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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MARIA AUGUSTA BEZERRA DA ROCHA

NEOLIBERALISMO, QUESTÃO REGIONAL E “A MESMA MORTE SEVERINA”:


Implicações do ajuste fiscal na Região Nordeste do Brasil no Século XXI (2012-2019)

NATAL/RN
2024
MARIA AUGUSTA BEZERRA DA ROCHA

NEOLIBERALISMO, QUESTÃO REGIONAL E “A MESMA MORTE SEVERINA”:


Implicações do ajuste fiscal na Região Nordeste do Brasil no Século XXI (2012-2019)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (PPGSS UFRN), como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Serviço Social.

Área de concentração: Sociabilidade, Serviço Social e


Política Social.

Linha de pesquisa: Estado, Sociedade, Políticas Sociais e


Direitos

Orientador: Prof. Dr. Roberto Marinho Alves da Silva

NATAL/RN
2024
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Rocha, Maria Augusta Bezerra da.


Neoliberalismo, Questão regional e "a mesma morte Severina":
implicações do ajuste fiscal na Região Nordeste do Brasil no Século XXI
(2012-2019) / Maria Augusta Bezerra da Rocha. - Natal, 2024.
210f.: il.

Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio


Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social. Natal, RN 2024.
Orientação: Prof. Dr. Roberto Marinho Alves da Silva.

1. Questão regional - Dissertação. 2. Questão social - Dissertação. 3.


Ajuste fiscal - Dissertação. 4. Nordeste brasileiro - Dissertação. 5.
Desigualdades regionais - Dissertação. 6. Política regional -
Dissertação. I. Silva, Roberto Marinho Alves da. II. Título.

Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355


MARIA AUGUSTA BEZERRA DA ROCHA

NEOLIBERALISMO, QUESTÃO REGIONAL E “A MESMA MORTE SEVERINA”:


Implicações do ajuste fiscal na Região Nordeste do Brasil no Século XXI (2012-2019)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (PPGSS UFRN), como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Serviço Social.

Aprovada em: 05/02/2024

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________________
Prof. Dr. Roberto Marinho Alves da Silva
Orientador
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN

________________________________________________________________

Profa. Dra. Eliana Andrade da Silva


Membro interno
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN

________________________________________________________________

Prof. Dr. Adilson Aquino Silveira Júnior


Membro externo
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE

________________________________________________________________

Profa. Dra. Juliana Bacelar de Araújo


Membro Externo ao Programa - Suplente
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN
À meu pai Adauto Rocha (in
memorian) e minha avó Belinha (in
memorian) que me ensinaram a alegria e
doçura da vida que nós nordestinos nutrimos
mesmo em tempos tão difíceis.
À minha mãe Terezinha e meu Avó
Severino (in memorian) agricultores
nordestinos de vidas severinas de resistência
que seguem como inspiração para este
trabalho e a caminhada da minha vida.
E à todos os nordestinos e
nordestinas desse Brasil que teimam em
manter essa vida severina acesa com força,
esperança e resistência.
AGRADECIMENTOS

“As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão/ Mas as coisas


findas, muito mais que lindas, essas ficarão”. Com as palavras sensíveis de Carlos
Drummond de Andrade no poema Memória fica mais fácil até o processo de
agradecer e de lembrar que não são as coisas materiais, tangíveis que se podem
tocar e comprar as mais importantes na vida, mas sim aquelas que se acabam, são
findas que marcam nossa trajetória e vida com amor e afeto e são elas as coisas
mais lindas e que realmente ficam. E o primeiro agradecimento é para meu pai
Adauto Rocha, para minha Avó e meu Avô Severino (Vó Raminho), todos in
memoriam, os primeiros exemplos de alegria, doçura, força e riso fácil mesmo em
tempos tão difíceis.
À minha mãe, a grande Dona Terezinha Soares, o amor da minha vida, minha
fonte de energia e de motivação mesmo quando a vida fica mais difícil e a
caminhada mais complicada de continuar. Uma mulher que não teve oportunidades
nem grande acesso à educação, mas concluiu o Ensino Fundamental II através da
Educação de Jovens e Adultos (EJA) com muito orgulho sendo uma das mais
aplicadas da turma e nunca poupou esforços de junto com meu pai me oferecer
oportunidades e estímulo para estudar e buscar um futuro melhor. É uma mestra e
doutora na vida, com ela aprendo os ensinamentos que não estão nos livros dos
acadêmicos, mas sim na sabedoria popular.
À minha família que foi um esteio fundamental desde o início da graduação,
principalmente minhas irmãs Adriana e Paula fonte de apoio e suporte quando
precisei. Sem elas e minha mãe nada seria possível. E até mesmo meu irmão
Adriano que, em meio as “arengas” de irmãos, é também parte importante nesse
processo e fez companhia a nossa mãe quando precisava me ausentar nas viagens
para participar de eventos. Aos meus sobrinhos (Aninha, Mariana e Antônio), amores
genuínos que minhas irmãs me deram na vida, principalmente o caçula Pedrinho
que me acompanha desde a graduação, com muita alegria, traquinagem e uma
energia de criança maravilhosa que nos momentos mais difíceis da pesquisa e do
cansaço mental também me ajuda a lembrar sobre o melhor da vida e a nunca
perder essa alegria e felicidade que as crianças nos ensinam. Aos primos Vanessa e
Tiago e tios Aluizinho e Terezinha, da minha família por parte de pai que ainda tenho
vínculo e carinho muito especial, fonte de apoio antes até mesmo de entrar na
Graduação e que agora partilhamos a celebração das conquistas.
Às amigas que fiz desde a graduação Tathi, Camila, Júlia, Inaê, Ana Paula,
Alice, Furtado, Érica e seguem firmes, presentes para vida de afeto, companheirismo,
apoio e suporte mesmo não estando juntas no mesmo espaço
acadêmico/profissional. Também as amizades queridas que fiz durante o Mestrado
Adnna, Bia, Clara, Clarice e Letícia, presentes do Mestrado para a vida. E ainda
Bruna e Quitéria que chegaram quase no final do Mestrado e foram um presente
muito especial. E Lucas que além de dividir laranjadas foi parceiro na representação
discente da Pós. Aos queridos e queridas do Grupo de Estudos e nas disciplinas da
Pós, que diferente dessa lógica individualizante e meritocrática que invade a
academia, conseguem partilhar trabalhos, sonhos, projetos e também cerveja,
alegrias, laranjadas e muito fofoca no bar.Vocês foram fundamentais. Em especial
Emilly, que foi uma companheira e parceira durante a jornada do Mestrado e para
além dela, com apoio nos momentos bons, de escrever junto, de viagem para evento,
em incentivar na coragem de tentar doutorado fora, mas também nos dias difíceis
quando a caminhada da pós com prazos, exigências, critérios e cobranças não fica
fácil e precisamos de alguém perto dizendo vai dar tudo certo.
À Adriana Bezerra, minha instrutora da academia de musculação, uma
profissional muito dedicada e comprometida. Não imaginava como os exercícios
seriam uma fonte importante de respiro para a mente e o corpo durante todo o
processo de Mestrado, principalmente na escrita da dissertação que exige mergulho,
dedicação e esforço mental intenso.
Ao meu orientador Prof. Roberto, que foi um grande presente que recebi
desde à Iniciação Científica, meu orientador na IC, no TCC, no mestrado e na
supervisão do estágio docência. Sabe escutar, acolher, entender e mesmo
possuindo muito conhecimento e sabedoria, é extremamente humilde. Sou grata por
me mostrar na prática o exemplo de docência que quero seguir no futuro. Ao Grupo
de Estudos e Pesquisas em Questão Social, Política Social e Serviço Social e a
Profa. Íris Oliveira que me abriram as portas da IC e de muito aprendizado nas
reuniões do Grupo, nas trocas com os alunos da graduação e da pós. O grupo e as
professoras que fazem parte dele foram fundamentais para aprofundar meus
estudos, amadurecer teoricamente e entender melhor o universo da pesquisa.
À universidade pública, gratuita e de qualidade, que é um direito fundamental
fruto de muita luta e também um divisor de águas na vida dos estudantes vindos da
classe trabalhadora. Viajei, conheci vários estados brasileiros, eventos, estudiosos,
professores e consegui chegar em espaços que nem imaginava. Aos Professores do
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS UFRN) pelos aprendizados
e conhecimentos, mas também pelo incentivo e palavra amiga, verdadeiros docentes
também estimulam outros voos e a partir desse incentivo que pretendo me aventurar
para além da UFRN.
À Professora Juliana Bacelar que foi um encontro e presente do Mestrado,
uma referência na discussão regional e que estava bem ao lado no Departamento de
Economia. Participou da minha banca de qualificação e contribuiu com referências
importantes na escrita da dissertação, inclusive quando paguei a disciplina de
Política e Desenvolvimento Regional no Programa de Pós-Graduação em Economia.
Aprendi da melhor forma como a pesquisa é um processo coletivo e também
interdisciplinar. À professora Eliana Andrade docente no PPGSS e incentivadora
para todos os estudantes alçarem mais voos, uma alegria a sua presença na banca
examinadora. Ao Professor Adilson Aquino, um encontro maravilhoso durante a
Jornada de Políticas Públicas no Maranhão, de um grande estudioso do Nordeste,
promessa de futuros diálogos, estudos e aprendizados na UFPE e um docente
atencioso e gentil que aceitou prontamente o convite para a banca.
À CAPES e ao povo brasileiro, pela bolsa durante 18 meses, fundamental
para possibilitar dedicação exclusiva e uma pesquisa que pudesse (mesmo com as
limitações que toda pesquisa possui) contribuir para a realidade regional e nacional.
E por último agradecer ao Nordeste Brasileiro e a todos os nordestinos e
nordestinas da nossa tão amada, rica, diversa, mas também calejada Região. Nesse
processo aprofundei conhecimento sobre o Nordeste, sobre a trajetória e o passado
da minha família com agricultores do Agreste Potiguar de “vida severina”, sobre o
quanto essa Região tem tanta diversidade, cultura, riqueza e tanta coisa linda.
Também descobri sobre o quanto sou apaixonada pelo Nordeste, esse trabalho
afinal foi escrito sim sob o signo da paixão, pegando emprestadas as palavras de
Chico de Oliveira. E feliz por pertencer a um povo que diante de tantas adversidades
da “vida severina”, ainda difícil, se mantém feliz, resistente e forte em uma Região
rica na cultura, na diversidade, na economia, na natureza e em todas as dimensões
que conformam nosso povo. Viva o nosso Nordeste e vivas ao nosso povo brasileiro.
Este trabalho foi escrito sob o signo da paixão: [...] do Nordeste, paixão dos
operários, trabalhadores e camponeses do Nordeste. Paixão no mais amplo
e estrito sentido. Paixão no sentido de Gramsci: o de colocar-se em uma
posição e, mediante essa colocação e por causa dela, tentar entender uma
tragédia. O processo social que se procura entender não é um objeto de
investigação: é uma causa, uma paixão.

Francisco de Oliveira - Elegia para uma Re(li)gião (1977)


RESUMO

A dissertação sistematiza os resultados de pesquisa realizada com a finalidade de


apreender as implicações do aprofundamento do ajuste fiscal no agravamento das
desigualdades regionais do Nordeste brasileiro no marco temporal de 2012 a 2019.
O estudo possuiu abordagem quanti-qualitativa, norteou-se a partir do materialismo
histórico-dialético e para sua realização foi utilizada ampla revisão de literatura, além
da coleta de dados a partir de fontes secundárias e levantamento documental.
Nesse caminho, optou-se por realizar uma análise da realidade na perspectiva de
totalidade, considerando a dinâmica regional brasileira e destacando as políticas
públicas de intervenção nas desigualdades regionais. O estudo revelou a forte
concentração econômica no eixo Centro-Sul, com destaque para o Estado de São
Paulo, com a persistência das desigualdades regionais na formação socioeconômica
brasileira. Nesse contexto, os impactos do ajuste fiscal nas políticas regionais
explícitas e implícitas, com retração orçamentária em âmbito nacional e regional ao
longo de 2012 a 2019, afetou diretamente o acesso às políticas sociais pela
população empobrecida, contribuindo para o agravamento das desigualdades
sociais em âmbito nacional e regional, sobretudo nas Regiões Norte e Nordeste,
conforme é demonstrado com base em indicadores de desemprego, queda de renda
e agravamento das condições de insegurança alimentar. Dessa forma, o ajuste fiscal
incidiu na piora das condições materiais da população nordestina em pleno século
XXI. Conclui-se que as restrições orçamentárias que limitam as políticas sociais
possuem um impacto regionalmente diferenciado, ou seja, impactam mais
fortemente as regiões que ainda carregam déficits históricos. Assim, existe uma
ligação direta entre a questão social e a questão regional, sendo necessário
apreender suas particularidades em cada região brasileira. Espera-se que as
tendências apontadas no presente estudo possam contribuir com a expansão dos
conhecimentos sobre as desigualdades regionais no Brasil, com a formulação de
políticas públicas e com as ações dos movimentos e organizações sociais que visem
a transformação da realidade social aqui estudada, para que seja mais justa,
equânime e com garantia de acesso a direitos sociais, de modo que as “vidas
severinas” não sejam vidas condenadas à morte.

Palavras-chave: Questão Regional. Questão Social. Ajuste Fiscal. Nordeste


Brasileiro. Desigualdades Regionais. Política regional.
ABSTRACT

The dissertation systematizes the results of research carried out with the purpose of
understanding the implications of the deepening of fiscal adjustment in the worsening
of regional inequalities in the Brazilian Northeast in the time frame from 2012 to 2019.
The study had a quantitative-qualitative approach, guided by the historical-dialectical
materialism and to carry it out, an extensive literature review was used, in addition to
data collection from secondary sources and documentary survey. Along this path, it
was decided to carry out an analysis of reality in perspective totality, considering
Brazilian regional dynamics and highlighting public policies for intervention in regional
inequalities. The study revealed the strong economic concentration in the Center-
South axis, with emphasis on the State of São Paulo, with the persistence of regional
inequalities in Brazilian socioeconomic formation. In this context, the impacts of fiscal
adjustment on explicit and implicit regional policies, with budgetary retraction at
national and regional levels throughout 2012 to 2019, directly affected access to
social policies by the impoverished population, contributing to the worsening of social
inequalities nacional and regionala, especially in the North and Northeast Regions,
as demonstrated based on indicators of unemployment, drop in income and
worsening conditions of food insecurity. In this way, the fiscal adjustment resulted in
the worsening of the material conditions of the northeastern population in the 21st
century. It is concluded that the budgetary restrictions that limit social policies have a
regionally differentiated impact, that is, they impact more strongly the regions that still
have historical deficits. Thus, there is a direct link between the social issue and the
regional issue, making it necessary to understand their particularities in each
Brazilian region. It is expected that the trends highlighted in this study can contribute
to the expansion of knowledge about regional inequalities in Brazil, to the formulation
of public policies and to the actions of social movements and organizations that aim
to transform the social reality studied here, for to be more fair, equitable and
guarantees access to social rights, so that “severe lives” are not lives condemned to
death.

Key-words: Regional Question. Social question. Tax Adjustment. Brazilian Northeast.


Regional Inequalities. Regional policy.
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Participação das regiões brasileiras na formação do PIB Nacional de


2015 a 2019 (%) ...................................................................................................... 140

Gráfico 2 - Recursos da Função Assistência Social - Dotação e Valores Pagos


Nordeste de 2012 a 2019 (Valores em bilhões R$) .................................................144

Gráfico 3 - Recursos da Função Assistência Social - Dotação e Valores Pagos Brasil


de 2012 a 2019 (valores em bilhões R$) .................................................................145

Gráfico 4 - Recursos do Programa 2069 Segurança Alimentar - Dotação e Valores


Pagos Brasil de 2012 a 2019 (valores em bilhões R$) ............................................147

Gráfico 5 - Recursos da Função Agricultura - Dotação e Valores Pagos Brasil de


2012 a 2019 (valores em bilhões R$) ......................................................................148

Gráfico 6 - Recursos do programa 2012 Agricultura Familiar - Dotação e Valores


Pagos Brasil de 2012 a 2019 (valores em bilhões R$) ............................................149

Gráfico 7 - Recursos da Função Agricultura - Dotação e Valores Pagos Nordeste de


2012 a 2019 (valores em milhões R$) .....................................................................150

Gráfico 8 - Recursos do Programa 2029 Desenvolvimento Regional - Dotação e


Valores Pagos Brasil de 2012 a 2019 (valores em bilhões R$) ...............................155

Gráfico 9 - Recursos do Programa 2029 Desenvolvimento Regional - Dotação e


Valores Pagos Nordeste de 2012 a 2019 (valores em milhões R$) ........................ 156

Gráfico 10 - Valores contratados do Fundo Constitucional de Financiamento do


Nordeste por setor de 2000 a 2019 (valores em milhões R$) ................................. 163

Gráfico 11 - Taxa de desocupação e de subutilização da força de trabalho Brasil e


Regiões (2012-2015) - (%) ...................................................................................... 182

Gráfico 12 - Taxa de desocupação e de subutilização da força de trabalho Brasil e


Regiões (2016-2019) - (%) ...................................................................................... 183

Gráfico 13 - Taxa composta de subutilização da força de trabalho Brasil e Regiões


(2012-2015) - (%) .................................................................................................... 185

Gráfico 14 - Taxa composta de subutilização da força de trabalho Brasil e Regiões


(2016-2019) - (%) .................................................................................................... 186

Gráfico 15 - Taxa de pessoas desalentadas na força de trabalho Brasil e Regiões


(2012-2015) - (%) .................................................................................................... 187
Gráfico 16 - Taxa de pessoas desalentadas na força de trabalho Nordeste e
Sudeste Brasileiro (2012-2019) - (%) ...................................................................... 188

Gráfico 17 - Pessoas inscritas no Cadastro Único - Quantidade total e por faixa de


renda familiar per capita - Brasil (2012-2019) ......................................................... 190

Gráfico 18 - Pessoas inscritas no Cadastro único - Quantidade total e por faixa de


renda familiar per capita Nordeste (2012-2019) ...................................................... 191

Gráfico 19 - Quantidade total de famílias cadastradas no Ca Único em domicílios


rurais Nordeste por faixas de renda - Nordeste Rural (2012-2019) .........................192

Gráfico 20 - Distribuição dos domicílios por situação de insegurança alimentar Brasil


e Regiões - (2004-2018) - (%) ................................................................................. 195
LISTA DE SIGLAS

ADENE - Agência Regional de Desenvolvimento do Nordeste


BNB - Banco do Nordeste do Brasil
BASA - Banco da Amazônia
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BM - Banco Mundial
BPC - Benefício de Prestação Continuada
CNDR - Conferência Nacional de Desenvolvimento Regional
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CF - Constituição Federal
CLT - Consolidação das Leis do Trabalho
DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
EC - Emenda Constitucional
EIR - Exército Industrial de Reserva
EUA - Estados Unidos da América
FAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
FHC - Fernando Henrique Cardoso
FCFs - Fundos Constitucionais de Financiamento
FNDR - Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional
FINOR - Fundo de Investimentos do Nordeste
FINAM - Fundo de Investimento da Amazônia
FNE - Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste
FCO - Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste
FNO - Fundo Constitucional de Financiamento do Norte
FCV - Fundação Getulio Vargas
FMI - Fundo Monetário Internacional
GEP SOCIAL - Grupo de Estudos e Pesquisas em Questão Social, Política Social e
Serviço Social
GTDN - Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste - GTDN
IPCA - Índice de preços ao Consumidor Amplo - IPCA
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
IOCS - Instituto de Obras Contra as Secas - IOCS
IFOCS - Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas – IFOCS
ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços
LOA - Lei Orçamentária Anual
LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social
LOSAN - Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional
MDR - Ministério do Desenvolvimento Regional - MDR
MNCs - Multinacionais
NRF - Novo Regime Fiscal
ONU - Organização das Nações Unidas
PND - Plano Nacional de Desenvolvimento
PPA - Plano PluriAnual
PDRE - Plano Diretor da Reforma do Estado
PAC - Plano de Aceleração do Crescimento
PNAD Contínua - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
PNADCT - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira
PT - Partido dos Trabalhadores
PSL - Partido Social Liberal
POF - Pesquisa de Orçamentos Familiares
PNSAN - Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
PEC - Proposta de Emenda Constitucional
PNDR - Política Nacional de Desenvolvimento Regional
PNAS - Política Nacional de Assistência Social
PNSAN - Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
POC - População Ocupada
PAA - Programa de Aquisição de Alimentos
PBF - Programa Bolsa Família
Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
Promeso - Programa de Promoção da Sustentabilidade de Espaços Sub Regionais
Programa Conviver - Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do
Semi-Árido
PDFF - Programa de Promoção do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira
PPGSS - Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
PIB - Produto Interno Bruto
Rede Penssan - Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar
e Nutricional
SM - Salário Mínimo
SAGI - Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação
SCR - Sistema de Contas Regionais
SIOP - Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento - SIOP
SINAN - Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
SUAS - Sistema Único de Assistência Social
SIDRA IBGE - Sistema IBGE de Recuperação Automática
SDAM - Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
SUDECO - Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste
SUDENE - Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste
TCC - Trabalho de Conclusão de Curso
UFs - Unidades Federativas -
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Concentração Econômica do PIB Brasileiro 2015-2019 (%) ................. 139


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 21

1.1 Procedimentos metodológicos .............................................................................26

2 EXPANSÃO CAPITALISTA E DESIGUALDADES NO BRASIL: dependência


nacional e questão regional ................................................................................... 33

2.1 Formação social brasileira e as bases da dependência nacional ........................33

2.2 Expansão capitalista e modernização conservadora no Brasil: as raízes da


questão regional ........................................................................................................ 44

3 A QUESTÃO REGIONAL NO NORDESTE BRASILEIRO: construções


históricas e particularidades regionais ................................................................. 58

3.1 Trajetórias da construção regional: as particularidades socioterritoriais, culturais,


políticas e econômicas do Nordeste Brasileiro .......................................................... 59

3.1.1 Trajetória cultural e política: as imagens sobre o Nordeste ..............................60

3.1.2 Trajetória econômica: Formação do Complexo Econômico Nordestino e a


questão regional nordestina ...................................................................................... 66

3.2 A eclosão da questão regional e as novas formas de Intervenção do Estado no


Nordeste .................................................................................................................... 76

3.2.1 Crise Regional e Planejamento: do combate às secas à modernização da


economia regional ..................................................................................................... 77

3.2.2 SUDENE e a integração produtiva do Nordeste: entre intenções e resultados 80

4 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS NACIONAIS DE DESENVOLVIMENTO


REGIONAL NO BRASIL: integração nacional e fragmentação regional no
Nordeste ................................................................................................................... 87

4.1. Gerações e trajetórias das políticas nacionais de desenvolvimento regional e as


repercussões na Região Nordeste ............................................................................ 88

4.1.1 Modernização Conservadora e a primeira geração de políticas regionais: os


Nordestes pós-SUDENE ........................................................................................... 88

4.1.2 A reconfiguração das políticas regionais no Brasil: entre o localismo e o


neoliberalismo na segunda geração de políticas regionais ..................................... 100

4.2 Crise capitalista estrutural e o ajuste fiscal: impactos nas políticas nacionais de
desenvolvimento regional no século XXI .................................................................110
4.2.1 Terceira geração de políticas regionais e particularidades do Brasil: as políticas
regionais implícitas e explícitas dos governos petistas ........................................... 116

4.2.2 Ajuste fiscal permanente e golpe de novo tipo: as tendências da questão


regional no Nordeste a partir de 2015 ..................................................................... 125

5 AJUSTE FISCAL E DESIGUALDADES REGIONAIS: expressões regionalizadas


do Ajuste fiscal no Nordeste Brasileiro do século XXI ...................................... 134

5.1 Dinâmica Regional Brasileira: panorama econômico da desigualdade regional de


2012 a 2019 .............................................................................................................135

5.2 Impactos do ajuste fiscal nas políticas regionais implícitas e explícitas ............ 141

5.2.1 Políticas Regionais Implícitas: o impacto regionalizado do ajuste fiscal ........ 142

5.2.2 Políticas Regionais Explícitas: implicações do ajuste fiscal no Nordeste


Brasileiro ..................................................................................................................152

5.2.2.1 Expressões orçamentárias e materiais do ajuste fiscal regionalizado .........153

5.2.2.2 Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste em tempos de ajuste


fiscal: limites e contradições .................................................................................... 161

6 A MISÉRIA DO AJUSTE FISCAL NO SÉCULO XXI: expressões da questão


social no Nordeste brasileiro e a “mesma morte Severina” ..............................175

6.1 Pobreza e desigualdade social: exploração capitalista na cena contemporânea175

6.2 A miséria real do ajuste fiscal no Nordeste: indicadores sociais da Morte e Vida
Severina .................................................................................................................. 180

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 197

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 202


21

1. INTRODUÇÃO

Somos muitos Severinos


iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.

Somos muitos Severinos


iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçados da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.

Morte e Vida Severina - João Cabral de Melo Neto (1974)

A morte e vida Severina que acompanhou tantos nordestinos migrando


sobretudo na metade do século XX para o eixo Centro-Sul em busca de melhores
condições de vida (dada as condições de miserabilidade), parecia ter ficado no
passado, datado historicamente. No entanto, com o avanço da austeridade
neoliberal e a consequente tendência de agravamento das desigualdades, essa
Morte Severina retorna mais de 50 anos depois. Justamente nesse contexto em que
se situa o presente estudo, buscando apreender as implicações do ajuste fiscal no
agravamento das desigualdades regionais no Nordeste brasileiro.
O fato é que as “vidas Severinas” vivenciam de modo mais contundente a
pobreza e a desigualdade social na sociabilidade capitalista. Pobreza, no entanto,
refere-se a uma importante categoria teórica, que temos buscado apreender de
forma mais consistente a partir dos estudos vinculados a minha inserção na
Iniciação Científica no início da graduação em Serviço Social na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (DESSO-UFRN), em um plano de trabalho intitulado
“Programa Bolsa Família em Natal: análise da sua contribuição no enfrentamento a
pobreza”.
22

A Iniciação científica permitiu também partilhar das discussões desenvolvidas


no Grupo de Estudos e Pesquisas em Questão Social, Política Social e Serviço
Social (GEP SOCIAL), bem como no projeto coletivo iniciado em 2019 sobre “As
implicações do Ajuste fiscal na efetivação das políticas sociais, no agravamento da
pobreza e na desigualdade social”, com financiamento do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Nesse projeto fiquei vinculada ao
eixo que discute pobreza e desigualdade social a partir das implicações do ajuste
fiscal estrutural.
Essas reflexões foram base para somar elementos para construção do meu
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), visando estudar as implicações do ajuste
fiscal estrutural para o agravamento das condições de pobreza e desigualdade social
no Brasil, somando outro elemento para análise: a crise pandêmica que ora
vivenciamos a partir de 2020. Assim, desenvolvi um estudo do tipo exploratório e
alguns resultados explicitaram que essas desigualdades se agudizaram nas Regiões
Norte e Nordeste do Brasil, apresentando maiores índices de desemprego,
empobrecimento e insegurança alimentar e nutricional.
É dessa trajetória de estudos e reflexões que se chegou ao mestrado
acadêmico no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRN
(PPGSS/UFRN) com a intenção de estudar as implicações do ajuste fiscal estrutural
para o agravamento das desigualdades regionais no Brasil, com foco de análise na
Região Nordeste. Essa escolha considera que, apesar das regiões Norte e Nordeste
terem em comum um processo histórico de desigualdades em relação às regiões
localizadas no centro-sul do país, elas possuem formações sociais com
particularidades diferentes e em dois anos de mestrado não seria possível captar
essas mediações, sendo uma melhor escolha metodológica focar e aprofundar a
análise em uma delas, a Região Nordeste.
A escolha também ocorreu por questão identitária, mediante ao meu local de
pertencimento, sendo nascida e criada no Nordeste Brasileiro, no Rio Grande do
Norte, sendo uma nordestina neta de agricultores familiares, fruto e herdeira de
tantas “Severinas”.
Além dessa opção metodológica de delimitação espacial do estudo,
processou-se uma escolha teórica que é perceptível ao decorrer desse trabalho:
trata-se da adoção de uma concepção crítica da questão regional que se pauta na
23

análise marxista, compreendendo a divisão regional do trabalho internamente nos


países enquanto parte do processo de expansão e reprodução do capitalismo em
âmbito nacional, conforme foi enfatizado nos estudos e reflexões de Francisco de
Oliveira (1977).
Tal divisão explica-se porque, apesar de existir na concretude da sociedade
capitalista, a desigualdade assume contornos mais acirrados a partir de algumas
localidades geográficas, tendo em vista o processo de desenvolvimento desigual e
combinado da expansão do capital, que estabelece uma divisão internacional do
trabalho da qual decorrem as diferenças entre países centrais de maior
desenvolvimento e países periféricos ou de capitalismo tardio. Tal movimento se
reproduz internamente aos países e, conforme abordaremos, também dentro de
cada região entre os seus territórios dinâmicos e estagnados. O fundamental é que
não se trata de dualismos, como enfatiza a análise de Oliveira (1977), mas de um
processo, ao mesmo tempo, desigual e combinado.
Diante da eclosão da questão regional no Brasil, desde meados do Século XX,
as políticas de incentivo ao desenvolvimento regional contribuíram para amenizar
déficits históricos, porém sem alteração significativa nas desigualdades sociais,
medida pela concentração da renda no espaço intrarregional. E o enfrentamento
dessas desigualdades históricas torna-se ainda mais desafiador diante do
aprofundamento das políticas neoliberais de austeridade fiscal e das demais
contrarreformas nas políticas sociais, com incidência mais latente a partir da década
de 1990, adentrando o Século XXI com a continuidade da austeridade fiscal, mesmo
com algumas alterações favoráveis nas políticas sociais vivenciadas nos governos
petistas (2003-2016).
De fato, desde 2015, no primeiro ano do segundo mandato da Presidenta
Dilma Rouseff, que se pôs em marcha um aprofundamento das medidas de ajuste
fiscal que buscava conter a expansão da crise econômica e da crise política no
Brasil, impactando na redução dos gastos públicos e do papel do Estado em suas
funções de promotor do bem-estar social.
Assim, com o aprofundamento da crise institucional com um golpe jurídico-
parlamentar e midiático, governos ultraneoliberais impuseram ao país um ajuste
fiscal de caráter estrutural, tendo como principal medida a Emenda Constitucional nº
95, de 2016, que determinou um Novo Regime Fiscal (NRF), limitando por 20 anos
24

os gastos correntes do governo, com implicações em várias políticas públicas que


tinham por intenção a redução de desigualdades sociais e regionais. Desde então,
conforme os estudos de Shirley Samico e Sheila Samico (2020), baseados em
dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2019, os lares
sem renda do trabalho bateram recorde, superando o pior momento desde a
recessão de 2014-2016.
Constitui-se, assim, um cenário de ampliação da concentração de renda e,
consequentemente, da desigualdade que se aprofundou ao passar dos anos. O
estudo da Oxfam Brasil (2018) sobre as desigualdades no país em 2018, destaca
que em quatro anos, a proporção de pobres voltou aos mesmos níveis de 2012; a
população negra no Brasil teve sua proporção de renda em relação à população
branca praticamente estagnada desde 2011; e a equiparação salarial entre mulheres
e homens recuou entre 2016 e 2017. Destaca ainda que com a regressão desses
indicadores, o Brasil passou da 10ª posição para a 9ª de país mais desigual do
mundo.
Nesse contexto, colocou-se a seguinte questão de pesquisa: quais as
implicações do aprofundamento do ajuste fiscal para o agravamento da
desigualdade regional no Nordeste Brasileiro, considerando o período de 2012 a
2019?
Essa questão foi formulada, tendo em vista o cenário brasileiro caracterizado
com o aprofundamento da austeridade fiscal, das contrarreformas e da limitação da
atuação do Estado por meio de suas políticas sociais, bem como nos demais
investimentos, sobretudo de infraestrutura que podem gerar mais empregos e
aquecer a economia. Assim, se o ajuste implica a retração da atuação do Estado e
com isso o agravamento das desigualdades, como então implica no agravamento da
secular desigualdade regional no Nordeste?
Desse modo, a questão central da pesquisa busca desvelar quais são as
implicações do aprofundamento do ajuste fiscal nas desigualdades regionais do
Nordeste brasileiro no período de 2012 a 2019. Esse marco temporal se justifica
tendo em vista que para apreender as implicações do aprofundamento do ajuste
fiscal a partir de 2015 é preciso acompanhar o movimento da realidade dos anos
anteriores, onde inclusive havia discussão sobre a política regional e não existia a
vigência da Emenda Constitucional nº 95.
25

Para responder a essa questão, tivemos como questões norteadoras do


estudo: a) Como se expressam historicamente as desigualdades regionais e sociais
no Nordeste do Brasil? b) De que forma o ajuste fiscal estrutural incidiu nas políticas
de incentivo ao desenvolvimento regional no Nordeste brasileiro? e c) Como se
manifestam as expressões de pobreza e desigualdade social no Nordeste do Brasil
nessa quadra histórica do Século XXI?
Com base na pergunta central tem-se o objetivo geral dessa pesquisa que
busca analisar o agravamento da questão regional no Nordeste brasileiro a partir
das implicações do ajuste fiscal, no marco temporal de 2012-2019. Decorrente
dessa questão central tem-se os objetivos específicos nessa pesquisa, quais
sejam: 1) Apreender como as desigualdades regionais e sociais se expressam
historicamente no Nordeste brasileiro; 2) Desvelar os impactos do ajuste fiscal
para a atuação do Estado por meio de políticas de redução de desigualdades
regionais e sociais no Nordeste brasileiro; e por último 3) Identificar com base em
indicadores sociais e econômicos as expressões da questão regional na Região
Nordeste do Brasil.
A proposta desta pesquisa está inserida nas áreas de estudo do Serviço
Social tendo em vista que a profissão é parte desse processo histórico e como tal
adquire sentido no próprio movimento da realidade do qual faz parte e é expressão.
Dessa forma, é necessário e central entender a concretude da realidade brasileira,
sobretudo da Região Nordeste.
A pesquisa possui abordagem quanti-qualitativa e, para sua realização foi
realizada ampla revisão de literatura, coleta de dados a partir de fontes secundárias
e levantamento documental. Em todos os capítulos o caminho metodológico abarcou
revisão de literatura e estudos bibliográficos pertinentes à temática sobre as
categorias teóricas/explicativas da realidade que se configuram de importante
apreensão: Estado capitalista, neoliberalismo e ajuste fiscal; questão social, pobreza
e desigualdade social; questão regional e suas múltiplas expressões e dimensões.
De modo mais específico para apreender as implicações do ajuste nas
políticas regionais (implícitas e explícitas) bem como sobre o agravamento das
desigualdades fez-se uso de coleta de dados em fontes secundárias a partir de
institutos de pesquisa nacionais, sendo melhor detalhados na subseção a seguir.
26

1.1 Procedimentos metodológicos

A escolha do objeto de estudo da presente pesquisa pautou-se na realidade


histórica e por isso aborda uma problemática concreta como ponto de partida e de
chegada, como se propõe com o materialismo histórico-dialético. Opta-se, portanto,
por um método de analisar o real que não consiste em normas ou técnicas, mas sim
em uma orientação de análise que parte da realidade concreta e não de abstrações
ou imaginações:

[...] não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam,


tampouco d[os] homens pensados, imaginados ou representados para, a
partir daí, chegar aos homens de carne e osso; parte-se dos homens
realmente ativos [...], do seu processo da vida real (Marx; Engels, 2007, p.
94).

Norteando-se a partir dessa perspectiva epistemológica, a presente pesquisa


busca se aproximar e entender melhor a problemática do ajuste fiscal e suas
implicações para o agravamento da pobreza e da desigualdade no Nordeste no
período de 2012 a 2019. Nesse sentido, o estudo também terá como suporte as
categorias do método dialético, essenciais para a apreensão da realidade em suas
múltiplas expressões: Historicidade, Totalidade, Contradição e Mediação.
Nesse caminho, buscou-se apreender os impactos do ajuste no Nordeste,
tanto em uma dimensão econômica quanto social. Então, analisou-se a dinâmica
econômica brasileira e regional, as políticas públicas regionais implícitas e explícitas
e os indicadores sociais relativos às condições de trabalho, acesso à renda e
alimentação.
Nesse percurso, começamos com um panorama econômico da dinâmica
regional brasileira, destrinchando assim uma análise da realidade nacional para além
de um retrato abstrato como se o país fosse homogêneo e não possuísse diferenças
regionais que se expressam também do ponto de vista econômico. Para isso, fez-se
uso do importante estudo sistematizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística1 (IBGE) a partir do Sistema de Contas Regionais (SCR)2. De 2010 a 2014

1
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE se constitui no principal provedor de dados e
informações do País, que atendem às necessidades dos mais diversos segmentos da sociedade civil,
bem como dos órgãos das esferas governamentais federal, estadual e municipal. É uma entidade da
administraçção pública federal vinculado ao Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO).
Disponível em: <O IBGE | IBGE>.
27

utilizamos um documento síntese do SCR e, de 20153 a 2019, utilizamos boletins


informativos que destacam os principais resultados da pesquisa do IBGE e o
panorama da dinâmica regional brasileira, tanto em relação ao desempenho
econômico quanto considerando as disparidades regionais.
Essa série de estudos é realizada pelo Instituto em parceria com os Órgãos
Estaduais de Estatística, as Secretarias Estaduais de Governo e a Superintendência
da Zona Franca de Manaus - Suframa, sendo metodologicamente integrado4 e,
portanto, comparável, no tempo e no espaço, atendendo à demanda por
informações regionalizadas, como está explicado nos boletins informativos do SCR
(2015; 2016; 2017; 2018; 2019).
Outro elemento importante da análise consistiu na trajetória das políticas
regionais, buscando identificar os impactos do ajuste fiscal. Assim, foi realizado
levantamento documental sobre investimentos públicos nas políticas de redução das
desigualdades regionais, tanto com a coleta de dados sobre valores dotados e
pagos para as políticas selecionadas, quanto no discurso governamental presente
nos Relatórios Anuais de Avaliação dos Planos PluriAnuais5 (PPAs).
Para isso foram acessados dados no Sistema Integrado de Planejamento e
Orçamento (SIOP)6 que dispõe do Painel do Orçamento em que é possível consultar
informações relativas ao planejamento e execução orçamentária e financeira dos
programas federais que compõem os PPAs. No presente estudo, fez-se a coleta dos

2
Disponível em: <Contas Regionais do Brasil | IBGE>.

3
Por decisão editorial da equipe do SCR, a partir do ano de referência de 2015, a publicação passou
a ser divulgada em duas partes: a primeira corresponde a um informativo, que destaca os principais
resultados da pesquisa, e a segunda é constituída por notas técnicas, entre outros elementos textuais,
apresentando considerações de natureza metodológica sobre a pesquisa.
4
Esse Sistema de Contas Regionais, em virtude de suas particularidades, estima o Produto Interno
Bruto - PIB pelas óticas da produção e da renda, apresentando informações sobre o processo de
geração da renda regionalmente. Adotou-se para análise da dinâmica regional neste estudo, a
definição constante e utilizada pelo Sistema de Contas Regionais do IBGE (SCR, 2015), no qual a
ótica do PIB pela produção mostra o resultado do processo de produção, menos o consumo
intermediário, somado aos impostos, líquidos de subsídios, sobre produtos resulta o PIB. Por ser
metodologicamente integrado é possível comparar as diferentes regiões brasileiras e o nível de
geração de produção, de riqueza e de maior dinamismo econômico.

5
O Plano Plurianual – PPA é o documento que define as prioridades do Governo para 4 anos,
podendo ser revisado a cada ano. Desde o planejamento de como serão executadas, as prioridades
até a projeção das políticas públicas para alcançar os resultados esperados.

6
Disponível em: <SIOP - Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo Federal>.
28

dados regionalizados por função7 e por programas, possibilitando comparações de


desempenho orçamentário e financeiro por região durante os períodos analisados.
Os dados disponibilizados no SIOP são advindos diretamente em valores nominais,
não corrigidos pela inflação8. Por isso, após a coleta, atualizamos os valores
nominais em valores reais, utilizando como referência o Índice de Preços ao
Consumidor Amplo - IPCA9.
Nos PPAs buscou-se desvelar os impactos do ajuste para as políticas que
figuram como importantes referenciais para o Nordeste, considerando as políticas
regionais implícitas e explícitas. Segundo Araújo (2014) políticas de desenvolvimento
regional implícitas são aquelas que não se voltam diretamente para o enfrentamento
às desigualdades regionais, mas que tem impacto regionalmente diferenciado.
Enquanto as políticas regionais explícitas seriam as voltadas diretamente para
enfrentar a questão regional do país. A partir dessa base consideramos duas
dimensões: 1) As políticas nacionais que possuem impacto regional diferenciado,
como a Assistência Social, a Segurança Alimentar e Nutricional e o fortalecimento da
Agricultura Familiar; e 2) As políticas regionais explícitas, que buscam estabelecer
um tratamento da questão regional, como o Programa de Desenvolvimento Regional
(Programa 2029 em ambos PPAs). No caso da Região Nordeste, considerou-se
também os recursos destinados e aplicados no Fundo Constitucional de
Financiamento do Nordeste (FNE).
A intenção é apreender as implicações do processo de ajuste fiscal nas
políticas analisadas, de forma que, por último, foi necessário coletar e analisar dados
relativos aos indicadores de desigualdades regionais e sociais. Compreende-se que
os mesmos podem expressar as condições de pobreza e desigualdade social na
realidade brasileira e na Região Nordeste. Assim, foram coletados indicadores sobre
não-acesso ou acesso precário ao trabalho - como taxa de desocupação,

7
Nos dados fornecidos através do SIOP é possível ver o montante geral destinado a uma
determinada Política Pública através da aba Função. Em relação aos Programas específicos que
essas Políticas englobam é possível visualizá-los através do item de Subfunção, que utilizamos para
o Programa de Segurança Alimentar e Nutricional e o Programa de Desenvolvimento Regional.
8
Inflação é o nome dado ao aumento dos preços de produtos e serviços. Ela é calculada pelos
índices de preços, comumente chamados de índices de inflação.

9
Existem vários índices que podem calcular e corrigir a inflação, o IPCA se diferencia por englobar
uma parcela maior da população e aponta a variação do custo de vida médio de famílias com renda
mensal de 1 e 40 salários mínimos. Nesse sentido, o índice é o que melhor se conecta ao presente
estudo que busca analisar as implicações do ajuste na vida da população brasileira e nordestina.
29

subutilização da força de trabalho e desalento -, sobre a composição da renda na


definição de níveis de pobreza e extrema pobreza, e por último dados sobre a
insegurança alimentar e nutricional, destacando a gravidade da fome.
Os dados relativos ao trabalho foram obtidos na Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua Trimestral – PNADCT/IBGE, que fornece
indicadores para acompanhar as flutuações trimestrais e a evolução, a médio e
longo prazos, da força de trabalho brasileira, disponível no Sistema IBGE de
Recuperação Automática - SIDRA/IBGE10. Na coleta dos indicadores filtrou-se o 4º
trimestre de cada ano por condensar os últimos meses do ano (outubro, novembro e
dezembro) com maior aquecimento da economia e tendência de maior geração de
emprego e renda salarial, tendo um retrato da realidade em momento mais favorável.
Já os dados referentes à pobreza e rendimento foram coletados a partir do
Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico, obtidos na
Plataforma Vis DATA 311, da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI)
do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
Por último, os dados referentes a insegurança alimentar e nutricional que
revelam a fome no país, foram utilizados a partir da publicação de 2017/2018 da
Pesquisa de Orçamento Familiares do IBGE (POF IBGE)12 com tabelas, gráficos e
análises de resultados referentes ao tema da segurança alimentar no Brasil, suas
regiões e estados.
A partir desse caminho metodológico que relaciona quantidade e qualidade
em uma perspectiva de totalidade, busca-se contribuir para o desvendamento dessa
realidade com base em um estudo acadêmicos sistemático e coerente, de modo a
não cair nas armadilhas da decadência ideológica burguesa. Posto que essa
tendência da decadência também encontra-se presente no mundo acadêmico-
científico, em análises que podem não enxergar além da imediaticidade e
superficialidade dos fenômenos e assim conduz a um processo de ser
“essencialmente acrítica, não vai além da superfície dos fenômenos, permanece na
imediaticidade e toma ao mesmo tempo migalhas contraditórias de pensamento,
unidas pelo laço do ecletismo” (Netto, 1981, p. 120). É para além dessa visão

10
Disponível em: <Sistema IBGE de Recuperação Automática - SIDRA>.

11
Disponível em: <VIS DATA 3 beta (cidadania.gov.br)>.

12
Disponível em: <POF 2017-2018 | IBGE>.
30

limitada no campo do conhecimento científico e buscando uma abordagem de


totalidade que se processou essa pesquisa, visando analisar as implicações do
ajuste fiscal para o agravamento da desigualdade regional no Nordeste no período
de 2012 a 2019.
A partir dessas questões o estudo encontra-se organizado em sete seções,
incluindo essa introdução e as considerações finais. A segunda seção lcalizada logo
após esta introdução, busca apreender como as desigualdades no Nordeste se
expressaram a partir da nossa formação social brasileira considerando as
particularidades e condicionantes externos relacionados às determinações externas
advindas da expansão capitalista internacional.
Em sequência, a terceira seção “A questão regional no Nordeste Brasileiro:
construções históricas e particularidades socioterritoriais, culturais, políticas e
econômicas” além de se debruçar sobre a formação social nordestina e suas
particularidades baseia-se em uma proposta de periodização de como se deu a
constituição da Região, sua trajetória histórica e a realidade atual. Dessa forma,
possui um esforço de identificação das fases mais relevantes pelas quais passou o
Nordeste, desde as bases da colonização até os anos recentes. Essa compreensão
é estabelecida a partir da análise de Guimarães Neto (1997) que propõe uma
periodização a partir de 3 grandes momentos: o primeiro momento de consolidação
de uma estrutura econômica e social que tradicionalmente se identificou como o
Complexo Econômico do Nordeste; o segundo momento marcado pela articulação
comercial; e um terceiro momento de integração produtiva, que consistiu na
superação da articulação comercial anterior pela transferência para as regiões
periféricas.
Já a quarta seção volta-se para discutir sobre as Políticas Nacionais de
Desenvolvimento Regional abordando as particularidades do Brasil na trajetória das
políticas de desenvolvimento regional, tanto historicamente quanto na atualidade do
século XXI. Adota-se para essa análise a divisão proposta por Crocco e Diniz (2006),
demarcando 3 gerações de políticas de desenvolvimento regional: 1) A primeira
geração que vai até meados dos anos 1970, quando notam-se políticas regionais do
tipo Top-Down, com ênfase na demanda e na correção das disparidades inter-
regionais; 2) A segunda geração desenvolve-se a partir dos anos 1990 com políticas
do tipo Botton-up (de baixo para cima), de caráter descentralizado e focado na
31

produtividade endógena das economias regionais e locais; e 3) A terceira geração


entre o final dos anos 1990 e início do século XXI, nem exclusivamente local
(segunda geração), mas consegue articular as duas em um olhar multiescalar.
Com o objetivo de responder de que forma o ajuste fiscal estrutural incidiu nas
políticas de incentivo e desenvolvimento regional no Nordeste brasileiro e como se
manifestam as expressões de pobreza e desigualdade social no Nordeste do Brasil,
segue-se na sequência as duas últimas seções: a 5 que busca discutir as
expressões regionalizadas do Ajuste fiscal no Nordeste Brasileiro a partir da
dinâmica econômica e das políticas regionais implícitas e explícitas; E a seção 6 que
se detém de modo mais profundo sobre as desigualdades regionais e sociais no
Nordeste revelando a miséria real do ajuste fiscal no século XXI com o agravamento
das expressões da questão social no Nordeste brasileiro e a volta da “mesma morte
Severina”.
Por último encontram-se as considerações finais com os principais resultados
e contribuições da pesquisa como também apontamentos de estudos e
aprofundamentos necessários para o desenvolvimento regional brasileiro, sobretudo
no Nordeste Brasileiro.
32

Nessa confluência, que se dá sob a Regência dos portugueses, matrizes


raciais díspares, tradições culturais distintas, formações sociais defasadas
se enfrentam e se fundem para dar lugar a um povo novo num novo modelo
de estruturação societária.

Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de


suas matrizes formadoras.
Também novo porque se vê a si mesmo e é visto como uma gente nova [...].
Povo novo, ainda, porque é um novo modelo de estruturação societária,
que inaugura uma forma singular de organização sócio‐econômica, fundada
num tipo renovado de escravismo e numa servidão continuada ao mercado mundial.
Novo, inclusive, pela inverossímil alegria e espantosa vontade de felicidade,
num povo tão sacrificado, que alenta e comove a todos os brasileiros.

O povo Brasileiro - Darcy Ribeiro (1995)


33

2 EXPANSÃO CAPITALISTA E DESIGUALDADES NO BRASIL: dependência


nacional e questão regional

Para se debruçar e compreender como as desigualdades regionais e sociais


se expressam historicamente no Nordeste brasileiro é necessário considerar o
processo de formação social do país que possui particularidades e condicionantes
externos relacionados às determinações externas advindas da expansão capitalista
internacional. Possui ainda nesse processo as determinações das opções e
decisões das forças sociais internas, de enfrentamento ou submissão aos fatores
condicionantes exógenos (Santos, 1994). Dessa forma, é preciso apreender esse
processo na sua totalidade para analisar a conformação do conjunto de
desigualdades presentes na realidade, enquanto alicerces da dependência nacional
e da eclosão da questão regional.
Por isso, o primeiro item desta seção visa realizar uma breve caracterização
da formação social brasileira e dos pilares de sustentação e reprodução da
dependência nacional a partir dos seus traços ou componentes macro determinantes:
colonização; escravidão e racismo estrutural; concentração e desigualdades;
autoritarismo, conservadorismo e autocracia; patriarcado e violências de gênero. A
partir desses componentes da formação nacional pode-se, na sequência, estudar a
modernização capitalista no país tanto em relação a sua inserção na divisão
internacional do trabalho de forma dependente e periférica quanto os determinantes
para o desdobramento da questão regional no Brasil.

2.1 Formação social brasileira e as bases da dependência nacional

Na forma singular de organização socioeconômica do novo povo, o povo


brasileiro, como aponta Darcy Ribeiro (1995), há uma conjunção importante que
demarca estruturalmente essa formação social: o tipo renovado de escravismo e a
servidão continuada ao mercado mundial. A existência do escravismo no que viria a
se conformar como Brasil e essa servidão explicam-se no bojo das relações sociais
capitalistas em que o desenvolvimento não acontece a partir de um padrão único e
invariável, tendo em vista que a forma de expansão capitalista é de um processo
34

desigual e combinado, envolvendo duas formações que se articulam em áreas


centrais e áreas periféricas ou complementares.
Theotônio dos Santos (1994) auxilia nessa compreensão ao destacar que os
países periféricos e particularmente os países da América Latina não podem ser
entendidos fora do processo de expansão capitalista europeu posto que essa
relação “essencialmente modificou a vida destes espaços geográficos, aí realizando
mudanças totalmente incompatíveis com o desenvolvimento natural de sua
população indígena” (idem, p.13).
Assim, países de formação social colonial como o Brasil possuem na sua
base histórica um processo de dependência estrutural, que suas economias são
condicionadas pelas necessidades de outras economias, conceito sobre o qual o
autor reflete de modo preciso e crítico evidenciando tratar-se de uma situação
econômica que submete determinados países, assim:

Por dependência entendemos uma situação econômica na qual certas


sociedades tem a sua estrutura condicionada pelas necessidades, as ações
e os interesses de outras economias que exercem sobre elas um domínio.
O resultado é que estas sociedades se definem de acordo com esta
situação condicionante, que estabelece o marco para o seu
desenvolvimento e para as respostas diferenciadas que elas oferecem,
sempre submetidas aos estímulos produzidos pela economia e sociedades
dominantes. Entretanto, em última instância, elas não estão determinadas
por esta situação condicionante, e sim pelas forças internas que as
compõem. É o caráter destas forças internas que explica a sua situação
dependente e também a sua capacidade de enfrentamento ou submissão
aos impulsos externos que as condicionam (Santos, 1994, p.15 e 16).

Nessa relação estrutural de dependência visando atender às necessidades


externas, o Brasil vivenciou o processo de colonização tornando-se colônia
portuguesa desde a invasão em 1500, prolongando-se nos séculos seguintes até a
Independência formal em 182213. As características fundamentais de formações
socioeconômicas coloniais como o Brasil baseavam-se em 3 aspectos fundamentais
como pontua Santos (1994): 1. Serem produto do fortalecimento e expansão do
poder monárquico e estarem organizadas e administradas por ele; 2. Todo o rico
comércio e a enorme produção colonial eram um monopólio da Coroa, que cedia,

13
Mazzeo (2022) destaca como a Independência foi uma articulação política pelo alto, não ocorreu
uma revolução enquanto uma ruptura, como o processo de independência dos Estados Unidos da
América (EUA), uma revolução democrática, nacional e anticolonial. No Brasil não se rompe com a
escravidão, não rompe com a estrutura colonial, com uma economia que atuava como complementar
das economias internacionais, não rompe com a forma senhorial, há assim a conciliação do velho
com o novo.
35

em troca de um alto tributo, sua exploração a particulares, quando não podia ela
mesma fazê-lo; e 3. A determinação externa da produção desse país, destinada a
atender às necessidades do mercado colonizador europeu.
Com base nessas características se exercia o poder baseado em um pacto
colonial, enquanto uma forma de relações comerciais, atendimento das
necessidades externas do mercado europeu e de exclusivismo comercial. Com isso,
tinha-se a base material de exploração dos territórios para extração ou produção de
mercadorias no contexto mercantilista.
Nesse processo de colonização e exploração do novo território para pilhar as
riquezas, tornava-se essencial a exploração da força de trabalho e, com isso,
desenvolveu-se a escravidão dos povos originários14 que predominou mais de 100
anos e apenas no século XVII a escravidão negra viria a sobrepuja-la, conforme
Ribeiro (1995).
Isto se explica pela própria forma de exploração e utilidade de cada trabalho
em que a escravidão negra, via comércio internacional de escravos entre os países,
desempenhava um papel mais ligado ao atendimento dos produtos necessários para
exportação, enquanto a mão de obra indígena destinava-se as demais atividades,
assim:

Custando uma quinta parte do preço de um negro importado, o índio cativo


se converteu no escravo dos pobres, numa sociedade em que os europeus
deixavam de fazer qualquer trabalho manual. Toda tarefa cansativa, fora do
eito privilegiado da economia de exportação, que cabia aos negros, recaía
sobre o índio (Ribeiro, 1995, p. 100).

Cabe ressaltar que não apenas a dominação imposta pela escravidão negra e
indígena prevaleceu, tendo em vista as formas de resistência desenvolvidas nas
fugas e formação de quilombos contra as formas dominadoras de exploração. Para
além dos quilombos, as culturas africanas15 transformam-se no Brasil em uma

14
É muito difícil avaliar o número de índios escravizados, desgarrados de suas tribos. Se contará
certamente por milhões quando a avaliação for feita de forma criteriosa. Isso é o que indicam as
poucas aproximações com que contamos, como a de Simonsen, que avalia em 300 mil os índios
capturados e escravizados pelos bandeirantes paulistas, uma terça parte deles destinada ao tráfico,
exportado para outras províncias. Ou nos dados de Justo Mancilla e Simon Masseta (1951; 337), que
supõe que sobre as missões jesuíticas do Paraguai, no século XCII, os paulistas tinham arrancado
200 mil cativos (Ribeiro, 1995, p. 102).
15
Os africanos não eram, pelo visto, aqueles elementos uniformizados pela selvageria, mas membros
de diversos espaços culturais que, por sua vez, determinavam modos de comportamento diferentes
diante de situações idênticas de acordo com o nível de utilidade de cada um. De fato, se estudarmos
os trabalhos acadêmicos posteriores, chegaremos à conclusão de que a África era um mosaico de
culturas e não aquele conglomerado de indivíduos igualados o nível de semianimalidade como
36

cultura de resistência.
Isto porque, como aponta Clóvis Moura (1994, p. 242), “Durante a escravidão,
[...] o negro transformou não apenas as suas religiões, mas todos os padrões de
suas culturas em uma cultura de resistência social”. Ou seja, para manter suas
manifestações culturais (religiosas, linguísticas, culinárias) de pertencimento ao seu
povo e país de origem, as diversas culturas africanas, ao não sempre conseguir
confrontar os autores da opressão, estrategicamente realizaram formas simbólicas
ou alternativas para oferecer resistência a essas forças mais poderosas. Assim que:

A dominação cultural acompanhou a dominação social e econômica. O


sistema de controle social passou a dominar todas as suas
manifestações culturais negras, que tiveram, em contrapartida, de criar
mecanismos de defesa contra a cultura dominadora. [...] Dessa forma, o
sincretismo assim chamado não foi a incorporação do mundo religioso do
negro à religião dominadora, mas, pelo contrário, uma forma sutil de
camuflar internamente os seus deuses para preservá-los da imposição da
religião católica (Moura, 1994, p.242 e 243. Grifos nossos).

E se há diferenças situadas entre os tipos de escravidão e de resistência dos


povos indígenas e africanos, há ainda diferenciações internas na própria forma de
escravidão exercida sobre o povo africano. Isso porque, como aponta Clóvis Moura,
“a escravidão teve duas fases distintas não apenas no seu aspecto demográfico,
mas também no social, econômico, político e cultural” (Moura, 1994, p. 35). Uma
primeira fase ascendente que se caracteriza desde as bases da colonização é
chamada de escravismo pleno (de 1550 até, aproximadamente, 1850) e outra
caracterizada pelo escravismo tardio (1851-1888), a partir da extinção do tráfico
internacional de escravos com a Lei Eusébio de Queirós, em 1850.
Essa periodização proposta contribuiu para destacar que a escravidão não foi
um todo abstrato e uniforme, mas sim com diferenciações regionais e diferentes
características nos quatro séculos que aconteceram. A outra grande contribuição de
Clóvis Moura (1994) nesta diferenciação consiste na análise entre a transição do
escravismo tardio para o capitalismo. Isso porque, como aponta Oliveira (1994),
prefaciando A Dialética Radical do Brasil Negro:

Moura aponta que no Brasil se criam condições objetivas para uma


“Modernização conservadora”, isto é, o desenvolvimento de relações
capitalistas mantendo estruturas arcaicas. Isto porque, ao contrário de
outras experiências de revoluções burguesas, o capitalismo por aqui foi

apregoavam os colonizadores. Por estas razões, os negros, ao chegarem ao Brasil, traziam, quer
individualmente, quer em grupo, hábitos e costumes diferentes (Moura, 1994, p. 238).
37

construído com base em riquezas primitivas acumuladas via a


exploração de africanos escravizados e protagonizado pelas mesmas
classes que escravizaram africanos (idem, p. 16. Grifos nossos.).

Isto é, a acumulação de riquezas a partir da exploração do trabalho (africano


e indígena) torna-se base para o processo de transição controlada, feita pela própria
natureza de uma abolição gradual do escravismo e o redirecionamento dos recursos
aplicados no tráfico para investir na infraestrutura necessária para o
desenvolvimento das relações capitalistas.
Essa transição realiza-se com a contribuição de dois marcos históricos
fundamentais: 1) A Lei Eusébio de Queiroz de 1850, que proíbe o tráfico de
africanos escravizados que, por um lado começa a abrir espaço para o fim do
escravismo, por outro, ela também marca o início do processo de transição
controlada para o capitalismo; 2) A Lei de Terras, também de 1850, que transforma a
posse da terra de concessão em propriedade privada, mantendo a estrutura
fundiária nas mãos dos antigos senhores de escravos e ainda realizando a
segregação de negros e negras, ex-escravizados como população marginalizada
negando-lhes o direito à posse da terra.
Essas modificações atingem inclusive o prematuro trabalho assalariado, que
começava a se fortalecer com o nascente capitalismo e a política de branqueamento
posta em prática com o incentivo à migração, deixando ainda menos espaço para o
povo negro. A concentração de terra mantida a partir da Lei de terras e a pouca
possibilidade de participação no mercado de trabalho assalariado nascente marca as
raízes do processo de segregação, racismo e manutenção dos abismos sociais
existentes no Brasil.
Como destaca Fernandes (1989), o povo negro torna-se uma testemunha viva
das marcas profundas do colonialismo destrutivo que apesar da resistência nos
quilombos, protestos e nas rebeliões da senzala possui determinações concretas
para a vida dessas pessoas:

Os negros são os testemunhos vivos da persistência de um colonialismo


destrutivo, disfarçado com habilidade e soterrado por uma opressão
inacreditável. O mesmo ocorre com o indígena, com os párias da terra e
com os trabalhadores semilivres superexplorados _das cidades. Por que o
negro? Porque ele sofreu todas as humilhações e frustrações da escravidão,
de uma Abolição feita como uma revolução do branco para o branco e dos
ressentimentos que teve de acumular, vegetando nas cidades e tentando
ser gente, isto é, cidadão comum (idem, 1989, p. 7).
38

Além das marcas deixadas estruturalmente pela escravidão, no Brasil outra


herança histórica das raízes coloniais remonta ao patriarcado. Na escravidão as
mulheres negras além de sofrerem com a opressão por conta da raça sofriam outros
abusos pelo fato de serem mulheres, como abusos sexuais, a realização dos
trabalhos domésticos ou servindo como amas de leite. A dominação atravessa,
assim, desde o início pelo tráfico de escravos, depois na casa-grande e/ou no
próprio trabalho braçal depois de “servirem aos senhores”:

Tratava-se de negrinhas roubadas que alcançavam altos preços, às vezes o


de dois mulatões, se fossem graciosas. Produziram quantidade de mulatas,
que viveram melhores destinos nas casas-grandes. Algumas se
converteram em mucamas e até se incorporaram Às famílias, como amas
de leite, [...].
A negra-massa, depois de servir aos senhores , provocando às vezes
ciúmes em que as senhores lhes mandavam arrancar todos os dentes,
caíam na vida de trabalho braçal dos engenhos e das minas em
igualdade com os homens. Só a este negra, largada e envelhecida, o
negro tinha acesso para produzir crioulos. (Ribeiro, 1995, p. 163. Grifos
nossos).

Esse entrelaçamento da dominação e exploração evidencia o quanto numa


perspectiva feminista materialista, as relações sociais de sexo são relações de
exploração, opressão e dominação que se interligam e possuem uma base material.
Como destacam Cisne e Ferreira (2021) essa base advém da divisão sexual do
trabalho e do controle sobre a sexualidade e a reprodução das mulheres a ele
associado, forjados pelo sistema patriarcal-racista-capitalista, que adquire contornos
particulares na formação social brasileira.
Essas são as bases de racismo e patriarcado que se reproduzem no Brasil
mesmo no dito período de modernização conservadora no século XIX. De um país
que em 1888 institucionalmente liberta os negros e negras da escravidão, mas não
os integra à economia nacional, como pelo contrário, promove a migração de
europeus para um branqueamento da população.
Assim que na realidade nacional, moderniza-se mantendo o atraso,
conservando-se marcas históricas. Se assim o foi com a libertação das pessoas
negras escravizadas também se constitui na Independência do país16, sem romper

16
Não há dúvida, entretanto, que no final do século XVIII e começo do XIX o monopólio exercido pela
Coroa e os comerciantes portugueses sobre o comércio colonial entrou em franca decadência.
Devido Às facilidades criadas pela riqueza comercial e ao alto poder de compra dela derivado, a
produção de Portugal entrou em decadência, convertendo o país num simples intermediário entre os
produtos brasileiros e de outras colônias e os produtores europeus, sobretudo os ingleses. [...] A
Inglaterra, sobretudo, estava em condições de oferecer melhores preços de seus produtos devido ao
39

com a estrutura colonial que atuava como complementar das economias


internacionais. Uma Independência que ao libertar-se de Portugal, mantém a dívida
com a Inglaterra e concomitantemente mantém-se enquanto submissa aos
interesses do capitalismo internacional. Como aponta Marini (2005), a economia
exportadora é mais do que uma especialização produtiva, trata-se de configuração
específica de relações de exploração em que se baseia e “cria um ciclo de capital
que tende a reproduzir em escala ampliada a dependência em que se encontra
frente à economia internacional” (idem, p. 23).
A partir desses elementos que demarcam as particularidades da formação
social nacional, é que se pode analisar as determinações histórico-particulares do
Estado nacional brasileiro. Como acentua Mazzeo (1989), a sociedade brasileira
possui em suas bases históricas colorações ao gosto aristocrático de um
“conservadorismo extremado que se expressará tanto nas ideias das 'classes
dominantes' como em sua prática político-econômica” (MAZZEO, 1989, p.89).
As classes dominantes brasileiras reproduzem, portanto, o conjunto de
opressões que a mantém no poder, como a escravidão, o patriarcado, o
autoritarismo e a condição de dependência e submissão aos interesses externos.
Esse conservadorismo extremado na base da formação social e na ação das classes
dominantes é expressão dos elementos que compõe a superestrutura do Estado
nacional brasileiro enquanto síntese de dois aspectos centrais:

Desde sua formação o Estado nacional brasileiro trará em seu âmago dois
aspectos que comporão sua superestrutura: de um lado, elementos
ideológicos comuns às formações sociais que vivenciaram situações
tardias de desenvolvimento capitalista (onde insere-se Portugal); de
outro aspectos específicos inerentes à situação de particularidade
escravista e latifundiária (Mazzeo, 1989, p.91 e 92. Grifos nossos).

Percebe-se, então, uma tendência conservadora que se configura em muitos


momentos como reacionária, ao ser rudimentar, autocrática e estagnante. De tal
forma que inexistindo condições históricas que direcionassem a uma ruptura com a
estrutura colonial, a burguesia latifundiária assume o processo de independência
com suas características dependente e associada. É essa burguesia que nesse
processo erige um Estado com suas diretrizes ideológicas de tendências

seu desenvolvimento industrial e a possibilidade de escapar não somente aos trâmites e aos
impostos da Coroa, como também aos lucros dos intermediários, comerciantes e financistas
portugueses (Santos, 1994, p. 27).
40

reacionárias, escravistas e antidemocráticas que afastam a classe trabalhadora das


tomadas de decisão “com o cuidado permanente de afastar quaisquer iniciativas que
apontassem para o ‘perigo de transformações radicais’" (Mazzeo, 1989, p. 92).
Uma burguesia com colorações de "aristocratismo" ou "elitismo", que se
expressa no dia-a-dia no pré-conceito e ódio de classe, no elogio da desigualdade
social e na concentração de poder político e econômico. Existe desse modo um
“pensamento conservador à brasileira”, em que se confluem determinações
ideológicas (em sentido amplo e restrito) herdadas do passado colonial escravista,
que vai se cristalizando em princípios e valores de ordem, autoridade, disciplina e
até meritocracia.
Souza (2016) pontua como os desdobramentos dessa base conservadora
redundam, sobretudo, “em tendências antidemocráticas e de "hipocondria"
anticomunista, além da produção de uma cultura política contrária à noção de
conquista de direitos dos trabalhadores” (idem, p. 215 e 216).
Essa noção contrária à conquista de direitos limitando os privilégios das
classes dominantes, interliga-se ao próprio sentido dos direitos na formação social
brasileira, com uma base colonial, escravocrata e essencialmente desigual, de modo
que a constituição dos direitos ocorreu de forma tardia. Tal construção tardia possui
influência com a cultura política nacional baseada no clientelismo17, no favor, na
tutela, no patrimonialismo e no corporativismo18 que se contrapõe diretamente à
lógica dos direitos e constrói essa gramática política19 nacional sui generis.

17
Propomos a seguinte definição de clientelismo que serve para realçar os contrastes: o clientelismo
é um sistema de controle do fluxo de recursos materiais e de intermediação de interesses, no qual
não há número fixo ou organizado de unidades constitutivas. As unidades constitutivas do
clientelismo são agrupamentos, pirâmides ou redes baseados em relações pessoais que repousam
em troca generalizada. As unidades clientelistas disputam frequentemente o controle do fluxo de
recursos dentro de um determinado território. A participação em redes clientelistas não está
codificada em nenhum tipo de regulamento formal; os arranjos hierárquicos no interior das redes
estão baseados em consentimento individual e não gozam de respaldo jurídico (Nunes, 1997, p.40 e
41).
18
Formalizado em leis, o corporativismo reflete uma busca de racionalidade e de organização que
desafia a natureza informal do clientelismo. Embora regulado por normas gerais escritas, o
corporativismo não é igual ao universalismo de procedimentos. Os regulamentos do corporativismo
não contêm cláusulas para o desafio individual ao sistema de leis corporativas. Essas leis
preocupam-se com incorporação e controle, não com justo e igual tratamento de todos os indivíduos.
O corporativismo determina os limites da participação e não pode ainda ser completamente alterado
pelo voto daqueles que se submetem a ele. Voluntariamente ou não, uma pessoa é automaticamente
envolvida pelas leis corporativas a partir do momento em que assina um contrato de trabalho (Nunes,
1997, p. 36).
19
No contexto de uma ampla perspectiva histórica da evolução do capitalismo moderno, destaquei a
existência de quatro gramáticas para as relações Estado-sociedade· no Brasil. As gramáticas foram
estabelecidas tendo como base o personalismo e o impersonalismo. O clientelismo tipifica uma
41

Assim, que a lógica do favor se entroniza como mediação universal nas


relações, na lógica de estruturação do Estado e até mesmo nas profissões:

Assim, com mil formas e nomes, o favor atravessou e afetou no conjunto


a existência nacional, ressalvada sempre a relação produtiva de base,
esta assegurada pela força. Esteve presente por toda parte,
combinando-se às mais variadas atividades, mais e menos afins dele,
como administração, política, indústria, comércio, vida urbana, Corte etc.
Mesmo profissões liberais, como a medicina, ou qualificações operárias,
como a tipografia, que, na acepção européia, não deviam nada a ninguém,
entre nós eram governadas por ele. E assim como o profissional dependia
do favor para o exercício de sua profissão, o pequeno proprietário depende
dele para a segurança de sua propriedade, e o funcionário para o seu posto.
O favor é a nossa mediação quase universal (Schwarz, 2000, p.16. Grifos
nossos)

Essa cultura política que se forja como herança política ao longo dos séculos,
somada com as desigualdades de sua base econômica assentada na grande
propriedade (antes escravocrata e depois latifundiária) determina a própria
consolidação tardia dos direitos políticos, civis e sociais na realidade brasileira:

Elemento importante para a compreensão do processo e do formato da


constituição dos direitos no Brasil é a questão da grande propriedade, que
traz no seu bojo o padrão das relações de poder. Nas grandes propriedades,
a lei que vigorava era a dos coronéis, que se portavam como donos não só
de escravos, mas também dos trabalhadores que dependiam deles para
sobreviver. Criam-se aí as condições objetivas da ideologia do favor, da
relação de dependência pessoal, a ponto de Schwarz (1981) apontar que o
favor, no Brasil, é uma mediação quase universal. Assim sendo, pode-se
indicar que quando a relação de trabalho está baseada na submissão e no
compadrio, elimina-se a possibilidade de uma relação livre e de cidadania
(Couto, 2008, p. 79)

Essas determinações histórico-particulares do Estado Brasileiro é a


amálgama da cultura política nacional com a base econômica dependente,
conformando um país com intensas marcas históricas. Tais marcas são expressas
na persistência das desigualdades (regionais, sociais), na estrutura fundiária
concentrada, no conservadorismo extremado que se apresenta no forte racismo e

gramática personalista em oposição ao universalismo de procedimentos, que é a epítome do


impersonalismo. O corporativismo e o insulamento burocrático são penetrados tanto pelo
personalismo como pelo impersonalismo. Enquanto gramáticas semipessoais e semi-impessoais,
estes últimos estabelecem parâmetros formais sob os quais os indivíduos podem ser considerados
iguais ou desiguais. Não obstante, são também profundamente penetrados pela lógica personalista
do clientelismo: o corporativismo auxiliou na criação de milhares de empregos públicos, que foram
preenchidos na base de princípios clientelistas. Além disso, muitos líderes sindicais beneficiaram-se
de dispositivos corporativistas para manter longos mandatos em sindicatos e federações e se
tornarem prestadores de favores, muitas vezes de forma clientelista. De outro lado, o insulamento
burocrático, como Fernando Henrique Cardoso mostrou, permitiu a existência de "anéis burocráticos"
tipicamente baseados em trocas personalistas (Nunes, 1997, p. 42).
42

sexismo (dentre vários outros preconceitos) e na cultura política autoritária e


antidemocrática, além de uma burguesia nacional dependente e associada enquanto
sócia menor do capitalismo internacional.
Uma burguesia que por essas características concentra mais sua energia na
luta pela própria sobrevivência econômica, mesmo que submissa as burguesias do
capitalismo central e “vítima de si mesma”, conforme aponta Fernandes (1975):

A burguesia de uma sociedade capitalista subdesenvolvida concentra o


melhor de suas energias, de seu talento e de sua capacidade criadora na
luta por sua sobrevivência econômica. [...] Assim, a economia capitalista
subdesenvolvida engendra uma burguesia que é vítima de sua própria
situação de classe. Ela possui poder para resguardar sua posição
econômica e os privilégios dela decorrentes no cenário nacional. Mas é
impotente noutras direções fundamentais, a tal ponto que induz e fomenta
um crescimento econômico que a escraviza cada vez mais intensamente ao
domínio dos núcleos hegemônicos externos" (idem, p. 77 e 78).

Levando os próprios interesses em conta (mesmo que de modo subserviente)


a burguesia garante sua reprodução e não atende aos anseios e reivindicações da
sua própria nação. Ribeiro (1995) sintetiza a formação social do Povo Brasileiro
destacando como os interesses do próprio povo não foram levados em conta
historicamente:

Os interesses e as aspirações do seu povo jamais foram levados em conta,


porque só tinha atenção e zelo no atendimento dos requisitos de
prosperidade da feitoria exportadora. O que estimulava era o aliciamento de
mais índios trazidos dos matos ou a importação de mais negros trazidos da
África, para aumentar a força de trabalho, que era a fonte de produção dos
lucros da metrópole. Nunca houve aqui um conceito de povo, englobando
todos os trabalhadores e atribuindo-lhes direitos. Nem mesmo o direito
elementar de trabalhar para nutrir-se, vestir-se e morar (idem, p. 447).

O Brasil se forma, então, carregando marcas históricas e contraditoriamente


se formando de costas para si mesmo. No entanto, não se pode caracterizar a
formação social brasileira apenas do ponto de vista das marcas históricas que o seu
povo carregou e continua carregando no sentido de exploração e dominação.
Isto porque durante esses processos, desenvolveu-se resistência e
organização seja dos quilombos negros, da resistência indígena contra sua
dizimação e dos próprios trabalhadores assalariados emergentes sinalizadas em
greves e manifestações por condições menos degradantes de trabalho. Dessa forma,
se nas raízes do Brasil pulsa opressão e desigualdade, contraditoriamente também
pulsa potência insurrecional que não se abate frente às opressões.
43

Como destaca Ribeiro (1995) na epígrafe deste item, apesar de termos


atravessado o processo de formação social ainda somos um povo novo, com uma
etnia nacional diferenciada das matrizes formadoras, que se vê como gente nova e
que possui uma inverossímil e espantosa alegria. Novos porque apesar da opressão
que marca historicamente a construção nacional segue resistindo e assim possui a
tarefa de fazer “nós mesmos como um gênero humano novo que nunca existiu antes.
Tarefa muito mais difícil e penosa, mas também muito mais bela e desafiante” (idem,
p. 454). Compreendendo que o sentido de belo e desafiante se refere ao fato de que
são os homens e mulheres que constroem sua história, mesmo que sob condições
históricas determinadas.
Fato é que apesar da capacidade de resistência e da potência de ser um povo
novo, as determinações incidem e implicam na vida cotidiana do povo brasileiro,
formado, sobretudo, por descendentes de um povo escravizado (indígena e negro),
da presença cotidiano do racismo estrutural20, de mulheres que vivenciaram o
patriarcado21, de uma cultura política autoritária e antidemocrática e na persistência
das desigualdades regionais e sociais.
Essas condições históricas podem ser aprendidas no chão da história a partir
da divisão internacional do trabalho no bojo do capitalismo mundial e de forma
interna na divisão nacional do Brasil, conformando o processo de modernização
capitalista e as bases da questão regional no país, como exposto na subseção
seguinte.

20
O racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se
constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia
social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural. Comportamentos individuais e
processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção. O
racismo é parte de um processo social que ocorre pelas costas dos indivíduos e lhes parece legado
pela tradição. Nesse caso, além de medidas que coíbam o racismo individual e institucionalmente,
torna-se imperativo refletir sobre mudanças profundas nas relações sociais, políticas e econômicas.
(Almeida, 2019, p. 33).
21
Na perspectiva feminista materialista, as relações sociais de sexo são relações de exploração,
opressão e dominação, que tem uma base material (a divisão sexual do trabalho e o controle sobre a
sexualidade e a reprodução das mulheres a ele associado), forjados pelo sistema patriarcal-racista-
capitalista, com seus contornos particulares na formação sócio-histórica brasileira dados por nossa
constituição como uma colônia de exploração que teve na racialização de grupos sociais para fins de
exploração – no caso, a população negra traficada do continente africano – um de seus pilares.
(Cisne; Ferreira, 2021, p.12 e 13).
44

2.2 Expansão capitalista e modernização conservadora no Brasil: as raízes da


questão regional

A partir da formação social nacional brasileira é possível apontar as raízes e


marcas históricas que o país e seu povo carregam. Mas esse processo não pode ser
entendido de forma endógena visto que o capital foi determinante na formação social,
conformando “um capitalismo sui generis, que só adquire sentido se o
contemplarmos na perspectiva do sistema em seu conjunto, tanto em nível nacional,
quanto, e principalmente, em nível internacional” (Marini, 2005, p. 6)
Isto porque na divisão internacional do trabalho capitalista mundial, o Brasil
ocupa lugar periférico e dependente. Esse processo pode ser compreendido a partir
da emergência e consolidação do capitalismo mundial, desde o século XVI até a
Revolução Industrial.
Ruy Mauro Marini (2005) aponta dois momentos cruciais que condicionaram e
determinaram a dependência dos países periféricos no bojo da divisão internacional
do trabalho. A América Latina contribuiu em um primeiro momento a partir da
produção de metais preciosos e gêneros exóticos para o fluxo de mercadorias e
expansão dos meios de pagamento que permitiram o desenvolvimento do capital
comercial e bancário na Europa, propiciando o caminho para criação da grande
indústria. Em um segundo momento, com a revolução industrial e consolidação da
grande indústria, os novos países se articulam com a metrópole inglesa para atender
suas requisições começando a produzir e a exportar bens primários, em troca de
bens manufaturados de consumo. Esses dois momentos são fundamentais, mas o
segundo é o principal, posto que:

É a partir desse momento que as relações da América Latina com os


centros capitalistas europeus se inserem em uma estrutura definida: a
divisão internacional do trabalho, que determinará o sentido do
desenvolvimento posterior da região (Marini, 2005, p. 8).

Essa estrutura define a dependência dos países periféricos na divisão


internacional do trabalho, visando atender os interesses dos países de capitalismo
central, que desde a fase mercantil determinam os modos de produção e reprodução
social nesses espaços. Então se constituem como países que possuem uma
produção especializada para o mercado internacional, com exploração intensiva da
45

mão-de-obra e baixa remuneração, um trio que se complementa com a repressão e


submissão da força de trabalho pela força.
Na formação social brasileira, é possível apreender esse processo de
atendimento às demandas externas em um período que o próprio capitalismo estava
em vias de consolidação, transitando de sua forma mercantil para industrial.
Tratando desse processo de acumulação capitalista que foi base para o
amadurecimento do capitalismo mundial, Marx (1996) destaca como ocorreram os
métodos de exploração colonial baseados na exploração e violência, tendo em vista
que:

A descoberta das terras do ouro e da prata, na América, o extermínio, a


escravização e o enfurnamento da população nativa nas minas, o começo
da conquista e pilhagem das Índias Orientais, a transformação da África em
um cercado para a caça comercial às peles negras marcam a aurora da era
de produção capitalista. Esses processos idílicos são momentos
fundamentais da acumulação primitiva. [...]
Esses métodos baseiam-se, em parte, sobre a mais brutal violência,
por exemplo, o sistema colonial. Todos, porém, utilizaram o poder do
Estado, a violência concentrada e organizada da sociedade, para ativar
artificialmente o processo de transformação do modo feudal de produção
em capitalista e para abreviar a transição. A violência é a parteira de toda
velha sociedade que está prenhe de uma nova. Ela mesma é uma
potência econômica (idem, 1996, p. 370. Grifos nossos.).

Dessa forma, os processos de etnocídio e genocídio sofrido pelos povos


originários do Brasil, bem como o processo de retirada à força dos povos africanos
de sua terra original, cumpriram para o capitalismo as bases de apropriação da
riqueza e de acumulação primitiva para expansão de sua fase mais desenvolvida,
com a Revolução Industrial na Inglaterra e sua posterior expansão global, de forma
desigual.
Ao dissertar sobre o processo de acumulação primitiva do capital, Marx (1996)
cita ainda uma reflexão que sintetiza esse processo baseado na exploração e
violência, pois “Se o dinheiro, segundo Augier, 'vem ao mundo com manchas
naturais de sangue sobre uma de suas faces', então o capital nasce escorrendo por
todos os poros sangue e sujeira da cabeça aos pés” (idem, p.378 e 379).
Nesse contexto, o processo de desenvolvimento brasileiro baseia-se, em
suma, no atendimento das necessidades de expansão capitalista internacional. A
partir dessa relação de dependência, é possível apreender o desenvolvimento
desigual e combinado que rege os processos de expansão capitalista, na qual é
estabelecida uma divisão internacional do trabalho com países dependentes
46

especializados na produção de matérias-primas e atendimento das demandas


externas, enquanto as economias dos países centrais do capitalismo experimentam
um rápido desenvolvimento industrial e tecnológico.
Essa divisão torna-se explícita na própria forma de constituição das
economias coloniais, como a brasileira a partir de 3 setores: o mercado externo, o
mercado interno e o setor de subsistência, como propõe Paul Singer (1983). O setor
de mercado externo é composto por um conjunto de atividades produtivas em geral
“monoprodutor”, altamente especializado e voltado aos países que estavam
atravessando a Revolução Industrial. Na realidade brasileira, esse elemento é muito
presente visto que da Independência “até 1960 o Setor de Mercado Externo era
quase só produtor de café, que chegou a representar quase 90% da nossa receita
de exportações. Em certas épocas, junto com o café, exportamos açúcar; [...]
algodão ou borracha” (Singer, 1983, p. 136).
O mercado externo constitui o setor mais dinâmico e líder da economia do
país no qual a parcela da classe dominante que opera costuma ser detentora
hegemônica no poder. No Brasil, o exemplo mais proeminente é a oligarquia agro-
exportadora, cujos interesses norteiam a formulação da política econômica.
Como uma espécie de sombra do mercado externo, existe o Mercado Interno
constituído por uma série de atividades que complementavam a exportação, delas a
mais importante era a importação. Por exemplo, com as divisas obtidas com a
exportação de café pelo Brasil, ou de salitre pelo Chile, Singer aponta (1983) como
era preciso importar uma série de produtos manufaturados, visto que:

uma das funções das economias coloniais, além de fornecer matérias-


primas aos países industrializados, era servir-lhes de mercado, o qual era
constituído, na verdade, por uma pequena minoria, por uma elite que podia
consumir produtos importados (idem, p. 139).

Além desses setores principais, existia ainda um setor voltado à subsistência,


abrangendo pouca parcela da população brasileira: “não mais que um terço da
população economicamente ativa, no auge da nossa economia colonial — na
década dos 20 deste século —, era absorvida por essas atividades”. Representa
uma espécie de parte submersa do iceberg, que menos se enxergava e evidenciava
na sociedade brasileira antes de 1930. Como não estava inserido na economia de
47

mercado propriamente dita, esse setor ainda possuía uma marca característica de
pobreza e atraso na economia colonial.
Pode-se questionar, então, como ocorre o desenvolvimento dessas nações
periféricas marcadas pelo processo colonial de submissão ou até mesmo o
rompimento com tais estruturas. Por si só, as nações não possuem um impulso
próprio interno que leve à sua alteração, a menos que realizem um processo
revolucionário de rompimento com a estrutura colonial. Pois enquanto encontra-se
ligada ao mercado externo não se altera estruturalmente, continua nessa teia de
submissão e não consegue passar a uma fase de industrialização. Para isso
acontecer, é preciso um impulso externo maior, como explica Singer (1983):

Para que isso se dê, é preciso um impulso externo — como é típico numa
economia dependente — ou interno — e, nesse caso, revolucionário, um
impulso que derrube a estrutura de dominação preexistente, colocando um
outro grupo social no poder, o qual vai usar o poder de Estado para
desencadear um processo de mudança estrutural (idem, p. 141).

No caso do Brasil e de muitos países da América Latina, que desenvolveram


sua industrialização sistematicamente por volta de 1930, o fator de mudança foi
externo. Nesse caso, a crise econômica do capitalismo que ficou conhecida como
época da grande depressão, a partir de 1929. Manifestada como falta de demanda
efetiva por produtos, a crise acabou conduzindo o capitalismo a uma reestruturação
da produção e da forma de gestão do trabalho que toma por base a proposta de
Henry Ford22, com o Fordismo:

O que havia de especial em Ford (e que, em última análise, distingue o


fordismo do taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento explícito de
que produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema

22
A data inicial simbólica do fordismo deve por certo ser 1914, quando Henry Ford introduziu seu dia
de oito horas e cinco dólares como recompensa para os trabalhadores da linha automática de
montagem de carros que ele estabelecera no ano anterior em Dearbon, Michigan. Mas o modo de
implantação geral do fordismo foi muito mais complicado do que isso. Ford também fez pouco mais
do que racionalizar velhas tecnologias e uma detalhada divisão do trabalho preexistente, embora, ao
fazer o trabalho chegar ao trabalhador numa posição fixa, ele tenha conseguido dramáticos ganhos
de produtividade. Os Princípios da Administração Científica, de F. W. Taylor - um influente tratado
que descrevia como a produtividade do trabalho podia ser radicalmente aumentada através da
decomposição de cada processo de trabalho em movimentos componentes e da organização de
tarefas de trabalho fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo e estudo do movimento -,
tinham sido publicados, afinal, em 1911. E o pensamento de Taylor tinha uma longa ancestralidade,
remontando, através dos experimentos de Gilbreth, na década de 1890, às obras de escritores da
metade do século XIX como Ure e Babbage, que Marx considerara reveladoras. A separação entre
gerência, concepção, controle e execução (e tudo o que isso significava em termos de relações
sociais hierárquicas e de desabilitação dentro do processo de trabalho) também já estava bem
avançada em muitas indústrias (Harvey, 2008, p. 121).
48

de reprodução da força de trabalho, uma nova política de· controle e


gerência do trabalho (Harvey, 2008, p. 121).

A adoção desse modelo de gestão da força de trabalho buscava disciplinar os


trabalhadores “em sistemas de produção novos e mais eficientes e em que a
capacidade excedente fosse absorvida em parte por despesas produtivas e
infraestruturas muito necessárias para a produção e o consumo” (Harvey, 2008, p.
124).
Mas essas mudanças nas bases produtivas manifestam-se principalmente na
Europa e Estados Unidos (EUA)23 enquanto características de países de capitalismo
central e o EUA como país que atravessou rompimento da sua base colonial e
avançava na mudança das bases produtivas com a incorporação de uma produção
em escala, consumo em massa e na criação de um estilo de vida americano, na
incorporação cultural do americanismo24 .
Para a realidade brasileira periférica, a crise implicou na queda do comércio
mundial afetando o setor de mercado externo e enfraquecendo as oligarquias agro-
exportadoras ou minero-exportadoras. Por isso, o país recebeu o “estímulo externo”
atravessando mudanças políticas como a Revolução de 1930 e ao mesmo tempo
criando condições que permitiram surgir, no Setor de Mercado Interno, um
desenvolvimento autônomo, uma industrialização por substituição de importações.
(Singer, 1983).

23
As características demográficas e socioculturais dos EUA são apontadas por Gramsci (2008) como
elementos que contribuíram para a incorporação desse padrão de produção e de reprodução social:
“A América não tem grandes tradições históricas ' e culturais, mas também não está marcada por
essa ' capa de chumbo. Essa é uma das principais razões — certamente mais importante do que a
assim chamada riqueza natural —que explicam sua formidável, acumulação de capitais, não obstante
o nível de vida ' das classes populares ser superior ao europeu. A não- -existência destas
sedimentações viscosamente parasitárias, deixadas pelas fases históricas, permitiu uma base sã à
indústria e especialmente ao comércio, e sempre reduziu a função econômica representada pelos
transportes e pelo comércio a uma atividade subalterna a da produção, ou melhor, a uma possível:
absorção dessas atividades pela produção. Visto - que existiam estas condições preliminares,
garantidas '. pelo desenvolvimento histórico, foi relativamente fácil: racionalizar a produção e o
trabalho, combinando habilmente a força — a destruição do sindicalismo operário de alcance nacional
— com a persuasão —', altos salários, benefícios sociais diversos, propaganda ' ideológica e política
muito hábil, conseguindo-se, assim, basear toda a vida do país sobre a produção” (Gramsci, 2008, p.
38).
24
Fenômeno a um só tempo político, ideológico e econômico, o americanismo surge aos olhos de
Antonio Gramsci como um modo de vida profundamente imbricado na esfera produtiva com o
taylorismo —como modelo de organização do trabalho —e com o fordismo —como mecanismo global
de acumulação de capital. Em oposição ao movimento comunista oficial —que reiteradamente havia
ignorado a importância do americanismo para a teoria do imperialismo —, Gramsci produzirá uma
renovada periodização do capitalismo monopolista vertebrada pelo diagnóstico segundo o qual desde
ofinal do século XIX o odesenvol vimento da grande indústria monopolista deslocara o eixo dinâmico
da economia mundial da Europa para os Estados Unidos (Braga, 2008, p.12 e 13).
49

Esse processo de industrialização também é conduzido pelos traços do


desenvolvimento dependente, se expressando então nas características da
industrialização por substituição de importações como também na forma que a
burguesia conduziu esse processo. Mas apesar do caráter dependente e da
necessidade desse impulso externo, isso não implica caracterizar que as
transformações no capitalismo brasileiro são como revoluções frustradas, mas sim
compreender nas trilhas do que Fernandes (1976) aponta como um fenômeno
político:

O que sugere que a Revolução Burguesa na periferia, é, por excelência, um


fenômeno essencialmente político, de criação, consolidação e preservação
de estruturas de poder predominantemente políticas, submetidas ao
controle da burguesia ou por ela controláveis em quaisquer circunstâncias.
É por essa razão que, se se considerar a Revolução Burguesa na periferia
como uma “revolução frustrada”, como fazem muitos autores
(provavelmente seguindo implicações da interpretação de Gramsci sobre a
Revolução Burguesa na Itália), é preciso proceder com muito cuidado (pelo
menos, com a objetividade e a circunspecção gramsciana) (idem, p. 343).

Esse processo, no entanto, não foi homogêneo e simples tendo em vista as


diferentes características da burguesia brasileira desde os estratos escravistas e
latifundiários até o segmento que deseja avançar na industrialização. Assim, para
que essas classes e estratos pudessem alcançar uma verdadeira forma burguesa de
solidariedade de classe para comungar seus interesses materiais, era necessário
que elas sofressem uma complexa e difícil transfiguração. Fernandes (1976) destaca
que elas precisavam se despojar dessa “segunda natureza humana” que o
escravismo incutiu nas “classes possuidoras”, revisando suas ideologias e utopias,
que foram assimiladas em grande medida nas experiências democrático-burguesa
europeias e norte-americana, da época da emancipação nacional em diante.
Despojando-se, assim, do sonho de ser a burguesia do capitalismo central, as
classes possuidoras do Brasil tinham a tarefa de compreender a sua própria
realidade, em termos de papéis e das tarefas históricas que poderiam desempenhar:
“como e enquanto burgueses de uma sociedade de classes subdesenvolvida e
dependente na era do capitalismo monopolista e do imperialismo total” (Fernandes,
1976, p. 362 e 363).
E a tarefa dessa burguesia associada ao grande capital não congrega um
projeto político de orientação democrática e soberania nacional, na verdade trata-se
de arranjos de cúpula com setores oligárquicos sem demandar uma ruptura por meio
50

de uma revolução democrático-burguesa. Essas mudanças nas relações produtivas


sem demandar necessariamente um projeto nacional e produzir, de fato, mudanças
estruturantes, caracteriza os condicionantes da modernização conservadora
nacional, com os primórdios da industrialização, modernizando sua economia, mas,
ao mesmo tempo, conservando marcas históricas de concentração de poder e
desigualdade.
Essas características são expressas em rupturas e mudanças concretizadas
nos países que vivenciaram as revoluções democráticas clássicas e que não se
materializaram em terras brasileiras, reiterando concentração de poder, renda e
desigualdade:

A apreensão dos aspectos que tornaram burguesa a sociedade brasileira


sem vivenciar, por exemplo, um processo de ruptura com o latifúndio e seus
antigos representantes é, a nosso ver, pressuposto central para o estudo
sobre os fundamentos das desigualdades regionais e os descompassos
entre as regiões tidas como mais ricas ou “avançadas” e as pobres ou
“atrasadas” enquanto fenômeno moderno (Pereira, 2021, p .36).

Assim que o Brasil atravessa, com suas características dependentes e de


sociedade de classes subdesenvolvida, os primórdios da industrialização,
modernizando sua economia, mas ao mesmo tempo conservando as marcas
históricas da formação nacional. Nesse processo, torna-se perceptível a divisão
internacional do trabalho e a consequente divisão nacional do trabalho engendrada
com o início da industrialização.
Isso porque, a partir dessa divisão internacional, gesta-se também no
processo de expansão do capital, uma divisão nacional e regional do trabalho dentro
de cada país, conforme análise de Oliveira (1977), um processo que se reproduz
internamente, a partir da “nacionalização do capital”. Isso ocorre inclusive em países
de capitalismo central, quando o desenvolvimento capitalista conduz a um processo
de concentração e centralização, gerando desigualdades regionais.
É o que aponta Pereira (2021) ao caracterizar A Questão Regional na
dialética universal-particular visto que ao mesmo tempo que o desenvolvimento do
capital necessita da homogeneização dos espaços para sua reprodução ampliada
(integrando as regiões no mesmo modo de produção), também cria e aprofunda,
pelos mesmos meios, as desigualdades regionais, permitindo aguçar ainda mais a
acumulação privada das riquezas socialmente produzidas.
51

Assim que essas desigualdades e contradições se universalizam “mediante


uma combinação entre diversas configurações regionais” (Pereira, 2021, p. 34), e se
expressam tanto em países periféricos quanto centrais, ainda que adquiram forma
mais profunda e enraizada nos países de capitalismo dependente.
Esse movimento de aprofundamento das desigualdades diz respeito ao
próprio modo de funcionamento do capitalismo a partir da lei do desenvolvimento
desigual. Essa formulação foi desenvolvida por Lênin (1982) em estudo sobre o
desenvolvimento do capitalismo na Rússia, publicado em 1899, em que apesar de
muitos países estarem desenvolvendo relações capitalistas e formação do
proletariado, a Rússia ainda era essencialmente um país agrário e semifeudal.
Ao analisar essas relações na Rússia, Lênin (1989) destaca que o processo
de transformação capitalista não pode ocorrer de outro modo senão em meio a uma
série de desigualdades e desproporções: “o desenvolvimento de um ramo industrial
provoca o declínio de outro, o progresso da agricultura afeta aspectos da economia
rural que variam segundo as regiões, o desenvolvimento do comércio e da indústria
supera o da agricultura etc” (Lênin, 1982, p. 373). Assim, na Rússia mesclava-se o
novo e o velho, com o surgimento desse modo de produção no país através de um
sistema de transição, combinando e associando traços da corveia e do sistema
capitalista.
Justamente a partir dessa premissa do desenvolvimento desigual, que León
Trotsky25 agrega outra, dela decorrente e a ela complementar, a chamada lei do
desenvolvimento combinado. Como explica Silveira Jr. (2022), essa lei implica a
tendência de as nações atrasadas sob a base desse desenvolvimento desigual
amalgamar e condensar de modo forçoso formas arcaicas e modernas, combinando
distintas fases do processo histórico, aproximando diferentes etapas desse processo,
com repercussões nas superestruturas políticas e ideológicas.
Apesar do potencial didático que a fórmula composta da “lei do
desenvolvimento desigual e combinado” possa conter, Silveira Jr. (2022) adverte que,
em Trotsky, observa-se sempre o respeito a dois enunciados, sem prejuízo da sua

25
No capítulo de abertura da História da Revolução Russa de Trotsky, localizado no primeiro volume
da obra, cujo prefácio é de novembro de 1930, nos deparamos com a formulação da chamada lei do
desenvolvimento combinado, concebida como decorrência e complemento da lei do desenvolvimento
desigual – esta última então já conhecida e associada ao legado de Lênin. Ali, o postulado da lei do
desenvolvimento combinado aparece como instrumento científico, lastreado na lei do
desenvolvimento desigual e cunhado para o desvendamento do enigma da Revolução de Outubro.
(Silveira Jr., 2022, p. 121).
52

absoluta ligação científica e histórica entre ambas: a lei do desenvolvimento desigual


e a lei do desenvolvimento combinado. Distinguindo-se, inclusive, do modo como
tais enunciados aparecem originalmente em Trotsky, parte da cultura crítica que se
realizou sobre o tema correntemente passou a utilizar-se, algumas vezes de modo
indiscriminado da “lei do desenvolvimento desigual e combinado”: uma reconstrução
terminológica resultante de uma espécie de “fusão” conceitual que parecer ter sua
origem nos escritos do trotskista norte-americano George Novack elaborados no
final dos anos 1950 (Silveira Jr., 2022).
O mais importante nessa discussão é a compreensão de que o capitalismo se
projeta universalizando sua dominação e de desenvolvimento das forças produtivas
gerando em sua essência profundas desigualdades, conforme a lei do
desenvolvimento desigual. Destas desigualdades resultam formas arcaicas e
modernas convivendo no mesmo espaço, por isso o desenvolvimento combinado é
decorrente do desenvolvimento desigual. Duas leis que possuem particularidades e
são diferentes, mas estão diretamente ligadas: a lei do desenvolvimento desigual
tem por consequência a lei de desenvolvimento combinado.
Desta natureza expansiva, contraditória e desigual do capital resulta em que
se choquem, a tendência de universalizar as formas de produção e desenvolver as
relações capitalistas, mas também de acentuar as desigualdades. Tem-se, assim,
dois movimentos, um da lei do desenvolvimento desigual e outro da lei do
desenvolvimento combinado que se expressam na organização interna dos países,
como explica Silveira Jr (2022):

I) a tendência de equiparação de níveis econômicos e culturais direcionada


para uma nivelação relativa, que envolve a possibilidade de saltos por cima
de etapas e aceleração de ritmos na evolução econômica e cultural;
e II) a imposição e acentuação de formas de desenvolvimento desigual, que
supõem, desde a oposição entre países e ramos de produção, a
possibilidade de combinações entre etapas e níveis de desenvolvimento, e,
até mesmo, o estancamento demorado em algum desses níveis (idem, p.
125).

A Itália, por exemplo, como aponta Santos (2017), apresenta essas diferenças
regionais e também não se formou através de uma revolução do tipo jacobino-
francesa, o que aconteceu foi um conjunto de sucessivas ondas de modernização
sem uma explosão revolucionária, sem mudanças radicais sejam no âmbito social ou
político.
53

Nessa realidade italiana, Antônio Gramsci (2015) conseguiu importantes


estudos sobre as diferenças regionais na Itália, sobretudo entre o Norte com mais
condições de avanço na base produtiva e um Sul atrasado. Assim, tornava-se
explícita A questão Meridional Italiana, mesmo que as classes despossuídas não a
entendessem por completo:

A “miséria” do Mezzogiorno era “inexplicável” historicamente para as


massas populares do Norte; elas não compreendiam que a unidade não
ocorrera numa base de igualdade, mas como hegemonia do Norte sobre o
Mezzogiorno numa versão territorial da relação campo-cidade, isto é, que o
Norte concretamente era um “sanguessuga” que se enriquecera à custa do
Sul e que seu desenvolvimento econômico-industrial estava em relação
direta com o empobrecimento da economia e da agricultura meridional
(Gramsci, 2015, p. 73).

No Brasil, esse processo de nacionalização do capital e engendramento das


desigualdades regionais ocorreu geograficamente, de modo inverso ao das regiões
italianas, pois, de modo comparativo, é como se o Nordeste estivesse para o Brasil
como o Sul está para a Itália. Isso porque na realidade nacional, enquanto o Centro
Sul desponta no processo de industrialização, o Norte e Nordeste não acompanham
esse compasso de desenvolvimento.
Assim que o Centro-Sul, sobretudo concentrando-se no Estado de São Paulo,
assume o processo de aprofundamento do capital no país (tema que será mais
aprofundado no capítulo 2). Ou seja, enquanto o país recebe por meio de suas
regiões as demandas do capital internacional ele está se “regionalizando”, mas
quando uma dessas regiões assume o comando do processo de expansão do
capitalismo, há um processo de nacionalização desse capital, conforme
sistematização de Francisco de Oliveira (1977).
Nesse contexto, antes mesmo do processo indutor da industrialização mais
profunda no país, São Paulo já continha base industrial inicial sendo desenvolvida e
naquele momento era o lócus essencial para aprofundamento das relações
capitalistas esperadas pelo grande capital, como aponta Wilson Cano (1998):

Antes da crise de 1929, SP já concentrava grande parte (37,5%) da


indústria brasileira, com estrutura diversificada e, além disso, também aí se
encontrava a mais expressiva e adiantada agricultura da nação. Tudo isso
lastreado nas mais avançadas relações capitalistas de produção no país. A
economia paulista, diante da grave crise, tinha que forçar a busca de sua
recuperação. Fê-lo com avanço, modernização e ampliação de suas bases
produtivas (idem, p. 47).
54

Assim que São Paulo destaca-se em relação às demais regiões e aos


próprios estados do Eixo Centro-Sul como o espaço em que a cafeicultura se
implantaria em bases capitalistas mais avançadas, reunindo as condições esperadas
pelo capital para avançar na industrialização.
Nesse sentido, enquanto o Centro-Sul avançava no aprofundamento das
bases capitalistas, as demais regiões situadas sobretudo no Norte e no Nordeste
também participam do processo, mas não de forma tão profunda e com ganhos tão
evidentes na sua base industrial.
Assim que também decorre uma divisão nacional do trabalho, com a
combinação de diferentes estruturas e dinâmicas no mesmo sistema e na
particularidade do Brasil como uma “permanente relação entre o desenvolvimento
desigual interno e a dominação imperialista externa, (re)compondo as desigualdades
regionais” (Pereira, 2021, p. 34. Grifos do autor).
Essa diferenciação entre as regiões, em linhas gerais entre as duas principais,
demarca uma redefinição regional do trabalho no conjunto do território brasileiro, em
que uma encontra-se em plena expansão e a outra em estagnação. Nesse circuito
de concentração e centralização do capital em uma das regiões que as
desigualdades se aprofundam e o Nordeste brasileiro possui funcionalidade para o
capital:

Regiões como o Nordeste funcionam nesse processo como verdadeira


reserva da superpopulação relativa, garantindo o baixo custo da força de
trabalho, mesmo com o aumento da produtividade. Já o Sudeste passa a
assumir a função de região-centro, constituindo sua hegemonia sobre as
demais regiões no movimento de concentração e centralização do capital.
Para isso, as migrações cumpriram importante papel (Pereira, 2021, p. 36).

É nesse contexto que emerge a chamada crise regional no qual uma região
está em estado de estagnação frente às outras e é necessário um planejamento com
o objetivo de atenuar essas desigualdades, assim nasce o planejamento regional26
para o Nordeste Brasileiro.
Tendo em vista o sentido que o capital insere nessa divisão internacional e
nacional do trabalho, neste trabalho adota-se um conceito de região que se

26
Nesse trabalho não se entende planejamento de uma forma abstrata e deslocada da história, mas
sim como uma “forma de racionalização da reprodução ampliada do capital” (Oliveira, 1977, p. 24). E
para racionalizar essa reprodução o planejamento emerge como uma forma de intervenção do Estado
sobre as desigualdades, sobre as contradições entre a reprodução do capital em nível nacional e a
regional, que toma a aparência de conflitos entre as regiões.
55

fundamente na particularidade/especificidade da reprodução do capital, nas formas


que o processo de acumulação assume em um determinado lócus/espaço, na
estrutura de classes peculiar a essa forma de acumulação e também nas formas da
luta de classes e conflito que a perpassam. Sintetizando essa concepção de região a
partir de uma leitura marxista e do ponto de vista de totalidade, explica Oliveira
(1977) que:

Uma "região" seria, em suma, o espaço onde se imbricam dialeticamente


uma forma especial de reprodução do capital, e por consequência uma
forma especial da luta de classes, onde o econômico e o político se
fusionam e assumem uma forma especial de aparecer no produto social e
nos pressupostos da reposição (idem, p. 29).

Ao passo que se apreender a região de forma crítica é preciso, possibilita


compreender a trajetória da questão regional no Nordeste Brasileiro, ou seja, de que
forma foi construída historicamente a região, tanto em seu sentido econômico,
geográfico, administrativo, mas também do imaginário social, da imagem que reflete
o que é a região.
Assim pode-se questionar como se gestou a formação do Nordeste? Quais as
visões, os estigmas, os preconceitos? E ao mesmo tempo quais os aspectos de sua
construção econômico-social que demarcam a trajetória dessa região periférica?
Por isso, na seção seguinte será abordada a questão regional no Nordeste
Brasileiro, com foco nas construções históricas e particularidades socioterritoriais,
culturais, políticas e econômicas da Região da colonização ao longo do século XX.
56
57

Que braseiro, que fornalha


Nem um pé de plantação
Por falta d'água, perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão

Por falta d'água, perdi meu gado


Morreu de sede meu alazão

Inté mesmo a asa branca


Bateu asas do sertão
Entonce eu disse: Adeus, Rosinha
Guarda contigo meu coração

Hoje longe, muitas léguas


Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim voltar pro meu sertão

Quando o verde dos teus olhos


Se espalhar na plantação
Eu te asseguro, não chore não, viu?
Que eu voltarei, viu, meu coração?

Asa Branca - Luiz Gonzaga


58

3 A QUESTÃO REGIONAL NO NORDESTE BRASILEIRO: construções


históricas e particularidades regionais

É a partir dos determinantes da formação social brasileira que o Nordeste


Brasileiro se forma historicamente e pode ser entendido nesse estudo através de
uma concepção crítica que coloca a região como espaço onde se imbricam uma
forma de reprodução do capital e de luta de classes. Além dessa base crítica, o
estudo se baseia em uma proposta de periodização de como ocorreu a constituição
da Região, sua trajetória histórica e a realidade atual. Dessa forma, faremos um
esforço de identificação das fases mais relevantes pelas quais passou o Nordeste,
desde as bases da colonização até os anos recentes.
Essa compreensão é estabelecida a partir da análise de Guimarães Neto
(1997) que propõe uma periodização a partir de 3 grandes momentos: 1) O primeiro
momento de consolidação de uma estrutura econômica e social que
tradicionalmente se identificou como o Complexo Econômico do Nordeste,
constituído de vários segmentos exportadores; 2) O segundo momento marcado
pela articulação comercial na qual este complexo regional voltado para o mercado
interno passando a se articular, da perspectiva comercial (produtor ou consumidor)
com os demais espaços nacionais, no movimento de constituição do mercado
interno brasileiro; e 3) O terceiro momento de integração produtiva, que consistiu na
superação da articulação comercial anterior pela transferência para as regiões
periféricas, inclusive o Nordeste, de frações do capital produtivo, público e privado,
que a partir das novas oportunidades de investimento nesses espaços, promoveriam
uma integração produtiva dessas regiões, já articuladas comercialmente desde a
fase anterior.
Nessa periodização, o primeiro momento abrange o chamado Complexo
Econômico Nordestino corresponde à maior parte do período colonial e avançaria
até a primeira metade do século XIX, o segundo momento compreende a fase de
articulação comercial e poderia ser situada, no caso do Nordeste, entre o final do
século XIX e a primeira metade do XX. Com a implantação da indústria pesada no
Brasil, com a formação dos grandes grupos econômicos, públicos e privados e as
novas formas de atuação que o Estado brasileiro, sobretudo a sua esfera federal,
passa a adotar a partir dos anos 60 com relação às partes economicamente mais
59

atrasadas do território nacional que se constitui a terceira fase, de integração


produtiva.
Esses momentos de periodização demarcam a trajetória econômica do
Nordeste, desde as bases da economia colonial até as repercussões para a
conformação da economia nordestina no século XX. A partir desse fio condutor que
irá ser abordado tanto a formação histórica dessa região periférica, suas
características e dinâmica no século XX quanto às determinações para a
emergência da chamada questão regional e das formas que o Estado adotou de
enfrentamento.
Para isso o capítulo se subdivide em dois grandes eixos: o primeiro para
debater as trajetórias da construção regional nordestina, a partir das particularidades
socioterritoriais, culturais, políticas e econômicas. E uma segunda que abrange a
modernização nacional e a eclosão da questão regional no Nordeste Brasileiro.

3.1 Trajetórias da construção regional: as particularidades socioterritoriais,


culturais, políticas e econômicas do Nordeste Brasileiro

Numa análise do ponto de vista da totalidade, que busca apreender as


múltiplas dimensões do real, para tratar das trajetórias da construção regional
nordestina, é preciso entender as diversas dimensões que compõem a realidade
social, como a cultura, a economia e a política. Por isso, esse tópico mergulha na
formação social nordestina e divide-se em dois eixos: um primeiro que discute os
elementos socioterritoriais, culturais e políticos na formação social nordestina e um
segundo que debate os aspectos econômicos centrais na formação do Complexo
Econômico da Região.
Consiste em um duplo movimento importante para ser uma base de análise
histórica, política, cultural e econômica para apreender os determinantes para
eclosão da questão regional no Brasil de uma forma geral e em particular na Região
Nordeste, iniciando a seguir com a trajetória histórica da construção cultural e
política do que se entende hoje como Nordeste Brasileiro.
60

3.1.1 Trajetória cultural e política: as imagens sobre o Nordeste

Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os


infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos.
Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do
rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma
sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, Sinha Vitória com o filho mais novo
escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a
tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de
pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.

Vidas Secas – Graciliano Ramos

Seca, pobreza, terra inóspita e povo marcado pelo sofrimento. A imagem


comumente associada à Região Nordeste seja no imaginário social, na literatura e
nas falas cotidianas remetem a uma construção histórica (re)produzida socialmente.
Ao passo que se apreender a região de forma crítica é preciso, ainda, é
necessário compreender de que forma foi construída historicamente a Região
Nordeste, tanto em seu sentido econômico, geográfico, administrativo, mas também
do imaginário social, das narrativas e das imagens que refletem o que é a região.
Como se gestou a formação do Nordeste? Quais as visões, os estigmas, os
preconceitos? As vidas secas, no entanto, existem como caracterizadas na obra de
Graciliano Ramos, e são atingidas pela migração, pobreza e estiagem. Todavia, o
mais importante reside nos motivos que causam esses fenômenos.
Para isso é importante primeiro mergulhar na formação social brasileira,
sobretudo nas particularidades regionais nordestinas. Nesse percurso sócio-histórico
da Região destaca-se como ela foi também o berço da miscigenação, tendo em vista
que a principal atividade econômica colonial do século XVI foi desenvolvida
concentrando-se nas terras de massapé da Zona da Mata do Nordeste até
o recôncavo baiano, fincando as bases da civilização do açúcar, com expressões
urbanas nas cidades-porto de Olinda-Recife, em Pernambuco, e de Salvador, na
Bahia, como aponta Ribeiro (1995).
Nesse processo se desenvolvia uma nova formação de brasileiros compostos
originalmente de mamelucos ou brasilíndios, fruto da mestiçagem de europeus com
indígenas e ao mesmo tempo se desdobrava pela presença mais intensa de
pessoas negras escravizadas africanas.
61

Assim, Darcy Ribeiro (1995) aponta a geração da cultura crioula, no qual


muitas mulheres passaram a gerar mulatos e mulatas que nasciam proto-brasileiros
ao não serem assimiláveis nem reconhecidos como indígenas, europeus nem
africanos. Desse modo:

Surge, assim, a área cultural crioula, centrada na casa grande e na senzala,


com sua família patriarcal envolvente e uma vasta multidão de serviçais.
Estes, muito semelhantes aos brasilíndios de São Paulo, se diferenciavam
também pela especialização subalterna como gente de serviço, provedores
de gêneros e pescadores (Ribeiro, 1995, p. 97).

Uma fração dessa matriz, assumindo a função de criadores de gado, também


se diferencia, afeiçoando-se ao trabalho na pecuária bovina. Isso porque no Agreste,
depois nas caatingas e nos cerrados, desenvolveu-se uma economia pastoril
associada à produção açucareira, fornecendo carne, couros e bois de serviço.
Os primeiros lotes instalaram-se no agreste de Pernambuco e na orla do
recôncavo baiano, distanciados dos engenhos para “não estagnar os canaviais”.
Desses espaços se multiplicavam e se dispersavam em currais. Apesar de ser uma
economia essencialmente pobre, dependente e de subsistência, contavam com a
segurança de um mercado interno para sua produção, que “acabou incorporando ao
pastoreio uma parcela ponderável da população nacional, cobrindo e ocupando
áreas territoriais mais extensas que qualquer outra atividade produtiva” (Ribeiro,
1995, p. 339).
O mais importante do ponto de vista cultural, é que essa atividade econômica
também conformou um tipo particular de população com uma subcultura própria, a
cultura sertaneja, com especialização no pastoreio, dispersão espacial/geográfica e
com traços característicos identificáveis “no modo de vida, na
organização da família, na estruturação do poder, na vestimenta típica,
nos folguedos estacionais, na dieta, na culinária, na visão de mundo e numa
religiosidade propensa ao messianismo” (Ribeiro, 1995, p. 339).
Essa cultura sertaneja atrealada com essa atividade pastoril foi responsável
por ocupar o território nordestino e brasileiro, lado a lado, nas condições climáticas
do semiárido e suas secas periódicas. Assim, o homem e o boi foram estabelecendo
uma relação:

Conformaram não só a vida, mas a própria figura do homem e do gado. Um


e outro diminuíram de estatura, tornaram-se ossudos e secos de carnes.
62

Assim, associados, multiplicando-se juntos, o gado e os homens foram


penetrando terra adentro até ocupar, ao fim de três séculos, quase todo o
sertão interior (Ribeiro, 1995, p. 344).

Mais tarde, as terras mais pobres, onde o gado não podia se desenvolver,
foram dedicadas à criação de bodes, cujos couros possuíam mercado. Assim, os
currais foram sendo criatórios de gado, de bode e de gente: os bois para venda, os
bodes para consumo próprio e os homens para emigrar em busca de melhores
condições.
É nessa construção da Região como marcada pelo sofrimento e resistência
frente às adversidades que emerge a imagem do homem e mulher nordestinos,
centrando-se diante do clima e da vida dura em “um modelo de virilidade e na visão
subordinada e pejorativa do feminino” (Cisne; Raulino; Soares, 2022, p. 356).
Justamente nesse cenário emerge a imagem da mulher nordestina, relegada ao
mundo privado, marcado pela resiliência e ao mesmo tempo pela força frente às
adversidades. Seria, então, como uma guerreira que é capaz de tudo por sua prole,
conformando uma determinada inserção que masculiniza as resistências femininas
dessas mulheres, dessas “Muiê macho”:

O Nordeste insurge como um espaço de mulheres guerreiras ou como


cantarolou Luiz Gonzaga terra de “Muié macho, sim sinhô”, numa explicita
masculinização das resistências femininas. No Calibã e a Bruxa, Federic
(2017) aponta a destituição do poder das mulheres (sobre a saúde,
reprodução, vida e morte) como instrumento para o desenvolvimento e
consolidação do regime capitalista patriarcal racista. No caso das mulheres
sertanejas a destituição de seu poder consiste para além de confiná-las ao
espaço doméstico, masculinizar suas resistências e direcionar isso a
superexploração de sua força de trabalho na produção capitalista e no
cuidado doméstico. Como apontou Albuquerque Júnior (2003, p.165) “[...]
não há lugar para o feminino. No Nordeste, até as mulheres seriam
masculinas, macho, sim senhor” (Cisne; Raulino; Soares, 2022, p. 357.
Grifos nossos).

Desse modo que a vivência das mulheres nordestinas é instituída de forma


masculinizada, como mulheres que necessitam resistir mesmo frente às intempéries.
No entanto, a visão, o discurso, a imagem são aspectos parciais que explicam essa
realidade, sendo importante apreender o que está por trás dessa construção
imagética. Encontrando sentido, então, nos aspectos materiais e históricos que
marcam a Região, na sua posição na divisão nacional do trabalho no país em que
migração e a desigualdade são elementos que compõe a realidade do Nordeste que
se voltou para atender aos desígnios da reprodução e das necessidades do
63

capitalismo, seja a nível internacional com a base agroexportadora, seja a nível


nacional com a industrialização no Centro-sul do país.
Nesse contexto, a busca por melhores condições de vida reflete-se na
condição de propriedade da terra e da grande concentração fundiária que desde a
colonização se estabelece na Região. Ao estudar sobre “A Terra e o Homem no
Nordeste”, Manuel Correia de Andrade (1986) reflete sobre o caráter de construção
que conformou a estrutura fundiária nordestina, em que historicamente a grande
propriedade era beneficiada e os pequenos produtores escanteados, de modo que:

Seu domínio se manifesta através da proteção dispensada pelos órgãos


governamentais à grande lavoura - à cana de açúcar, ao café, ao cacau, etc,
- e ao completo desprezo às lavouras de subsistência ou “lavouras de
pobre”, como se diz frequentemente no Nordeste. As primeiras têm crédito
fácil, garantia de preços mínimos, assistência de estações experimentais,
comercialização organizada etc., enquanto as segundas são abandonadas
ao crédito fornecido por agiotas, às tremendas oscilações de preços entre a
safra e a entressafra e à ganância dos intermediários. Daí o florescimento
constante da grande lavoura e, consequentemente, da grande propriedade,
e o estacionamento, talvez mesmo a decadência da pequena lavoura, à
qual está ligada a pequena propriedade (Andrade, 1986, p. 51)

Finca-se assim historicamente as bases de concentração da terra, do poder e


do mando conformando uma elite senhorial do grande latifúndio expressa tanto no
cenário econômico quanto nas práticas políticas exercendo poder sobre os
sertanejos e pequenos produtores. Esse poder se manifesta inclusive em cenário de
crises, como nos períodos de secas que, apesar de ser uma ocorrência climática, se
constitui em um problema nacional que exige medidas governamentais. No entanto,
dadas as relações de poder no Nordeste:

Entre o poder federal e a massa flagelada pela seca medeia, porém, a


poderosa camada senhorial dos coronéis, que controla toda a vida do sertão,
monopolizando não só as terras e o gado, mas as posições de mando e as
oportunidades de trabalho que enseja a máquina governamental. [...] Esses
donos da vida, das terras e dos rebanhos agem sempre durante as secas,
mais comovidos pela perda de seu gado do que pelo flagelo que recai sobre
seus trabalhadores sertanejos, e sempre predispostos a se apropriares das
ajudas governamentais destinadas aos flagelados (Ribeiro, 1995, p.347).

Essas relações econômicas e políticas no seio da formação social nordestina


engendram culturalmente uma visão histórica e imagética do que seria o Nordeste
Brasileiro. Durval Muniz Albuquerque (2011) ajuda a compreender ao dissertar sobre
como ocorreu a “Invenção do Nordeste” destacando as visões existentes e
prevalecentes sobre essa e as demais regiões.
64

A localização da corte imperial portuguesa no século XIX, ainda no período


colonial, no Rio de Janeiro, contribuiu para uma certa divisão do país em duas
grandes regiões: o Norte e o Sul. No Norte localizavam-se as províncias situadas ao
norte da corte, da Bahia ao Amazonas, e ao sul, as que abrangiam de São Paulo até
o Rio Grande do Sul. Uma divisão territorial brasileira não só a nível geográfico, mas
também acompanhada por elementos culturais, políticos e de visões sobre cada
uma das “regiões”.
A visão naturalista engendrou a concepção de que o Norte seria condenado à
decadência pelo clima e pela raça, enquanto o Sul seria o “centro de polarização dos
elementos arianos da nacionalidade local de uma aristocracia moral e
psicologicamente superior dos degenerados raciais e sociais, inferiores física e
psicologicamente” (Albuquerque, 2011, p. 70). Imagem inclusive veiculada e
reproduzida sobre o Norte do país, presente em jornais da época como o Estado de
São Paulo em 1920:

[...] algo sabíamos por leitura sobre a terra do sofrimento, que tem prados só
de urzes, tem montanhas de penhascos, habitações só de colmos, céu que
nunca se encobre...chão que nunca recebe orvalho, rios que não têm água.
O Nordeste brasileiro só foi divulgado com tal designação após a última
calamidade que assolou em 1919, determinando a fase decisiva das
grandes obras contra as secas. (...) quando levas de esquálidos retirantes
vieram curtir saudades infindas na operosidade do generoso seio sulino,
quem sabe se ainda em dúvida, entre a miséria de lá e a abundância daqui
(...) (Albuquerque, 2011, p. 55).

Ainda em 1920, ao folhear esse principal jornal paulista, pode-se ler que:

[…] Incontestavelmente o Sul do Brasil, isto é a região que vai da Bahia até
o Rio Grande do Sul, apresenta um tal aspecto de progresso em sua vida
material que forma um contraste doloroso com o abandono em que se
encontra o Norte, com seus desertos, sua ignorância, sua falta de higiene,
sua pobreza, seu servilismo (Albuquerque, 2011, p. 55).

Essas figuras, signos e temas como seca, sofrimento e atraso, são


destacados para preencher a imagem da região, impondo-se como verdades pela
repetição, o que lhes dá consistência e faz com que tal arquivo de imagens e textos
possa ser agenciado e vir a compor discursos e o imaginário social. Assim que o
discurso regionalista não é meramente ideológico de mascarar a realidade, mas sim
de instituir socialmente qual imagem atribui-se a ela:

O discurso regionalista não mascara a verdade da região, ele a institui. [...]


O Nordeste é uma produção imagético-discursiva formada a partir de uma
65

sensibilidade cada vez mais específica, gestada historicamente, em relação


a uma dada área do país. E é tal a consistência desta formulação discursiva
e imagética que dificulta, até hoje, a produção de uma nova configuração de
"verdades" sobre este espaço (Albuquerque, 2011, p. 62).

O discurso é parte componente importante da realidade, tendo em vista que


sua produção e reprodução social também é parte do real. No entanto, a visão, o
discurso, a imagem são aspectos parciais que explicam essa realidade, sendo
importante apreender o que está por trás dessa construção imagética, qual base
social lhe dá sustentação material? Por que é associado ao Nordeste uma visão
reducionista da seca, como causa do sofrimento, da miséria de um povo de raça
inferior?
A migração e a desigualdade são elementos que compõem a realidade de
uma região que se voltou para atender aos desígnios da reprodução e das
necessidades do capitalismo, como já supracitado.
Essas determinações que causavam as migrações, o desemprego e a busca
de melhores oportunidades associam-se com outras mais profundas também ligadas
ao desenvolvimento do capital. Isso porque a questão regional, a desigualdade entre
as regiões, aponta para outros problemas não resolvidos no Brasil, como a questão
agrária e do trabalho precarizado e submisso aos desígnios capitalistas. Assim, a
questão Regional é também o caso de uma unidade nacional não resolvida, de
modo que carrega no fundo aspectos de problemas estruturais ligados com a
formação social colonial e a inserção capitalista dependente e periférica, assim que:

A Questão Regional é, antes de tudo e sobretudo, o caso de uma


unidade nacional mal resolvida. Tal como as clássicas questões regionais
no mundo — Mezzogiorno, Sul dos Estados Unidos rigorosamente até as
medidas do New Deal e à saga dos direitos civis, particularmente a
integração racial —, no fundo da Questão Regional tipicamente
brasileira jaz uma questão agrária irresoluta, de par com a do mercado
de força de trabalho. As duas formam uma unidade inextricável, e suas
gêneses são praticamente simultâneas em forma e fundo: a de uma
nova forma de produção de mercadorias (Oliveira, 1993, p. 45. Grifos
nossos).

Essa questão regional que no fundo é uma questão nacional, aponta para
essa nova forma de produção de mercadorias, para o modo de produção tipicamente
capitalista que conduz em seu cerne a produção da desigualdade, a produção da
chamada questão social. Esse conjunto das expressões das desigualdades sociais
engendradas na sociedade capitalista madura, que possuem sua gênese no caráter
66

coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade


humana - o trabalho - denomina-se questão social e ancora-se nessa lei geral de
acumulação capitalista (Iamamoto, 2001).
Assim, é possível sintetizar a questão regional no Brasil como fruto de uma
questão nacional mal resolvida, sobretudo no que se refere à questão agrária e de
permanência de formas semi servis de trabalho, que constituem manifestações das
desigualdades produzidas e reproduzidas pelo sistema capitalista enquanto
expressões da questão social. Com essa visão crítica pode-se entender assim a
questão regional no Nordeste Brasileiro, a partir de suas construções históricas e
particularidades socioterritoriais, culturais, políticas e econômicas como será
abordado na próxima subseção.

3.1.2 Trajetória econômica: Formação do Complexo Econômico Nordestino e a


questão regional nordestina

De uma periferia no interior da economia capitalista mundial, como o


conjunto do Brasil, o Nordeste transformou-se em um espaço periférico no
interior da economia nacional, no quadro mais geral das transformações
ocorridas.

Leonardo Guimarães Neto (1997)

Para apreender as bases econômicas do Nordeste é preciso situá-lo na


dinâmica internacional e nacional, de modo que o povoamento e colonização do
território brasileiro determinam a forma de estruturação das atividades econômicas
que seriam desenvolvidas.
Nessa dinâmica, como aponta Milton Santos (1993) o Brasil foi durante
séculos um grande arquipélago, formado por subespaços que evoluíam com
dinâmicas próprias, mas ditadas em grande parte por suas relações internacionais,
com o mundo exterior, havia apesar disso, polos dinâmicos internos, mas estes não
tinham escalas de relação efetivas. As bases da estrutura socioeconômica colonial
se caracterizavam, como aponta Theotônio dos Santos (1998), como monoprodutora,
latifundiária e escravista com uma estrutura produtiva condicionada e voltada ao
atendimento do mercado europeu.
Assim, o Brasil passa por vários ciclos de produção no período colonial com
vários complexos econômicos, sendo os principais: o pau-brasil, no século XVI, o
67

açúcar e o ouro, nos séculos XVII e XVIII, seguindo uma sucessão histórica mais ou
menos rígida. Em paralelo, avançava a pecuária no interior do país e na região Sul
enquanto mais tarde pós-Independência tivemos a ascensão do café em fins do
século XIX e início do século XX.
Em particular, na economia nordestina, o povoamento e a colonização do
território do que viria a constituir o Nordeste baseou-se prioritariamente na
exploração da cana-de-açúcar vinculado ao trabalho escravo27. Isso porque,
conforme pontua Furtado (2007) ao se observar de uma perspectiva ampla “a
colonização do século XVI surge fundamentalmente ligada à atividade açucareira”
(idem, p. 76).
As bases dessa economia açucareira emergem no século XVI e consolidam-
se ao longo dos séculos seguintes. Furtado (2007, p. 91) sinaliza nesse contexto o
quanto a economia açucareira do Nordeste resistiu por mais de três séculos às mais
prolongadas depressões, “logrando recuperar-se sempre que o permitiam as
condições do mercado externo, sem sofrer nenhuma modificação estrutural
significativa”.
Assim, o Nordeste, enquanto a porção territorial de maior sucesso econômico
do território brasileiro colonial, consolidou-se em um país de capitalismo dependente
aos condicionamentos externos da economia capitalista internacional, possibilitando
a transferência quase total dos excedentes gerados no seu interior. A expansão
dessa economia com alta produtividade e com rápida ampliação territorial, também
acarretou consequências como a necessidade de animais de tiro (para levar carga),
além dos que eram usados para mover as pesadas moagens de cana. Assim fez-se
crescer os rebanhos, tendo em vista que a devastação das florestas litorâneas
obrigava a buscar lenha a distâncias cada vez maiores.
No entanto, a criação de gado na faixa litorânea mostrava-se impraticável
dentro das unidades que produziam açúcar, tendo sido essa proibida pelo próprio

27
O fato de que desde o começo da colonização algumas comunidades se hajam especializado na
captura de escravos indígenas põe em evidência a importância da mão-de-obra nativa na etapa inicial
de instalação da colônia. No processo de acumulação de riqueza quase sempre o esforço inicial é
relativamente maior. A mão-de-obra africana chegou para a expansão da empresa, que já estava
instalada. É quando a rentabilidade do negócio está assegurada que entram em cena, na escala
necessária, os escravos africanos: base de um sistema de produção mais eficiente e mais
densamente capitalizado (Furtado, 2007, p. 77).
68

governo português, forçando a entrada para as regiões agrestadas e para os vastos


sertões. Com tais determinações formava-se a economia nordestina:

E foi a separação das duas atividades econômicas - açucareira e a criatória


- que deu lugar ao surgimento de uma economia dependente na própria
região nordestina. A criação de gado - da forma como se desenvolveu a
região nordestina e posteriormente no sul do Brasil - era uma atividade
econômica de características radicalmente distintas das da unidade
açucareira (Furtado, 2007, p. 91).

Dessa forma, a formação do Complexo Econômico Nordestino inicia-se com a


cana-de-açúcar e a economia criatória, mas também atravessa outros momentos de
atividades econômicas como a produção de algodão, fumo e cacau, entre outras,
voltadas para o mercado externo.
Essas atividades ligadas ao período colonial e ao atendimento às
necessidades externas estão presentes na periodização proposta por Guimarães
Neto (1997) conformando o primeiro dos momentos da Economia Nordestina,
caracterizada pela formação do Complexo Econômico Nordestino:

Em termos empíricos, o primeiro dos momentos referidos – o da


consolidação do Complexo Econômico Nordestino – corresponderia ao
povoamento e colonização do território que viria a constituir o Nordeste,
com base na exploração da cana-de-açúcar, entre outras atividades
exportadoras, no início a partir do trabalho escravo, atividades que foram
seguidas em fases sucessivas pela produção de algodão, fumo e
cacau, entre outras, voltadas para o mercado externo; ademais, teve na
pecuária e na agricultura de subsistência atividades que tornaram mais
densa e complexa a economia e a sociedade regional. (Guimarães Neto,
1997, p. 39. Grifos nossos).

Nesse percurso histórico-econômico da Região, Oliveira (1977) destaca a


existência na história regional e nacional de vários “Nordestes”:

Há, pois, na história regional e nacional, vários "nordestes". Reconhecia-se,


no período da Colônia, "regiões" dentro do que hoje é o Nordeste, com
amplitudes muito mais restritas: sobretudo no que corresponde hoje
aos Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas,
a "região" era reconhecível como o locus da produção açucareira,
enquanto os espaços dos Estados que hoje correspondem ao Ceará e Piauí
eram relativamente indiferenciados, desenvolvendo atividades econômicas
de pouca expressão na economia colonial e quase nunca assimilados ao
que se poderia chamar de "Nordeste". O Maranhão era um caso à parte,
pois ligou-se ao capitalismo mercantil através de formas diversas daquelas
que regulavam a produção da riqueza dos espaços mais ao leste. Os
Estados da Bahia e Sergipe, ou melhor falando, os espaços que hoje
correspondem a esses Estados, não eram considerados como "Nordeste";
embora ali, sobretudo na Bahia, predominasse também a atividade de
produção do açúcar determinada, como nos Estados mais ao norte, pelas
suas relações com o capitalismo mercantil europeu. (Oliveira, 1977, p.32 e
33. Grifos nossos).
69

Mas do ponto de vista da delimitação oficial, o Nordeste no sentido mais


corrente na literatura, na opinião pública e nas políticas e programas governamentais,
somente é reconhecível a partir de meados do Século XIX e se consolida como
região a partir de 1930.
Apesar dessas diferenciações territoriais e até mesmo produtivas, o final do
século XIX e as primeiras décadas do século XX estabelecem outro Nordeste a partir
de configurações marcadas pela emergência e hegemonia de outras formas de
produção e conflitos de interesses em outros espaços, ou seja, pela economia do
café que diante das determinações externas passa a figurar como um dos principais
produtos.
Assim, à medida que a economia nordestina sofria estagnação e dificuldade
nas relações comerciais, uma nova região assumia importância e destaque:

Internamente, a constituição da "região" do café desdobrava-se na


mesma medida em que avançava desde o Vale do Paraíba até o Oeste
paulista, homogeneizando-se internamente e diferenciando-se da outra
"região" - o Nordeste açucareiro - na mesma medida em que esta era
excluída dos novos circuitos de produção e apropriação do valor gerado
pela mercadoria café. Essa hegemonia constantemente reiterava os
pressupostos da produção, que por sua vez apareciam tanto no produto
quanto na forma da repartição do excedente: o financiamento inglês, como
pressuposto, e os juros do capital inglês como parte da repartição do
excedente. O Nordeste "açucareiro" era deslocado pela competição
inter-imperialista, que centrava sua disputa agora na apropriação e
controle da produção do açúcar no Caribe. Em outras palavras, a forma
de produção do valor da economia açucareira daquele "Nordeste" não
encontrava formas de realização pela via do comércio internacional.
(Oliveira, 1977, p. 34 e 35. Grifos nossos).

Nesse contexto, enquanto o Nordeste açucareiro tinha sua expansão limitada


pela constituição da região do café, um outro Nordeste emergia de forma gradual
submetido também ao capital internacional: o Nordeste “algodoeiro-pecuário”. Essa
ligação ocorre, sobretudo, como implicação da Revolução Industrial e do avanço da
indústria têxtil na economia inglesa, crescendo a demanda mundial28 de algodão.
O Nordeste semiárido possuía uma condição ecológica propícia à produção
do algodão de fibra longa “conhecido ali como algodão-mocó ou seridó, sendo esta
última denominação o próprio nome de batismo de uma vasta zona que se estende

28
Várias regiões do globo passam a ser "regiões" algodoeiras: o Egito, o Peru, a Índia - de milenar
tradição têxtil, destruída pelo capitalismo inglês - o Sul dos Estados Unidos e o Nordeste do Brasil.
Inclusive na brecha propiciada pela eclosão da Guerra de Secessão norte-americana, a cultura do
algodão no Nordeste experimentará sensível avanço [...] (Oliveira, 1977, p.46 e 47).
70

desde o Rio Grande do Norte até a zona central do Estado da Paraíba” (Oliveira,
1977, p. 46). Assim, o desenvolvimento da plantação de algodão no Nordeste
Brasileiro atende aos interesses econômicos do capital financeiro internacional, que
estava se desenvolvendo com a Revolução Industrial e precisava dessa matéria
prima de qualidade e barata financiada através dos países periféricos.
O controle da produção ocorria mediante os grandes trustes internacionais
sinalizados nas empresas do ramo têxtil SANBRA, CLAYTON e MACHINE COTTON
que segundo Oliveira (1977) eram conhecidas como as “3 irmãs”. Essas companhias
representam os trustes que controlam a circulação internacional dessa mercadoria e
ditam uma espécie de "abc" do Nordeste agrário algodoeiro-pecuário para os
trabalhadores rurais dos algodoais que começa pelas siglas SANBRA e CLAYTON,
de modo que essa é a alfabetização do trabalhador rural desse "Nordeste".
Conforme Oliveira (1977), além do controle internacional do valor do algodão,
esses trustes realizavam o controle interno da mercadoria no mercado nacional,
aproveitando-se da estrutura do latifúndio-minifúndio com suporte de dois
importantes atores: o intermediário comercial e os trabalhadores rurais.
Os intermediários desempenham a tarefa de recoletar das milhares de
pequenas plantações de algodão, os resultados da colheita, e se apresentam na
realidade a partir da figura dos grandes fazendeiros que por vezes também
cumpriam papel de intermediário-financeiro, por conta própria ou com recursos das
"três irmãs", para financiar as entressafras, ou o período morto entre as colheitas.
Além do mecanismo de articulação com o capital internacional desenvolvem um
método próprio de financiar em espécie as mercadorias que o pequeno trabalhador
rural que trabalha nos algodoais necessita como o sal e querosene “que alumiará a
miséria, a roupa e o calçado dominical” (Oliveira, 1977, p. 48), descontando esses
valores na colheita e cobrando preços exorbitantes.
Ao trabalhador rural, que ao ser explorado tanto pelo trabalho no algodoal
capitalista internacional das três irmãs quanto pelo intermediador comercial local,
fica desprovido de quase tudo o que gera como riqueza, de modo que “no fim,
restará ao meeiro tão-somente sua própria força-de-trabalho e a de sua família, com
a qual recomeçará o círculo infernal de sua submissão” (Oliveira, 1977, p. 48). São
essas as vítimas de uma calamidade estrutural que apenas se agrava nos períodos
das grandes secas.
71

Interessante notar como essa dinâmica econômica do Nordeste a serviço dos


interesses do capitalismo monopolista contribui para desenvolver os conflitos de
classes e a luta pela terra que faz emergir uma nova onda de violência no Nordeste:
dos bandos de jagunços dos coronéis que guerreiam entre si, mas também dos
cangaceiros que ora estão contra, ora a favor dos "coronéis", ora defendem meeiros
e pequenos trabalhadores rurais.
Esse caráter da luta de classes e esse contexto histórico marcado pela
condição precarizada do trabalhador rural, marca o próprio futuro e eclosão das lutas
sociais na segunda metade do século XX no Nordeste com a organização política
envolta nas Ligas Camponesas e pela necessidade de Reforma Agrária:

Essa ambigüidade estrutural da luta de classes no Nordeste algodoeiro-


pecuário marcará no futuro o próprio movimento de explosão da pax agraria
e nordestina: as Ligas Camponesas reivindicarão inicialmente o direito à
terra, a extinção do "cambão"; será a dialética própria da estrutura intima do
latifúndio-minifúndio, que não pode resolver uma das pontas do dilema sem
afetar a outra, que levará o movimento camponês do Nordeste expressado
pelas Ligas Camponesas para além das suas iniciais reivindicações.
(Oliveira, 1977, p. 50).

Antes desse período, porém, a Região Centro-Sul já havia assumido a


hegemonia do processo de nacionalização do capital desde fins do século XIX e
começo do século XX. De modo que o Nordeste açucareiro entrou em um processo
de atrofiamento econômico, atingindo tanto as suas bases produtivas agropecuárias
– algodão, gado e subsistência -, quanto sua pequena indústria (principalmente têxtil)
que vinha se desenvolvendo desde o final do século XIX.
Wilson Cano (2011) sinaliza, nesse contexto, como o eixo Centro-Sul e nele o
estado de São Paulo, reunia as melhores condições para ser o lócus do processo de
industrialização em comparação com as demais regiões que apresentavam
debilidades. E como essas debilidades não se originam com a industrialização ou
com a integração do mercado nacional, mas na verdade em processos anteriores,
assim que:

[...] na verdade, a maior debilidade do desenvolvimento das demais regiões


brasileiras teve suas raízes em processos históricos distintos da ruptura
1929-1933, antes, portanto, da integração do mercado nacional e da
instauração do próprio processo de industrialização que se deu a partir
daquele momento (Cano, 2011, p. 147).
72

Para situar essa afirmação sobre as debilidades anteriores de 1929, Cano


(2011) expõe as particularidades de cada região no final do século XIX ao início do
século XX (até 1930 mais precisamente). Assim que no extremo sul do país, mesmo
sendo parte do eixo Centro-Sul, a economia era basicamente de pequena e média
propriedade, tanto na agricultura como na própria indústria, não conseguindo
concentrar capital que seria importante para um processo de industrialização mais
potente. Por sua vez, o Centro-Oeste era escassamente povoado e
economicamente pouco explorado, não reunindo condições para industrialização.
Conforme Cano (2011) na Região Norte as debilidades se associavam com o
seu produto mais importante com o comércio internacional: as exportações de
borracha. Esse comércio atravessou um ciclo áureo, entre 1870 e 1912, mas foi
drasticamente contido pela produção gomífera feita pelo capital inglês na Ásia.
Soma-se a isso, as relações sociais de produção ali predominantemente e a própria
forma de produção da borracha extrativa, nas matas, que não permitiram a
superação da crise com uma mudança na estrutura produtiva.
Quanto à Região Nordeste, depois de atravessar o período afortunado do
açúcar – do século XVI à primeira metade do XVII -, passou a sofrer violenta
concorrência tanto do açúcar antilhano como também (século XIX) com o açúcar
europeu, de beterraba. Dessa forma, seu principal produto de exportação passou a
ser marginal no mercado internacional, com preços deprimidos (Cano, 2011). O
segundo principal produto nordestino, o algodão, era produzido em bases técnicas e
econômicas muito precárias, sofrendo igualmente com a dura concorrência no
mercado internacional com o algodão norte-americano, com queda expressiva no
preço. Além disso, as relações sociais predominantes rurais eram marcadas pela
forte concentração da propriedade fundiária e pela máxima exploração da força de
trabalho, impedindo a expansão do mercado consumidor interno à região,
obstaculizando a modernização econômica típica do capitalismo (Cano, 2011).
Celso Furtado (2007) ajuda a compreender esse processo ao ressaltar que de
região detentora de um sistema econômico de alta produtividade, em meados do
século XVII, o Nordeste foi se transformando progressivamente numa economia em
que grande parte da população produzia apenas o necessário para subsistir, de
forma que esses aspectos históricos persistem na atualidade:
73

A formação da população nordestina e a de sua precária economia de


subsistência - elemento básico do problema econômico brasileiro em
épocas posteriores - estão assim ligadas a esse lento processo de
decadência da grande empresa açucareira que possivelmente foi, em sua
melhor época, o negócio colonial-agrícola mais rentável de todos os tempos
(Furtado, 2007. p. 105 e 106).

O elemento chave de análise é que o rentável negócio açucareiro que


persistiu durante boa parte do sistema colonial não era mais o requisitado pelo
capital internacional, pois agora possuía outras demandas e voltava suas estratégias
locacionais para outra região que iria assumir o comando da sua reprodução no país.
Nesse processo, o Nordeste que antes assumia centralidade e importância (mesmo
na condição de exportador de matérias-primas), encontrava-se lidando com a crise
do setor exportador que afetou sua base econômica e consequentemente as
condições de vida de sua população.
Justamente nesse momento, no cenário de crise do setor exportador e da
presença, na economia brasileira, da região onde se concentrava a produção e a
exportação do café, é que se verifica a intensificação da articulação comercial com a
economia emergente do complexo cafeeiro, na qual passara a colocar parte de seus
excedentes, antes voltados para os mercados internacionais.
Assim, ocorre a passagem do primeiro momento da economia nordestina
caracterizada pelo Complexo Econômico Nordestino e o relativo isolamento do
Nordeste para a fase de articulação comercial. Como pontua Guimarães Neto (1997,
p. 43):

Significa dizer que a passagem de um relativo isolamento do Nordeste


– no que se refere às demais regiões brasileiras, inclusive a do café – para
uma articulação comercial, que posteriormente daria lugar à constituição
do mercado interno brasileiro, sem dúvida, num primeiro momento, esteve
associada à crise do setor exportador e às condições vigentes na
economia regional; inclusive a sua maior complexidade e o
desenvolvimento de suas próprias forças produtivas que não mais
permitiram a solução, como as das crises anteriores, de letargia e involução
das atividades econômicas, usando expressões de Celso Furtado (1977)..

Nesse momento, a articulação consistiu na complementaridade com a


economia regional do café (eixo Rio-São Paulo) apesar de dinâmica ser altamente
especializada no início do processo. Então os produtores do Nordeste na tentativa
de destinar seus excedentes para o mercado interno “tiveram de definir formas de
convivência, nem sempre pacíficas, com os grandes grupos comerciais que
passaram a intermediar tais vendas” (Guimarães Neto, 1997, p. 43).
74

Assim, os estados cafeeiros reuniam as melhores condições para a


industrialização, porém existem diferenças significativas entre eles e que dão o tom
do porque São Paulo assumiu o comando do processo de nacionalização do capital
no Brasil. O Rio de Janeiro, por exemplo, entrou em derrocada com sua cafeicultura
escravista a partir de 1882, e “a crise só não teve efeitos ainda mais profundos pelo
fato de que ali se instalou a sede do governo central em 1763, e a região era o
principal centro comercial e financeiro nacional” (Cano, 2011, p. 149). Os outros
estados cafeeiros, Minas Gerais e Espírito Santo, transitaram da economia cafeeira
escravista para o regime da parceria e da pequena propriedade, incapaz de induzir
as necessárias transformações capitalistas.
Diferente do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, o Estado de São
Paulo foi o espaço em que a cafeicultura se implantaria em bases capitalistas mais
avançadas, desde o último quartel do século XIX, substituindo suas importações de
alimentos básicos e avançando com a implantação nas duas primeiras décadas do
século XX, daquela “que viria a ser o principal parque industrial do país (32% em
1919 e 37% em 1929, do total nacional)” (Cano, 2011, p.148 e 149).
Desse modo, antes mesmo do processo indutor de industrialização mais
profunda no país, São Paulo já continha base industrial sendo desenvolvida e
naquele momento essencial para aprofundamento das relações capitalistas
esperadas pelo grande capital:

Antes da crise de 1929, SP já concentrava grande parte (37,5%) da


indústria brasileira, com estrutura diversificada e, além disso, também aí se
encontrava a mais expressiva e adiantada agricultura da nação. Tudo isso
lastreado nas mais avançadas relações capitalistas de produção no país. A
economia paulista, diante da grave crise, tinha que forçar a busca de sua
recuperação. Fê-lo com avanço, modernização e ampliação de suas bases
produtivas (Cano, 1998, p. 47).

Desse modo que São Paulo destaca-se em relação às demais regiões e aos
próprios estados do eixo Centro-Sul como o espaço em que a cafeicultura se
implantaria em bases capitalistas mais avançadas, reunindo as condições esperadas
pelo capital para avançar na industrialização.
Isso porque a busca incessante de mercados pela atividade industrial vai
consolidando o mercado interno brasileiro e a fase pós-crise de 1929 define tanto a
função da indústria quanto a forma de articulação das economias regionais. A
ligação comercial nas primeiras décadas do século XX inicia-se com a tentativa de
75

colocar os excedentes exportáveis no próprio mercado interno, mas é a chegada de


indústria e o seu desenvolvimento no país que coloca mais determinantes nessa
relação.
Guimarães Neto (1997) diferencia a industrialização em duas grandes fases:
uma de industrialização leve que marca o começo do processo da indústria no Brasil
e uma de consolidação da indústria pesada (a partir da segunda metade dos anos
1950). Essas duas fases afetaram a realidade econômico-social nordestina, com
diferentes nuances:

Na perspectiva do Nordeste, tal fase da indústria leve (industrialização


restringida, segundo Cardoso de Mello), implicou o avanço da indústria
paulista, sobretudo, no mercado da região, deslocando a produção local
– principalmente de bens de consumo não-duráveis, como se fez referência.
Além disso, o ritmo das exportações inter-regionais nordestinas – conforme
constatação do relatório do GTDN (1967) – indicava o prosseguimento da
perda de mercado que o Nordeste detinha fora da região.
Na fase da implantação e consolidação da indústria pesada (a partir da
segunda metade dos anos 50) as transformações e os impactos sobre a
região foram mais perceptíveis. O mercado nordestino foi literalmente
invadido pela produção industrial do Sudeste. Alguns segmentos
produtivos da indústria regional foram colocados em xeque, como o têxtil.
(Guimarães Neto, 1997, p. 45. Grifos nossos).

Nas duas fases da industrialização, o Nordeste esteve atuando a partir das


determinações capitalistas de economia complementar ao eixo de acumulação e
nacionalização do capital no Centro-Sul. Assim, sem conseguir desenvolver seu
próprio dinamismo e potencialidade, o Nordeste passou a ter seguidos déficits
comerciais em relação à região mais dinâmica que concentrava a industrialização.
Isso porque o processo de industrialização no âmbito da fase de articulação
comercial gerava 3 tipos de efeitos, como classifica Cano (2011): efeitos de estímulo,
bloqueio e destruição. Para o autor, os de estímulo seriam no sentido de que o
avanço da industrialização e da urbanização, embora acentuadamente concentradas
em São Paulo e no Rio de Janeiro, passava a exigir do resto do país notável esforço
de complementaridade agrícola, mineral e industrial, de modo que a periferia
nacional não apenas aumentava suas compras de mercadorias valoradas de São
Paulo, como também passava a lhe vender mais matérias primas com baixo valor
agregado. Os de inibição ou bloqueio, consiste no fato de que instaurado o processo
de industrialização no centro dominante de São Paulo, determinadas atividades já lá
instaladas com capacidade e economia de escala para operar em âmbito nacional
(ou para abastecer o mercado do centro dominante) não se repetiriam na periferia
76

tão cedo. Por último, os efeitos de destruição, poderiam manifestar-se através da


concorrência entre produtores de distintas regiões.
Os efeitos de bloqueio e destruição manifestaram-se claramente no Nordeste
Brasileiro, nos anos 1950, tendo em vista que a agricultura paulista — a mais
capitalizada do país — diversificou-se, modernizou-se e expandiu-se com as culturas
do algodão e da cana-de-açúcar, conforme aponta Cano (2011). Com isso, bloqueou
a possibilidade de estímulo aos produtores nordestinos, acarretando grande
crescimento da agricultura paulista no período, enquanto a do Nordeste apresentava
baixos índices de desempenho no país.
Essa diferenciação entre as regiões, em linhas gerais entre as duas principais,
demarca uma redefinição regional do trabalho no conjunto do território brasileiro, em
que uma encontra-se em plena expansão e a outra em estagnação.
É nesse contexto que emerge a chamada crise regional no qual uma região
apresentou crescimento inferior frente às outras e é necessário uma
intervenção/enfrentamento com o objetivo de atenuar essas desigualdades. Assim
nasce o planejamento regional para o Nordeste, cujas primeiras manifestações
consistem nas formas que o Estado adotou para enfrentar as desigualdades no
Nordeste, conforme será abordado com maior detalhamento a seguir.

3.2 A eclosão da questão regional e as novas formas de Intervenção do Estado


no Nordeste

Nos fins da década de cinquenta, a questão regional ganha destaque no Brasil.


O desigual desenvolvimento do capitalismo aprofundara as distâncias
econômicas e sociais entre o Sudeste, em rápido processo de expansão
com base na indústria, e o Nordeste, com sua economia estagnada
figurando entre as áreas de maiores índices de pobreza do mundo.

Tânia Bacelar de Araújo (1984)

Nesse contexto de redefinição da divisão do trabalho no Brasil e de


emergência da chamada crise regional, se desenvolveu um esforço maior de
planejamento regional com maior presença da atuação do Estado visando atenuar
as desigualdades regionais, sobretudo no Nordeste.
Neste trabalho não se entende o planejamento de uma forma abstrata e
deslocada da história, mas sim como uma “forma de racionalização da reprodução
77

ampliada do capital” (Oliveira, 1977, p. 24). E para racionalizar essa reprodução o


planejamento emerge como uma forma de intervenção do Estado sobre as
desigualdades, sobre as contradições entre a reprodução do capital em nível
nacional e a regional, que toma a aparência de conflitos entre as regiões, como
tratado na subseção a seguir sobre as primeiras formas de intervenção estatal na
Região.

3.2.1 Crise Regional e Planejamento: do combate às secas à modernização da


economia regional

As primeiras manifestações do planejamento estatal na região datam ainda do


início do século XX, quando o Estado criou novas instituições e adotou medidas
emergenciais e estruturantes de engenharia hidráulica para enfrentar os efeitos das
secas na região.
Nessa discussão sobre as ações de combate às secas é importante salientar
a concepção que se tinha sobre a seca que consiste em uma ocorrência climática,
mas era vista nesse momento como a causa, a vilã dos problemas regionais,
sobretudo no Semiárido29 brasileiro:

A seca na região semi-árida só passou a ser considerada como problema


relevante no século XVIII, depois que se efetivou a penetração da
população branca nos sertões, com o aumento da densidade demográfica e
com a expansão da pecuária boina. As secas passaram a entrar de forma
permanente nos relatos históricos enfatizando a calamidade da fome e
acusando os prejuízos dos colonizadores e das fazendas de gado.
Julgamentos superficiais sobre o fenômeno e interesses políticos locais
conduziram à construção de explicações reducionistas dos problemas
regionais como produtos de condições naturais adversas, do clima, da terra
e de sua gente. A seca tornou-se vilã do drama nordestino, a principal
imagem de “uma terra estorricada, amaldiçoada, esquecida e Deus” (Castro,
1967, p. 168; Silva, 2007, p. 467).

Com base nessa visão, a primeira manifestação do planejamento da atividade


governamental para resolver os problemas da economia regional no Nordeste
consistiu nos programas e ações do Estado no combate à seca. Amélia Cohn (1973)
caracteriza essas intervenções, entre fins do século XIX até a década de 1950, como

29
Conforme a Sudene, em 2021 o Semiárido brasileiro abrangia 1.427 municípios, com uma área de
1,3 milhões de km2 onde viviam 31,7 milhões de pessoas, correspondendo a mais de 90% da Região
Nordeste e parte da região setentrional de Minas Gerais (SUDENE, 2021).
78

uma atuação do Governo Federal no Nordeste caracterizada como de socorro ao


flagelo ocasionado pelas secas, tendo assim um caráter eminentemente imediatista.
Dessa forma, a desigualdade regional aparecia para o Estado e autoridades
como um problema representado pelas ocorrências naturais das secas às quais a
localidade estava sujeita. Somente a partir da grande seca de 1877 é que o governo
brasileiro passou a encarar as secas nordestinas como um problema que, embora
regional, exige uma interferência federal. Nesse contexto, a grande solução que se
apresentava ao governo para o Nordeste passou a ser a solução hidráulica, através
de construção de açudes e barragens, como também a destinação de verbas para
socorros especiais, por ocasião de grandes estiagens.
Enquanto um marco e materialização da intervenção do Estado na região,
tem-se a criação do Instituto de Obras Contra as Secas (IOCS), em 1909 que depois
tornou-se Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas – IFOCS e, em 1945,
passou a ser o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, mais conhecido
pela sigla DNOCS. Esse órgão orientava sua ação nessa perspectiva de combate às
secas realizando um conjunto de ações como:

[...] a construção de barragens, que represassem água para os períodos de


seca; para a perfuração de poços, ali onde não havia rios para represar;
para a construção de barragens que visassem a propiciar uma agricultura
irrigada; para a construção de estradas de rodagem no interior da zona
semi-árida; e finalmente para a elaboração de estudos ecológicos num
sentido amplo, geológicos, botânicos, pedológicos, hidrológicos, que lhes
fornecessem o necessário acervo de conhecimento para a adoção das
técnicas mais adequadas para a expansão agropecuária no trópico semi-
árido (Oliveira, 1977, p. 53).

Apesar do cunho restrito ao combate à seca, essas obras tinham uma


finalidade de socorro frente às situações emergenciais, adquirindo importância para
a população que recebia essas ações, no entanto eram construídas e utilizadas em
benefício dos grandes proprietários de terras e de seus aliados políticos, enquanto
uma das heranças políticas oligárquicas que prevalecem no Nordeste.
Esse modelo de ação esgota-se e é necessário além de novas formas de
intervenção, um conhecimento técnico mais elaborado sobre a economia regional e,
por consequência, uma ação planejada. A criação durante o segundo governo
Vargas (1950-1954) do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) é um sinalizador dessas
mudanças que possui a perspectiva de uma ação diferenciada do Estado no
enfrentamento da questão regional, pois o BNB deveria ter uma ação indutora do
79

desenvolvimento regional e isso implicava ter conhecimento técnico mais elaborado


sobre a economia regional.
Nesse contexto também surgiam as primeiras e mais visíveis organizações
camponesas nordestinas, da qual as Ligas Camponesas, em 1955, sinalizam o
maior exemplo. Surge em Pernambuco com iniciativa espontânea e tom
reivindicatório de camponeses que não possuíam nenhum contrato ou direito e com
auxílio de Francisco Julião, liderança camponesa e deputado pernambucano, essa
liga toma forma concreta. O centro do movimento camponês se irradia e nesse
contexto Cohn (1973) destaca que são criadas Ligas na Paraíba, Rio Grande do
Norte, Ceará, Piauí e Bahia abrangendo lutas por sindicalização e direitos mínimos
que os camponeses não possuíam.
Tratava-se, portanto, de um contexto de efervescência política que também
esteva embebido de ideias em disputa, da concepção de Reforma Agrária, das
influências internacionais comunistas e de várias lutas que despontavam na
realidade:

Para se ter ideia do contexto no qual emergiu a questão regional nordestina


da época, é importante fazer referência às ligas camponesas e à sua luta
por uma radical reforma agrária; ao movimento já referido pelas reformas de
base; à influência da Revolução Cubana que recentemente ocorrera e, em
decorrência, às pressões do governo norte-americano para afastar. de uma
área extremamente crítica, a ameaça de uma nova experiência
revolucionária; ao movimento de base da Igreja Católica e à presença do
partido comunista no campo; à reação dos grandes proprietários de terra
que radicalizavam o conflito e se armavam para evitar a desapropriação de
suas terras e o atendimento de outras reivindicações dos trabalhadores
(Guimarães Neto, 1997, p. 46).

Assim, a luta de classes e seu caráter antagônico se apresentava de forma


mais contundente no Nordeste30, principalmente, a partir de três elementos principais
apontados por Oliveira (1977): 1. Clima geral de insatisfação; 2. Criação de

30
Importante sinalizar o quanto a Região Nordeste foi palco de revoltas e protestos desde
manifestações populares até pequeno-burguesas desde o período colonial, estendendo-se durante os
períodos históricos seguintes. Bernardes ao se debruçar sobre a formação social do Nordeste
destaca tais manifestações que nem sempre estão presentes ao se dissertar sobre a Região: “Na
história política da região nordeste, é importante assinalar uma sequência de movimentos que lhe são
próprios e que não se encontram em nenhuma outra parte do Brasil imperial. Não é possível aqui
examiná-los, mas sua simples enunciação serve para que nos perguntemos sobre o porquê de sua
existência nos marcos do espaço regional: a Revolução de 1817, a Confederação do Equador (1824),
a Revolução Praieira (1848), a Guerra dos Maribondos (Ronco da Abelha, na Paraíba) (1852), os
Quebra-quilos (1874- 1875). Os dois últimos movimentos tiveram uma base social e espacial bastante
específica, pois atingiram, sobretudo, povoações rurais e mobilizaram pequenos e médios
proprietários, em geral voltados para a produção de alimentos” (Bernardes, 2007, p. 58).
80

ressentimentos em relação às áreas mais desenvolvidas do país; e 3) aparecimento


de associações camponesas com vistas a resolver o problema de acesso à terra.
Nesse momento de efervescência política, no mesmo ano da fundação das
primeiras Ligas em Pernambuco, foi realizado no Recife, Pernambuco, o “Congresso
de Salvação do Nordeste” em 1955, reunindo as mais diversas forças políticas,
sociais e econômicas, em uma verdadeira frente ampla em defesa de uma nova
política para a região. Bernardes (2007) destaca que no ano seguinte, a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizou um encontro em Campina
Grande/PB em que a questão regional esteve na ordem do dia, indicando em suas
conclusões a necessidade de outro tratamento para a região.
No contexto dessas reivindicações sendo desenhadas para uma mudança na
postura de enfrentamento das desigualdades regionais, é eleito Juscelino Kubitschek
(1956-1961) para a presidência da República com um conjunto de ideias cuja
palavra síntese era o desenvolvimentismo. Nesse ínterim, a perspectiva do
desenvolvimento agregava as esperanças do desenvolvimento para combater as
desigualdades tanto entre nações como as desigualdades regionais no interior de
cada país, assim “Desenvolvimento com democracia e combate à miséria pareciam
ser a melhor forma de evitar o crescente fascínio da experiência soviética sobre os
trabalhadores e sobre os deserdados da terra” (Bernardes, 2007, p. 71).
Foi esse momento histórico que proporcionou a criação do Grupo de Trabalho
para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), tendo como resultante a criação da
Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) em 1959, tratada
com mais detalhes em relação aos seus objetivos e ações desenvolvidas a seguir.

3.2.2 SUDENE e a integração produtiva do Nordeste: entre intenções e resultados

A criação da SUDENE não representava algo revolucionário, mas certamente


possuía um significado radical, posto que alterava as formas de intervenção do
Estado que até então prevaleciam sobre a região. No Documento produzido pelo
GTDN sobre a nova forma de intervenção do Estado no Nordeste, sendo a base
para a criação da SUDENE, foi apresentado um plano de ação em torno de 4
diretrizes básicas:
81

a) Intensificação dos investimentos industriais, visando criar no Nordeste


um centro autônomo de expansão manufatureira;
b) Transformação da economia agrícola da faixa úmida, com vistas a
proporcionar uma oferta adequada de alimentos nos centros urbanos,
cuja industrialização deverá ser intensificada;
c) Transformação progressiva da economia das zonas semiáridas no
sentido de elevar sua produtividade e torná-la mais resistente o impacto
das secas; e
d) Deslocamento da fronteira agrícola do Nordeste, visando incorporar à
economia da região as terras úmidas do hitlerland maranhense, que
estão em condições de receber os excedentes populacionais criados
pela reorganização da economia da faixa semiárida (GTDN, 1959, p.
12).

Percebe-se a ênfase do documento em relação à industrialização com a


intensificação dos investimentos para modernização da economia do Nordeste,
como uma região que após séculos de centralidade e importância econômica agora
encontrava-se em situação de letargia e atrofiamento em oposição ao Centro-Sul
que estava em plena expansão. Araújo (1984) destaca que a industrialização
consistia no elemento central da proposição do GTDN porque atribui àquele setor o
papel de criar uma base econômica capaz de autopropagação, ou seja, a atividade
industrial teria a tarefa de dinamizar os demais setores da economia (de bens
primários e de serviços), inclusive com a expansão do mercado interno, garantindo
maior autonomia ao crescimento regional nordestino.
A proposta, assim, visava construir uma industrialização de base “regional”,
com um mercado de dimensões razoáveis, disponibilidade de matérias-primas e
mão-de-obra abundante e relativamente mais barata que a do Sudeste. Araújo (1984)
sintetiza que a industrialização proposta do GTDN também tinha como objetivo
contribuir para a redução do subemprego urbano e o de criar uma nova classe
dirigente na Região, com agentes “regionais” que fizessem contraponto às
oligarquias rurais que historicamente vinham capturando o fundo público31 e as
instituições (incluindo as novas) que eram criadas pelo Estado na região.
Esses elementos comportam o significado do plano de fundo que também
permitiu a criação da SUDENE. Representa, então, um sinal da redefinição da
divisão regional do trabalho no conjunto do território nacional, e que aparece como
conflito entre as duas "regiões", uma em crescimento e outra em estagnação.

31
O fundo público se forma a partir a partir de uma punção compulsória - na forma de impostos,
contribuições e taxas - da mais-valia socialmente produzida, ou seja, é parte do trabalho excedente
que se metamorfoseou em lucro, juro ou renda da terra e é apropriado pelo Estado para desempenho
de suas múltiplas funções (Behring, 2021, p. 38 e 39).
82

Nesse cenário, a SUDENE traz desde sua origem a marca de uma


intervenção “planejada” no Nordeste com um programa que na verdade tenta
superar o conflito de classes entre as regiões e de uma expansão pelo poder de
coerção do Estado, do capitalismo no Centro-Sul. Assim, o organismo tinha poder de
criar, por exemplo, empresas mistas, que combinavam capitais da União, dos
Estados e até do setor privado aprofundando a reprodução do capitalismo
monopolista no país.
Demarcando, assim, uma capacidade inteiramente inédita no quadro político-
econômico e administrativo do Nordeste, o de tornar o Estado também produtor.
Desse modo:

Praticamente em qualquer ramo das atividades econômicas poderia a


SUDENE implantar essas empresas estatais, como de fato as implantou,
desde empresas destinadas ao abastecimento d´água nas cidades até uma
unidade de produção industrial tão inequívoca quanto a USIBA – Usinas
Siderúrgicas da Bahia. O Estado nunca tinha sido produtor no Nordeste,
salvo em poucos casos; esse novo Estado no Nordeste já se apresentava
sem a marca da ambiguidade no Centro-Sul (Oliveira, 1977, p. 116).

Mas a captura do Estado no Nordeste não se daria apenas por objetivos


sinalizados no GTDN e nas ações planejadas pela SUDENE, a captura ganha
contornos mais definidos a partir da inserção no texto da lei do 1º Plano Diretor da
SUDENE, com o mecanismo de dedução do imposto de renda para as empresas
que realizassem investimentos industriais no Nordeste32. Essa alteração se explica
no contexto que ocorreu a industrialização recente do Nordeste em tempos de
internacionalização crescente da economia brasileira.
Com o passar do tempo, as concessões ao capital se ampliavam, como
observa Araújo (1984) ao apontar como algo sintomático, por exemplo, notar que o
sistema de incentivos governamentais para estimular a indústria nesta região foi, na
sua concepção original, privativo das empresas de capital 100% nacional, mas em
1963, no II Plano Diretor da SUDENE, os incentivos são estendidos ao capital
externo.

32
Deve-se frisar que essa inserção, que vem a ser o artigo 34 da lei nº 3.959, é de autoria de um
parlamentar do Nordeste ligado à burguesia industrial açucareira, o então deputado Gileno De Carlim
elemento antigo presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool; De Carli introduziu um dos elementos
que faltavam para o financiamento da expansão monopolista: a quase completa transformação do
excedente captado pelo Estado em capital (Oliveira, 1977, p. 119).
83

Justamente o contexto da economia brasileira na divisão internacional do


trabalho, ao ser dependente e associada ao capital externo, também condiciona
esse processo. Sobretudo nos anos 1960 com tendências de aprofundamento do
movimento concentracionista do capital e de concorrência oligopolista. Assim que
Cano (1998) explica essa contradição, que não pode ser posta como culpada do
GTDN e suas intenções de uma industrialização autônoma, mas sim como o capital
estrangeiro comandou esse processo:

A rigor, a concepção industrializante do GTDN não pode ser criticada por


não ter dado conta de que a industrialização que se processava no país, a
partir de meados da década de 50, já não guardava as mesmas relações
que predominaram no processo até então desenvolvido por “substituição de
importações”. Em verdade, o cerne da questão da industrialização nacional
não residia apenas na implantação de setores modernos (bens de consumo
durável e de produção), mas numa industrialização predominantemente
comandada pelo capital estrangeiro ou pelo Estado, de caráter
marcadamente oligopolista. Tanto é assim que a principal correção que se
fez sobre a primeira formulação da política de desenvolvimento industrial do
NE foi, em 1963, a extensão às empresas de capital estrangeiro, dos
benefícios da isenção de imposto de renda para os investimentos no NE,
antes (1961) restritos às empresas de capital 100% nacional (Cano, 1998, p.
21 e 22).

Desta feita, através dos mecanismos de dedução de imposto e incentivos


fiscais (conhecido como sistema 34/1833) estendendo às empresas de capital
estrangeiro para investimento no Nordeste, antes (1961) restritos às empresas de
capital 100% nacional, aprofundou-se a presença do capital monopolista na Região.
Com essa dinâmica, os principais grupos econômicos mobilizaram-se em
direção ao Nordeste, implantando filiais de suas unidades produtivas, assegurando a
homogeneização monopolista no espaço econômico brasileiro.
Nesse contexto, Oliveira (1990) fornece uma lista sumária das principais vias
que o fundo público foi utilizado nesse período de expansão econômica nordestina
com a SUDENE:

a. recursos da União aportados através das empresas estatais;


b. incentivos fiscais concedidos pela Sudene, que incluem, ademais da
própria dedução fiscal para investimentos, conhecida hoje como Finor
(antes dispositivo 34/18), isenção de imposto de renda para certas
atividades após sua implantação; mesmo atividades econômicas pré-

33
Sistema 34/18 assim nomeado por se referir ao artigo 34 do Decreto nº. 3.995, de 1961, e às
alterações produzidas pelo artigo 18, do Decreto nº 4.239, de 1963, que ampliaram os incentivos
fiscais para o capital estrangeiro investir no Nordeste.
84

Sudene beneficiaram-se da isenção, quando transformadoras/utilizadoras


de matéria-prima regional;
c. isenções concedidas pelos governos estaduais e municipais (ICM e
impostos sobre serviços);
d. isenções concedidas por outros organismos de coordenação e
planejamento, como o CDI-Conselho de Desenvolvimento Industrial, para
casos de importação de equipamentos sem similar nacional;
e. recursos na forma de participação acionária através do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e/ou do Banco do
Nordeste do Brasil (BNB);
f. financiamentos do BNDES e do BNB, a taxas favorecidas;
g. financiamentos do Banco Nacional de Habitação (BNH)/Banco Mundial,
para infraestrutura industrial e saneamento (Oliveira, 1990, p.70 e 71).

Percebe-se assim um rol de investimentos no Nordeste que abarcam desde


recursos voltados para expansão das empresas estatais até incentivos ao setor
privado, de modo a ampliarem sua presença na Região devido a esses incentivos
fiscais, tributários e creditícios. Esse conjunto de investimentos faz parte como
supracitado do processo de expansão monopolista no Brasil e explicita a terceira
fase traçada por Guimarães Neto (1997), como integração produtiva, na qual ocorre:

[...] transferência para as regiões periféricas, inclusive o Nordeste, de


frações do capital produtivo, público e privado, que, explorando novas
oportunidades de investimento nesses espaços, promoveriam uma
integração produtiva dessas regiões, já articuladas comercialmente desde a
fase anterior (Guimarães Neto, 1997, p. 39).

Isto é, de região que assumia centralidade econômica com o complexo


econômico nordestino, passa pela articulação comercial não possuindo mais tanta
centralidade e lidando com déficit frente às outras regiões, agora essa região
“engata” na economia nacional acompanhando o crescimento e expansão capitalista
das demais. Vejamos: o capital se nacionaliza no eixo Centro-Sul e após se
nacionalizar tomando lócus em uma dada região passa a se homogeneizar nos
demais espaços, articulando e depois integrando essas regiões trata-se por isso da
integração produtiva.
Essa integração, no entanto, aconteceu no Nordeste a partir da SUDENE e
com mais incidência pós-1964 em um período marcado pelo regime ditatorial civil-
militar, demarcando uma integração produtiva sob regulação autoritária que, ao
mesmo tempo, interrompeu a expansão das forças sociais que buscavam a reforma
agrária e outras reformas de base, enquanto alavancava as condições de
aprofundamento da expansão monopolista no Brasil e consequentemente no
Nordeste. Dessa forma:
85

O golpe de 1964 é tragicamente o epílogo de uma burguesia sem brilho:


enquanto as forças populares lutavam por uma Reforma Agrária que,
no fundo, era uma das formas de resolução da velha Questão Agrária, a
burguesia industrial unificava-se com o velho latifúndio e com a
burguesia internacional — com quem já estava unificada do ponto de vista
econômico —, dando o golpe de graça na armação ideológica de sua
própria hegemonia, na sua última manifestação, de que apenas restava
como porta-voz o Partido Comunista Brasileiro. O Nordeste parece ser o
centro da revolução: ele é apenas a demonstração de sua impossibilidade,
de um lado, e do fracasso definitivo da burguesia brasileira, de outro. A
reivindicação de reforma agrária no Nordeste não se destinava a
viabilizar o capitalismo no campo no Brasil, mas a solucionar a questão
agrária e a questão do mercado de trabalho, e sua summa, a questão
regional. O ponto de fuga da resolução é dado no Sudeste, mas o estrondo,
no Nordeste (Oliveira, 1993, p. 60. Grifos nossos).

Para o Nordeste esse momento de integração produtiva e regulação


autoritária possibilita que a região passe a fazer parte – como produtora e
consumidora – do mercado interno nacional, absorvendo produtos da indústria
nacional concentrada no eixo Centro-Sul e colocando nos demais mercados
nacionais parte dos seus excedentes, tendo em vista as dificuldades de sua
colocação no mercado internacional.
Pode-se sintetizar que a industrialização recente no Nordeste, a partir dos
anos 1960, aconteceu no período de internacionalização crescente da economia
brasileira, em tempos de oligopólio, de solidificação da economia nacional, de
articulação entre as diversas regiões do País e de exportação inter-regional de
capital.
Como aponta Araújo (1984) é por essas determinações que o processo
recente não poderia ser de substituição inter-regional de importações, autônomo,
comandado por empresariado regional, como se planejou no GTDN:

Ao contrário, numa economia como a brasileira dos anos sessenta e setenta,


a industrialização do Nordeste, tardia no contexto nacional, só poderia ser,
como o foi, dependente, complementar, realizada por agentes extra-
regionais, tecnologicamente moderna, de porte nacional (Bacelar, 1984, p.
80)

Significa, na verdade, ter no interior da própria economia regional nordestina,


frações e subgrupos de capitais dos grandes grupos econômicos que já marcavam
presença e se consolidaram nas regiões mais industrializadas do país. Assim, as
empresas ou grupos de empresas que já eram principais no país espraiam-se para o
Nordeste na tendência de homogeneização monopolista, tanto preservando sua
86

colocação no mercado quanto consolidando suas posições no ramo industrial em


que já é importante.
Essa expansão do capital monopolista na região, se deu sob a tutela de um
regime autoritário que se estendeu por 21 anos, sendo beneficiada diretamente pelo
uso do terror estatal para manter sob controle a classe trabalhadora (sem greves e
com baixos salários), garantindo uma política econômica regida pela autocracia
burguesa e seus aparatos repressivos.
Realizando uma análise tanto sobre o significado da repressão política
durante o regime quanto dos determinantes históricos do Brasil como um país
dependente e submetido aos interesses imperialistas, Fábio Campos (2018) conduz
a uma síntese bastante precisa desse período:

Do ponto vista da repressão, já a partir de abril de 1964, e com mais


intensidade em 1968 em diante, desarticulou-se todo o acúmulo político das
forças populares que lutavam desde o limiar do século XX por reformas
estruturais que eliminassem a segregação social. Este aparato repressor,
a serviço do imperialismo, daria origem no Brasil a uma força de
contrarrevolução preventiva e permanente definida a partir do “Estado
autocrático burguês” como Florestan Fernandes (2006) denominou.
Mesmo com o fim da ditadura nos anos 1980, este caráter antinacional,
antipopular e antidemocrático se manteve a serviço das classes dominantes
na Nova República (Campos, 2018, p.47 e 48. Grifos nossos).

A SUDENE também atravessou esse momento ditatorial com seus objetivos


de industrialização e modernização do Nordeste, posto que nesse período
“grandiosas promessas de desenvolvimento, de fim da miséria, de um novo
Nordeste, foram feitas” (Bernardes, 2007, p. 75).
Pode-se perguntar, então, o que resultou de todo esse processo? O que
significou o Nordeste antes e depois da SUDENE, o Nordeste antes e depois do
regime ditatorial e da integração produtiva? E como se insere a industrialização no
Nordeste no bojo das políticas de desenvolvimento regional e de planejamento da
ação estatal no enfrentamento às desigualdades regionais.
Essas e outras questões serão aprofundadas na seção seguinte que insere
inclusive a SUDENE no campo das políticas nacionais de desenvolvimento regional,
destacando a análise sobre o processo de integração nacional e fragmentação
regional no Nordeste. O que requer uma análise mais profunda sobre as gerações e
trajetórias das políticas nacionais de desenvolvimento regional a partir dos anos
1960, bem como sobre os impasses gerados pela desestruturação dessas políticas a
partir do final do século XX.
87

4 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS NACIONAIS DE DESENVOLVIMENTO


REGIONAL NO BRASIL: integração nacional e fragmentação regional no
Nordeste

A partir da discussão desenvolvida nas seções anteriores sobre a expansão


capitalista e as bases das desigualdades no Brasil, seguido do debate sobre as
particularidades da questão regional no Nordeste Brasileiro, é preciso apontar o trato
que o Estado concedeu historicamente ao enfrentamento dessas desigualdades. No
que se refere à questão regional, a intervenção estatal engloba as gerações e
trajetórias das políticas nacionais de desenvolvimento regional, que podem ser
classificadas a partir de marcos temporais e teóricos.
Nesse trabalho, adotamos a divisão proposta por Crocco e Diniz (2006), que
combina distintos períodos históricos com concepções teóricas de desenvolvimento
regional que estão subjacentes nas políticas que foram desenvolvidas no Brasil no
Século XX, demarcando 3 gerações de políticas de desenvolvimento regional:

1. A primeira geração que vai até meados dos anos 1970, quando se nota
políticas regionais do tipo Top-Down, com ênfase na demanda e na correção
das disparidades inter-regionais, caracterizadas como políticas keynesianas;
2. A segunda geração desenvolve-se a partir dos anos 1990 com políticas do
tipo Botton-up (de baixo para cima), de caráter descentralizado e focado na
produtividade endógena das economias regionais e locais; e
3. A terceira geração entre o final dos anos 1990 e início do século XXI,
enquanto fruto de avaliações dessas políticas de desenvolvimento endógeno,
de modo que a perspectiva não é somente macroestrutural (como na primeira
geração), nem exclusivamente local (segunda geração), mas consegue
articular as duas em um olhar multiescalar.

Com base nessa proposta de periodização, é discutida as particularidades


das diferentes trajetórias das políticas de desenvolvimento regional no Brasil. Para
isso, a primeira subseção aborda as gerações e trajetórias das políticas nacionais de
desenvolvimento regional e as repercussões na Região Nordeste. Já a segunda
subseção discute a política de desenvolvimento regional a partir da cena
contemporânea, com os influxos da crise capitalista estrutural e a terceira geração
88

de políticas regionais, considerando o contexto mundial e as particularidades


brasileiras e nordestinas do século XXI. Nesse período, busca-se distinguir a
primeira década que foi marcada pelo enfrentamento às desigualdades, mesmo que
com sérias limitações e contradições estruturais, da segunda década que apresenta
tendências de agravamento da questão regional brasileira.

4.1. Gerações e trajetórias das políticas nacionais de desenvolvimento regional


e as repercussões na Região Nordeste

Na segunda metade do século XX, verifica-se que buscou-se planejar e


executar políticas nacionais de desenvolvimento regional, como forma de enfrentar a
histórica desigualdade regional. No entanto, esse processo teve diferentes marcos
temporais, concepções teóricas e ações adotadas. Desse modo, trataremos
inicialmente, da primeira geração de políticas regionais desenvolvidas no Nordeste
Brasileiro destacando seus avanços, continuidades, rupturas e resultados, sobretudo
pós-SUDENE. A segunda subseção debate o contexto dos anos 1990, com a
segunda geração de políticas de desenvolvimento regional com os influxos do
avanço neoliberal e do trato dispensado à questão regional.

4.1.1 Modernização Conservadora e a primeira geração de políticas regionais:


os Nordestes pós-SUDENE

O Nordeste, entendido como região autônoma, locus de uma dinâmica


própria no seu movimento de acumulação de capitais, não mais existe. Não
só o Nordeste. No Brasil, nesse novo contexto, não existem mais
“economias regionais”, mas “uma economia nacional, regionalmente
localizada”.
Tânia Bacelar (2000)

O Nordeste pós-SUDENE é diferente do que se conhecia em sua formação


social colonial visto que, como aponta Tânia Bacelar Araújo (2000), esse Nordeste
assim como o Brasil, não existe mais. A base da economia nacional não se encontra
mais dividida em economias regionais específicas, mas uma economia nacional que
se regionaliza.
89

Isso porque até a década de 1950, existiam regiões com diferentes atividades
econômicas, demarcando economias regionais. No entanto, com o processo iniciado
pela articulação comercial e posteriormente consolidado com a integração produtiva
as economias regionais sucumbem e tem-se cada vez mais uma economia nacional
com traços comuns, mesmo que com suas devidas particularidades.
Nesse cenário desenvolve-se de modo mais efetivo as políticas de
desenvolvimento regional. O aprofundamento do capital nacional e internacional
marcam a chamada primeira geração das políticas regionais apontadas por Crocco e
Diniz (2006), até meados dos anos 1970, quando notam-se políticas regionais do
tipo Top-Down, com ênfase na demanda e na correção das disparidades inter-
regionais, caracterizadas como políticas keynesianas. Essa geração de políticas
regionais se caracteriza pelo entendimento de que o desenvolvimento regional não é
garantido de forma automática pelas forças de mercado, e por isso é importante e
necessária a intervenção estatal para superar os desequilíbrios regionais.
Nessa perspectiva, como apontam Crocco e Diniz (2006) essa compreensão
pressuponha estratégias e políticas deliberadas para impulsionar o desenvolvimento
regional, dentre as quais se destacam as principais:

1. Big-Push (pacote de investimentos promovidos pelo Estado);


2. Polos de crescimento com instalação, em regiões atrasadas, de uma
indústria motriz que, através de seus efeitos se tornaria um polo de crescimento e
estimularia o desenvolvimento da região;
3. Prioridades para o setor industrial visto que para a superação das
diferenças regionais era necessário eliminar, ou ao menos diminuir as diferenças
entre as estruturas produtivas das regiões;
4. Mecanismos de compensação para as regiões atrasadas, o mais comum
sendo o de incentivos fiscais, com o princípio básico de utilizar o Estado para
subsidiar a atração de empresas de forma a compensar as desvantagens
locacionais em regiões atrasadas. e
5. Investimentos estratégicos no setor público: poderiam ser de gasto em
infraestrutura ou mesmo na instalação de empresas estatais nestas regiões, quando
a iniciativa privada não se dispunha tanto.
90

Essas estratégias e formas de condução da política regional influenciaram as


estratégias de implementação das políticas de desenvolvimento regional no mundo,
tendo impacto também na realidade brasileira. Assim que no percurso das formas de
enfrentamento da desigualdade regional no Brasil, adota-se a partir dos anos 1950
uma intervenção estatal mais efetiva, sinalizada na criação de superintendências
como a SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) e a SUDAM
(Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia).
Essas modificações podem ser compreendidas a partir do importante (e
emblemático) papel que a SUDENE desempenhou ao desenvolver a integração
produtiva e o incentivo a investimentos de capitais no Nordeste, colocando em
prática uma das propostas centrais do GTDN: o estímulo da industrialização no
Nordeste com vistas a superar as dificuldades geradas pela velha base agro-
exportadora nordestina.
Esse processo de industrialização situa-se no terceiro momento que
Guimarães Neto (1997) caracteriza como de superação da articulação comercial
entre as regiões para a integração produtiva ocorreu no contexto ditatorial militar sob
uma regulação autoritária, com vistas a aprofundar a expansão e homogeneização
do capital monopolista no país. Essa dinâmica, sobretudo no Nordeste, possui outro
fator importante de mecanismo na constituição do capitalismo contemporâneo: o
papel dos fundos públicos. Como explica Oliveira (1990) a função dos fundos
públicos possui ligação direta com a expansão das possibilidades de acumulação
para além dos fornecidos na produção:

A função do fundo público nesse processo consiste, em geral, em potenciar


a acumulação para além dos limites impostos pela geração do lucro,
utilizando uma riqueza pública que não é capital e que, portanto, na
equação geral não é remunerada. O fato de que os recursos do Finor são
de custo de oportunidade igual a zero, somado à alta taxa de subsídio
implícita nas aplicações dos bancos estatais, adapta-se a esse paradigma
(Oliveira, 1990, p. 73).

Nesse processo de utilização dos fundos públicos na expansão capitalista no


Nordeste, existem alguns mecanismos essenciais, dentre eles os investimentos
diretos das empresas estatais, a criação do FINOR (Fundo de Investimentos do
Nordeste - constituído a partir de dedução fiscal do imposto de renda incidente sobre
o lucro real das empresas) e os créditos fornecidos pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em todos esses casos, funcionam
91

“como fundos públicos que são privatizados, como complemento na direção do


movimento de capitais” (Oliveira, 1990, p. 74). As empresas de propriedade ou com
participação estatal34, inclusive, desempenharam papel essencial nas condições que
propiciaram a mudança da base industrial da região, com duas tarefas centrais:

a. prover a infra-estrutura citadina necessária à dinâmica industrial e aos


processos de urbanização;
b. prover os meios de produção de consumo generalizado na cadeia
produtiva, através das holdings federais empenhadas em acelerar a
concentração de capital nos segmentos de insumos intermediários:
Petrobrás (incluindo sua subsidiária Petroquisa), Eletrobrás, Siderbrás,
Telebrás, Vale do Rio Doce (Oliveira, 1990, p. 74).

Dessa forma, pode-se perceber a importância do fundo público para incentivo


à instalação da base industrial e do provimento da infraestrutura necessária para sua
implantação. Assim, ocorre às claras uma privatização dos recursos públicos, em
que “os fundos são estatais, mas a lógica do desempenho das estatais é privada”
(Oliveira, 1990, p .68).
Trata-se de uma articulação entre a esfera estatal com a privada, retirando o
público da equação, justamente pela ausência de mecanismos de controle que
emanam e contém demandas do social, regulando politicamente os conflitos. Como
decorrência da eliminação da dimensão social pública, essa dinâmica perverte a
própria ação estatal, que perde o poder de estabelecer as diferenças entre
interesses gerais e particulares. Esse movimento condensa a "privatização" do
Estado, sinalizado por Oliveira (1990).
Importante destacar que nesse contexto, os fundos públicos funcionam como
uma espécie de substituto do capital financeiro a partir das funções exercidas pelo
Finor e os bancos estatais. Além dos benefícios propiciados ao capital pela base
produtiva industrial instalada, os fundos promovem um mecanismo de centralização
desses capitais, visto que “as deduções fiscais se desligam momentaneamente da
base produtiva que gerou o imposto de renda, para só se ligarem outra vez à mesma
no interior de cada capital em particular” (Oliveira, 1990, p. 73). A essa função liga-

34
“As empresas exclusivamente estatais — de serviços industriais de utilidade pública e industriais
propriamente ditas — sozinhas representam 35% do patrimônio total das 1.300 maiores empresas do
Nordeste. E as estatais em associação com capitais privados de várias origens, os outros 9%, os
quais perfazem os já referidos 44%. Dividindo-se o total das 1.300 empresas da amostra trabalhada
em empresas de propriedade de um só capital e empresas de propriedade de mais de um capital, as
estatais contribuem com 70% do patrimônio total deste segundo subgrupo” (Oliveira, 1990, p. 75).
92

se outra essencial exercida pelos fundos: a de não estarem sujeitas aos movimentos
da taxa de lucro de qualquer setor.
Araújo (2000) sinaliza esses mecanismos de apropriação do fundo público a
partir dos incentivos fiscais, investimentos de empresas estatais do porte da
Petrobrás e da Vale do Rio Doce, complementados com créditos públicos (BNDES e
BNB) e com recursos próprios de importantes empresas nacionais e multinacionais,
de modo que as atividades urbanas (e nelas as atividades industriais) ganham
crescente espaço na economia nordestina e passam a comandar o crescimento da
produção nessa região brasileira, rompendo a fraca dinâmica antes existente.
Além dos incentivos econômicos atrativos do capital, a SUDENE concentrou
esforços e recursos federais na realização de estudos e pesquisas sobre a dotação
de recursos naturais do Nordeste e na ampliação da oferta de infraestrutura
econômica (transportes e energia elétrica). Estudos que tiveram relevância central
para o dinamismo dos investimentos nas atividades privadas, tanto no setor
industrial como no setor terciário.
O Nordeste, então, a partir da privatização do fundo público no processo de
integração produtiva sob regulação autoritária, se integra à lógica de acumulação
nacional do capital:

A integração do Nordeste à dinâmica global da economia brasileira produziu


importantes deslocamentos na estrutura da propriedade burguesa. Esses
deslocamentos são verso e reverso dos mecanismos da expansão regional:
de um lado, o fundo público atuando como argamassa principal dos capitais,
de outro, uma mobilidade de capitais permitida apenas pela alta
concentração econômica em escala nacional, vale dizer, pelo poder
oligopólico dos principais grupos. O processo pode ser sintetizado como o
de uma des-regionalização burguesa que se completa ou se perfaz por uma
perequação da própria burguesia como classe social nacional, não apenas
do ponto de vista de uma hegemonia abstrata, mas concretamente: isto é,
seus capitais, seus interesses, seus investimentos, seus lucros, estão
fincados hoje na equação regional, também, como formas diferenciadas de
seu poder nacional (Oliveira, 1990, p. 78).

Assim, pode-se questionar quais as implicações dessas mudanças na base


produtiva para a economia nordestina? Nota-se que uma das principais consiste na
dinâmica promovida pelos fundos públicos e privados no processo de centralização
do capital monopolista inscrevendo o Nordeste no processo mais geral de
acumulação de capital no país.
Como essa inscrição se apresenta na realidade é uma das questões que
podem ser exemplificadas a partir da sua base econômico-comercial. A mudança na
93

dinâmica econômica regional é sinalizada, sobretudo, pelo setor industrial, na qual


os deslocamentos se mostram mais decisivos.
Isso ocorre porque a indústria clássica nordestina composta por produtos
alimentares e têxtil, foi substituída pelo par indústria química-produtos alimentares e
o último gênero quer dizer sobretudo açúcar e álcool. Isto é, ocorre uma mudança
significativa que transita da produção de mercadorias responsáveis pelo custo
imediato de reprodução da força de trabalho local para a produção de insumos
intermediários (meios de produção), destinados ao mercado e internacional. Uma
mudança que desloca o eixo principal da economia nordestina nas décadas de 1060
e 1970. Tal mudança é expressa na realidade do mercado trabalho da Região visto
que:

O emprego nos setores da indústria e de serviços cresceu ao ponto de que


a população ocupada de base urbana saltou de 37% em 1970 para 53% da
população ocupada total em 1985, ainda distante da média nacional (72%
em 1985) (Oliveira, 1990, p. 76).

Enquanto cresce o setor industrial regionalmente, é possível perceber a


queda da presença das atividades rurais do setor agropecuário, com apenas 13% de
participação no Produto Interno Bruto (PIB) regional (Oliveira, 1990). Vejamos: a
entrada de novos mercados, novas indústrias, unidades produtivas no processo de
integração dos mercados nacionais iriam solapar as velhas produções e suas
estruturas correspondentes, isso é o que atinge, sobretudo, o velho setor agrário do
algodão, pecuária e subsistência.
Essas velhas classes burguesas nordestinas, sobretudo ligadas à propriedade
fundiária, apesar de menos participação econômica não perdem seu domínio político,
mas têm que lidar com o fato de que não são mais exclusivas na Região, tendo que
fazer concessões de poder a outros grupos econômicos pois “o espaço regional de
classe é agora compartilhado com outras formas de capitais” (Oliveira, 1990, p. 84).
Com investimentos públicos, maior entrada do capital e maior dinamismo
econômico o Nordeste passou a experienciar uma nova fase de crescimento
expressivo inclusive com taxas de PIB maiores que as verificadas no Japão,
conforme aponta Araújo (2000, p. 4):

No global, nas décadas dos 60, 70 e 80, o Nordeste foi a região que
apresentou a mais elevada taxa média de crescimento do PIB, no País. De
1960 a 1988, a economia nordestina suplantou a taxa de crescimento média
do País em cerca de 10%; e entre 1965 e 1985, o PIB gerado no Nordeste
94

cresceu (média de 6,3% ao ano) mais que o do Japão no mesmo período


(5,5% ao ano).

Assim, o Nordeste que antes era o esteio e suporte para o processo de


nacionalização do capital na Região Centro-Sul agora se torna também a Região
que adota um padrão de crescimento consistente. A partir do movimento de
integração econômica comandado pela acumulação de capital e solidarizando sua
dinâmica econômica de acordo com as tendências gerais da economia nacional.
Nessa integração produtiva e econômica, o Nordeste assume um novo papel
no contexto da divisão inter-regional do trabalho no Brasil, passando de produtora de
bens de consumo não-duráveis (têxtil e alimentar) para uma região industrial
especializada em bens intermediários, com destaque para instalação de grandes
polos como o polo petroquímico de Camaçari na Bahia e o complexo minero-
metalúrgico, no Maranhão.
Esses polos sinalizam as tendências de acumulação privada reforçadas pela
ação do Estado que propiciaram o surgimento e desenvolvimento no Nordeste de
diversas estruturas e complexos com estruturas econômicas modernas e ativas,
focos de dinamismo econômico em várias áreas, chamadas de frentes de expansão
ou polos dinâmicos. Desde os polos de fruticultura irrigada presentes em vários
estados nordestinos, inclusive no Rio Grande do Norte, ao polo de pecuária intensiva
no Agreste de Pernambuco, polo têxtil de confecções de Fortaleza até os polos
turísticos nas principais cidades litorâneas nordestinas, essas frentes de expansão
marcaram uma nova dinâmica na economia nordestina.
Conforme já destacamos, essas frentes foram criadas a partir dos
investimentos governamentais diretos e dos estímulos fiscais e financeiros que
passaram a ser oferecidos aos empreendimentos privados que se instalassem nos
estados nordestinos. Desse modo, essa integração produtiva também resulta das
novas formas que o Estado passa a adotar na Região, “sobretudo a sua esfera
federal, passa a adotar a partir dos anos 60 com relação às partes economicamente
mais atrasadas do território nacional” (Guimarães Neto, 1997, p. 39 e 40).
Apesar da instalação dessas novas áreas ainda existem áreas econômicas
tradicionais, condensando uma economia complexa e multifacetada. As zonas
cacaueira e canavieira e o sertão semiárido são as principais áreas socioeconômicas
do tipo tradicional que continuam prevalecendo na Região e quando ocorre
modernização nesses setores, é no sentido seletivo e restrito, mantendo seu padrão
95

tradicional. Dessa forma, combinam-se ao mesmo tempo o novo e o tradicional na


dinâmica econômica nordestina e assim:

O todo resulta num tecido misto, em que se combinam continuidade e


ruptura, isto é, a resistência de velhas estruturas nordestinas, como é o
caso particularmente do campo, e as novas estruturas erguidas a partir do
período em referência, como é o caso do polo petroquímico de Camaçari,
na Bahia (Oliveira, 1990, p. 68).

Assim, a imagem tradicional vinculada ao Nordeste como setor agro-


exportador e sem presença de grandes empresas e polos dinâmicos, dá lugar a um
Nordeste que hoje abriga estruturas modernas e dinâmicas convivendo com áreas e
segmentos tradicionais. Compõe, assim, vários Nordestes:

[...] do Nordeste do oeste baiano e do Nordeste canavieiro do litoral do Rio


Grande do Norte a Alagoas; do Nordeste agroindustrial do submédio São
Francisco e do Nordeste cacaueiro do sul baiano; do Nordeste minero-
metalúrgico e agroindustrial do Maranhão e do Nordeste semi-árido,
dominado pelo tradicional complexo gado/agricultura de sequeiro etc.
(Araújo, 2000, p. 38).

Pode-se evidenciar, assim, vários Nordestes com diferentes atividades


econômicas conjugando zonas dinâmicas com áreas tradicionais visto que nem
todas recebem os estímulos e prioridades na mesma medida. Nesse cenário,
aprofundam-se as diferenciações regionais herdadas do passado e as novas áreas
que são focos de competitividade e de dinamismo, como aponta Araújo (1997), em
análise sobre a Herança de diferenciação e futuro de fragmentação nordestina:

O futuro parece apontar, especialmente quanto ao Nordeste, para o


aprofundamento da heterogeneidade herdada do passado recente. E
tenderão a se ampliar as diferenciações dentro das macrorregiões, cada
uma delas podendo conter distintos tipos de sub-regiões, como: sub-regiões
de áreas dinâmicas, subregiões em processo de reestruturação, sub-regiões
estagnadas ou sub-regiões e áreas de potencial pouco utilizado (Araújo,
1997, p. 32).

Assim, o desenvolvimento regional principalmente dos anos 1970 até os anos


1980 apesar dos incentivos e dinamismos reforçou a heterogeneidade de cada
macrorregião e com isso “tornando mais nítidas e mesmo maior as diferenças entre
as sub-regiões de cada grande região. Também neste aspecto, o Nordeste
acompanhou e continua a acompanhar o Brasil” (Araújo, 1997, p. 33).
Pode-se evidenciar a partir dos anos 1970 e prolongando-se nas décadas
seguintes, uma economia diferente no país que não é caracterizada por economias
96

regionais, mas sim por uma economia nacional integrada, dinamizada e capitalizada
que se localiza nas diferentes regiões. Isso acontece pelo próprio movimento do
capital que após tomar lócus em uma região, expande-se para as demais regiões
impondo seus traços e movimentos comuns.
Ressalta-se, no entanto, que todo esse processo de maiores investimentos no
Nordeste contribuiu para solidificar sua economia a nível nacional, inserindo-se no
contexto do chamado “milagre econômico brasileiro” (1968-1973) com o
aprofundamento do capital monopolista, sob regulação autoritária e com a ampliação
da presença de transnacionais na economia do país. No entanto, passada a euforia
do milagre, o país mergulhou em uma profunda crise com rebatimentos
diferenciados nas regiões.
Netto (2014) aponta ao dissertar sobre a crise econômica e a derrota política
da ditadura militar, que o esgotamento do modelo aconteceu durante o governo de
Ernesto Geisel (1974-1979) que tentou, inclusive, retomar o dinamismo anterior com
a implementação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), de forma que
apenas adiou a recessão para frente, rebatendo no governo Figueiredo.
Conforme a alegoria feita por Francisco de Oliveira (1990), com a expansão
capitalista no Nordeste e a chegada de grandes indústrias e desenvolvimento das
frentes de expansão, a arribaçã não precisava mais voar para São Paulo ou outros
estados do Centro-Sul. No entanto, o fato da ave não voar mais para outros lugares
não significa que a desigualdade e a miséria cessaram na Região nem que deixaram
de existir mesmo em meio ao processo de crescimento econômico.
Justamente porque existem sequelas resultantes do crescimento econômico
capitalista durante o chamado milagre econômico brasileiro: a concentração da
riqueza e ampliação da desigualdade social. Esse fator interno somado às
repercussões do limite desse padrão de crescimento diante de um cenário
internacional de início de uma crise que se tornará estrutural (Meszáros, 2002), com
os choques do petróleo, a regressividade econômica e a queda nas taxas de
reprodução do capital, terão fortes rebatimentos no governo ditatorial de Figueiredo
(1979-1985).
Netto (2014) caracteriza como um quadro profundamente regressivo que
soma o segundo choque do petróleo (sentido desde 1979 devido ao Brasil ser o
terceiro importador mundial desse produto) com a decisão norte-americana de elevar
97

as taxas de juros da dívida externa em 1982. Nesse cenário, a dívida externa


brasileira saltou de 49,9 bilhões de dólares para 91 bilhões de dólares, entre 1979 e
1984, conforme destaca Netto (2014). No entanto, é preciso salientar que mesmo no
marco de uma recessão tão formidável quanto a vivenciada no primeiro terço dos
anos 1980, a concentração da renda e da propriedade permaneceu operando com
força.
Percebe-se o caráter conservador da modernização operada pelo capitalismo
brasileiro, como aponta Josiane Santos (2012): tem-se novas bases produtivas, mas
mantêm relações sociais atrasadas, inclusive de conexões entre a colonização e os
modos de produção articulados em sem interior, como o latifúndio da monocultura
extensiva voltado à exportação que permaneceu inalterado.
Dessa forma, apesar do cenário recessivo economicamente com aumento da
dívida externa e queda do PIB as classes proprietárias seguem lucrando enquanto
se agudiza as desigualdades e com isso se agrava as expressões da “questão
social”.
É o que nos mostra José Paulo Netto (2014) com base nos dados do
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE),
expondo as repercussões e sequelas na vida dos/as trabalhadores/as brasileiros/as
com aumento do desemprego, pobreza e desnutrição pós-milagre econômico e crise
econômica capitalista, sobretudo para os estratos nordestinos mais pauperizados:

A renda per capita reduziu 25% entre 1979 e 1984, e entre 82-85 os salários
reais caíram 20%. Conforme o DIEESE, 30,3% da população
economicamente ativa do país estava desempregada ou subdesempregada,
e em 1985 35% de todas as famílias e 41% de todos os indivíduos vivam
em condições de pobreza. Para a massa da classe trabalhadora, a memória
dos tempos de Figueiredo é dolorosíssima. No centro mais rico do país, a
cidade de São Paulo, em 1984-85 mais de um quarto das crianças
apresentava quadro de subnutrição (25,9%). E de acordo com o quadro
calórico mínimo per capita descrito pela ONU (3.000 para homens e 2.500
para mulheres) 75,9% dos nordestinos não o alcançavam além de 87,4%
dos nortistas e no quadro das regiões mais desenvolvidas o panorama
chegava a 57,9% (Netto, 2014, p. 214).

Esses números retratam as consequências dos efeitos concentracionistas da


expansão econômica, com má distribuição de renda, estrutura de salário baixa e da
utilização predominantemente do fundo público para beneficiamento do mercado. É
nessa dinâmica que “o público se privatiza apenas numa direção, na direção da
substituição dos fundos da acumulação privada pelas estatais, mas não há
contrapartida no sentido de corrigir o mercado em termos de salários, distribuição de
98

renda etc” (Oliveira, 1990, p. 68). A ausência de uma esfera pública que pense
efetivamente nos direitos sociais foi levada em marcha até suas últimas
consequências pelo Estado autoritário durante a ditadura militar.
Percebe-se, então, como esse cenário repercutiu sobremaneira nas
condições de vida, trabalho e sobrevivência dos/as trabalhadores/as brasileiras,
aprofundando as desigualdades já existentes no país. Esse quadro de agudização
das desigualdades é mais ampliado em regiões que lidam secularmente com
heranças de profundas carências sociais, como o Nordeste, conforme aqui
demonstrado.
No entanto, os dados do Nordeste precisam ser lidos de forma ampla, tendo
em vista que, com o aumento dos investimentos, da industrialização e das demais
frentes de expansão, houve um impacto econômico significativo na Região com
repercussões sociais, como pondera Araújo (2000, p. 30): “quando se observam
alguns indicadores como o produto per capita e a esperança de vida, verifica-se que
os índices apresentados pelo Nordeste não só se elevaram nos últimos anos, mas
também tenderam a se aproximar mais da média nacional”.
Assim, apesar do quadro econômico complexo nos anos 1990, o Nordeste
com a ampliação dos investimentos conseguiu se aproximar da média nacional em
relação ao crescimento econômico e alguns indicadores sociais. Todavia, mesmo
com a maior presença do Estado continuou possuindo a situação social mais grave
do país, haja vista que “O PIB per capita continua sendo o mais baixo do Brasil e a
esperança de vida ao nascer do nordestino (58,8 anos, em 1988) é a menor entre
todas as regiões brasileiras” (Araújo, 2000, p. 30).
Então percebe-se como a Arribaçã apesar de não migrar tanto35 continua
convivendo com a realidade da desigualdade em relação às regiões Sul e Sudeste,
carregando o peso das heranças históricas de carências que ainda não foram
resolvidas. Além disso, mesmo com a queda das atividades agropecuárias

35
“A migração que continua a haver provavelmente tem papel marginal na determinação do nível de
salários reais nas regiões, estados e cidades onde ela aporta. Estes níveis agora têm muito mais a
ver com a organização das classes trabalhadoras, de um lado, e, de outro, com a própria produção de
populações excedentes nas regiões mais ricas. Basta ver que na última década censitária — entre
1970 e 1980 — o estado que mais perdeu população absoluta e relativamente foi o Paraná, devido à
forte mudança técnica e nas relações de produção na rica agricultura paranaense” (Oliveira, 1990, p.
91).
99

tradicionais no Nordeste, os grupos econômicos do latifúndio seguem exercendo


domínio frente a grande parcela da população que desenvolve atividades rurais.
Permanece, assim, uma questão agrária irresoluta.
Também persistiam as características de maior precariedade no mercado de
trabalho da Região em relação a níveis de renda, de salários e de um amplo exército
industrial de reserva que recorre ao setor informal. Os dados sobre essa situação
não são apenas herança do passado, mas também dinâmica da expansão recente
dos anos 1970 e 1980. Isso porque apesar da expansão contribuir para o aumento
dos empregadores urbanos ainda persiste questões estruturais como os baixos
salários e a grande quantidade de trabalhadores informais:

[...] em 1985, 85% da média dos empregados ganhavam menos de três


salários mínimos e 52%, até um salário mínimo. Parece haver uma
acentuada relação entre esses níveis salariais e a formalização das
relações de trabalho, pois os trabalhadores sem carteira assinada
representavam 60% do total de empregados em 1985, e nestes apenas
24% ganhavam acima de um salário mínimo (Oliveira, 1990, p. 90).

Assim, apesar de adotar mecanismos e estratégias importantes, a primeira


geração de políticas regionais chega em um período de esgotamento com as
transformações macroestruturais capitalistas sinalizadas com a crise estrutural do
capital, mas sobretudo com o avanço neoliberal e as medidas de enfrentamento da
chamada crise fiscal com as medidas de estabilidade monetária nos anos 1990.
Soma-se a esse processo as críticas advindas a como essa primeira geração
teve uma excessiva crença nos mecanismos puramente econômicos no combate às
desigualdades regionais e, ao mesmo tempo, não se atentar para a dinâmica e uma
maior participação local dos espaços regionais. Como apontam Crocco e Diniz
(2006), duas críticas são mais contundentes em relação às lacunas teóricas das
políticas Top-Down do período, a saber: “não ser capaz de enraizar os mecanismos
de crescimento; e possuir pouca vinculação com as capacidades locais” (Crocco e
Diniz, 2006, p. 13).
Assim, é nesse contexto que se observa concretamente uma transição e
divisão temporal nas concepções de desenvolvimento regional e consequentemente
nas ações e políticas de desenvolvimento regional que foram adotadas a partir da
década de 1960. Desse modo, a partir dos anos 1990 as políticas passam de Top-
Down (de cima para baixo) para a segunda fase conhecida como Botton-up (de
baixo para cima), de caráter descentralizado e focado na produtividade endógena
100

das economias regionais e locais, como dividem Crocco e Diniz (2006). Essa
compreensão implica no entendimento da dinâmica regional e a valorização da
capacitação local para o combate às desigualdades regionais, como será abordado
a seguir.

4.1.2 A reconfiguração das políticas regionais no Brasil: entre o localismo e o


neoliberalismo na segunda geração de políticas regionais

Essas mudanças na condução e compreensão das políticas regionais


inserem-se nesse contexto de transformações no cenário macroeconômico
capitalista, que se encontra desde os anos 1970 diante de uma crise estrutural do
capital sem precedentes. Como aponta István Mészáros (2002), a crise estrutural é
diferente das demais cíclicas vivenciadas ao longo da história do sistema do capital,
visto que possui uma processualidade incontrolável, profundamente destrutiva e
estrutural.
As estratégias do capital nesse cenário de crise para recompor as taxas de
lucro ganham destaque nos ideais neoliberais, cujo “remédio”, então, era claro:
manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e
no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções
econômicas” (Anderson, 1995, p. 11). Esta reforma do Estado explica-se, também,
em virtude do atual período do capitalismo marcado por uma hegemonia do capital
financeiro e dos setores a ele ligados, que mobilizam estratégias econômicas e
políticas para implementar as contrarreformas que atendam às necessidades de
reprodução do capital.
Crocco e Diniz (2006) citam duas principais alterações nas políticas de
desenvolvimento regional a partir dessas mudanças macroeconômicas. A primeira é
a incorporação de aspectos institucionais (conhecimento, rotinas, capital social e
cultural) no entendimento da dinâmica regional e na valorização da capacitação local
para enfrentamento às desigualdades regionais. Politicamente, a segunda e principal
mudança, é a ênfase na competitividade, na inserção internacional como fator mais
importante para o desenvolvimento e, por isso, amplia-se o enfoque de inovação,
101

das economias de conhecimento, dos clusters36 ou arranjos produtivos territoriais e


locais.
Essa proposta de desenvolvimento ganhava fluxo e relevância na União
Europeia - UE, sobretudo no final dos anos 80, quando ocorreu, de fato, uma radical
transformação na política de desenvolvimento regional na UE. Como ressalta Galvão
(2014) na década de 1990 praticamente toda a Europa passou a conviver com
baixas taxas de crescimento e elevados níveis de desemprego. Diante desse
contexto o fortalecimento das políticas comunitárias terminou sendo visto como o
melhor caminho para o enfrentamento de tantos e tão complexos desafios.
Desse modo, a base para o desenvolvimento está enraizada nas condições e
possibilidades que o espaço local possui tanto em desenvolver conhecimento quanto
produção, competição e crescimento. Essa concepção de desenvolvimento baseia-
se na retomada, de maneira enfática, sobre o papel da inovação no desenvolvimento
econômico. Diniz, Santos e Crocco (2006) destaca como foi importante nesse
contexto o resgate da contribuição de Schumpeter que junto com vários autores
ressalta o papel da inovação na competição e no sucesso produtivo, aprofundando a
importância das características setoriais da inovação, do papel da pesquisa e dos
arranjos institucionais.
Assim, o destaque é dado às decisões estabelecidas no espaço local,
destacando a importância da decisão locacional da empresa que “passa a ser um
elemento decisivo na sua capacidade de competição, a qual depende da
combinação de suas competências individuais e dos atributos ou ativos locais” (Diniz,
Santos e Crocco, 2006, p. 92). Essa compreensão conduz a uma perspectiva de
superar a primeira geração de políticas regionais e valorizar o espaço local como
condutor do desenvolvimento regional:

Dessa forma, o foco do planejamento regional passa a ser a localidade,


superando as experiências históricas de planejamento e de implementação
de políticas regionais com vistas à promoção homogênea do crescimento
econômico e à melhoria social de grandes regiões (Diniz, Santos e Crocco,
2006, p. 92).

36
Genericamente, clusters, ou sistemas locais de produção podem ser definidos como uma
concentração setorial e espacial de firmas. Este conceito pode ser ampliado para incorporar outros
elementos relacionados à intensidade das trocas intra-aglomeração, à existência de relações de
cooperação, ao grau de especialização e desintegração vertical da aglomeração, ao ambiente
institucional voltado para dar suporte ao desenvolvimento do cluster, dentre outros (Diniz, Santos e
Crocco, 2006, p. 102).
102

Essa perspectiva chega no Brasil no final dos anos 1990 com um conjunto de
estudos e levantamentos sobre os arranjos e sistemas produtivos locais confirmando
que o país possui base produtiva e experiências acumuladas localmente, reunindo
condições para a articulação das políticas públicas e privadas. Como sinaliza Diniz,
Santos e Crocco (2006), estas características permitem buscar mecanismos que
fortalecem a articulação das empresas de cada localidade com as experiências de
distritos industriais, clusters, incubadoras, parques tecnológicos37 e outras formas de
organização dos sistemas regionais de inovação, que no Brasil vêm sendo
chamados de arranjos e sistemas produtivos locais.
Apesar de ser um debate presente nos países centrais e periféricos, é notório
as diferenças tanto em relação à implementação quanto a capacidade de produção e
inovação criadas. Isso porque apesar de ser possível encontrar arranjos produtivos
locais em países periféricos “mais completos” (organizados e inovativos, sendo estes
últimos mais raros), a maior parte deles assume características de arranjos informais
e são compostos, geralmente, por pequenas e médias empresas, com nível
tecnológico baixo e com capacidade de gestão precária.
Outro elemento evidente da característica da inovação precária no Brasil
encontra-se nos parques tecnológicos. Uma experiência que se iniciou em meados
dos anos 80, fomentada por uma política deliberada do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de implantação de parques
tecnológicos, mas somente a partir de meados dos anos 1990 que estas
experiências começaram efetivamente a funcionar. Diniz, Santos e Crocco (2006)
fornecem um panorama da distribuição dos parques tecnológicos e incubadoras no
país:

Como dito anteriormente, o país conta, hoje, com 34 parques tecnológicos,


distribuídos regionalmente da seguinte forma: 19 estão localizados no
Sudeste (11 em Minas Gerais, 3 em São Paulo e 5 no Rio de Janeiro); 8 no
Sul (4 no Rio Grande do Sul, 1 em Santa Catarina e 1 no Paraná); 4 no
Nordeste (2 no Ceará, 1 na Bahia e 1 em Pernambuco); 1 na Região Norte
e 1 na Região Centro-Oeste. No que se refere às 207 incubadoras em

37
Desde a experiência pioneira e de maior sucesso de articulação entre o conhecimento científico e a
pesquisa desenvolvida na Universidade de Stanford, na Califórnia, e seu esforço de adaptação à
geração de novas tecnologias em fins dos anos 40, que deu origem ao “Vale do Silício”, teve início,
em várias partes do mundo, a criação de sistemas institucionais planejados para tal fim, nascendo a
ideia de parques tecnológicos. O formato institucional e os objetivos variaram no tempo e segundo as
especificidades nacionais, dando origem a diferentes denominações, sendo as mais conhecidas:
cidade científica, cidade tecnológica, parque científico, parque de pesquisa, parque tecnológico e
incubadoras (Diniz, Santos e Crocco, 2006, p. 94).
103

operação no país, dados da ANPROTEC, de 2003, indicam também um


considerável desequilíbrio entre as regiões brasileiras: 96 estão localizadas
no Sul, 71 no Sudeste, 24 no Nordeste, 8 no Centro-Oeste e 8 no Norte
(Diniz, Santos e Crocco, 2006, p. 95).

Após vários anos da implantação de alguns parques tecnológicos, nota-se um


desapontamento e precariedade na forma como foram instalados e com os
benefícios por eles trazidos. Em contrapartida, em alguns poucos casos, os parques
chegaram a se constituir efetivamente em uma estratégia de inovação localizada
como um espaço privilegiado de estímulo à criação de empresas de base
tecnológica, à cooperação entre setor produtivo empresarial e universidades/centros
de pesquisa e ao capital social.
Como destaca Diniz, Santos e Crocco (2006) nos outros casos,
transformaram-se em distritos industriais de empresas da “nova economia”
caracterizados pela ausência de sinergia entre as empresas e os centros de
pesquisa (quando existentes) e pela limitada imersão social local, que comprometeu
a sua atuação como instrumentos de promoção de sistemas regionais de inovação.
Ressalta-se que apesar dos impasses e não atendimento dos objetivos dos
parques, eles são importantes para o desenvolvimento regional, mas não podem e
nem devem ser considerados uma solução mágica para o atraso tecnológico ou da
competitividade de toda e qualquer região.
Nesse conjunto de estratégias para a promoção das capacitações e
aprendizagem baseada, também ocorreu o investimento externo direto com a
entrada direta de Multinacionais (MNCs). No entanto, dada as relações de
dependência existentes na divisão internacional do trabalho, a entrada dessas
empresas não significa que as capacitações locais mais avançadas foram criadas.
Isto porque as MNCs não investem na criação de capacitações mais avançadas nos
países da periferia e simplesmente transferem aquelas mais simples que vão
requisitar apenas as capacitações existentes naquele país. Assim, as subsidiárias
localizadas em países periféricos como o Brasil desempenham funções estratégicas
mais simples (basicamente manufatureiras), ficando o espaço para inovação
tecnológica inibido ou extremamente limitado.
Do ponto de vista institucional no Brasil, a reestruturação das políticas de
desenvolvimento regional se coloca como uma novidade no planejamento
governamental dos anos 1990. Como ressaltam Brandão e Galvão (2003) a proposta
de uma estratégia de desenvolvimento organizada em torno de “eixos nacionais de
104

integração e desenvolvimento” foi formulada pela primeira vez em seus grandes


traços no PPA de 1996/1999, com uma estratégia que teve inegavelmente esse
mérito de recolocar o debate sobre a espacialidade do desenvolvimento brasileiro.
Os “eixos” possuem forte apelo à tradição mais antiga das políticas de
desenvolvimento, analisando déficits de infraestrutura, principalmente de transportes,
que dificultam a integração e articulação das regiões, de forma que isso constituía
um entrave pesado ao desenvolvimento, tanto do lado da oferta como da demanda.
Superar essas dificuldades seria o primeiro passo na agenda de desenvolvimento,
assim que conseguiu executar uma política de desenvolvimento “assentada nas
ideias de logística, competitividade e redução do custo Brasil associada a grandes
obras de infraestrutura” (Brandão e Galvão, 2003, p. 195).
Na verdade, como apontam Brandão e Galvão (2003) o que também
contribuiu para a adoção dos “eixos” e de uma proposta de desenvolvimento
especializado foi uma espécie de eco político existente naquele período histórico em
relação à descentralização de responsabilidades do nível central para os níveis
regionais e locais. Essa era uma das estratégias neoliberais para um Estado
reformado, para atender às novas necessidades do capital em crise, colocado com o
objetivo de assegurar liberdade de movimento para o capital financeiro.
Nesse quesito, a principal justificativa era a crise fiscal que, de fato era real,
devido ao próprio movimento de concentração global do capital, controlando e
submetendo as economias nacionais endividadas. O fato é que, nesse solo histórico
que se propaga diariamente (desde os anos 1980), a crise fiscal do Estado tem
como consequência direta para a população, a baixa qualidade dos serviços
públicos, resultante dos cortes permanentes nos investimentos nas áreas sociais.
Sticovsky (2010) cita a austeridade fiscal no Brasil sob a influência do
neoliberalismo, adotada desde o governo Collor, perpassando a gestão do
presidente Itamar Franco (1992-1994, PMDB), com a implementação do Plano Real,
e aprofundada nos governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-1998 e
1999-2002, PSDB).
Embora o pacote de ajuste fiscal tenha sido concebido no contexto pós-
transição democrática, no final da década de 1980, o Plano Real adotado em 1994,
segundo Salvador (2017), possuía um tripé baseado em: a) uma política de
estabilidade monetária com base em altas taxas de juros para inibir a oferta
105

agregada e controle da massa salarial para reduzir a demanda agregada interna; b)


uma política de câmbio livre, ou seja, sem interferência governamental para atrair
investimentos estrangeiros e; c) uma política fiscal, que se ancora no superávit
primário, isto é, na garantia de resultado positivo entre as despesas e as receitas do
governo, sem contabilizar os juros e serviços da dívida.
Em 1999, no governo FHC por imposição do Fundo Monetário Internacional
(FMI) e conforme recomendada pelo chamado “Consenso de Washington”38, foram
adotadas as orientações das medidas de ajuste e de limitação da intervenção do
Estado, direcionando a política fiscal para a criação do superávit primário, como
solução do endividamento público, dos elevados índices inflacionários e da
estagnação econômica.
Dessa forma, o ajuste concentra medidas desenvolvidas pelo Estado, mas
que foram orientadas pelos organismos financeiros internacionais multilaterais,
sobretudo o Banco Mundial (BM) e o FMI, para garantir a criação de superávits
primários com vistas a garantir o pagamento dos juros, encargos e amortização da
dívida pública (Salvador, 2017).
Percebe-se, assim, como a política macroeconômica passou a ser orientada
pelo paradigma da estabilidade monetária como meta prioritária e fundamental.
Nesse cenário concorda-se com Behring (2021) ao afirmar que desde 1994/1995 o
Brasil encontra-se em ambiente de ajuste fiscal permanente, com implicações
diretas para a formação, alocação e disputa do fundo público.

38
Entre os dias 14 e 16 de janeiro de 1993, o Institute for International Economics, destacado "think
tank" de Washington, tendo à frente Fred Bergsten, reuniu cerca de cem especialistas em torno do
documento escrito por John Williamson, "In Search of a Manual for Technopols" (Em Busca de um
Manual de 'Tecnopolíticos), num seminário internacional cujo tema foi: "The Political Economy of
Policy Reform" (A Política Econômica da Reforma Política). Durante dois dias de debates, executivos
de governos, dos bancos multilaterais e de empresas privadas, junto com alguns
acadêmicos,discutiram com representantes de 11 países da Ásia, África e América Latina "as
circunstâncias mais favoráveis e as regras de ação que poderiam ajudar um 'technopol' a obter o
apoio político que lhe permitisse levar a cabo com sucesso" o programa de estabilização e reforma
econômica, que o próprio Williamson, alguns anos antes, havia chamado de "Washington Consensus"
(Consenso de Washington). Um plano único de ajustamento das economias periféricas, chancelado,
hoje, pelo FMI e pelo Bird em mais de 60 países de todo mundo. Estratégia de homogeneização das
políticas econômicas nacionais operada em alguns casos, como em boa parte da África (começando
pela Somália no início dos anos 80), diretamente pelos técnicos próprios daqueles bancos; em outros,
como por exemplo na Bolívia, Polônia e mesmo na Rússia até bem pouco tempo atrás, com a ajuda
de economistas universitários norte-americanos; e, finalmente, em países com corpos burocráticos
mais estruturados, pelo que Williamson apelidou de "technopols": economistas capazes de somar ao
perfeito manejo do seu "mainstream" (evidentemente neoclássico e ortodoxo) à capacidade política
de implementar nos seus países a mesma agenda e as mesmas políticas do "Consensus" (Fiori, 1994,
p. 1).
106

No cenário de ajuste fiscal permanente encontram-se 3 fases do


neoliberalismo no país, conforme caracterização de Behring (2021): 1) O primeiro
com a elaboração do Plano Real por FHC e sua equipe tendo à frente Luiz Carlos
Bresser Pereira, formulando o Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE)
contendo as principais diretrizes da orientação macroeconômica neoliberal. 2) O
segundo a partir da coalizão e articulação de forças entre capital e trabalho com os
13 anos da gestão petista e aliados (2003-2016) com alguns deslocamentos
importantes em relação aos governos do PSDB sem contudo realizar rupturas mais
profundas com o neoliberalismo; e o 3) O terceiro momento caracterizado como
regime fiscal ultraneoliberal dado o aprofundamento do ajuste fiscal se inicia com o
golpe institucional contra a Presidenta Dilma e a posse de Michel Temer em maio de
2016, cujo projeto estava expresso no documento “Uma ponte para o futuro” que
retoma as linhas mestras do PDRE de 1995 e abrindo esse período mais violento do
neoliberalismo.
Todo esse processo repercute politicamente tanto na compreensão e
elaboração teórica quanto na execução das políticas de desenvolvimento regional.
Dessa forma, não é possível compreender a proposta de constituição de
“eixos nacionais de integração e desenvolvimento” sem considerá-la no contexto das
funções de planejamento sob a ótica da reforma do Estado, visto que ela esteve
inscrita em particular na referência básica dessas ações, o PPA. Nesse contexto,
coube ao Ministro José Serra, elaborar o PPA 1996/1999 e apresentar o enunciado e
a configuração básica dos “eixos”, que buscam dar prioridade à integração das
regiões brasileiras consolidando a ocupação e abertura de novas fronteiras de
desenvolvimento.
Ao término do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1998), o
governo aprovou a realização de licitação para contratação de estudo abrangente,
cujo executor foi o Consórcio Brasiliana, conforme Brandão e Galvão (2003). Os
autores apontam como o estudo de Brasiliana tratou o processo de desenvolvimento
como mera questão de business, em que o que vai ganhando maior dimensão é o
subprojeto de estruturação de um portfólio de investimentos.
Inclusive nesse contexto que se começou a construção de importante ferrovia
para a Região Nordeste, a Transnordestina. Apesar da importante obra, nota-se
diferença regional dos recursos e as contradições na implementação: os
107

Investimentos possuíam uma expressão mais acentuada no eixo Rede Sudeste


(US$ 66,6 bilhões, cerca de 32% do total) enquanto os eixos do São Francisco e
Transnordestina contavam com menor proporção de investimento em infraestrutura,
como apontam Brandão e Galvão (2003).
Assim, existiam contradições nessas ações de desenvolvimento, pois ao
invés de conectar as regiões a partir da infraestrutura e logística preocupou-se mais
em desenvolver essa malha nos setores que possuíam ligação com o mercado
internacional:

Curiosas e contraditórias se mostram várias passagens que tentam passar


uma preocupação com a articulação e complementaridade destes espaços
regionais, o que é totalmente incompatível com a lógica maior que preside a
estratégia espacial de montar apenas uma eficiente malha logística para
correr com a produção tradicional, no sentido de previamente existente, de
cada região-eixo, integrando-o apenas aos mercados internacionais de
commodities, e não a outras porções do território nacional (Brandão e
Galvão, 2003, p. 201 e 202).

Essa percepção de conexão dos locais regionais mais dinâmicos com o


mercado internacional insere-se em grande parte da literatura internacional
contemporânea, adotada de forma mecânica e indiscriminada no país, influenciando
parcela majoritária das ações públicas em nível subnacional. Isto porque, como
aponta Brandão (2008), é uma concepção que proclama que bastaria cumprir as
"exigências" da globalização, “desse novo imperialismo da "partilha dos lugares
eleitos", se ajustando, adaptando e submetendo a essa inexorável "fatalidade", para
se tornar um espaço receptivo e conquistador da confiança dos agentes econômicos
mais poderosos” (idem, p.6).
Dentre os equívocos existentes nessa segunda geração de políticas nacionais
de desenvolvimento regional, está uma supervalorização do desenvolvimento local e
regional, negligenciando totalmente a questão fundamental da hegemonia e do
poder político. Assim, ocorreu no Brasil a valorização de áreas dinâmicas com
articulação externa, os arranjos produtivos, utilizando as vantagens fiscais e a
infraestrutura providenciada pelo fundo público, mas sob o comando empresarial
privado.
É nesse período que ocorreu o fechamento das superintendências regionais
(SUDENE e Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM) em
2001, pondo no lugar das mesmas as Agências Regionais de Desenvolvimento (no
108

caso do Nordeste, a ADENE), ou seja, adotando o modelo neoliberal de criação de


espaços “paraestatais” com base no engodo da capacidade de regulação “técnica”,
isenta de interferências políticas indevidas dos governos eleitos.
Coerente com a reforma gerencial do Estado sob a égide neoliberal, tratava-
se de impor limites à democracia para que não interviesse nos negócios privados.
Alves e Neto (2014) destacam, nesse contexto, como essas Agências operam
completamente esvaziadas de poder e de mandato institucional sobre o
desenvolvimento regional, tanto da perspectiva do planejamento como da ótica da
gestão.
Verifica-se, então, o esgotamento das políticas de desenvolvimento regionais
explícitas e a implementação da lógica dos eixos nacionais de integração e
desenvolvimento. Araújo (2013) salienta que nos anos 1990, as políticas regionais
foram esvaziadas em suas capacidades, de forma que restaram como instrumentos
de promoção de política regional apenas “os Fundos Constitucionais criados pelo
Congresso Constituinte em 1988 e que até hoje financiam empreendimentos
privados no Nordeste, Norte e Centro-Oeste” (idem, p. 41).
Destaca-se nesse contexto, a importância dos Fundos Constitucionais39, que
possuem os recursos administrados e executados pelos Bancos de
Desenvolvimento - no Nordeste, pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB); e na
Região Norte, pelo Banco da Amazônia (BASA). São importantes e seguras fontes
de recursos creditícios, ainda mais em um ambiente de ajuste fiscal, pois têm
potencial para contribuir na redução das desigualdades regionais, investindo nas
potencialidades econômicas regionais e locais, no aumento do emprego e da renda
com agregação de valor da produção.
Apesar de fundos como esses terem sido criados ainda na primeira metade
do século XX, é emblemático que os Fundos Constitucionais no Brasil tenham sido
adotados na Constituição Federal (CF) de 1988, que previa diversos direitos sociais,
trabalhistas e políticos, em contradição com o avanço do neoliberalismo no mundo e
que chegava com força no Brasil.
Como ressaltam Silva e Silva (2017), mesmo que marcada pelos seus limites
e contradições, a CF possibilitou ampliar a intervenção social do Estado, oferecendo

39
O Brasil possui três fundos constitucionais de financiamento: o Fundo Constitucional de
Financiamento do Norte (FNO), o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO) e o
Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE).
109

novas bases para o reconhecimento de direitos dos trabalhadores somado com


mecanismos de participação e controle social nas políticas públicas e criando um
novo padrão de proteção social.
O desenvolvimento regional e o enfrentamento às desigualdades sociais e
regionais também foram mencionados como pilares centrais na nova carta magna.
Em seu artigo 170 a CF 88 preconiza o dever de garantir a todos uma existência
digna e no seu artigo 3º, incisos I e III, consta-se o objetivo da construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e a redução das
desigualdades sociais e regionais (Brasil, 1988).
Mas com a CF 88 alterou-se também a forma de organização dos estados e
municípios que passaram a assumir mais responsabilidades antes centralizadas na
União, sem, no entanto, terem um maior volume de transferência de recursos. Esse
cenário, como aponta Pereira (2021a), levou as unidades federativas, mesmo sem
consenso entre os estados ou autorização dos organismos responsáveis, a
promover incentivos fiscais-financeiros como forma de atrair empreendimentos
econômicos e favorecer o crescimento de emprego e renda em sua localidade.
Essa estratégia estabeleceu uma espécie de guerra fiscal que, distante de
promover o desenvolvimento econômico e a reduzir as desigualdades econômicas e
regionais, terminou por ampliá-las. Isso porque, como ressalta Pereira (2021a), a
guerra fiscal beneficiou alguns estados em detrimento de outros, favorecendo as
unidades federativas mais ricas como do Sul e Sudeste e até as maiores dentro do
próprio Nordeste em detrimento das demais unidades.
Assim, as políticas estaduais de desenvolvimento pós-Constituição Federal de
1988 ficaram resumidas à guerra fiscal entre as unidades da Federação, sobretudo
mediante a concessão de incentivos fiscais e financeiros, normalmente relacionados
ao Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS), conforme aponta
Pereira (2021a). Desse modo, o desenvolvimento econômico e a redução das
desigualdades regionais enquanto diretrizes constitucionais são afetadas e violadas
pelas políticas estaduais de incentivos fiscais-financeiros ao desenvolvimento
estadual, praticadas com maior ênfase a partir da década de 1990.
Nesse contexto, apesar de começarem a ser desenhadas e implantadas
políticas sociais com base neste novo marco legal e na dinâmica da sociedade, o
110

avanço neoliberal propugnava o Estado mínimo e a retração da sua atuação tanto


em políticas sociais quanto regionais.
Dessa forma, entre o final dos anos 1990 e início do século XXI, enquanto
fruto de avaliações dessas políticas de desenvolvimento endógeno orientado para e
pela globalização de mercados, pode-se apontar o surgimento de uma terceira
geração de políticas regionais. Baseada em uma perspectiva nova, não somente
macroestrutural (como na primeira geração), nem exclusivamente local (segunda
geração), mas que sim de articular as duas em um olhar multiescalar que articula
ambas, ou seja, deveria “levar em consideração tanto o posicionamento econômico
dos sistemas regionais de produção no contexto global, quanto às políticas e os
contextos setoriais e (inter)nacionais” (Crocco e Diniz, 2006, p. 15).
Nesse sentido, para a terceira geração a política regional não pode ser vista
apenas pelo viés do incentivo às tecnologias e ao ambiente empresarial e precisa
considerar também o território a partir de um olhar sistêmico. Defendem, portanto,
uma combinação de ações exógenas e endógenas, entre o macro e o micro, em um
olhar multiescalar. Como destaca Castro (2014) essa nova geração de políticas, sem
perder de vista o papel da escala local como espaço diferenciado de interações,
considera o território de forma sistêmica, integral em sua natureza multi e
interescalar, e reafirma o caráter estratégico e essencial do Estado nacional.
Esse contexto de transição de perspectiva para o desenvolvimento regional,
bem como o conjunto de mudanças no contexto capitalista entre o final dos anos
2000 e início do século XXI e as particularidades no Brasil com adoção de um
conjunto de políticas regionais implícitas e explícitas na realidade nacional, como
abordado a seguir.

4.2 Crise capitalista estrutural e o ajuste fiscal: impactos nas políticas nacionais
de desenvolvimento regional no século XXI

A crítica arrancou as flores fantásticas do grilhão,


não para que o homem carregue um grilhão sem fantasia,
sem consolo, mas para que ele jogue fora o grilhão e a flor
viva rebente.

Karl Marx - Para a crítica da filosofia do direito de Hegel (2012)


111

No cenário do capitalismo mundial atual a desigualdade é tamanha que os


milhões de trabalhadores e trabalhadoras que produzem a riqueza e de quase nada
se apropriam de fato, carregam um grilhão sem consolo: os 10 homens mais ricos do
mundo têm hoje seis vezes mais riqueza do que os 3,1 bilhões mais pobres do
mundo. No Brasil essa realidade não é diferente, visto que os 20 maiores bilionários
do país têm mais riqueza do que 128 milhões de brasileiros (60% da população),
como aponta o relatório “A desigualdade Mata” da Oxfam (2022).
Isso se explica em virtude das relações sociais capitalistas que se baseiam
essencialmente na contradição entre a produção voltada incessantemente para
acumulação do lucro, enquanto milhões de trabalhadores não se apropriam da
própria riqueza que geram e vivem em condições tão aviltantes que não conseguem
nem consumir itens básicos.
A partir dessa lógica, o sistema do capital periodicamente entra em crises,
como já sinalizava Marx e Engels (2008, p. 18): “crises comerciais que, repetidas,
periodicamente e cada vez maiores, ameaçam a sociedade burguesa. Nas crises
irrompe uma epidemia social que em épocas anteriores seria considerada um
contra-senso – a epidemia da superprodução”. Dessa forma, as crises de duração e
intensidade variadas fazem parte desse modo de produção, da sua forma de
existência e funcionamento.
No entanto, a partir dos anos 1970 vive-se uma novidade histórica no âmbito
das crises do capital, da qual Mészáros (2002, p. 795 e 796) chama atenção para 4
aspectos fundamentais:

(1) seu caráter é universal, em lugar de restrito a uma esfera particular (por
exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou aquele ramo
particular de produção, aplicando-se a este e não àquele tipo de trabalho,
com sua gama específica de habilidades e graus de produtividade etc.); (2)
seu alcance é verdadeiramente global (no sentido mais literal e ameaçador
do termo), em lugar de limitado a um conjunto particular de países (como
foram todas as principais crises no passado); (3) sua escala de tempo é
extensa, contínua, se preferir, permanente, em lugar de limitada e cíclica,
como foram todas as crises anteriores do capital; (4) em contraste com as
erupções e os colapsos mais espetaculares e dramáticos do passado, seu
modo de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante, desde que
acrescentemos a ressalva de que nem sequer as convulsões mais
veementes ou violentas poderiam ser excluídas no que se refere ao futuro: a
saber, quando a complexa maquinaria agora ativamente empenhada na
“administração da crise” e no “deslocamento” mais ou menos temporário
das crescentes contradições perder sua energia.
112

Estes traços permitem ao autor asseverar que se trata de uma crise distinta
das demais crises cíclicas do sistema do capital, sendo, portanto, uma crise
estrutural do capital, visto que atinge as condições de sociabilidade no mundo, com
claros sinais de regressão civilizacional diante do aumento do conservadorismo de
caráter fascista, da cultura do ódio que se dissemina no mundo. No quadro estrutural
de crise do capitalismo, há uma expansão do processo de precariedade estrutural do
trabalho caracterizada pelo crescente desemprego, aumento na informalidade,
terceirização e a flexibilidade da força de trabalho, especialmente no setor de
serviços, de modo que ser explorado sob as condições legais atuais é um verdadeiro
"privilégio de servidão" (Antunes, 2018).
Deve-se considerar que historicamente, diante do cenário de crise, o capital
orquestra um conjunto de estratégias econômicas, políticas e ideológicas para
recompor suas taxas de lucro e estender seu dinamismo. Felizmente, não se trata de
um determinismo histórico imutável, mas que pode ser denunciado e enfrentado pela
classe trabalhadora que, em cenários contraditórios, marcados por avanços e
refluxos nas lutas sociais, mantém viva a utopia e o horizonte humanitário de
construir uma nova sociabilidade para além do Capital (Mészáros, 2002).
Nesse cenário de crise estrutural do capital a partir dos anos 1970, o capital
portador de juros assume a hegemonia do processo de acumulação, alterando a
centralidade antes dada ao capital industrial. Significa, como aponta Chesnais (2005),
que o mundo contemporâneo “apresenta uma configuração específica do capitalismo,
na qual o capital portador de juros está localizado no centro das relações
econômicas e sociais” (Chesnais, 2005, p. 35).
Essa configuração acontece a partir do avanço da mundialização do capital,
enquanto o atual regime institucional internacional de dominação do capital que
resulta de dois processos combinados há mais de 30 anos, sendo eles a
acumulação via aplicações financeiras e as políticas de desregulamentação da
economia:

De um lado houve o reaparecimento e a consolidação de uma forma


específica de acumulação de capital, aquela que é objeto deste livro, na
qual uma fração sempre mais elevada conserva a forma dinheiro e pretende
se valorizar pela via das aplicações financeiras nos mercados
especializados (a forma resumida D-D’ salientada por Marx). Do outro,
houve, a partir de Margaret Thatcher e de Ronald Reagan, pelos Estados do
G-7, a elaboração e a execução de políticas de liberalização, de
desregulamentação e de privatização (Chesnais, 2005, p. 20).
113

Desse modo, a hegemonia que o capital portador de juros possui hoje não foi
um movimento próprio, mas decorre do contexto de crise estrutural com avanço do
neoliberalismo, no qual os Estados centrais do capitalismo decidiram e/ou tiveram de
liberar o movimento dos capitais e desregulamentar e desbloquear seus sistemas
financeiros. Essas medidas foram adotadas pelos países periféricos e dependentes,
como aconteceu no Brasil seguindo o receituário do Consenso de Washington,
incluindo as bases adotadas no Plano Real.
Assim, a propensão do capital portador de juros em avançar nas economias
nacionais, se valorizar e aumentar os lucros dos investidores privados, expressa
uma tendência que é sinalizada por Chesnais (2005) como uma “insaciabilidade da
finança” se espraiando por todas as dimensões da vida social, política e econômica,
demandando da economia até mais do que ela pode fornecer. Uma das dimensões
da insaciabilidade da finança pode ser bem expressa no papel da dívida pública que
“alimenta continuamente a acumulação financeira por intermédio das finanças
públicas” (Chesnais, 2005, p. 42).
Com esse poder dado à esfera financeira avança-se também na apropriação
do fundo público através da dívida pública e do papel econômico, político e social
exercida por ela:

Nos anos 80, a dívida pública permitiu a expansão dos mercados


financeiros ou a sua ressurreição em outros países, como no caso da
França. Ela é o pilar do poder das instituições que centralizam o capital
portador de juros. Em seguida, a dívida pública gera pressões fiscais fortes
sobre as rendas menores e com menor mobilidade, austeridade
orçamentária e paralisia das despesas públicas. No curso dos últimos dez
anos, foi ela que facilitou a implantação das políticas de privatização nos
países chamados “em desenvolvimento” (Chesnais, 2005, p. 42).

Assim, a dívida pública consiste em uma alavanca poderosa que se aliou e


permitiu o aprofundamento das políticas de liberalização da economia. Verifica-se,
com isso as disputas de classe que perpassam o fundo público, sobretudo em
relação ao orçamento público que compõe sua parte mais visível, e conforme
Salvador (2012), não se restringe a uma peça técnica, mas, sim, uma peça de cunho
político com interesses em disputa na qual está em jogo para a classe trabalhadora
a garantia de recursos suficientes para o financiamento das políticas sociais.
Essas medidas consistem, assim, em formas contemporâneas de
expropriação de direitos que estão diretamente articuladas com o ajuste fiscal
114

permanente em execução, conforme apontam Boschetti e Teixeira (2019, p. 81) ao


dissertarem que esses mecanismos de expropriação do fundo público só são
possíveis mediante uma “dialética interdependente entre as expropriações de
direitos e a dívida pública”. As autoras se referem a um processo amplo que abarca
a intermediação do Estado e, por isso, congrega:

[...] subtração de condições históricas de reprodução da força de trabalho,


mediada pelo Estado Social, por meio da reapropriação, pelo capital, de
parte do fundo público antes destinado aos direitos conquistados pela
classe trabalhadora, por intermédio de sucessivas e avassaladoras
contrarreformas nas políticas sociais, que obriga a classe trabalhadora a
oferecer sua força de trabalho no mercado a qualquer custo e a oferecer
sua força de trabalho no mercado a qualquer custo e a se submeter às mais
perversas e precarizadas relações de trabalho, que exacerbam a extração
de mais-valia absoluta e relativa (Boschetti e Teixeira, 2019, p. 81).

Assim, pode-se afirmar que o atual período é marcado por uma hegemonia do
capital financeiro e dos setores a ele ligados que mobilizam estratégias econômicas
e políticas para implementar as contrarreformas que atendam as necessidades de
reprodução do capital nesse período histórico.
Esse avanço do capital especulativo demonstra o que Lênin (1916) discorria
no início do século XX sobre o avanço dos monopólios40 e do poder dos bancos na
fase superior do capitalismo, o imperialismo. A engrenagem capitalista imperialista
contemporânea continua com apropriação privada da riqueza e uma relação dialética
existente entre a esfera financeira e a industrial de forma a beneficiar os
especuladores que detém o monopólio dos bancos e do controle financeiro das
ações, assim que:

Traduzido em linguagem comum, isto significa: o desenvolvimento do


capitalismo chegou a um ponto tal que, ainda que a produção mercantil
continue “reinando” como antes, e seja considerada a base de toda a
economia, na realidade encontra-se já minada e os lucros principais vão
parar aos “gênios” das maquinações financeiras. Estas maquinações e
estas trapaças têm a sua base na socialização da produção, mas o imenso
progresso da humanidade, que chegou a essa socialização, beneficia os
especuladores (Lênin, 1916, p. 13).

40
Assim, o resumo da história dos monopólios é o seguinte: 1) Décadas de 1860 e 1870, o grau
superior, culminante, de desenvolvimento da livre concorrência. Os monopólios não constituem mais
do que germes quase imperceptíveis. 2) Depois da crise de 1873, longo período de desenvolvimento
dos cartéis, os quais constituem ainda apenas uma excepção, não são ainda sólidos, representando
ainda um fenômeno passageiro. 3) Ascenso de fins do século XIX e crise de 1900 a 1903: os cartéis
passam a ser uma das bases de toda a vida econômica. O capitalismo transformou-se em
imperialismo (Lênin, 1916, p. 10).
115

Assim, como aponta Lênin (1916), um punhado de especuladores consegue o


poder de subordinar as operações comerciais e industriais da sociedade capitalista,
colocando-se em condições de hegemonia e detenção do poder usufruindo de dois
mecanismos principais: conhecer com exatidão a situação dos diferentes capitalistas,
exercer sobre eles controle e influência mediante a ampliação ou a restrição do
crédito, facilitando-o ou dificultando-o; e decidir inteiramente sobre o seu destino,
determinar a sua rentabilidade, privá-los de capital ou permitir aumentá-lo em
grandes proporções.
No bojo desses mecanismos de detenção do poder situa-se o ajuste fiscal
como uma das estratégias utilizadas para controle dessa oligarquia financeira,
sobretudo em período de crises. Nessa dinâmica de expropriação de direitos e
avanço sobre o fundo público, concorda-se com Chesnais (2005) ao apontar que a
consolidação da mundialização enquanto um regime institucional internacional do
capital concentrado conduziu ao agravamento da desigualdade com um novo salto
na polarização da riqueza.
Desse modo que na cena contemporânea, com a predominância do capital
financeiro e do avanço da austeridade fiscal, a "questão social" passa a condensar a
própria “banalização do humano, que atesta a radicalidade da alienação e a
invisibilidade do trabalho social – e dos sujeitos que o realizam - na era do capital
fetiche” (Iamamoto, 2010, p. 125). Ademais, conforme Pereira (2021), devido a
necessidade do capital de superação de fronteiras de tempo e espaço, “ocorre o
adensamento da "questão social" na sua dimensão regional, expressa pela
intensificação da divisão internacional - e inter-regional - do trabalho” (idem, p. 41).
No entanto, em relação ao trato da questão regional e ao enfrentamento das
desigualdades há diferenças substanciais entre os diversos governos que
atravessaram o Palácio do Planalto no atual século. Mas, apesar das diferentes
nuances, é emblemático como o ajuste fiscal implica em tendências de acirramento
da desigualdade regional brasileira.
Por isso, para debater a questão regional nordestina no século XXI em suas
particularidades e diferenciações dividimos em dois tópicos que tratam das
diferentes dinâmicas neste século: a primeira com as políticas regionais implícitas e
explícitas dos governos petistas (2003-2016) e a segunda, com o aprofundamento
do neoliberalismo a partir do golpe institucional em 2016.
116

4.2.1 Terceira geração de políticas regionais e particularidades do Brasil: as


políticas regionais implícitas e explícitas dos governos petistas

No início do século XXI, sobretudo a partir de 2003, no Brasil houve alguns


deslocamentos em relação às orientações neoliberais mais duras do Consenso de
Washington que foram adotadas entre 1990 e 2002. Essa quadra histórica é
sinalizada pelos governos petistas de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma
Rousseff (2011-2016), que em seus traços essenciais, apesar de avançar no
investimento de políticas públicas e no enfrentamento às desigualdades sociais e
regionais, não romperam com elementos centrais da agenda do ajuste, seja no
campo da política econômica, seja mesmo no campo da política social” (Behring,
2021, p. 177).
Como sintetiza Silva e Silva (2017), os mandatos do Partido dos
Trabalhadores (PT - 2003-2016) foram marcados pelas contradições de um governo
de coalização de classes, entre forças representativas do capital e do trabalho. Essa
coalização significa uma inflexão nas políticas neoliberais da década de 1990, mas
“sem romper frontal e integralmente com as políticas de estabilização monetária do
período anterior, de garantia de superávit primário, do regime de metas de inflação e
do câmbio flutuante” (Silva e Silva, 2017, p. 42).
Em relação a como nomear esse tipo de coalização e de forma de governar,
há diferentes perspectivas de análise, desde uma compreensão de
neodesenvolvimentismo que combina crescimento econômico com redução da
desigualdade social, até outras visões que o colocam como social-liberalismo, ou
seja, uma estratégia adotada pelas classes dominantes em contexto de crise do
capital.
Como ressalta Rodrigo Castelo (2013), o social-liberalismo surgiu nos centros
imperialistas como uma resposta à crise conjuntural vivenciada pelo capitalismo em
meados dos anos 1990, com as crises financeiras nos países dependentes (México,
Tigres Asiáticos, Rússia, Brasil, Argentina). Em linhas gerais, essa perspectiva
reconhece que apesar das falhas do mercado, essa ainda é a melhor forma para
organização da riqueza e que basta as classes dominantes globais dotar o
neoliberalismo “de uma agenda social, buscando dar uma face humana ao
desenvolvimento e à ‘globalização’ para reduzir as tensões sociais e políticas”
(Castelo, 2013, p. 121).
117

Desse modo, ao passo que mantém a cartilha neoliberal das políticas


macroeconômicas de ajuste fiscal, o Estado social-liberal é convocado a ter uma
atuação ativa nas expressões mais explosivas da “questão social”, como a extrema
pobreza, a degradação ambiental, doenças contagiosas e violência (Castelo, 2013).
Esse social-liberalismo em contexto de crise do capital ocorreu na realidade
brasileira, tendo em vista que apesar dos maiores investimentos sociais e
fortalecimento do papel do Estado houve continuidade e priorização do pagamento
de juros e amortização da dívida pública.
No tocante às políticas de desenvolvimento regional com essa conjuntura,
adentra-se com maior ênfase na terceira geração de políticas regionais, Essa
geração pode ser melhor percebida no século XXI com a Política Nacional de
Desenvolvimento Regional (PNDR), concebida entre 2004/2005 e aprovada em 2007.
De acordo com Resende et al. (2015a) essa importante Política pode ser dividida em
2 momentos ou 2 fases: a PNDR I, que vigorou entre 2003 e 2011; e uma nova
versão, chamada de PNDR II, que está em vigor desde 2012 e inclui melhorias a
partir da experiência anterior.
Nessa fase da PNDR I, o tratamento concedido ao desenvolvimento regional
ganhou sobrevida e várias ações do governo Lula pareciam mirar a retomada da
discussão. Um dos elementos da materialização dessa retomada foi a recriação da
SUDENE em 2007, por meio da Lei Complementar nº 125 que incluía ampliação da
área de atuação, ao incorporar municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo.
Essa retomada indicava inclusive o quanto o enfrentamento as desigualdades
regionais também compunham os objetivos dos governos petistas, incluindo políticas
que incentivassem o desenvolvimento regional e combatessem as assimetrias entre
as regiões.
Além da reativação da SUDENE, da SUDAM e da Superintendência do
Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO), outras medidas importantes foram a
promoção de programas mesorregionais pelo governo federal (PROMESO,
CONVIVER, PDFF41), inseridos nos PPAs de 2004-2007 e de 2008-2012, bem como

41
Na organização do Ministério da Integração Nacional contou-se com a Secretaria de Programas
Regionais (SPR) responsável por implementar três programas que possuem iniciativas voltadas para
a reversão do quadro de desigualdade e de exclusão das regiões brasileiras e de suas populações: o
Programa de Promoção da Sustentabilidade de Espaços Sub Regionais (Promeso), o Programa de
Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semi-Árido (Conviver) e o Programa de Promoção do
Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF). Em razão de reorientação programática do Governo
Federal o Programa de Organização Produtiva de Comunidades (Produzir) foi transformado em
118

a institucionalização da PNDR, em 2007 (Gumiero, 2017).


Assim, houve uma retomada da discussão em relação à atualidade da
questão regional e sobre as medidas necessárias ao seu enfrentamento, sobretudo
no âmbito da Secretaria de Desenvolvimento Regional, sob a tutela do Ministério da
Integração Nacional, que resultaram na aprovação da Política Nacional de
Desenvolvimento Regional – PNDR. Essa Política consistia em uma importante
ferramenta de enfrentamento à desigualdade regional, um modelo de gestão pública
articulado pela promoção do diálogo entre sociedade civil e instituições públicas
tendo como foco as desigualdades regionais e intrarregionais.
Inicialmente, conforme Resende et al. (2015a), a Política possuía 2 objetivos
principais: 1) reduzir as desigualdades regionais; e 2) Ativar as potencialidades de
desenvolvimento das regiões brasileiras, valorizando as diversidades locais. Uma
perspectiva, assim, que tanto objetiva enfrentar as desigualdades regionais quanto
explorar os potenciais da diversa base regional brasileira.
Desse modo, o objeto da PNDR se expressa na “coincidência entre pobreza
individual e regional” (Brasil, 2005), concentrando-se, assim, em regiões que
expressam maiores níveis de debilidade econômica e estagnação e, ao mesmo
tempo em que considera as desigualdades, também se atenta ao potencial de
diversidade das localidades, tendo como foco “o imenso potencial de
desenvolvimento contido na diversidade econômica, social, cultural e ambiental que
caracteriza o Brasil” (idem, p. 12).
Como expoente da terceira geração de políticas regionais, a PNDR exigia
uma abordagem não somente micro, mas em múltiplas escalas. Ou seja, o problema
regional não se resumia mais àquela visão do Norte e Nordeste, inclusive vistos de
forma homogênea e sem diferenciações, pois não permitia reconhecer “nem a
existência de dinâmicas sub-regionais diversas em todas as macrorregiões, nem a
necessidade de coordenação de ações, com os entes federados e com a sociedade
civil, em níveis que vão do intraurbano ao mesorregional” (Brasil, 2005, p.13 e 14).
Em síntese, o olhar multiescalar da Política expressa uma concepção que
permite abranger tanto a desigualdade existente em várias regiões e territórios
brasileiros quanto o seu potencial dinâmico, de capacidade econômica e diversidade:

projeto e inserido nos três programas da secretaria, que absorveram também as ações do antigo
Programa de Promoção e Inserção Econômica de Sub-Regiões (Promover) (Brasil, 2009).
119

A ação da Política não se limita à alocação equânime de recursos de origem


federal nos territórios; ela reconhece as desigualdades regionais em
múltiplas escalas de intervenção e orienta políticas e programas que
promovam o desenvolvimento territorial. Busca, ainda, articular políticas
setoriais para regiões e sub-regiões prioritárias, sobretudo as de baixa
renda, estagnadas e com dinamismo recente, segundo a tipologia proposta
pela PNDR (Brasil, 2005, p. 14).

Inclusive as regiões prioritárias para atuação da PNDR foram definidas


cruzando duas variáveis: rendimento domiciliar e crescimento do PIB per capita. Isso
porque a primeira é uma variável estática que retrata a riqueza relativa da população
e a segunda uma dinâmica, pois retrata o potencial de crescimento. Com o
cruzamento dessas duas variáveis criou-se 4 grupos definidos de regiões para
basear a atuação da PNDR: microrregiões de alta renda, regiões dinâmicas, regiões
estagnadas e as de baixa renda. O foco da atuação da PNDR se daria a partir
dessas regiões, com exceção das microrregiões de alta renda (Brasil; PNDR, 2005).
Em relação a sua operacionalização, a PNDR abrange desde a escala
nacional com a definição de critérios gerais de atuação no território, identificando as
sub-regiões prioritárias e os espaços preferenciais de intervenção, as instâncias
macrorregionais com a atividade de elaboração dos planos estratégicos de
desenvolvimento, até a articulação de diretrizes e ações de desenvolvimento e a
promoção de iniciativas em territórios priorizados.
Em relação à instância macrorregional, especialmente relevante no Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, o Governo Federal contava com órgãos específicos
voltados à gestão das políticas regionais, com a recriação da Sudam, Sudene e
Sudeco. Por último, têm-se as instâncias sub-regionais como foco operacional da
PNDR, se estruturando a partir de fóruns regionais de concertação que se
estabelecem como unidades representativas das sub-regiões, constituídas com
critérios determinados. Destacam-se duas áreas consideradas prioritárias: o
Semiárido e a faixa de fronteira42, ambas com programas específicos de
desenvolvimento já em andamento.

42
O Semiárido foi escolhido por notoriamente concentrar extremos de pobreza e fragilidade
econômica. A faixa de fronteira merece relevo por sua importância estratégica no objetivo maior da
integração econômica sul-americana. A unidade de articulação das ações federais nas sub-regiões
selecionadas é conhecida como “Mesorregião Diferenciada”, que se constitui como espaço
institucional de formação de consensos. As ações dos programas regionais sob governança do MI
são, portanto, preferencialmente implementadas e desenvolvidas em escala mesorregional ou em
outros espaços sub-regionais que justifiquem uma ação diferenciada do governo federal, em
consonância com o objetivo estabelecido pela PNDR (PNDR, 2005, p. 15).
120

Em relação ao financiamento da Política destaca-se as diversas escalas,


tendo em vista que conta com instrumentos diversos, como o orçamento geral da
união e dos entes federativos, bem como dos FCFs, como principais instrumentos de
fomento às atividades produtivas desenvolvidas naquelas regiões, bem como outros
fundos e incentivos fiscais. Resende et al (2015a) destaca nesse contexto como um
dos pontos importantes da proposta da PNDR era justamente a criação do Fundo
Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que permitiria à política contar com
uma maior fonte de recursos com capacidade de financiamento dos territórios, das
macrorregiões tradicionalmente apoiadas e recursos não reembolsáveis para apoiar
ações estratégicas.
Todavia, a proposta de criação do FNDR, acabou sucumbindo no meio das
discussões em torno da Reforma Tributária no Congresso Nacional. Assim, a PNDR
continuou contando apenas com os instrumentos de financiamento existentes até
então, concebidos a partir de abordagens e recortes de territórios anteriores à sua
formulação com base, sobretudo, nas grandes regiões: Norte, Nordeste e Centro-
Oeste.
Nesse contexto, vários aspectos da política regional não tiveram avanços,
como a não aprovação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional e o fato da
temática não ter ocupado prioridade na agenda governamental. Gumiero (2017)
destaca que poderia ter-se avançado mais no enfrentamento das desigualdades se a
interpretação e o desenvolvimento também incluíssem de modo mais efetivo a
PNDR. O campo de atuação governamental ficou limitado aos investimentos do
Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e aos recursos dos Fundos
Constitucionais e outros fundos gerenciados pelos Bancos de Desenvolvimento
(BNDES, BNB, BASA), orientados para áreas que já possuíam dinamismo
econômico.
Neto e Alves (2014) destacam que a lacuna deixada pela ausência de uma
política regional durante as décadas de 1980 e 1990 pode ter-se constituído como
um dos problemas que levaram, em 2007, à institucionalização de uma PNDR bem
menos robusta e com impactos na realidade do que os estudos e trabalhos
acadêmicos propunham e almejavam.
Em 2012, já no Governo Dilma Rousseff (PT 2010-2016), reinicia-se o esforço
de reconstrução da política regional brasileira, por meio da I CNDR (Conferência
121

Nacional de Desenvolvimento Regional), concluída pelo MI em 2013. Com base na


experiência e nas limitações da PNDR I43, realizou-se em 2012 a CNDR, com duas
etapas preparatórias: conferências estaduais e do Distrito Federal e cinco
conferências macrorregionais. Segundo Resende et al (2023), nessa segunda fase
redefiniram-se os objetivos da PNDR: 1) Realizar e sustentar uma trajetória de
reversão das desigualdades inter e intrarregionais, valorizando os recursos internos
e as especificidades sociais, culturais, econômicas e ambientais; e 2) criar as
condições de acesso mais justo e equilibrado aos bens e aos serviços públicos no
território brasileiro, reduzindo as desigualdades de oportunidades vinculadas ao
nascimento e moradia dos brasileiros.
Nesse processo da CNDR, foram escolhidas as proposições mais votadas,
com isso a PNDR II definiu como espaços de prioridade a totalidade das áreas de
abrangência da Sudene, Sudam e Sudeco bem como como alguns espaços
localizados no Sul e no Sudeste, classificados como de média e de baixa rendas.
Resende et al (2023) destacam que a PNDR II ainda incluiu as microrregiões de alta
renda das macrorregiões menos desenvolvidas como objeto de sua ação, visto que
mesmo as regiões de alta renda das regiões Norte e Nordeste estão muito distantes
dos resultados para o Sul e o Sudeste.
Os eixos temáticos foram organizados na Conferência em quatro estruturas. A
partir deles foram definidos os princípios e as diretrizes da PNDR II, conforme
documento síntese da Conferência (Brasil, 2012): 1) Governança, participação social
e diálogo federativo: visa o debate dos amplos setores da sociedade na promoção
de ações de governança na coordenação, na execução, na capacidade e nas
competências para o combate às desigualdades regionais. 2) Financiamento do
desenvolvimento regional: Atualmente, os instrumentos mais importantes ainda são
os fundos de financiamento. 3) Desigualdades regionais e critérios de elegibilidade:
permitem relacionar e priorizar os espaços territoriais-alvo da nova PNDR, em suas
variadas escalas geográficas. A proposta seria enumerar os indicadores que

43
Evidenciou-se, além disso, a necessidade de se levar ao conhecimento da sociedade as razões
pelas quais a PNDR não lograra êxito na sua primeira fase, a fim de que fosse construída, de forma
participativa, uma proposta que buscasse superar tais problemas. Esse foi o ponto de partida do
processo conferencial que reuniu 13 mil pessoas em 33 conferências (27 estaduais, cinco
macrorregionais e uma nacional), cujo resultado foi um conjunto de propostas sistematizadas em
temas diversos e sugestões de instrumentos para a PNDR, todos retratados em documentos oficiais
(Neto e Alves, 2014, p. 335).
122

deveriam ser utilizados para classificar as regiões prioritárias para se destinarem


recursos em apoio a programas de desenvolvimento regionais. e 4) Vetores de
desenvolvimento regional sustentável: relacionados à necessidade de ações
transversais, em sintonia com o federalismo cooperativo. Estes vetores serão
guiados por seis vertentes: i) estrutura produtiva; ii) educação; iii) ciência, tecnologia
e inovação; iv) infraestrutura; v) rede de cidades; e vi) sustentabilidade ambiental.
Mesmo com a Conferência entre 2012 e 2013 e a retomada do debate
regional com maior ênfase no Governo Dilma, o financiamento da PNDR ainda
contava com os mesmos gargalos sem a aprovação do FNDR. Isso porque a nível
federal os instrumentos de financiamento continuavam sendo os Fundos
Constitucionais de Financiamento (FCFs).
Também estão em funcionamento o Fundo de Investimento da Amazônia
(FINAM) e o Finor, com recursos que se originam da aplicação de parte dos
impostos de renda das empresas e são destinados aos empreendimentos relevantes
do desenvolvimento regional. Além desses instrumentos de financiamento operam,
ainda, incentivos fiscais concedidos às empresas instaladas nas áreas de atuação
da Sudam e da Sudene para estimular novos investimentos.
Apesar dos limites e dificuldades nas políticas explícitas voltadas ao
desenvolvimento regional, houve nesse período avanço nos programas de
seguridade social, sobretudo previdência e assistência com a transferência de renda,
que somados ao crescimento do emprego, a valorização do salário mínimo, a
expansão do crédito para o consumo e a expansão do Ensino Superior, entre outras
medidas, tiveram impactos significativos nas Regiões Norte e Nordeste.
É preciso salientar o quanto essas políticas afetaram a renda das famílias e
tiveram impactos regionalmente diferenciados, como a previdência social rural, o
Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Programa Bolsa Família (PBF), além
dos aumentos reais do salário mínimo, consideradas por Araújo (2014) como
políticas de desenvolvimento regional implícitas, ou seja, aquelas que não se voltam
diretamente para o enfrentamento às desigualdades regionais, mas que tem impacto
regionalmente diferenciado. Enquanto as políticas regionais explícitas seriam as
voltadas diretamente para enfrentar a questão regional do país, que não tiveram
prioridade nos governos petistas.
123

Araújo (2014) aponta alguns desses impactos ao destacar que 45% dos
nordestinos recebiam até um salário mínimo (acima da média nacional de 26%), de
forma que uma política de valorização salarial tem também um significado regional
de aumento da renda, do aquecimento da economia e do aumento do poder de
compra. Ou seja, pode-se apontar que houve mais prioridade e investimentos em
políticas regionais implícitas do que nas explícitas e voltadas diretamente para o
enfrentamento das desigualdades regionais no Brasil.
É possível identificar alguns impactos importantes no Nordeste entre 2000-
2010 tanto economicamente quanto socialmente a partir de panorama traçado pelo
Banco do Nordeste do Brasil, em estudo prospectivo:

a) Crescimento do Produto Interno Bruto: A economia nordestina


apresentou, no período compreendido entre 2000 e 2010, uma expansão
superior à economia nacional: o PIB regional cresceu à taxa de 4,4% a.a.,
ao passo que o PIB brasileiro registrou um desempenho de 3,6% a.a.,
segundo informações das Contas Regionais do IBGE (...). (BNB, 2014, p.43)
b) Aumento da População Ocupada (POC): cresceu à taxa anual média
de 2,4% entre 2000 e 2010, superior à taxa de crescimento verificada para a
população economicamente ativa (PEA) no mesmo período, que foi de 1,7%
a.a.. (BNB, 2014, p.51-52)
c) Aumento do trabalho formal: o número de empregados com carteira
de trabalho assinada passou de 3,8 milhões em 2000 para 6,5 milhões em
2010, equivalente a uma taxa anual média de crescimento de 5,5% (Tabela
3). (BNB, 2014, p.54)
d) Expansão da massa de rendimentos do conjunto de pessoas
ocupadas no Nordeste: patamar que atravessou de 5,5% entre 2000 e 2010,
passando, entre os anos considerados, de um total de R$ 12,9 bilhões (a
preços de 2010) para R$ 19,7 bilhões. Esse avanço foi relativamente mais
intenso que o verificado no Brasil e refletiu, conforme indicado, os efeitos
positivos decorrentes da elevação real do salário mínimo na década, uma
vez que 51,2% da população nordestina recebiam até 1 salário, quando no
País essa proporção foi de 32,7% (BNB, 2014, p. 54).

Esse conjunto de medidas adotadas pelos governos petistas à frente do


Executivo nesse marco temporal contribuiu para reduzir os níveis da pobreza
extrema no Brasil, resultando na saída do país do mapa da fome44 em 2014
elaborado pela FAO/ONU. Os dados foram revelados pelo relatório o Estado da
Insegurança Alimentar no Mundo da Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura (FAO, 2014).

44
Ressalta-se ainda nesse período o estabelecimento de um marco legal assegurando a alimentação
como um direito humano básico inscrito entre os direitos sociais, marco esse sinalizado em 2010 na
regulamentação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional - Losan e na instituição da
Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PNSAN, por meio do Decreto nº 7.272, de
25.08.2010. Além da incorporação da alimentação aos direitos sociais previstos na Constituição
Federal, por meio da Emenda Constitucional nº 64, de 04.02.2010.
124

Apesar das mudanças, a concentração econômica que beneficiou o Centro-


Sul no século XX ainda é uma marca muito forte no cenário regional brasileiro.
Estudo do BNB (2014) torna essa realidade perceptível ao apontar que entre 2000-
2010 o Nordeste apresentou déficit com as regiões mais ricas do País (Sul e
Sudeste), principalmente com o estado de São Paulo, cujo saldo de comércio
correspondia a 73% do total da Região Sudeste e a 50% do total nacional, segundo
estimativas calculadas pelo BNDES.
Bacelar (2014) também aponta essa desigualdade regional ao destacar que o
Nordeste correspondia a 12,4% da economia do país em 2000 e, com todas as
mudanças aqui destacadas, respondia por 13,4% em 2010. Isto é, em dez anos,
ganhou apenas um ponto percentual e o rendimento domiciliar médio mensal no
Nordeste não chega a dois terços da média nacional, correspondendo a 55% da
média do Sudeste (idem).
Em estudo sobre os fatos marcantes no desenvolvimento regional recente no
Brasil, sobretudo no período de 2000 a 2010, Resende et al (2015) destacam como
a desigualdade de renda no Brasil também se manifesta entre suas regiões,
principalmente no Norte e Nordeste. O PIB per capita na Região Nordeste, por
exemplo, representava 44% da média nacional em 2000, e 48% em 2010, enquanto
que o da Região Norte passou de 58% em 2000, para 64% em 2010. Projetando-se
a mesma taxa de crescimento observada na década de 2000, os autores projetam
que seriam necessários 50 anos para o PIB per capita do Nordeste atingir 75% do
PIB per capita nacional e para a Região Norte seriam necessários 14 anos.
Apesar dos avanços e mudanças na realidade nordestina, ainda existem
grandes disparidades regionais, sobretudo quando comparadas à região Sul e
Sudeste do Brasil. Essa situação, no entanto, se agravou a partir de 2014, quando
um conjunto de determinações incide no cenário nacional, sobretudo com o
esgotamento do pacto de coalizão de classes e ofensiva neoliberal, com tendências
de agravamento das desigualdades sociais e regionais, como será tratado a seguir.
125

4.2.2 Ajuste fiscal permanente e golpe de novo tipo: as tendências da questão


regional no Nordeste a partir de 2015

Nesse cenário em relação ao desenvolvimento regional, apesar dos avanços


da PNDR em sua primeira e segunda fase durante os governos petistas, ainda
existem questões abertas ao debate. Como ressaltam Neto e Alves (2014) a fonte e
garantia dos aportes ao pretendido Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional
(FNDR) são alvo de incertezas para a política, uma vez que, nos últimos anos, a
insuficiência dos recursos orçamentários foi um fator limitante para a PNDR I.
Um fator determinante e reconhecido no documento de Referência da
Conferência Nacional de Desenvolvimento Regional, no qual se afirma que: “os
recursos disponíveis foram muito baixos e com elevada participação de emendas
parlamentares; as ações foram, via de regra, pontuais, difusas e sem continuidade,
com baixa capacidade de transformar a dinâmica regional” (Brasil, 2012, p. 13).
Nesse contexto, Neto e Alves (2014) ressaltam que a demanda do FNDR45
não é exclusiva do Ministério da Integração Nacional, mas sim uma reivindicação
dos governos subnacionais que ainda encontram no financiamento (ou nesse caso
na ausência dele) um obstáculo determinante para o desenvolvimento regional.
No que pese os avanços e limites das políticas sociais nos governos petistas,
esse processo de investimentos sociais, sobretudo vinculados às políticas de
desenvolvimento regional, alcançaram certo limite imposto pelas medidas de
aprofundamento do ajuste fiscal. Nessa conjuntura, como apontam Silva e Silva
(2017), mesmo quando a crise se aprofundou após as eleições de 2014, a
Presidenta Dilma tentou reconstruir sua base de apoio junto aos setores
empresariais com políticas econômicas neoliberais mais ortodoxas, mas mesmo
assim a coalizão se rompeu, a burguesia queria mais.

45
Embora a criação do FNDR seja uma proposta explícita na PNDR II, os impactos orçamentários
e/ou financeiros para o Tesouro Nacional ainda demandam longo ciclo de negociações nos mais altos
níveis de governo. O FNDR deve, igualmente, ser disciplinado por um conjunto de outros normativos,
uma vez que os instrumentos atualmente disponíveis – os Fundos Constitucionais e de
Desenvolvimento – são destinados ao setor privado e objeto de determinados setores produtivos,
conforme se verifica nos diplomas legais que os criaram. Como um fundo complementar, endereçado,
pois, ao setor público e voltado para a elaboração de projetos, estruturação de sistemas produtivos e
inovativos, capacitação, provisão de infraestrutura complementar, dentre outras destinações, sua
garantia de acesso a recursos públicos passa, necessariamente, pela articulação dos governos
subnacionais, no sentido de sensibilizá-los para a proposição de projetos articulados ao
desenvolvimento regional (Neto e Alves, 2014, p. 329).
126

Da mesma forma, em 2013 ampliaram-se as manifestações populares,


conduzidas inicialmente pelos movimentos sociais e partidos de esquerda, que
exigiam ampliação dos investimentos sociais e melhora da qualidade dos serviços,
sobretudo nas áreas urbanas. Esse movimento foi rapidamente cooptado pela
grande mídia golpista e pelos grupos liberais e de extrema direita, fragilizando ainda
mais o governo.
Com o esgotamento do pacto de coalizão, orquestrou-se o golpe que tirou o
mandato presidencial legítimo da presidenta Dilma e colocou no poder Michel Temer,
aprofundando-se o ajuste fiscal. Essas expressões conservadoras na realidade
brasileira que se apresentam de maneira mais contundente em 2014/2015 ainda no
mandato da Presidenta Dilma Rousseff fazem parte de um movimento mais amplo
de avanço da extrema direita no mundo. Como aponta Wendy Brown (2019, p. 9 e
10) sobre a ascensão da política antidemocrática no Ocidente:

Para sua própria surpresa, forças da extrema direita subiram ao poder nas
democracias liberais pelo mundo todo. Cada eleição traz um novo choque:
neonazistas no parlamento alemão, neofascistas no italiano, o Brexit
conduzido pela xenofobia alimentada por tablóides, ascensão do
nacionalismo branco na Escandinávia, regimes autoritários tomando forma
na Turquia e no Leste Europeu e, é claro, o trumpismo. O ódio e a
belicosidade racistas, anti-islâmicos e antissemitas crescem nas ruas e na
internet. Grupos de extrema direita recentemente amalgamados têm
eclodido audaciosamente na vida pública após terem passado anos à
espreita, na maior parte do tempo nas sombras.

Na realidade brasileira não foi diferente e o movimento reacionário foi se


formando em 2015 pela deposição e impeachment de uma presidenta eleita
democraticamente e como aponta Boito Júnior “De lá, saiu, após depuração, o
movimento especificamente neofascista – o bolsonarismo” (Boito Jr., 2020, p. 115).
Nessa conjuntura que se abre para o aprofundamento do conservadorismo,
irracionalismo e até o fascismo46 que após o golpe que tirou o mandato presidencial

46
Definimos o movimento fascista como um movimento reacionário de massa e, seguindo Togliatti, a
ditadura fascista como um regime reacionário de massa. Esse elemento a distingue da ditadura militar
– questão muito discutida na esquerda brasileira nas décadas de 1960 e 1970. O fascismo é,
digamos assim e tomando emprestada a terminologia da biologia, o gênero, sendo o fascismo original
e o neofascismo brasileiro duas espécies diferentes do gênero à qual ambas pertencem. O fato de se
tratar de um movimento de uma camada intermediária da sociedade capitalista é importante. O
fascismo não é um movimento burguês, embora chegue ao governo cooptado pela burguesia e
embora seja, desde o seu início, ideologicamente dependente da burguesia. Ele é um movimento de
massa de uma camada intermediária e apresenta, portanto, elementos ideológicos e interesses
econômicos de curto prazo que podem destoar da ideologia e dos interesses econômicos imediatos
da burguesia (Boito Jr., 2020, p. 115).
127

legítimo da presidenta Dilma e colocou no poder Michel Temer, acentua-se o que na


literatura econômica segundo Salvador (2020), denomina-se política de austeridade,
em particular, a fiscal.
Nesse momento destaca-se a continuidade de realização do superávit
primário como indicador importante para os rentistas e a maior captura do fundo
público para o pagamento da dívida pública. Isso tudo aliado ao congelamento e à
redução de gastos sociais, conforme preconizado na Emenda Constitucional nº
95/2016, que representa “um draconiano ajuste fiscal, que impede a expansão do
orçamento, em particular, das despesas públicas discricionárias nas políticas de
saúde, educação, ciência e tecnologia, infraestrutura [...]” (Salvador, 2020, p. 4).
Assim, com o aprofundamento da crise institucional e de um golpe jurídico-
parlamentar e midiático, os governos neoliberais ampliaram no país o ajuste fiscal
cujo caráter é permanente (Behring, 2021), tendo como principal medida um Novo
Regime Fiscal (NRF) que limita por 20 anos os gastos correntes do governo.
Desde então, conforme os estudos de Shirley Samico e Sheila Samico (2020),
baseados em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(PNAD Contínua) para o ano de 2019, os lares sem renda do trabalho bateram
recorde, superando o pior momento desde a recessão de 2014-2016. Essas
mudanças apontam para o que Behring sinaliza como aprofundamento do
neoliberalismo brasileiro, entrando em uma nova fase:

Desde o golpe parlamentar, judiciário e mediático de 2016, há um novo


momento do neoliberalismo no Brasil, adequado aos desdobramentos da
crise do capitalismo que se agudizou nos últimos anos, com seus impactos
deletérios para o Brasil. Apesar de algumas semelhanças discursivas e de
medidas concretas com o projeto contrarreformista de FHC, não se trata
mais da fase fundacional do neoliberalismo entre nós, mas de um novo,
mais profundo e violento momento (Behring, 2021, p. 190).

Behring (2021) chama atenção para esse terceiro momento do neoliberalismo


no Brasil posto que com o golpe de 2016 e seus desdobramentos, adentramos em
uma austeridade ainda mais profunda, com o ultraneoliberalismo. Apesar do cenário
dramático que já se apontava com a radicalidade neoliberal do governo Temer, em
2018, a extrema direita com traços fascistas se elege ao poder Executivo, sintetizada
na figura de Jair Bolsonaro (PSL 2019-2022), com apoio de frações da burguesia
nacional e internacional, contando com uma base social caracterizada pela
128

disseminação do ódio e de ataques à democracia, combinando neofacismo com


ultraneoliberalismo.
Isso aponta como a crise política e econômica vivenciada no país é mais
grave e profunda, indicando expressões da sociedade burguesa em crise e em
cenário de decadência ideológica47. Assim que tanto o fascismo em sua forma
clássica no século XX e as expressões irracionais do neofascismo brasileiro
possuem elementos em comum, visto que:

[...] estão articuladas com uma crise econômica do capitalismo; apresentam


uma crise de hegemonia no interior do bloco no poder – disputa entre o
grande e o médio capital, num caso, e disputa entre a grande burguesia
interna e grande burguesia associada ao capital internacional, no outro;
comportam uma aspiração da burguesia por retirar conquistas da classe
operária; são agravadas pela formação abrupta de um movimento político
disruptivo de classe média ou pequeno burguês; comportam uma crise de
representação partidária da burguesia; são marcadas pela incapacidade dos
partidos operários e populares de apresentarem solução própria para a crise
política – os socialistas e comunistas foram derrotados antes da ascensão
do fascismo ao poder (Poulantzas, 1970) e o movimento democrático e
popular no Brasil vem sofrendo uma série de derrotas desde o impeachment
de Dilma Rousseff e revelando incapacidade de reação (Boito Jr., 2018;
2019) (Boito Jr., 2020, p. 117).

Nesse sentido, conforme afirma Souza (2016, p. 210), a ideologia


conservadora contemporânea como se apresenta no Brasil em suas tendências
ideais, teóricas políticas “é portadora de uma tendência ao crescimento da
intolerância e da agenda de ataques aos direitos civis, políticos e sociais”.
Nessa conjuntura que o Brasil foi palco de intensas contrarreformas com
impacto nas condições de vida e trabalho da população brasileira, primeiro com
Michel Temer e a Reforma Trabalhista48 (Lei nº 13.467/17) alterando um conjunto de

47
Pode-se apontar momentos distintos do desenvolvimento da história da filosofia burguesa, em que
um dado momento caracterizava-se pela centralidade da razão, conhecimento científico sem limites a
essa produção e outro marcado pelos limites impostos ao conhecimento que encontre às raízes e
questione as bases de legitimação burguesa. Coutinho (2010) auxilia nessa categorização ao dividir
em dois momentos principais: o primeiro abrange os pensadores renascentistas até Hegel,
caracteriza-se por um movimento ascendente, progressista que se orienta por elaboração racional,
humanista e dialética; e o segundo, consiste na radical ruptura dessa tradição humanista e da
modernidade entre 1830-1848 assinalada por uma progressiva decadência ideológica na qual ocorre
o abandono mais ou menos completo das conquistas do período anterior. Isto porque a razão
moderna com ascensão da burguesia é pautada no humanismo, historicismo e na dialética, no
entanto ao afirmar-se enquanto classe dominante e não mais revolucionária, abandona esses três
núcleos essenciais para o conhecimento científico, provocando um período de decadência ideológica,
de ascensão de uma filosofia, como destaca Coutinho (2010), em que se percebe um abandono mais
ou menos integral do terreno científico.
48
Em sua redação a proposta foi implementada com os objetivos de aumentar o número de postos de
trabalho e a formalização dos vínculos no Brasil. Filgueiras (2019) ressalta como a Reforma alterou,
suprimiu ou inclui mais de uma centena de artigos das normas de proteção ao trabalho,
129

normativas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) precarizando as condições


de trabalho e depois aprofundando-se no Governo Bolsonaro com a Reforma da
Previdência (Emenda Constitucional nº 10349) em 2019, que reformulou o cálculo de
contribuição e criou uma idade mínima para aposentadoria dificultando o acesso a
esse direito essencial.
Essas contrarreformas sintetizam um processo de expropriação dos meios de
vida dos trabalhadores e como aponta Behring (2021) vai gerar um generalizado e
ainda mais amplificado contexto de empobrecimento da população no médio prazo.
Assim, como sustentar uma média de 15/20 a 30/35 anos de contribuição para ter
direito a aposentadoria em um país que ainda carrega altas taxas de desemprego?
Um contexto mais difícil para a classe trabalhadora tendo em vista a contrarreforma
trabalhista que além de precarização as condições de trabalho não geraram novos
empregos, mas na verdade a contrarreforma trabalhista “veio para facilitar a
rotatividade e forçou os trabalhadores a aceitarem qualquer trabalho para a máxima
extração de mais-valor” (Behring, 2021, p. 219).
Essas mudanças legislativas alteraram os direitos sociais, promoveram
profundas mudanças que afetam a atual e as futuras gerações, contribuindo para a
precarização do trabalho e o não acesso a políticas públicas que passam a ser cada
vez mais contributivas e menos universalizantes, como a previdência social.
Assim, a partir de 2019, a orientação geral passou para a franca retração das
políticas públicas e redução do tamanho do Estado resultando tanto na
desestruturação das políticas produtivas para estímulo da atividade econômica como
das políticas sociais de bem-estar e materialização dos direitos sociais. Medidas que
materializam essa análise foi a extinção do Ministério do Planejamento, que passou
a ser uma secretaria esvaziada dentro do Ministério da Economia (ME), de
ministérios afeitos ao setor produtivo, como o Ministério do Desenvolvimento,

particularmente da CLT, abrangendo todos os aspectos das relações de trabalho.Em resumo, as


mudanças propostas visam em quase sua totalidade cortar custos dos empresários na contratação e
relação com os trabalhadores: “custos relacionados à contratação, à remuneração, aos intervalos e
deslocamentos, à saúde e segurança, à manutenção da força de trabalho, à dispensa e às
consequências jurídicas do descumprimento da legislação” (Filgueiras, 2019, p.15).

49
O mais violento ataque sofrido pelos trabalhadores (as), especialmente para os jovens a
ingressarem no regime geral da Previdência, é a combinação entre idade mínima - 65 anos para
homens e 62 para mulheres - e o tempo de contribuição mínimo de 15 anos para mulheres e 20 para
homens. Apenas com 30 (mulheres) e 35 (homens) anos de contribuição um (a) trabalhador (a)
poderá receber o máximo a que tem direito, e claro, limitado pelo teto baixo da Previdência Social
brasileira - fixado em R$6.101,06 em 2020 (Behring, 2021, p. 217 e 218).
130

Indústria e Comércio (MDIC), e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação


(MCTI), resultando na redução do financiamento para produção, infraestrutura e
inovação, como ressaltam Neto, Colombo e Neto (2023). Também ocorreu a
extinção do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) – depois de quase oitenta anos
de sua criação, comprometendo a gestão das relações trabalhistas no país bem
como as próprias políticas os recursos atrelados à educação fundamental, média e
superior e à saúde e assistência social.
Como qualquer política, a PNDR sofre os influxos do cenário político e
econômico, assim também recebe altos e baixos de credibilidade a depender de sua
conjuntural relevância e posição no centro decisório das prioridades políticas,
sobretudo considerando esse cenário regressivo aos direitos sociais.
Quando se considera os impactos do avanço da austeridade neoliberal de
modo mais específico na agenda da política regional, é possível verificar com base
na análise de Neto, Colombo e Neto (2023) que começa a se caracterizar como
orientação governamental uma dispersão de objetivos e perda de articulação e
diálogo estratégico entre o ministério, as superintendências de desenvolvimento e os
bancos regionais. Elementos esses da Política Regional que já haviam sido
discutidos e diagnosticados como frágeis perderam ainda mais sua relevância nesse
contexto.
Nesse cenário também ocorreu a reordenação das pastas ministeriais em
janeiro de 2019, início do Governo Bolsonaro, especialmente do Ministério da
Integração Nacional (MI), que foi incorporado ao Ministério das Cidades (MinCidades)
e as políticas regional e urbana estão atualmente sob atuação do novo MDR.
Agregando um conjunto de políticas públicas com particularidades e
diferentes formas de atuação, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR)
passou a condensar um conjunto diverso de políticas: a condução da PNDR; Política
Nacional de Desenvolvimento Urbano; Política Nacional de Proteção e Defesa Civil;
Política Nacional de Recursos Hídricos; Política Nacional de Segurança Hídrica;
Política Nacional de Irrigação, envolvendo o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento; Política Nacional de Habitação; Política Nacional de Saneamento;
Política Nacional de Mobilidade Urbana; política de subsídio à habitação popular, ao
saneamento e à mobilidade urbana; e Política Nacional de Ordenamento Territorial
(Neto, Colombo e Neto, 2023).
131

Apesar da dispersão da atuação no Governo Temer e a aglutinação de


diferentes ministérios e políticas no Governo Bolsonaro, houve a elaboração dos
planos regionais de desenvolvimento ao longo do Governo Temer, entregues em
2019 no primeiro ano do Governo Bolsonaro. Um processo de elaboração que ainda
em 2018, teve envolvimento e participação de governos estaduais e municipais, bem
como de especialistas das instituições governamentais.
Neto, Colombo e Neto (2023) destacam que o esforço institucional para a
realização dos trabalhos50 contribuiu para posterior elaboração de agendas regionais
de desenvolvimento, tomadas como base conceitual e programática para os planos
regionais de desenvolvimento e os Grupos de Trabalho (GTs) criados tiveram os
objetivos de realizar a avaliação da política regional, a PNDR; avaliar os dos
instrumentos da política e os instrumentos de repartição federativa, o Fundo de
Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) e o Fundo de Participação dos
Municípios (FPM).
Em 2019 houve a finalização e a entrega dos planos regionais de
desenvolvimento pelas superintendências competentes. Contudo, tendo em vista
que com o reordenamento a pauta de atuação do MDR foi ampliada para não
somente atender a demandas regionais, mas fundamentalmente para responder às
necessidades urbanas e metropolitanas, a implementação dos planos regionais de
desenvolvimento, perdeu prioridade política e orçamentária. Assim, como apontam
Neto, Colombo e Neto (2023) desde 2019, os “planos” se arrastam no Congresso51
Nacional sem aprovação formal.
Diante do estágio atual de tramitação no Congresso para aprovação,
concorda-se com Neto, Colombo e Neto (2023) ao destacar que se pode interpretar
que o esforço de realização de uma agenda de governo não se materializou até o

50
No decorrer de 2018, foram realizadas dezessete reuniões de trabalho, com a finalidade de
promover a revisão da PNDR, bem como organizar a criNeto, Colombo e Neto (2023) dos planos de
desenvolvimento regional. Monteiro Neto e Pêgo (2019) ressaltam alguns pressupostos norteadores
desses encontros, especialmente no que tange às indicações dos órgãos de controle como o TCU e
da Casa Civil, para a realização de atualizações e de modificações no texto da PNDR, com o intui
Neto, Colombo e Neto (2023) e adequação aos pressupostos gerais da política (Neto, Colombo e
Neto, 2023, p. 45).
51
Todos os projetos foram apresentados segundo a tramitação denominada prioritária, cujo prazo
compreende o período de dez sessões, em cada comissão, para deliberação e aprofundamento nos
debates. Segundo o art. 158 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, “prioridade é a
dispensa de exigências regimentais para que determinada proposição seja incluída na ordem do dia
da sessão seguinte, logo após as proposições em regime de urgência” (Resolução da Câmara dos
Deputados, 17/1989) (Neto, Colombo e Neto, 2023, p. 46 e 47).
132

momento, como se espera, num ciclo decisório de políticas públicas nem em uma
agenda de decisão realmente efetiva.
Com essa conjuntura regressiva aos direitos e ao enfrentamento às
desigualdades sociais e regionais, entre 2014 a 2018, aproximadamente 6,3 milhões
de brasileiros voltaram a viver abaixo da linha da pobreza e o número absoluto de
pobres chegou a 23,3 milhões, como salienta Jorge Abrahão (2020) a partir de
dados da PNAD sistematizados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O agravamento da pobreza na realidade brasileira coincide com o avanço na
adoção das medidas de ajuste fiscal no país, impactando diretamente as condições
de vida dos brasileiros, sobretudo em relação ao acesso à renda e
consequentemente à alimentação saudável e à garantia da segurança alimentar.
Esses dados refletem as implicações decorrentes do ajuste fiscal e da apropriação
do fundo público pelo capital que serão detalhadas nas seções seguintes a partir da
análise da limitação do ajuste nas políticas sociais e de desenvolvimento regional
implícitas e explícitas.
133

Os numerinhos e as pessoas

Onde se recebe a Renda per Capita? Tem muito morto de fome querendo
saber. Em nossas terras, os numerinhos têm melhor sorte que as pessoas.
Quantos vão bem quando a economia vai bem?
Quantos se desenvolvem com o desenvolvimento?
Em Cuba, a Revolução triunfou no ano mais próspero de toda a história
econômica da ilha.
Na América Central, as estatísticas sorriam e riam quanto mais fodidas e
desesperadas estavam as pessoas. Nas décadas de 50, de 60, de 70, anos
atormentados, tempos turbulentos, a América Central exibia os índices de
crescimento econômico mais altos do mundo e o maior desenvolvimento
regional da história humana.
Na Colômbia, os rios de sangue cruzam os rios de ouro. Esplendores da
economia, anos de dinheiro fácil: em plena euforia, o país produz cocaína,
café e crimes em quantidades enlouquecidas.

Eduardo Galeano - O livro dos abraços


134

5 AJUSTE FISCAL E DESIGUALDADES REGIONAIS: expressões regionalizadas


do Ajuste fiscal no Nordeste Brasileiro do século XXI

Tendo em vista o aprofundamento das medidas de austeridade fiscal na


realidade brasileira, a partir de 2015, percebe-se as implicações em relação ao
financiamento das políticas sociais e consequentemente no acesso aos direitos
sociais que poderiam permitir uma melhor condição de vida.
Entretanto, o ajuste fiscal afeta além da dinâmica social, visto que tem
repercussões para a atividade econômica nacional e regional, comprometendo a
capacidade de atuação do Estado, com uma menor intervenção na economia,
reduzindo suas capacidades de indução de negócios empresariais por meio da
política fiscal e creditícia. Além de deixar de fomentar novos investimentos
estruturantes, como as grandes obras de infraestrutura, consequentemente não
contribuindo para geração de tantos empregos nem ampliando a renda.
Por isso, neste capítulo irá ser realizada uma análise das implicações do
ajuste fiscal na Região Nordeste do ponto da dinâmica econômica regional, e nas
políticas sociais e regionais (implícitas e explícitas). Nesse contexto, que se pretende
responder a um dos objetivos da pesquisa, isto é, de que forma o ajuste fiscal
estrutural incide nas políticas de incentivo e desenvolvimento regional no Nordeste
brasileiro?
Desse modo, primeiro buscou-se traçar o panorama econômico da dinâmica
regional brasileira, ou seja, como se estrutura a economia brasileira em relação a
produção de riquezas e maior atividade econômica nas suas regiões e a
concentração ainda existente. Assim, pode-se ter uma análise da realidade brasileira
para além de um retrato abstrato como se o país fosse homogêneo e não possuísse
diferenças regionais que se expressam também do ponto de vista econômico.
O segundo movimento trata de analisar as políticas regionais no contexto de
ajuste fiscal para o Nordeste Brasileiro nos dois PPAs do recorte do estudo (2012-
2015 e 2016-2019). Por contemplar políticas implícitas e explícitas e ser uma
discussão densa, trataremos primeiro das políticas regionais implícitas, realizando o
recorte de 3 importantes Políticas com impacto regionalizado: Assistência Social,
Segurança Alimentar e Agricultura Familiar. Na sequência, apresentaremos uma
análise das políticas regionais explícitas, a partir do Programa de Desenvolvimento
Regional e do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE).
135

O caminho metodológico abarcou coleta e análise de dados orçamentários e


financeiros em portais e institutos de pesquisa nacionais, como o Sistema de Contas
Regionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Sistema Integrado de
Orçamento e Planejamento do Orçamento Federal (SIOP) e os Relatórios de
Avaliação Anual dentro do período de execução de cada Plano Plurianual.

5.1 Dinâmica Regional Brasileira: panorama econômico da desigualdade regional


de 2012 a 2019

Esse item pretende realizar um panorama econômico da dinâmica regional


brasileira, destrinchando assim uma análise da realidade nacional para além de um
retrato abstrato como se o país fosse homogêneo e não possuísse diferenças
regionais que se expressam também do ponto de vista econômico. Para isso, faz-se
uso de um importante estudo sistematizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), o Sistema de Contas Regionais (SCR). Essa série de estudos é
realizada pelo IBGE em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, as
Secretarias Estaduais de Governo e a Superintendência da Zona Franca de Manaus
- Suframa, sendo metodologicamente integrado e, por isso comparável, no tempo e
no espaço, atendendo à demanda por informações regionalizadas.
Antes de iniciar a análise e comparação regional é preciso apreender como o
Nordeste Brasileiro se situa no século XXI, sobretudo no início da segunda década
(2012-2019), foco deste estudo. Na primeira década do século XXI, o Nordeste
Brasileiro vivenciou um processo de dinamismo econômico fruto do conjunto de
políticas e investimentos públicos e sociais com repercussões para a vida econômica
e social dos nordestinos. Reflexo disso é o crescimento econômico entre 2000 e
2010, como destaca o Banco do Nordeste do Brasil (2014) em estudo prospectivo: o
PIB regional nordestino cresceu a taxa de 4.4% pontos percentuais enquanto o PIB
brasileiro crescia a taxa de 3,6%.
O impulso e crescimento econômico também englobava a maior magnitude
de exportações (sobretudo commodities) e aumento do mercado consumidor interno,
pois com maior dinamismo econômico e geração de empregos há maior consumo e
aquecimento da economia. Também esteve associada à política de reajuste real do
salário mínimo e à consolidação dos programas sociais, em especial os de
136

transferência de renda. Em síntese, esse conjunto de fatores alterou a dinâmica


regional com maior impulso gerando uma série de repercussões para sua população:

Esses fatores [...] propiciaram um importante incremento no volume de


emprego e avanços nos indicadores e na situação do mercado de trabalho,
além de resultar em importantes melhorias nas condições de vida da
população, redução da pobreza e da desigualdade de renda (BNB, 2014, p.
75 e 76).

Malgrado as particularidades regionais existentes dentro do próprio Nordeste,


essa expansão ocorreu também de forma singular nas sub-regiões quais sejam os
Cerrados, o Semiárido, o Litoral Oriental e as Regiões Metropolitanas. Segundo o
BNB (2014), essas sub-regiões cresceram, no período 2000-2010, em ritmo superior
ao do Brasil, sendo as respectivas taxas médias de crescimento de 5,8% nos
cerrados nordestinos, 4,9% no Semiárido, 4,4% no litoral oriental e 3,8% nas regiões
metropolitanas, a partir estimativas baseadas nos dados do PIB dos Municípios do
IBGE. Mesmo com o crescimento nos Cerrados e no Semiárido, as atividades
predominantemente urbanas representavam 91,7% do PIB total regional em 2000, e
em 2010, sua participação alcançou 93,4%, conforme apontado pelo BNB (2014).
Essa dinâmica que prevalece nas atividades predominantemente urbanas,
mas que coexiste com o crescimento rural no Nordeste mostra o quanto ainda é
expressivo o contingente de pessoas que residem nesse meio. Como apontam Melo
e Feitosa (2022), em 2010 a população que residia no meio rural somava 14.260.704
pessoas, ou seja, 26,9% da população regional nordestina, o que representava
quase a metade (47,8%) do total da população rural brasileira. Quantidade
significativa desse contingente está ocupada na agricultura familiar, herdeira da
agricultura de subsistência dos anos 1950, mas que, de forma progressiva, pelo
menos uma parte dela, estabeleceu vínculos com os circuitos de mercado (Melo e
Feitosa, 2022).
É o que demonstra Aquino e Silva (2022) ao analisar o Semiárido Nordestino,
no qual produtores de tipo familiar representam 78,8% dos estabelecimentos rurais
da região, ocupam a maior parte das pessoas no campo sendo sua maioria pobres e
extremamente pobres, classificados no chamado Grupo B do Pronaf, que engloba
produtores com renda bruta anual de até R$ 20,0 mil.
O Nordeste até 2014 sinalizava uma tendência de acompanhamento da
tendência geral da economia brasileira, no que pese o avanço da agropecuária,
137

retração da indústria e o avanço no setor de serviços. Assim, como apontam Neto,


Macedo e Silva (2022), apesar da performance econômica positiva nessas últimas
duas décadas na Região, foram expandidas com maior intensidade as atividades
agro exportáveis e do setor de serviços que as industriais.
Assim, na dinâmica regional nordestina (enquanto uma tendência que é
nacional) percebe-se que atividades caracterizadas por baixo impulso dinâmico
setorial e inter-regional (como a agropecuária e os serviços) tiveram maior destaque
econômico que aquelas cujos efeitos possuem mais impacto e expressão (a
indústria). É o que mostra o Sistema de Contas Regionais do IBGE (IBGE, 2016) em
panorama de 2010 a 2014, cujos dados retratam essas mudanças na composição do
PIB brasileiro, com a Agropecuária subindo de 4,8%, em 2010, para 5,0%, em 2014;
a Indústria, de 27,4% em 2010, para 23,8%, em 2014; e o setor de Serviços, de
67,8%, em 2010, para 71,2%, em 2014. Ou seja, a agropecuária cresceu 0,2%, o
setor de serviços ampliou em 3,4%, enquanto a Indústria diminuiu 3.6%.
Do ponto de vista regional, destaca-se o Centro-Oeste com todos os estados
com crescimento em volume acima da média nacional, o Norte e o Nordeste com
bom desempenho de crescimento e apenas a Região Sudeste crescendo abaixo da
média brasileira, com 6,9% de crescimento acumulado no período.
Esses dados poderiam apontar uma desconcentração regional com maior
impulso nas regiões que lidam historicamente com déficits da média nacional,
sobretudo o Nordeste brasileiro, foco deste estudo. No entanto, com base no método
materialista dialético entende-se que aparência e essência apesar de estarem
associadas, não são iguais e é preciso investigar com mais profundidade a essência
dos fenômenos. É preciso analisar essa tendência de crescimento regional,
comparando inclusive o Produto Interno Bruto pelos seus valores nominais que
melhor expressam as diferenças regionais.
O Sistema de Contas Regionais de 2010-2014 (IBGE, 2016) permite
comparar os valores nominais do Produto Interno Bruto, segundo as Grandes
Regiões e as Unidades da Federação. O PIB Nacional Brasileiro em 2014 consistia
em R$ 5,7 trilhões, sendo assim distribuído pelas grandes regiões: Norte, com
R$ 308,0 bilhões (5,3%); Nordeste, R$ 805,0 bilhões (13,9%); Sul, R$ 948,4 bilhões
(16,5%); Centro-Oeste R$ 542,6 bilhões (9,4%); enquanto o Sudeste concentrava
R$ 3,2 trilhões (54,9%). Percebe-se, assim, como as regiões Sul e Sudeste
138

concentram mais de dois terços do PIB nacional, enquanto que as regiões Centro-
Oeste, Norte e Nordeste representam um pouco menos de um terço da economia
brasileira.
Do ponto de vista do PIB per capita, essas desigualdades regionais também
são perceptíveis, haja vista que o Norte possuía em 2014, um PIB per capita de
R$ 17,8 mil; o Nordeste, no patamar de R$ 14,3 mil; o Centro-Oeste, no valor de
R$ 35,6 mil; o Sul, com R$ 32,7 mil; e o Sudeste com R$ 37,2 mil (IBGE, 2016).
Com essas cifras fica mais fácil deduzir que os maiores PIBs per capita são dos
estados das Regiões Sudeste, Centro Oeste e Sul, com a ressalva de que Minas
Gerais, apesar de próximo, se encontra abaixo da média do País (IBGE, 2016, p. 19).
O fato é que o PIB per capita no Nordeste, o menor do país, corresponde a menos
da metade do que é verificado nas regiões Sudeste e Centro Oeste. O Norte não fica
muito atrás nessa contabilidade das desigualdades regionais.
O caso do Centro-Oeste possui algumas particularidades devido a baixa
densidade demográfica dos seus estados e por possuir a capital federal Brasília/DF
com altos salários, fatores que elevam o PIB per capita regional. Por isso, os
estados da Região Centro-Oeste estão mais bem posicionados, sendo que apenas
Goiás encontra-se abaixo da média brasileira, conforme IBGE (2016).
Enquanto na Região Norte, 5 dos 7 estados que a compõem, possuem os
menores PIBs do Brasil, a Região Nordeste concentra os seis menores PIBs per
capita do país:

A posição relativa dos seis menores PIBs per capita são: Maranhão (27º),
Piauí (26º), Alagoas (25º), Paraíba (24º), Ceará (23º) e Bahia (22º). Esses
seis estados concentram cerca de 20,4% do total da população do País e
somente 9,7% do PIB. O Piauí, por exemplo, detém 0,7% de participação no
PIB e 1,6% da população brasileira (IBGE, 2016, p. 19).

Verifica-se, assim, a concentração econômica que ainda permanece na


dinâmica regional brasileira, sobretudo com a Região Sudeste canalizando montante
significativo das atividades econômicas e produção de riqueza gerada no país.
Partindo desses indicadores, realizou-se a sistematização a partir dos boletins
informativos do Sistema de Contas Regionais do IBGE (2015-2019), revelando um
compilado do grau de concentração econômica e participação na formação do PIB
no Brasil e em suas regiões, conforme tabela 1 a seguir:
139

Tabela 1 - Concentração Econômica do PIB Brasileiro 2015-2019 (%)

Rio de Janeiro (RJ), Minas Gerais


São Paulo Outras 22 Unidades da
ANO (MG), Rio Grande do Sul (RS) e
(SP) Federação
Paraná (PR)

2015 32,4% 32,3% 35,3%

2016 32,5% 31,8% 35,6%

2017 32,2% 31,8% 36,0%

2018 31,6% 32,4% 36,0%

2019 31,8% 32,2% 36,0%

Fonte: Boletins Informativos do Sistema de Contas Regionais (SCR de 2015; 2016; 2017; 2018; 2019)
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Com esses dados pode-se perceber o nível de riqueza econômica


centralizada no Sudeste e dentro dessa região, o grau de concentração no Estado
de São Paulo que na série histórica acumula quase um terço do PIB nacional. É
significativo que, além de São Paulo, os outros Estados da Região Sul e Sudeste
concentram outro montante significativo do PIB nacional também no patamar de
quase um terço do total do PIB medido na série histórica.
Assim, o grau de concentração econômica é tão significativo que esses dois
polos juntos possuem mais riqueza econômica que os outros 22 estados brasileiros.
Em termos concretos, por exemplo, se compararmos o PIB dos dois grandes polos
com o restante do país, temos 64,7% em SP RJ, MG, RS e PR e as demais
Unidades da Federação com 35,3% em 2015. Porém, desde 2017 que essa
situação teve leve oscilação com polo mais dinâmico concentrando 64,0% do total
do PIB nacional, contra 36,0% das outras 22 unidades da Federação, o que significa
uma variação de 0,7%.
Mesmo assim, são quase dois terços da economia nacional concentrados em
apenas 5 Unidades da Federação. Além do panorama mais geral a partir de grandes
polos econômicos na realidade nacional, é preciso considerar a dinâmica econômica
a partir da participação das regiões brasileiras na composição percentual do PIB
nacional, evidenciando essa tendência de acirramento das desigualdades regionais,
conforme o gráfico 1.
140

Gráfico 1 - Participação das regiões brasileiras na formação do PIB Nacional


de 2015 a 2019 (%)

Fonte: Boletins Informativos do Sistema de Contas Regionais (SCR) do Instituto Brasileiro de


Geografia e Estatística (IBGE). 2015-2019.

Realizando uma análise das diferentes dinâmicas regionais, fica perceptível


como o Sudeste concentra mais da metade do PIB Nacional em toda série histórica,
variando de forma muito tímida esse percentual ao longo dos anos. A Região Sul
vem logo em seguida, que apesar de ainda ser bem menor que o Sudeste em
termos percentuais, é a segunda maior região econômica durante toda a série
histórica, sofrendo poucas oscilações.
Em relação às demais regiões, destaca-se como o Nordeste (apesar das
desigualdades históricas) consegue ter um crescimento do PIB consistente, sendo a
3º maior região econômica. Logo atrás vem a Região Centro-Oeste, um pouco
abaixo da média nordestina, e por último, a Região Norte, com o menor do PIB do
Brasil e uma média de PIB 10 vezes menor que a do Sudeste.
Esse panorama da dinâmica econômica regional brasileira nos permite
apontar 4 elementos importantes na discussão da desigualdade regional e as
implicações do ajuste fiscal na segunda quadra do século XXI, sobretudo entre
2015-2019:

1. A concentração econômica e a questão regional são presentes ainda


na realidade brasileira, com o Sudeste concentrando mais de 50% do
141

PIB Nacional e nesta Região o Estado de São Paulo que concentra


mais de 30% das riquezas econômicas;
2. O crescimento econômico do Nordeste na segunda década do século
XXI (2010-2019) não significou automaticamente melhora na
distribuição de renda e na diminuição da desigualdade, haja vista que o
Nordeste concentra o pior PIB per capita do Brasil;
3. O ajuste fiscal e a retração da atuação do Estado, principalmente a
partir de 2015, contribuiram para manter essas disparidades regionais
ao não permitir maiores avanços em investimentos econômicos e
sociais, sobretudo no Norte e Nordeste Brasileiro;

A partir desse panorama econômico do Brasil, suas regiões e principalmente


do Nordeste Brasileiro, é preciso analisar como o ajuste tem implicações nessa
região que, apesar do dinamismo econômico na primeira década do Século XXI,
ainda tem inúmeros problemas que requerem uma atuação mais forte do Estado
brasileiro. Por isso, será realizada uma análise sobre a trajetória e desempenho das
políticas regionais implícitas e explícitas, com foco na Região Nordeste.

5.2 Impactos do ajuste fiscal nas políticas regionais implícitas e explícitas

Nesse contexto de estudo sobre as implicações do ajuste para as


desigualdades regionais, ressalta-se a necessária atuação do Estado para
enfrentamento da desigualdade e a garantia de proteção sanitária e social. No
entanto, em virtude da ofensiva neoliberal e do aprofundamento das medidas de
austeridade e da evidente concentração econômica regional no centro Sul do país, é
preciso verificar como tem sido a atuação do Estado brasileiro no financiamento das
políticas sociais orientadas para a redução das disparidades regionais?
Para desvelar essas limitações foi realizado levantamento documental sobre
investimentos públicos nas políticas de redução das desigualdades regionais afim de
apreender as implicações impostas pelo ajuste fiscal. Para isso foram acessados
dados no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP) que dispõe do
Painel do Orçamento em que é possível consultar informações relativas ao
planejamento e execução orçamentária e financeira das políticas públicas. No
142

presente estudo, fez-se a coleta dos dados regionalizados por função e por
programas, possibilitando comparações de desempenho orçamentário e financeiro
por região durante o período analisado.
Além dos dados orçamentários e financeiros disponibilizados no SIOP, fez-se
necessária a coleta, sistematização e análise de conteúdos nos planos e relatórios
anuais de execução dos Planos Plurianuais (PPA) de 2012-2015 e 2016-2019,
buscando identificar as prioridades governamentais na área de enfrentamento às
desigualdades regionais. Nos PPAs buscou-se apreender os impactos do ajuste
para as políticas que se afiguram como importante para o Nordeste em 2
movimentos: 1) As políticas nacionais que possuem impacto regional diferenciado:
Assistência Social, Segurança Alimentar e Agricultura Familiar; e 2) As políticas
regionais explícitas, que se voltam diretamente para a questão regional como o
Programa de Desenvolvimento Regional (Programa 2029 em ambos PPAs) e o FNE.

5.2.1 Políticas Regionais Implícitas: o impacto regionalizado do ajuste fiscal

Para apreender as implicações do ajuste nas políticas regionais implícitas na


Região Nordeste, delimitamos 3 grandes políticas que são importantes para a
Região dada suas características sociais e econômicas. Assim, a Assistência Social
e a Segurança Alimentar e Nutricional são políticas essenciais para uma região que
ainda lida com graves expressões da questão social e com boa parte da sua
população com baixo rendimento. Soma-se a isso, as características econômicas
que ainda possuem um segmento rural significativo (apesar da maioria da população
estar urbanizada) ligado a agricultura familiar, por isso a Política de Apoio e
Fortalecimento da Agricultura Familiar também se afigura como fundamental. Desse
modo, as 3 foram escolhidas para evidenciar as implicações do ajuste tanto em um
panorama nacional geral quanto em suas particularidades de impacto no Nordeste
Brasileiro.
Ao longo da formação social brasileira evidencia-se que as políticas sociais se
caracterizam pela pouca efetividade e pela subordinação aos interesses econômicos
dominantes, de modo que o clientelismo, a cultura do favor, da tutela e do
patrimonialismo atravessam o desenho e implementação dessas políticas. Na
assistência social o quadro é ainda mais grave, tendo em vista que por décadas
143

configurou-se na matriz do favor e do apadrinhamento tendo um padrão arcaico de


relações que a caracteriza como não-política, colocada como marginal e secundária
no conjunto das políticas sociais, conforme apontam Couto, Yazbek e Raichelis
(2010).
A Constituição Federal de 1988 e a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS)
de 1993 colocam a Assistência Social em um novo campo: o da política pública, da
cultura de direitos, da universalização do acesso e da responsabilidade do Estado.
Sendo, então, uma política pública não contributiva e destinada a todos que dela
necessitarem. A primeira versão de uma Política Nacional de Assistência Social
(PNAS) somente foi elaborada em 1998, cinco anos após a aprovação da LOAS, e
ainda se apresentava como insuficiente e confrontada com a existência do Programa
Comunidade Solidária, que possuía um caráter focalista e reiterador da tradição
arcaica da assistência como não política nos marcos do Governo FHC (1995-2002).
Somente em 2004, no marco temporal do primeiro governo Lula (2003-2006),
é aprovada uma PNAS com a perspectiva de materialização da LOAS e da
assistência social enquanto política social direito do cidadão e dever do Estado, fruto
de um amplo e intenso debate na IV Conferência Nacional de Assistência Social
realizada em 2003. Da aprovação da PNAS seguiu-se o processo de construção e
concretização do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), voltado a articular em
todo o território nacional as responsabilidades, os vínculos, a hierarquia e o sistema
de serviços e ações da assistência social. A PNAS e o SUAS colocam a Assistência
Social no patamar de política social e como nível importante de Proteção Social a
ser ofertada em dois níveis de atenção: Proteção Social Básica e Proteção Social
Especial (média e alta complexidade).
No entanto, após uma década de ordenamento da PNAS com expansão do
SUAS, o contexto de crises econômica, avanço neoliberal e de políticas de ajuste
fiscal alteraram a trajetória de investimento público na área da assistência social, em
um contexto em que as restrições de recursos de benefícios e serviços
socioassistenciais ocorre concomitante à piora do quadro social com agravamento
das desigualdades.
O gráfico 2 sinaliza essa tendência de retraimento dos recursos tanto
destinados quanto efetivamente pagos voltados para a Política no marco de 2012 a
2019, em uma das regiões com maior concentração de pobreza do Brasil:
144

Gráfico 2 - Recursos da Função Assistência Social - Dotação e Valores Pagos


Nordeste de 2012 a 2019 (Valores em bilhões R$)

Fonte: Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento do Governo Federal (SIOP). Elaboração


Própria. Valores deflacionados e corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA).

Percebe-se como os recursos da Assistência Social voltados para a Região


Nordeste sofrem decaimento, sobretudo quando se toma por parâmetro o ano de
2014, no qual os investimentos não voltam mais a chegar a seu patamar. De 2012 a
2014 a dinâmica era contrária, apontava investimentos em crescimento e mais
localizados no Nordeste, mas com o avanço do ajuste fiscal os recursos decaem e
não voltam mais ao patamar de 2014.
Ressalta-se que os objetivos e ações relativos à Função Assistência Social
incluem recursos para importantes programas socioassistenciais como o Bolsa
Família e o Benefício de Prestação Continuada, mas também para estruturação e
fortalecimento do Sistema único de Assistência Social (SUAS). Esses programas,
serviços e ações que fortalecem o SUAS e viabilizam direitos sociais são ainda mais
importantes em regiões que possuem desigualdades mais agravadas como é o caso
do Nordeste. Em cenário de retraimento de recursos para a Assistência Social a
tendência de agravamento das desigualdades se exacerba.
Do ponto de vista dos recursos nacionais, percebe-se uma dinâmica
diferenciada pois ao invés de diminuir substancialmente, oscila em um mesmo
145

patamar e, ao final de 2019, os investimentos são levemente superiores a 2014,


como demonstra o gráfico a seguir:

Gráfico 3 - Recursos da Função Assistência Social - Dotação e Valores Pagos


Brasil de 2012 a 2019 (valores em bilhões R$)

Fonte: Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento do Governo Federal (SIOP). Elaboração


Própria. Valores deflacionados e corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA).

No entanto, vale destacar que não houve aumento substancial nos recursos
nacionais, tendo em vista que em toda série histórica persiste uma diferença entre o
valor dotado e o efetivamente pago e quando comparado estatisticamente o
aumento da população, o aumento da procura dos serviços a política deveria ter
recebido mais recursos e prioridade.
Ressaltando-se, ainda, que de modo geral de 2012 a 2017 há oscilação que
aponta leve aumento de recursos, sobretudo com o Benefício de Prestação
Continuada decorrente do envelhecimento da população empobrecida, porém a
partir de 2017 essa oscilação tende a diminuir o volume de investimentos.
Por isso, o mais importante nessa série histórica é vislumbrado a partir de
2017 quando entra em vigência a EC nº 95 impactando no recurso destinado a
política tanto na dotação anual (de R$99 bilhões em 2017 para R$96 bilhões em
2019) quanto nos valores pagos (de R$96 bilhões pagos em 2017 passa-se em 2019
para R$92 bilhões).
146

E o impacto da EC nº 95 e austeridade mais severa só não conseguiu ser


mais profundo devido a necessidade de maior atuação do Estado frente as tragédias
de derramamento de óleo no litoral nordestino e o rompimento da barragem de
Brumadinho em Minas Gerais, que demandou do estado (apesar de cenário
neoliberal) uma atuação mais efetiva e emergencial. Assim, apesar da queda há
pequena recuperação de recursos em 2019 diante desse contexto.
Na tragédia de Brumadinho, o Ministério da Cidadania anunciou a
antecipação do Bolsa Família na região para que os beneficiários pudessem sacar o
dinheiro já no primeiro dia de pagamento, sem precisar seguir o calendário do
programa. No município mineiro, 1.506 famílias recebem o benefício, totalizando
R$ 272,9 mil repassados mensalmente (Brasil, 2019).
Em suma, percebe-se como a Política de Assistência Social no Nordeste
Brasileiro sofre mais com os rebatimentos do ajuste fiscal e não consegue aumento
substantivo de recursos frente às necessidades de acesso a benefícios e serviços
dos usuários quanto à estruturação e fortalecimento que a própria Política necessita.
Aliada a Política de Assistência Social no enfrentamento às desigualdades e
viabilização dos direitos sociais, encontra-se a Segurança Alimentar e Nutricional52,
regulamentada em 2010 com a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional
(LOSAN) que instituiu a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(PNSAN) e o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN).
O Sistema Nacional de Segurança Alimentar possui importante objetivo de
formular e implementar políticas e planos de segurança alimentar e nutricional, além
de promover o acompanhamento, o monitoramento e a avaliação da segurança
alimentar e nutricional do País. Consiste em um sistema público, de gestão
intersetorial e participativa, que possibilita a articulação entre os três níveis de
governo e com a sociedade civil organizada (Brasil, 2011).

52
Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), de acordo com a definição da Lei Orgânica que institui o
Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), “consiste na realização do direito de
todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem
comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares
promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica
e socialmente sustentáveis.”. A sanção da Lei nº 11.346/06, assim como a posterior inclusão do
direito à alimentação no artigo 6º da Constituição Federal em 2010 são considerados os principais
marcos legais que inserem a alimentação no rol dos direitos sociais, fazendo com que a promoção do
acesso à alimentação passe a ser um dever do Estado. Em agosto de 2010, a institucionalização do
tema de segurança alimentar e nutricional ganha reforço com a publicação do Decreto nº 7.272 que
institui a Política Nacional de SAN (Brasil, 2011, p. 139).
147

No PPA de 2012-2015 (Brasil, 2011), na dimensão tática de programas


temáticos, destaca-se o desafio de avançar na implantação do SISAN nos Estados,
Distrito Federal e Municípios, visando consolidar o sistema nacionalmente, realizar a
Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, seu monitoramento,
avaliação e articulação nacional.
No entanto, entre o que está situada no discurso governamental e o que se
efetiva no plano concreto dos recursos destinados e efetivamente pagos para o
Programa de Segurança Alimentar e Nutricional, não há correspondência direta,
como demonstra o Gráfico 4:

Gráfico 4 - Recursos do Programa 2069 Segurança Alimentar - Dotação e


Valores Pagos Brasil de 2012 a 2019 (valores em bilhões R$)

Fonte: Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento do Governo Federal (SIOP). Elaboração


Própria. Valores deflacionados e corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA).

Verifica-se a tendência de queda expressiva dos recursos tanto dotados


quanto efetivamente pagos. Nessa série histórica, em 2012 existiam mais de R$ 4,0
bilhões de reais de dotação, enquanto que em 2019 caiu para R$ 444,0 milhões,
uma queda significativa, de modo que o recurso de 2019 não chega a ¼ do que foi
previsto para 2012. Quanto aos valores pagos em 2012 tem-se a execução de
R$ 1,8 bilhões de reais, caindo em 2015 vertiginosamente e em 2019, o valor pago
foi de somente R$ 187,1 milhões, o que corresponde a 10,2% do que fora
desembolsado em 2012.
148

Considerando as condições econômicas, climáticas e sociais da Região


Nordeste, outra política social tida como essencial engloba os investimentos para
Agricultura Familiar na Região Nordeste. Os recursos destinados ao Programa 2012
– Agricultura Familiar no Orçamento Público é distribuída de 2012 a 2019 da
seguinte forma nacionalmente:

Gráfico 5 - Recursos da Função Agricultura - Dotação e Valores Pagos Brasil


de 2012 a 2019 (valores em bilhões R$)

Fonte: Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento do Governo Federal (SIOP). Elaboração


Própria. Valores deflacionados e corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA).

Com o passar dos anos os recursos destinados à Agricultura revelam queda


significativa, sobretudo a partir de 2016 coincidindo com o marco temporal do
aprofundamento do ajuste fiscal e do ultraliberalismo que corrói um orçamento em
2014 na cifra de R$ 33,0 bilhões, para R$ 25,0 bilhões em 2019. Do ponto de vista
dos valores pagos efetivamente a diferença também é significativa: em 2016 atingiu
R$ 22,0 bilhões e em 2019 apenas R$ 14,0 bilhões, uma redução orçamentária de
R$ 8,0 bilhões.
Para além dos recursos voltados para a Agricultura nacionalmente é preciso
olhar com maior atenção para a Agricultura Familiar, dada a presença e importância
desse segmento na realidade socioeconômica da região. Essa análise pode ser
realizada a partir dos recursos destinados para o Programa 2012 - Agricultura
Familiar no Nordeste, de 2012 a 2019, conforme disposto no Gráfico 6 a seguir
149

Gráfico 6 - Recursos do programa 2012 Agricultura Familiar - Dotação e


Valores Pagos Brasil de 2012 a 2019 (valores em bilhões R$)

Fonte: Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento do Governo Federal (SIOP). Elaboração


Própria. Valores deflacionados e corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA).

Percebe-se a queda de recursos destinados ao Programa para Agricultura


Familiar a partir de 2016 que nesse ano já se encontrava abaixo do patamar de 2012
(R$7,0 bilhões) e que ao decorrer dos anos posteriores somente diminui, chegando
em 2019 com a dotação de R$4,0 bilhões. Importante também refletir e analisar
sobre como o Programa 2012 da Agricultura Familiar possui destinação dentro da
grande Função de Agricultura que acumula recursos na casa dos R$33 bilhões em
2012 enquanto o Programa recebe destinação de 7 bilhões, compondo 21% do
orçamento geral da Agricultura. Com o passar dos anos e ado aprofundamento do
ajuste em 2019 o programa também passa a receber menos recursos com redução
do montante para a pasta que fica no patamar de R$25,0 bilhões e o Programa
aloca menor prioridade compondo apenas 16% dos recursos (R$4,0 bilhões).
Se o percentual de redução a nível nacional já se mostrava expressivo,
olhando os percentuais a nível regional as implicações do ajuste fiscal são ainda
mais latentes, conforme gráfico que sintetiza os valores dotados e pagos na Função
Agricultura para a Região:
150

Gráfico 7 - Recursos da Função Agricultura - Dotação e Valores Pagos


Nordeste de 2012 a 2019 (valores em milhões R$)

Fonte: Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento do Governo Federal (SIOP). Elaboração


Própria. Valores deflacionados e corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA).

Acompanhando os demais gráficos do panorama nacional, os recursos para a


Região Nordeste também sofrem decaimento se expressando de forma mais latente
do ponto de vista dos recursos destinados e pagos a partir de 2017, chegando em
2019 com um orçamento de ¼ de dotação frente ao de 2012.
Após análise dessas três políticas essenciais não só para o Brasil, mas para a
população nordestina, pode-se perceber como o ajuste fiscal implicou em oscilação
e redução orçamentária significativa.
A Assistência Social sofreu com a redução orçamentária, mas não chegou a
ter uma queda tão vertiginosa. Inclusive porque é uma Política que contempla
benefícios socioassistenciais previstos em Lei como o BPC e/ou programas de
transferência de renda como o Bolsa Família. Assim, mesmo apresentando queda
que impacta na realidade da população brasileira e nordestina, os recursos não
caem vertiginosamente nem são praticamente zerados.
Em contrapartida, o Programa de Segurança Alimentar e Nutricional além de
não ocupar a agenda pública com grandes recursos sofreu de modo mais intenso os
impactos do ajuste fiscal, pois a redução foi drástica ao passar dos anos. Essas
implicações expressam-se também com a importância que esse Programa possui
em fomentar a segurança alimentar com programas de alimentação escolar, nos
restaurantes populares e até no apoio aos agricultores familiares por meio do
151

Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa de Cisternas para


abastecimento hídrico, em um momento que se vivencia no país avanço da
desigualdade social e da maior necessidade de atuação do Estado na garantia da
própria alimentação.
Em decorrência desses fatores, a questão alimentar e nutricional das famílias
passa a ficar comprometidas, pois, se a disponibilidade de água para consumo e
usos domésticos diários não são garantidas, a água para o plantio (agricultura de
subsistência familiar) e para a criação de animais será inviável. Assim, destaca-se a
importância e eficácia da implementação de tecnologias sociais de captação da água
da chuva para a convivência com a região, em especial nos períodos de
seca/estiagem.
A cisterna é justamente uma dessas tecnologias sociais de captação da água
da chuva. Em estudo sobre os Impactos do ajuste fiscal na agricultura familiar do
Semiárido brasileiro Ramos et al. (2023) destacam como de fato, desde 2015 vem
sendo reduzido o número de cisternas entregues por ano pelo Governo Federal. No
entanto, a situação se agrava a partir de 2017, pois o total de cisternas entregues
corresponde a menos de 50% do verificado em 2014, e se agrava nos dois anos
seguintes com apenas ¼ do que foi entregue em 2014.
Em relação aos programas Agricultura Familiar/Fortalecimento e Dinamização
da Agricultura Familiar (código 2012) as perdas de recursos são mais visíveis. Os
objetivos relativos à Assistência Técnica e Extensão Rural são os mais impactados
com os valores pagos em 2019 representando pouco mais de um décimo do que
fora pago em 2014. Acompanhando essa tendência, o Programa de Segurança
Alimentar e Nutricional (código 2069) com objetivo relativo à aquisição e distribuição
de alimentos da agricultura familiar, os valores financeiros pagos em 2019
representam apenas 16,5% do que fora desembolsado efetivamente em 2014
(Ramos et al. 2023).
Em contrapartida, os programas ligados a grande propriedade como o da
Agricultura Irrigada (código 2013) / Agropecuária Sustentável (código 2077) e Oferta
de Água (código 2051) / Recursos Hídricos (código 2084) aparecem como prioridade,
recebendo tratamento diferenciado nos cortes orçamentários. Em relação à
execução orçamentária do primeiro, houve uma queda no valor pago no ano de 2015,
mas aumentando nos anos seguintes até fechar quantias similares nos anos de
152

2018 e 2019, demonstrando prioridade em relação ao objetivo 0175 para


manutenção dos perímetros de agricultura irrigada.
Aliado à Política de Segurança Alimentar e Nutricional, o Programa da
Agricultura Familiar é fundamental para a Região Nordeste, tendo em vista as
características socioeconômicas predominantes nas áreas rurais que concentram
maiores percentuais de pobreza, conforme analisaremos no capítulo 5. Por possuir
grande contingente populacional inserido na agricultura familiar e em zonas rurais, a
Região precisa desse apoio decisivo do Estado, o que em um cenário de
aprofundamento do ajuste fiscal não ocorreu, visto que os recursos caíram de forma
acentuada, complicando a vida dos pequenos agricultores nordestinos com menores
rendimentos na região, enfrentando uma seca prolongada entre 2012 e 2017, sem
condições de manter as atividades econômicas que garantem sua subsistência.
Assim, apesar de serem políticas nacionais elas possuem um impacto
regionalmente diferenciado e para a população nordestina as implicações do ajuste
fiscal e do ultraliberalismo atingem de forma direta e indireta. De forma indireta
através do desfinanciamento de importantes políticas públicas nacionais como a
Assistência Social, a Segurança Alimentar e a Agricultura Familiar; e de forma direta,
com as implicações do ajuste em políticas explícitas de desenvolvimento regional, a
exemplo do Programa de Desenvolvimento Regional (PDR) e do Fundo
Constitucional de Desenvolvimento do Nordeste (FNE), conforme será analisado a
seguir.

5.2.2 Políticas Regionais Explícitas: implicações do ajuste fiscal no Nordeste


Brasileiro

Além das implicações do ajuste fiscal em políticas regionais implícitas é


preciso analisar como se dá o trato governamental em relação a prioridade e
orçamento para a questão regional brasileira, sobretudo no Nordeste. Por isso,
também é analisado o principal programa explícito de enfrentamento à desigualdade
regional brasileira e de fomento à diversidade regional, executado nacionalmente e
com prioridade para os espaços regionais que mais precisam: o Programa de
Desenvolvimento Regional. O Programa se desdobra em metas e execução das
ações e iniciativas que podem ser analisadas, coletadas e um importante subsídio
153

de como o ajuste implica na limitação ou menor destinação de recursos para o


desenvolvimento regional, sobretudo para a Região Nordeste.
Junto com a análise do Programa, buscaremos identificar nessa ambiência de
ajuste fiscal, o desempenho do importante Fundo que destina recursos para a
Região Nordeste potencializando as atividades produtivas e econômicas da Região,
o FNE. Em cenário de austeridade e com cortes orçamentários, o FNE possui
recursos seguros e estáveis que passam a ser disputados entre capital e trabalho,
demonstrando que o orçamento também é uma peça de disputa de interesses.
Vamos começar a análise a partir do Programa de Desenvolvimento Regional em
suas expressões orçamentárias (recurso vinculado para o Programa) e materiais (as
metas e objetivos não executados) do ajuste fiscal regionalizado no Nordeste.

5.2.2.1 Expressões orçamentárias e materiais do ajuste fiscal regionalizado

Em relação ao debate explicitamente regional na agenda pública dos PPAs


analisados (2012-2015 e 2016-2019) é perceptível o tratamento dado a partir do
reconhecimento de que existem essas disparidades e ao mesmo tempo como é
importante olhar para o potencial de diversidade existente. Uma visão que incorpora
a terceira geração das políticas regionais, analisando tanto as desigualdades como
também as potencialidades assim “neste ambiente tão diverso, o Estado tem papel
fundamental no apoio às nossas potencialidades, para dinamizar as economias em
seus territórios e afirmar as identidades regionais” (Brasil, 2011, p. 274).
Um grande avanço no entendimento de que é necessário enfrentar as
desigualdades regionais brasileiras foi a institucionalização da Política Nacional de
Desenvolvimento Regional (PNDR), institucionalizada em 2007, que tem como
objetivo a redução das desigualdades entre as regiões brasileiras e a promoção da
equidade no acesso a oportunidades de desenvolvimento. Essa Política se expressa
no orçamento a partir dos diferentes programas criados nos Planos Plurianuais.
Em relação à sua localização no orçamento de 2012-2015 o Desenvolvimento
Regional encontra-se no tomo de Política e Temas Especiais e do ponto de vista
orçamentário tem-se o Programa 2029 “Desenvolvimento Regional, Territorial
Sustentável e Economia Solidária”. Como o Programa se desdobra em objetivos e
ações orçamentárias, de antemão é possível notar que na Política de
154

Desenvolvimento Regional agregou-se a Economia Solidária que antes estava


vinculada às políticas de Trabalho e Renda. Além desta, diversas outras iniciativas
que dialogam com as estratégias territoriais de desenvolvimento também foram
vinculadas ao Programa, a exemplo dos Arranjos Produtivos Locais, do
Desenvolvimento Territorial Rural Sustentável, entre outros.
A partir de 2016 o Programa tem o nome alterado para Desenvolvimento
Regional e Territorial e a forma do trato da questão regional também se altera. Ao
invés de uma análise mais profunda na mensagem presidencial e tomo de Políticas
e Temas Especiais, o regional ganha apenas 2 parágrafos na discussão e resume-
se a lembrar do Norte, Nordeste e dos Fundos Constitucionais:

No que se refere ao desenvolvimento regional e territorial, é importante


destacar as ações voltadas para a Amazônia. Nessa região, a Suframa
apoiou e incentivou, em 2016, a implantação de 60 empreendimentos
produtivos, que compreendem desde uma planta fabril industrial voltada à
produção de bens intermediários e de bens finais de alta tecnologia, assim
como indústrias que utilizam matérias-primas regionais em seus produtos,
além de empreendimentos agrícolas e de infraestrutura. Dentre as
alterações efetivadas pela simplificação e desburocratização do Fundo de
Investimento da Amazônia (e também do Nordeste), destaca-se a
permissão para conceder créditos para a aplicação em projetos de geração,
transmissão e distribuição de energia por aproveitamento das fontes de
biomassa. Os recursos aportados para os Fundos Constitucionais de
Financiamento do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO)
foram de R$ 28,8 bilhões, resultando na geração ou manutenção de
empregos (Brasil, 2017, p. 26 e 27).

Percebe-se que em 2016 além de não ocupar espaço na agenda


governamental o debate regional não ocupa prioridade e é tratado de forma genérica.
Além do proposto legalmente e no discurso é preciso analisar a execução
orçamentária para enxergar de melhor modo as implicações do ajuste fiscal no
desenvolvimento regional.
Em relação aos recursos nacionais, dividiu-se o Programa de
Desenvolvimento Regional em uma série histórica englobando os recursos em
ambos, de 2012 a 2019. Assim, o Gráfico a seguir expressa a dotação orçamentária
e a execução financeira do Programa durante o PPA (2012-2019).
155

Gráfico 8 - Recursos do Programa 2029 Desenvolvimento Regional - Dotação e


Valores Pagos Brasil de 2012 a 2019 (valores em bilhões R$)

Fonte: Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento do Governo Federal (SIOP). Elaboração


Própria. Valores deflacionados e corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA).

Atentando-se para o fato de que a Política de Desenvolvimento Regional e os


programas dela derivados compreendem um olhar multiescalar no qual as
desigualdades regionais não estão presentes apenas no Norte e Nordeste, mas em
todas as regiões brasileiras. E desse modo focam nos espaços do território brasileiro
que mais necessitam da atuação do Estado. Com o orçamento dotado e pago no
período analisado, percebe-se que entre 2012 e 2013 a dotação aumentou e quase
dobra o recurso (de R$3,0 bilhões para R$5,0 bilhões), aliado inclusive ao cenário
político e institucional com a realização da 1º Conferência Nacional de
Desenvolvimento Regional em 2013.
Porém, mesmo com o aumento dos recursos dotados para a Política, estes
não se expressam materialmente na realidade visto que os recursos pagos não
alcançam o patamar de R$1 bilhão de reais. E o que se pode destacar após 2013 é
a oscilação e queda de recursos para a Política tanto em relação a sua dotação
quanto nos valores pagos de modo que em 2019 com um recurso que não alcança
⅓ do que era destinado em 2012.
Essas expressões do ajuste fiscal na dinâmica regional também se
manifestam regionalmente na realidade do Nordeste Brasileiro:
156

Gráfico 9 - Recursos do Programa 2029 Desenvolvimento Regional - Dotação


e Valores Pagos Nordeste de 2012 a 2019 (valores em milhões R$)

Fonte: Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento do Governo Federal (SIOP). Elaboração


Própria. Valores deflacionados e corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA).

Quanto à Região Nordeste durante a série histórica, os recursos voltados ao


Programa também diminuem, seja em relação a dotação seja quanto aos valores
pagos. Evidenciando que tanto a nível nacional quanto regionalmente no Nordeste
Brasileiro as políticas explícitas de desenvolvimento regional não foram prioridade
nem tampouco ocuparam espaço relevante no orçamento público na segunda
década do século XXI.
É preciso, ainda, dimensionar na realidade concreta o que significam esses
números dotados e pagos para o Programa. Ou seja, o que significa na realidade
nacional e na realidade nordestina essa queda de orçamento, quais metas, ações,
iniciativas não deixaram de se efetivar e impactaram na realidade das pessoas.
Para essa análise, fez-se uso do documento sobre Política e Temas Especiais
contida nos PPAs de 2012-2015 e de 2016-2019 que estabelecem o discurso e o
trato sobre as temáticas por parte do governo, bem como as metas e os objetivos
traçados para cumprimento ao longo dos 4 anos. Além do discurso mais geral,
analisou-se o cumprimento das metas quantitativas e qualitativas através dos
Relatórios Anuais de Avaliação e Execução (Brasil, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017,
2018, 2019, 2020) contidas nos objetivos do Programa de Desenvolvimento
157

Regional (em ambos os PPAs) que se desdobram em ações orçamentárias e


possuem execução anual.
Das metas estabelecidas no PPA-2012-2015 que seriam cumpridas ao longo
desse marco e se desdobram para 2016-2019, destacam-se as seguintes em
relação à dimensão do desenvolvimento regional (2012a):

1. Atender 280 territórios rurais com um conjunto de políticas públicas integradas


e territorializadas, compatível com as principais carências existentes no meio
rural; criar e implementar o marco legal da Política Nacional de
Desenvolvimento do Brasil Rural; e reconhecer 160 novos territórios rurais e
constituir e apoiar os respectivos colegiados.
2. Elaborar 19 planos de desenvolvimento regional, desenvolver redes regionais
de inovação, desenvolver projetos de apoio à inovação em 10 Arranjos
Produtivos Locais e gerar 97.000 postos de trabalho nos APLs apoiados.
3. Ampliação da estratégia de ação regional/territorial do governo federal, tendo
o território como protagonista do processo de desenvolvimento e respeitando-
se as potencialidades e vulnerabilidades dos ecossistemas regionais. Neste
sentido, o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), instrumento da Política
Nacional do Meio Ambiente regulamentado pelo decreto nº 4.297/2002, tem
sido percebido por vários setores dos governos federal, estaduais e
municipais e da sociedade civil como o principal instrumento de planejamento
ambiental territorial em implementação.

Percebe-se com as principais metas a visão multiescalar e intersetorial no


desenvolvimento regional ao incorporar a integração entre políticas públicas e a
priorização no atendimento dos territórios rurais. Também é importante a
preocupação com a elaboração dos planos de desenvolvimento regional que atuem
em consonância com a Política Nacional de Desenvolvimento Regional levando em
conta as demandas locais e das particularidades territoriais. Destaca-se também o
zoneamento ecológico econômico que estabelece indicadores e diretrizes para uso
do território com base em seus recursos naturais para se ter um desenvolvimento
regional compatível com a preservação ambiental.
158

Possuindo essas metas como base pode-se analisar a partir dos relatórios de
avaliação quais conseguiram ser cumpridas ou foram afetadas pelo ajuste fiscal.
Iniciando pela meta que engloba os territórios rurais tinha-se a importante ação de
apoiar a elaboração de planos territoriais nos 239 territórios rurais e de planos
estaduais em 26 unidades da federação, em consonância com o Plano Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário. Segundo o relatório de Avaliação de
2019 (Brasil, 2019) essa meta não foi alcançada tendo como justificativa a
“Descontinuidade da estratégia da política pública durante o período do PPA 2016-
2019, incluindo alterações nas prioridades de governo” (idem, p. 147).
Outra meta importante para os territórios rurais consistia em “Apoio de 600
projetos de infraestrutura e serviços em territórios rurais, sendo 277 projetos
atendidos até 2019”. Novamente a justificativa para não cumprimento da meta
engloba a descontinuidade da estratégia da política pública durante o período do
PPA 2016-2019, incluindo alterações nas prioridades de governo. Finalmente a meta
de “Implementar o Programa Territórios da Cidadania em 120 territórios rurais”
sofreu também descontinuidade da estratégia da política pública durante o período
do PPA 2016-2019, incluindo alterações nas prioridades de governo, com meta de
cumprimento zerada até 2019.
O que foi cumprido no tocante aos territórios rurais baseou-se em ações
focalizadas em alguns segmentos rurais e de modo mais emergenciais como a meta
de beneficiamento de 15.000 famílias com ações territorializadas voltadas ao
combate à pobreza no semiárido do Nordeste, sendo cumprida e até superada com
o alcance de 65.000 famílias atendidas até 2019 (Brasil, 2019).
Mas antes de 2019, as expressões do ajuste fiscal nos territórios rurais
inseridos no Programa de Desenvolvimento Regional já se tornavam evidentes. Isso
porque o relatório de Avaliação de 2015 (Brasil, 2016) apontava um fato interessante
sobre o Objetivo 0980 de “Ampliar e qualificar a oferta de bens e serviços para a
melhoria da infraestrutura territorial, consolidando a abordagem territorial como
estratégia de desenvolvimento sustentável para o Brasil Rural”. Com uma meta física
prevista em 2012-2015 de 3.135 projetos de infraestrutura e serviços nos territórios
rurais, só teria alcançado, até 2015, apenas 812 projetos. Segundo expresso
abertamente no Relatório, destaca-se que o não atingimento da meta do período
ocorreu devido à redução orçamentária durante o quadriênio 2012-2015.
159

Nesse relatório de 2015 (Brasil, 2015) ainda é possível visualizar os impactos


do ajuste fiscal para a meta física que trata do Zoneamento Econômico-Ecológico a
partir do Objetivo 0793 de “Elaborar e implementar o Zoneamento Ecológico-
Econômico para a promoção do ordenamento e da gestão ambiental territorial”. Não
houve disponibilização de recursos para a ação orçamentária 20NL (Elaboração do
Zoneamento Ecológico-Econômico nos municípios com maiores índices de
desmatamento na Amazônia Legal) ao longo do período de vigência do PPA 2012-
2015 e isso comprometeu o alcance da meta estabelecida. O responsável por essa
ação seria a Coordenação-Geral de Promoção do Desenvolvimento Sustentável e da
Coordenação de Meio Ambiente e de Ciência, Tecnologia e Inovação da
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).
Em 2019, o Zoneamento Ecológico-Econômico só aparece vinculado ao
Objetivo 0789 de promover o desenvolvimento regional e o ordenamento do território
brasileiro por meio do planejamento da ocupação e do uso do espaço de forma
sustentável e com abordagem territorial (Brasil, 2020). Mesmo tendo recursos
previstos na Lei Orçamentária Anual, não se efetivou na realidade.
Em relação às metas físicas que abrangem a elaboração dos planos regionais
de desenvolvimento, não foram cumpridas adequadamente pois estavam associadas
com os territórios rurais, a integração das políticas públicas e a priorização dessas
ações, o que não ocorreu. Além disso, mesmo que tivesse recursos voltados
diretamente para a elaboração de estudos e planos de desenvolvimento regional e
territorial, como nos PPAs de 2012 e 2013, não havia execução orçamentária
consistente: em 2012 a dotação orçamentária foi no montante de R$ 6.764.000 e o
pago apenas R$ 1.400.000 e em 2013 no montante de R$ 2.500.000 e o valor pago
foi zero, conforme os Relatórios de Avaliação dos respectivos anos (Brasil, 2013;
2014).
Apesar da não priorização dos planos de desenvolvimento regional houve
cumprimento da meta física dos postos de trabalho nos Arranjos Produtivos Locais
(APLs), com a criação de 114.491 realizados até 2015. No entanto, ao passar dos
anos essa meta vai perdendo prioridade, orçamento e execução, posto que em 2019
a ação de Estruturação e Dinamização de Arranjos Produtivos Locais em Espaços
Sub-regionais possuía dotação orçamentária de R$ 8.724.774,00 e valor pago de
160

apenas R$ 196.193,00 (Brasil, 2020), sem mencionar nas metas criação de postos
de trabalho nem maior fomento regional.
Por fim, em relação às metas físicas, pode-se destacar a vinculado com o
objetivo de Promover o desenvolvimento regional e o ordenamento do território
brasileiro por meio do planejamento da ocupação e do uso do espaço de forma
sustentável e com abordagem territorial, que engloba financiamento e fortalecimento
dos projetos voltados especificamente para as regiões mais desiguais: Norte,
Nordeste e Centro-Oeste. Percebe-se a não prioridade com baixos recursos voltados
a essas ações explicitamente regionais e a não efetivação na realidade, pois os
valores pagos encontram-se zerados em ações que seriam para Financiamento de
Projetos do Setor Produtivo no âmbito do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia
(FDA), Financiamento de Projetos do Setor Produtivo no âmbito do Fundo de
Desenvolvimento do Nordeste (FNDE) e Financiamento de Projetos do Setor
Produtivo no âmbito do Fundo de Desenvolvimento do Centro-Oeste (FDCO).
Em suma, pode-se destacar como o ajuste fiscal impacta diretamente no
principal Programa de Desenvolvimento Regional, diminuindo a destinação
orçamentária de recursos que já era insuficiente frente às demandas, tendo havido
uma piora com a redução de recursos, impactando na execução dos objetivos,
metas e ações de enfrentamento à desigualdade regional e de promoção da
diversidade e dinamicidade nos espaços regionais e territoriais.
Esse impacto, no entanto, não é homogêneo visto que tem mais latência nos
territórios rurais, onde se prescinde de maior fomento e apoio às atividades
produtivas, maior presença do Estado e maior necessidade de recursos, contrário ao
que ocorreu com o aprofundamento do ajuste e o não cumprimento das metas
relacionadas a esses territórios. Também é destaque como os Planos de
Desenvolvimento Regional que são importantes ferramentas para atuação explícita
nas políticas de desenvolvimento regional (contribuindo para o planejamento,
entendimento dos problemas e principais metas a serem traçadas e atingidas tanto a
nível federal quanto pelos Fundos Constitucionais de Financiamento) sofreu com a
falta de recursos e de prioridade.
Além disso, o Programa de Desenvolvimento Regional não atinge tão
somente uma região ou um território específico, sua falta de recursos compromete
uma atuação que seria em todo território nacional, ligando-se com territórios que
161

carecem de maior desenvolvimento e de fomento de suas atividades. O Nordeste e


seu desenvolvimento regional são atingidos pelo ajuste com maior impacto, mas
toda realidade nacional também sofre essas consequências.
É notório que mesmo antes do aprofundamento do ajuste em 2015, a PNDR e
o Programa de Desenvolvimento Regional não ocupavam grande parte da agenda
pública com prioridade política e orçamentária. No entanto, ainda havia destinação
orçamentária e menção da política regional no PPA e nos relatórios de avaliação. O
que acontece a partir de 2015 é que se amplia a desresponsabilização
governamental com a questão das desigualdades regionais, expressos nos
volumosos cortes orçamentários.
Nesse ambiente de austeridade e de retração nos investimentos para política
regional explícita, pode-se questionar como foi o desempenho dos Fundos
Constitucionais de Financiamento (FCFs), já que consistem em uma fonte de
recursos segura que não sofrem desvinculação e corte com o ajuste. Sobretudo é
preciso analisar como esse ambiente de ajuste fiscal atingiu a execução do Fundo
Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), conforme será disposto no item
a seguir.

5.2.2.2 Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste em tempos de


ajuste fiscal: limites e contradições

Os fundos públicos têm papel estratégico na dinâmica do capitalismo


brasileiro contemporâneo, tanto para a acumulação do capital como para a
reprodução da força de trabalho. No enfrentamento às desigualdades regionais, os
Fundos também adquirem papel central, tendo em vista que com o Decreto nº 6.047
de 2007, que instituiu a PNDR, os Fundos Constitucionais de Financiamento (FCFs)
foram declarados instrumentos explícitos da política regional, como o braço
financeiro da PNDR, passando a seguir seus princípios norteadores.
Como ressaltado em capítulos anteriores, o orçamento público não é uma
peça meramente técnica e contábil, mas expressa interesses em disputa como
aponta Salvador (2012). Assim, os recursos são disputados politicamente dentro do
orçamento público e consequentemente nos Fundos Constitucionais de
Financiamento. Assim, como destacam Macedo e Lopes (2023) conhecer os “grupos
de interesse, as classes e as frações de classe que procuram se apropriar do
162

excedente econômico retido pelos fundos constitucionais – tarefa à qual este


trabalho se dedica – é essencial no estudo da economia política por detrás da
destinação desses recursos” (idem, p.141)
Esses Fundos Constitucionais consistem em uma importante e segura fonte
de recursos de créditos, sobretudo quando se pensa no ambiente de ajuste fiscal e
crise econômica aprofundada a partir de 2015. Por isso, vêm sendo instigados nos
últimos anos a abarcar ações, funções, objetivos e prioridades não concernentes aos
seus objetivos básicos que não se alinham com as diretrizes da política regional para
as quais estão designados.
A gestão sobre os recursos dos Fundos cabe, desde a Constituição Federal
de 1988, aos Bancos de Desenvolvimento. No caso do Nordeste Brasileiro, a gestão
dos recursos do FNE cabe ao Banco do Nordeste (BNB), uma instituição criada na
década de 1950 para apoiar o processo de modernização da economia regional e
sua integração ao mercado nacional, principalmente no suporte do processo de
acumulação e consolidação da indústria no Nordeste.
Procura-se debater neste tópico se, no período estudado, o FNE contribuiu
para dinamizar a economia nordestina, fomentando mais emprego, renda e outros
incentivos regionais, contribuindo para minorar os impactos do ajuste fiscal, ou se,
de modo contrário, centraliza ainda mais os recursos em grupos econômicos
dinâmicos e com mais renda.
A análise é realizada a partir de uma visão orçamentária e jurídica a partir de
três estudos recentes sobre o FNE. Os dois primeiros estão contidos no livro
comemorativo de 70 anos do Banco do Nordeste do Brasil (BNB, 2022). O primeiro
se intitula “O BNB e o desenvolvimento do Nordeste Brasileiro: reflexões sobre sua
atuação recente, prospecções de atuações futuras” de Neto, Macedo e Silva (2022),
com uma avaliação detalhada da aplicação dos recursos do FNE ao longo das duas
primeiras décadas do século XXI. Outro artigo é “O Semiárido rural e a atuação do
BNB: trajetória, panorama recente e desafios” de Aquino e Silva (2022) que traça um
retrato social, econômico e demográfico desse subespaço regional, discute sobre as
transformações ocorridas e realiza um balanço da atuação do BNB e do FNE. E o
terceiro que traça uma análise jurídica contido no livro sobre a dinâmica regional do
Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (IPEA) “Desenvolvimento regional no
Brasil: políticas, estratégias e perspectivas”. O estudo elaborado por Lopes e
163

Macedo (2023), analisa propostas legislativas que intencionam promover mudanças


no ordenamento normativo, financeiro, jurídico, administrativo e gerencial dos FCFs
e dos setores econômicos, territórios e grupos de interesse beneficiados por tais
propostas.
Começando com uma análise orçamentária, pode-se perceber que nos anos
iniciais da implementação do FNE, os recursos aportados foram relativamente
baixos comparativamente ao PIB regional, mas ao longo do tempo, como
demonstram Neto, Macedo e Silva (2022), sua trajetória foi crescente. Vejamos: no
período 1995-2019, o volume total de recursos contratados atingiu o montante de
R$ 290,9 bilhões e saltou de uma média anual de apenas R$ 3,5 bilhões entre 1995
e 1999 para uma média de R$ 22 bilhões no período recente de 2015 a 2019 (Neto,
Macedo e Silva, 2022). Neste período pós-1995, os setores que mais captaram
recursos do FNE foram os de agropecuária e o grupo comércio e serviços, com,
respectivamente, 41,5% e 22,1% do total. Os autores destacam que a indústria foi
recebedora de 18,4% do total financiado no período, sendo que os projetos de
infraestrutura (basicamente energia renovável) financiados pelo Banco resultaram no
percentual de 17,9%.
De forma compilada pode-se notar a discrepância na destinação dos recursos
a partir dos setores que recebem investimento do FNE entre 2000 e 2019, como
disposto no Gráfico 10 a seguir:

Gráfico 10 - Valores contratados do Fundo Constitucional de


Financiamento do Nordeste por setor de 2000 a 2019 (valores em milhões R$)

Fonte: Neto, Macedo e Silva (2022) com base nos valores contratados do FNE no Banco do Nordeste
do Brasil (2021). Valores monetários deflacionados pelo IGP-DI da FGV com base no ano de 2019.
164

Percebe-se a concentração massiva de recursos no setor da agropecuária de


modo que se mesmo somados os de menor investimento como indústria e
infraestrutura não chegam ao percentual destinado a agropecuária. O setor de
comércio e serviços dada a dinâmica da economia nordestina marcada pela forte
presença do setor é compreensível, no entanto junto a agropecuária perfaz atividade
econômica de baixo poder de encadeamento, com menor potencial de geração de
empregos, oportunidades e aquecimento da economia quando comparada com a
indústria e a infraestrutura, conforme ressaltam Neto, Macedo e Silva (2022).
Inclusive apoiando-se nos dados de aplicação do FNE de 1995 a 2019, os
autores (Neto, Macedo e Silva, 2022) apontam como as atividades que mais
captaram recursos durante esses 24 anos foram as de agropecuária e o grupo de
comércio e serviços com 41,5% e 22,1% do total, respectivamente, enquanto a
indústria recebeu 18,4% e o setor de infraestrutura (basicamente energia renovável),
financiados pelo Banco, resultaram no percentual de 17,9%. Assim, que a atual
composição setorial dos recursos do FNE baseia-se numa lógica em que os “setores
produtivos de baixo poder de encadeamento setorial são os maiores demandadores”
(Neto, Macedo e Silva, 2022, p. 255).
Essa compreensão de que o setor industrial caso fosse priorizado e com mais
recursos geraria mais encadeamento, no entanto, não se restringe a compreender
apenas a atividade industrial como importante na dinamização econômica e
consequentemente no desenvolvimento regional. Mas como ressaltam Neto, Macedo
e Silva (2022) as considerações sobre os efeitos do encadeamento intersetorial
deveriam ser avaliadas mais vigorosamente.
Isto porque se a atual distribuição setorial dos recursos é fruto de decisões
que visam à diversificação produtiva relativamente equânime, poderia se refletir se
as conexões entre agropecuária e indústria, ou comércio serviços e indústria, ou
entre indústria e infraestrutura, estão sendo consideradas e fortalecidas. Ou de
modo contrário, se os projetos que merecem aprovação do Banco e aplicação do
Fundo estão passando apenas pelos critérios de ganhos das empresas
individualmente e não voltado a uma perspectiva mais geral e equânime de
desenvolvimento regional.
Essa reflexão também cabe em relação aos recursos aplicados no FNE para
a Agropecuária, pois apesar de ser o setor com mais recursos e investimentos
165

aglutina tanto projetos para incentivo ao agronegócio quanto para pequenos setores
e produtores rurais, como o PRONAF e a Agricultura Familiar que analisaremos mais
à frente. Resposta para esse questionamento encontra-se na análise e reflexão de
Neto, Macedo e Silva (2022, p. 257) a respeito da proporção destinada às áreas de
expansão do agronegócio, como a do Matopiba na qual a “proporção dos valores
contratados da agropecuária é superior a três vezes os montantes destinados à
indústria (MA, PI e BA)”.
Se a indústria já não era um setor tão prioritário para os investimentos do
Fundo, com o aprofundamento do ajuste fiscal seus valores também sofrem
oscilação significativa. Tendência atestada na realidade visto que no período de
2010-2014, foram aplicados R$ 24,0 bilhões na Região, e na recessão de 2015-2019,
os valores caíram para R$ 10,3 bilhões, ou cerca de R$ 2,0 bilhões anuais neste
último período (Neto, Macedo e Silva, 2022).
Em relação ao desenvolvimento regional pode-se pensar no que essas
operações de financiamento contribuem para a política regional brasileira, para a
diversificação produtiva, aquecimento da economia, diminuição das disparidades
regionais e aumento nos elos das cadeias produtivas. Neto, Macedo e Silva (2022)
nesse cenário apontam uma análise prospectiva de que essa demanda por
financiamento esteja sendo comandada não pela perspectiva de desenvolvimento
regional, mas sim por empresas em ramos de atividade com baixo patamar de
produtividade média e baixo/médio nível de conteúdo tecnológico, assim “o resultado
desse quadro de aplicações de financiamento tem sido a estagnação da
produtividade econômica na indústria regional” (Neto, Macedo e Silva, 2022, p. 273).
Enquanto se investe massivamente na agropecuária e retrai-se a indústria,
percebe-se também outra tendência em relação aos investimentos na infraestrutura.
Com um montante quase igual ao investido na indústria, a modalidade de
infraestrutura a partir de 2010, possui montantes alocados no percentual de 17,9%
do total do FNE (todas as modalidades) no período.
Nessa modalidade de crédito, podem ser financiadas vários tipos de
atividades ligados a infraestrutura como atividades de energia, tais como geração,
transmissão e distribuição de energia; oferta de água para uso múltiplo;
infraestrutura de transporte e logística; saneamento básico; telefonia de sistema fixo
ou móvel; exploração de gás natural; e iluminação pública.
166

Apesar do montante de recursos alocado para essas atividades essenciais,


percebe-se que a Região Nordeste necessita de maior fomento nesse setor dada a
diferença econômica regional e assim os recursos ainda estão aquém das
necessidades. Como explicam Neto, Macedo e Silva (2022) projetando que a
necessidade mínima para o Nordeste repor o capital infraestrutural existente seja de
3% do seu PIB, então em 2019 com o PIB em R$ 1,04 trilhão (IBGE, Contas
regionais), o gasto em infraestrutura (público e privado) deveria ter sido de R$ 31,4
bilhões. Nessa linha, ao longo do período 2015-2019, a necessidade regional
acumulada seria de R$ 142,6 bilhões, mas o FNE contribuiu com o financiamento de
apenas 24,0% da necessidade total regional, visto que empregou R$ 34,2 bilhões
(Neto, Macedo e Silva, 2022).
Em relação aos recursos gerais, destaca-se essa destinação ligada à
agropecuária como prioridade e em segundo plano à indústria, setor importante que
geraria encadeamentos e maior dinâmica produtiva, mas não recebe tanta prioridade.
Enquanto isso prioriza-se os recursos para Agropecuária que apesar de englobar
recursos para o agronegócio e agricultura familiar beneficia em maior quantidade as
áreas da grande propriedade do agronegócio. Já a Infraestrutura apesar de
necessitar de maiores recursos dado a necessidade regional acumulada, recebe
recursos em que se prioriza as energias renováveis, setor de grande ganho
produtivo para o capital.
Pode-se perguntar como fica o financiamento na sub-região mais pobre do
Nordeste e que segundo dispositivo constitucional de aplicação de 50,0% dos
recursos do FNE na área delimitada do Semiárido, que prescinde de uma atuação
estatal mais robusta e consequentemente de maior apoio e financiamento do FNE.
Entre 2011 e 2021, conforme Aquino e Silva (2022) o BNB aplicou mais de
R$ 202,6 bilhões, sendo R$ 201,8 bilhões (99,6%) oriundos da fonte FNE, desse
total de recursos do Fundo, 47,5% foram aplicados na área de abrangência do
Semiárido. Em estudo sobre essa aplicação de recursos no Semiárido, Aquino e
Silva (2022) fornecem um panorama interessante: a atuação na área do agronegócio,
especialmente no apoio à fruticultura irrigada e à produção de grãos, tem sido
marcante. Merece atenção também a forte atuação no incentivo à pecuária,
envolvendo todos os segmentos de produtores, especialmente a agricultura familiar.
167

Isto porque os Investimentos do FNE no Semiárido por setor de 2011 a 2021 alocam
para infraestrutura 37,2% dos recursos e para pecuária 23,6%.
Em relação a esse valor significativo dos investimentos do FNE no setor de
infraestrutura no Semiárido, é possível visualizar um detalhamento nesses
investimentos. Como salientam Aquino e Silva (2022), quando se detalha com maior
profundidade as informações desse setor, é possível identificar com nitidez a
distribuição dos investimentos por produtos contratados, destacando-se o grande
montante do setor energético e, mais especificamente, das energias renováveis
(eólica e solar): geração de energia elétrica de origem eólica vento (47,1%), energia
elétrica de origem solar (24,4%), distribuição energética elétrica (15,1%),
Transmissão de energia elétrica (11,8%), Distribuição de energia elétrica (1,2%) e
Outros: água e gás (0,5%).
O programa do BNB/FNE responsável por esses investimentos em energias
alternativas é o FNE Verde-Infraestrutura, do qual se vinculam 89,7% do total
investido no setor de infraestrutura em 2021. Percebe-se que cada vez mais as
energias renováveis são priorizadas nesse Programa e movimentam grandes
estruturas enquanto os recursos voltados para outras áreas de infraestrutura que
possibilitariam melhores condições de vida da população, canalizam poucos
recursos.
Além desses investimentos mais gerais, é preciso analisar como o FNE tem
financiado a produção dos pequenos produtores rurais ligados à agricultura familiar
da região. Nesse contexto, destaca-se a importância do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), uma conquista dos movimentos
sociais do campo, tendo sido instituído pelo Decreto nº 1.946, de 28 de junho de
1996, e que possui como principal fonte dos recursos operados pelo BNB o Fundo
Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE).
Quando se considera o montante geral de recursos aplicados do FNE entre
2010 e 2020, Aquino e Silva (2022) apontam que 14,2% do total, cerca de R$ 26,4
bilhões, foram destinados ao segmento da agricultura familiar por meio do crédito do
Pronaf, conforme os dados disponíveis no portal de transparência do BNB. Esse
percentual, porém, oscila e varia de 9,9% do total do BNB/FNE em 2010, alcançando
21,9% em 2016, voltando a 9,6% em 2018 e chegando em 2020 com 13,5% do total
de recursos do FNE investidos pelo BNB.
168

Entre todas as operações do Pronaf realizadas pelo BNB, 80,5% são


direcionadas à pecuária, 16,3% para a agricultura e 3,2% para outras atividades. Na
pecuária, a bovinocultura acumula, em média, 67,4% dos investimentos, e na
agricultura, quase metade do financiamento (44,7%) é para a fruticultura. Esses
investimentos significam, segundo Aquino e Silva (2022), que o segmento da
agricultura familiar que acessa a maior parte dos recursos do Pronaf é formado por
agricultores com acesso à terra e com a mínima estrutura para manutenção de seus
pequenos rebanhos bovinos ou para produção agrícola irrigada, dependentes de
insumos técnicos e de fontes de água. Porém, conforme levantamento dos autores a
maioria dos estabelecimentos agropecuários de agricultura familiar que representam
78,8% dos estabelecimentos do Semiárido e ocupam a maior parte das pessoas nas
áreas rurais, sofrem de carências estruturais, são pobres e extremamente pobres,
classificados no chamado Grupo B do Pronaf, que agrega os produtores com renda
bruta anual de até R$ 20,0 mil (Aquino e Silva, 2022).
Do ponto de vista produtivo, pode-se evidenciar que o Semiárido possui
atualmente “manchas de modernização” do agronegócio, da fruticultura, da produção
de grãos, das energias alternativas (eólica e solar), que recebem forte recurso do
FNE, seja através da agropecuária seja através dos investimentos de infraestrutura.
Porém persiste um numeroso segmento de produtores familiares, que enfrenta
significativos desafios para garantir sua reprodução social e não possui a mesma
prioridade orçamentária. A agricultura familiar no Semiárido brasileiro, ainda é
marcada por carências estruturais (de acesso à terra e à água), sociais (educação) e
produtivas (crédito, conhecimento e estratégias organizativas), reproduzindo
elevados índices de pobreza e vulnerabilidade, sendo a maior parcela do segmento
classificado no Grupo B do Pronaf, como ressaltam Aquino e Silva (2022).
Somado à importante análise orçamentária sobre a destinação dos recursos
orçamentários dos FCFs, é preciso analisar as modificações jurídicas recentemente
realizadas pelo Legislativo apontando as consequências sobre o funcionamento dos
fundos e os interesses revelados a partir das alterações já consolidadas.
A disputa pelos seguros e volumosos recursos dos fundos, garantidos
constitucionalmente, atrai a heterogênea classe política, que procura direcioná-los
segundo seus interesses. Lopes e Macedo (2023) identificaram que as mudanças e
propostas de alteração legislativa nos fundos se exacerbaram no contexto da política
169

econômica orientada de austeridade fiscal via contingenciamento do gasto público,


pelo menos desde 2015, e da crise sanitária e econômica, em 2020 e 2021.
Os FCFs foram um dos poucos fundos que ficaram de fora da PEC nº
187/201953, a PEC dos Fundos, que prevê a extinção de 248 fundos públicos, o que
permitiria a desvinculação imediata de um volume financeiro de cerca de R$ 219
bilhões, para a amortização da dívida pública da União. Outra proposta
desenvolvida em 2019 e que atinge os FCFs foi a PEC nº 186/201954, que trata de
medidas permanentes e emergenciais de controle de despesas e de reequilíbrio
fiscal, essa PEC foi aprovada pelo Congresso Nacional e transformada na Emenda
Constitucional (EC) nº 109, de 15 de março de 2021, mas com a retirada do texto
que propunha a extinção dos mais de 180 fundos.
Percebe-se que por alocar um contingente significativo de recursos, existe um
interesse nos Fundos, de modo que não sejam ameaçados de extinção ou de
maiores perdas orçamentárias, como geralmente sofrem as políticas sociais. Um dos
aspectos importantes em torno desse interesse político, diz respeito à redução do
aporte do BNDES, cujo volume de financiamento caiu desde 2015, o que ampliou o
interesse do mercado pelos FCFs. Nesse contexto, cresce a pressão do mercado
para a alocação desses recursos em projetos de infraestrutura como forma de
compensar a queda nos financiamentos do BNDES.

53
Institui reserva de lei complementar para criar fundos públicos e extingue aqueles que não forem
ratificados até o final do segundo exercício financeiro subsequente à promulgação desta Emenda
Constitucional, e dá outras providências.
Estabelece que a instituição de fundos públicos exige lei complementar e, em relação aos já
existentes, obriga que sejam ratificados pelos respectivos Poderes Legislativos, por meio de Lei
Complementar específica para cada um dos fundos públicos, até o final do segundo exercício
financeiro subsequente à data da promulgação desta Emenda Constitucional, sob pena de extinção
do fundo e transferência do respectivo patrimônio para o Poder ao qual ele se vinculava.
Disponível em: <PEC 187/2019 - Senado Federal>.
54
Institui mecanismos de ajuste fiscal, caso, para a União, as operações de crédito excedam à
despesa de capital ou, para Estados e Municípios, as despesas correntes superem 95% das receitas
correntes. Prevê que lei complementar disporá sobre a sustentabilidade da dívida pública, limites para
despesas e medidas de ajuste. Modifica as medidas para cumprimento dos limites de despesa com
pessoal previstos em lei complementar. Veda que lei ou ato autorize pagamento retroativo de
despesa com pessoal. Suspende a correção pelo IPCA do limite às emendas individuais ao projeto de
lei orçamentária, aplicável durante o Novo Regime Fiscal, enquanto vigentes as medidas de ajuste.
Determina a reavaliação periódica dos benefícios tributários, creditícios e financeiros. Veda, a partir
de 2026, a ampliação de benefícios tributários, caso estes ultrapassem 2% do PIB. Determina a
restituição ao Tesouro do saldo financeiro de recursos orçamentários transferidos aos Poderes
Legislativo e Judiciário. Condiciona os Poderes Legislativo e Judiciário ao mesmo percentual de
limitação de empenho que tenha sido aplicado no Poder Executivo.
Disponível em: <PEC 186/2019 - Senado Federal>.
170

Como expressão material dessa pressão do mercado encontram-se as


recentes propostas de alterações legislativas em formato de PEC, em discussão a
partir de 2019, disputando os recursos do FCFs em prol do mercado, listadas a
seguir baseadas no estudo de Lopes e Macedo (2023):

a) A PEC nº 99/2019: Possui autoria do deputado federal Juarez Costa,


do MDB de Mato Grosso, que vai entrar na pauta de votações na
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara
dos Deputados, e propõe destinar no máximo 30% do valor de cada
FCF para financiar obras públicas em suas respectivas regiões-alvo. O
projeto propõe aos fundos o papel de modernizar e renovar a
infraestrutura de transporte, comunicação e logística, especificamente
aquela de suporte aos corredores de exportação – notadamente
ferrovias e rodovias –, que viabilizam o transporte de grandes
quantidades de recursos naturais, commodities e matérias-primas do
interior aos portos do Brasil. Não são mencionados aportes para outros
tipos de infraestrutura, como social, energética, urbana, sanitária ou de
telecomunicações.
b) A PEC nº 167/2019: Encontra-se, em fevereiro de 2023, tramitando na
CCJC do Senado Federal, comissão para a qual foi encaminhada em
outubro de 2019. Tendo como primeiro signatário o senador Jayme
Campos, do União Brasil de Mato Grosso; O intuito da PEC nº
167/2019 é direcionar por cinco anos – de 2020 até 2024, na proposta
original – ao menos 30% dos recursos dos FCFs a programas de
infraestrutura dos estados, do Distrito Federal e dos municípios,
engessados para realizar tal tipo de investimento pelos
constrangimentos fiscais aos quais estão submetidos, como a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), segundo a redação da proposta. Outra
alteração importante contida na PEC no 167/2019 é que a Sudene, a
Sudam e a Sudeco passariam a definir se a administração dos
recursos dos FCFs será realizada pelas instituições financeiras de
caráter regional – o BNB, o Basa e o BB –, conforme consta na Lei no
171

7.827/1989, ou por qualquer outra instituição financeira contratada via


licitação.
c) A PEC nº 119/2019, Liderada pela então senadora Kátia Abreu, do
Partido Democrático Trabalhista (PDT) do Tocantins, foi arquivada em
dezembro de 2022, com o fim da 56º Legislatura. A proposta visava
alterar por 15 anos a aplicação dos recursos dos fundos, destinando
um terço destes para projetos estruturantes. Também pretendia
autorizar instituições financeiras, como cooperativas de crédito, a Caixa
e as agências estaduais de fomento, a operar com recursos dos FCFs.

Essas propostas de mudanças legislativas não promovem o alinhamento dos


instrumentos legais dos fundos com a agenda prioritária da PNDR, tampouco com os
objetivos originais da criação destes mecanismos. Ao contrário, as novas diretrizes
concebem uma série de alterações que na verdade mais afastam do que aproximam
as ações dos fundos dos seus princípios norteadores. Além disso, acirram disputas
pelo controle dos recursos e das competências administrativas, gerenciais,
financeiras e jurídicas dos fundos. Como consequência, acabam por esvaziar as
instituições financeiras de caráter regional, as superintendências de
desenvolvimento regional e a própria PNDR.
Como sintetiza Lopes e Macedo (2023), a questão central em torno dos
Fundos reside justamente no plano das intencionalidades, da disputa de interesses,
ou seja, no plano da economia política dos fundos, na apropriação do excedente
econômico garantido pelos FCFs. Desse modo, as alterações já consolidadas e as
propostas analisadas de mudanças institucionais visam mais a garantia dos recursos
dos fundos como instrumento de acumulação privada do capital e das frações de
classe dos grandes proprietários do que um alinhamento aos objetivos originais da
PNDR ou às suas diretrizes.
Com essa chave de análise da economia política dos Fundos Constitucionais,
dentre eles o FNE, foco desse estudo, pode-se apreender porque os investimentos
na indústria que geraram poder de encadeamento maior, de geração de emprego,
renda e aquecimento econômico não ocupam prioridade na agenda de recursos do
FNE. Bem como o fomento à agricultura familiar, sobretudo ligado ao PRONAF,
apesar de possuir recursos vinculado ao FNE, sendo ainda muito aquém do
172

necessário para fortalecer o elo mais frágil da economia nordestina, composto pelos
agricultores familiares e a produção voltada para subsistência e mercado interno.
Em contrapartida, os investimentos em infraestrutura e na agropecuária que
possuem forte ligação com os grandes empreendimentos que envolvem grupos de
interesse, atividades econômicas e setores produtivos e espaços sub-regionais que
não contribuem para a redução das desigualdades regionais, pelo contrário podem
concentrar recursos nesses grupos agravando as disparidades regionais e
intrarregionais.
Assim, as disputas pelo uso dos recursos dos FCFs em contexto de
ultraliberalismo e ajuste fiscal avançam, pois os FCFs são uma fonte estável, que
não sofre com o contingenciamento imposto como resposta à crise econômica que
se arrasta desde 2015. Nessa disputa entre capital e trabalho, entre grandes grupos
econômicos (agropecuária, infraestrutura, energia eólica) e os pequenos produtores,
o pêndulo está tendendo preferencialmente ao suporte da lógica produtiva
determinada internacionalmente – que, dentro do país, abarca também as frações do
capital nacional que participam desse processo. Como resumem Lopes e Macedo
(2023) esses interesses subordinam e articulam esses espaços e sua estrutura
produtiva ao mercado internacional, associados com os grupos econômicos
nacionais e regionais que promovem atividades exportadoras de baixo valor
adicionado, inseridos comercial e produtivamente como produtores de commodities
no sistema internacional.
Como síntese deste capítulo, pode-se apontar de uma forma geral como na
economia nacional é marcada por uma forte concentração econômica e a questão
regional é presente ainda na realidade brasileira, com o Sudeste concentrando mais
de 50% do PIB Nacional e nesta Região, o Estado de São Paulo que concentra mais
de 30% das riquezas econômicas, enquanto as UFs do Nordeste concentram os
piores PIBs per capita do Brasil. O ajuste fiscal e a retração da atuação do Estado,
principalmente a partir de 2015, contribuem para manter essas disparidades
regionais ao não permitir maiores avanços em investimentos econômicos e sociais,
sobretudo no Norte e Nordeste Brasileiro.
Essa tendência se materializa nas implicações do ajuste fiscal no
financiamento das políticas sociais, que possuem uma dimensão regional implícita e
explícita. Analisou-se ao longo desse capítulo como a retração orçamentária se
173

expressa em várias políticas sociais dentre as quais analisamos as implícitas:


Assistência Social, Segurança Alimentar e Agricultura Familiar. Tanto do ponto de
vista nacional quanto regional de recursos para o Nordeste, ocorrem oscilações e a
sistemática redução ao longo de 2012-2019, afetando diretamente o acesso a
políticas sociais e direitos sociais a população brasileira e, sobretudo, nordestina em
um momento de crise econômica e aumento das desigualdades.
Nas políticas explícitas também foi perceptível essa tendência com a
completa desresponsabilização com a política regional, sobretudo com o Programa
de Desenvolvimento Regional, que não possuía destinação orçamentária adequada
e suficiente, nem nacionalmente tampouco regionalmente para o Nordeste. Soma-se,
por fim, a realidade dos recursos alocados no FNE, que beneficiam mais a lógica de
grandes empreendimentos, da agropecuária e da infraestrutura energética, do que
os investimentos que poderiam gerar maior dinamicidade econômica da região,
como da indústria, além do apoio aos setores que mais prescindem de apoio do
Estado, como o da agricultura familiar.
Essa análise da dinâmica econômica regional e da política social com
enfoque regional implica em apontar que com a retração da atuação do Estado e
com o aprofundamento do ajuste fiscal, há uma piora nas condições de vida e
trabalho da classe trabalhadora nordestina.
Assim, como aponta Behring (2021, p. 26): “falar do fundo público é deslindar
o enorme sofrimento humano que nos acompanha todos os dias pelas ruas ou pelas
notícias [...] sob a aridez dos números e do debate teórico, é de gente de carne e
osso que pretendemos falar”. É essa gente de carne e osso nordestina e nortista,
que se pretende estudar a partir das implicações do ajuste fiscal (2012-2019) e que
serão detalhadas no capítulo seguinte a partir de indicadores sociais e da miséria do
ajuste fiscal materializado na vida cotidiana dos trabalhadores brasileiros e
nordestinos.
174

O operário torna-se mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a
sua produção cresce em poder e volume. O operário torna-se uma
mercadoria tanto mais barata quanto mais mercadoria cria. Com a
valorização do mundo das coisas cresce a desvalorização do mundo dos
homens em proporção direta.

[..] Somente pela riqueza objetivamente desdobrada da essência humana é


em parte produzida, em parte desenvolvida a riqueza da sensibilidade
humana subjetiva - um ouvido musical, um olho para a beleza da forma,
somente em suma sentidos capazes de fruição humana, sentidos que se
confirmam como forças essenciais humanas.

O sentido preso na necessidade prática rude tem


também somente um sentido tacanho. Para o homem esfomeado não existe
a forma humana da comida, mas apenas a sua existência abstrata como
comida; ela também podia estar aí na forma mais rude - e não se pode dizer
em que é que esta atividade de nutrição se distingue da atividade de
nutrição animal.

O homem necessitado, cheio de preocupações, não tem nenhum sentido


para o espetáculo mais belo;

Karl Marx - Trabalho alienado, propriedade privada e comunismo (2012)


175

6 A MISÉRIA DO AJUSTE FISCAL NO SÉCULO XXI: expressões da questão social


no Nordeste brasileiro e a “mesma morte Severina”

Numa análise realizada a partir da busca do entendimento das múltiplas


dimensões da realidade e por isso, numa perspectiva de totalidade, compreende-se
que cada dimensão se insere em um movimento de maior complexidade que a
contém e a determina. Isto é, quando se olha a pobreza e desigualdade na
sociedade trata-se de um fenômeno que aparece no cotidiano, no entanto, necessita
ser entendido de modo contextualizado no âmbito da sociabilidade capitalista vigente
que por basear-se fundamentalmente na produção social da riqueza e apropriação
privada desta, acarreta um conjunto de desigualdades.
Esse fenômeno além das determinações estruturais advindas do capitalismo,
pode se agravar em momentos de crise econômica e de retração da atuação do
Estado como vivido na contemporaneidade a partir de 2015 com o aprofundamento
do ajuste fiscal. Assim, consoante aos objetivos desse estudo, esse capítulo busca
apreender quais as implicações do ajuste fiscal nas expressões de pobreza e
desigualdade social no Nordeste do Brasil. Ou seja, busca identificar, com base em
indicadores sociais e econômicos, as atuais expressões da questão regional na
Região Nordeste do Brasil.
Para isso, o capítulo encontra-se dividido em duas subseções: o primeiro visa
discutir teoricamente a concepção de pobreza e desigualdade que orienta esse
trabalho, seus fundamentos materiais e suas múltiplas formas de se apresentar na
realidade; o segundo visa apresentar indicadores sociais de pobreza e
desigualdades enquanto expressões da questão social, tanto na realidade nacional
como também nas regiões e principalmente no Nordeste Brasileiro.

6.1 Pobreza e desigualdade social: exploração capitalista na cena contemporânea

[...] A pobreza não explode como as bombas, nem ecoa como os tiros.
Dos pobres, sabemos tudo: em que não trabalham, o que não comem,
quanto não pesam, quanto não medem, o que não têm, o que não pensam,
em quem não votam, em quem não creem.
Só nos falta saber por que os pobres são pobres.
Será por que sua nudez nos veste e sua fome nos dá de comer?
176

Eduardo Galeano - Os filhos dos dias

Em uma perspectiva de totalidade, só é possível analisar a pobreza na


contemporaneidade considerando as relações sociais próprias do modo de produção
capitalista, ou seja, a pobreza está diretamente articulada à concentração e
acumulação da riqueza, conforme aponta Siqueira (2011). Desta forma, a pobreza e
a desigualdade social só podem ser entendidas na sociabilidade que estão situadas,
no modo de produção capitalista, como aponta a autora (idem, p. 210), ao dissertar
que “o concreto da sociedade capitalista contém e determina a pobreza pela sua
forma de estruturação das relações sociais e dinâmica de funcionamento: Lei geral
de acumulação capitalista, em que se sustenta a questão social”.
Isto porque a pobreza não é um resquício de sociedades anteriores ao
capitalismo, nem tampouco o produto de um insuficiente desenvolvimento. A
pobreza é um produto necessário do MPC visto que, “como sistema social de
produção de valores, tem como resultado do seu próprio desenvolvimento a
acumulação de capital por um lado, e a pauperização absoluta e relativa por outro”
(Siqueira, 2011, p. 212).
Desse modo, a pobreza não é uma decorrência da ordem natural nem de
responsabilidade individual, mas é uma condição de classe, de forma que a
desigualdade social é à dinâmica de funcionamento do capitalismo, conforme a sua
“lei geral de acumulação” (Marx, 2013): crescimento do investimento no capital
constante diminuindo o dispêndio com a força de trabalho, pressionando e
aumentando a exploração sobre os trabalhadores ao passo em que se amplia um
exército industrial de reserva, correspondente às necessidades do capital.
Essa superpopulação relativa ou um exército industrial de reserva (EIR) é
fruto da lei geral de acumulação capitalista, visto que há um acréscimo na parte
constante da composição do capital (matéria-prima e meios de produção) em
detrimento da variável (força de trabalho) que leva à expulsão dos trabalhadores do
processo de produção. Importante salientar que esse excedente populacional não é
marginal, mas sim necessário e funcional ao capital, como aponta Marx (1980, p.
733 e 734):

Se uma população trabalhadora excedente é produto necessário da


acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base no capitalismo,
177

essa superpopulação torna-se, por sua vez, a alavanca da acumulação


capitalista, até uma condição de existência do modo de produção capitalista.
Ela constitui um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao
capital de maneira tão absoluta, como se ele o tivesse criado e mantido por
ele.

Siqueira (2011) aponta que para Marx todo trabalhador desempregado ou


parcialmente empregado faz parte dessa superpopulação relativa cujas formas de
existência são assim compreendidas:
a. Flutuante – trabalhadores que ora são repelidos, ora atraídos de acordo
com as necessidades do capital; o que chamamos de sazonais.
b. Latente – trabalhadores que podem imigrar para a zona industrial, tendo
como causa a possibilidade latente da imigração campo-cidade, produto da
apropriação da agricultura pela produção capitalista que expulsa os
trabalhadores do campo.
c. Estagnada – trabalhadores em atividade, mas com ocupação irregular ao
exemplo do “setor informal” e trabalhadores precarizados que tem duração
máxima de trabalho e mínima de salário.
d. Pauperismo: o mais profundo segmento da superpopulação relativa que
vegeta na indigência, onde estão inclusas as pessoas aptas para trabalhar
(em condições precárias e executando atividades degradantes), os órfãos e
filhos de indigentes e os incapazes de trabalhar (usuários da assistência
social).
A lei geral de acumulação explicita a desigualdade social enquanto traço
indissociável do funcionamento desse modo de produção, conforme Marx (2013, p.
877), de modo que:

[...] a acumulação de riqueza num polo é, ao mesmo tempo, a acumulação


de miséria, o suplício do trabalho, a escravidão, a ignorância, a brutalização
e a degradação moral no polo oposto, isto é, do lado da classe que produz
seu próprio produto como capital.

Verifica-se que a acumulação de miséria no polo que produz a riqueza e não se


apropria dela é, portanto, uma das resultantes da desigualdade engendrada pela
sociedade burguesa, conforme a sua lei geral de acumulação, sendo denominada
como pobreza.
Esse conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na
sociedade capitalista madura, que possuem sua gênese no caráter coletivo da
178

produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana - o


trabalho -, denomina-se questão social e ancora-se nessa lei geral de acumulação
capitalista (Iamamoto, 2001).
Ressalta-se, no entanto, que o trabalho é uma dimensão essencial na vida
humana, do ponto de vista de produção de valores de uso enquanto uma condição
para suprimento das necessidades, contribuindo no processo de humanização e na
própria constituição do ser social. Assim, o trabalho é “um processo entre o homem
e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e
controla seu metabolismo com a Natureza” (Marx, 1996, p. 297).
A partir dessa relação que se constrói por intermédio do trabalho um conjunto
de objetivações e de transformações tanto da natureza quanto do ser social, em um
movimento dialético que “ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza
externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza”
(Marx, 1996, p. 297). Essa dinâmica permite o desenvolvimento das forças
produtivas e a complexificação do ser social.
Porém, o trabalho que seria para realização dos seres sociais, é dado em
condições objetivas, em relações sociais de produção que definem o caráter/posse
da propriedade dos meios de produção e do usufruto das riquezas produzidas.
Dessa forma, na sociedade onde impera o modo de produção capitalista, a
propriedade privada dos meios de produção pertence a classe capitalista burguesa
que compra no mercado meios de produção (capital fixo) e força de trabalho (capital
variável) a fim de gerar mercadorias com valor de uso e valor de troca para serem
vendidas e realizadas no mercado.
Aspecto importante é que o processo de produção não é somente de
produção, mas também uma unidade com o processo de formação de valor
(valorização): “o processo de produção é processo de produção de mercadorias;
como unidade do processo de trabalho e processo de valorização, é ele processo de
produção capitalista, forma capitalista da produção de mercadorias” (Marx, 1996, p.
314). Nesse processo, põe-se em movimento o capital constante e o capital variável
com uma diferença substancial, apenas a força de trabalho (capital variável) produz
mais-valor e não somente reproduz o seu valor cristalizado. Desse modo, a força de
trabalho é trabalho vivo que além de reproduzir o seu próprio valor gera um valor a
mais, a mais-valia.
179

Por isso, o capitalista não quer apenas produzir valor de uso mas sim
mercadoria “não só valor de uso, mas valor e não só valor, mas também mais-valia”
(Marx, 1996, p. 305). E quem produz esse mais-valor é a classe trabalhadora como
uma potência de transformação, colocando em movimento sua capacidade produtiva
e o funcionamento dos meios de produção.
Com a constituição das relações sociais baseadas na exploração e
expropriação do trabalho da sociedade onde impera o modo de produção capitalista
pela classe social que monopoliza a propriedade privada dos meios de produção, o
trabalho deixa de ser uma virtude, elemento básico para suprimento das
necessidades e passa a se tornar um suplício, um “privilégio da servidão” como
aponta Antunes (2018). Justamente dessas relações que ocorrem rupturas
essenciais, gerando processos de alienação e desumanização.
A partir dessa base de estruturação da desigualdade, da pobreza e da
precarização do trabalho, compreende-se e adota-se neste estudo uma visão crítica
e marxista sobre pobreza enquanto uma expressão da questão social, vista na sua
essência, fruto da contradição entre a produção social da riqueza e a acumulação e
centralização privada da mesma, gerando a desigualdade social enquanto um
abismo social que se alarga entre a miséria e a riqueza.
Assim, a pobreza é um fenômeno social complexo como ressalta Ozanira
Silva e Silva (2013) e por isso tanto envolve privações de necessidades materiais de
bem estar como também negações de oportunidades de acesso a padrões
aceitáveis socialmente, envolvendo um conjunto de problemas mais abrangentes, de
caráter múltiplo e cumulativo (saúde, educação, direitos econômicos e sociais).
Desse modo que frutos de um mesmo processo que se soma às múltiplas
formas históricas, culturais e políticas de iniquidades que são produzidas e
reproduzidas na sociabilidade do capital, tais como as relativas à condição de
gênero, de raça e etnia, de geração, identidade de gênero, orientação sexual e de
origem (territorial).
Esse quadro é nítido na Região Nordeste do Brasil onde, desde o século XIX,
vinha se agravando a estagnação econômica e a letargia de seu setor produtivo
(como exposto nos capítulos anteriores), tendo ficado explícito os contornos da
questão regional em meados do século XX no contexto da modernização econômica
com base na industrialização centrada no Centro Sul do país. Esse processo
180

contribuiu para amplificar as desigualdades entre as regiões sobretudo no Nordeste


Brasileiro como destaca Santos (2012a, p.252): “os nordestinos não se beneficiaram
do desenvolvimento econômico nacional desta fase, implicando no acirramento das
desigualdades sociais que, a partir daí, passam a ser muito mais acentuadas nesta
região que nas demais do país (...)”. (Santos et al., 2012a, p. 252).
Assim como caracteriza Pereira (2021), A Questão Regional brasileira
sobretudo no Nordeste encontra-se na dialética universal-particular visto que ao
mesmo tempo que o desenvolvimento do capital necessita da homogeneização dos
espaços para sua reprodução ampliada (integrando as regiões no mesmo modo de
produção), também cria e aprofunda, as desigualdades regionais, permitindo aguçar
ainda mais a acumulação privada das riquezas socialmente produzidas.
Soma-se, ainda, as particularidades da formação social brasileira em que a
questão social e a questão regional, a desigualdade entre as regiões, aponta para
outros problemas não resolvidos no Brasil, como a questão agrária e do mercado de
trabalho precarizado e submisso aos desígnios capitalistas, como sintetizou Oliveira
(1993). Assim, a questão Regional é também o caso de uma unidade nacional não
resolvida, carregando no fundo aspectos de problemas estruturais ligados com a
formação social colonial e a inserção capitalista dependente e periférica
É com essa chave de análise crítica, dialética e profunda que se busca
apreender as expressões de pobreza e desigualdade social no Nordeste Brasileiro
agravadas com o ajuste fiscal, conforme a subseção seguinte.

6.2 A miséria real do ajuste fiscal no Nordeste: indicadores sociais da Morte e


Vida Severina

Somos muitos Severinos


iguais em tudo na vida:
[...]
E se somos Severinos
morremos de morte igual,
mesma morte Severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
181

Morte e Vida Severina - João Cabral de Melo Neto (1974)

A morte e vida Severina retratada por João Cabral de Melo Neto (1974) entre
1954 e 1955 retrata os nordestinos no período que a Região ainda possuía fraco
dinamismo econômico, desigualdades profundas que marcaram a vida do seu povo
e a própria falta de perspectiva dos mesmos Severinos com a vida atravessada por
inúmeras violências, violações de direitos e de morte “de que se morre, de velhice
antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte e de fome um pouco por dia”.
Apesar de 69 anos de diferença entre o escrito de João Cabral de Melo Neto
e a escrita dessa dissertação e apesar de todas as mudanças que o Nordeste
atravessou, o flagelo da fome volta à realidade dos nordestinos e nordestinas. E
retorna enquanto uma síntese do avanço do ajuste fiscal e da precarização das
condições de trabalho, da falta de emprego e do acesso à renda para sobrevivência.
Nessa perspectiva para apreender na realidade essas desigualdades,
delimitou-se indicadores das desigualdades sociais regionais, compreendendo-se
que os mesmos buscam expressar as condições de pobreza e desigualdade social
na realidade brasileira e no Nordeste, de 2012-2019. O critério para seleção desses
indicadores baseou-se na importância que possuem para mensurar as implicações
do aprofundamento do ajuste fiscal no agravamento da pobreza e desigualdade, de
modo a contribuir para identificar as expressões da questão regional no Nordeste do
Brasil.
Começando a análise sobre essas múltiplas expressões da desigualdade com
as condições de trabalho no Brasil e no Nordeste, conforme seguinte tópico:

a) Sem emprego formal: a realidade dos trabalhadores desempregados

Só os acidentes de trabalho, quando trabalhavam para empresas que


tinham seguro contra esse tipo de risco, davam-lhes o lazer [...]. O
desemprego, que não era segurado, era o mais temido dos males. [...] O
trabalho [...] não era uma virtude, mas uma necessidade que, para permitir
viver, levava à morte. [...] Era [...] o privilégio da servidão.

Albert Camus

Utilizada como indicador clássico nos estudos sobre desigualdade, a taxa de


desocupação é conhecida popularmente como desemprego, incluindo as pessoas
182

sem trabalho, que procuram trabalho e os que estão disponíveis para começar a
trabalhar imediatamente, segundo definição do IBGE (2023).
Buscou-se um olhar panorâmico sobre a realidade brasileira e suas regiões, a
fim de identificar como o desemprego se situa nacionalmente e regionalmente em
dois períodos importantes: de 2012 a 2015 e depois com o aprofundamento do
ajuste e do ultraneoliberalismo de 2016 a 2019. Começando com o marco de 2012-
2015 temos o seguinte panorama:

Gráfico 11 - Taxa de desocupação e de subutilização da força de trabalho


Brasil e Regiões (2012-2015) - (%)

Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (PNADCT).
Elaboração própria.

Percebe-se como na série histórica em todas as regiões e no indicador


nacional o percentual de desocupados sobe, sobretudo quando analisamos 2015
com um percentual bem maior do que os anos anteriores. Mesmo a realidade do
desemprego se agravando no cenário nacional e em todas as regiões, deve-se
destacar que os piores índices se concentram no Sudeste, Nordeste e no Norte. Isso
por motivações diferentes ligadas com a realidade econômica e social dessas
regiões posto que São Paulo concentra uma grande quantidade da população
brasileira sendo um dos estados mais populosos do país e por isso quando se
agrava a crise econômica tem rebatimentos na Região, mesmo que seja uma das
mais ricas do Brasil.
183

Na Região Norte, o agravamento se encontra em uma região que lida com a


desigualdade regional histórica e com uma fraca dinâmica regional econômica,
sendo alavancada pelo Polo Industrial na Zona Franca de Manaus, mas com pouca
dinamicidade nos outros estados.
Enquanto a Região Nordeste concentra o pior índice superando a média
nacional e todas as regiões brasileiras (10,6% de sua população desempregada em
2015), como um somatório da ainda presente desigualdade regional, das condições
estruturais ligadas ao mercado de trabalho precarizado na região e ao avanço do
ajuste fiscal que compromete a atuação do Estado em fomentar e dinamizar a
economia em seus estados.
Se essa realidade já era grave é preciso analisar a continuidade da série
histórica, novamente com um panorama nacional e regionalizado conforme gráfico a
seguir:

Gráfico 12 - Taxa de desocupação e de subutilização da força de trabalho


Brasil e Regiões (2016-2019) - (%)

Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (PNADCT).
Elaboração própria.

De 2012 a 2015 já era perceptível um agravamento na situação do


desemprego nacional e regional, mas na continuidade da série histórica os índices
se agravam de forma mais latente. Vejamos: se antes a região Sul com menor índice
de desemprego estava com um percentual de 5% agora seu patamar gira em torno
de 6% e 7% e a própria Região Sudeste que possuía um patamar de 9,7% agora
184

encontra-se no percentual entre 11% e 12%. Apesar do aumento dos índices


demonstrando que toda realidade nacional sofre com o avanço do desemprego, a
questão regional mostra-se presente, latente e grave no Norte e Nordeste: Norte
com uma média entre 11% e 12% e a Região Nordeste novamente superando todas
as regiões e a média nacional com o percentual de desempregados entre 13% e
14% na sua população.
Além do panorama sobre a situação do desemprego, é preciso analisar outras
formas de vínculos precarizados e formas de trabalho que com o ajuste fiscal a
classe trabalhadora brasileira e nordestina passou a ocupar. Realidade que pode ser
visualizada a partir da subutilização da força de trabalho, conforme a seguir.

b) Sem emprego suficiente e sem esperança: subutilizados e desalentados

O medo global
Os que trabalham têm medo de perder o trabalho
Os que não trabalham têm medo de nunca
encontrar trabalho. Quem não tem medo da fome, tem medo da comida. É o
tempo do medo. [...] Medo da multidão, medo da solidão, medo do que foi e
do que pode ser, medo de morrer, medo de viver.

Eduardo Galeano – De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso

A subutilização da força de trabalho, é uma medida utilizada pelo IBGE


recomendada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) desde 2013, para
que seja medida pelos órgãos oficiais de estatística, englobando os desocupados,
aqueles que se encontram na força de trabalho potencial e os subocupados por
insuficiência de horas.
Neste trabalho vamos utilizar a taxa composta de subutilização da força de
trabalho55, pois permite uma visão ainda mais ampla da precarização do trabalho ao

55
O indicador utilizado pelo IBGE para mensurar essa realidade é a taxa de subutilização da força de
trabalho formada por uma porcentagem que esta subutilização representa dentro da força de trabalho
ampliada (pessoas na força de trabalho somadas à força de trabalho potencial), segundo o
documento síntese das medidas de Subutilização da Força de Trabalho no Brasil do IBGE (2018). Na
força de trabalho encontram-se as pessoas que têm idade para trabalhar (14 anos ou mais) e que
estão trabalhando ou procurando trabalho (ocupadas e desocupadas). E na força de trabalho
potencial encontram-se as pessoas que não estão na força de trabalho, mas possuem um potencial
para serem integradas a esta força, formam a força de trabalho potencial (IBGE, 2018).
185

englobar os subocupados por insuficiência de horas + desocupados + força de


trabalho potencial dividido pela força de trabalho potencial.
Considerando esses indicadores que, além do quantitativo de desempregados,
temos um panorama que mensura as pessoas que trabalham mas estão
subocupadas e desejariam trabalhar mais para auferir uma renda maior e melhor,
bem como os trabalhadores potenciais, que desejam trabalhar mas não conseguem
encontrar trabalho. Assim, com base nesses elementos, temos o seguinte panorama
nacional e regional de 2012 a 2015 dos subutilizados da força de trabalho:

Gráfico 13 - Taxa composta de subutilização da força de trabalho Brasil e


Regiões (2012-2015) - (%)

Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (PNADCT).
Elaboração própria.

O percentual nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste que varia de 11% a


15% abaixo da média nacional demonstra que a precarização do trabalho acomete
até as regiões mais dinâmicas e ricas do Brasil, mas de uma forma diferenciada em
relação ao Norte e Nordeste. Isto porque os índices da Região Norte são superiores
à média nacional e os da Região Nordeste além de superar a média nacional chega
a mais de ¼ da sua população subutilizada, mais de 25% de nordestinos e
nordestinas subutilizados.
Procedendo a análise do indicador na série histórico do nosso estudo, temos
o seguinte panorama de 2016 a 2019:
186

Gráfico 14 - Taxa composta de subutilização da força de trabalho Brasil e


Regiões (2016-2019) - (%)

Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (PNADCT).
Elaboração própria.

Se o indicador já demonstra uma piora de 2012-2015 com níveis altos na


realidade brasileira e regional, sobretudo no Nordeste, essa tendência se agrava
com o aprofundamento do ajuste fiscal tendo seu ápice nesse marco temporal de
2016-2019. O Sul, Sudeste e o Centro-Oeste continuam apresentando índices
elevados, porém menores que a média nacional, enquanto que as Regiões Norte e
Nordeste continuam com patamares acima do nacional e de todas as outras regiões.
O Nordeste chama atenção novamente por apresentar o pior índice do Brasil
com uma magnitude de mais de um terço da classe trabalhadora em uma situação
de desemprego, subocupação ou perspectiva de trabalho sem encontrar. Indicador
que sinaliza o grau de corrosão e precarização da força de trabalho nordestina que
possui a determinação do impacto que a austeridade fiscal e o aprofundamento do
ajuste fiscal provoca.
Essa realidade do acesso ao trabalho de forma precarizada ou insuficiente
diante das necessidades objetivas e reais dos trabalhadores também possui outra
face, ainda mais degradante por tratar-se da condição de milhões de pessoas que
gostariam de trabalhar e estariam disponíveis, porém não procuraram trabalho por
acharem que não encontrariam.
187

Trata-se da realidade do desalento, os que desistiram de procurar trabalho


diante das dificuldades do mercado de trabalho e até do acesso a uma forma de
geração de renda mesmo que precarizada, com diversas razões que levam as
pessoas a desistirem de procurar trabalho, seja o de não encontrar trabalho na
localidade, não conseguir trabalho adequado, não conseguir trabalho por ser
considerado muito jovem/idoso ou não ter experiência profissional/qualificação.
Mas o que se apresenta como principal mecanismo que dificulta o acesso a
um trabalho formal, regulado e com remuneração justa trata-se das contrarrefromas
propostas pelo avanço do neoliberalismo no país somando-se com o ajuste fiscal e
suas implicações na limitação da atuação do Estado para fazer frente a essa
realidade de precarização do trabalho e da própria vida de milhões de trabalhadores
e trabalhadoras brasileiras.
O agravamento do desalento em conformidade com o avanço do ajuste fiscal
no país e em suas regiões pode ser expresso nos dados compilados que constam
no gráfico 15 a seguir:

Gráfico 15 - Taxa de pessoas desalentadas na força de trabalho Brasil e


Regiões (2012-2019) - (%)

Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (PNADCT).
Elaboração própria.
188

Atrelado a tendência do desemprego e da subutilização, o desalento também


aumenta na série histórica analisada demonstrando a face mais degradante da
precarização do trabalho que aumenta com o aprofundamento do ajuste: a falta de
esperança de encontrar trabalho e conseguir auferir uma renda suficiente para suprir
suas necessidades. É destaque, ainda, como a média nordestina ultrapassa o índice
nacional e a média de todas as regiões, desde 2012 e se agravando ano após ano
chegando ao patamar de mais de 10% de trabalhadores nordestinos desalentados.
Olhando esse indicador de forma mais detalhada e profunda é perceptível o
grau de desigualdade regional e de maior precarização da força de trabalho
nordestina, comparando o desalento entre Sudeste e Nordeste, conforme disposto a
seguir:

Gráfico 16 - Taxa de pessoas desalentadas na força de trabalho Nordeste e


Sudeste Brasileiro (2012-2019) - (%)

Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (PNADCT).
Elaboração própria.

A distância já era significativa na realidade de 2012 com uma diferença de


mais de 3% superior no Nordeste e que o desalento não chegava a 1% da força de
trabalho sudestina. No entanto, se agrava com o passar dos anos e do ajuste fiscal
mais profundo de modo que mais que dobra na Região Nordeste e passa a
acometer mais de 10% da classe trabalhadora nordestina, enquanto na Região
Sudeste esse patamar apesar de se agravar possui um ritmo totalmente diferente,
não acomete nem 2% dos sudestinos. Assim, a média nordestina de trabalhadores
189

desalentados é 10 vezes superior à de sudestinos, aprofunda-se a desigualdade


brasileira com o ajuste, mas também a desigualdade regional e o grau de
precarização da força de trabalho.
Em suma, pode-se sintetizar que o agravamento dessas condições precárias
de trabalho ou de nem acesso ao trabalho como os desalentados, fez emergir um
maior contingente de pessoas com falta de renda sendo enquadrados em situação
de pobreza e extrema pobreza contribuindo para a degradação das condições de
vida e sobrevivência, conforme a seguir.

c) Sem renda: a pobreza no Brasil e Nordeste Brasileiro

O preço do feijão
não cabe no poema.
O preço do arroz
não cabe no poema.
[...]
Como não cabe no poema o operário
que esmerila seu dia de aço e carvão
nas oficinas escuras

Não há vagas – Ferreira Gullar

Ao não conseguir acessar o trabalho formal e conviver com a realidade do


desalento ou da subocupação, um contingente de brasileiros e nordestinos passam
a conviver consequentemente com a falta de renda. E assim como no poema de
Gullar, o preço do feijão e de itens básicos passam a não caber mais na lista de
compras e de sobrevivência das pessoas.
Para identificar as condições de falta de renda no Brasil e Nordeste utilizamos
o Cadastro Único para Programas Sociais (do hoje Ministério do Desenvolvimento e
Assistência Social, Família e Combate à Fome) como uma plataforma e um grande
mapa da realidade socioeconômica de municípios, estados e regiões brasileiras,
sobretudo sobre as famílias e pessoas em situação de pobreza no Brasil. Isso
porque como aponta o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e
Combate à Fome (Brasil, 2023), as informações do CadÚnico permitem mostrar ao
governo quem essas famílias são, como elas vivem e do que elas precisam para
melhorar suas vidas, tendo em vista que podem se cadastrar as famílias que vivem
com renda mensal de até meio salário-mínimo por pessoa e as famílias com renda
acima desse valor para participar de programas ou serviços específicos.
190

A partir dessa base, traçou-se um panorama nacional das pessoas inscritas


no Cadastro único tanto por quantidade total de pessoas quanto pela faixa de renda
familiar per capita com base no Salário Mínimo (SM), conforme disposto a seguir:

Gráfico 17 - Pessoas inscritas no Cadastro Único - Quantidade total e por faixa


de renda familiar per capita - Brasil (2012-2019)

Fonte: Vis data 3 Beta; Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI MDS). Elaboração
própria.

Conforme as faixas de renda contidas no Gráfico, é possível apreender o


movimento de mudança entre essas faixas. Vejamos: as famílias inscritas em
situação de pobreza diminuíram, sobretudo de 2012 a 2016, mas sofreram
oscilações e aumento a partir de 2017 enquanto as demais faixas sobretudo a de 1 ⁄
2 diminuiu e depois se estabiliza, assim como as demais. Nessa perspectiva, pode-
se apontar como houve transição das pessoas que estavam nas faixas de renda um
pouco maiores (até ½ SM e acima de ½ SM) para a faixa de até ½ SM,
demonstrando a diminuição das rendas inscritas no CadÚnico na realidade brasileira.
Se houve do ponto de vista nacional diminuição na renda, é possível apontar
e analisar também a realidade das famílias nordestinas nesse marco temporal,
conforme a seguir:
191

Gráfico 18 - Pessoas inscritas no Cadastro único - Quantidade total e por faixa


de renda familiar per capita Nordeste (2012-2019)

Fonte: Vis data 3 Beta. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI MDS). Elaboração
própria.

Em relação a Região Nordeste, pode-se notar o acompanhamento da


tendência nacional visto que apesar da queda significativa das famílias em situação
de pobreza de 2012-2016 esta faixa volta a subir principalmente a partir de 2017. As
demais faixas também apresentam queda (2012-2016) e voltam a subir em 2017
demonstrando que mais famílias procuraram o cadastramento em razão das
condições de vida, busca de programas e benefícios e queda da renda. Nota-se
ainda, que a única faixa que aumentava e contraria essa tendência se estabilizando
é justamente a das famílias com renda acima de ½ SM, que a partir de 2016/2017
encontra-se basicamente no mesmo patamar, ou seja, não houve ganho de renda
significativo na realidade dessas famílias.
Se as médias nacional e regional apontam aumento de famílias em situação
de pobreza, é preciso ainda analisar a situação das famílias nordestinas situadas em
um dos polos onde se concentra maior nível de pobreza na região, a zona rural
nordestina:
192

Gráfico 19 - Quantidade total de famílias cadastradas no CadÚnico em


domicílios rurais do Nordeste por faixas de renda - (2012-2019)

Fonte: Vis data 3 Beta. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI MDS). Elaboração
própria.

Com base nas faixas de renda56 elencadas pode-se perceber diferentes


movimentos ao decorrer dos anos: a faixa 4 de maior nível de renda (apesar de
ainda baixo pois significa renda per capita maior que ½ SM) apresenta aumento na
série histórica e a faixa 3 de nível intermediário se estabiliza. O que pode
representar o recebimento tanto de benefícios sociais quanto o Bolsa Família quanto
o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e acesso a mínimas condições de renda

56
RENDA FAIXA 1: Até abril de 2014: renda familiar per capita mensal até 70 reais / De maio de
2014 a junho de 2016: renda familiar per capita mensal até 77 reais; De julho de 2016 a maio de 2018:
renda familiar per capita mensal até 85 reais; De junho de 2018 a outubro de 2021: renda familiar per
capita mensal até 89 reais;

RENDA FAIXA 2: Até abril de 2014: renda familiar per capita mensal de 70,01 reais até 140 reais; /
De maio de 2014 a junho de 2016: renda familiar per capita mensal de 77,01 reais até 154 reais; / De
julho de 2016 a maio de 2018: renda familiar per capita mensal de 85,01 reais até 170 reais; / De
junho de 2018 a outubro de 2021: renda familiar per capita mensal de 89,01 reais até 178 reais;

RENDA FAIXA 3: Até abril de 2014: renda familiar per capita mensal de 140,01 reais até meio salário-
mínimo; De maio de 2014 a junho de 2016: renda familiar per capita mensal de 154,01 reais até meio
salário-mínimo; De julho de 2016 a maio de 2018: renda familiar per capita mensal de 170,01 reais
até meio salário-mínimo De junho de 2018 a outubro de 2021: renda familiar per capita mensal de
178,01 reais até meio salário-mínimo; / Novembro de 2021: renda familiar per capita mensal de
200,01 reais até meio salário-mínimo;

RENDA FAIXA 4: Renda familiar per capita mensal maior que meio salário-mínimo, o que
corresponde aos seguintes valores em cada ano: 2012: R$ 311,00 / 2013: R$ 339,00 / 2013:
R$ 362,00 / 2014: R$ 394,00 / 2015: R$ 339,00 / 2016: R$ 440,00 / 2017: R$ 468,50 / 2018:
R$ 477,00 / 2019: R$ 499,00; (SAGI VIS DATA 3 BETA; MDS, 2023).
193

principalmente somam-se com os demais membros da família. No entanto, as faixas


mais básicas e de menor nível de renda apresentam oscilação ainda mais
importante: a faixa 1 que representa a extrema pobreza cresce enquanto a faixa 2
cai significativamente a partir de 2015. Esse movimento significa uma mudança
nessas faixas, de modo que parte significativa do contingente que se encontrava na
faixa da pobreza passa a adensar e somar-se ao quantitativo de pessoas em
extrema pobreza no meio rural nordestino.
Esse contingente em maior condição de precariedade e de falta de renda na
faixa de pobreza (Brasil e Nordeste) e extrema pobreza (Nordeste rural) representa
em corpos reais o aumento do desemprego, da subutilização e do desalento no
período analisado que fez emergir esse maior contingente de pessoas em situação
de pobreza e extrema pobreza. Cenário então que contribuiu para a degradação das
condições de vida, comprometendo até as condições de sobrevivência mais básicas
como a alimentação.

d) Sem condições de sobrevivência: a insegurança alimentar no Brasil e Nordeste

É como uma bomba D


que explode dentro do homem
quando se dispara, lenta,
a espoleta da fome

Bomba colocada nele


pelos séculos de fome
e que explode em diarreia
no corpo de quem não come.

Não é uma bomba limpa:


é uma bomba suja e mansa
que elimina sem barulho
vários milhões de crianças

Sobretudo no nordeste
mas não apenas ali,
que a fome do Piauí
se espalha de leste a oeste

A Bomba suja - Ferreira Gullar


194

A expressão mais nefasta da pobreza é a fome, pois se trata do limiar da


sobrevivência humana. O aumento do desemprego, da subutilização e do desalento
no período analisado fez contribuiu para a degradação das condições de vida da
população brasileira e a volta mais latente e grave dessa face mais nefasta da
pobreza.
Cenário contrário as perspectivas da primeira década do país no século XXI,
pois de 2003 a 2014 o Brasil conseguiu desenvolver um conjunto de políticas de
proteção social e de acesso ao trabalho com aumentos reais no salário mínimo
aumentaram o poder de compra da classe trabalhadora, contribuíram para redução
da extrema pobreza e ampliaram o acesso às políticas sociais como habitação,
educação, saúde, benefícios assistenciais e segurança alimentar.
Esse conjunto de medidas contribuiu para reduzir os níveis da pobreza extrema
no Brasil, resultando na saída do país do mapa da fome elaborado pela FAO/ONU
em 2014. Os dados foram revelados pelo relatório o Estado da Insegurança
Alimentar no Mundo da Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura (FAO, FIDA, PMA, 2014), no qual o indicador de Prevalência de
Subalimentação, medida empregada pela FAO há 50 anos para dimensionar e
acompanhar a fome em nível internacional chegou a nível menor que 5% no Brasil
(FAO ONU, 2021).
Nesse cenário, estudo da Rede de Pesquisadores57 em Soberania e
Segurança Alimentar58 (Rede Penssan, 2021) em um compilado sobre os níveis de
segurança alimentar atesta o crescimento da segurança alimentar nessa primeira
década do século XXI, que em 2004 possuía 64,8% da população com acesso

57
A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede
PENSSAN), criada em 2012, congrega pesquisadoras/es, estudantes e profissionais de todo o país
na forma de uma rede de pesquisa e intercâmbio independente e autônoma em relação a governos,
partidos políticos, organismos nacionais e internacionais e interesses privados. Entre os objetivos
previstos em seu estatuto, destacam-se o exercício de uma pesquisa cidadã comprometida com a
superação da fome e a promoção da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN), e
também a contribuição para o debate público de ações e políticas públicas que tenham interação com
a SSA (Rede PENSSAN, 2021).
58
Os níveis de Segurança Alimentar (AS)/ Insegurança Alimentar (IA) foram obtidos pela aplicação da
Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) a partir de oito pontos estabelecidos. Desta forma,
para a estratificação dos níveis de SA/IA, cada resposta afirmativa do questionário representou 1
ponto, sendo a pontuação do domicílio estimada pelo total de respostas afirmativas. A pontuação
variou de 0 a 8 pontos; sendo a SA = 0; IA leve = 1-3 pontos; IA moderada = 4-5; e IA grave = 6-8.
Para aqueles domicílios que não responderam algum item da escala, não foi estimado o nível de
SA/IA. Para identificar a prevalência de segurança ou insegurança alimentar no domicílio,
considerouse um conjunto de oito questões utilizadas na EBIA (perguntas com respostas diretas:
‘SIM/ NÃO’).
195

regular e suficiente a alimentação patamar que aumenta para 69,6% em 2009 e


chega em 77,1% em 2013.
Mas em 2018, conforme apontado pela Pesquisa de Orçamentos Familiares
(POF), realizada pelo IBGE, já apresenta uma redução significativa, caindo para
63,3%. Desse modo, depois de uma década com aumento dos patamares de
segurança alimentar, vivencia-se uma realidade diferente no qual a desigualdade,
pobreza e desemprego passam a ser elevados a partir de 2014, corroborando para a
redução de 13,8% na segurança alimentar brasileira se comparada a realidade de
2013 (77,1%) com 2018 (63,3%). Esses números que expressam a redução da
segurança alimentar e do acesso adequado ao direito básico a alimentação pode ser
vista no gráfico a seguir que retrata o aumento da insegurança alimentar no país e
em suas regiões a partir de 2019:

Gráfico 20 - Distribuição dos domicílios por situação de insegurança alimentar


Brasil e Regiões - (2004-2018) - (%)

Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios 2004/2013 e Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018. POF (2020).
Elaboração própria.

Percebe-se analisando a série histórica como os níveis de insegurança


alimentar diminuem na primeira década do século XXI até 2013, mas a partir do
estudo seguinte do IBGE com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) já é
nítida a elevação da insegurança alimentar, sobretudo nas regiões mais pobres
196

como Norte (57%) e Nordeste (50,3%) em que mais de 50% da população dessas
regiões encontrava-se em algum nível de privação alimentar.
Pode-se concluir, com base nos indicadores de precarização do trabalho,
consequentemente de comprometimento da renda e da volta da fome no país como
o ajuste fiscal incide nas condições materiais de existência da população brasileira.
Essa determinação na vida material, no entanto, exacerba-se nas regiões que já
sofrem secularmente com a desigualdade como a Norte e Nordeste e deixam um
quadro social e econômico de uma população cada vez mais degradada, sem
condições de acesso a trabalho formal, regulamentado e das mínimas condições de
subsistência, como o acesso a um direito humano básico como a alimentação.
Na seção final seguinte reuniremos as considerações finais com uma síntese
realizando um balanço de como essas expressões da questão social no Nordeste
estão conectadas ao ajuste fiscal nas políticas sociais e regionais que visam
enfrentar a desigualdade regional.
197

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

- Severino, retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.

Morte e Vida Severina - João Cabral de Melo Neto (1974)

O diálogo entre o retirante Severino e o personagem Carpina revelam como a


vida severina é difícil de ser defendida e até mesmo sustentada diante de tantas
formas e expressões de desigualdade que a acometem. Esse trabalho buscou
justamente apreender as implicações do ajuste fiscal nessa vida Severina, na
questão regional brasileira, realizando para isso uma análise da Região Nordeste, de
2012 a 2019.
Neste contexto, este estudo buscou apreender as implicações do
aprofundamento do ajuste fiscal nas desigualdades regionais do Nordeste brasileiro.
Para buscar responder a essa questão, buscou-se apreender como as
desigualdades regionais e sociais se expressam historicamente no Nordeste
brasileiro; desvelar os impactos do ajuste fiscal para a atuação do Estado por meio
198

de políticas de redução de desigualdades regionais e sociais no Nordeste brasileiro;


e, por último, identificar com base em indicadores sociais e econômicos as
expressões da questão regional na Região Nordeste do Brasil.
A partir dos dados selecionados e analisados, pode-se destacar alguns
elementos da dimensão econômica e social que marcam a atualidade da gritante
questão regional brasileira no Brasil, no período estudado.

1. A concentração econômica e desigualdade regional é fruto do processo


histórico desigual da expansão do capital que deixa marcas internas no Brasil,
permanecendo como uma forte marca da economia brasileira. Exemplo
latente dessa desigualdade regional ainda na realidade atual se expressa no
fato de que o Sudeste concentra mais de 50% do PIB Nacional e, naquela
Região, o Estado de São Paulo concentra mais de 30% do total da riqueza
econômica nacional, enquanto as UFs do Nordeste concentram os piores
PIBs per capita do Brasil.
2. Nesse contexto, o ajuste fiscal e a retração da atuação do Estado,
principalmente a partir de 2015, contribuíram para manter e aprofundar essas
disparidades regionais ao não permitir maiores avanços em investimentos
econômicos e sociais, sobretudo no Norte e Nordeste Brasileiro.
3. O impacto do ajuste fiscal nas políticas regionais explícitas e implícitas se
expressa tanto na oscilação quanto na retração orçamentária em várias
políticas sociais dentre as quais analisamos a Assistência Social, Segurança
Alimentar e Agricultura Familiar. Também possui implicações para o Nordeste
considerando que ocorrem oscilações em relação aos recursos destinados e
a sistemática redução ao longo de 2012 a 2019, afetando diretamente o
acesso a políticas e direitos sociais à população brasileira e, sobretudo, a
nordestina em um momento de crise econômica e aumento das
desigualdades sociais e regionais.
4. As implicações do ajuste fiscal também se materializam nas políticas
regionais explícitas, dada a não priorização da política regional no Governo
Dilma Rousseff (2010-2015) e o posterior esvaziamento do debate regional a
partir de Michel Temer (2016-2018) e do Governo Bolsonaro em 2019,
sobretudo com o Programa de Desenvolvimento Regional, que não possuía
199

destinação orçamentária adequada e suficiente. Soma-se, por fim, a realidade


dos recursos alocados no FNE, que beneficiam mais a lógica de grandes
empreendimentos, da agropecuária e da infraestrutura energética, do que os
investimentos que poderiam gerar maior dinamicidade econômica da região,
como da indústria, além do fomento aos setores que mais prescindem de
apoio do Estado, como o da agricultura familiar e pequena produção rural.
5. A retração da atuação do Estado nas políticas implícitas e explícitas, também
contribuiu para o agravamento das desigualdades sociais e regionais
brasileiras. Realidade essa conforme demonstramos nos indicadores de
precarização do trabalho (desocupação, subutilização da força de trabalho,
desalento), na queda da renda (dados pobreza) e da volta da fome no país,
expressando como o ajuste fiscal incide nas condições materiais de existência
da população brasileira. Essa determinação na vida material exacerbou-se
nas regiões que já sofrem secularmente com a desigualdade como a Norte e
Nordeste e deixam um quadro social e econômico de uma população cada
vez mais degradada, sem condições de acesso ao trabalho formal,
regulamentado e das mínimas condições de subsistência, como o não acesso
ao direito humano básico da alimentação.

O estudo possibilitou, ainda, compreender que as políticas sociais não podem


ser entendidas de forma abstrata, visto que apesar de serem adotadas
nacionalmente, elas possuem um impacto regionalmente diferenciado, como ficou
demonstrado em relação às políticas regionais implícitas para a Região Nordeste do
Brasil no século XXI. Tal aprendizado parece ter relevância significativa na atuação
de assistentes sociais nas políticas sociais, enquanto instrumentos de mediação e
viabilização dos direitos sociais. É preciso apreender como as políticas sociais, em
seu planejamento e execução, levam em conta as particularidades regionais do local
em que se trabalha e da população usuária. Ou seja, um assistente social que
trabalha no CRAS de São Paulo possui uma diferente rede socioassistencial, perfil
de usuário e demandas diferentes das que precisam ser consideradas por uma
assistente social que trabalha em Manaus com uma comunidade ribeirinha, ou no
Nordeste em uma cidade interiorana com menos de 3 mil habitantes.
200

Dessa forma, existe uma ligação direta entre a “questão social” e a questão
regional brasileira, de modo que para entender a primeira é necessário entender
para além dos clássicos e da leitura marxista mais geral, e se aprofundar na análise
da realidade concreta brasileira, apreendendo as particularidades da formação social
nacional, as bases da questão regional e de como se expressam as desigualdades
no nosso país.
Além desses resultados diretos da pesquisa, pode-se destacar
questionamentos e reflexões sobre essa realidade, visto que, diante de um quadro
social de agravamento das desigualdades regionais, como o Estado brasileiro tanto
a nível nacional quanto regional e até mesmo municipal pode formular políticas
públicas que visem enfrentar essa realidade? O desafio dessas políticas atravessa
os próprios mecanismos e a base institucional existentes para entender a realidade
nacional bem como o modo de funcionamento dessas instituições que diante das
amarras do ajuste fiscal são limitadas, sucateadas ou subutilizadas (SUDENE,
SUDAM, IPEA, IBGE) bem como lidam com a orientação das opções políticas com
base nas estratégias locacionais do capital.
Assim, pode-se destacar que é necessário tanto para assistentes sociais
quanto para outros profissionais que lidam com as expressões da questão social em
seu cotidiano profissional, o desafio e tarefa permanente de desvelar a realidade
nacional, regional e local e entender suas particularidades.
Nesse caminho, é preciso prosseguir em estudos que visem entender essas
desigualdades no plano concreto das relações sociais que no atual contexto se
situam sob a égide do capital financeiro que avança sobre o fundo público por meio
das medidas de ajuste fiscal. Por outro lado, torna-se imperiosa a necessidade de
disputar o fundo público para que, ao invés de cada vez mais financiar o capital,
possa avançar nos investimentos em políticas sociais e no desenvolvimento regional.
Nas políticas de desenvolvimento regional, destaca-se ainda a necessidade
de resgate da base compreensiva da PNDR, de se pensar não só as desigualdades
macrorregionais, mas também a diversidade existente nos territórios intrarregionais,
o que implica na necessidade de conhecimento de suas particularidades para
planejar e executar planos e programas mais consistentes.
Quanto às políticas explícitas para o desenvolvimento das grandes regiões
brasileiras, apesar de abrangerem todo o país é preciso estabelecer prioridades com
201

olhar regionalmente diferenciado para as regiões Norte e Nordeste, dado o nível de


acúmulo histórico de desigualdades que marcam essas regiões. Ou seja, na
formulação das políticas sociais nacionais e nas políticas regionalmente explícitas,
como a PNDR, é preciso levar em conta que essas regiões possuem maiores
carências, a exemplo dos indicadores que permanecem abaixo da média nacional e
muito distantes daqueles verificados nas regiões Sul e Sudeste, que possuem bases
econômicas diferenciadas e que prescindem de uma atuação mais incisiva do
Estado, dinamizando suas atividades e dando maior robustez às suas políticas
sociais.
O fato é que, no século XXI, a questão regional mostra-se como uma marca
persistente da realidade brasileira, de forma que o drama da morte e vida severina
ainda acomete parte significativa da população nordestina, assim como das famílias
nortistas empobrecidas. Nesse sentido, uma tarefa importante nos estudos
acadêmicos e de âmbito profissional, volta-se para avançar nos estudos sobre as
particularidades da formação social nacional e de melhor entendimento sobre as
regiões Nordeste e Norte do Brasil, nas suas particularidades socioterritoriais que
permeiam as desigualdades sociais e regionais presentes e marcantes.
Em suma, esses elementos foram apontados como fruto e processo de um
estudo que se baseou no materialismo dialético que visa desvelar a realidade como
uma totalidade concreta, analisar suas múltiplas dimensões e conexões voltando-se
para o passado, apreendendo suas conexões com o presente e apontando
tendências em relação a essa realidade.
Espera-se que essas tendências apontadas possam contribuir com futuros
estudos acadêmicos, formulação e elaboração de políticas públicas e com as utopias
e construções militantes de uma realidade social diferente da que aqui foi estudada,
para que seja mais justa, equânime e com mais acesso a direitos sociais, trabalho
regulamentado e uma vida severina que seja vida de fato e não morte.
202

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