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NATAL/RN
2024
MARIA AUGUSTA BEZERRA DA ROCHA
NATAL/RN
2024
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA
BANCA EXAMINADORA
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Prof. Dr. Roberto Marinho Alves da Silva
Orientador
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN
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The dissertation systematizes the results of research carried out with the purpose of
understanding the implications of the deepening of fiscal adjustment in the worsening
of regional inequalities in the Brazilian Northeast in the time frame from 2012 to 2019.
The study had a quantitative-qualitative approach, guided by the historical-dialectical
materialism and to carry it out, an extensive literature review was used, in addition to
data collection from secondary sources and documentary survey. Along this path, it
was decided to carry out an analysis of reality in perspective totality, considering
Brazilian regional dynamics and highlighting public policies for intervention in regional
inequalities. The study revealed the strong economic concentration in the Center-
South axis, with emphasis on the State of São Paulo, with the persistence of regional
inequalities in Brazilian socioeconomic formation. In this context, the impacts of fiscal
adjustment on explicit and implicit regional policies, with budgetary retraction at
national and regional levels throughout 2012 to 2019, directly affected access to
social policies by the impoverished population, contributing to the worsening of social
inequalities nacional and regionala, especially in the North and Northeast Regions,
as demonstrated based on indicators of unemployment, drop in income and
worsening conditions of food insecurity. In this way, the fiscal adjustment resulted in
the worsening of the material conditions of the northeastern population in the 21st
century. It is concluded that the budgetary restrictions that limit social policies have a
regionally differentiated impact, that is, they impact more strongly the regions that still
have historical deficits. Thus, there is a direct link between the social issue and the
regional issue, making it necessary to understand their particularities in each
Brazilian region. It is expected that the trends highlighted in this study can contribute
to the expansion of knowledge about regional inequalities in Brazil, to the formulation
of public policies and to the actions of social movements and organizations that aim
to transform the social reality studied here, for to be more fair, equitable and
guarantees access to social rights, so that “severe lives” are not lives condemned to
death.
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 21
4.2 Crise capitalista estrutural e o ajuste fiscal: impactos nas políticas nacionais de
desenvolvimento regional no século XXI .................................................................110
4.2.1 Terceira geração de políticas regionais e particularidades do Brasil: as políticas
regionais implícitas e explícitas dos governos petistas ........................................... 116
5.2 Impactos do ajuste fiscal nas políticas regionais implícitas e explícitas ............ 141
5.2.1 Políticas Regionais Implícitas: o impacto regionalizado do ajuste fiscal ........ 142
6.2 A miséria real do ajuste fiscal no Nordeste: indicadores sociais da Morte e Vida
Severina .................................................................................................................. 180
1. INTRODUÇÃO
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O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE se constitui no principal provedor de dados e
informações do País, que atendem às necessidades dos mais diversos segmentos da sociedade civil,
bem como dos órgãos das esferas governamentais federal, estadual e municipal. É uma entidade da
administraçção pública federal vinculado ao Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO).
Disponível em: <O IBGE | IBGE>.
27
2
Disponível em: <Contas Regionais do Brasil | IBGE>.
3
Por decisão editorial da equipe do SCR, a partir do ano de referência de 2015, a publicação passou
a ser divulgada em duas partes: a primeira corresponde a um informativo, que destaca os principais
resultados da pesquisa, e a segunda é constituída por notas técnicas, entre outros elementos textuais,
apresentando considerações de natureza metodológica sobre a pesquisa.
4
Esse Sistema de Contas Regionais, em virtude de suas particularidades, estima o Produto Interno
Bruto - PIB pelas óticas da produção e da renda, apresentando informações sobre o processo de
geração da renda regionalmente. Adotou-se para análise da dinâmica regional neste estudo, a
definição constante e utilizada pelo Sistema de Contas Regionais do IBGE (SCR, 2015), no qual a
ótica do PIB pela produção mostra o resultado do processo de produção, menos o consumo
intermediário, somado aos impostos, líquidos de subsídios, sobre produtos resulta o PIB. Por ser
metodologicamente integrado é possível comparar as diferentes regiões brasileiras e o nível de
geração de produção, de riqueza e de maior dinamismo econômico.
5
O Plano Plurianual – PPA é o documento que define as prioridades do Governo para 4 anos,
podendo ser revisado a cada ano. Desde o planejamento de como serão executadas, as prioridades
até a projeção das políticas públicas para alcançar os resultados esperados.
6
Disponível em: <SIOP - Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo Federal>.
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Nos dados fornecidos através do SIOP é possível ver o montante geral destinado a uma
determinada Política Pública através da aba Função. Em relação aos Programas específicos que
essas Políticas englobam é possível visualizá-los através do item de Subfunção, que utilizamos para
o Programa de Segurança Alimentar e Nutricional e o Programa de Desenvolvimento Regional.
8
Inflação é o nome dado ao aumento dos preços de produtos e serviços. Ela é calculada pelos
índices de preços, comumente chamados de índices de inflação.
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Existem vários índices que podem calcular e corrigir a inflação, o IPCA se diferencia por englobar
uma parcela maior da população e aponta a variação do custo de vida médio de famílias com renda
mensal de 1 e 40 salários mínimos. Nesse sentido, o índice é o que melhor se conecta ao presente
estudo que busca analisar as implicações do ajuste na vida da população brasileira e nordestina.
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Disponível em: <Sistema IBGE de Recuperação Automática - SIDRA>.
11
Disponível em: <VIS DATA 3 beta (cidadania.gov.br)>.
12
Disponível em: <POF 2017-2018 | IBGE>.
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13
Mazzeo (2022) destaca como a Independência foi uma articulação política pelo alto, não ocorreu
uma revolução enquanto uma ruptura, como o processo de independência dos Estados Unidos da
América (EUA), uma revolução democrática, nacional e anticolonial. No Brasil não se rompe com a
escravidão, não rompe com a estrutura colonial, com uma economia que atuava como complementar
das economias internacionais, não rompe com a forma senhorial, há assim a conciliação do velho
com o novo.
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em troca de um alto tributo, sua exploração a particulares, quando não podia ela
mesma fazê-lo; e 3. A determinação externa da produção desse país, destinada a
atender às necessidades do mercado colonizador europeu.
Com base nessas características se exercia o poder baseado em um pacto
colonial, enquanto uma forma de relações comerciais, atendimento das
necessidades externas do mercado europeu e de exclusivismo comercial. Com isso,
tinha-se a base material de exploração dos territórios para extração ou produção de
mercadorias no contexto mercantilista.
Nesse processo de colonização e exploração do novo território para pilhar as
riquezas, tornava-se essencial a exploração da força de trabalho e, com isso,
desenvolveu-se a escravidão dos povos originários14 que predominou mais de 100
anos e apenas no século XVII a escravidão negra viria a sobrepuja-la, conforme
Ribeiro (1995).
Isto se explica pela própria forma de exploração e utilidade de cada trabalho
em que a escravidão negra, via comércio internacional de escravos entre os países,
desempenhava um papel mais ligado ao atendimento dos produtos necessários para
exportação, enquanto a mão de obra indígena destinava-se as demais atividades,
assim:
Cabe ressaltar que não apenas a dominação imposta pela escravidão negra e
indígena prevaleceu, tendo em vista as formas de resistência desenvolvidas nas
fugas e formação de quilombos contra as formas dominadoras de exploração. Para
além dos quilombos, as culturas africanas15 transformam-se no Brasil em uma
14
É muito difícil avaliar o número de índios escravizados, desgarrados de suas tribos. Se contará
certamente por milhões quando a avaliação for feita de forma criteriosa. Isso é o que indicam as
poucas aproximações com que contamos, como a de Simonsen, que avalia em 300 mil os índios
capturados e escravizados pelos bandeirantes paulistas, uma terça parte deles destinada ao tráfico,
exportado para outras províncias. Ou nos dados de Justo Mancilla e Simon Masseta (1951; 337), que
supõe que sobre as missões jesuíticas do Paraguai, no século XCII, os paulistas tinham arrancado
200 mil cativos (Ribeiro, 1995, p. 102).
15
Os africanos não eram, pelo visto, aqueles elementos uniformizados pela selvageria, mas membros
de diversos espaços culturais que, por sua vez, determinavam modos de comportamento diferentes
diante de situações idênticas de acordo com o nível de utilidade de cada um. De fato, se estudarmos
os trabalhos acadêmicos posteriores, chegaremos à conclusão de que a África era um mosaico de
culturas e não aquele conglomerado de indivíduos igualados o nível de semianimalidade como
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cultura de resistência.
Isto porque, como aponta Clóvis Moura (1994, p. 242), “Durante a escravidão,
[...] o negro transformou não apenas as suas religiões, mas todos os padrões de
suas culturas em uma cultura de resistência social”. Ou seja, para manter suas
manifestações culturais (religiosas, linguísticas, culinárias) de pertencimento ao seu
povo e país de origem, as diversas culturas africanas, ao não sempre conseguir
confrontar os autores da opressão, estrategicamente realizaram formas simbólicas
ou alternativas para oferecer resistência a essas forças mais poderosas. Assim que:
apregoavam os colonizadores. Por estas razões, os negros, ao chegarem ao Brasil, traziam, quer
individualmente, quer em grupo, hábitos e costumes diferentes (Moura, 1994, p. 238).
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16
Não há dúvida, entretanto, que no final do século XVIII e começo do XIX o monopólio exercido pela
Coroa e os comerciantes portugueses sobre o comércio colonial entrou em franca decadência.
Devido Às facilidades criadas pela riqueza comercial e ao alto poder de compra dela derivado, a
produção de Portugal entrou em decadência, convertendo o país num simples intermediário entre os
produtos brasileiros e de outras colônias e os produtores europeus, sobretudo os ingleses. [...] A
Inglaterra, sobretudo, estava em condições de oferecer melhores preços de seus produtos devido ao
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Desde sua formação o Estado nacional brasileiro trará em seu âmago dois
aspectos que comporão sua superestrutura: de um lado, elementos
ideológicos comuns às formações sociais que vivenciaram situações
tardias de desenvolvimento capitalista (onde insere-se Portugal); de
outro aspectos específicos inerentes à situação de particularidade
escravista e latifundiária (Mazzeo, 1989, p.91 e 92. Grifos nossos).
seu desenvolvimento industrial e a possibilidade de escapar não somente aos trâmites e aos
impostos da Coroa, como também aos lucros dos intermediários, comerciantes e financistas
portugueses (Santos, 1994, p. 27).
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17
Propomos a seguinte definição de clientelismo que serve para realçar os contrastes: o clientelismo
é um sistema de controle do fluxo de recursos materiais e de intermediação de interesses, no qual
não há número fixo ou organizado de unidades constitutivas. As unidades constitutivas do
clientelismo são agrupamentos, pirâmides ou redes baseados em relações pessoais que repousam
em troca generalizada. As unidades clientelistas disputam frequentemente o controle do fluxo de
recursos dentro de um determinado território. A participação em redes clientelistas não está
codificada em nenhum tipo de regulamento formal; os arranjos hierárquicos no interior das redes
estão baseados em consentimento individual e não gozam de respaldo jurídico (Nunes, 1997, p.40 e
41).
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Formalizado em leis, o corporativismo reflete uma busca de racionalidade e de organização que
desafia a natureza informal do clientelismo. Embora regulado por normas gerais escritas, o
corporativismo não é igual ao universalismo de procedimentos. Os regulamentos do corporativismo
não contêm cláusulas para o desafio individual ao sistema de leis corporativas. Essas leis
preocupam-se com incorporação e controle, não com justo e igual tratamento de todos os indivíduos.
O corporativismo determina os limites da participação e não pode ainda ser completamente alterado
pelo voto daqueles que se submetem a ele. Voluntariamente ou não, uma pessoa é automaticamente
envolvida pelas leis corporativas a partir do momento em que assina um contrato de trabalho (Nunes,
1997, p. 36).
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No contexto de uma ampla perspectiva histórica da evolução do capitalismo moderno, destaquei a
existência de quatro gramáticas para as relações Estado-sociedade· no Brasil. As gramáticas foram
estabelecidas tendo como base o personalismo e o impersonalismo. O clientelismo tipifica uma
41
Essa cultura política que se forja como herança política ao longo dos séculos,
somada com as desigualdades de sua base econômica assentada na grande
propriedade (antes escravocrata e depois latifundiária) determina a própria
consolidação tardia dos direitos políticos, civis e sociais na realidade brasileira:
20
O racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se
constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia
social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural. Comportamentos individuais e
processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção. O
racismo é parte de um processo social que ocorre pelas costas dos indivíduos e lhes parece legado
pela tradição. Nesse caso, além de medidas que coíbam o racismo individual e institucionalmente,
torna-se imperativo refletir sobre mudanças profundas nas relações sociais, políticas e econômicas.
(Almeida, 2019, p. 33).
21
Na perspectiva feminista materialista, as relações sociais de sexo são relações de exploração,
opressão e dominação, que tem uma base material (a divisão sexual do trabalho e o controle sobre a
sexualidade e a reprodução das mulheres a ele associado), forjados pelo sistema patriarcal-racista-
capitalista, com seus contornos particulares na formação sócio-histórica brasileira dados por nossa
constituição como uma colônia de exploração que teve na racialização de grupos sociais para fins de
exploração – no caso, a população negra traficada do continente africano – um de seus pilares.
(Cisne; Ferreira, 2021, p.12 e 13).
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mercado propriamente dita, esse setor ainda possuía uma marca característica de
pobreza e atraso na economia colonial.
Pode-se questionar, então, como ocorre o desenvolvimento dessas nações
periféricas marcadas pelo processo colonial de submissão ou até mesmo o
rompimento com tais estruturas. Por si só, as nações não possuem um impulso
próprio interno que leve à sua alteração, a menos que realizem um processo
revolucionário de rompimento com a estrutura colonial. Pois enquanto encontra-se
ligada ao mercado externo não se altera estruturalmente, continua nessa teia de
submissão e não consegue passar a uma fase de industrialização. Para isso
acontecer, é preciso um impulso externo maior, como explica Singer (1983):
Para que isso se dê, é preciso um impulso externo — como é típico numa
economia dependente — ou interno — e, nesse caso, revolucionário, um
impulso que derrube a estrutura de dominação preexistente, colocando um
outro grupo social no poder, o qual vai usar o poder de Estado para
desencadear um processo de mudança estrutural (idem, p. 141).
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A data inicial simbólica do fordismo deve por certo ser 1914, quando Henry Ford introduziu seu dia
de oito horas e cinco dólares como recompensa para os trabalhadores da linha automática de
montagem de carros que ele estabelecera no ano anterior em Dearbon, Michigan. Mas o modo de
implantação geral do fordismo foi muito mais complicado do que isso. Ford também fez pouco mais
do que racionalizar velhas tecnologias e uma detalhada divisão do trabalho preexistente, embora, ao
fazer o trabalho chegar ao trabalhador numa posição fixa, ele tenha conseguido dramáticos ganhos
de produtividade. Os Princípios da Administração Científica, de F. W. Taylor - um influente tratado
que descrevia como a produtividade do trabalho podia ser radicalmente aumentada através da
decomposição de cada processo de trabalho em movimentos componentes e da organização de
tarefas de trabalho fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo e estudo do movimento -,
tinham sido publicados, afinal, em 1911. E o pensamento de Taylor tinha uma longa ancestralidade,
remontando, através dos experimentos de Gilbreth, na década de 1890, às obras de escritores da
metade do século XIX como Ure e Babbage, que Marx considerara reveladoras. A separação entre
gerência, concepção, controle e execução (e tudo o que isso significava em termos de relações
sociais hierárquicas e de desabilitação dentro do processo de trabalho) também já estava bem
avançada em muitas indústrias (Harvey, 2008, p. 121).
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23
As características demográficas e socioculturais dos EUA são apontadas por Gramsci (2008) como
elementos que contribuíram para a incorporação desse padrão de produção e de reprodução social:
“A América não tem grandes tradições históricas ' e culturais, mas também não está marcada por
essa ' capa de chumbo. Essa é uma das principais razões — certamente mais importante do que a
assim chamada riqueza natural —que explicam sua formidável, acumulação de capitais, não obstante
o nível de vida ' das classes populares ser superior ao europeu. A não- -existência destas
sedimentações viscosamente parasitárias, deixadas pelas fases históricas, permitiu uma base sã à
indústria e especialmente ao comércio, e sempre reduziu a função econômica representada pelos
transportes e pelo comércio a uma atividade subalterna a da produção, ou melhor, a uma possível:
absorção dessas atividades pela produção. Visto - que existiam estas condições preliminares,
garantidas '. pelo desenvolvimento histórico, foi relativamente fácil: racionalizar a produção e o
trabalho, combinando habilmente a força — a destruição do sindicalismo operário de alcance nacional
— com a persuasão —', altos salários, benefícios sociais diversos, propaganda ' ideológica e política
muito hábil, conseguindo-se, assim, basear toda a vida do país sobre a produção” (Gramsci, 2008, p.
38).
24
Fenômeno a um só tempo político, ideológico e econômico, o americanismo surge aos olhos de
Antonio Gramsci como um modo de vida profundamente imbricado na esfera produtiva com o
taylorismo —como modelo de organização do trabalho —e com o fordismo —como mecanismo global
de acumulação de capital. Em oposição ao movimento comunista oficial —que reiteradamente havia
ignorado a importância do americanismo para a teoria do imperialismo —, Gramsci produzirá uma
renovada periodização do capitalismo monopolista vertebrada pelo diagnóstico segundo o qual desde
ofinal do século XIX o odesenvol vimento da grande indústria monopolista deslocara o eixo dinâmico
da economia mundial da Europa para os Estados Unidos (Braga, 2008, p.12 e 13).
49
25
No capítulo de abertura da História da Revolução Russa de Trotsky, localizado no primeiro volume
da obra, cujo prefácio é de novembro de 1930, nos deparamos com a formulação da chamada lei do
desenvolvimento combinado, concebida como decorrência e complemento da lei do desenvolvimento
desigual – esta última então já conhecida e associada ao legado de Lênin. Ali, o postulado da lei do
desenvolvimento combinado aparece como instrumento científico, lastreado na lei do
desenvolvimento desigual e cunhado para o desvendamento do enigma da Revolução de Outubro.
(Silveira Jr., 2022, p. 121).
52
A Itália, por exemplo, como aponta Santos (2017), apresenta essas diferenças
regionais e também não se formou através de uma revolução do tipo jacobino-
francesa, o que aconteceu foi um conjunto de sucessivas ondas de modernização
sem uma explosão revolucionária, sem mudanças radicais sejam no âmbito social ou
político.
53
É nesse contexto que emerge a chamada crise regional no qual uma região
está em estado de estagnação frente às outras e é necessário um planejamento com
o objetivo de atenuar essas desigualdades, assim nasce o planejamento regional26
para o Nordeste Brasileiro.
Tendo em vista o sentido que o capital insere nessa divisão internacional e
nacional do trabalho, neste trabalho adota-se um conceito de região que se
26
Nesse trabalho não se entende planejamento de uma forma abstrata e deslocada da história, mas
sim como uma “forma de racionalização da reprodução ampliada do capital” (Oliveira, 1977, p. 24). E
para racionalizar essa reprodução o planejamento emerge como uma forma de intervenção do Estado
sobre as desigualdades, sobre as contradições entre a reprodução do capital em nível nacional e a
regional, que toma a aparência de conflitos entre as regiões.
55
Mais tarde, as terras mais pobres, onde o gado não podia se desenvolver,
foram dedicadas à criação de bodes, cujos couros possuíam mercado. Assim, os
currais foram sendo criatórios de gado, de bode e de gente: os bois para venda, os
bodes para consumo próprio e os homens para emigrar em busca de melhores
condições.
É nessa construção da Região como marcada pelo sofrimento e resistência
frente às adversidades que emerge a imagem do homem e mulher nordestinos,
centrando-se diante do clima e da vida dura em “um modelo de virilidade e na visão
subordinada e pejorativa do feminino” (Cisne; Raulino; Soares, 2022, p. 356).
Justamente nesse cenário emerge a imagem da mulher nordestina, relegada ao
mundo privado, marcado pela resiliência e ao mesmo tempo pela força frente às
adversidades. Seria, então, como uma guerreira que é capaz de tudo por sua prole,
conformando uma determinada inserção que masculiniza as resistências femininas
dessas mulheres, dessas “Muiê macho”:
[...] algo sabíamos por leitura sobre a terra do sofrimento, que tem prados só
de urzes, tem montanhas de penhascos, habitações só de colmos, céu que
nunca se encobre...chão que nunca recebe orvalho, rios que não têm água.
O Nordeste brasileiro só foi divulgado com tal designação após a última
calamidade que assolou em 1919, determinando a fase decisiva das
grandes obras contra as secas. (...) quando levas de esquálidos retirantes
vieram curtir saudades infindas na operosidade do generoso seio sulino,
quem sabe se ainda em dúvida, entre a miséria de lá e a abundância daqui
(...) (Albuquerque, 2011, p. 55).
Ainda em 1920, ao folhear esse principal jornal paulista, pode-se ler que:
[…] Incontestavelmente o Sul do Brasil, isto é a região que vai da Bahia até
o Rio Grande do Sul, apresenta um tal aspecto de progresso em sua vida
material que forma um contraste doloroso com o abandono em que se
encontra o Norte, com seus desertos, sua ignorância, sua falta de higiene,
sua pobreza, seu servilismo (Albuquerque, 2011, p. 55).
Essa questão regional que no fundo é uma questão nacional, aponta para
essa nova forma de produção de mercadorias, para o modo de produção tipicamente
capitalista que conduz em seu cerne a produção da desigualdade, a produção da
chamada questão social. Esse conjunto das expressões das desigualdades sociais
engendradas na sociedade capitalista madura, que possuem sua gênese no caráter
66
açúcar e o ouro, nos séculos XVII e XVIII, seguindo uma sucessão histórica mais ou
menos rígida. Em paralelo, avançava a pecuária no interior do país e na região Sul
enquanto mais tarde pós-Independência tivemos a ascensão do café em fins do
século XIX e início do século XX.
Em particular, na economia nordestina, o povoamento e a colonização do
território do que viria a constituir o Nordeste baseou-se prioritariamente na
exploração da cana-de-açúcar vinculado ao trabalho escravo27. Isso porque,
conforme pontua Furtado (2007) ao se observar de uma perspectiva ampla “a
colonização do século XVI surge fundamentalmente ligada à atividade açucareira”
(idem, p. 76).
As bases dessa economia açucareira emergem no século XVI e consolidam-
se ao longo dos séculos seguintes. Furtado (2007, p. 91) sinaliza nesse contexto o
quanto a economia açucareira do Nordeste resistiu por mais de três séculos às mais
prolongadas depressões, “logrando recuperar-se sempre que o permitiam as
condições do mercado externo, sem sofrer nenhuma modificação estrutural
significativa”.
Assim, o Nordeste, enquanto a porção territorial de maior sucesso econômico
do território brasileiro colonial, consolidou-se em um país de capitalismo dependente
aos condicionamentos externos da economia capitalista internacional, possibilitando
a transferência quase total dos excedentes gerados no seu interior. A expansão
dessa economia com alta produtividade e com rápida ampliação territorial, também
acarretou consequências como a necessidade de animais de tiro (para levar carga),
além dos que eram usados para mover as pesadas moagens de cana. Assim fez-se
crescer os rebanhos, tendo em vista que a devastação das florestas litorâneas
obrigava a buscar lenha a distâncias cada vez maiores.
No entanto, a criação de gado na faixa litorânea mostrava-se impraticável
dentro das unidades que produziam açúcar, tendo sido essa proibida pelo próprio
27
O fato de que desde o começo da colonização algumas comunidades se hajam especializado na
captura de escravos indígenas põe em evidência a importância da mão-de-obra nativa na etapa inicial
de instalação da colônia. No processo de acumulação de riqueza quase sempre o esforço inicial é
relativamente maior. A mão-de-obra africana chegou para a expansão da empresa, que já estava
instalada. É quando a rentabilidade do negócio está assegurada que entram em cena, na escala
necessária, os escravos africanos: base de um sistema de produção mais eficiente e mais
densamente capitalizado (Furtado, 2007, p. 77).
68
28
Várias regiões do globo passam a ser "regiões" algodoeiras: o Egito, o Peru, a Índia - de milenar
tradição têxtil, destruída pelo capitalismo inglês - o Sul dos Estados Unidos e o Nordeste do Brasil.
Inclusive na brecha propiciada pela eclosão da Guerra de Secessão norte-americana, a cultura do
algodão no Nordeste experimentará sensível avanço [...] (Oliveira, 1977, p.46 e 47).
70
desde o Rio Grande do Norte até a zona central do Estado da Paraíba” (Oliveira,
1977, p. 46). Assim, o desenvolvimento da plantação de algodão no Nordeste
Brasileiro atende aos interesses econômicos do capital financeiro internacional, que
estava se desenvolvendo com a Revolução Industrial e precisava dessa matéria
prima de qualidade e barata financiada através dos países periféricos.
O controle da produção ocorria mediante os grandes trustes internacionais
sinalizados nas empresas do ramo têxtil SANBRA, CLAYTON e MACHINE COTTON
que segundo Oliveira (1977) eram conhecidas como as “3 irmãs”. Essas companhias
representam os trustes que controlam a circulação internacional dessa mercadoria e
ditam uma espécie de "abc" do Nordeste agrário algodoeiro-pecuário para os
trabalhadores rurais dos algodoais que começa pelas siglas SANBRA e CLAYTON,
de modo que essa é a alfabetização do trabalhador rural desse "Nordeste".
Conforme Oliveira (1977), além do controle internacional do valor do algodão,
esses trustes realizavam o controle interno da mercadoria no mercado nacional,
aproveitando-se da estrutura do latifúndio-minifúndio com suporte de dois
importantes atores: o intermediário comercial e os trabalhadores rurais.
Os intermediários desempenham a tarefa de recoletar das milhares de
pequenas plantações de algodão, os resultados da colheita, e se apresentam na
realidade a partir da figura dos grandes fazendeiros que por vezes também
cumpriam papel de intermediário-financeiro, por conta própria ou com recursos das
"três irmãs", para financiar as entressafras, ou o período morto entre as colheitas.
Além do mecanismo de articulação com o capital internacional desenvolvem um
método próprio de financiar em espécie as mercadorias que o pequeno trabalhador
rural que trabalha nos algodoais necessita como o sal e querosene “que alumiará a
miséria, a roupa e o calçado dominical” (Oliveira, 1977, p. 48), descontando esses
valores na colheita e cobrando preços exorbitantes.
Ao trabalhador rural, que ao ser explorado tanto pelo trabalho no algodoal
capitalista internacional das três irmãs quanto pelo intermediador comercial local,
fica desprovido de quase tudo o que gera como riqueza, de modo que “no fim,
restará ao meeiro tão-somente sua própria força-de-trabalho e a de sua família, com
a qual recomeçará o círculo infernal de sua submissão” (Oliveira, 1977, p. 48). São
essas as vítimas de uma calamidade estrutural que apenas se agrava nos períodos
das grandes secas.
71
Desse modo que São Paulo destaca-se em relação às demais regiões e aos
próprios estados do eixo Centro-Sul como o espaço em que a cafeicultura se
implantaria em bases capitalistas mais avançadas, reunindo as condições esperadas
pelo capital para avançar na industrialização.
Isso porque a busca incessante de mercados pela atividade industrial vai
consolidando o mercado interno brasileiro e a fase pós-crise de 1929 define tanto a
função da indústria quanto a forma de articulação das economias regionais. A
ligação comercial nas primeiras décadas do século XX inicia-se com a tentativa de
75
29
Conforme a Sudene, em 2021 o Semiárido brasileiro abrangia 1.427 municípios, com uma área de
1,3 milhões de km2 onde viviam 31,7 milhões de pessoas, correspondendo a mais de 90% da Região
Nordeste e parte da região setentrional de Minas Gerais (SUDENE, 2021).
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30
Importante sinalizar o quanto a Região Nordeste foi palco de revoltas e protestos desde
manifestações populares até pequeno-burguesas desde o período colonial, estendendo-se durante os
períodos históricos seguintes. Bernardes ao se debruçar sobre a formação social do Nordeste
destaca tais manifestações que nem sempre estão presentes ao se dissertar sobre a Região: “Na
história política da região nordeste, é importante assinalar uma sequência de movimentos que lhe são
próprios e que não se encontram em nenhuma outra parte do Brasil imperial. Não é possível aqui
examiná-los, mas sua simples enunciação serve para que nos perguntemos sobre o porquê de sua
existência nos marcos do espaço regional: a Revolução de 1817, a Confederação do Equador (1824),
a Revolução Praieira (1848), a Guerra dos Maribondos (Ronco da Abelha, na Paraíba) (1852), os
Quebra-quilos (1874- 1875). Os dois últimos movimentos tiveram uma base social e espacial bastante
específica, pois atingiram, sobretudo, povoações rurais e mobilizaram pequenos e médios
proprietários, em geral voltados para a produção de alimentos” (Bernardes, 2007, p. 58).
80
31
O fundo público se forma a partir a partir de uma punção compulsória - na forma de impostos,
contribuições e taxas - da mais-valia socialmente produzida, ou seja, é parte do trabalho excedente
que se metamorfoseou em lucro, juro ou renda da terra e é apropriado pelo Estado para desempenho
de suas múltiplas funções (Behring, 2021, p. 38 e 39).
82
32
Deve-se frisar que essa inserção, que vem a ser o artigo 34 da lei nº 3.959, é de autoria de um
parlamentar do Nordeste ligado à burguesia industrial açucareira, o então deputado Gileno De Carlim
elemento antigo presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool; De Carli introduziu um dos elementos
que faltavam para o financiamento da expansão monopolista: a quase completa transformação do
excedente captado pelo Estado em capital (Oliveira, 1977, p. 119).
83
33
Sistema 34/18 assim nomeado por se referir ao artigo 34 do Decreto nº. 3.995, de 1961, e às
alterações produzidas pelo artigo 18, do Decreto nº 4.239, de 1963, que ampliaram os incentivos
fiscais para o capital estrangeiro investir no Nordeste.
84
1. A primeira geração que vai até meados dos anos 1970, quando se nota
políticas regionais do tipo Top-Down, com ênfase na demanda e na correção
das disparidades inter-regionais, caracterizadas como políticas keynesianas;
2. A segunda geração desenvolve-se a partir dos anos 1990 com políticas do
tipo Botton-up (de baixo para cima), de caráter descentralizado e focado na
produtividade endógena das economias regionais e locais; e
3. A terceira geração entre o final dos anos 1990 e início do século XXI,
enquanto fruto de avaliações dessas políticas de desenvolvimento endógeno,
de modo que a perspectiva não é somente macroestrutural (como na primeira
geração), nem exclusivamente local (segunda geração), mas consegue
articular as duas em um olhar multiescalar.
Isso porque até a década de 1950, existiam regiões com diferentes atividades
econômicas, demarcando economias regionais. No entanto, com o processo iniciado
pela articulação comercial e posteriormente consolidado com a integração produtiva
as economias regionais sucumbem e tem-se cada vez mais uma economia nacional
com traços comuns, mesmo que com suas devidas particularidades.
Nesse cenário desenvolve-se de modo mais efetivo as políticas de
desenvolvimento regional. O aprofundamento do capital nacional e internacional
marcam a chamada primeira geração das políticas regionais apontadas por Crocco e
Diniz (2006), até meados dos anos 1970, quando notam-se políticas regionais do
tipo Top-Down, com ênfase na demanda e na correção das disparidades inter-
regionais, caracterizadas como políticas keynesianas. Essa geração de políticas
regionais se caracteriza pelo entendimento de que o desenvolvimento regional não é
garantido de forma automática pelas forças de mercado, e por isso é importante e
necessária a intervenção estatal para superar os desequilíbrios regionais.
Nessa perspectiva, como apontam Crocco e Diniz (2006) essa compreensão
pressuponha estratégias e políticas deliberadas para impulsionar o desenvolvimento
regional, dentre as quais se destacam as principais:
34
“As empresas exclusivamente estatais — de serviços industriais de utilidade pública e industriais
propriamente ditas — sozinhas representam 35% do patrimônio total das 1.300 maiores empresas do
Nordeste. E as estatais em associação com capitais privados de várias origens, os outros 9%, os
quais perfazem os já referidos 44%. Dividindo-se o total das 1.300 empresas da amostra trabalhada
em empresas de propriedade de um só capital e empresas de propriedade de mais de um capital, as
estatais contribuem com 70% do patrimônio total deste segundo subgrupo” (Oliveira, 1990, p. 75).
92
se outra essencial exercida pelos fundos: a de não estarem sujeitas aos movimentos
da taxa de lucro de qualquer setor.
Araújo (2000) sinaliza esses mecanismos de apropriação do fundo público a
partir dos incentivos fiscais, investimentos de empresas estatais do porte da
Petrobrás e da Vale do Rio Doce, complementados com créditos públicos (BNDES e
BNB) e com recursos próprios de importantes empresas nacionais e multinacionais,
de modo que as atividades urbanas (e nelas as atividades industriais) ganham
crescente espaço na economia nordestina e passam a comandar o crescimento da
produção nessa região brasileira, rompendo a fraca dinâmica antes existente.
Além dos incentivos econômicos atrativos do capital, a SUDENE concentrou
esforços e recursos federais na realização de estudos e pesquisas sobre a dotação
de recursos naturais do Nordeste e na ampliação da oferta de infraestrutura
econômica (transportes e energia elétrica). Estudos que tiveram relevância central
para o dinamismo dos investimentos nas atividades privadas, tanto no setor
industrial como no setor terciário.
O Nordeste, então, a partir da privatização do fundo público no processo de
integração produtiva sob regulação autoritária, se integra à lógica de acumulação
nacional do capital:
No global, nas décadas dos 60, 70 e 80, o Nordeste foi a região que
apresentou a mais elevada taxa média de crescimento do PIB, no País. De
1960 a 1988, a economia nordestina suplantou a taxa de crescimento média
do País em cerca de 10%; e entre 1965 e 1985, o PIB gerado no Nordeste
94
regionais, mas sim por uma economia nacional integrada, dinamizada e capitalizada
que se localiza nas diferentes regiões. Isso acontece pelo próprio movimento do
capital que após tomar lócus em uma região, expande-se para as demais regiões
impondo seus traços e movimentos comuns.
Ressalta-se, no entanto, que todo esse processo de maiores investimentos no
Nordeste contribuiu para solidificar sua economia a nível nacional, inserindo-se no
contexto do chamado “milagre econômico brasileiro” (1968-1973) com o
aprofundamento do capital monopolista, sob regulação autoritária e com a ampliação
da presença de transnacionais na economia do país. No entanto, passada a euforia
do milagre, o país mergulhou em uma profunda crise com rebatimentos
diferenciados nas regiões.
Netto (2014) aponta ao dissertar sobre a crise econômica e a derrota política
da ditadura militar, que o esgotamento do modelo aconteceu durante o governo de
Ernesto Geisel (1974-1979) que tentou, inclusive, retomar o dinamismo anterior com
a implementação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), de forma que
apenas adiou a recessão para frente, rebatendo no governo Figueiredo.
Conforme a alegoria feita por Francisco de Oliveira (1990), com a expansão
capitalista no Nordeste e a chegada de grandes indústrias e desenvolvimento das
frentes de expansão, a arribaçã não precisava mais voar para São Paulo ou outros
estados do Centro-Sul. No entanto, o fato da ave não voar mais para outros lugares
não significa que a desigualdade e a miséria cessaram na Região nem que deixaram
de existir mesmo em meio ao processo de crescimento econômico.
Justamente porque existem sequelas resultantes do crescimento econômico
capitalista durante o chamado milagre econômico brasileiro: a concentração da
riqueza e ampliação da desigualdade social. Esse fator interno somado às
repercussões do limite desse padrão de crescimento diante de um cenário
internacional de início de uma crise que se tornará estrutural (Meszáros, 2002), com
os choques do petróleo, a regressividade econômica e a queda nas taxas de
reprodução do capital, terão fortes rebatimentos no governo ditatorial de Figueiredo
(1979-1985).
Netto (2014) caracteriza como um quadro profundamente regressivo que
soma o segundo choque do petróleo (sentido desde 1979 devido ao Brasil ser o
terceiro importador mundial desse produto) com a decisão norte-americana de elevar
97
A renda per capita reduziu 25% entre 1979 e 1984, e entre 82-85 os salários
reais caíram 20%. Conforme o DIEESE, 30,3% da população
economicamente ativa do país estava desempregada ou subdesempregada,
e em 1985 35% de todas as famílias e 41% de todos os indivíduos vivam
em condições de pobreza. Para a massa da classe trabalhadora, a memória
dos tempos de Figueiredo é dolorosíssima. No centro mais rico do país, a
cidade de São Paulo, em 1984-85 mais de um quarto das crianças
apresentava quadro de subnutrição (25,9%). E de acordo com o quadro
calórico mínimo per capita descrito pela ONU (3.000 para homens e 2.500
para mulheres) 75,9% dos nordestinos não o alcançavam além de 87,4%
dos nortistas e no quadro das regiões mais desenvolvidas o panorama
chegava a 57,9% (Netto, 2014, p. 214).
renda etc” (Oliveira, 1990, p. 68). A ausência de uma esfera pública que pense
efetivamente nos direitos sociais foi levada em marcha até suas últimas
consequências pelo Estado autoritário durante a ditadura militar.
Percebe-se, então, como esse cenário repercutiu sobremaneira nas
condições de vida, trabalho e sobrevivência dos/as trabalhadores/as brasileiras,
aprofundando as desigualdades já existentes no país. Esse quadro de agudização
das desigualdades é mais ampliado em regiões que lidam secularmente com
heranças de profundas carências sociais, como o Nordeste, conforme aqui
demonstrado.
No entanto, os dados do Nordeste precisam ser lidos de forma ampla, tendo
em vista que, com o aumento dos investimentos, da industrialização e das demais
frentes de expansão, houve um impacto econômico significativo na Região com
repercussões sociais, como pondera Araújo (2000, p. 30): “quando se observam
alguns indicadores como o produto per capita e a esperança de vida, verifica-se que
os índices apresentados pelo Nordeste não só se elevaram nos últimos anos, mas
também tenderam a se aproximar mais da média nacional”.
Assim, apesar do quadro econômico complexo nos anos 1990, o Nordeste
com a ampliação dos investimentos conseguiu se aproximar da média nacional em
relação ao crescimento econômico e alguns indicadores sociais. Todavia, mesmo
com a maior presença do Estado continuou possuindo a situação social mais grave
do país, haja vista que “O PIB per capita continua sendo o mais baixo do Brasil e a
esperança de vida ao nascer do nordestino (58,8 anos, em 1988) é a menor entre
todas as regiões brasileiras” (Araújo, 2000, p. 30).
Então percebe-se como a Arribaçã apesar de não migrar tanto35 continua
convivendo com a realidade da desigualdade em relação às regiões Sul e Sudeste,
carregando o peso das heranças históricas de carências que ainda não foram
resolvidas. Além disso, mesmo com a queda das atividades agropecuárias
35
“A migração que continua a haver provavelmente tem papel marginal na determinação do nível de
salários reais nas regiões, estados e cidades onde ela aporta. Estes níveis agora têm muito mais a
ver com a organização das classes trabalhadoras, de um lado, e, de outro, com a própria produção de
populações excedentes nas regiões mais ricas. Basta ver que na última década censitária — entre
1970 e 1980 — o estado que mais perdeu população absoluta e relativamente foi o Paraná, devido à
forte mudança técnica e nas relações de produção na rica agricultura paranaense” (Oliveira, 1990, p.
91).
99
das economias regionais e locais, como dividem Crocco e Diniz (2006). Essa
compreensão implica no entendimento da dinâmica regional e a valorização da
capacitação local para o combate às desigualdades regionais, como será abordado
a seguir.
36
Genericamente, clusters, ou sistemas locais de produção podem ser definidos como uma
concentração setorial e espacial de firmas. Este conceito pode ser ampliado para incorporar outros
elementos relacionados à intensidade das trocas intra-aglomeração, à existência de relações de
cooperação, ao grau de especialização e desintegração vertical da aglomeração, ao ambiente
institucional voltado para dar suporte ao desenvolvimento do cluster, dentre outros (Diniz, Santos e
Crocco, 2006, p. 102).
102
Essa perspectiva chega no Brasil no final dos anos 1990 com um conjunto de
estudos e levantamentos sobre os arranjos e sistemas produtivos locais confirmando
que o país possui base produtiva e experiências acumuladas localmente, reunindo
condições para a articulação das políticas públicas e privadas. Como sinaliza Diniz,
Santos e Crocco (2006), estas características permitem buscar mecanismos que
fortalecem a articulação das empresas de cada localidade com as experiências de
distritos industriais, clusters, incubadoras, parques tecnológicos37 e outras formas de
organização dos sistemas regionais de inovação, que no Brasil vêm sendo
chamados de arranjos e sistemas produtivos locais.
Apesar de ser um debate presente nos países centrais e periféricos, é notório
as diferenças tanto em relação à implementação quanto a capacidade de produção e
inovação criadas. Isso porque apesar de ser possível encontrar arranjos produtivos
locais em países periféricos “mais completos” (organizados e inovativos, sendo estes
últimos mais raros), a maior parte deles assume características de arranjos informais
e são compostos, geralmente, por pequenas e médias empresas, com nível
tecnológico baixo e com capacidade de gestão precária.
Outro elemento evidente da característica da inovação precária no Brasil
encontra-se nos parques tecnológicos. Uma experiência que se iniciou em meados
dos anos 80, fomentada por uma política deliberada do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de implantação de parques
tecnológicos, mas somente a partir de meados dos anos 1990 que estas
experiências começaram efetivamente a funcionar. Diniz, Santos e Crocco (2006)
fornecem um panorama da distribuição dos parques tecnológicos e incubadoras no
país:
37
Desde a experiência pioneira e de maior sucesso de articulação entre o conhecimento científico e a
pesquisa desenvolvida na Universidade de Stanford, na Califórnia, e seu esforço de adaptação à
geração de novas tecnologias em fins dos anos 40, que deu origem ao “Vale do Silício”, teve início,
em várias partes do mundo, a criação de sistemas institucionais planejados para tal fim, nascendo a
ideia de parques tecnológicos. O formato institucional e os objetivos variaram no tempo e segundo as
especificidades nacionais, dando origem a diferentes denominações, sendo as mais conhecidas:
cidade científica, cidade tecnológica, parque científico, parque de pesquisa, parque tecnológico e
incubadoras (Diniz, Santos e Crocco, 2006, p. 94).
103
38
Entre os dias 14 e 16 de janeiro de 1993, o Institute for International Economics, destacado "think
tank" de Washington, tendo à frente Fred Bergsten, reuniu cerca de cem especialistas em torno do
documento escrito por John Williamson, "In Search of a Manual for Technopols" (Em Busca de um
Manual de 'Tecnopolíticos), num seminário internacional cujo tema foi: "The Political Economy of
Policy Reform" (A Política Econômica da Reforma Política). Durante dois dias de debates, executivos
de governos, dos bancos multilaterais e de empresas privadas, junto com alguns
acadêmicos,discutiram com representantes de 11 países da Ásia, África e América Latina "as
circunstâncias mais favoráveis e as regras de ação que poderiam ajudar um 'technopol' a obter o
apoio político que lhe permitisse levar a cabo com sucesso" o programa de estabilização e reforma
econômica, que o próprio Williamson, alguns anos antes, havia chamado de "Washington Consensus"
(Consenso de Washington). Um plano único de ajustamento das economias periféricas, chancelado,
hoje, pelo FMI e pelo Bird em mais de 60 países de todo mundo. Estratégia de homogeneização das
políticas econômicas nacionais operada em alguns casos, como em boa parte da África (começando
pela Somália no início dos anos 80), diretamente pelos técnicos próprios daqueles bancos; em outros,
como por exemplo na Bolívia, Polônia e mesmo na Rússia até bem pouco tempo atrás, com a ajuda
de economistas universitários norte-americanos; e, finalmente, em países com corpos burocráticos
mais estruturados, pelo que Williamson apelidou de "technopols": economistas capazes de somar ao
perfeito manejo do seu "mainstream" (evidentemente neoclássico e ortodoxo) à capacidade política
de implementar nos seus países a mesma agenda e as mesmas políticas do "Consensus" (Fiori, 1994,
p. 1).
106
39
O Brasil possui três fundos constitucionais de financiamento: o Fundo Constitucional de
Financiamento do Norte (FNO), o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO) e o
Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE).
109
4.2 Crise capitalista estrutural e o ajuste fiscal: impactos nas políticas nacionais
de desenvolvimento regional no século XXI
(1) seu caráter é universal, em lugar de restrito a uma esfera particular (por
exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou aquele ramo
particular de produção, aplicando-se a este e não àquele tipo de trabalho,
com sua gama específica de habilidades e graus de produtividade etc.); (2)
seu alcance é verdadeiramente global (no sentido mais literal e ameaçador
do termo), em lugar de limitado a um conjunto particular de países (como
foram todas as principais crises no passado); (3) sua escala de tempo é
extensa, contínua, se preferir, permanente, em lugar de limitada e cíclica,
como foram todas as crises anteriores do capital; (4) em contraste com as
erupções e os colapsos mais espetaculares e dramáticos do passado, seu
modo de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante, desde que
acrescentemos a ressalva de que nem sequer as convulsões mais
veementes ou violentas poderiam ser excluídas no que se refere ao futuro: a
saber, quando a complexa maquinaria agora ativamente empenhada na
“administração da crise” e no “deslocamento” mais ou menos temporário
das crescentes contradições perder sua energia.
112
Estes traços permitem ao autor asseverar que se trata de uma crise distinta
das demais crises cíclicas do sistema do capital, sendo, portanto, uma crise
estrutural do capital, visto que atinge as condições de sociabilidade no mundo, com
claros sinais de regressão civilizacional diante do aumento do conservadorismo de
caráter fascista, da cultura do ódio que se dissemina no mundo. No quadro estrutural
de crise do capitalismo, há uma expansão do processo de precariedade estrutural do
trabalho caracterizada pelo crescente desemprego, aumento na informalidade,
terceirização e a flexibilidade da força de trabalho, especialmente no setor de
serviços, de modo que ser explorado sob as condições legais atuais é um verdadeiro
"privilégio de servidão" (Antunes, 2018).
Deve-se considerar que historicamente, diante do cenário de crise, o capital
orquestra um conjunto de estratégias econômicas, políticas e ideológicas para
recompor suas taxas de lucro e estender seu dinamismo. Felizmente, não se trata de
um determinismo histórico imutável, mas que pode ser denunciado e enfrentado pela
classe trabalhadora que, em cenários contraditórios, marcados por avanços e
refluxos nas lutas sociais, mantém viva a utopia e o horizonte humanitário de
construir uma nova sociabilidade para além do Capital (Mészáros, 2002).
Nesse cenário de crise estrutural do capital a partir dos anos 1970, o capital
portador de juros assume a hegemonia do processo de acumulação, alterando a
centralidade antes dada ao capital industrial. Significa, como aponta Chesnais (2005),
que o mundo contemporâneo “apresenta uma configuração específica do capitalismo,
na qual o capital portador de juros está localizado no centro das relações
econômicas e sociais” (Chesnais, 2005, p. 35).
Essa configuração acontece a partir do avanço da mundialização do capital,
enquanto o atual regime institucional internacional de dominação do capital que
resulta de dois processos combinados há mais de 30 anos, sendo eles a
acumulação via aplicações financeiras e as políticas de desregulamentação da
economia:
Desse modo, a hegemonia que o capital portador de juros possui hoje não foi
um movimento próprio, mas decorre do contexto de crise estrutural com avanço do
neoliberalismo, no qual os Estados centrais do capitalismo decidiram e/ou tiveram de
liberar o movimento dos capitais e desregulamentar e desbloquear seus sistemas
financeiros. Essas medidas foram adotadas pelos países periféricos e dependentes,
como aconteceu no Brasil seguindo o receituário do Consenso de Washington,
incluindo as bases adotadas no Plano Real.
Assim, a propensão do capital portador de juros em avançar nas economias
nacionais, se valorizar e aumentar os lucros dos investidores privados, expressa
uma tendência que é sinalizada por Chesnais (2005) como uma “insaciabilidade da
finança” se espraiando por todas as dimensões da vida social, política e econômica,
demandando da economia até mais do que ela pode fornecer. Uma das dimensões
da insaciabilidade da finança pode ser bem expressa no papel da dívida pública que
“alimenta continuamente a acumulação financeira por intermédio das finanças
públicas” (Chesnais, 2005, p. 42).
Com esse poder dado à esfera financeira avança-se também na apropriação
do fundo público através da dívida pública e do papel econômico, político e social
exercida por ela:
Assim, pode-se afirmar que o atual período é marcado por uma hegemonia do
capital financeiro e dos setores a ele ligados que mobilizam estratégias econômicas
e políticas para implementar as contrarreformas que atendam as necessidades de
reprodução do capital nesse período histórico.
Esse avanço do capital especulativo demonstra o que Lênin (1916) discorria
no início do século XX sobre o avanço dos monopólios40 e do poder dos bancos na
fase superior do capitalismo, o imperialismo. A engrenagem capitalista imperialista
contemporânea continua com apropriação privada da riqueza e uma relação dialética
existente entre a esfera financeira e a industrial de forma a beneficiar os
especuladores que detém o monopólio dos bancos e do controle financeiro das
ações, assim que:
40
Assim, o resumo da história dos monopólios é o seguinte: 1) Décadas de 1860 e 1870, o grau
superior, culminante, de desenvolvimento da livre concorrência. Os monopólios não constituem mais
do que germes quase imperceptíveis. 2) Depois da crise de 1873, longo período de desenvolvimento
dos cartéis, os quais constituem ainda apenas uma excepção, não são ainda sólidos, representando
ainda um fenômeno passageiro. 3) Ascenso de fins do século XIX e crise de 1900 a 1903: os cartéis
passam a ser uma das bases de toda a vida econômica. O capitalismo transformou-se em
imperialismo (Lênin, 1916, p. 10).
115
41
Na organização do Ministério da Integração Nacional contou-se com a Secretaria de Programas
Regionais (SPR) responsável por implementar três programas que possuem iniciativas voltadas para
a reversão do quadro de desigualdade e de exclusão das regiões brasileiras e de suas populações: o
Programa de Promoção da Sustentabilidade de Espaços Sub Regionais (Promeso), o Programa de
Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semi-Árido (Conviver) e o Programa de Promoção do
Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF). Em razão de reorientação programática do Governo
Federal o Programa de Organização Produtiva de Comunidades (Produzir) foi transformado em
118
projeto e inserido nos três programas da secretaria, que absorveram também as ações do antigo
Programa de Promoção e Inserção Econômica de Sub-Regiões (Promover) (Brasil, 2009).
119
42
O Semiárido foi escolhido por notoriamente concentrar extremos de pobreza e fragilidade
econômica. A faixa de fronteira merece relevo por sua importância estratégica no objetivo maior da
integração econômica sul-americana. A unidade de articulação das ações federais nas sub-regiões
selecionadas é conhecida como “Mesorregião Diferenciada”, que se constitui como espaço
institucional de formação de consensos. As ações dos programas regionais sob governança do MI
são, portanto, preferencialmente implementadas e desenvolvidas em escala mesorregional ou em
outros espaços sub-regionais que justifiquem uma ação diferenciada do governo federal, em
consonância com o objetivo estabelecido pela PNDR (PNDR, 2005, p. 15).
120
43
Evidenciou-se, além disso, a necessidade de se levar ao conhecimento da sociedade as razões
pelas quais a PNDR não lograra êxito na sua primeira fase, a fim de que fosse construída, de forma
participativa, uma proposta que buscasse superar tais problemas. Esse foi o ponto de partida do
processo conferencial que reuniu 13 mil pessoas em 33 conferências (27 estaduais, cinco
macrorregionais e uma nacional), cujo resultado foi um conjunto de propostas sistematizadas em
temas diversos e sugestões de instrumentos para a PNDR, todos retratados em documentos oficiais
(Neto e Alves, 2014, p. 335).
122
Araújo (2014) aponta alguns desses impactos ao destacar que 45% dos
nordestinos recebiam até um salário mínimo (acima da média nacional de 26%), de
forma que uma política de valorização salarial tem também um significado regional
de aumento da renda, do aquecimento da economia e do aumento do poder de
compra. Ou seja, pode-se apontar que houve mais prioridade e investimentos em
políticas regionais implícitas do que nas explícitas e voltadas diretamente para o
enfrentamento das desigualdades regionais no Brasil.
É possível identificar alguns impactos importantes no Nordeste entre 2000-
2010 tanto economicamente quanto socialmente a partir de panorama traçado pelo
Banco do Nordeste do Brasil, em estudo prospectivo:
44
Ressalta-se ainda nesse período o estabelecimento de um marco legal assegurando a alimentação
como um direito humano básico inscrito entre os direitos sociais, marco esse sinalizado em 2010 na
regulamentação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional - Losan e na instituição da
Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PNSAN, por meio do Decreto nº 7.272, de
25.08.2010. Além da incorporação da alimentação aos direitos sociais previstos na Constituição
Federal, por meio da Emenda Constitucional nº 64, de 04.02.2010.
124
45
Embora a criação do FNDR seja uma proposta explícita na PNDR II, os impactos orçamentários
e/ou financeiros para o Tesouro Nacional ainda demandam longo ciclo de negociações nos mais altos
níveis de governo. O FNDR deve, igualmente, ser disciplinado por um conjunto de outros normativos,
uma vez que os instrumentos atualmente disponíveis – os Fundos Constitucionais e de
Desenvolvimento – são destinados ao setor privado e objeto de determinados setores produtivos,
conforme se verifica nos diplomas legais que os criaram. Como um fundo complementar, endereçado,
pois, ao setor público e voltado para a elaboração de projetos, estruturação de sistemas produtivos e
inovativos, capacitação, provisão de infraestrutura complementar, dentre outras destinações, sua
garantia de acesso a recursos públicos passa, necessariamente, pela articulação dos governos
subnacionais, no sentido de sensibilizá-los para a proposição de projetos articulados ao
desenvolvimento regional (Neto e Alves, 2014, p. 329).
126
Para sua própria surpresa, forças da extrema direita subiram ao poder nas
democracias liberais pelo mundo todo. Cada eleição traz um novo choque:
neonazistas no parlamento alemão, neofascistas no italiano, o Brexit
conduzido pela xenofobia alimentada por tablóides, ascensão do
nacionalismo branco na Escandinávia, regimes autoritários tomando forma
na Turquia e no Leste Europeu e, é claro, o trumpismo. O ódio e a
belicosidade racistas, anti-islâmicos e antissemitas crescem nas ruas e na
internet. Grupos de extrema direita recentemente amalgamados têm
eclodido audaciosamente na vida pública após terem passado anos à
espreita, na maior parte do tempo nas sombras.
46
Definimos o movimento fascista como um movimento reacionário de massa e, seguindo Togliatti, a
ditadura fascista como um regime reacionário de massa. Esse elemento a distingue da ditadura militar
– questão muito discutida na esquerda brasileira nas décadas de 1960 e 1970. O fascismo é,
digamos assim e tomando emprestada a terminologia da biologia, o gênero, sendo o fascismo original
e o neofascismo brasileiro duas espécies diferentes do gênero à qual ambas pertencem. O fato de se
tratar de um movimento de uma camada intermediária da sociedade capitalista é importante. O
fascismo não é um movimento burguês, embora chegue ao governo cooptado pela burguesia e
embora seja, desde o seu início, ideologicamente dependente da burguesia. Ele é um movimento de
massa de uma camada intermediária e apresenta, portanto, elementos ideológicos e interesses
econômicos de curto prazo que podem destoar da ideologia e dos interesses econômicos imediatos
da burguesia (Boito Jr., 2020, p. 115).
127
47
Pode-se apontar momentos distintos do desenvolvimento da história da filosofia burguesa, em que
um dado momento caracterizava-se pela centralidade da razão, conhecimento científico sem limites a
essa produção e outro marcado pelos limites impostos ao conhecimento que encontre às raízes e
questione as bases de legitimação burguesa. Coutinho (2010) auxilia nessa categorização ao dividir
em dois momentos principais: o primeiro abrange os pensadores renascentistas até Hegel,
caracteriza-se por um movimento ascendente, progressista que se orienta por elaboração racional,
humanista e dialética; e o segundo, consiste na radical ruptura dessa tradição humanista e da
modernidade entre 1830-1848 assinalada por uma progressiva decadência ideológica na qual ocorre
o abandono mais ou menos completo das conquistas do período anterior. Isto porque a razão
moderna com ascensão da burguesia é pautada no humanismo, historicismo e na dialética, no
entanto ao afirmar-se enquanto classe dominante e não mais revolucionária, abandona esses três
núcleos essenciais para o conhecimento científico, provocando um período de decadência ideológica,
de ascensão de uma filosofia, como destaca Coutinho (2010), em que se percebe um abandono mais
ou menos integral do terreno científico.
48
Em sua redação a proposta foi implementada com os objetivos de aumentar o número de postos de
trabalho e a formalização dos vínculos no Brasil. Filgueiras (2019) ressalta como a Reforma alterou,
suprimiu ou inclui mais de uma centena de artigos das normas de proteção ao trabalho,
129
49
O mais violento ataque sofrido pelos trabalhadores (as), especialmente para os jovens a
ingressarem no regime geral da Previdência, é a combinação entre idade mínima - 65 anos para
homens e 62 para mulheres - e o tempo de contribuição mínimo de 15 anos para mulheres e 20 para
homens. Apenas com 30 (mulheres) e 35 (homens) anos de contribuição um (a) trabalhador (a)
poderá receber o máximo a que tem direito, e claro, limitado pelo teto baixo da Previdência Social
brasileira - fixado em R$6.101,06 em 2020 (Behring, 2021, p. 217 e 218).
130
50
No decorrer de 2018, foram realizadas dezessete reuniões de trabalho, com a finalidade de
promover a revisão da PNDR, bem como organizar a criNeto, Colombo e Neto (2023) dos planos de
desenvolvimento regional. Monteiro Neto e Pêgo (2019) ressaltam alguns pressupostos norteadores
desses encontros, especialmente no que tange às indicações dos órgãos de controle como o TCU e
da Casa Civil, para a realização de atualizações e de modificações no texto da PNDR, com o intui
Neto, Colombo e Neto (2023) e adequação aos pressupostos gerais da política (Neto, Colombo e
Neto, 2023, p. 45).
51
Todos os projetos foram apresentados segundo a tramitação denominada prioritária, cujo prazo
compreende o período de dez sessões, em cada comissão, para deliberação e aprofundamento nos
debates. Segundo o art. 158 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, “prioridade é a
dispensa de exigências regimentais para que determinada proposição seja incluída na ordem do dia
da sessão seguinte, logo após as proposições em regime de urgência” (Resolução da Câmara dos
Deputados, 17/1989) (Neto, Colombo e Neto, 2023, p. 46 e 47).
132
momento, como se espera, num ciclo decisório de políticas públicas nem em uma
agenda de decisão realmente efetiva.
Com essa conjuntura regressiva aos direitos e ao enfrentamento às
desigualdades sociais e regionais, entre 2014 a 2018, aproximadamente 6,3 milhões
de brasileiros voltaram a viver abaixo da linha da pobreza e o número absoluto de
pobres chegou a 23,3 milhões, como salienta Jorge Abrahão (2020) a partir de
dados da PNAD sistematizados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O agravamento da pobreza na realidade brasileira coincide com o avanço na
adoção das medidas de ajuste fiscal no país, impactando diretamente as condições
de vida dos brasileiros, sobretudo em relação ao acesso à renda e
consequentemente à alimentação saudável e à garantia da segurança alimentar.
Esses dados refletem as implicações decorrentes do ajuste fiscal e da apropriação
do fundo público pelo capital que serão detalhadas nas seções seguintes a partir da
análise da limitação do ajuste nas políticas sociais e de desenvolvimento regional
implícitas e explícitas.
133
Os numerinhos e as pessoas
Onde se recebe a Renda per Capita? Tem muito morto de fome querendo
saber. Em nossas terras, os numerinhos têm melhor sorte que as pessoas.
Quantos vão bem quando a economia vai bem?
Quantos se desenvolvem com o desenvolvimento?
Em Cuba, a Revolução triunfou no ano mais próspero de toda a história
econômica da ilha.
Na América Central, as estatísticas sorriam e riam quanto mais fodidas e
desesperadas estavam as pessoas. Nas décadas de 50, de 60, de 70, anos
atormentados, tempos turbulentos, a América Central exibia os índices de
crescimento econômico mais altos do mundo e o maior desenvolvimento
regional da história humana.
Na Colômbia, os rios de sangue cruzam os rios de ouro. Esplendores da
economia, anos de dinheiro fácil: em plena euforia, o país produz cocaína,
café e crimes em quantidades enlouquecidas.
concentram mais de dois terços do PIB nacional, enquanto que as regiões Centro-
Oeste, Norte e Nordeste representam um pouco menos de um terço da economia
brasileira.
Do ponto de vista do PIB per capita, essas desigualdades regionais também
são perceptíveis, haja vista que o Norte possuía em 2014, um PIB per capita de
R$ 17,8 mil; o Nordeste, no patamar de R$ 14,3 mil; o Centro-Oeste, no valor de
R$ 35,6 mil; o Sul, com R$ 32,7 mil; e o Sudeste com R$ 37,2 mil (IBGE, 2016).
Com essas cifras fica mais fácil deduzir que os maiores PIBs per capita são dos
estados das Regiões Sudeste, Centro Oeste e Sul, com a ressalva de que Minas
Gerais, apesar de próximo, se encontra abaixo da média do País (IBGE, 2016, p. 19).
O fato é que o PIB per capita no Nordeste, o menor do país, corresponde a menos
da metade do que é verificado nas regiões Sudeste e Centro Oeste. O Norte não fica
muito atrás nessa contabilidade das desigualdades regionais.
O caso do Centro-Oeste possui algumas particularidades devido a baixa
densidade demográfica dos seus estados e por possuir a capital federal Brasília/DF
com altos salários, fatores que elevam o PIB per capita regional. Por isso, os
estados da Região Centro-Oeste estão mais bem posicionados, sendo que apenas
Goiás encontra-se abaixo da média brasileira, conforme IBGE (2016).
Enquanto na Região Norte, 5 dos 7 estados que a compõem, possuem os
menores PIBs do Brasil, a Região Nordeste concentra os seis menores PIBs per
capita do país:
A posição relativa dos seis menores PIBs per capita são: Maranhão (27º),
Piauí (26º), Alagoas (25º), Paraíba (24º), Ceará (23º) e Bahia (22º). Esses
seis estados concentram cerca de 20,4% do total da população do País e
somente 9,7% do PIB. O Piauí, por exemplo, detém 0,7% de participação no
PIB e 1,6% da população brasileira (IBGE, 2016, p. 19).
Fonte: Boletins Informativos do Sistema de Contas Regionais (SCR de 2015; 2016; 2017; 2018; 2019)
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
presente estudo, fez-se a coleta dos dados regionalizados por função e por
programas, possibilitando comparações de desempenho orçamentário e financeiro
por região durante o período analisado.
Além dos dados orçamentários e financeiros disponibilizados no SIOP, fez-se
necessária a coleta, sistematização e análise de conteúdos nos planos e relatórios
anuais de execução dos Planos Plurianuais (PPA) de 2012-2015 e 2016-2019,
buscando identificar as prioridades governamentais na área de enfrentamento às
desigualdades regionais. Nos PPAs buscou-se apreender os impactos do ajuste
para as políticas que se afiguram como importante para o Nordeste em 2
movimentos: 1) As políticas nacionais que possuem impacto regional diferenciado:
Assistência Social, Segurança Alimentar e Agricultura Familiar; e 2) As políticas
regionais explícitas, que se voltam diretamente para a questão regional como o
Programa de Desenvolvimento Regional (Programa 2029 em ambos PPAs) e o FNE.
No entanto, vale destacar que não houve aumento substancial nos recursos
nacionais, tendo em vista que em toda série histórica persiste uma diferença entre o
valor dotado e o efetivamente pago e quando comparado estatisticamente o
aumento da população, o aumento da procura dos serviços a política deveria ter
recebido mais recursos e prioridade.
Ressaltando-se, ainda, que de modo geral de 2012 a 2017 há oscilação que
aponta leve aumento de recursos, sobretudo com o Benefício de Prestação
Continuada decorrente do envelhecimento da população empobrecida, porém a
partir de 2017 essa oscilação tende a diminuir o volume de investimentos.
Por isso, o mais importante nessa série histórica é vislumbrado a partir de
2017 quando entra em vigência a EC nº 95 impactando no recurso destinado a
política tanto na dotação anual (de R$99 bilhões em 2017 para R$96 bilhões em
2019) quanto nos valores pagos (de R$96 bilhões pagos em 2017 passa-se em 2019
para R$92 bilhões).
146
52
Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), de acordo com a definição da Lei Orgânica que institui o
Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), “consiste na realização do direito de
todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem
comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares
promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica
e socialmente sustentáveis.”. A sanção da Lei nº 11.346/06, assim como a posterior inclusão do
direito à alimentação no artigo 6º da Constituição Federal em 2010 são considerados os principais
marcos legais que inserem a alimentação no rol dos direitos sociais, fazendo com que a promoção do
acesso à alimentação passe a ser um dever do Estado. Em agosto de 2010, a institucionalização do
tema de segurança alimentar e nutricional ganha reforço com a publicação do Decreto nº 7.272 que
institui a Política Nacional de SAN (Brasil, 2011, p. 139).
147
Possuindo essas metas como base pode-se analisar a partir dos relatórios de
avaliação quais conseguiram ser cumpridas ou foram afetadas pelo ajuste fiscal.
Iniciando pela meta que engloba os territórios rurais tinha-se a importante ação de
apoiar a elaboração de planos territoriais nos 239 territórios rurais e de planos
estaduais em 26 unidades da federação, em consonância com o Plano Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário. Segundo o relatório de Avaliação de
2019 (Brasil, 2019) essa meta não foi alcançada tendo como justificativa a
“Descontinuidade da estratégia da política pública durante o período do PPA 2016-
2019, incluindo alterações nas prioridades de governo” (idem, p. 147).
Outra meta importante para os territórios rurais consistia em “Apoio de 600
projetos de infraestrutura e serviços em territórios rurais, sendo 277 projetos
atendidos até 2019”. Novamente a justificativa para não cumprimento da meta
engloba a descontinuidade da estratégia da política pública durante o período do
PPA 2016-2019, incluindo alterações nas prioridades de governo. Finalmente a meta
de “Implementar o Programa Territórios da Cidadania em 120 territórios rurais”
sofreu também descontinuidade da estratégia da política pública durante o período
do PPA 2016-2019, incluindo alterações nas prioridades de governo, com meta de
cumprimento zerada até 2019.
O que foi cumprido no tocante aos territórios rurais baseou-se em ações
focalizadas em alguns segmentos rurais e de modo mais emergenciais como a meta
de beneficiamento de 15.000 famílias com ações territorializadas voltadas ao
combate à pobreza no semiárido do Nordeste, sendo cumprida e até superada com
o alcance de 65.000 famílias atendidas até 2019 (Brasil, 2019).
Mas antes de 2019, as expressões do ajuste fiscal nos territórios rurais
inseridos no Programa de Desenvolvimento Regional já se tornavam evidentes. Isso
porque o relatório de Avaliação de 2015 (Brasil, 2016) apontava um fato interessante
sobre o Objetivo 0980 de “Ampliar e qualificar a oferta de bens e serviços para a
melhoria da infraestrutura territorial, consolidando a abordagem territorial como
estratégia de desenvolvimento sustentável para o Brasil Rural”. Com uma meta física
prevista em 2012-2015 de 3.135 projetos de infraestrutura e serviços nos territórios
rurais, só teria alcançado, até 2015, apenas 812 projetos. Segundo expresso
abertamente no Relatório, destaca-se que o não atingimento da meta do período
ocorreu devido à redução orçamentária durante o quadriênio 2012-2015.
159
apenas R$ 196.193,00 (Brasil, 2020), sem mencionar nas metas criação de postos
de trabalho nem maior fomento regional.
Por fim, em relação às metas físicas, pode-se destacar a vinculado com o
objetivo de Promover o desenvolvimento regional e o ordenamento do território
brasileiro por meio do planejamento da ocupação e do uso do espaço de forma
sustentável e com abordagem territorial, que engloba financiamento e fortalecimento
dos projetos voltados especificamente para as regiões mais desiguais: Norte,
Nordeste e Centro-Oeste. Percebe-se a não prioridade com baixos recursos voltados
a essas ações explicitamente regionais e a não efetivação na realidade, pois os
valores pagos encontram-se zerados em ações que seriam para Financiamento de
Projetos do Setor Produtivo no âmbito do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia
(FDA), Financiamento de Projetos do Setor Produtivo no âmbito do Fundo de
Desenvolvimento do Nordeste (FNDE) e Financiamento de Projetos do Setor
Produtivo no âmbito do Fundo de Desenvolvimento do Centro-Oeste (FDCO).
Em suma, pode-se destacar como o ajuste fiscal impacta diretamente no
principal Programa de Desenvolvimento Regional, diminuindo a destinação
orçamentária de recursos que já era insuficiente frente às demandas, tendo havido
uma piora com a redução de recursos, impactando na execução dos objetivos,
metas e ações de enfrentamento à desigualdade regional e de promoção da
diversidade e dinamicidade nos espaços regionais e territoriais.
Esse impacto, no entanto, não é homogêneo visto que tem mais latência nos
territórios rurais, onde se prescinde de maior fomento e apoio às atividades
produtivas, maior presença do Estado e maior necessidade de recursos, contrário ao
que ocorreu com o aprofundamento do ajuste e o não cumprimento das metas
relacionadas a esses territórios. Também é destaque como os Planos de
Desenvolvimento Regional que são importantes ferramentas para atuação explícita
nas políticas de desenvolvimento regional (contribuindo para o planejamento,
entendimento dos problemas e principais metas a serem traçadas e atingidas tanto a
nível federal quanto pelos Fundos Constitucionais de Financiamento) sofreu com a
falta de recursos e de prioridade.
Além disso, o Programa de Desenvolvimento Regional não atinge tão
somente uma região ou um território específico, sua falta de recursos compromete
uma atuação que seria em todo território nacional, ligando-se com territórios que
161
Fonte: Neto, Macedo e Silva (2022) com base nos valores contratados do FNE no Banco do Nordeste
do Brasil (2021). Valores monetários deflacionados pelo IGP-DI da FGV com base no ano de 2019.
164
aglutina tanto projetos para incentivo ao agronegócio quanto para pequenos setores
e produtores rurais, como o PRONAF e a Agricultura Familiar que analisaremos mais
à frente. Resposta para esse questionamento encontra-se na análise e reflexão de
Neto, Macedo e Silva (2022, p. 257) a respeito da proporção destinada às áreas de
expansão do agronegócio, como a do Matopiba na qual a “proporção dos valores
contratados da agropecuária é superior a três vezes os montantes destinados à
indústria (MA, PI e BA)”.
Se a indústria já não era um setor tão prioritário para os investimentos do
Fundo, com o aprofundamento do ajuste fiscal seus valores também sofrem
oscilação significativa. Tendência atestada na realidade visto que no período de
2010-2014, foram aplicados R$ 24,0 bilhões na Região, e na recessão de 2015-2019,
os valores caíram para R$ 10,3 bilhões, ou cerca de R$ 2,0 bilhões anuais neste
último período (Neto, Macedo e Silva, 2022).
Em relação ao desenvolvimento regional pode-se pensar no que essas
operações de financiamento contribuem para a política regional brasileira, para a
diversificação produtiva, aquecimento da economia, diminuição das disparidades
regionais e aumento nos elos das cadeias produtivas. Neto, Macedo e Silva (2022)
nesse cenário apontam uma análise prospectiva de que essa demanda por
financiamento esteja sendo comandada não pela perspectiva de desenvolvimento
regional, mas sim por empresas em ramos de atividade com baixo patamar de
produtividade média e baixo/médio nível de conteúdo tecnológico, assim “o resultado
desse quadro de aplicações de financiamento tem sido a estagnação da
produtividade econômica na indústria regional” (Neto, Macedo e Silva, 2022, p. 273).
Enquanto se investe massivamente na agropecuária e retrai-se a indústria,
percebe-se também outra tendência em relação aos investimentos na infraestrutura.
Com um montante quase igual ao investido na indústria, a modalidade de
infraestrutura a partir de 2010, possui montantes alocados no percentual de 17,9%
do total do FNE (todas as modalidades) no período.
Nessa modalidade de crédito, podem ser financiadas vários tipos de
atividades ligados a infraestrutura como atividades de energia, tais como geração,
transmissão e distribuição de energia; oferta de água para uso múltiplo;
infraestrutura de transporte e logística; saneamento básico; telefonia de sistema fixo
ou móvel; exploração de gás natural; e iluminação pública.
166
Isto porque os Investimentos do FNE no Semiárido por setor de 2011 a 2021 alocam
para infraestrutura 37,2% dos recursos e para pecuária 23,6%.
Em relação a esse valor significativo dos investimentos do FNE no setor de
infraestrutura no Semiárido, é possível visualizar um detalhamento nesses
investimentos. Como salientam Aquino e Silva (2022), quando se detalha com maior
profundidade as informações desse setor, é possível identificar com nitidez a
distribuição dos investimentos por produtos contratados, destacando-se o grande
montante do setor energético e, mais especificamente, das energias renováveis
(eólica e solar): geração de energia elétrica de origem eólica vento (47,1%), energia
elétrica de origem solar (24,4%), distribuição energética elétrica (15,1%),
Transmissão de energia elétrica (11,8%), Distribuição de energia elétrica (1,2%) e
Outros: água e gás (0,5%).
O programa do BNB/FNE responsável por esses investimentos em energias
alternativas é o FNE Verde-Infraestrutura, do qual se vinculam 89,7% do total
investido no setor de infraestrutura em 2021. Percebe-se que cada vez mais as
energias renováveis são priorizadas nesse Programa e movimentam grandes
estruturas enquanto os recursos voltados para outras áreas de infraestrutura que
possibilitariam melhores condições de vida da população, canalizam poucos
recursos.
Além desses investimentos mais gerais, é preciso analisar como o FNE tem
financiado a produção dos pequenos produtores rurais ligados à agricultura familiar
da região. Nesse contexto, destaca-se a importância do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), uma conquista dos movimentos
sociais do campo, tendo sido instituído pelo Decreto nº 1.946, de 28 de junho de
1996, e que possui como principal fonte dos recursos operados pelo BNB o Fundo
Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE).
Quando se considera o montante geral de recursos aplicados do FNE entre
2010 e 2020, Aquino e Silva (2022) apontam que 14,2% do total, cerca de R$ 26,4
bilhões, foram destinados ao segmento da agricultura familiar por meio do crédito do
Pronaf, conforme os dados disponíveis no portal de transparência do BNB. Esse
percentual, porém, oscila e varia de 9,9% do total do BNB/FNE em 2010, alcançando
21,9% em 2016, voltando a 9,6% em 2018 e chegando em 2020 com 13,5% do total
de recursos do FNE investidos pelo BNB.
168
53
Institui reserva de lei complementar para criar fundos públicos e extingue aqueles que não forem
ratificados até o final do segundo exercício financeiro subsequente à promulgação desta Emenda
Constitucional, e dá outras providências.
Estabelece que a instituição de fundos públicos exige lei complementar e, em relação aos já
existentes, obriga que sejam ratificados pelos respectivos Poderes Legislativos, por meio de Lei
Complementar específica para cada um dos fundos públicos, até o final do segundo exercício
financeiro subsequente à data da promulgação desta Emenda Constitucional, sob pena de extinção
do fundo e transferência do respectivo patrimônio para o Poder ao qual ele se vinculava.
Disponível em: <PEC 187/2019 - Senado Federal>.
54
Institui mecanismos de ajuste fiscal, caso, para a União, as operações de crédito excedam à
despesa de capital ou, para Estados e Municípios, as despesas correntes superem 95% das receitas
correntes. Prevê que lei complementar disporá sobre a sustentabilidade da dívida pública, limites para
despesas e medidas de ajuste. Modifica as medidas para cumprimento dos limites de despesa com
pessoal previstos em lei complementar. Veda que lei ou ato autorize pagamento retroativo de
despesa com pessoal. Suspende a correção pelo IPCA do limite às emendas individuais ao projeto de
lei orçamentária, aplicável durante o Novo Regime Fiscal, enquanto vigentes as medidas de ajuste.
Determina a reavaliação periódica dos benefícios tributários, creditícios e financeiros. Veda, a partir
de 2026, a ampliação de benefícios tributários, caso estes ultrapassem 2% do PIB. Determina a
restituição ao Tesouro do saldo financeiro de recursos orçamentários transferidos aos Poderes
Legislativo e Judiciário. Condiciona os Poderes Legislativo e Judiciário ao mesmo percentual de
limitação de empenho que tenha sido aplicado no Poder Executivo.
Disponível em: <PEC 186/2019 - Senado Federal>.
170
necessário para fortalecer o elo mais frágil da economia nordestina, composto pelos
agricultores familiares e a produção voltada para subsistência e mercado interno.
Em contrapartida, os investimentos em infraestrutura e na agropecuária que
possuem forte ligação com os grandes empreendimentos que envolvem grupos de
interesse, atividades econômicas e setores produtivos e espaços sub-regionais que
não contribuem para a redução das desigualdades regionais, pelo contrário podem
concentrar recursos nesses grupos agravando as disparidades regionais e
intrarregionais.
Assim, as disputas pelo uso dos recursos dos FCFs em contexto de
ultraliberalismo e ajuste fiscal avançam, pois os FCFs são uma fonte estável, que
não sofre com o contingenciamento imposto como resposta à crise econômica que
se arrasta desde 2015. Nessa disputa entre capital e trabalho, entre grandes grupos
econômicos (agropecuária, infraestrutura, energia eólica) e os pequenos produtores,
o pêndulo está tendendo preferencialmente ao suporte da lógica produtiva
determinada internacionalmente – que, dentro do país, abarca também as frações do
capital nacional que participam desse processo. Como resumem Lopes e Macedo
(2023) esses interesses subordinam e articulam esses espaços e sua estrutura
produtiva ao mercado internacional, associados com os grupos econômicos
nacionais e regionais que promovem atividades exportadoras de baixo valor
adicionado, inseridos comercial e produtivamente como produtores de commodities
no sistema internacional.
Como síntese deste capítulo, pode-se apontar de uma forma geral como na
economia nacional é marcada por uma forte concentração econômica e a questão
regional é presente ainda na realidade brasileira, com o Sudeste concentrando mais
de 50% do PIB Nacional e nesta Região, o Estado de São Paulo que concentra mais
de 30% das riquezas econômicas, enquanto as UFs do Nordeste concentram os
piores PIBs per capita do Brasil. O ajuste fiscal e a retração da atuação do Estado,
principalmente a partir de 2015, contribuem para manter essas disparidades
regionais ao não permitir maiores avanços em investimentos econômicos e sociais,
sobretudo no Norte e Nordeste Brasileiro.
Essa tendência se materializa nas implicações do ajuste fiscal no
financiamento das políticas sociais, que possuem uma dimensão regional implícita e
explícita. Analisou-se ao longo desse capítulo como a retração orçamentária se
173
O operário torna-se mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a
sua produção cresce em poder e volume. O operário torna-se uma
mercadoria tanto mais barata quanto mais mercadoria cria. Com a
valorização do mundo das coisas cresce a desvalorização do mundo dos
homens em proporção direta.
[...] A pobreza não explode como as bombas, nem ecoa como os tiros.
Dos pobres, sabemos tudo: em que não trabalham, o que não comem,
quanto não pesam, quanto não medem, o que não têm, o que não pensam,
em quem não votam, em quem não creem.
Só nos falta saber por que os pobres são pobres.
Será por que sua nudez nos veste e sua fome nos dá de comer?
176
Por isso, o capitalista não quer apenas produzir valor de uso mas sim
mercadoria “não só valor de uso, mas valor e não só valor, mas também mais-valia”
(Marx, 1996, p. 305). E quem produz esse mais-valor é a classe trabalhadora como
uma potência de transformação, colocando em movimento sua capacidade produtiva
e o funcionamento dos meios de produção.
Com a constituição das relações sociais baseadas na exploração e
expropriação do trabalho da sociedade onde impera o modo de produção capitalista
pela classe social que monopoliza a propriedade privada dos meios de produção, o
trabalho deixa de ser uma virtude, elemento básico para suprimento das
necessidades e passa a se tornar um suplício, um “privilégio da servidão” como
aponta Antunes (2018). Justamente dessas relações que ocorrem rupturas
essenciais, gerando processos de alienação e desumanização.
A partir dessa base de estruturação da desigualdade, da pobreza e da
precarização do trabalho, compreende-se e adota-se neste estudo uma visão crítica
e marxista sobre pobreza enquanto uma expressão da questão social, vista na sua
essência, fruto da contradição entre a produção social da riqueza e a acumulação e
centralização privada da mesma, gerando a desigualdade social enquanto um
abismo social que se alarga entre a miséria e a riqueza.
Assim, a pobreza é um fenômeno social complexo como ressalta Ozanira
Silva e Silva (2013) e por isso tanto envolve privações de necessidades materiais de
bem estar como também negações de oportunidades de acesso a padrões
aceitáveis socialmente, envolvendo um conjunto de problemas mais abrangentes, de
caráter múltiplo e cumulativo (saúde, educação, direitos econômicos e sociais).
Desse modo que frutos de um mesmo processo que se soma às múltiplas
formas históricas, culturais e políticas de iniquidades que são produzidas e
reproduzidas na sociabilidade do capital, tais como as relativas à condição de
gênero, de raça e etnia, de geração, identidade de gênero, orientação sexual e de
origem (territorial).
Esse quadro é nítido na Região Nordeste do Brasil onde, desde o século XIX,
vinha se agravando a estagnação econômica e a letargia de seu setor produtivo
(como exposto nos capítulos anteriores), tendo ficado explícito os contornos da
questão regional em meados do século XX no contexto da modernização econômica
com base na industrialização centrada no Centro Sul do país. Esse processo
180
A morte e vida Severina retratada por João Cabral de Melo Neto (1974) entre
1954 e 1955 retrata os nordestinos no período que a Região ainda possuía fraco
dinamismo econômico, desigualdades profundas que marcaram a vida do seu povo
e a própria falta de perspectiva dos mesmos Severinos com a vida atravessada por
inúmeras violências, violações de direitos e de morte “de que se morre, de velhice
antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte e de fome um pouco por dia”.
Apesar de 69 anos de diferença entre o escrito de João Cabral de Melo Neto
e a escrita dessa dissertação e apesar de todas as mudanças que o Nordeste
atravessou, o flagelo da fome volta à realidade dos nordestinos e nordestinas. E
retorna enquanto uma síntese do avanço do ajuste fiscal e da precarização das
condições de trabalho, da falta de emprego e do acesso à renda para sobrevivência.
Nessa perspectiva para apreender na realidade essas desigualdades,
delimitou-se indicadores das desigualdades sociais regionais, compreendendo-se
que os mesmos buscam expressar as condições de pobreza e desigualdade social
na realidade brasileira e no Nordeste, de 2012-2019. O critério para seleção desses
indicadores baseou-se na importância que possuem para mensurar as implicações
do aprofundamento do ajuste fiscal no agravamento da pobreza e desigualdade, de
modo a contribuir para identificar as expressões da questão regional no Nordeste do
Brasil.
Começando a análise sobre essas múltiplas expressões da desigualdade com
as condições de trabalho no Brasil e no Nordeste, conforme seguinte tópico:
Albert Camus
sem trabalho, que procuram trabalho e os que estão disponíveis para começar a
trabalhar imediatamente, segundo definição do IBGE (2023).
Buscou-se um olhar panorâmico sobre a realidade brasileira e suas regiões, a
fim de identificar como o desemprego se situa nacionalmente e regionalmente em
dois períodos importantes: de 2012 a 2015 e depois com o aprofundamento do
ajuste e do ultraneoliberalismo de 2016 a 2019. Começando com o marco de 2012-
2015 temos o seguinte panorama:
Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (PNADCT).
Elaboração própria.
Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (PNADCT).
Elaboração própria.
O medo global
Os que trabalham têm medo de perder o trabalho
Os que não trabalham têm medo de nunca
encontrar trabalho. Quem não tem medo da fome, tem medo da comida. É o
tempo do medo. [...] Medo da multidão, medo da solidão, medo do que foi e
do que pode ser, medo de morrer, medo de viver.
55
O indicador utilizado pelo IBGE para mensurar essa realidade é a taxa de subutilização da força de
trabalho formada por uma porcentagem que esta subutilização representa dentro da força de trabalho
ampliada (pessoas na força de trabalho somadas à força de trabalho potencial), segundo o
documento síntese das medidas de Subutilização da Força de Trabalho no Brasil do IBGE (2018). Na
força de trabalho encontram-se as pessoas que têm idade para trabalhar (14 anos ou mais) e que
estão trabalhando ou procurando trabalho (ocupadas e desocupadas). E na força de trabalho
potencial encontram-se as pessoas que não estão na força de trabalho, mas possuem um potencial
para serem integradas a esta força, formam a força de trabalho potencial (IBGE, 2018).
185
Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (PNADCT).
Elaboração própria.
Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (PNADCT).
Elaboração própria.
Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (PNADCT).
Elaboração própria.
188
Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (PNADCT).
Elaboração própria.
O preço do feijão
não cabe no poema.
O preço do arroz
não cabe no poema.
[...]
Como não cabe no poema o operário
que esmerila seu dia de aço e carvão
nas oficinas escuras
Fonte: Vis data 3 Beta; Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI MDS). Elaboração
própria.
Fonte: Vis data 3 Beta. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI MDS). Elaboração
própria.
Fonte: Vis data 3 Beta. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI MDS). Elaboração
própria.
56
RENDA FAIXA 1: Até abril de 2014: renda familiar per capita mensal até 70 reais / De maio de
2014 a junho de 2016: renda familiar per capita mensal até 77 reais; De julho de 2016 a maio de 2018:
renda familiar per capita mensal até 85 reais; De junho de 2018 a outubro de 2021: renda familiar per
capita mensal até 89 reais;
RENDA FAIXA 2: Até abril de 2014: renda familiar per capita mensal de 70,01 reais até 140 reais; /
De maio de 2014 a junho de 2016: renda familiar per capita mensal de 77,01 reais até 154 reais; / De
julho de 2016 a maio de 2018: renda familiar per capita mensal de 85,01 reais até 170 reais; / De
junho de 2018 a outubro de 2021: renda familiar per capita mensal de 89,01 reais até 178 reais;
RENDA FAIXA 3: Até abril de 2014: renda familiar per capita mensal de 140,01 reais até meio salário-
mínimo; De maio de 2014 a junho de 2016: renda familiar per capita mensal de 154,01 reais até meio
salário-mínimo; De julho de 2016 a maio de 2018: renda familiar per capita mensal de 170,01 reais
até meio salário-mínimo De junho de 2018 a outubro de 2021: renda familiar per capita mensal de
178,01 reais até meio salário-mínimo; / Novembro de 2021: renda familiar per capita mensal de
200,01 reais até meio salário-mínimo;
RENDA FAIXA 4: Renda familiar per capita mensal maior que meio salário-mínimo, o que
corresponde aos seguintes valores em cada ano: 2012: R$ 311,00 / 2013: R$ 339,00 / 2013:
R$ 362,00 / 2014: R$ 394,00 / 2015: R$ 339,00 / 2016: R$ 440,00 / 2017: R$ 468,50 / 2018:
R$ 477,00 / 2019: R$ 499,00; (SAGI VIS DATA 3 BETA; MDS, 2023).
193
Sobretudo no nordeste
mas não apenas ali,
que a fome do Piauí
se espalha de leste a oeste
57
A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede
PENSSAN), criada em 2012, congrega pesquisadoras/es, estudantes e profissionais de todo o país
na forma de uma rede de pesquisa e intercâmbio independente e autônoma em relação a governos,
partidos políticos, organismos nacionais e internacionais e interesses privados. Entre os objetivos
previstos em seu estatuto, destacam-se o exercício de uma pesquisa cidadã comprometida com a
superação da fome e a promoção da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN), e
também a contribuição para o debate público de ações e políticas públicas que tenham interação com
a SSA (Rede PENSSAN, 2021).
58
Os níveis de Segurança Alimentar (AS)/ Insegurança Alimentar (IA) foram obtidos pela aplicação da
Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) a partir de oito pontos estabelecidos. Desta forma,
para a estratificação dos níveis de SA/IA, cada resposta afirmativa do questionário representou 1
ponto, sendo a pontuação do domicílio estimada pelo total de respostas afirmativas. A pontuação
variou de 0 a 8 pontos; sendo a SA = 0; IA leve = 1-3 pontos; IA moderada = 4-5; e IA grave = 6-8.
Para aqueles domicílios que não responderam algum item da escala, não foi estimado o nível de
SA/IA. Para identificar a prevalência de segurança ou insegurança alimentar no domicílio,
considerouse um conjunto de oito questões utilizadas na EBIA (perguntas com respostas diretas:
‘SIM/ NÃO’).
195
Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios 2004/2013 e Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018. POF (2020).
Elaboração própria.
como Norte (57%) e Nordeste (50,3%) em que mais de 50% da população dessas
regiões encontrava-se em algum nível de privação alimentar.
Pode-se concluir, com base nos indicadores de precarização do trabalho,
consequentemente de comprometimento da renda e da volta da fome no país como
o ajuste fiscal incide nas condições materiais de existência da população brasileira.
Essa determinação na vida material, no entanto, exacerba-se nas regiões que já
sofrem secularmente com a desigualdade como a Norte e Nordeste e deixam um
quadro social e econômico de uma população cada vez mais degradada, sem
condições de acesso a trabalho formal, regulamentado e das mínimas condições de
subsistência, como o acesso a um direito humano básico como a alimentação.
Na seção final seguinte reuniremos as considerações finais com uma síntese
realizando um balanço de como essas expressões da questão social no Nordeste
estão conectadas ao ajuste fiscal nas políticas sociais e regionais que visam
enfrentar a desigualdade regional.
197
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
- Severino, retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.
Dessa forma, existe uma ligação direta entre a “questão social” e a questão
regional brasileira, de modo que para entender a primeira é necessário entender
para além dos clássicos e da leitura marxista mais geral, e se aprofundar na análise
da realidade concreta brasileira, apreendendo as particularidades da formação social
nacional, as bases da questão regional e de como se expressam as desigualdades
no nosso país.
Além desses resultados diretos da pesquisa, pode-se destacar
questionamentos e reflexões sobre essa realidade, visto que, diante de um quadro
social de agravamento das desigualdades regionais, como o Estado brasileiro tanto
a nível nacional quanto regional e até mesmo municipal pode formular políticas
públicas que visem enfrentar essa realidade? O desafio dessas políticas atravessa
os próprios mecanismos e a base institucional existentes para entender a realidade
nacional bem como o modo de funcionamento dessas instituições que diante das
amarras do ajuste fiscal são limitadas, sucateadas ou subutilizadas (SUDENE,
SUDAM, IPEA, IBGE) bem como lidam com a orientação das opções políticas com
base nas estratégias locacionais do capital.
Assim, pode-se destacar que é necessário tanto para assistentes sociais
quanto para outros profissionais que lidam com as expressões da questão social em
seu cotidiano profissional, o desafio e tarefa permanente de desvelar a realidade
nacional, regional e local e entender suas particularidades.
Nesse caminho, é preciso prosseguir em estudos que visem entender essas
desigualdades no plano concreto das relações sociais que no atual contexto se
situam sob a égide do capital financeiro que avança sobre o fundo público por meio
das medidas de ajuste fiscal. Por outro lado, torna-se imperiosa a necessidade de
disputar o fundo público para que, ao invés de cada vez mais financiar o capital,
possa avançar nos investimentos em políticas sociais e no desenvolvimento regional.
Nas políticas de desenvolvimento regional, destaca-se ainda a necessidade
de resgate da base compreensiva da PNDR, de se pensar não só as desigualdades
macrorregionais, mas também a diversidade existente nos territórios intrarregionais,
o que implica na necessidade de conhecimento de suas particularidades para
planejar e executar planos e programas mais consistentes.
Quanto às políticas explícitas para o desenvolvimento das grandes regiões
brasileiras, apesar de abrangerem todo o país é preciso estabelecer prioridades com
201
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