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FACULDADE DO MARANHÃO

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

SAMIA CRISTINA MARQUES SERRA

São Luís
2019
SAMIA CRISTINA MARQUES SERRA

ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DO ADOLESCENTE: UM ESTUDO DE CASO


NO ABRIGO LUZ E VIDA NO MUNICÍPIO DE SÃO LUIS-MA

Monografia apresentada ao Curso de


Serviço Social da Faculdade do
Maranhão, para obtenção do grau de
Bacharel em serviço social.

Orientador: Cristinno Farias.

São Luís
2019
Serra, Samia Cristina Marques Serra

Acolhimento Institucional do adolescente: um estudo de caso no


abrigo luz e vida no município de São Luis-MA / Sâmia Cristina
Marques Serra. – São Luís - MA, 2019.
56 f. il. Impresso por computador (fotocópia). Orientador: Profº.
Cristinno Farias

Monografia (Graduação em Serviço social) – Curso de serviço social,


Faculdade do Maranhão, 2019.

CDU-
SAMIA CRISTINA MARQUES SERRA

ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DO ADOLESCENTE: UM ESTUDO DE CASO


NO ABRIGO LUZ E VIDA NO MUNICÍPIO DE SÃO LUIS-MA

Monografia apresentada ao Curso de


Serviço social da Faculdade do
Maranhão, para obtenção do grau de
Bacharel em Serviço Social.

Orientador: Cristinno Farias

Aprovada em / /

BANCA EXAMINADORA

____________________________________

____________________________________________
Examinador

____________________________________________
Examinador
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 6
2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA INFÂNCIA POBRE NO BRASIL..........................
3 LEGISLAÇÕES VOLTADAS AO ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS NO BRASIL.
4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACOLHIMENTO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES
NO BRASIL...............................................................................................................25
5 DESAFIOS E AVANÇOS DO ABRIGO LUZ E VIDA NO ATENDIMENTO A
CRIANÇAS ...............................................................................................................
5.1– Histórico do abrigo..........................................................................................
5.2 – Rotina de atendimento...................................................................................
5.3 – Desafios/limites..............................................................................................
5.4 Avanços e possibilidades.................................................................................
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................
REFERÊNCIAS.........................................................................................................
APÊNDICE................................................................................................................
1 INTRODUÇÃO

Atualmente o Brasil apresenta dados alarmantes sobre crianças e jovens


vivendo em condições de abandono e sem os mínimos direitos básicos para a
sobrevivência e desenvolvimento. Uma violação de direitos sociais e econômicos,
dos quais sua escassez contribui para o total descaso com essa parte da população,
principalmente entre as classes menos favorecidas economicamente e que
necessitam de abrigo, acolhimento e cuidados.
O acolhimento de crianças e adolescentes – por se encontrarem órfãs,
em função de abandono, com impossibilidade temporária de cuidado familiar, ou
devido à violação de direitos – é uma medida protetiva de caráter excepcional e
provisória até que seja viabilizado o retorno ao convívio com a família de origem ou
o encaminhamento para família substituta, ou ainda, a preparação para a
independência com a maioridade.
No Brasil, 7,9 milhões de adolescentes com idades entre 12 e 17 anos
vivem em famílias extremamente pobres. Esse fato contribui para que crianças e
adolescentes sejam acolhidos e apresentem dificuldades de serem reinseridos nas
suas famílias de origem, uma vez que a pobreza representa um relevante
determinante para o acolhimento. Outros fatores que induzem o acolhimento são: a
violência doméstica, alcoolismo e uso de drogas, doença mental dos pais, falta de
cuidador em casa, entre outros, os quais influenciam o aumento da vulnerabilidade
social.
O termo “situação de rua” foi criado para afastar e remover o descrédito
que soava negativo como as expressões “menor” ou “mendigo’’. A situação de rua
pode se dá de várias formas por vários motivos que iremos citar no decorrer desta
monografia.
O motivo da escolha deste tema surgiu após experiências vividas no
curso de Serviço Social que despertou um olhar mais atento para as necessidades
destes menores. Durante pesquisas realizadas com visitas à instituições/abrigos e
estudos de obras das quais deram os parâmetros seguidos pela presente
monografia expõe-se a falta de trabalhos acadêmicos sobre o tema debatido nesta
Instituição de Ensino Superior.
Dessa forma utilizada neste estudo será empregada em uma abordagem
que será feito um estudo de campo no Abrigo Luz e Vida, será também utilizado em
pesquisas de materiais já publicados na internet, livros, artigos e bases de dados
Scielo.
O objetivo é analisar a situação dos jovens internos do Abrigo Luz e Vida
dentro do contexto do acolhimento institucional e o cumprimento das Leis que os
resguardam nesse âmbito.
A metodologia utilizada foi descritiva de caráter exploratório, com
pesquisa documental e abordagem quantitativa, com método teórico de pesquisa
bibliográfica. Sendo utilizado como instrumento de coleta de dados, questionários
semi-estrututrados, aplicados onde os sujeitos pesquisados são os 3 internos que
encontram-se hoje acolhidos no abrigo, sendo que dois são do sexo masculino e um
12 anos e o outro 15 anos de idade e uma jovem já chegando aos 18. Sobre as
condições em que se encontram na instituição, bem como suas perspectivas.
No primeiro capítulo apresentamos a contextualização dos aspectos
históricos da infância e adolescência pobre no Brasil que levam a uma série de
situações de abandono, violência, abusos e risco à dignidade do adolescente,
trazendo um roteiro histórico que perpassa desde a antiguidade da idade média até
os dias atuais.
No segundo capitulo iremos abordar as legislações vigentes em prol do
acolhimento de crianças e adolescentes no Brasil enfatizando os movimentos sociais
de proteção à infância e ao adolescente, observando a evolução das leis que
asseguram a proteção e ressocialização destes.
O capítulo seguinte discorreu sobre as políticas públicas sobre o
acolhimento a criança e adolescente no Brasil, sendo que todas as discussões foram
feitas sob a luz da literatura consultada nesse âmbito, o que nos respalda para fazer
as considerações e apontamentos sobre o que foi abordado e coletado durante a
pesquisa de campo no abrigo.
As discussões foram feitas sob a luz da literatura consultada, o que nos
respalda para fazer as considerações e apontamentos sobre o que foi abordado e
coletado durante a pesquisa de campo no abrigo. Aspectos como histórico da
instituição, roteiro de acolhimento, desafios e limites e os avanços no âmbito do
acolhimento naquela instituição.
2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA INFÂNCIA POBRE NO BRASIL

Segundo ARIÉS (1981) na Idade Média a infância era considerada uma


época de inexperiência de incapacidade de corresponder por à aquelas demandas
sociais mais intricadas.
A criança era tratada de igual pra igual perante ao adulto era vista como
uma forma espécie de miniatura de um adulto, por esse motivo eram mantidas as
mesmas funções, trabalhavam nos mesmos locais, usavam os mesmos trajes eram
tratadas da mesma forma que os adultos.
Neste período não havia diferença entre uma criança de adultos, porém
havia um fator que poderia fazer a diferença e esse fator estava determinado na
estatura, para os adultos assim q as crianças atingissem a estatura de um adulto,
essa criança já a consideravam uma criança com independência física perante ao
adulto.
Na época formar um ser responsável independente era formar alguém
para servir isto é as crianças aprendiam a ajudar os adultos por meio do trabalho. E
isso era algo imposto trabalhar para ajudar.
Adolescentes que vivem nas ruas, que deixaram seus lares por maus
tratos, violência, essas sofridas dentro de casa ou por pessoas próximas ou por
vícios e, que acabam por ficarem à mercê da própria sorte. Crianças e adolescentes
que deveriam ser protegidos cuidados, podendo está na escola recebendo educação
para assim ter um futuro bom, ficam à mercê dos perigos das ruas da criminalidade
e todo tipo de mal.

No Brasil a cultura política está em construção desde o Brasil Colônia, com


ênfase na convivência harmônica entre forças que são, em realidade
antagônicas, o que é mais notado no final do século XIX. Nesse período a
tentativa de harmonizar cuidados com a população incidem, principalmente,
na atenção à saúde. As crianças se tornam um dos principais objetos
dessas ações, que visam demonstrar alguma atenção médico-higientista
(SALES, 2007).

Naquele período, tendo a instituição religiosa e a concepção de caridade


pelos sujeitos como mediadora de tal ação, difunde-se essa ideia, partindo dos
preceitos de Bazílio (1998), quanto à primeira fase da história do atendimento à
infância no Brasil, descrita e caracterizada como filantropia ou assistencialismo, que
vê a criança disposta à caridade e não aos direitos. Destaca-se, então, a chegada
dos Jesuítas em 1549 e, consecutivamente, a tentativa de incutir valores
civilizatórios e religiosos nos povos indígenas (SALES, 2007).
Segundo Couto e Melo (1998) o uso de tais elementos, para uma
conversão baseada na submissão e temor a um Deus e um rei, podendo, assim,
utilizar-se ideologicamente e, ainda, economicamente daquela mão de obra se
tornaria mais fácil e obvio. Assim, os Jesuítas, ao se depararem com os costumes e
crenças dos nativos mais velhos, encontraram extremas dificuldades e resistência
para modificar seus hábitos abomináveis e pecaminosos o que os Remeteram ao
ensino dos curumins, as crianças indígenas, que estritamente exalavam
passividade.

Então os alvos fáceis para as instruções da nova civilização eram acolhidos


juntamente com os orphãos da terra nas instituições mantidas pela missão,
as Casas de Muchachos, ao qual seriam responsáveis por tal atendimento.
Surgindo nesse contexto, a infância tutelada de nosso país e Inicia-se com
isso a prática de segregação das crianças pobres em instituições (COUTO e
MELO, 1998).

Assim, essas casas eram aporte para a sedimentação do novo modelo de


civilização, um lugar disciplinar e correcional, que ideologicamente mostraria o
caminho que estas crianças deveriam seguir rumo ao futuro. Porém, quando
adolescentes, tinham que abandonar as instituições, as autoras afirmam que alguns
voltavam para suas tribos e retomavam a cultura, mas, os que não se adaptavam a
ela novamente, ou os que não tinham família, ficavam expostos nas ruas.
O mesmo autor explana que:

[...] Órphãos da terra, crianças oriundas das ligações entre os brancos ou


negros e mulheres índias, que normalmente eram abandonadas por suas
mães. Os índios acreditavam que o parentesco verdadeiro vinha pela parte
dos pais; assim sendo estes não faziam parte do seu povo [...] (COUTO;
MELO, 1998, p. 20). 387

Pode-se considerar, frente a esse momento, como o início da formação


em nosso país de um aglomerado urbano, a massa da população que não pertencia
a nenhuma etnia e que caminhavam para uma problemática social infinda em
posturas de enfrentamento que não é evidente só naquele momento, mas até os
dias atuais, como o início da formação de pessoas em situação de rua, na pobreza e
desassistidos de qualquer direito.
Mas as questões envolvendo os cuidados com a criança são mais
evidentes com o passar dos tempos, em 1693 Rizzini (2000) registrou um episódio
que envolveu uma autoridade pública na Capitania do Rio de Janeiro, que indignado
por ver crianças nas ruas, devoradas por cachorros e ratos, escreveu uma carta a
Portugal, solicitando um alvará para a criação das Casas para Expostos. De acordo
com esse registro, pode-se inferir que é no final do séc. XVII que surgem no Brasil
os primeiros indícios de assistência social, enquanto ação do Estado e da iniciativa
pública.
Mais tarde, em 1726, foi criada, na Bahia, a primeira Casa para Expostos,
ocorrendo a mesma iniciativa em 1738, no Rio de Janeiro. As crianças abandonadas
passaram a se constituir no grande alvo da legislação que vigorava no Brasil colônia.
O método de recolhimento utilizado pelas entidades assistenciais da época incluía
uma roleta onde crianças, oriundas de famílias pobres ou ricas, eram deixadas sem
que se pudesse identificar quem as abandonava. Vale ressaltar que este método
apresentava caráter controvertido, sendo utilizado também por famílias ricas, como
forma de proteção a pessoas que tinham filhos fora do casamento, sendo estes
vítimas de abandono moral.
Segundo Marcílio (1998) a centralidade que o sistema das Rodas de
expostos assumiu, enquanto forma de assistência à criança abandonada durante o
século XIX. As crianças abandonadas eram recolhidas pelas entidades reconhecidas
como obras de misericórdia nas quais prevalecia o sentido da caridade cristã.
Conforme a referida autora: Depois de instaladas as Rodas, e firmada sua tradição
entre o povo, a quase totalidade das crianças enjeitadas nas cidades onde
funcionavam as maiores instituições foi nela depositada. Na cidade de São Paulo,
por exemplo, entre 1849 e 1889, 80% dos expostos batizados na Sé foram deixados
na Roda, contra apenas 16% encontrados nas portas de casas, e 4% nas ruas [...]
Os bebês encontrados pelas ruas logo eram encaminhados pela chefatura de polícia
para a Roda dos Expostos. (MARCÍLIO, 1998, p.146).
A instituição religiosa, intensificando seu trabalho junto às crianças
abandonadas, instituiu nas Santas Casas de Misericórdia a Roda dos Expostos,
caracterizada por Couto e Melo (1998) como um dispositivo giratório de madeira, de
forma que a criança era depositada no compartimento cilíndrico, e a identidade do
depositante ficava em extremo sigilo.
Custódio e Silvestre (2003) apontam este sistema, ainda que caritativo,
como a visualização do início de um modelo de política de atendimento à criança.
Desta forma, o abandono é institucionalizado e é possível classificar
quantitativamente os que necessitavam do atendimento. Essas crianças, ainda
enfrentariam extremas dificuldades quanto às condições de higiene deste local.
Apesar de tudo, as crianças que sobreviviam eram encaminhadas pelas Santas
Casas às criadeiras.
Couto e Melo (1998) ressaltam que quando as crianças completavam 8
ou 9 anos eram encaminhadas para fazendas. Nestes locais iriam trabalhar e, em
troca, ganhariam a chamada soldada, que era uma 2 Além dos índios, havia os
mulatos, e os ex-escravos. População advinda do processo de imigração do período
Brasil Colônia.
Na questão da criminalização desses menores Couto e Melo (1998)
afirmam que o aparato policial nesse momento, passou, significativamente, a ter um
papel fundamental na ação de controle da criminalidade. Esses sujeitos fadados à
pobreza, que representavam um risco ao processo de progresso de nosso país e
aos cidadãos que ela compunha, eram depositados nos presídios da época,
chamados de Casas de Correção que, e por não haver locais específicos para
crianças, as que cometessem crimes, ou estivessem abandonadas nas ruas,
considerados por causa da pobreza, à margem de cometer tal ato, eram dados o
mesmo destino assim, Couto e Melo (1998, p. 24) discursam que por meio deste
acontecimento, [...] podemos constatar, nesse período, uma nova modalidade de
atendimento à infância. Agora não só as crianças abandonadas seriam tuteladas,
mas também aquelas que praticassem alguma infração.
Marcílio (1998) explica que durante a passagem da Monarquia para a
República, entre o final do séc. XIX e início do séc. XX houve uma explosão
demográfica no Brasil e o número de habitantes triplicou, passando de 10 para 30
milhões. Naquela época, as pessoas com menos de 19 anos de idade
representavam 51% da população. Essa passagem foi significativa para a história da
legislação brasileira em relação à criança.
Em contrapartida do crescimento e industrialização no país, A
urbanização do país traz o aumento dos problemas sociais, tratados a partir de
então, como questão social. Marcílio (1998) destaca o lado perverso deste
movimento:
A pobreza aumentou e tornou-se ainda mais visível nos centros urbanos.
Multiplicaram-se as habitações precárias, as favelas e os cortiços nas
grandes cidades. Esses mesmos fatores favoreciam a exploração da mão-
de-obra urbana e despreparada, remunerando-a com salários aviltados e,
principalmente, explorando o trabalho feminino e o trabalho infantil.
(MARCÍLIO, 1998, p.192).

A literatura aponta que, naquele contexto, os médicos higienistas e os


juristas destacaram-se enquanto força político-social emergente. Os médicos
assumiram um importante papel junto às autoridades públicas, com ações
interventivas sobre a pobreza, buscando-se uma estratégia de medicalização da
cidade, a partir do fechamento dos cortiços e da proibição de novas construções
deste tipo. Assim, o cortiço também foi alvo da legislação à época (por volta de
1890), onde (...) germinava o mal que colocava em risco a saúde da população
como um todo. (VALLADARES, 1991:86).
Para Marcílio (1998), o combate à mortalidade infantil; cuidados com o
corpo; indicações para a alfabetização de crianças; educação das mães; campanhas
de higiene e de saúde pública são as novas demandas geradas pela atuação dos
médicos higienistas. Vale ressaltar que estes profissionais foram os primeiros a
lutarem pela extinção da Roda dos Expostos. Conforme Valadares (1991): o termo
Questão Social significa a eclosão da pobreza no Brasil a partir da década de 1950,
causada, dentre outros fatores, pelo movimento migratório gerado pelo processo de
urbanização do país. (VALADARES, 1991).
Assim a questão de crianças e adolescentes em situação de abandono
está muito relacionada à questão da pobreza, onde o abandono e a falta de políticas
públicas mais efetivas sempre agravam esse problema. Nesse contexto passamos
ao próximo capítulo abordando as legislações que favorecem o acolhimento de
crianças e adolescente no Brasil, como foco na garantia dos direitos previstos e na
obrigação do cumprimento dos mesmos.
3 LEGISLAÇÕES VOLTADAS AO ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS NO BRASIL.

É notório que haja, no Brasil, grande deficiência na atuação de políticas


públicas estruturais voltadas para a criança e o adolescente em situação de
abandono, e as que existem ainda são pouco aplicadas ou ignoradas pelos órgãos
competentes. Mesmo com a previsão da Constituição Brasileira no artigo 227 que
determina no Estatuto da Criança e Adolescência como dever da família e do Estado
assegurar a criança e o adolescente como prioridade absoluta ao direito a vida,
educação, saúde, respeito etc., direitos básicos que todo cidadão merece ter.
Antes da roda dos expostos, citada no capítulo anterior, os meninos
teriam que passar por câmeras municipais e dificilmente a municipalidade queriam
assumir tal responsabilidade sobre os pequenos abandonados e o que eles
alegavam era justamente a falta de recurso financeiro. Havia centenas de casos com
falta de comprometimento pois era um serviço que dava muito trabalho.
Os juristas, no final do século XIX, passaram a buscar teorias e soluções
para a questão da infância desvalida. Inspirados por experiências alhures, como a
italiana e a francesa, propagavam o discurso da ordem e da disciplina, necessários
para refrear a tendência natural ao crime.
Conforme Marcílio: Medicina e Direito reelaboraram, então, suas
propostas de política assistencial, enfatizando a urgência na reformulação de
práticas e de comportamentos tradicionais e arcaicos [...] Criticavam a velha
assistência caritativa e davam ênfase à cientificidade da filantropia. (MARCÍLIO,
1998, p.194).
O significado e a repercussão que teve tal movimento naquela conjuntura
podem ser expressos, por exemplo, na simbologia emblemática do discurso do
Senador Lopes Trovão, em 1896, citado por Rizzini (2000) cujo fragmento diz: [...]
temos uma pátria a reconstruir, uma nação a firmar, um povo a fazer e para
empreender essa tarefa que elemento mais útil e moldável a trabalhar do que a
infância. São chegados os tempos de trabalharmos na infância a célula de uma
mocidade melhor, a gênese de uma humanidade mais perfeita. (LOPES TROVÃO
apud RIZZINI: 2000, p. 37)
É nesse desenrolar de perspectivas e contradições que o deputado
Alcindo Guanabara em 1906, apresenta o primeiro Projeto de Lei, na Câmara dos
Deputados, que trata da assistência e proteção à infância a partir da visão da ordem
e da higiene. Durante 20 anos, esse projeto foi debatido e negociado; em 1927, foi
promulgado o Código de Menores, chamado de Código Mello Matos, por ter sido ele
o primeiro Juiz de Menores do Brasil e da América Latina. (CONANDA, 2009, p. 16).
O objetivo desse projeto era limpar as ruas, retirando tudo que pudesse
oferecer perigo á segurança das pessoas ou não tivessem função qualquer, no caso
os menores pobres, como eram referidos pelas leis da época. O código era
direcionado para crianças e adolescentes de 0 à 18 anos considerados
abandonados, segundo o Art. 6 era considerado um menor abandonado aqueles
“[...] que não possuíssem condições dignas de vida: por orfandade, por seus pais ou
responsáveis não possuírem condições para cuidá-los ou por induzi-los à vadiagem,
à mendicância ou à libertinagem” (MULLER; RODRIGUES, 2002, p. 69).
A partir de 1930 e até a criação da SAM (Serviço de Assistência ao
Menor), em 1940, dentre outras instituições, que priorizava o combate a
criminalidade e recuperar os menores infratores; na mesma década (1940) foi criada
pela primeira-dama Darcy Vargas a LBA (Legião Brasileira de Assistência), que
amparava os filhos de pais enviados ao combate na segunda guerra mundial
(MULLER, 2002)..
Mas foi somente nos anos 1960 que começaram as grandes mudanças
no que se refere a formas de assistência as crianças abandonadas. No ano de 1964
foi inserida a Política Nacional de Bem-Estar Social, política essa que era uma
organização social que tinha por finalidade garantir serviços públicos e proteção que
tinha como objetivo cuidar do menor delinquente cujo as disfunções sociais
contribuíam para os desafetos familiares.
De acordo com Gohn (1999):

Formular e implantar a política nacional sobre os menores, dentro de um


plano ideológico de segurança nacional. Para esta instituição, a família era
vista como a grande responsável pela situação do menor à margem da lei e
dos bons costumes, tendo condutas anti-sociais. (GOHN, 1999, p.116).

A partir de 1970, são implantadas em diversos Estados da federação as


FEBEM’s (Fundação Estadual do Bem Estar do Menor), como resultado da
articulação de um conjunto de instituições de recepção, triagem e internamento,
subdividindo os menores entre os carenciados e os considerados de conduta anti-
social. De acordo com Gohn (1999), estas unidades de internamento passaram a se
constituir como verdadeiras penitenciárias para menores, considerados marginais e
desordeiros. Quanto aos considerados menores carenciados eram atendidos de
forma fragmentada e discriminatória. Para estas crianças a FEBEM proporcionava
uma educação e formação que apenas permitia uma inserção subalterna no mundo
do trabalho ou da sociedade, como a formação para matrimônio e para o trabalho
doméstico oferecido para as meninas internas.
Ainda nos anos 70, percebem-se alguns enfoques dados à questão do
menor abandonado como a atenção da imprensa e dos órgãos de comunicações; a
criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para avaliar as denúncias
de violência contra as crianças e os adolescentes; e a nova roupagem dada ao
Código de 1927, quando sofreu, em 1979, uma reformulação em que se introduziu a
doutrina da situação irregular do menor. Regulamentado pela Lei 6.697, de 10 de
Outubro de 1979, este Código reconhece que a privação das condições de
subsistência, de saúde e de instrução à criança e ao adolescente, além da situação
de maus-tratos, castigos e da falta de assistência legal, ocorre por omissão dos pais
ou responsáveis. Neste sentido, a visão autoritária da política e a centralização dos
poderes do executivo e do judiciário estabelecem que a família e a criança sejam os
responsáveis pelas irregularidades (SILVA e MOTTI, 2001).
O mesmo autor afirma que em vários Estados e cidades foram instalados
a FEBEM (Fundação para o Bem Estar do menor). Os Juizados começaram a
encaminhar as crianças para essas fundações que lá permaneciam até serem
adotadas enquanto recebiam um bom tratamento e orientação pelas damas de
caridades que eram senhoritas na qual eram definidas como moças boazinhas e
bondosas e que se dedicavam voluntariamente.
Futuramente, chegaria a constituição cidadã de 1988, constituição essa
que visava os direitos Internacional das crianças. E logo em 1990 surge o Estatuto
da criança e doa adolescente (ECA) que vem assegurar os direitos das crianças e
dos adolescentes.
Ao final dos anos 70 a sociedade brasileira foi marcada pelas
manifestações de massa e por um forte movimento de repulsa e contestação à
ordem autoritária, visando à democratização do país. Neste quadro foi
desencadeado o processo de ruptura da ordem imposta pelo Código de Menores
através de forte mobilização popular e política, que visava à superação da ordem
repressora para a institucionalização democrática, participativa e descentralizada.
Este processo de mobilização da sociedade civil e de organização e luta dos
movimentos sociais pelo reconhecimento dos direitos sociais, buscava uma nova
institucionalidade que implicava tanto a democratização do Estado como a
participação da Sociedade Civil na gestão pública. Nos anos 80, a discussão das
políticas sociais ganha relevância pelo seu caráter de mediação entre as demandas
sociais e os interesses estatais em implementá-las. Naquela década iniciou-se o
processo de redemocratização brasileiro, cujas principais características eram o
surgimento e criação de espaços, conceitos e estratégias que passaram a integrar a
relação Estado/Sociedade Civil.
Os Movimentos Sociais lutavam nas ruas pela volta do Estado de direito.
Destaca-se aqui a criação de alguns espaços de discussão sobre os direitos
infantojuvenis, como o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua; o
Movimento de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Fórum Nacional
Permanente de Entidades Não- Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança
e do Adolescente - Fórum DCA (RAICHELIS, 1998).
Conforme Gohn (1999), naquele cenário marcado pelo fracasso das
políticas oficiais (1986/1988) de atendimento às crianças e aos adolescentes e
conseqüentemente do antigo Código de Menores, emerge um movimento instituinte,
com ampla participação popular organizada pelos movimentos de luta em defesa
dos direitos infanto-juvenis, que contribuíram com o processo de descentralização
político-administrativa no campo das políticas sociais, em especial naquelas que
dizem respeito à situação de crianças e de adolescentes das classes populares,
cujos direitos sociais sempre estiveram ameaçados.

Trata-se de uma década em que grupos da sociedade organizada


impulsionaram uma abertura política que propiciou a construção de
estratégias de enfrentamento do descaso em que vivia a grande maioria da
população infanto-juvenil. Setores da sociedade civil compostos por técnicos
do UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância - da FUNABEM –
Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor e da SAS Secretaria da
Assistência Social, organizaram-se para enfrentar a problemática questão
dos meninos e meninas de rua através da integração de pessoas e de
recursos sociais (GOHN, 1999).

Em 1982 foi implantado o Projeto Alternativas Comunitárias de


Atendimento a Meninos de Rua. Nasciam, então, os primeiros Grupos Locais.
Durante a realização do 1º Encontro Nacional dos Grupos Locais nos dias 13 a 16
de junho de 1985, em Brasília, houve uma assembléia na qual foi constituído o
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua - MNMMR. Nascia, então, o
MNMMR, como órgão autônomo e não governamental. No ano seguinte à sua
criação, foi realizado o Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua, reunindo
crianças e adolescentes de todo o país, onde foram apontadas e discutidas
questões referentes à saúde, família, trabalho, escola, sexualidade, direitos, entre
outras. Neste encontro, enfatizou-se ainda, a questão da violência contra crianças e
adolescentes praticada na família, nas ruas e instituições de abrigamento
(SCHLICHTING, 1997)
Para Santos (1992, p 22) Os impactos desse encontro refletiram-se na
necessidade de inclusão dos direitos infanto-juvenis na constituinte que deu origem
à Constituição Federal de Dessa forma, o MNMMR articulado com outras entidades,
como a Pastoral do Menor da CNBB, Comissão Nacional da Criança e Constituinte,
e envolvendo os Ministérios da Educação, Saúde e Justiça, desencadeia uma ação
voltada para a sensibilização da opinião pública e dos constituintes, através de
manifestações, encontros nacionais, debates, divulgação de denuncias de violência
contra crianças e adolescentes nos meios de comunicação, que culminou com a
reunião no Congresso Nacional de representantes do segmento infanto-juvenil que
apresentaram uma pauta de reivindicações contendo 1,4 milhões de assinaturas de
crianças e adolescentes brasileiros.
Essa manifestação resultou na elaboração/inclusão de duas emendas de
iniciativa popular, denominadas Criança Constituinte e Criança Prioridade Nacional,
na Constituição Federal de 1988, Art. 227, que diz: É dever da família, da sociedade
e do Estado assegurar à criança e ao adolescente com absoluta prioridade o direito
à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL,
Constituição 1988).
Em 1988 e 1989, o MNMMR priorizou em sua plataforma de luta a
questão do fim do extermínio de crianças e de adolescentes. Na cidade do Rio de
Janeiro o levantamento do número de adolescentes assassinados entre os anos de
1985 e 1989, apontou um total de Diante desta evidência e através da organização
de grandes manifestações, projetou-se uma discussão em nível internacional,
favorecendo a inserção de ONG s internacionais na luta pela questão do menor no
Brasil. (SANTOS, 1992).
Gohn (1999) afirma que, como desdobramento desse processo de
mobilização, o II Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua, realizado em
Brasília, em 1989, contou com a participação de movimentos e entidades
organizadas da sociedade civil brasileira, assim como órgãos estrangeiros, a citar a
ONU Organização das Nações Unidas - a OEA Organização dos Estados
Americanos - o UNICEF Fundo das nações Unidas para a Infância - e o DCI
Defense for Children Internacional.

Naquele período, o MNMMR constituiu-se enquanto referência na luta em


defesa dos direitos da população infanto-juvenil na sociedade brasileira,
sendo que, a partir da segunda metade dos anos 80, redefine seu papel,
pautando sua atuação em três princípios: 1. participar ativa e criticamente
na formulação de políticas sociais; 2. fiscalizar e exigir qualidade na
execução das políticas sociais; 3. denunciar as omissões, transgressões e
quaisquer violações aos direitos da criança e do adolescente. o MNMMR:
[...] busca alterar seu perfil de atuação para a década de 90 (GOHN, 1999,
p. 121).

A denúncia assume a forma de fiscalização, e a proposição básica passa


a ser da cooperação na elaboração de políticas sociais. O Movimento passa a se
definir como uma ONG, sobrepondo esta face, da organização institucionalizada, de
ser ao fato de ser um movimento social. (GOHN, 1999, p. 121).
O mesmo autor, supracitado, ressalta que durante a década de 80, outros
movimentos também contribuíram para o reconhecimento dos direitos infanto-
juvenis. Destaca-se, entre estes, o Movimento de Defesa dos Direitos da Criança e
do Adolescente MDDCA que teve grande participação no processo de
reconhecimento oficial dos direitos sociais básicos da criança e do adolescente no
Brasil. Neste movimento, atuavam integrantes de ONG s; agentes que trabalhavam
diretamente com crianças; membros do Ministério Público; jornalistas, dentre outros.
O MDDCA, juntamente com entidades internacionais, insere o Brasil, em
1989 na discussão que deu segmento à Declaração Universal dos Direitos da
Criança, quando foi elaborado um documento, no qual a criança é concebida como
um ser em desenvolvimento, com características próprias desta fase, [...]
reconhecida como sendo constitutivamente dotada de qualidades intrínsecas, com
processos peculiares de desenvolvimento pessoal e social. (GOHN, 1999, p. 124).
A Convenção Internacional de 1989 causou impactos por toda a América
Latina, onde os Códigos de Menores legislavam à época. Outro espaço de
discussão dos direitos infanto-juvenis foi o Fórum Nacional Permanente de
Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
- Fórum DCA. Enquanto desdobramento do MDDCA, o referido Fórum surgiu em
1988, após a promulgação da Carta Magna do país. Sua composição, inicialmente,
era de 34 entidades não governamentais e seu objetivo era a promoção dos direitos
das crianças e dos adolescentes, através de discussões voltadas para o processo
de conscientização sobre os direitos de crianças e adolescentes, como visando para
a transformação social. Para isso, o Fórum estabeleceu os seguintes princípios: [...]
compromisso com os dispositivos da Constituição referente à criança e ao
adolescente; compromisso com a Declaração Universal dos Direitos da Criança;
trabalho solidário, ser um instrumento de potencialização das capacidades e de
superação das limitações de cada membro do Fórum; respeito à identidade, à
autonomia e à dinâmica própria de cada entidade membro. (GOHN, 1999, p. 126).
Todos esses movimentos contribuíram decisivamente na luta pelo
reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direito, tendo como
eixo-marco desse processo de luta, a incorporação dos direitos infanto-juvenis na
Constituição Federal de Trata-se de um momento de grande efervescência dos
movimentos constituídos em torno da defesa dos direitos de cidadania de crianças e
adolescentes no Brasil, que possibilitou maior visibilidade desse segmento no
cenário nacional dos anos 80.
Neste sentido, Silva e Motti (2001) afirmam que: A ruptura com o Código
de Menores situou-se num contexto de forte mobilização popular e política, na
mudança da ordem repressora para a institucionalização democrática, participativa e
descentralizada.

[...] No final dos anos 70, a sociedade brasileira expressou de forma clara,
através de manifestações de massa, o movimento de repulsa e rejeição à
ordem autoritária na luta pela democratização do país, pelas eleições
diretas para todos os níveis de governo e pelo desvencilhamento do
chamado entulho autoritário, que se manifestava não só na ordem legal,
mas no cotidiano das relações de poder. Febem e Funabem situavam-se
nesse entulho autoritário como um dos elementos do sistema de segurança
nacional ao qual estavam articuladas ideológica, política e juridicamente.
(SILVA e MOTTI, 2001, p. 27).

Neste sentido, enquanto os setores conservadores, optando pela doutrina


da Situação Irregular defendiam a manutenção dos princípios do Código de
Menores, indicando apenas algumas poucas alterações, os estatutários agregados
pelo movimento em defesa dos direitos da criança e do adolescente, lutavam pela
institucionalização do paradigma da doutrina da proteção integral.
Contudo, mesmo tendo havido essas diferenças quanto à concepção e
estruturação de um novo paradigma de defesa dos direitos da criança e do
adolescente essa diversidade de atores, acabou caminhando na busca de um
consenso, já que: [...] o momento era crucial para a união de todas as forças,
mesmo diferentes, na luta comum em defesa dos direitos de crianças e
adolescentes [...]. (SILVA e MOTTI, 2001, p. 50)
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o ano seguinte foi
de luta pela inclusão dos direitos infanto-juvenis tanto nas Constituições Estaduais,
como nas Leis Orgânicas Municipais. SILVA e MOTTI, fundamentando-se em
TORRES, destacam que: [..] com a aprovação dos artigos 227 e 228 da Constituição
Federal de 1988 e tendo em vista a necessidade de sua regulamentação, o FÓRUM
DCA adotou uma postura de abertura em relação à cooperação com setores do
Estado e assumiu a tarefa de articular, simultaneamente, a elaboração de um
anteprojeto, e a formulação de uma sintonia social e política que determinasse
vontade política em torno de sua aprovação. (SILVA e MOTTI, 2001).
A partir da articulação parlamentar em torno do Projeto de Lei que
regulamenta os artigos 227 e 228 da CF, que constituem o Estatuto da Criança e do
Adolescente, apresentado à Câmara e ao Senado, tem início o processo de
aprovação do ECA. Silva e Motti ressaltam ainda que o FÓRUM DCA tem uma
atuação decisiva no processo de aprovação do Estatuto da Criança e do
Adolescente, quando: mais uma vez, assumiu a responsabilidade de mobilizar os
diversos atores sociais, realizando durante cerca de um ano, diversas ações, como
debates, seminários, estudos, sensibilização e adesão de setores do Executivo,
mobilização social, negociações políticas, articulação com os setores jurídicos,
mobilização infanto-juvenil, Lobbies junto ao Congresso Nacional e campanhas na
mídia. (SILVA e MOTTI, 2001, p. 51).
Foi a partir desse amplo processo de mobilização social e política que o
Projeto de Lei que regulamenta os artigos 227 e 228 da Constituição Federal de
1988 foi votado e aprovado nas duas Casas Legislativas e sancionado pelo
Presidente da República, em 13 de Julho de 1990, denominando-se Estatuto da
Criança e do Adolescente. Posteriormente, em Setembro de 1990, o Congresso
Nacional aprovou também a Convenção sobre os Direitos da Criança e do
Adolescente que anteriormente havia sido aprovada pela Assembléia Geral das
Nações Unidas.
Essa confluência de grupos em luta pelo reconhecimento dos direitos
infanto-juvenis teve e continua tendo uma importância fundamental na efetivação
desses direitos no âmbito nacional, internacional e local. Em observação ao
significado de cidadania que é definido por Bonavides (2009) como:

O conceito contemporâneo de cidadania se estendeu em direção a uma


perspectiva na qual cidadão não é apenas aquele que vota, mas aquela
pessoa que tem meios para exercer o voto de forma consciente e
participativa. Portanto, cidadania é a condição de acesso aos direitos sociais
(educação, saúde, segurança, previdência) e econômicos (salário justo,
emprego) que permite que o cidadão possa desenvolver todas as suas
potencialidades, incluindo a de participar de forma ativa, organizada e
consciente, da construção da vida coletiva no Estado democrático
(BONAVIDES, 2009).

Assim, observa-se que foram muitas lutas no período de organização da


sociedade, especialmente nas décadas de 80 e 90, onde as ideias neoliberais e a
redemocratização do Brasil, arroladas ao crescimento do capitalismo em forma de
novas aberturas comerciais e tendências de globalização, acabam por ignorar os
direitos sociais, como os trabalhistas e igualitários.
Sobottka (2003), descreve que logo ao fim dos anos 80, houve uma
mudança no foco de atenções dos movimentos sociais para as ONG’s, resultando
num distanciamento em relação ao projeto de emancipação. O mesmo ratifica sobre
esse projeto, que:

Essa utopia, um sonho que parecia ser realizável nos movimentos sociais,
desde o final dos anos 1980 foi sendo reinterpretada em dimensões cada
vez mais modestas, despolitizada em suas conseqüências, e hoje está
praticamente esvaecida nas formas atuais de assistência social.
(SOBOTTKA, 2003, p. 48).

Percebe-se a desconstrução do conceito de cidadania como era


conhecida na antiguidade clássica não sendo a mesma cidadania por que lutamos
hodiernamente e a que almejamos concretizada nas gerações futuras. Nota-se que
há muito cidadania deixou de ser simplesmente o direito de votar e ser votado. Esta
significa mais, como ter educação de qualidade, saúde, informação, poder de
participação na condução das políticas públicas e igualdade de oportunidades.
Em relação à infância e à juventude, após 17 (dezessete) anos de
promulgação do ECA, a realidade aponta para uma incipiente efetivação de direitos
para a grande parcela desta população. Assim, pode-se afirmar que as ações
dirigidas a crianças e a adolescentes sempre estiveram encobertas por um falso
manto de proteção (Volpi, apud Nogueira, 2005), costurado com um discurso crítico
de compromisso, solidariedade e cuidado. Discursos mais eficientes seriam
construídos se o nível de consciência e organização de crianças e de adolescentes
atingisse a marca de uma participação proativa nessa luta.
Conforme Nogueira (2005):

A participação proativa de crianças e adolescentes, no mundo familiar,


social e político, passaria a se dar a partir deles próprios, e não como
concessão do mundo adulto e como decorrência de políticas, programas e
projetos artificiais que, no mais das vezes, promovem de fora para dentro
esse protagonismo e ao mesmo tempo o emolduram e domesticam.
(NOGUEIRA, 2005, p. 8)

No campo das Políticas Públicas, o conceito de protagonismo juvenil


passou a vigorar a partir da década de 80, atrelado à ideia de emponderamento.
Lulianelli (2003) trabalha com os aspectos contraditórios acerca deste conceito.
O referido autor aborda que a utilização do termo protagonismo juvenil por
educadores, está associada à participação solidária, enquanto mecanismo legítimo
de pressão social, centrando a questão da construção da cidadania e da
participação de todos os sujeitos sociais dentro de um modelo pedagógico. Por outro
lado, destaca o autor, esse discurso de empoderamento e protagonismo juvenil pode
ser visto como cortina de fumaça para dar continuidade a ações políticas de
endividamento externo, na medida em que esse discurso mascara a realidade e
serve apenas como retórica para a continuidade de investimentos no setor
econômico.
De acordo com Carvalho (2007):

O fenômeno da cidadania é complexo e historicamente definido. O referido


autor ressalta que o exercício de certos direitos, como o voto, não gera
automaticamente o gozo de outros direitos tais como, como a segurança e a
educação, existindo, então, um fosso entre a atividade prática do eleitor e
materialização de seus direitos, dependente de vontade política. Conforme
Carvalho (2007):
Uma cidadania plena, que combine liberdade, participação e igualdade
para todos, é um ideal desenvolvido no Ocidente e talvez inatingível. (CARVALHO,
2007, p. 9) Há que se ressaltar, ainda, a classificação dos cidadãos brasileiros feita
por Carvalho (2007), quanto à garantia dos direitos civis.
Para Carvalho (2007):

Os cidadãos brasileiros podem ser divididos em classes. Os da primeira


classe, os privilegiados, são os doutores, que estão acima da lei, que se
movem pelo poder do dinheiro e do prestígio social, personificados na figura
de empresários, banqueiros, políticos e altos funcionários; os cidadãos da
segunda classe, ao lado da elite privilegiada, são a grande massa de
cidadãos simples, que estão sujeitos aos rigores e benefícios da lei.

Estas pessoas são aquelas que, muitas vezes, não têm a mínima noção
de seus direitos, e mesmo que a tenham, carecem de apoio de órgãos e recursos
financeiros para que avancem no reconhecimento desses direitos.
Estes são representados por assalariados com registro em carteira,
pequenos funcionários e pequenos proprietários urbanos e rurais; finalmente, há os
elementos do jargão policial, cidadãos de terceira classe, constituída pela grande
população marginal dos grandes centros urbanos, sendo estes os trabalhadores
urbanos e rurais do setor informal, empregadas domésticas, biscateiros, camelôs,
crianças e adolescentes em situação de rua, mendigos (CARVALHO, 2007).
O mesmo autor, ressalta que:

Esses elementos são parte da comunidade política nacional apenas


nominalmente. Na prática, ignoram seus diretos civis ou os têm
sistematicamente desrespeitados por outros cidadãos, pelo governo, pela
polícia. Não se sentem protegidos pela sociedade e pelas leis. Receiam o
contato com agentes da lei, pois a experiência lhes ensinou que ele quase
sempre resulta em prejuízo próprio. Alguns optam abertamente pelo desafio
à lei e pela criminalidade. (...) Para eles, vale apenas o Código Penal.
(CARVALHO, 2007, p. 217).

Em relação aos direitos civis, é necessário repensar o que de fato é


cidadania e o que representam os direitos civis, políticos e sociais. A definição de
Marshall, cidadania corresponde à conquista de três direitos: o civil, o político e o
social.
O direito civil diz respeito basicamente à liberdade individual: liberdade de
ir e vir, de pensamento, de fé, de imprensa, de fechar contratos legais, igualdade
perante a lei e direito à justiça, direito ao próprio corpo e direito à propriedade
privada. Deve-se entender o direito político como a possibilidade de participar do
exercício do poder político, candidatar-se, votar e ser votado, criar e filiar-se a
partidos políticos, participar de movimentos sociais, entre outros. Por último, os
direitos sociais dizem respeito ao atendimento das necessidades básicas de um ser
humano que garanta o mínimo de bem-estar, e que ele leve a vida de um ser
civilizado. Por exemplo, direito à alimentação, à moradia, à educação, à saúde, a um
salário digno. (MARSHALL, 1967. p.63).
Partindo desses conceitos, entende-se que o ideal de cidadão pleno
configura aquele que goza de todos os direitos acima citados e a condição de não
cidadão ou cidadão de terceira classe se configura na inexistência da própria
consciência de cidadania ou pelo simples ato do poder público não fazer se cumprir
tais direitos.
Neste sentido, ao longo dos tempos restou claro que a cidadania
apresenta forte interligação com a conquista dos direitos humanos, sendo que o
estudo de ambos deve ser feito de forma conjunta a possibilitar melhor compreensão
do tema, considerando que nem sempre são cumpridos os deveres do Estado no
amparo e cumprimento das Leis nesse âmbito.
4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE ACOLHIMENTO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES
NO BRASIL

As discussões sobre a atenção aos direitos humanos de crianças e


adolescentes no Brasil têm sido cada vez mais relevantes no âmbito da sociedade e
de forma especial no meio político científico, especialmente no que se refere ao
entrelaçamento com a questão da efetivação de direitos por meio de políticas
públicas.
São temas extensos e ricos em elementos estruturais e conjunturais que
necessitam de maior atenção, devido a carência de aplicações focadas e
particularizadas, devido a diversidade de situações e diferentes esferas que podem
intervir no resguardo dos direitos do cidadão. Logo, vista a amplitude do que compõe
os direitos das crianças e adolescentes, precisamos ter um olhar direcionado mais
especificamente às medidas protetivas de acolhimento no Brasil, revendo os direitos
e deveres dos sujeitos envolvidos.
Como tal, os direitos humanos de crianças e adolescentes tem relevância
jurídica e precisa ser tratado com cautela, respeito e visibilidade na sociedade.
Como afirmam Bazílio de Kramer (2011):

Um dos grandes desafios da atualidade é fazer valer alguns avanços legais,


pois de nada adianta o texto escrito se não está incorporado à vida. Diante
de tal premissa, a intenção é reunir as informações necessárias a uma
visualização concreta e prospectiva, no que se refere à medida protetiva de
acolhimento enquanto política pública.

Ao fazer uma análise das políticas sociais destinadas a esta parcela da


sociedade, os menores de idade, SOUZA NETO (1993) afirma que:

A história brasileira é carregada da privação dos direitos sociais à infância e


à adolescência Isso significa que a ausência de políticas sociais bem
estabelecidas já constitui um corolário da abertura para uma ‘política de
genocídio’, presente em toda a história brasileira da criança e do
adolescente (p. 79).

Destarte, instalam-se políticas assistencialistas que visam resolver um


determinado problema sem se preocupar com as causas e suas possíveis
consequências. O que retarda todo processo de assistência mais eficaz que possa
alcançar todos os casos ou sua maioria, na tentativa da garantia dos direitos.
O advento da Constituição Federal de 1988 foi marcado pela priorização
das pessoas em sua dignidade e direitos, por isso intitulada “Constituição Cidadã”,
enunciam que o texto constitucional refletiu a disputa de hegemonia, contemplando
avanços (em maior escala) e conservadorismos (em menor escala), mas no que se
refere aos avanços, pode-se destacar os direitos sociais, a seguridade social, os
direitos humanos e os direitos políticos, por isso mereceu o referido título (BEHRING
e BOSCHETTI, 2006)
Com a atual orientação emanada pelo ordenamento jurídico, na
sistemática atual, não mais é admissível aguardar que a violação de direitos da
criança e do adolescente tenham sido efetivados para que - somente então - o
“Sistema” passe a agir. A Lei nº 8.069/90 destinou um título específico à prevenção
(Livro I, Título III, arts. 70 a 85), veja o que estabelece o texto da lei no artigo 70:
“Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos
da criança e do adolescente” lei 8069/90.
Esta proteção integral também se dá através da implementação de
políticas públicas com enfoque prioritário na criança e no adolescente (C.F. arts. 4º,
par. único, alínea “c” c/c 87, incisos I e II), conforme artigos abaixo indicados:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do


poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade
compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de
relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas
sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude (BRASIL, 1988).

A aplicação destas normas fortalece a cidadania e o conhecimento da


realidade social para garantia dos direitos destes menores. É importante, antes de
tudo, diagnosticar as dificuldades vigentes e na proposição de alternativas para a
eficácia dos direitos consagrados na legislação constitucional e infraconstitucional,
como no ECA, citado no capítulo anterior.
No artigo 87 do Estatuto da Criança e do Adolescente, nota-se:

Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento: I - políticas sociais


básicas; II - políticas e programas de assistência social, em caráter
supletivo, para aqueles que deles necessitem; III - serviços especiais de
prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência,
maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; IV - serviço de
identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes
desaparecidos; V - proteção jurídico-social por entidades de defesa dos
direitos da criança e do adolescente. VI - políticas e programas destinados a
prevenir ou abreviar o período de afastamento do convívio familiar e a
garantir o efetivo exercício do direito à convivência familiar de crianças e
adolescentes; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) VII - campanhas de
estímulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianças e adolescentes
afastados do convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, de
crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de
saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos. (Incluído pela Lei nº
12.010, de 2009) (ECA, 1980

Este processo de construção de participação popular na área da infância


e adolescência não pode ser realizado sem a colaboração dos Conselhos Tutelares
(CF. art. 136, inciso IX, da Lei nº 8.069/90): Art. 136. São atribuições do Conselho
Tutelar: IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta
orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do
adolescente.
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é o documento que traz a
Doutrina da Proteção Integral dos Direitos da Criança, que coloca a criança e o
adolescente como sujeitos de direito com proteção e garantias específicas, como
dito anteriormente. Para que isso seja alcançado, estruturou-se em dois princípios
fundamentais:

1. Princípio do Interesse do Menor: todas as decisões que dizem


respeito ao menor devem levar em conta seu interesse superior. Ao Estado,
cabe garantir que a criança ou o adolescente tenham os cuidados
adequados quando pais ou responsáveis não são capazes de realizá-los;
2. Princípio da Prioridade Absoluta: contido na norma constitucional
(artigo 227), ele estabelece que os direitos das crianças e dos adolescentes
devem ser tutelados com absoluta prioridade.

Considerando esses princípios, o ECA tenta garantir aos menores os


direitos fundamentais que todo sujeito possui: vida, saúde, liberdade, respeito,
dignidade, convivência familiar e comunitária, educação, cultura, esporte, lazer,
profissionalização e proteção no trabalho. Enfim, tudo para que possam exercer a
cidadania plena.
É nesse contexto sócio-cultural de exclusão em que vivem as crianças e
adolescentes, que ocorre o acolhimento institucional e que devido à pobreza de suas
famílias, acabam por necessitar da intervenção do Poder Público para ter a proteção
e a garantia de seus direitos fundamentais e sociais, tais como o direito à vida, à
saúde, à educação, à alimentação, ao lazer, à convivência familiar e comunitária.
Em face desta exclusão, muitas crianças e adolescentes são afastados de
suas famílias, que por não terem as mesmas oportunidades vivem às margens da
sociedade, como uma classe à princípio invisível, vulnerável às práticas violentas,
que agem com negligência ou omissão nos cuidados com seus filhos, onde essas
ações se tornam aparentes nas agressões físicas ou psicológicas, que marcam toda
uma existência, e são institucionalizados. Com a introdução da Doutrina da Proteção
Integral, no art. 227, da Constituição Federal, o direito à Convivência familiar passou
a ser de responsabilidade não só da família mas também do Estado e da Sociedade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente e suas posteriores alterações
promovidas com edição da Lei n. 12.010/09, reafirmou a importância do direito à
convivência familiar de acordo com a Doutrina de Proteção, em seu art. 4º e 19,
criando limitações expressas à suspensão ou destituição do poder familiar, bem
como de mecanismos para a sua proteção, como os programas de orientação e
apoio sócio-familiar e sócio-educativo previstos nos incisos I e II do art. 90. Também,
a família é objeto de atenção e proteção na Lei Orgânica da Assistência Social, Lei
nº 8.742/93, que reitera os artigos constitucionais já mencionados.
Ao cuidar para que a família tivesse proteção, o legislador criou
alternativas para que a medida de abrigo fosse uma das últimas a serem utilizadas,
estabelecendo no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 101, parágrafo
único, que o abrigo é uma medida provisória e excepcional, e não sendo verificada a
possibilidade de reintegração familiar, para a manutenção dos vínculos familiares,
encaminhará à colocação em família substituta, somente depois de esgotados todos
os recursos para convivência na família de origem, sendo certo que o acolhimento
institucional não poderá ultrapassar o período de 02(dois) anos.
5 DESAFIOS E AVANÇOS DO ABRIGO LUZ E VIDA NO ATENDIMENTO A
CRIANÇAS

Após visitas regulares ao abrigo Luz e Vida, foi possível coletarmos


alguns dados, por entrevistas/questionários, da rotina, dos desafios e dos limites no
atendimento às crianças que ali chegam. Foi possível, ainda, discutir os avanços e
possibilidades para a melhoria desse atendimento, visando sempre o bem estar
desses menores e seguindo as determinações vigentes da justiça.
Em São Luís, o Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e
Adolescentes é executado através de 08 Instituições, tanto do poder público
municipal quanto de Organizações Não Governamentais (SÃO LUÍS, 2015).
Destaca-se que, entre estas, 04 instituições acolhem crianças e
adolescentes no mesmo espaço, e somente uma Unidade realiza o acolhimento
especificamente para adolescentes, a qual é o objeto de nosso trabalho, o Abrigo
Luz e Vida (Local da pesquisa).

5.1– Histórico do abrigo

O Abrigo Luz e Vida é uma Unidade de Acolhimento Institucional, fundado


em 01 de Julho de 2008, executada pelo Poder Público Municipal através da
Secretaria Municipal da Criança e Assistência Social.
O trabalho de acolhimento executado nesta unidade se realiza conforme
as normativas apresentadas anteriormente, as quais orientam acerca de todos os
procedimentos que envolvem o acolhimento institucional para adolescentes.
Inicialmente, há que se destacar que, o Acolhimento é uma Medida de Proteção,
conforme o Artigo 98 do ECA, onde somente será aplicada quando os direitos de
crianças e adolescentes forem ameaçados ou violados; que, no artigo 101, § 3º, os
mesmos somente poderão ser acolhidos nas instituições por meio de uma Guia de
Acolhimento expedida pela autoridade judiciária competente e que, apenas em
caráter excepcional e de urgência, crianças/adolescentes podem ser acolhidos sem
previa determinação judicial, de acordo com o artigo 93 do ECA (BRASIL, 1990).
5.2 – Rotina de atendimento

O abrigo funciona com um Assistente social que tem um estagiário no


turno matutino; dois assistentes administrativos; um psicólogo pelo turno da tarde;
um coordenador do abrigo; dois vigilantes que revezam os turnos diurno e noturno;
quatro cozinheiras e serventes e 18 acolhedores.
Todos os procedimentos técnicos necessários de ambientações e
orientações para permanência no acolhimento, durante o tempo necessário, e
garantia da sua proteção integral são concedidos.
Ao chegar ao abrigo a pessoa é recebida com carinho pelo cuidador e
sempre chamado pelo nome de batismo. O acolhedor não faz qualquer juízo de
valor sobre a vida do menor e oferece a esse ajuda do tipo: cuidados médicos,
palavra de conforto, alimentação, higiene, etc., isso fortalece a confiança no primeiro
momento.
A equipe técnica avalia se o menor tem condições de ser acolhido
naquele local, como consulta a documentação, estado de saúde, histórico judicial,
dentre outros, o Assistente Social faz esse serviço e o encaminha para um local
dentro do abrigo onde mesmo passará a ter responsabilidade e deveres durante sua
estada.
Após inserido no programa institucional do sistema de garantia de direitos
do menor, o mesmo passa a se integrar aos demais e arotina da instituição que é
como um programa de reabilitação social, onde o jovem é estimulado a praticar
atividades educativas e esportivas enquanto estiver sob os cuidados do abrigo.
Os profissionais desempenham um papel fundamental no
acompanhamento e desenvolvimento de cada um deles, conhecendo as
particularidades dos mesmos e trabalhando na ressocialização deste com a família e
o mundo externo.
5.3 – Desafios e limites

Entretanto, o município de São Luís, assim como outras localidades


brasileiras, apresentam determinadas particularidades que incidem diretamente no
desenvolvimento do Serviço de proteção/acolhimento. Entre elas, citamos: o
acolhimento de adolescentes com a vivência de rua e o significativo
comprometimento com uso de substâncias psicoativas; oriundo de medidas
socioeducativas o acolhimento de adolescentes com histórico relevante de
cometimento de atos infracionais e o acolhimento de adolescentes que estão sob
ameaça de morte em virtude das facções criminosas, do tráfico de drogas e dos atos
infracionais cometidos.
Estas são três motivações de acolhimento, encaminhadas pelas
autoridades competentes, para o Abrigo Luz e Vida, que tem gerado momentos de
debates entre a equipe em virtude dos subsequentes acontecimentos causados com
tais acolhimentos, gerando reflexão sobre até que ponto esta é uma Medida de
Proteção para aqueles adolescentes.
Os desafios em manter o acolhimento e posterior encaminhamento dos
menores unidades mais próximas de suas localidades de origem ou mais próximo,
mantendo o contato com a família e evitando prejuízos emocionais. Mas existem
muitos impasses da justiça em acolher os pedidos de transferências o que gera
muitas brigas judiciais e tempo perdido no processo de ressocialização e convívio da
família do menor.
Existem problemas de descumprimento (abandono) de medidas
protetivas, que foram retiradas em diversos momentos por juízes ou recomendadas
pela promotoria. Ocorrendo desligamento de menores que abandonam a medida por
situação de rua, dependência química ou por ameaça de morte, por exemplo.
Nos processos seletivos poucos homens se inscrevem para participar,
sendo a maioria mulheres, sendo que presença de um homem impõe mais respeito,
devido essa questão machista existente na sociedade de que o homem tem mais
autoridade nas situações de relacionamentos pessoais e na aplicação de disciplina.
Existem acolhimentos equivocados, o que impede a correta medida de
acolhimento que é provisório. Muitos encaminhamentos vão contra o acolhimento
institucional que determina que apenas menores de São Luís devem ser acolhidos
no abrigo, salvo exceções quando existe a carta precatória determinada por juiz.
Ou determinado período de superior a 1 ano e 6 meses, que excede a
determinação atual do ECA, logo o sistema de garantia de direitos não consegue
manter a coerência nas decisões.
Outro desafio reside na relação da Central de Acolhimento e o Conselho
Tutelar. A central de acolhimento orienta e o Conselho Tutelar muitas vezes não
cumpre e os conselheiros responsabilizam a central pelas falhas. Gerando desgaste
interno e externo para a instituição.
O Sistema de Garantia de Direitos está fundamentado em três eixos que
são: promoção, defesa e controle social.
O processo de disciplinar esses menores também é um desafio, já que os
mesmos experimentaram uma vida livre de regras nas ruas, têm resistência em
obedecer as normas da instituição. Ficando a cargo do juiz a autorização de fazer
intervenções que respeitem os direitos desse menor e nos resguarde a segurança
na aplicação destas normas.
A falta da implementação do serviço de acolhimento em república aqui na
cidade, que é um dos serviços de atendimento de alta complexidade, o que dificulta
a melhor atenção a estes menores. Assim os mesmos vão pra casa de acolhida
temporária após os 18 anos, quando ainda não podem voltar ao convívio. A
defasagem no grau de escolaridade também dificulta a sua independência e
liberação para morar sozinho ou com alguém.

5.4 Resultados da entrevista/questionário

De acordo com dados colhidos na instituição por meio de entrevistas e


questionários, foi possível ainda conversar com os adolescentes acolhidos naquele
momento (três) onde os mesmos responderam o questionário de 10 perguntas
fechadas sobre sua visão do acolhimento no abrigo.
5.4.1 CASO I - Nome: L.C.C. da S.

 Idade: 12 anos

 Vila Riode na Santa Clara

 Entrou no abrigo dia 13 de junho na parte da noite.

 Os pais biológicos morreram quando ele era muito pequeno, causa da morte
tiro.

 O menor era criado por padrasto e madrasta e mais 4 irmão do casal que o
criavam, quando foi perguntado a ele como ele parou no abrigo ,ele
respondeu que foi porque ele quis em seguida disse que a madrasta o
mandou embora porque ele não dava mais certo em casa.

 Ele nunca ficou na rua no relento, relatou ele que passou um tempo com um
rapaz na qual se referiu ser o conselheiro; Ele estava estudando e fazia 5
anos; Sonha em ser segurança.

Obs: O padrasto dava muito conselho a ele, foi questionado que conselho lhes era
dado ele não respondeu.

5.4.2 CASO II – Nome: E.C.

 16 anos completa 17 em dezembro.

 Ele é da cidade de Santa Rita ,foi o juiz que determinou que ele viria pro
abrigo em são Luis.

 Parou de estudar na 7ª serie, mas ele disse que sabe lê e escrever bem
pouco e não gosta muito de estudar.
 Está no abrigo há 3 anos

 Antes de ser inserido no abrigo ele morava com a mãe de criação.

 A mãe biológica ele não tinha contato ,pois ela o deu para uma pessoa criar,
a mãe biológica tinha 12 filhos e não tinha a mínima condição de criar os
filhos por esse motivo entregou os filhos há outras pessoas para criar.

 Relatou quando foi perguntado qual disciplina mais gosta, respondeu


matemática.

 O menor, quando vivia com sua mãe de criação ,tinha mais 4irmão de criação
e relatou que se dava bem com todos os irmãos

 Sonho: Ser Policial

 Gosta de jogar bola, o que poderia ser melhorado no abrigo: ele citou que
deveria ter uma bola pra jogar, porem fui questionar a outro jovem se eles
tinham bola, ele disse que tinham bola pra jogar porem como eles jogavam
forte, sempre caia no telhado do vizinho por isso estavam sem bola, e bola
quando eles têm e vem por forma de doação.

 Ele gosta do abrigo, porem acha chato passar o dia todo fazendo as mesmas
coisas.

5.4.3 CASO III – Nome: A.C.P.F.

 15 anos completou agora no dia 12 de junho

 Está no abrigo há 7 meses e é Nascido no interior de Guimarães.

 Era criado pelo pai tem 7 irmão por parte de pai. A família paterna tem
condição financeira
 Não tem vivência com a mãe

 Atividades do dia-a-dia: limpar o quarto

 Sonho ser escrivão, é inteligente comunicativo, gosta de matemática e


Português

5.3 Avanços e possibilidades

Os dos avanços considerados importantes, a gestão municipal, por meio


da secretaria municipal de assistência social. Cita-se o aumento do número de
servidores. Sendo que já houve período que não haviam cuidadores, a função era
exercida por outros profissionais, como os agentes administrativos.
Outro avanço referido pela Assistente Social foram as melhorias na infra
estrutura do abrigo que foi reformado e ampliado pela prefeitura de São Luís em
2015, o que facilitou a prática de atividades, melhor organização dos espaços e
maior área de lazer física para os internos.
6 CONSIDERAÇÕES

A pesquisa relata três casos de menores que estão acolhidos no abrigo


Luz e Vida em São Luís, apesar da capacidade ser mairo e o corpo de funcionários
estar preparado para acolher mais jovens, no momento das visitas apenas estes três
(2 rapazes e 1 moça) encontravam-se sob os cuidados da instituição.
A partir das conversas (entrevistas com a Assistente Social foi possível
conhecermos umas série de situações que acontecem na instituição, sendo algumas
positivas e outras negativas, além de alguma serem surpreendentes para nós,
enquanto pesquisador, como o caso da falta de comunicação entre as autoridades
competentes no âmbito do cumprimento da Lei neste âmbito.
Percebeu-se que o abrigo é uma instituição criada sob a luz da Legislação
vigente dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, principalmente nas
considerações do ECA e direcionamentos da jurisdição municipal.
O Abrigo tenta atender todas as recomendações e implantar todos os
requisitos básicos para a funcionalidade a que se destina, mas sofre muitos
empecilhos devido a desafios constantes enfrentados estas particularidades incidem
diretamente no desenvolvimento do Serviço de proteção/acolhimento.
Os desafios são a maior baixa no trabalho, pois atrasam e prejudicam o
processo de ressocialização do mesmo. Foram citados vários desafios nesse
processo, como, por exemplo o acolhimento de adolescentes de naturezas/motivos
distintos e que permanecem misturados, o que dificulta as ações
Os impasses da justiça em acolher pedidos de transferências pór falta de
comunicação, e descumprimento (abandono) de medidas protetivas, que não
diferenciam cada situação de cada menor.
Falta de homens no corpo de trabalho o que garantiria mais respeito ao
lidar com os adolescentes, além dos acolhimentos equivocados, como provisórios e
de naturais da cidade sem uma carta precatória determinada por juiz.
Estorno no período de superior a 1 ano e 6 meses, determinação atual do
ECA e na péssima relação da Central de Acolhimento e o Conselho Tutelar.
O processo de disciplinar difícil e carente da correta apreciação do Juiz e
a falta de implementação do serviço de acolhimento em república em São Luis,
dentre outros aspectos como falta equipamentos, etc.
Apesar de tantos desafios, observamos pelas entrevistas que os menores
abordados têm muita vontade de crescer na vida, ter uma boa família e conseguirem
realizar sonhos profissionais, acreditam na instituição como unidade ressocializadora
er não fazem queixa do acolhimento.
Das conquistas e avanlos conseguidos, a pesquisa entendeu que apenas
o aumento do contingente dos funcionários já eum grande avanço, visto que já foi
bem inferior e em alguns casos sem funcionários em determinadas funções. As
reformas estruturais de ampliação e melhoramento do espaço também foi vista
como um avanço e meta alcançada.
Mas ainda são muitos os problemas a serem sanados e resta a sociedade
cobrar essas melhorias e os profissionais, principalmente da Assistência Social, se
inteirarem mais do assunto e passarem a contribuir de forma mais comprometida
com as questões sociais neste âmbito, considerando que a criança e o adolescente
ainda são o futuro do País.
Consideramos que a pesquisa logrou êxito na proposição de seus
objetivos e acrescentou ao profissional pesquisador maior interesse no assunto e
provimento de sugestões para futuros trabalhos nesse âmbito.
REFERÊNCIAS

BAZÍLIO, Luiz Cavalieri; Kramer, Sonia. Infância, Educação e direitos humanos. 3.ed.
São Paulo: Cortez, 2008.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho;


apresentação de Celso Lafer. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.


______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília,
DF, Senado, 1990.

CUNCO, Mônica R. A institucionalização prolongada de Crianças e as marcas que


ficam.[2009]. Disponível em: . Acesso em 09 set 2009.

ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n.


8.069, de 13 de julho de 1990. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência.


10.ed. São Paulo:Atlas, 2009.

MARTINS FILHO, José. A Criança Terceirizada: Os descaminhos das relações


familiares no mundo contemporâneo. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 2007.

OLIVA, Paula Petter. O desvendamento do real numa instituição de abrigo para crianças
e adolescentes.[ 2004]. Disponível em:http://revistaseletronicas.pucrs.br/ . Acesso em:
09 set 2009.

RIZZINI, Irene ( Coord.). Acolhendo Crianças e Adolescentes: Experiências de


promoção do Direito à Convivência Familiar e Comunitária no Brasil. 2.ed. São
Paulo:Cortez; Brasília, DF: UNICEF; CIESPI; Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2007.

______. RIZZINI, Irma. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e


desafios do presente. Rio de Janeiro: PUC- Rio; São Paulo: Loyola, 2004.

______. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no
Brasil. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

ROUDINESCO, Elisabeth. A Família em desordem. Tradução André Telles. Rio de


Janeiro:Jorge Zahar Ed., 2003.

SARTI, Cyntia Andersen. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres.
5. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

SPOSATI, Adalgisa de O.; FALCÃO, Maria do Carmo; TEIXEIRA, Sônia Maria Fleury.
Os Direitos (dos desassistid
APÊNDICE
Apêndice A – Questionário aplicado aos alunos

1. Qual sua idade?

______________________________

2. Qual o motivo da sua chegada aqui?

_________________________________________________________

3. Quando você chegou?

__________________________________________________________

4. Ondes estão seus pais ou familiares?

__________________________________________________________

5. Você gosta desse abrigo?

__________________________________________________________

6. O que você faz durante o dia?

__________________________________________________________

7. Quais são suas perspectivas para o futuro?

__________________________________________________________

8. O que você sugere para melhorar este abrigo?

__________________________________________________________

9. Como você se sente quando não está aqui?

__________________________________________________________

10. Você já se sentiu mal tratado aqui?

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