em consonância com a conjuntura histórica (Simões, 1987). Por isso,
segundo o autor, a alteração na Constituição pode expressar a distribuição do poder
entre a classe dominante com a classe dominada.
Esse perímetro de permuta entre as Constituições não incita um ato
revolucionário, mas se expressa pela compartilhação entre os poderes, onde
algumas reinvidicações da classe subalternizada comparecerão na Lei Maior.
Simões (1987, p. 15) dispõe que a outra condição para a designação de uma nova
Constituição seria por meio revolucionário, que “decorre do rompimento do quadro
de classes anterior, passando a classe dominada a dominante, ou no mínimo, a
classe até então dominante perdendo a hegemonia para a classe até enão
subalternizada”. Logo, segundo Simões, como a Constituição Federal de 1988, não
expressa uma Revolução da classe operária, significa que esta se caracteriza como
uma Constituição burguesa com gotas revolucionárias, expressa pelos direitos
sociais.
No contexto de redemocratização do Estado, a perspectiva do Serviço Social
sobre Democracia e Estado de Direito consitiu primeiramente, com sinônimo de
garantia de direitos sociais. Em 1987, na Revista Serviço Social & Sociedade n. 23,
esses temas serão contemplados dentro de outra perspectiva. Os assistentes
sociais reconheceram que o processo de transição democrática retrata o processo
46
Cf. Simões. Carlos. Revista Serviço Social e Sociedade. Número 20. São Paulo: Cortez, 1987, p. 5.
62

de consolidação da hegemonia burguesa. Assim, o Serviço Social passa a


considerar que o advento de uma nova Constituição, não exprime uma revolução da
classe trabalhadora, mas sim, como uma Constituição Burguesa, com pequenos
ajustes às demandas da classe trabalhadora. Isso significa que o Serviço Social
direcionou sua análise sobre o Estado de Direito, a partir de um referencial crítico,
entendendo esse processo não como uma conquista plena da classe trabalhadora,
mas sim como um projeto burguês, onde a classe trabalhadora conseguiu inserir
algumas conquistas sociais.

4.1.4 Sociedade Civil e Participação Sob a Ótica do Serviço Social


Reconceituado no Período da Redemocratização

A década de 1970 e 1980 foi marcada pela reconstrução da sociedade civil no


Brasil. Adjacente a esse cenário sóciohistórico de lutas sociais, o Serviço Social
reconceitualizava as bases da profissão. Rachel Raichelis e Cleisa Moreno Maffei
Rosa47 (1982) afirmam que, nesse período, fluiam duas nascentes quanto à
perspectiva reconceitualizadora: A primeira refere-se a setores profissionais que
passam a repensar sua prática profissional sob o aspecto da modernidade, e,
portanto, remodelam a profissão por meio da técnica. A segunda nascente alude à
parcela de assistentes sociais que delineará novos fundamentos de reconceituação,
a partir da compreensão dos processos sócio-políticos emergente na época. Dentro
desta perspectiva:
(...) pretendia-se criar um “novo” Serviço Social, descolado dos vínculos
que historicamente o marcaram, para colocar a profissão a serviço dos
processos organizativos e reinvidicatórios das classes trabalhadoras, que
começavam a mostrar sinas de recuperação após um largo período de
resistência velada (idem, 1982, p. 71).
O Serviço Social começou a atuar junto aos movimentos populares que
reivindicavam políticas sociais ao Estado. De acordo com Rosa e Raichelis (1985), a
partir de 1974 os movimentos populares multiplicaram-se e passaram a reconhecer
os problemas sociais como expressão de exclusão dos benefícios sociais. Segundo
as autoras, esses movimentos começaram a organizar-se nos bairros e periferias
das cidades, na luta por melhores condições de vida.
47
Em 1980, ambas eram professoras da Faculdade de Serviço Social da PUC-SP. Cf. RAICHELIS.
Raquel. ROSA. Cleisa M.M. Revista Serviço Social e Sociedade. Número 8. São Paulo: Cortez,
1982, p. 69.
63

Rosa e Raichelis afirmam que essas organizações populares apresentavam


dupla dimensão: constituíam-se como movimentos autônomos, mas dependentes do
Estado para consolidar suas demandas. Portanto, as autoras afirmam que, diante
desse fato, o Serviço Social dispôs-se a inteverir junto aos movimentos de forma a
fortalecer as organizações coletivas, quanto à afirmação de sua autonomia, e ao
mesmo tempo colaborar “(...) no sentido de socializar com a população um “saber
específico” a respeito da análise sobre o aparelho estatal” (idem, p. 89, grifo das
autoras). O Serviço Social se colocou a disposição das mobilizações populares,
colaborando com estratégias para fortalecer reivindicações que primavam por
políticas sociais do Estado.
Scandian (1982, p. 16), em artigo “O Conceito de Participação Social na
Perspectiva de Integração e Transformação Social” 48
afirmou que “ao mediatizar a
participação social das populações com as quais estabelece relações, o Serviço
Social tem possibilidades de contribuir para a institucionalização da contra-ideologia,
divulgando uma nova concepção de mundo”. Supõe-se, portanto, na ótica da autora,
que a participação social pode ser considerada como um elemento de ação
transformadora do Serviço Social (idem, 1982).
Safira Bezzera Amann no artigo “Considerações Críticas Sobre o Conceito de
Participação”, publicado na Revista referida em março de 1981, dispõe que a
participação, na lógica sociopolítica, significa a luta pela hegemonia das classes
dominadas, cujo processo inicial para o alcance de tal propósito se dá com as lutas
sociais49. Por conseguinte, a autora defende a participação como uma ação
transformadora, por meio da “conscientização e organização das classes
subalternas, tendo em visa a conquista de espaço político e a pressão por mudança
das estruturas globais da sociedade” (idem, 1981, p. 155-156).
Maria da Glória Marcondes Gohn, em artigo “Movimentos Populares Urbanos
e Democracia” 50
(1985), expôs que de 1975 a 1979 foram os movimentos populares
que comandaram as principais lutas, e não os partidos políticos. Segundo a autora,
nos anos de 1980, com a entrada dos movimentos integrados aos partidos políticos,
as mobilizações populares recuaram suas lutas. Gohn explica que a vitória de
partidos oposicionistas (democráticos) em 1982, fez com que os movimentos

48
Publicado na Revista Serviço Social & Sociedade nº 9.
49
Cf nota de rodapé pg 43 deste trabalho.
50
64

populares deixassem de exercer pressão sob o governo, e com isso retraíssem a


luta por demandas sociais.
Porém, isso não significa que a autora se posicione contra a ascenção dos
partidos oposicionistas ao regime militar, pelo contrário, ela dispõe que com a
entrada da oposição ao poder a participação comunitária deixa de ser um recurso
somente para certos setores do Estado, mas passa a se tornar o discurso
dominante. Contudo, Gonh (1985) afirma que para colocar efetivamente esse
discurso em prática, seria necessária a descentralização do poder, para que se
criassem mecanismos efetivos de participação popular.
Em 1988, Gonh retoma o debate sobre participação e movimentos sociais, em
artigo “Participação e Gestão Popular da Cidade”, fomentando que as lutas
populares constituíram-se em elementos importantes para a formação de uma
identidade popular. A autora explica que no período de redemocratização do país, a
participação estimulada pelo Estado tinha caráter econômico: “resolver problemas
urgentes para os quais não há verbas -, a médio e longo prazo, e objetivos políticos,
de opor à presença de organizações e partidos políticos junto às massas que
começam a se organizar” (idem, 1988, p. 42). Segundo a autora, a estratégia do
governo seria institucionalizar direitos, de tal forma que retirasse o foco da
contradição entre as classes. Gonh explica que para alcançar a transformação social
por meio da participação popular, requer que sejam criados novos direitos sociais,
que atendam a população, bem como a criação de espaços participativos que
possibilitem, além do atendimento de necessidades imediatas, a participação plena
dos indivíduos.
Dos artigos analisados, a fim de verificar a perspectiva do Serviço Social
sobre participação e sociedade civil na redemocratização, percebeu-se que a ênfase
maior dos assistentes sociais ao tratarem de Sociedade Civil, consisita em abordar a
participação dos movimentos populares, os quais reivindicavam políticas sociais ao
Estado. Portanto, o foco que deteve a percepção acerca da Sociedade Civil para
essas profissionais, referia-se às lutas sociais. Pode-se averiguar que a perspectiva
do papel da Sociedade Civil como propursora de disseminação de luta de classes,
não foi abordado nesses artigos. Já a participação foi tratada pelas profissionais
como ação transformadora, a qual acontece por meio da conscientização e
organização da classe trabalhadora, com o objetivo de conquistar espaço político e
pressionar o Estado a mudanças estruturais. A participação foi delineada como o
65

processo de luta pela hegemonia da classe subalterna, cujo passo inicial


consolidaria, com as lutas sociais, isto é, com a garantia de direitos sociais à classe
trabalhadora.
É extremamente necessário, no cenário capitalista, a luta por direitos sociais.
No entanto, é preciso que esse discurso não fragmente as luta de classes, à luta
pelos direitos do contrato social. É preciso que a classe trabalhadora, conquiste a
hegemonia desses espaços políticos, atrelando as lutas sociais, como luta de
classe.

4.2 A INCIDÊNCIA DE GRAMSCI NO SERVIÇO SOCIAL E A INFLUÊNCIA DE


SUAS TEORIAS NA FORMAÇÃO DO PROJETO PROFISSIONAL

Em 1980 a produção literária do Serviço Social adota tendências das Ciências


Sociais (SILVA & SILVA, 1995). Em consonância com as transformações na
sociedade capitalista, e percebendo o conflito de classes, a profissão aproximará
seu referencial metodológico da teoria crítico dialética. De acordo com Simionatto
(1999) o Serviço Social iniciou a aproximação à tradição marxista no início da
década de 1960, mas com o golpe da autocracia burguesa, esse processo foi
interrompido, sendo retomado na segunda metade da década de 1970.
Iamamoto (2000, p. 78) explica que “as respostas à questão social sofrem
alterações mais significativas nas conjunturas de crise econômica e de crise de
hegemonia no bloco do poder”. Como profissional interventivo nas manifestações da
questão social, o assistente social começa a perceber as contradições entre capital
e trabalho, e, portanto, passa a reconhecer a dimensão política de sua prática
profissional.
Segundo Simionato (1999), frente a essa nova conjuntura, a prática
profissional começa a se redefinir, rompendo com o projeto de hegemonia do poder
burguês, e se aproximando dos movimentos organizativos das classes subalternas.
A partir dessa nova perspectiva, assistentes sociais começaram a repensar suas
práticas realizadas no cotidiano profissional.
No final dos anos de 1970, o Serviço Social legitima o pensamento de
Gramsci no referencial metodológico da profissão: “(...) as contribuições teóricas de
Gramsci passaram progressivamente a ser incorporadas pelo Serviço Social,
66

abrindo novas possibilidades para pensar seus referencias teóricos e suas ações
interventivas” (idem, 1999, p. 185).
Concepções gramscinianas passaram a orientar reflexões aprofundadas
sobre a relação do Serviço Social com as classes sociais. Nasce o debate sobre o
papel do assistente social como intelectual orgânico de uma das classes
fundamentais. Iamamoto e Carvalho (2000, p. 87) autores do livro “Relações Socias
e Serviço Social no Brasil”, cuja primeira publicação ocorreu em 1982, dispõem que
o assistente social tem o papel de “contribuir na luta pela direção social e cultural
dessas classes fundamentais”. Os autores indentificam que a prática profissional do
assistente social, enquanto intelectual orgânico, esta relacionada com uma
dimensão política.
Dentro desse aspecto, entra em cena resignificações do Serviço Social
quanto ao papel do Estado, das classes e das ideologias forjadas para a
compreensão da realidade social (SIMIONATO, 1999). A perspectiva critica dialética
propiciará a compreensão da ideologia como arma consensual da burguesa para a
disseminação de seus valores na sociedade. Abreu (2002) define que a ideologia
pode ser utilizada tanto como instrumento de dominação, como pode ser elemento
de libertação. Este último ocorrerá, quando a classe dominada “romper a unidade
baseada na ideologia tradicional (...)” (Gramsci, 1976, p. 11, apud Abreu, 1999, p.
137).
Segundo Abreu (1999, p. 135) para que haja essa transformação, é
necessária a efetuação de “um imenso trabalho de crítica do pensamento tradicional
dominante e de elaboração/difusão de uma nova e superior concepção de mundo
(...)”. O assistente social como intelectual orgânico da classe dominada, pode,
através de sua intervenção, disseminar uma nova ideologia a qual consistirá em
arruinar a alienação, sustentada pela ideologia dominante, à classe trabalhadora.
Simionato (1999) explica que as ações profissionais do assistente social acontecem
junto à vivência cotidiana dos sujeitos sociais. Assim sendo, o Serviço Social pode,
por meio de sua própria prática politizada, colaborar para com a construção de uma
consciência de classe.
De acordo com Silva e Silva (1995, p. 154) “a transformação, num contexto de
totalidade histórico-social, implica uma nova formação ideológica, que, por sua vez
remete a nova cultura, a novos valores, a novas concepções de mundo”. Essa
67

revolução, política, econômica, moral, social e cultural far-se-por meio da


hegemonização projeto societário da classe trabalhadora.
O Serviço Social reconceituado, construiu, hegemonicamente, seu projeto
profissional em conformidade com o projeto societário da classe trabalhadora. Essa
conquista aconteceu no período de transição da ditadura para a democracia, no
momento que se debatiam projetos societários antagônicos no interior da profissão
(NETTO, 20?).
Esse projeto profissional de tendência marxista foi consolidado no processo
de resignificação da profissão, que foi construída a partir do enfrentamento crítico ao
conservadorismo profissional. Em si, a objetivação de um projeto profissional
consiste em exprimir direção política, ética e técnica para a profissão. Acerca disso,
Netto (20??, p. 4) diz que:
(...) os projetos profissionais apresentam a auto-imagem de uma profissão,
elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus
limites e funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais)
para o seu exercício, preescrevem normas para o comportamento dos
profissionais e estabelecem a base de suas relações com os usuários de
seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e

instituições sociais privadas e públicas (...).

A materialização do projeto profissional do Serviço Social referenciou-se no


Código de Ética Profissional (1986, 1993) na Lei que Regulamenta a Profissão (Lei
8.669, de 17 de junho de 1993) e nas Diretrizes Curriculares do Serviço Social
(1996). Esse conjunto de conquistas propiciou o direcionamento técnico, ético,
político e metodológico ao Serviço Social.
É no Código de Ética de 1986 que começam a aparecer os primeiros
ordenamentos acerca do projeto ético político da profissão. No entanto, Netto (20??)
afirmará que é com a revisão deste em 1993, onde foram inseridos tanto
contribuições teóricas do processo de reconceituação quanto novos elementos,
trazidos pelo debate contemporâneo da profissão, que trará maior expressividade
para a construção do projeto ético político do Serviço Social.
Esse Código de Ética dispõe de princípios que demostram o compromisso
ético político, assumido pelo assistente social, com a classe trabalhadora. Um dos
princípios fundamentais, dispostos neste Código, diz respeito ao exercício da
profissão de forma a romper com a ordem societária burguesa, e construir uma nova
sociedade, sem qualquer tipo de discriminação. Outro, destes princípios, prezará
68

pela defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da


participação da riqueza socialmente produzida. Isso presume que a democracia é
entendida pelo serviço social, como um instrumento “viabilizador da transformação
social” (SILVA e SILVA, 1995). Isso significa que, o Código de Ética faz distinção
entre a democracia apregoada pelo liberalismo, ao incitar o valor democrático
princípio ético-político, sendo esta, portanto, concebida como valor de organização
política para romper com a ordem burguesa (ABREU, 2006).
Além disso, constitui-se como direito do assistente social, disposto no artigo
12, alínea b, “apoiar ou/e participar dos movimentos sociais e organizações
populares vincualdos à luta pela consolidação e ampliação da democracia e dos
direitos de cidadania”, isso significa “(...) lutar para criar, no âmbito da democracia,
mesmo que em caráter parcial, os processos de participação que são típicos de uma
revolução” (Weffort, 1984, p. 113 apud Silva e Silva, 1995, p. 157). Supõe-se,
portanto, que o processo revolucionário para o Serviço Social, situa à perspectiva de
Gramsci quanto à revolução passiva. Isto é, a Revolução por meio da transformação
do aparelho do Estado (sociedade política), através da atuação da sociedade civil -
aparelhos privados de hegemonia, “a partir das lutas no campo da institucionalidade”
(ABRAMIDES, 2006, p. 102). Essa atuação precisa estar contida em uma direção
politica, que oriente os aparelhos privados de hegemonia a engendrar lutas, que
visem o novo projeto societário: socialismo.
A consolidação do projeto ético político profissional depende da manifestação
da hegemonia construída no interior da profissão. Esse processo iniciou com a
reconceituação, no contexto da redemocratização do país. A superação hegemônica
do conservadorismo no Serviço Social se deu com o ingresso do marxismo
enquanto referencial metodológico (MONTEIRO, [20??]). A aproximação em
Gramsci, enquanto marxista, aproximou o Serviço Social da concepção de Estado
Ampliado, entendendo a sociedade civil como espaço de luta para a consolidação de
uma contra hegemonia, colocando a classe subalterna como classe dirigente.
69

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atuação da Sociedade Civil no período de redemocratização do Brasil


demonstra que a luta das camadas populares em defesa da democracia e de
direitos sociais, institucionalizados pelo Estado, foi vencida. Em suma a ditadura foi
derrotada. No entanto, o que ocorreu de fato, é que com as transformações do
capitalismo, havia necessidade de abrir o cenário político e econômico do Brasil,
para as novas formatações desse sistema. Na intenção Liberal a abertura
democrática, seria apenas:
“(...) o regime mais adequado à expansão do capitalismo por facilitar os
fluxos de informação para o mercado e por possibilitar, através da
organização e explicitação de interesses, a contínua formação de elites
capazes de assumir a liderança política” (DURIGUETO, 2007, p. 141).
Em 1990, o Brasil se abre para o neoliberalismo, ou seja, ocorre a
reformatação dos fundamentos liberais. Nesse mesmo ano, a eleição para
presidente seria ganha pela “elite brasileira”, cujo representante foi Fernando Collor
de Mello. De fato, a entrada da democracia no cenário brasileiro proporcionou
propósitos Liberalistas.
Porém, de qual democracia estamos falando? Seria, portanto, uma
democracia liberal? Que prevê direitos forjados sob uma perspectiva de proteção e
garantia da propriedade privada pelo Estado? Exatamente! As revoluções burguesas
externizaram direitos políticos e civis, que vissasem a não interferência,
impedimentos ou restrições, tanto do Estado como da classe subalternizada, nos
interesses das classes dominantes.
A atuação da Sociedade Civil no período de redemocratização se deu de
forma a “(...) [promover] forte socialização e “ampliação” do Estado, modificando sua
morfologia e sua atuação, mas não [conseguindo] determinar sua orientação”
(NOGUEIRA, 2011, p. 109). Os aparelhos de hegemonia privados não conduziram a
movimentação democrática a um processo revolucionário.
Os movimentos populares emergentes nesse período reivindicavam do
Estado políticas sociais institucionalizadas. O foco principal era a luta por direitos
sociais. O surgimento da força sindical de esquerda abriu portas para um discurso
politizado acerca do conflito entre as classes sociais. Sindicatos e novos partidos
70

políticos se aproximaram de uma linha conceitual marxista. Contudo, apesar das


organizações e mobilizações da Sociedade Civil, a hegemonia da classe
trabalhadora não foi conquistada, isto é, “(...) a possibilidade de construir uma nova
forma de consenso e consentimento” (NOGUEIRA, 2011, p. 106-107) não
aconteceu.
Mas afinal, qual era o projeto societário defendido pela Sociedade Civil nesse
contexto? Como explica Durigueto (2007, p. 140, grifos da autora) a liberalização
democrática foi comandada pelo “alto”, ou seja, “um projeto liberal conservador”.
Isso signfica que, a Sociedade Civil colaborou com o projeto societário da burguesia.
Na realidade, a classe dominante, não perdeu seu posto, mas reconfigurou suas
bases para a chegada do “novo” liberalismo.
A coerção, exercida pela própria burguesia, por meio do aparato do Estado,
tornou-se a estratégia para conseguir o consentimento da Sociedade Civil em aderir
à democracia liberal consensualmente. Dessa forma “(...) a luta contra a ditadura
militar resumia-se à luta da sociedade civil contra a burocracia autoritária, reinante
no Estado” (DURIGUETO, 2007, p. 143). Portanto, a defesa da Sociedade Civil pela
democracia significava, nessa perspectiva, o fim do exercício dominador e coercivo
do Estado.
Outra manobra burguesa para conquistar o consenso da Sociedade Civil
quanto ao projeto democrático consistiu no discurso de institucionalização dos
direitos sociais com o advento do regime político democrático. Como dispõe
Durigueto (2007, p. 142, grifo da autora) “(...) a sociedade civil teria sua centralidade
política em torno da reivindicação feita ao Estado, colocando ‘concretamente
alteranativas’”.
Nessa perspectiva, o Estado de Direito seria um marco para a Sociedade
Civil, a qual disporia de espaços, assegurados pelo Estado (no contrato social), para
apresentar suas demandas a este próprio agente violador de direitos. Uma
característica importante da Sociedade Civil no período da ditadura militar seria a
sua desvinculação com o Estado. Com a proposta do Estado Democrático de
Direitos, o Estado teria o controle da Sociedade Civil, institucionalizando-a. Em
contrapartida, a proposta seria de que ela é que faria o controle social do Estado.
A burguesia utilizou-se dessa artimanha política para conter as lutas sociais, e
principalmente, abafar o conflito entre as classes, tendo em vista manter a ordem de
maneira consensual. Assim sendo:
71

(...) percebemos que [...] a nossa “transição para a democracia” não


significou, para além de um projeto que se esgota na normalização e
vigência das instituições que corporificam a democracia política, uma efetiva
ampliação e universalização dos direitos sociais de cidadania, tão
demandados pelos sujetiso e pelas organizações das classes subalternas.
Com isso, a democracia passa a ser percebida, por esses sujeitos e suas
organizações, como meramente adjetiva, reduzindo-se à defesa da
existência das “regras do jogo” de padrões de convivência democrática
(DURIGUETO, 2007, p. 148-149, grifos da autora).
A Sociedade Civil pode ser utilizada para a representação de interesses
individuais, mas também de interesses coletivos, isso dependerá de que projeto
societário esta buscará consolidar por meio do consenso. Numa visão conservadora
a Sociedade Civil poderá fomentar os interesses individuais, por meio de um
pensamento de solidariedade e filantropia, disseminando valores positivistas. Na
representação dos interesses coletivos, a Sociedade Civil pode fortalecer a
soberania popular e desconstruir preceitos alienantes, por meio de um projeto de
classe contra hegemônico.
O Serviço Social, como defensor de uma nova “ordem societária” (grifo nosso)
precisa romper totalmente com o messianismo infiltrado dentro da prática
profissional. É preciso visualizar sua intervenção para além do imediatismo, tendo
em vista a disseminação de uma consciência de classe que possibilite o rompimento
com a reprodução da exploração da força de trabalho.
72

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