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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL - PPGSS
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

O CAPITAL COMO INDÚSTRIA DO SOFRIMENTO: CRÍTICA À ANÁLISE DO


PROCESSO TRABALHO-SAÚDE PELO SERVIÇO SOCIAL

EMILLY BEZERRA FERNANDES DO NASCIMENTO

NATAL/RN
2024
EMILLY BEZERRA FERNANDES DO NASCIMENTO

O CAPITAL COMO INDÚSTRIA DO SOFRIMENTO: CRÍTICA À ANÁLISE DO


PROCESSO TRABALHO-SAÚDE PELO SERVIÇO SOCIAL

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Serviço Social - PPGSS, da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN,
como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Serviço Social.

Orientadora: Prof.ª. Dr.ª. Janaynna de Moura Ferraz

NATAL/RN
2024
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Nascimento, Emilly Bezerra Fernandes do.


O capital como indústria do sofrimento: crítica à análise do
processo trabalho-saúde pelo Serviço Social / Emilly Bezerra
Fernandes do Nascimento. - 2024.
117f.: il.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande


do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social. Natal, 2024.
Orientação: Janaynna de Moura Ferraz.

1. Serviço Social - Dissertação. 2. Saúde do trabalhador -


Dissertação. 3. Saúde mental - Trabalho - Dissertação. 4.
Sofrimento psíquico - Dissertação. 5. Questão social -
Dissertação. I. Ferraz, Janaynna de Moura. II. Título.

RN/UF/CCSA CDU 364.4:331.4

Elaborado por Shirley de Carvalho Guedes - CRB-15/440


EMILLY BEZERRA FERNANDES DO NASCIMENTO

O CAPITAL COMO INDÚSTRIA DO SOFRIMENTO: CRÍTICA À ANÁLISE DO


PROCESSO TRABALHO-SAÚDE PELO SERVIÇO SOCIAL

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Serviço Social - PPGSS, da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN,
como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Serviço Social.

Data da aprovação: _____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________
Prof.ª Dra. JANAYNNA DE MOURA FERRAZ
Orientadora (PPGSS/UFRN)

_________________________________________________
Prof.ª. Dr.ª. MARIA DALVA HORÁCIO DA COSTA
Examinadora interna (PPGSS/UFRN)

_____________________________________________________
Prof.ª. Dr.ª. DEISE LUIZA DA SILVA FERRAZ
Examinadora externa (PPGA/UFMG)
As pessoas comerão três vezes ao dia
E passearão de mãos dadas ao entardecer
A vida será livre e não a concorrência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

Certas pessoas perderão seus cargos e empregos


O trabalho deixará de ser um meio de vida
As pessoas poderão fazer coisas de maior pertinência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

O mundo não terá fronteiras


Nem estados, nem militares para proteger estados
Nem estados para proteger militares prepotências
Quando os trabalhadores perderem a paciência

A pele será carícia e o corpo delícia


E os namorados farão amor não mercantil
Enquanto é a fome que vai virar indecência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

Quando os trabalhadores perderem a paciência


Não terá governo nem direito sem justiça
Nem juízes, nem doutores em sapiência
Nem padres, nem excelências

Uma fruta será fruta, sem valor e sem troca


Sem que o humano se oculte na aparência
A necessidade e o desejo serão o termo de equivalência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

Quando os trabalhadores perderem a paciência


Depois de dez anos sem uso, por pura obscelescência
A filósofa-faxineira passando pelo palácio dirá:
“declaro vaga a presidência”!

Quando os trabalhadores perderem a paciência – Mauro Iasi


AGRADECIMENTOS

Chegar ao final de um processo intenso de dedicação não é fácil. A escrita de um trabalho


de dissertação ou tese pode, por vezes, ser exaustiva e transformar o que é ou era um sonho em
um tormento. Contudo, é necessário reconhecermos que nos caminhos que escolhemos existem
estradas tortuosas, mas com paisagens que nos revigoram e nos relembram o motivo pelo qual
decidimos nos submeter a determinada jornada.
Assim, começo aqui os meus agradecimentos a todos que tornaram o meu processo, ao
longo desses dois anos, mais leve, mais rico, mais potente e mais feliz.
Inicialmente, agradeço a minha mãe, Nívia, por tudo que me ensinou em relação aos
estudos e que nunca duvidou da minha capacidade de ser quem eu quisesse. Investiu em mim,
me apoiou e sempre esteve ao meu lado para que eu pudesse passar por cada etapa desse
processo de forma mais tranquila possível.
Gostaria de agradecer ao meu pai, Edeidson, que embora não entendesse muito do mundo
acadêmico, sempre fez o que pôde para estar ao meu lado e foi meu companheiro em tantos
momentos ao longo desses anos. Tudo que eu mais queria era que você pudesse presenciar mais
uma etapa da minha formação pessoalmente, mas compreendo que os nossos rumos estão
separados brevemente. Amo você independentemente de onde estiver.
Agradeço a minha irmã, Gabrielly, por ter sido sempre uma fonte de acalanto e consolo.
Não sei como seria lidar com um processo que envolveu tanta coisa sem sua existência, nana.
Ter você na minha vida é um dos maiores presentes que eu poderia ter e, por isso, sou grata
durante todos os dias da minha vida. Você é sol, traz luz à minha vida.
Agradecerei, nesse momento, a pessoa mais importante da minha caminhada no mestrado.
Guilherme, meu namorado, o qual me deu suporte em todos os momentos e nunca hesitou em
estar ao meu lado, seja qual fosse a situação. Você investiu em mim, nos meus sonhos, nos
meus estudos, enxugou minhas lágrimas – que não foram poucas –, riu dos meus estresses e leu
meus capítulos com todo amor e paciência do mundo. Eu amo você, amo a família que
construímos com os nossos três cachorros e três gatos e tudo que temos a construir. Você,
Paçoca, Phoebe, Shampoo, Romeu, Lilo e Catarina (são muitos filhos) são os amores da minha
vida.
Agradeço também à família que ganhei. Gláubia, Sofia e seu Aldemir. Eu não poderia
escolher sogros e cunhada melhor do que vocês. Vocês me protegem, acreditam em mim e
confiam no meu potencial quando eu desacredito. Principalmente, à minha sogra, Gláubia, a
qual chorou e esteve ao meu lado no momento em que descobri a realização de um dos meus
maiores sonhos.
Feito os agradecimentos à minha família, é hora de agradecer também a família
acadêmica que foi me apresentada no início de 2022 e que será a minha família até o fim da
minha vida.
Inicialmente, gostaria de agradecer a professora Janaynna de Moura Ferraz, mais
conhecida como Janna. Se me contassem que a parceria entre uma assistente social e uma
administradora discutindo saúde daria tão certo, eu não acreditaria. Ainda bem que me permiti
dar a chance de conhecê-la e de aprender com você. Você é uma inspiração, uma referência
para todos/as os/as pesquisadores/as brasileiros/as. Se algum dia eu chegar em 10% do que você
é, já me considerarei uma mulher extremamente inteligente e humana. Sou tão grata e tão feliz
por tê-la como orientadora que irei continuar, por mais quatro anos, ao seu lado, te aperreando
e reclamando, mas o mais importante é que estarei aprendendo com você.
Agradeço também entrar na Rede TRAMA, um grupo de pesquisa comprometido e que
me apresentou tantos/as pesquisadores notáveis e potentes, além de me mostrar que o marxismo
está onde menos esperamos. Aqui faço menção honrosa aos membros que ainda não conheci
pessoalmente, mas que de alguma forma já me apoiaram. Babi, Rossi, Victor e Edir, obrigada
pelas trocas, mesmo à distância.
Sou grata, especialmente, ao NIP Trama (ou núcleo litoral). À Luana, que me resgatou
em uma primeira reunião e me ajudou com minha metodologia diversas vezes; à Marília, que
embora tenha nos deixado (espero que por pouco tempo), me acolheu e me acalentou diversas
vezes. Mari, sem você, eu provavelmente teria desistido. Obrigada pela paciência e o carinho a
mim destinados. Sinto sua falta!
Seguindo os agradecimentos às tramatics, agradeço à Mayara, com suas histórias
emblemáticas sobre a vida amorosa ou até mesmo os seus sons de café – jazz, obviamente –
durante nossas tardes compartilhadas no NEPSA; à Aline Juliana, um presente, uma
companheira e amiga em que pude contar em cada etapa e que me apoiou em cada surto. Ainda
bem que os pacientes do CAPS se reconhecem. Agradeço também à Brenda com sua risada
gostosa e seu bom humor e à Aline do Vale pelas reflexões brilhantes e inspiração como mulher.
Não poderia deixar de citar, nesse momento, os amigos que fiz no decorrer desse
processo, especialmente à Maria Augusta. Augusta, você foi a calma, a paciência e a parceira
acadêmica que eu precisava ter para concluir esse mestrado. Você me estimula a ser uma pessoa
e uma pesquisadora melhor, mesmo me colocando em situações absurdas e completamente
questionáveis. Gostaria de passar os próximos quatro anos ao seu lado, em mais uma etapa de
nossa formação, mas entendo que a UFRN ficou pequena para a pesquisadora que você é. Você
vai longe, eu acredito em você.
Adnna, agradeço por você ser do jeitinho que é e compartilhar dos surtos em relação ao
Serviço Social comigo. Você foi ótima surpresa que ganhei aos quarenta e cinco do segundo
tempo.
Agradeço aos membros da minha panela favorita também! Clarice, Lucas, Letícia e,
especialmente, Maria Clara. Clara, você foi essencial no meu processo de aprendizagem e
escrita. Obrigada por me acompanhar em todas as fases desse processo e se tornar uma amiga
inseparável.
Agradeço aos professores e professoras que tanto me inspiraram até aqui. Ao professor
Henrique, por seus conselhos e aulas brilhantes; à professora Carla Montefusco, por seu
compromisso e responsabilidade conosco; à professora Silvana Mara, pela partilha de
conhecimento e experiência na profissão; e à professora Eliana Andrade, a qual sempre nos
incentivou e deixou evidente que o céu é o limite.
Gostaria de expressar minha gratidão àqueles que fizeram meu processo de aprendizagem
possível. Os funcionários e funcionárias do NEPSA, os quais sempre estiveram dispostos a me
socorrer. Agradeço aqui, principalmente, a seu Gilberto, que me salvou inúmeras vezes e que
está com um sorriso no rosto para nos receber todos os dias.
Agradeço à Camila, minha psicóloga, que segurou a barra e minhas questões durante todo
o período do mestrado. Sem seu conhecimento e seu trabalho, eu não teria conseguido chegar
ao final desse processo.
Agradeço à professora Deise Ferraz pelas palavras de encorajamento, pelos momentos de
ensino e, principalmente, por contribuir de forma tão ativa na minha formação. Você é um ponto
fora da curva e uma grande inspiração, sendo uma das referências no debate marxista atual.
Obrigada por aceitar estar em mais uma etapa do meu processo de aprendizagem.
Agradeço também à professora Maria Dalva Horácio da Costa, a qual esteve em minha
banca do Trabalho de Conclusão de Curso na graduação e terei a honra de contar com as
contribuições na finalização dessa etapa.
Além disso, agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) e ao governo brasileiro pelo investimento na formação de pesquisadores e
pesquisadoras. A bolsa fornecida durante os 16 meses possibilitou minha dedicação exclusiva
à construção de uma ciência comprometida com os interesses da classe trabalhadora.
Por fim, agradeço a mim. Por não ter desistido, por não ter enlouquecido, pelo esforço
que depositei neste trabalho. Me tornei uma pessoa e uma pesquisadora melhor com ele. Avante.
LISTA DE SIGLAS

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior


CAPs – Caixas de Aposentadoria e Pensão
CAPS AD – Centro de Atenção Psicossocial especializado em Álcool e Drogas
CEREST – Centro de Referência à Saúde do Trabalhador
CF – Constituição Federal
CTs – Comunidades Terapêuticas
CNDSS – Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde
CNS – Conselho Nacional de Saúde
CID – Classificação Internacional de Doenças
CISTT – Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora
CSP – Cadernos de Saúde Pública
CVV – Centro de Valorização da Vida
DART – Doenças e Agravos à Saúde Relacionados ao Trabalho
DRT – Doenças Relacionadas ao Trabalho
DSS – Determinantes Sociais da Saúde
ECT - Eletroconvulsoterapia
ESPII – Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional
HUOL – Hospital Universitário Onofre Lopes
IA – Insegurança Alimentar
IAPs – Institutos de Aposentadoria e Pensão
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LDRT – Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho
LER – Lesão por Esforço Repetitivo
MPC - Modo de Produção Capitalista
MPT – Ministério Público do Trabalho
MRSB – Movimento da Reforma Sanitária Brasileira
MS – Ministério da Saúde
MSLA – Medicina Social Latino-Americana
MTSM – Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMS – Organização Mundial da Saúde
OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde
PAHO – Pan-American Health Organization
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNAS – Política Nacional de Assistência Social
PNSTT – Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora
SIA – Sistema de Informações Ambulatoriais
SPA – Substâncias Psicoativas
RAPS – Rede de Atenção Psicossocial
RAS – Rede de Atenção à Saúde
RENAST – Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador
RP – Reforma Psiquiátrica
SINAN – Sistema de Informação de Agravos de Notificação
ST – Saúde do Trabalhador
SUS – Sistema Único de Saúde
TMRT – Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
VESAT – Vigilância Epidemiológica em Saúde do Trabalhador
WHO – World Health Organization
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Carga de Transtornos Mentais Específicos: níveis por país a cada 100.000
habitantes (Transtorno de Ansiedade de acordo com os Anos de Vida Saudável) ................... 31
Figura 2 - Carga de Transtornos Mentais Específicos: níveis por país a cada 100.000
habitantes (Transtorno de Ansiedade de acordo com os Anos de Vida Ajustados por
Incapacidade - DALYs) ................................................................................................................ 32
Figura 3 - Carga de Transtornos Mentais Específicos: níveis por país a cada 100.000
habitantes (Transtornos Depressivos de acordo com os Anos de Vida Saudável perdidos por
Incapacidade - YLDs e Transtornos Depressivos de acordo com os Anos de Vida Ajustados
por Incapacidade – DALYs) ......................................................................................................... 33
Figura 4 - Evolução das taxas de mortalidade por suicídio, ajustadas por idade, segundo
região. Brasil, 2010 a 2019 ........................................................................................................... 34
Figura 5 - Exemplos de fatores protetivos e de risco que determinam a Saúde Mental ........... 38
Figura 6 - Modelo Dahlgren e Whitehead ................................................................................... 42
LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS

Tabela 1 - Percentuais de Afastamentos conforme a Classificação Internacional de Doenças


entre 2012 e 2022 - Tipos Acidentários (B91) ............................................................................ 26
Tabela 2 - Percentuais de Afastamentos conforme a Classificação Internacional de Doenças
entre 2012 e 2022 – Tipos Não Acidentários (B31) ................................................................... 27
Tabela 3 - Temas e Subtemas que Emergiram da Análise ......................................................... 79

Gráfico 1 - Produções e publicações em periódicos. Referente ao período (2012-2022) 77


Gráfico 2 - Concentração de publicações vinculados ao levantamento por Qualis (Quadriênio
2017-2020) 78
Gráfico 3 - Produção por categorias nos principais periódicos do Serviço Social 79
Gráfico 4 - Principais categorias secundárias relacionadas à categoria primária “Reforma
Psiquiátrica” 84
Gráfico 5 - Quantitativo de artigos por categoria secundária no campo de análise sobre a
“Contrarreforma Psiquiátrica” 87
Gráfico 6 - Categorias primárias predominantes nas teses e dissertações no Serviço Social
com base nas palavras-chave utilizadas (2012-2022) 92
Gráfico 7 - Categorias secundárias apresentadas no campo “Saúde do/a Trabalhador/a” 94
Gráfico 8 - Produção a nível de teses e dissertações por região do Brasil 95
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 6

CAPÍTULO 1: A SAÚDE DO/A TRABALHADOR/A: INDICADORES E DISPUTAS


TEÓRICO-POLÍTICAS ............................................................................................................ 14

1.1 Saúde do Trabalhador e Doenças Relacionadas ao Trabalho: breve histórico da


conformação das lutas nas políticas públicas de saúde do trabalhador no Brasil ................. 15

1.2 Indicadores de Saúde: Contribuição Para o debate da saúde mental dos/as


trabalhadores/as ......................................................................................................................... 24

1.3 Determinantes Sociais de Saúde Mental: avanço, mas também obstáculo. .................... 37

CAPÍTULO 2: “SEU SONHO É SUA VIDA E VIDA É TRABALHO”: SAÚDE NO


CAPITALISMO HODIERNO .................................................................................................. 47

2.1 Considerações sobre a Categoria Trabalho no Modo de Produção Capitalista .............. 47

2.2 O Sofrimento Psíquico Como Desdobramento da Questão Social .................................. 60

CAPÍTULO 3: O SERVIÇO SOCIAL E SUAS APROXIMAÇÕES COM A SAÚDE


MENTAL NO CONTEXTO BRASILEIRO .......................................................................... 72

3.1 Breve historicização do percurso teórico-metodológico do Serviço Social até a Saúde


Mental no Brasil ........................................................................................................................ 72

3.2 Produção de Conhecimento do Serviço Social na Saúde Mental: Aprofundamento


Teórico ou Estagnação? ............................................................................................................ 75

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................... 100

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 106


RESUMO

O processo saúde-doença dos trabalhadores e das trabalhadoras é engendrado pelo processo de


trabalho no capitalismo. Nesse sentido, esta dissertação expõe, como ao longo da jornada de
trabalho, as cargas que causam desgaste na força de trabalho dos/as trabalhadores/as, sejam eles
físicos e/ou mentais, se manifestam. Tal procedimento se dá no contexto da luta e classes e as
transformações no mundo do trabalho em sua relação dialética com o processo de produção
saúde-doença, baseando-se nos textos de Marx e nos estudos da Medicina Social Latino-
Americana, mas não se limitando a eles, e considerando como contexto, o modo como o
sofrimento psíquico tem sido abordado no Serviço Social. Assim, este trabalho tem como
objetivo geral contribuir com o aprofundamento teórico acerca da saúde mental do trabalhador
e da trabalhadora no Serviço Social brasileiro. Mais especificamente, objetiva-se: a) Investigar
o campo da saúde do/a trabalhador/a enquanto espaço de disputa teórica e política no
capitalismo brasileiro; b) Expor o sofrimento psíquico enquanto expressão da questão social a
partir dos desdobramentos provocados pelas transformações no mundo do trabalho; e c)
Analisar o Estado da Arte do Serviço Social frente às temáticas de saúde mental do trabalhador
e da trabalhadora. A metodologia da pesquisa está fundamentada no método crítico-dialético,
com abordagem quanti-qualitativa, e com uso de técnicas do levantamento bibliométrico dos
dados materiais acerca da produção de conhecimento do Serviço Social frente à Saúde do/a
Trabalhador/a, acrescido de análise documental de relatórios de órgãos de fomento e
governamentais. Como resultado das análises, fica evidenciado que o pauperismo, o sofrimento,
a loucura e o suicídio são produzidos dialeticamente na sociedade, como expressão de um
processo mais amplo e generalizado de sofrimento psíquico e físico decorrente da ampliação
da exploração do trabalho que vem sendo intensificada pela crescente precarização do trabalho
da classe trabalhadora. Vale observar ainda, que tanto as frações de trabalhadores que estão
conseguindo vender sua força de trabalho, quanto os desempregados têm sido acometidos por
adoecimento mental, ainda que de forma distinta, indicando que é necessário considerar não
apenas a conformação atual da classe, mas também suas particularidades, por isso foi destacado
na pesquisa a necessidade de atenção para os trabalhadores formalmente excluídos do mercado
de trabalho. Para além disso, identifica-se que a dinâmica do Modo de Produção Capitalista tem
engendrado tanto a produção de adoecimentos, especificamente, dos transtornos mentais, os
quais têm sido objeto da mercantilização com vistas a reprodução ampliada de capital. Portanto,
a partir do entendimento de que o sofrimento psíquico constitui um dos desdobramentos das
expressões da Questão Social, destaca-se a importância de uma maior apropriação do Serviço
Social, acerca da perspectiva da determinação da saúde para ampliar a sua contribuição
enquanto área do conhecimento e de intervenção, frente aos debates que permeiam a saúde
mental dos/as trabalhadores/as. Conclui-se que o Serviço Social tem considerado aspectos
salutares no que tange à importância da luta por saúde mental na perspectiva da Reforma
Psiquiátrica, como pode ser visto nos estudos publicados sobre a saúde do trabalhador, a
reforma e a contrarreforma psiquiátrica, contudo, há uma lacuna no que se refere à necessidade
da radicalidade na crítica à redução aos determinantes sociais da saúde, uma vez que estes não
tensionam as bases do modo capitalista de produção e não problematizam as raízes das
desigualdades sociais.

Palavras-chave: Saúde do Trabalhador. Determinação Social da Saúde. Expressões da


Questão Social. Sofrimento Psíquico. Serviço Social.
ABSTRACT

The health-disease process of male and female workers is engendered by the work process
under capitalism. In this sense, this dissertation shows how the risks that cause wear and tear
on workers' workforces, whether physical and/or mental, manifest themselves throughout the
working day. This procedure takes place in the context of the class struggle and the
transformations in the world of work in its dialectical relationship with the health-disease
production process, based on the texts of Marx and the studies of Latin American Social
Medicine, but not limited to them, and considering as a context the way in which psychological
suffering has been approached in Social Work. The general aim of this study is therefore to
contribute to a deeper theoretical understanding of the mental health of male and female
workers in the Brazilian Social Service. More specifically, the aim is to: a) Investigate the field
of workers' health as a space of theoretical and political dispute in Brazilian capitalism; b)
Expose psychological suffering as an expression of the social question based on the
developments caused by transformations in the world of work; and c) Analyze the State of the
Art of Social Work in relation to the themes of workers' mental health. The research
methodology is based on the critical-dialectical method, with a quantitative-qualitative
approach, and the use of bibliometric survey techniques of material data on the production of
knowledge of Social Work in relation to Workers' Health, plus documentary analysis of reports
from development and government agencies. As a result of the analysis, it is clear that
pauperism, suffering, madness and suicide are produced dialectically in society, as an
expression of a broader and more generalized process of psychological and physical suffering
resulting from the increased exploitation of work, which has been intensified by the growing
precariousness of the working class.

Keyword: Workers' Health. Social Determination of Health. Expressions of the Social


Question. Psychic Suffering. Social Work.
6

INTRODUÇÃO

Na sociedade capitalista, o trabalho, mediado pelas relações de troca, se desenvolve


como trabalho assalariado e tal procedimento condiciona as relações entre os indivíduos.
Trabalho assalariado é uma particularidade desse modo de produção, pois conforme as formas
de sociabilidade vão se complexificando, o trabalho, por carregar consigo dimensões históricas
e mediações, assume novas características. Essa condição é consequência das transformações
dos próprios meios de produção, que se desdobram nas relações sociais.
Considerando tais transformações, compreende-se que a venda da força de trabalho
dos/as trabalhadores/as também sofre alterações. Na intenção de extrair progressivamente o
mais-valor do processo de realização do trabalho, há o aperfeiçoamento dos modos de
exploração, os quais irão implicar nas condições de vida – e saúde – da classe trabalhadora.
Assim, os/as trabalhadores/as têm um maior desgaste da sua força de trabalho através da
intensificação de exposição às cargas de trabalho. Esse movimento desdobra-se no
encurtamento do tempo de vida dos/as trabalhadores/as, pois atinge suas condições objetivas
e subjetivas; provocando adoecimentos físicos e/ou mentais na classe trabalhadora.
A análise sobre o desgaste da força de trabalho tem base marxista e parte das análises
realizadas pela teoria da Determinação Social da Saúde, proposta pela área da Medicina Social
Latino-Americana (MSLA), ainda que não se limite a ela. Entendemos força de trabalho, com
fundamento nas proposições marxianas, como potência de trabalho humana, a qual é utilizada
no processo de trabalho para transformar os objetos de trabalho em produtos que possam ser
úteis e que estejam destinados à satisfação de necessidades humanas e sociais.
Nesse sentido, esta pesquisa busca contribuir com as discussões que vêm sendo
realizadas envolvendo a relação entre a saúde do/a trabalhador/a, a degradação da força de
trabalho e as questões relacionadas à saúde de um modo mais amplo. Inicialmente, os dados
nos darão um panorama geral sobre os adoecimentos físicos e mentais, contudo, a ênfase é
sobre o processo de produção de saúde-adoecimento mental dos/as trabalhadores/as no
capitalismo hodierno brasileiro.
Nesse cenário, revelou-se imprescindível compreender a trajetória da política de saúde
do/a trabalhador/a no Brasil e aprofundar a análise dos dados das fontes oficiais, sejam elas
governamentais ou não, para uma aproximação da realidade concreta, ainda que sob os limites
de tais relatórios apontarem para a manutenção das relações capitalistas, isto é, buscam apontar
os problemas, mas jamais ir até suas raízes, o que exigiria tensionar o modo como homens e
7

mulheres têm produzido a vida de modo geral, e sua saúde, mais detidamente. Por isso,
buscamos apreender quais as mediações que perpassam a disputa política das classes sociais
no projeto de uma nova ordem societária, onde o trabalho não seja apenas um produtor de
mais-valor (e, portanto, meio pelo qual a classe capitalista expropria a classe trabalhadora),
isto é, nosso horizonte é a emancipação política e humana.
Observamos a necessidade de reforçar que as transformações no mundo do trabalho e
a luta de classes são questões indispensáveis na análise sobre o adensamento da questão social,
principalmente, nas condições atuais. Ao realizar esse estudo aprofundado, foi possível
perceber que o trabalho em um cenário de avanço do capital, irá sugar cada vez mais dos/das
trabalhadores. A apropriação de sua jornada de trabalho in loco (ou em qualquer outro espaço
sócio-ocupacional) não tem sido o suficiente, o capital tem avançado para que os/as
trabalhadores/as tenham sua subjetividade adaptada à tal “flexibilidade” destes tempos, a partir
de técnicas de gestão e controle desenvolvidas pela Administração, levando suas atividades
para casa, pensando nelas ou até mesmo buscando atingir elevados patamares de produção
para realizar-se enquanto ser produtivo.
As transformações no mundo do trabalho, as técnicas de gestão e controle da força de
trabalho e outras questões sócio-históricas resultaram em modificações também no perfil da
classe trabalhadora. O que anteriormente era composto por uma massa de trabalhadores fabris,
hoje está expressa de outra forma. Assim, identifica-se, na contemporaneidade, uma expansão
do trabalho assalariado que tem como forte característica uma heterogeneização desse
processo. Observa-se também o crescimento de trabalhos precarizados, com vínculos de
terceirização, pejotização e trabalho intermitente. Outra expressão dessas modificações do
mundo do trabalho é uma questão subjacentes nesta pesquisa: o desemprego estrutural.
Destacamos que os questionamentos acerca da relação entre a degradação do trabalho
e o adoecimento da classe trabalhadora (físico e mental) iniciou em uma enfermaria de saúde
mental do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL) durante o primeiro ano de inserção
no Programa de Atenção Psicossocial, pertencente ao Programa de Residência
Multiprofissional Integrada da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Ao
realizar os rodízios no Centro de Atenção Psicossocial especializado em Álcool e Drogas
(CAPS-AD), localizado na Região Leste do município do Natal, os questionamentos foram
acentuados. Esse de serviço de saúde pertence à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e é
destinado ao acompanhamento de pessoas que fazem o uso abusivo de substâncias psicoativas
(SPA).
8

Ressalta-se a importância do processo de inserção na Residência Multiprofissional em


Atenção Psicossocial devido à relevância desse processo na vida acadêmica e pessoal da
pesquisadora que se propôs a realizar essa pesquisa. Foi durante o período e a trajetória em
múltiplos serviços voltados para o cuidado em saúde mental que a autora deste trabalho se
entendeu como profissional do Serviço Social, como defensora dos ditos “loucos/as” e,
principalmente, como um ser humano inconformado com as expressões da questão social na
vida de trabalhadores e trabalhadoras que são usuários e usuárias da RAPS.
A preocupação e o interesse na pesquisa têm relação com as expressões do real que
podem ser encontradas através de relatórios e dados elaborados por instituições de pesquisa
nacionais e internacionais reconhecidas. Elas nos fornecem um panorama preliminar da
situação sobre o aprofundamento da questão social e de suas expressões (sendo a saúde uma
delas, por exemplo), além do que diz respeito ao mundo do trabalho e a relação entre o
processo de produção saúde-doença. Vale salientar, conforme Yazbek (2021), que os dados
encontrados são mais preocupantes na América Latina.
Para contextualizar a relação entre a saúde do/a trabalhador/a e a saúde mental é
imprescindível compreender as mediações e particularidades do que é o trabalho assalariado
e a saúde neste contexto. Portanto, a seguir serão apresentados alguns dados para introduzir o
movimento de origem do sofrimento psíquico relacionado ao trabalho. E ao longo desta
pesquisa, buscamos ir realizando a crítica às definições, indicadores e diretrizes das
Instituições e Estados.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a definição de saúde mental consiste
em “um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades,
recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade”. Essa
compreensão adotada internacionalmente deixa evidente o caráter produtivista da lógica
capitalista, na qual ter saúde se relaciona com ser funcional, contribuinte e produzir para
qualquer pessoa que não seja o próprio indivíduo - ou apenas para a manutenção de sua
existência e sua prole dentro do Modo de Produção Capitalista (MPC). Ressalte-se que o
conceito ampliado de saúde formulado pelo Movimento da Reforma Sanitária Brasileira
(MRSB), sintetizado no Relatório da 8ª Conferência Nacional de Saúde (8ª. CNS), supera tal
compreensão ao conceber a saúde como resultante das condições de vida e vincular
diretamente à organização social da produção:

Em seu sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das condições de


alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho,
9

transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a


serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de
organização social da produção, as quais podem grandes desigualdades nos
níveis de vida (Relatório Final da 8ª Conferência Nacional de Saúde, 1986,
p. 04).

Observe-se que o conceito ampliado de saúde, confere centralidade às condições de vida


e trabalho, à democracia, definindo concretamente os principais determinantes sociais do
processo saúde-doença.
Destacamos que o debate referente aos índices de adoecimento mental está em ascensão
e que a discussão sobre o impacto dos transtornos mentais na vida dos/as trabalhadores e em
suas relações sociais. Esse debate foi uma das pautas da Comissão Intersetorial de Saúde do
Trabalhador e da Trabalhadora (Cistt), do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Na 342º
Reunião Ordinária do CNS foram apresentados dados preocupantes sobre como o adoecimento
mental – em especial a ansiedade, o estresse e o suicídio – está atingindo a população ativa
brasileira (Conselho Nacional de Saúde, 2023). Outro elemento que corrobora com a
afirmação anterior é a preocupação de organizações internacionais com o suicídio, destacando
que este é um problema grave de saúde pública (OPAS, 2018).
No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, entre 2010 e 2019, houve 112.230
mortes por suicídio, sendo um aumento de 43% no número anual de mortes, de 9.454 em 2010,
para 13.523 em 2019. Além disso, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Pan-
American Health Organization - PAHO), até 2019 o Brasil ocupava o 2º lugar entre os países
que têm a maior quantidade de anos vivendo com variados transtornos de acordo com o cálculo
por padrão de idade, contabilizando 2.207,6 pessoas com transtornos mentais a cada 100.000
habitantes.
Resssalte-se que outro elemento que provocou modificações nos dados sobre o
adoecimento mental foi a pandemia da COVID-19. O primeiro caso da enfermidade foi
registrado na China, na cidade de Wuhan e notificado à Organização Mundial de Saúde (OMS)
no dia 31 de dezembro de 2019 e caracterizada como pandemia no dia 11 de março de 2020,
tendo o fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) decretado
apenas em 2023 (Organização Pan-Americana de Saúde, 2023). Devido às diversas questões
apresentadas, tais como o isolamento social, a vivência de luto e o desemprego, identificou-se
um aumento de 25% nas taxas de ansiedade e depressão, de acordo com um resumo do estudo
divulgado pela PAHO.
A relação entre a produção de Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho (TMRT)
fica ainda mais explícita ao analisarmos os números apresentados pelo Observatório de
10

Segurança e Saúde no Trabalho. Considere-se que em 10 anos (2012 a 2022), 2.233.721 (dois
milhões e duzentos e trinta e três mil e setecentos e vinte e uma) pessoas foram afastadas do
trabalho de forma não acidentária em decorrência de transtornos mentais e comportamentais.
Já os de forma acidentária, configuraram 110.079 (cento e dez mil e setenta e nove)
trabalhadores e trabalhadoras que precisaram estar ausentes de seus empregos devido ao
adoecimento mental. Vale salientar que esses dados consideram apenas os trabalhadores
contribuintes ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), deixando à parte de seu
cálculo trabalhadores e trabalhadoras desempregados ou informais não-contribuintes.
Dessa forma, a partir do real imediato abstraído do campo e com subsídios da pesquisa
bibliográfica e documental, este trabalho visa contribuir com as reflexões sobre o trabalho no
atual contexto de adensamento da precarização e relacioná-la ao processo de adoecimento dos
trabalhadores, destacando o adoecimento mental.
É a partir desse cenário que o interesse ocorre, de forma mais enfática, pois há o desejo
de contribuir para o debate da categoria frente a saúde mental dos trabalhadores,
especialmente, daqueles que não se enxergam como classe trabalhadora por estarem excluídos
do modo de inserção no trabalho formal e que sofrem profundamente com o adensamento da
questão social.
Avaliamos que a discussão dessa temática em espaços de visibilidade, como a
universidade, além de demonstrar as inúmeras possibilidades de contribuições do Serviço
Social pode interessar outros/as pesquisadores/as a desenvolver estudos e pesquisas sobre essa
temática, relacionando-a à questão social, principal objeto de intervenção da categoria
profissional.
Assim, foi realizado um levantamento bibliométrico no período de 2012 a 2022 em
periódicos de alto impacto (Qualis A pela classificação Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – CAPES). Foram identificados 293 artigos a partir da primeira
busca. Após estabelecidos os critérios de inclusão e exclusão 1, obteve-se o quantitativo de 166
artigos que traziam nos seus títulos, palavras-chaves ou resumos os seguintes descritores:
saúde mental, saúde do trabalhador e saúde mental do trabalhador. Destes 166 artigos, foi feita

1 Foram utilizados como critérios de inclusão: artigos de língua portuguesa e que correspondem à análise do cenário

brasileiro, publicados no período entre 2012 a 2022 em revistas de Qualis pertencentes a categoria A (A1 a A4)
conforme a avaliação da CAPES correspondente ao Quadriênio 2017-2020 (2023). Além disso, todos os periódicos
tinham como área de conhecimento e avaliação o Serviço Social. Como critérios de exclusão, estabeleceu-se:
artigos em língua estrangeira, publicados anteriormente ou posteriormente ao período de 2012 a 2022 em revistas
de Qualis B ou C mediante a classificação na Avaliação do Quadriênio 2017-2020 (2023) e que não possuíssem o
título, as palavras-chave e os resumos ligados à temática e aos descritores utilizados. Ademais, foram excluídos
periódicos que não pertenciam a área de conhecimento e tampouco tinham área de avaliação em Serviço Social.
11

uma análise de temas que resultaram na seguinte classificação: Saúde do/a Trabalhador/a (59
artigos; 35,5%); Contrarreforma Psiquiátrica (42 artigos; 25,3%); Reforma Psiquiátrica (RP)
(34 artigos; 20,5%); Atuação e Formação Profissional (21 artigos; 12,7%); e Precarização do
Trabalho (10 artigos; 6%). Essas categorias primárias desdobraram em categorias secundárias,
as quais são apresentadas e debatidas no desenvolver da pesquisa.
Diante desse contexto, nesta pesquisa definimos como objetivo geral: Contribuir com
o aprofundamento teórico acerca da saúde mental do trabalhador e da trabalhadora no
Serviço Social brasileiro.
Mais especificamente, objetiva-se:
a) Investigar o campo da saúde do/a trabalhador/a enquanto espaço de disputa teórica e
política no capitalismo brasileiro.
b) Expor o sofrimento psíquico enquanto expressão da questão social a partir dos
desdobramentos provocados pelas transformações no mundo do trabalho.
c) Analisar o Estado da Arte do Serviço Social frente às temáticas de saúde mental do
trabalhador e da trabalhadora.

As analises, discussão e resultados desta dissertação será exposta do seguinte modo:


No capítulo 1, nomeado de “Saúde do/a Trabalhador/a: indicadores e disputas teórico-
políticas”, foi realizada uma retrospectiva histórica da construção e consolidação de uma
política de saúde específica voltada para às necessidades da classe trabalhadora em sua
relação dialética com a classe capitalista. Além disso, apresenta dados e compreensões
críticas acerca da adoção dos Determinantes Sociais da Saúde como chave para entender a
saúde brasileira e sugere uma análise a partir da Determinação Social da Saúde a partir das
categorias “carga de trabalho” e “desgaste da força de trabalho”.
Já o capítulo 2, chamado de “‘Seu sonho é sua vida e vida é trabalho’: saúde no
capitalismo hodierno” tece considerações sobre a categoria trabalho no capitalismo hodierno,
apresentando como os modelos de gestão e controle da força de trabalho estão relacionados
ao desenvolvimento de adoecimentos nos/nas trabalhadores/as inseridos no processo
produtivo – ou os que estão fora dele. Ademais, a partir da teoria marxiana, considera a
relação entre o Modo de Produção Capitalista e o sofrimento psíquico como uma das
expressões da questão social.
Faz-se importante ratificar, seguindo Iamamoto e Carvalho (2014, p. 84), que as
expressões da questão social podem ser compreendidas como:
12

[...] as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe


operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu
reconhecimento como classe por parte do empresariado. É a manifestação, no
cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a
qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e
repressão.

O capítulo 3, o último deste trabalho, intitulado: “O Serviço Social e suas


aproximações com a saúde mental no contexto brasileiro” apresenta como se deu a inserção
do Serviço Social na sociedade capitalista e, principalmente, no trabalho com transtornos
mentais e comportamentais. Além disso, foi elaborado um panorama de como está o campo
de produções científicas do Serviço Social voltada à área de saúde mental, saúde do
trabalhador e saúde mental do trabalhador. A partir desse movimento foi possível identificar
avanços e algumas lacunas da profissão no debate, os quais são debatidos ao longo da
discussão.
Assim, para dar encaminhamento a pesquisa, a metodologia baseou-se no método
crítico-dialético proposto por Karl Marx (1818-1883). A opção por fundamentar está
pesquisa com base nessa matriz teórica está relacionada à necessidade de considerar a
totalidade, a historicidade, as mediações e determinações do objeto alvo de estudo.
Partindo desse ponto, a primeira afirmação necessária na metodologia deste projeto é
que este não é um projeto neutro. Por esse motivo, Netto (2011, p. 23; 25) afirma:

a pesquisa - e a teoria que dela resulta - da sociedade exclui qualquer


pretensão de “neutralidade”, geralmente identificada com “objetividade”
[...] o papel do sujeito é essencialmente ativo: precisamente para apreender
não a aparência ou a forma dada ao objeto, mas a sua essência, a sua
estrutura e a sua dinâmica.

Portanto, compreende-se que o objeto existe na realidade concreta e independe do


“ponto de vista” do indivíduo ou de qualquer visada relativista no fazer científico, posto que
é dever do pesquisador apreender, de forma cognitiva, o ser do objeto. Dessa forma, no
decorrer da apreensão, o objeto pode e deve ser transposto ao campo do pensamento (Ferraz;
Chaves e Ferraz, 2018). É a partir desse momento que se dá o processo de mediações e
abstrações necessárias para chegar ao concreto pensado e superar a aparência,
compreendendo a essência do fenômeno. Ao passo que esse movimento é realizado,
consegue-se perceber que:

É o ser do objeto que dirá o que necessitamos para conhecê-lo e não as


qualidades de nossa razão, ainda que elas estejam presentes no processo.
[...] o real não é aquilo que apreendemos cognitivamente, mas aquilo que
13

fazemos. A objetividade está posta, a despeito de termos ou não consciência


dela, por outro lado, temos a possibilidade de termos consciência dela, mas
essa não determina a primeira, é a primeira a condição de possibilidade da
segunda (Ferraz, Chaves e Ferraz, 2018, p. 6; 20).

Sendo assim, este estudo trata, em parte, de uma pesquisa bibliográfica e documental,
tendo como técnica o levantamento bibliométrico do material acerca da produção de
conhecimento do Serviço Social frente à Saúde do/a Trabalhador/a. Buscamos compreender
quais as concepções do Serviço Social sobre a saúde dos/as trabalhadores/as, em especial, a
saúde mental contexto do capitalismo hodierno, bem como os impactos da degradação do
trabalho – através das cargas de trabalho - na classe trabalhadora e a sua relação com o
sofrimento psíquico enquanto expressão da questão social.
Foram analisadas também produções de instituições e organizações (por exemplo:
Organização Mundial da Saúde; Ministério da Saúde, entre outros). Contudo, diante do pouco
volume de material produzido que relacionasse (sofrimento) adoecimento mental e trabalho
em si, tivemos que cruzar esses dados e submete-lo ao exame crítico para expor suas
contradições e movimentos.
14

CAPÍTULO 1: A SAÚDE DO/A TRABALHADOR/A: INDICADORES E DISPUTAS


TEÓRICO-POLÍTICAS

Está na luta, no corre-corre, no dia a dia


Marmita é fria, mas se precisa ir trabalhar
Essa rotina em toda firma começa às sete da manhã
Patrão reclama e manda embora quem atrasar

Trabalhador
Trabalhador brasileiro [...]

E sem dinheiro vai dar um jeito


Vai pro serviço
É compromisso, vai ter problema se ele faltar
Salário é pouco, não dá pra nada
Desempregado também não dá
E desse jeito a vida segue sem melhorar

Trabalhador – Seu Jorge

O processo saúde-doença dos trabalhadores e trabalhadoras é engendrado pelo processo


de trabalho no capitalismo. Nesse sentido, dentro do campo da saúde – que se expressa na
academia e se consolida pelas políticas públicas -, foi criada uma linha especificamente para
dar atenção aos elementos centrais que determinam e condicionam o processo de produção da
saúde-doença. Dizemos que condicionam/determinam, pois tais elementos têm sido
compreendidos de modo distinto e interferem na luta de classes.
O Ministério da Saúde (MS) define o campo de Saúde do Trabalhador (ST) como:

[...] o conjunto de atividades do campo da saúde coletiva que se destina, por


meio das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à
promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à
recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e
agravos advindos das condições de trabalho (idem, s/a).

Nesse sentido, ao longo da jornada de trabalho e da realização da potência de trabalho, os


trabalhadores e trabalhadoras encontrarão cargas que causam desgaste em sua força de trabalho,
sejam eles físicos ou mentais - ou ambos, haja vista que os/as trabalhadores/as podem estar
expostos/as a múltiplas cargas.
Este capítulo objetiva, portanto, apontar indicadores utilizados atualmente pelo Estado e
dados sobre a saúde dos/as trabalhadores/as, tendo como principal foco o sofrimento psíquico
dos trabalhadores e das trabalhadoras brasileiros/as. Sobre esse debate, partimos da concepção
de saúde mental adotada pelo Ministério da Saúde, alinhada com a Organização Mundial da
15

Saúde (OMS), “um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias
habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua
comunidade. A saúde mental implica muito mais que a ausência de doenças mentais”.
Observemos que a noção de saúde mental está profundamente relacionada com o ser produtivo
e ser produtivo na nossa sociedade perpassa pela capacidade de produzir (mais) valor.
Buscamos fundamentar nossa análise, à luz do materialismo histórico-dialético, o qual
exige que o ponto de partida para a investigação do pesquisador seja o real e o concreto, ainda
que partamos do concreto imediato, neste caso, os indicadores. A partir desse movimento, de
acordo com Netto (2011, p. 42), “pela análise, um e outro elementos são abstraídos e,
progressivamente, com o avanço da análise, chega-se a conceitos, a abstrações que remetem a
determinações mais simples”.
Assim, o estudo feito durante a discussão presente nos tópicos a seguir visa demonstrar,
a partir do nível mais próximo do real, a construção do campo da saúde do trabalhador enquanto
espaço de luta de classes e conquistas da classe trabalhadora. Além disso, apresenta
considerações sobre a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT),
sugerindo uma reformulação teórica com base na crítica elaborada pela Medicina Social Latino-
Americana (MSLA). Por fim, realiza críticas à perspectiva de análise das instituições
responsáveis pelo debate da saúde do trabalhador e da trabalhadora e da saúde mental, as quais
têm seu pensamento alinhado às ideologias difundidas pelo capital.

1.1 Saúde do Trabalhador e Doenças Relacionadas ao Trabalho: breve histórico da


conformação das lutas nas políticas públicas de saúde do trabalhador no Brasil

Para iniciar a discussão acerca das lutas políticas, trazemos a notória a contribuição de
Marx em “Miséria da Filosofia” (2017), onde o autor reforça que as condições econômicas
serão as responsáveis pela produção em massa dos trabalhadores frente às transformações e
desenvolvimento do capital. Esse processo, por si só, já forma uma classe de massas perante o
capital.
Contudo, é no contexto de construção das lutas, onde a classe trabalhadora irá se perceber
enquanto classe para si, em que seus interesses e dos demais trabalhadores se encontram, sendo
defendidos através de uma luta política, buscando primeiramente a emancipação política (a luta
por direitos e melhores condições de trabalho, por exemplo). Ou seja, a recém formada classe
trabalhadora, se entende enquanto tal.
16

Após esse momento, o movimento deve ser organizado para chegar à “libertação da classe
oprimida” (Marx, 2017, posição 3660), em busca da emancipação humana 2. Nesse cenário,
haverá a “abolição de toda classe, assim como a condição da libertação do terceiro Estado, da
ordem burguesa, foi a abolição de todos os Estados e de todas as ordens” (idem, posição 3667).
Quando as lutas encampadas por essa classe trabalhadora superam os limites da reprodução da
vida e anseiam por uma transformação radical no modo de produção.
Trazendo essa reflexão para o caso da classe trabalhadora brasileira, devemos lembrar
que o desenvolvimento histórico do capitalismo brasileiro foi tardio em relação ao evolver
capitalista no mundo, e está relacionado ao colonialismo (se quisermos mencionar o período
que antecede o surgimento das classes capitalistas e trabalhadora no Brasil, sob domínio
português, entre os séculos XVI ao XIX) e imperialista (no século XX, após a independência
política e com o acúmulo de capital local). Não poderemos nos deter nesta questão, apenas
apontar para o contexto que ensejou a formação da classe trabalhadora brasileira e as
manifestações da luta classes nas disputas sobre a questão da saúde, objeto desta pesquisa.
No início do século XX, o modo de gestão do trabalho importado dos Estados Unidos, o
Taylorismo a primeira forma de gerenciamento da força de trabalho, chega ao país para
substituir o trabalho escravo recém abolido, mas ainda marcante no modo como se (re)produzia
a vida. Mesmo chegando no Brasil com atraso, foi necessária uma série de adaptações para a
construção industrial brasileira. O modelo taylorista foi fortemente propagado pelos
empresários paulistas, os quais garantiram sua difusão no meio empresarial, acadêmico e
intelectual, mas também chegaram ao Estado em suas ações (Vargas, 1985).
De acordo com Vargas, o taylorismo “à brasileira” teve como premissa:

[...] criar as condições mais estáveis para que a acumulação de capital se


operasse de forma permanente. E de difundir uma concepção de mundo
orientado a partir das exigências da produção. Voltou-se, assim,
preponderantemente para o controle da formação e reprodução de uma força
de trabalho nacional que se submetesse aos novos requisitos de disciplina e
formação técnica fabris. Em outras palavras, a fase inicial do Taylorismo no
Brasil se direcionou para a difusão de seus princípios, com o sentido de
interferir na socialização da força de trabalho assalariado e na formação

2
A indispensabilidade de realizar uma distinção entre a Emancipação Política e a Emancipação Humana faz-se
necessária nesse momento. Ao tratar da Emancipação Política, Marx compreende as transformações realizadas
ainda na sociabilidade organizada pelo capital. Significa, portanto, a luta por determinada igualdade jurídica
através dos movimentos da classe trabalhadora. Já a Emancipação Humana, não pode ocorrer dentro do Modo de
Produção Capitalista, posto que ela nega o trabalho como mercadoria, a propriedade privada e a exploração dos/as
trabalhadores em benefício do capital. Assim, a Emancipação Política pode ser um caminho para a Emancipação
Humana, como afirma o próprio Marx (2005, p. 23) ao dizer: “Não há dúvida que a emancipação política representa
um grande progresso. Embora não seja a última etapa da emancipação humana em geral, ela se caracteriza como
a derradeira etapa da emancipação humana dentro do contexto do mundo atual”.
17

ideológica da tecnocracia industrial (engenheiros, psicólogos, assistentes


sociais etc) (idem, p. 162-163).

Ao se encontrarem em um cenário de construção de uma sociedade fabril e do aumento


das desigualdades sociais devido às transformações nas regiões urbanas, os trabalhadores
industriais3 desse período sentem a necessidade de buscarem, através de movimentos e
sindicatos de trabalhadores, meios de proteção a sua existência frente à agudização das questões
sociais. Nesse sentido, a defesa sobre a existência e permanência da vida dos trabalhadores
implicou na defesa das condições de saúde (física e mental) e do próprio ambiente de trabalho
(Mendes, Wünch e Corrêa, 2009).
A construção de uma legislação específica para a saúde dos trabalhadores é decorrente da
luta travada pelo movimento destes pela garantia de proteção social, bem como uma concessão
dos capitalistas recém-formados através de intervenções do Estado, visando a acumulação de
capital e a consolidação do capitalismo no Brasil.
Barbosa (2016, p. 18) sinaliza que a construção da conquista dos direitos dos
trabalhadores brasileiros está relacionada à inserção no mercado de trabalho formal,
concomitante com a industrialização brasileira, desde a sua gênese. O autor considera que:

A condição operária - marcada pela relação capital/trabalho, pela disciplina na


"fábrica" e por uma consciência de classe emergente - vai se afigurar como o
traço dinâmico da cena nacional. Entre 1940 e 1980, observa-se a expansão
de uma classe trabalhadora assalariada, concentrada nos centros urbanos,
irradiando-se de maneira seletiva a partir de São Paulo e do Sudeste em
direção ao Sul, para chegar ao Norte e ao Nordeste nos anos 1960 e 1970.
Além do salário mínimo, ao menos para as ocupações industriais e algumas
do setor de serviços, há também o acesso ao sindicato e a um pacote de direitos
sociais e trabalhistas (incluindo saúde, previdência e, por vezes, moradia).

No Brasil, a luta de grupos de trabalhadores resultou em um marco para a Seguridade


Social Brasileira: a Lei Elói Chaves, de 1923. Essa legislação criou as Caixas de Aposentadoria
e Pensão (CAPs) 4,, as quais atendiam inicialmente apenas a classe ferroviária, mas,

3
Vale ressaltar que a classe trabalhadora no Brasil não se resume aos/às trabalhadores/as fabris. Desde o
surgimento das primeiras manufaturas, passando pelo crescimento da produção industrial na primeira metade do
século XX, há um enorme contingente de homens e mulheres vivendo de atividades autônomas, bicos e sem acesso
à Direitos Trabalhistas.
4 As Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs) eram financiadas pela União, juntamente com a classe trabalhadora

e os empregadores. No entanto, só grandes estabelecimentos eram capazes de mantê-las, visto que a maior
participação na administração era das empresas. Os benefícios provenientes dessa organização estavam
diretamente relacionados às contribuições individuais dos trabalhadores. Dentre tais benefícios, encontrava-se:
assistência à saúde médico-curativa, bem como acesso ao fornecimento de medicamentos, aposentadoria (seja por
tempo de serviço, invalidez ou velhice), pensão para os dependentes e auxílio funeral (Bravo, 2013).
18

posteriormente, foram ampliadas para o setor marítimo e de estivadores. Os demais setores


conseguiram a adesão às CAPs apenas depois da década de 1930.
Observa-se que o Estado se dispõe a realizar uma conciliação entre os interesses do capital
e da classe trabalhadora, passando a reconhecer legalmente alguns dos direitos reivindicados
pelos trabalhadores (previdenciários, trabalhistas e de saúde, como apresentado anteriormente).
Os trabalhadores que não estavam inseridos na condição de trabalho formal precisavam recorrer
às Santas Casas de Misericórdia ou a instituições de cunho filantrópico para o atendimento
médico, por exemplo (Bravo, 2013).
O modelo previdenciário na qual as CAPs se baseavam durou até meados de 1945, quando
houve sua substituição pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) 5. O objetivo dessa
mudança era estender os benefícios proporcionados a categorias restritas para um maior número
de trabalhadores assalariados urbanos; contudo, esse movimento não tinha como objetivo
prover uma cobertura mais ampla dos serviços para a classe trabalhadora, foi apenas uma
estratégia para conter possíveis reivindicações das categorias que passaram a ser contempladas
(Bravo, 2013).
No final da década de 1970, o Brasil passava por um momento de transição entre o
Regime Militar e a emergente redemocratização do país. Durante esse período surge o
Movimento de Reforma Sanitária Brasileira, o qual foi composto por “movimentos sociais,
intelectuais e partidos de esquerda na luta contra a ditadura com vistas à mudança do modelo
‘médico-assistencial-privatista’ para um Sistema Nacional de Saúde universal, público,
participativo, descentralizado e de qualidade” (Correia, 2009, p. 111-112).
Um marco fundamental para a construção da saúde pública no Brasil foi a realização da
8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986. O evento aconteceu em Brasília, Distrito Federal,
e foi o responsável por introduzir o debate sobre a saúde e a sociedade, trazendo para análise as
principais pautas do Movimento da Reforma Sanitária.
Em 1988, a nova Constituição Federal (CF) foi promulgada e incorporou, “após vários
acordos políticos e pressão popular, [...] grande parte às reivindicações do movimento sanitário”
(Bravo, 2009, p. 97). A elaboração da Carta Magna reformulou e estabeleceu em legislação as
novas abordagens sobre assistência à saúde e a concepção desta dentro da Seguridade Social,
aspectos abordados nos artigos 196 a 200 da CF de 1988.

5Segundo Bravo (2013, p. 133) “os primeiros Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) criados foram:
Marítimos (1933), Bancários (1934), Industriários (1936), Servidores do Estado (1938), Empregados em
Transportes e Cargas (1938) e Comerciários (1940)”.
19

Para regulamentar o disposto na Constituição, foi elaborada a Lei Orgânica do Sistema


Único de Saúde (SUS) (Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990). Essa lei dispõe sobre áreas
de intervenção da saúde (promoção, proteção e recuperação da saúde), além de aprender o
modelo de organização e o funcionamento dos serviços correspondentes. Estabelece ainda que
a vigilância epidemiológica e a saúde do trabalhador são campos de atuação do SUS, recebendo
atenção especializada e áreas específicas para seus estudos.
Ao realizar uma retrospectiva do percurso para a construção da política de saúde
brasileira, nota-se a potência dos movimentos dos trabalhadores. O que iniciou com a
construção de uma política elaborada apenas para um grupo de trabalhadores formais, tornou-
se (com muita resistência e luta) uma política universal, que busca garantir a saúde como direito
de todos e dever do Estado, embasado na concepção ampliada de saúde, independente da
inserção no mercado de trabalho, gênero, orientação sexual, raça e classe social. Além de buscar
garantir ampliação do cuidado à saúde de outros grupos específicos, conseguiu incluir no debate
pautas importantes para toda a classe.
Como um desdobramento da Lei 8.080/90, visando nortear e categorizar as Doenças
Relacionadas ao Trabalho (DRT), a legislação brasileira através da Portaria nº 1.339 de 19 de
novembro de 1999, instituiu a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT). Essa lista
tem como objetivo ser referência para análise dos agravos originados no processo de trabalho
no Sistema Único de Saúde, para uso clínico e epidemiológico (Ministério da Saúde, 1999). A
criação dessa lista está relacionada ao fato de que o diagnóstico de Doenças Relacionadas ao
Trabalho pode ser influenciado por fatores que podem facilitar ou dificultar a identificação da
relação entre trabalho e saúde.
De acordo com Silvestre Silva-Junior et al. (2022, p. 2, grifos nossos), as Doenças e
Agravos à Saúde Relacionados ao Trabalho (DART) podem ser definidas como:

[...] danos à integridade física ou mental do indivíduo em consequência ao


exercício profissional ou às condições adversas em que o trabalho foi
realizado. A morbimortalidade desses quadros tem altos custos sociais,
decorrentes do sofrimento individual, da perda de produtividade e de
uma maior utilização dos serviços de saúde e de previdência social. As
Dart podem ser desencadeadas ou agravadas por diversos processos de
adoecimento multifatoriais, tais como: acidentes de trabalho; doenças
profissionais clássicas; doenças comuns à população eventualmente
modificadas na frequência de sua ocorrência, na precocidade de seu
surgimento ou na maior gravidade clínica, conforme as condições de trabalho;
e doenças comuns à população que têm o espectro de sua etiologia ampliado
ou tornado mais complexo pelo trabalho.
20

Em 2001, o Ministério da Saúde publica o documento “Doenças Relacionadas ao


Trabalho - Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde”, o qual tem como objetivo a
orientação de profissionais da saúde, especialmente àqueles da atenção primária à saúde, sobre
ações de prevenção, vigilância e assistência frente às demandas relacionadas a saúde do
trabalhador. Ademais, elenca a possibilidade de caracterização entre as doenças e ocupações,
buscando estabelecer relação entre elas para proporcionar intervenções mais direcionadas às
adversidades encontradas:

Com este Manual, o Ministério da Saúde dá continuidade ao trabalho realizado


em 1999, que culminou com a elaboração da Lista de Doenças Relacionadas
ao Trabalho, em cumprimento à determinação contida na Lei Orgânica da
Saúde (Lei n.º 8.080/1990). Essa Lista, sintonizada com a moderna
compreensão do tema, ampliou e atualizou o conceito da patologia
relacionada ao trabalho, constituindo-se em valioso instrumento para
definição de um perfil de morbimortalidade dos trabalhadores e para
orientação do planejamento, da execução e da avaliação das ações no âmbito
da prestação de serviços dirigidas a promover, proteger e recuperar a saúde
desse importante contingente populacional (Ministério da Saúde, 2001, p. 11.
Grifos nossos).

Com o intuito de complementar a Portaria nº 1.339/1999, foi elaborada e publicada a


Portaria nº 777, de 28 de abril de 2004, a qual apresenta a lista de doenças que devem ter
notificação compulsória no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Além
disso, foi criada a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora através da
Portaria nº 1.823 de 23 de agosto de 2012, a qual considera como público-alvo de suas ações:

Art. 3º Todos os trabalhadores, homens e mulheres, independentemente de sua


localização, urbana ou rural, de sua forma de inserção no mercado de trabalho,
formal ou informal, de seu vínculo empregatício, público ou privado,
assalariado, autônomo, avulso, temporário, cooperativados, aprendiz,
estagiário, doméstico, aposentado ou desempregado são sujeitos desta Política
(Ministério da Saúde, 2012, n.p).

Para além do público-alvo definido no artigo acima, a PNSTT estabelece atendimento


prioritário para:

[...] pessoas e grupos em situação de maior vulnerabilidade, como aqueles


inseridos em atividades ou em relações informais e precárias de trabalho, em
atividades de maior risco para a saúde, submetidos a formas nocivas de
discriminação, ou ao trabalho infantil, na perspectiva de superar desigualdades
sociais e de saúde e de buscar a equidade na atenção (Ministério da Saúde,
2012, n.p).
21

Esse público-alvo tido como "em situação de maior vulnerabilidade" nos interessa
particularmente, pois são os mais afetados pela agudização das expressões da questão social,
consequentemente, são os principais grupos que podem apresentar o desenvolvimento/agravo
de transtornos mentais (World Health Organization, 2012 apud Arango et al., 2021). Nesse
sentido, trata-se de uma questão importante no âmbito desta pesquisa, tanto compreender as
cargas do processo de trabalho, bem como os fatores de risco que envolvem o adoecimento da
classe trabalhadora, ainda que se apresente de modo distinto no interior da classe.
Observe-se que do ponto de vista das lutas por saúde, considerando a contradição trabalho
e capital, é possível tanto apontar conquistas da classe trabalhadora em sentido amplo, quanto
demonstrar os limites dessas conquistas, seja pelo fato das conquistas em certa medida
viabilizarem o acúmulo de capital, ao manter a força de trabalho produtiva, seja pelo fato de a
crescente precarização do trabalho restringir o acesso deste padrão de saúde a um contingente
cada vez menor da população. Ainda que não tratemos da questão da mercantilização da saúde,
precisamos mencionar a capacidade que o capital tem de avançar sobre as esferas da vida, assim,
se o sofrimento psíquico tem sido engendrado em concomitância com a produção destes
tempos, o diagnóstico, o tratamento e os medicamentos viram mercadorias rentáveis para que
trabalhadores/as se mantenham produtivos/as.
Nesse sentido, é fundamental estabelecer uma crítica aos “riscos” no processo no
trabalho. Para isso, recorremos a Laurell e Noriega (1989), apontam os limites de tomar a noção
de risco na análise do processo de adoecimento, sendo este utilizado pela Medicina do Trabalho
para caracterizar elementos do processo produtivo “que podem provocar causar danos ao corpo
do trabalhador. Define, dessa maneira, os riscos como agentes nocivos isolados que podem
causar doença” (idem, p. 105).
Superando a abordagem da Medicina do Trabalho, Laurell e Noriega (1989) irão buscar
compreender o processo saúde-doença está muito além de uma análise monocausal, a qual
considera elementos isolados para apreender o adoecimento dos/as trabalhadores/as. Nesse
sentido, os autores sugerem que a categoria “carga de trabalho”, é razoável e busca:

[...] alcançar uma conceituação mais precisa do que temos consignado até o
momento com a pré-noção de "condições ambientais" no que diz respeito ao
processo de trabalho. Dessa forma busca-se ressaltar na análise do processo
de trabalho os elementos deste que interatuam dinamicamente entre si e com
o corpo do trabalhador, gerando aqueles processos de adaptação que se
traduzem em desgaste, entendido como perda da capacidade potencial
e/ou efetiva corporal e psíquica. (Laurell e Noriega, 1989, p. 106. Grifos
nossos).
22

É necessário dividir as cargas de trabalho em áreas específicas para realizar uma análise
em profundidade. Sendo assim, as cargas de trabalho podem ser externas ao corpo, mas que ao
atuar nos indivíduos irão gerar nova materialidade interna (físicas, químicas, biológicas e
mecânicas); e também “podem ser somente adquirem materialidade no corpo humano ao
expressarem-se em transformações em seus processos internos, questão que se tornará mais
compreensível ao se analisar cada uma delas” (fisiológicas e psíquicas) (Laurell e Noriega,
1989, p. 106). Mais recentemente, Ferraz e Bechara-Maxta (2022), em adição, sinalizam a
origem de uma nova carga frente às transformações do mundo do trabalho, principalmente,
relacionadas à informatização dos processos de trabalho, são as cargas digitais.
Tal sistematização acerca das cargas e desgaste poderia contribuir para o avanço nas
disputas por melhores condições de trabalho e de saúde. Por isso, para além da inclusão do
entendimento sobre as cargas decorrentes dos processos de trabalho, consideramos fundamental
a compreensão e adoção da Política Nacional de Saúde dos Trabalhadores e Trabalhadoras
dessa categoria. Essa indispensabilidade está vinculada ao fato de que as cargas de trabalho
provocam um desgaste da força de trabalho, a qual pode ser compreendida como:
Nesse sentido, o desgaste da força de trabalho é decorrente da:

[...] interação dinâmica das cargas, nos processos biopsíquicos humanos. O


desgaste pode ser definido, então, como a perda de capacidade efetiva elou
potencial, biológica e psíquica. Ou seja, não se refere a algum processo
particular isolado, mas sim ao conjunto dos processos biopsíquicos (Laurell e
Noriega, 1989, p. 109).

Assim, o desgaste da força de trabalho “se define como a perda de capacidade efetiva
e/ou potencial, biopsíquica” dos/as trabalhadores/as (Laurell e Noriega, 1989, p. 109). Nesse
caso, o desgaste pode ser expresso como patologia ou não.
A análise de como as cargas de trabalho são consequências dos processos de trabalho
desgastantes no Modo de Produção Capitalista explica de forma direta como o desgaste da força
de trabalho pode ser apresentado através do adoecimento. Seguindo essa lógica, será possível
identificar que o processo de adoecimento da classe trabalhadora está intrínseco ao processo
produtivo em que ela está inserida, portanto, consegue estabelecer um elo entre a saúde e o par
capital-trabalho, bem como suas contradições.
Propõe-se, portanto, uma atualização na Política Nacional de Saúde do Trabalhador e
da Trabalhadora com base na teoria de Determinação Social da Saúde, criada pela Medicina
Social Latino-Americana. Ainda que se saiba que não se trata apenas de “mudar a norma”, ou
de supor que as mazelas do capitalismo podem ser remediadas por meio do seu Estado; mas
23

como foi mencionado no início do capítulo, apenas no contexto das lutas organizadas da classe
trabalhadora é que se pode avançar rumo a uma transformação radical.
Essa revisão teórica se apresenta necessária, pois a PNSTT está estruturada sobre debates
teóricos que são um avanço, se considerarmos a Medicina Tradicional, mas que ainda
responsabilizam a classe trabalhadora por seu processo de produção de saúde-doença - como é
o caso dos enfoques nos Determinantes Sociais da Saúde (DSS) 6. Por outro lado, ao adotar a
teoria da Determinação Social do processo de produção da saúde-doença, ainda que como ponto
de partida, tem-se que a noção do adoecimento deve ser observada enquanto processo produtivo
social, o qual envolve múltiplos aspectos do funcionamento da sociedade.
Assim, para compreender a produção do processo saúde-doença em uma perspectiva
crítica, alinhada com a teoria marxista, é preciso realizar uma análise que considere as
dimensões políticas, econômicas e ideológicas de forma particular, pois são esses elementos
que irão caracterizar o processo histórico das coletividades.
Os conflitos de interesses e as contradições entre capital e trabalho incidem diretamente
nas políticas públicas de saúde. Observa-se que a PNSTT constrói serviços responsáveis por
corresponder às necessidades dos/as trabalhadores/as conforme o que é proposto, na lógica da
funcionalidade, da qual é necessário tratar os/as trabalhadores/as com o objetivo de retornar ao
processo produtivo.
Esse é o aspecto que interessa aos empregadores, enquanto para os trabalhadores interessa
que, com muita luta, foi criada a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador
(RENAST), sendo composta por rede de serviços que prestam assistência e realizam vigilância
em saúde do trabalhador no Sistema Único de Saúde.
Os principais componentes da RENAST são os Centros de Referência em Saúde do
Trabalhador (CEREST), os quais se configuram como:

[...] serviços especializados, que articulados à Rede de Atenção à Saúde


(RAS), desenvolvem ações de assistência especializada e vigilância em saúde
do trabalhador, com o objetivo de reduzir a morbimortalidade entre os
trabalhadores(as), provenientes dos ambientes e processos de trabalho
(Ministério da Saúde, s/a).

A luta política do MRSB pela junção entre os campos previstos pela Lei nº 8.080/1990 -
vigilância epidemiológica e saúde do trabalhador - resultou na Vigilância Epidemiológica em
Saúde do Trabalhador (VESAT), também componente da Renast. O Ministério da Saúde a
define como um:

6
O debate sobre os enfoques será realizado mais adiante neste capítulo.
24

[...] conjunto de ações que proporcionam o conhecimento e a detecção de


mudanças nos fatores determinantes e condicionantes relacionados aos
ambientes e processos de trabalho da saúde individual e coletiva dos
trabalhadores, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de
prevenção e controle das doenças, transmissíveis e não-transmissíveis, e
agravos à saúde da população trabalhadora (idem, s/a).

A VESAT é uma das principais estratégias para o acompanhamento do processo saúde-


doença relacionado ao trabalho. Há também outras instituições e sistemas que auxiliam no
mapeamento de dados quantitativos sobre o adoecimento dos trabalhadores. São exemplos: o
Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS), o Ministério Público do Trabalho
(MPT) e o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
A sistematização dos dados sobre adoecimento e adoecimento dos trabalhadores será
abordada no subtópico a seguir, o qual intenciona apresentar e analisar a situação de saúde da
classe trabalhadora brasileira, dando ênfase principalmente nos transtornos mentais e
comportamentais ocasionados pelas transformações do mundo do trabalho e em decorrência da
própria atividade laboral.

1.2 Indicadores de Saúde: Contribuição Para o debate da saúde mental dos/as


trabalhadores/as

Neste tópico buscamos conhecer o panorama geral da produção da saúde e observar a


incidência e natureza dos adoecimentos. Para isso, partimos dos indicadores de saúde
publicados por Instituições e Órgãos Nacionais e Internacionais, com o crivo da crítica,
considerando os limites desses indicadores ao tomar o Estado Capitalista como ponto alto de
efetividade de uma política de saúde coletiva.
De acordo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, 2018, p. 6-7), entende-se que
o indicador de saúde:

[...] é uma estimativa (mensuração com certo grau de imprecisão) de uma


dimensão de saúde em uma população-alvo. [...] Os indicadores de saúde são
definidos como medidas-síntese que contêm informação relevante sobre
determinados atributos e dimensões do estado de saúde, bem como do
desempenho de um sistema de saúde. Os indicadores procuram descrever e
monitorar a situação em saúde de uma população. Os atributos se relacionam
às características ou qualidades da saúde e as dimensões da saúde
compreendem o bem-estar físico, emocional, espiritual, ambiental, mental e
social.
25

A análise aqui proposta, para além da conceituação da Organização Pan-Americana de


Saúde (2018) acima, parte da compreensão que a discussão entre a saúde e o trabalho não pode
ser entendida apenas “como um processo biopsíquico, mas antes de tudo como um processo
social” (Laurell e Noriega, 1989, p. 99).
É importante reforçar que partimos desse ponto, posto que a medicina tradicional
compreende que a enfermidade está completamente relacionada ao processo biológico no corpo
dos sujeitos. Nesse caso, os agentes adoecedores são aqueles que irão desencadear o processo
de adoecimento no sentido biológico. A construção dessa análise não dá margem para a inclusão
do debate do par capital-trabalho, pois assume que as doenças relacionadas ao trabalho são
aquelas “que são possíveis de se atribuir ao trabalho são aquelas que derivam de agentes
presentes no processo de trabalho e que sejam capazes de provocar diretamente tais
enfermidades” (Di Mario e Amorim, 2016, p. 107). Diante dessa circunstância, não haveria
espaço para a discussão de saúde mental do trabalhador enquanto produção do processo de
trabalho, haja vista que os transtornos mentais e comportamentais não são visíveis.
Contudo, houve um avanço na compreensão sobre os adoecimentos e a construção no
campo da saúde do trabalhador - inclusive, a mental. Os Transtornos Mentais Relacionados ao
Trabalho (TMRT) foram reconhecidos e inseridos na primeira elaboração da LDRT.
O Ministério da Saúde define os TMRT como:

[...] todo caso de sofrimento emocional, em suas diversas formas de


manifestação tais como: choro fácil, tristeza, medo excessivo, doenças
psicossomáticas, agitação, irritação, nervosismo, ansiedade, taquicardia,
sudorese, insegurança, entre outros sintomas que podem indicar o
desenvolvimento ou agravo de transtornos mentais utilizando os CID - 10:
Transtornos mentais e comportamentais (F00 a F99), Alcoolismo (Y90 e
Y91), Síndrome de Burnout (Z73.0), Sintomas e sinais relativos à cognição, à
percepção, ao estado emocional e ao comportamento (R40 a R46), Pessoas
com riscos potenciais à saúde relacionados com circunstâncias
socioeconômicas e psicossociais (Z55 a Z65), Circunstância relativa às
condições de trabalho (Y96) e Lesão autoprovocada intencionalmente (X60 a
X84), os quais têm como elementos causais fatores de risco relacionados ao
trabalho, sejam resultantes da sua organização e gestão ou por exposição a
determinados agentes tóxicos (Ministério da Saúde, s/a).
26

Em números absolutos, no caso dos adoecimentos mentais e comportamentais, foram


registrados no Brasil, entre o período de 2012 a 2022, 110.079 afastamentos do tipo acidentário
(B91) e 2.233.721 do tipo não acidentário (B31) conforme a Classificação Internacional de
Doenças (CID), considerando apenas “o universo de trabalhadores vínculo de emprego” formal
e em um contexto geral (Observatório de Saúde do Trabalhador, 2023). O percentual referente
aos afastamentos de tipo acidentários pode ser observado na Tabela 1 (B91).

Tabela 1 - Percentuais de Afastamentos conforme a Classificação Internacional de


Doenças entre 2012 e 2022 - Tipos Acidentários (B91)

Adoecimento Percentual indicado Quantidade de pessoas (mil)


Fraturas 40% 904.088
Osteomuscular e Tecido Conjuntivo 23% 515.844
Traumatismos 8% 187.461
Luxações 7% 156.023
Mentais e Comportamentais 5% 110.079
Ferimentos 5% 103.625
Amputações 3% 62.801
Nervosas 2% 50.572
Aparelho Digestivo Não especificado 29.320
Queimaduras Não especificado 27.930
Circulatórias Não especificado 18.688
Fonte: BRASIL. Observatório de Saúde do Trabalhador a partir dos dados do Instituto Nacional de Seguridade
Social (INSS). Afastamentos conforme a Classificação Internacional de Doenças - Tipos Acidentários (B91).
Disponível em: https://smartlabbr.org/sst/localidade/0?dimensao=perfilCasosAfastamentos. Acesso em: 04 abr.
2023. Tabela elaborada pela autora considerando adoecimentos acima de 1.000 (2023). Grifos nossos.
27

Nota-se a necessidade de reforçar os dados de tipo acidentário dão prioridade aos


adoecimentos que são visíveis, àqueles que a identificação diante de um acidente de trabalho é
incontestável. Ainda assim, os Transtornos Mentais e Comportamentais correspondem a 5%
das taxas de afastamento devido aos acidentes.
Já a Tabela 2, se dispõe a elencar os afastamentos por tipos não acidentários (B31), ou
seja, que não resultam de acidentes especificamente em locais de trabalho. Nesse ranking, os
Transtornos Mentais e Comportamentais estão entre os três adoecimentos que mais causam
afastamentos.

Tabela 2 - Percentuais de Afastamentos conforme a Classificação Internacional de


Doenças entre 2012 e 2022 – Tipos Não Acidentários (B31)

Adoecimento Percentual indicado Quantidade de pessoas (mil)


Osteomuscular e tecido conjuntivo 20% 4.373.269
Fraturas 17% 3.695.916
Mentais e Comportamentais 10% 2.233.721
Aparelho Digestivo 9% 2.053.398
Circulatórias 7% 1.605.141
Tumores malignos 4% 875.891
Genitais e Urinárias 4% 804.792
Tumores in situ, benignos e incertos 4% 768.300
Luxações 3% 722.909
Gravidez, Parto, Puerpério e Perinatal 3% 691.727
Fonte: BRASIL. Observatório de Saúde do Trabalhador. Afastamentos conforme a Classificação Internacional
de Doenças entre 2012 e 2022 - Tipos Não Acidentários (B31). Disponível em:
https://smartlabbr.org/sst/localidade/0?dimensao=perfilCasosAfastamentos. Acesso em: 04 abr. 2023. Tabela
elaborada pela autora considerando adoecimentos acima de 100.000 (2023). Grifos nossos.

Analisando os números apresentados, os transtornos mentais e comportamentais têm


ocupado o 3º lugar entre os adoecimentos que mais causam afastamento. No entanto, Filgueiras
e Carvalho (2017) chamam atenção para que os dados contabilizados pelo INSS não
28

correspondem ao quantitativo real de casos de adoecimento ou acidentes relacionados ao


trabalho.
A subnotificação e a ocultação dos acidentes e adoecimentos relacionados ao trabalho, de
acordo com Filgueiras e Carvalho (2017, p. 81), está relacionada ao “padrão de gestão da força
do trabalho no Brasil, sendo uma das características que o torna predominantemente
predatório”.
Os autores também apresentam outro elemento interessante para a subnotificação:
“parece haver uma hierarquia da ocultação proporcional às possibilidades de encobrir os
agravos, ou seja, quanto menos visíveis, maior a chance de serem omitidos”.
Assim, a subnotificação de adoecimentos que não podem ser vistos ou mensurados, como
os transtornos mentais, é recorrente. Contudo, apesar da subnotificação de transtornos mentais
e comportamentais, estes configuraram como a terceira causa de concessão do Auxílio-Doença
e de Aposentadoria por Invalidez entre os anos de 2012 e 2016, ficando atrás apenas das lesões
e causas externas; e das doenças do sistema osteomuscular (Ministério da Previdência Social,
2017).
A ocultação desses dados está relacionada às sanções legais para a empresa, além de um
aumento significativo com gastos médicos e com os próprios custos de produção na esfera
econômica (Filgueiras e Carvalho, 2017). Faz-se necessário reforçar que essa é a perspectiva
da medicina do trabalho, a qual possui a vertente biomédica da própria medicina como
dominante e tende a reduzir dimensões do objeto de estudo.
Diante desse cenário, o modo de produção capitalista busca saber, através da medicina
tradicional e seus estudos clínicos, diagnósticos das patologias, sua relação com o trabalho e o
grau de comprometimento (dano) causado no trabalhador. Nesse caso, a intervenção médica se
concentra no diagnóstico e no tratamento da doença, tendo apenas a finalidade de reabilitar o
trabalhador formal e reintegrá-lo ao trabalho produtivo (Fassler, 1978), implicando na limitação
e simplificação de processos complexos. Além disso, desconsidera a totalidade e isola os
objetos da realidade, o dano, portanto, não é o mesmo que a análise do desgaste que considera
as cargas no processo de trabalho (Laurell e Noriega, 1989).
29

Destacamos o fato de que pessoas adoecidas mentalmente (em níveis leve e moderado)
têm chances dobradas de perderem seus empregos. Nesses casos, os trabalhadores, por
inúmeras vezes, optam por não se posicionar, haja vista que correm o risco de perder seus
empregos, já que os índices de desemprego de indivíduos com transtornos mentais,
especialmente os graves, são cinco vezes maiores quando comparados às pessoas sem
transtorno. Esse processo acaba resultando em mais um elemento para subnotificação dos
adoecimentos mentais (Pieh et al., 2020).
Aos indícios de que há subnotificação relacionada aos transtornos mentais e
comportamentais devido à atribuição do adoecimento às condições subjetivas e aos fatores
genéticos, acrescenta-se a subnotificação relacionada aos trabalhadores que não se encontram
inseridos no mercado de trabalho formal ou que não realizam acompanhamento regular em
serviços de saúde. O que incide na maior dificuldade para de fato dimensionar adequadamente
o real grau de adoecimento mental ao considerarmos que esse enorme contingente do Exército
Industrial de Reserva se submete ao anunciado adoecimento para conseguir vender e reproduzir
sua força de trabalho.
Assim, o modo de funcionamento do capitalismo segue gerando determinações para o
adoecimento, inclusive para àqueles e àquelas que não conseguem realizar a venda formal de
sua força de trabalho. Esses/as trabalhadores/as estão invisibilizados/as por não se inserirem em
atividades econômicas formais, resultando em um campo negligenciado pelas análises de
órgãos e instituições. Um exemplo é não aparecer nenhum dado referente a essas populações
na sistematização realizada pelo Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, fonte dos
dados apresentados nas tabelas 1 e 2.
Portanto, diante da complexidade para compreender o cenário da Saúde do/a
Trabalhador/a e da Saúde Mental do/a Trabalhador/a, julga-se necessário acrescentar alguns
dados que sinalizam a importância deste debate no cenário atual. Para isso, são apresentadas
informações de instituições referências no campo da saúde e do trabalho.
Diante do crescimento dos casos e dos efeitos do adoecimento mental sobre a produção e
do movimento da luta dos/as trabalhadores/as, a Organização Mundial de Saúde, em 2016,
apresenta a carta: “Fora das sombras: a saúde mental como prioridade global para o
desenvolvimento”7. O posicionamento da OMS nesse documento é da indispensabilidade da

7
“Out of the shadows: making mental health a global priority” no documento original.
30

realização de um debate voltado especificamente para a saúde mental, sendo um compromisso


dos 194 países que a compõem.
Frente às transformações e as novas configurações da esfera produtiva é imprescindível
considerar os impactos e as consequências geradas para a saúde mental dos trabalhadores, pois,
nessa conjuntura “a frustração e a ansiedade aumentam de forma galopante” (Areosa, 2021, p.
322).
Essa afirmação pode ser comprovada a partir de dados disponibilizados pela Pan-
American Health Organization (2021), a qual aponta que os transtornos mentais (depressão,
ansiedade, transtornos bipolares, esquizofrenia, autismo e síndrome de Asperger, entre outros)
são as principais causas dos anos vividos com incapacidade na Região das Américas.
Tal organização também disponibiliza levantamentos frente às taxas de alguns transtornos
mentais em países pan-americanos, as quais revelaram dados alarmantes sobre o Brasil. O
primeiro elemento de destaque é a posição ocupada diante dos índices de transtorno de
ansiedade8 em duas estatísticas: a de Anos de Vida Ajustados por Incapacidade (DALYs) 9 e a
de Anos de Vida Saudável perdidos por Incapacidade (YLD) 10 (idem).
O Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking dos países com taxa de ansiedade elevada que
impactam na vida dos sujeitos, fazendo-os perder anos de vida saudável e se tornarem

8 De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM - V), elaborado pela
Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association), os Transtornos de Ansiedade são
aqueles que “incluem transtornos que compartilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações
comportamentais relacionados. [...] Os transtornos de ansiedade se diferenciam do medo ou da ansiedade
adaptativos por serem excessivos ou persistirem além de períodos apropriados ao nível de desenvolvimento”
(2014, p. 189). É importante ressaltar que o DMS-V é utilizado por ter um consenso democrático entre os
estudiosos da área (Fendrik, 2011); e que, segundo Sauvagnat e Nogueira Santos (2012), ao observar a organização
do DSM, percebe-se “[...] que seus editores pretendem fazê-lo como uma espécie de bíblia”. Contudo, autores
como Pinto (2012), Sauvagnat e Nogueira Santos (2012) e Caponi (2014) estabelecem críticas ao documento, pois
compreendem que a lógica de um manual pode direcionar o cuidado ao adoecimento mental apenas ao tratamento
medicamentoso, desconsiderando elementos como os sofrimentos individuais e universalizando o processo de
produção saúde-doença mental para outros países que não possuem as mesmas questões que os Estados Unidos da
América.
9 A Organização Mundial de Saúde apresenta que a definição de DALY (disability-adjusted life years) “representa

a perda do equivalente a um ano de plena saúde. DALYs para uma doença ou condição de saúde são a soma dos
anos de vida perdidos devido à mortalidade prematura (YLLs) e os anos vividos com uma incapacidade (YLDs)
devido a casos prevalentes da doença ou condição de saúde em uma população” (World Health Organization, s/a.
Tradução da autora).
10 De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde apresenta que “um YLD representa o equivalente a um
ano inteiro de vida saudável perdido devido a incapacidade ou problemas de saúde” (World Health Organization,
s/a. Tradução da autora). Encontra-se também a definição que este indicador “é uma medida que reflete o impacto
que uma doença tem na qualidade de vida antes de se resolver ou levar à morte. Os YLD são responsáveis pela
gravidade de uma deficiência e são tipicamente ponderados de modo a que a idade adulta jovem seja mais
valorizada do que a dos bebés ou dos muito idosos” (PETERSON KFF - HEALTH SYSTEM TRACKER, s/a.
Tradução da autora).
31

“incapazes” de produzir. A informação é da Pan-American Health Organization (2019), como


está apresentado na Figura 1.

Figura 1 - Carga de Transtornos Mentais Específicos: níveis por país a cada 100.000
habitantes (Transtorno de Ansiedade de acordo com os Anos de Vida Saudável)

Fonte: Pan-American Health Organization. Burden of Specific Mental Disorders: level by country. II. E. 6:
Anxiety disorder. Disponível em: https://www.paho.org/en/enlace/burden-mental-disorders#specmh. Acesso em:
06 mar. 2023.

O primeiro lugar também é brasileiro ao considerarmos os Anos de Vida Ajustados por


Incapacidade. Vale considerar que essa métrica é utilizada para analisar os anos de vida com
uma saúde abaixo do nível ideal. A figura 2 apresenta o ranking:
32

Figura 2 - Carga de Transtornos Mentais Específicos: níveis por país a cada 100.000
habitantes (Transtorno de Ansiedade de acordo com os Anos de Vida Ajustados por
Incapacidade - DALYs)

Fonte: Pan-American Health Organization. Burden of Specific Mental Disorders: level by country. II. E. 6:
Anxiety disorder. Disponível em: https://www.paho.org/en/enlace/burden-mental-disorders#specmh. Acesso em:
06 mar. 2023.

Além disso, o Brasil está em 7º lugar entre os países onde transtornos depressivos 11 se
configuram como adoecimentos incapacitantes e que os anos vividos com o transtorno refletem
em múltiplos aspectos da vida. Esses dados alarmantes também são revelados pela Pan-
American Health Organization (2021), a qual elabora um ranking entre os países localizados
nas Américas, como pode ser visto na figura 3.

11
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM - 5) (2014, p. 156), há uma
subdivisão entre os tipos de transtornos depressivos. No entanto, o documento aponta que “a característica comum
desses transtornos é a presença de humor triste, vazio ou irritável, acompanhado de alterações somáticas e
cognitivas que afetam significativamente a capacidade de funcionamento do indivíduo. O que difere entre eles são
os aspectos de duração, momento ou etiologia presumida”.
33

Figura 3 - Carga de Transtornos Mentais Específicos: níveis por país a cada 100.000
habitantes (Transtornos Depressivos de acordo com os Anos de Vida Saudável perdidos
por Incapacidade - YLDs e Transtornos Depressivos de acordo com os Anos de Vida
Ajustados por Incapacidade – DALYs)

Fonte: Pan-American Health Organization. Burden of Specific Mental Disorders: level by country. II. E. 1:
Depressive disorders. Disponível em: https://www.paho.org/en/enlace/burden-mental-disorders#specmh. Acesso
em: 23 mar. 2023.

Para além das preocupantes taxas de adoecimento mental apresentadas anteriormente, é


necessário considerar um elemento que é o maior indicativo de sofrimento psíquico: o suicídio.
Segundo a PAHO (2022), “em 2019, 97.339 pessoas morreram por suicídio na Região
das Américas, e estima-se que 20 vezes esse número pode ter feito tentativas de suicídio”. Além
disso, destaca que o suicídio é a terceira maior causa de morte entre jovens com faixa etária
entre 20 e 24 anos nas Américas, mas, no geral, “pessoas de 45 a 59 anos têm a maior taxa de
suicídio na Região, seguidas por pessoas com 70 anos ou mais” (Pan-American Health
Organization, s/a, s.p).
No Brasil, de acordo com o Boletim Epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde,
entre 2010 e 2019, houve 112.230 mortes por suicídio, significando aumento de 43% no número
anual de mortes, saindo de 9.454 no ano de 2010, para 13.523 no ano de 2019. Realizando um
recorte de gênero, constatou-se que indivíduos do sexo masculino “apresentaram um risco 3,8
vezes maior de morte por suicídio que mulheres” (Ministério da Saúde, 2021, p. 3) e que a taxa
de mortalidade, por suicídio, entre eles, em 2019 foi de 10,7 por 100 mil, enquanto entre o sexo
feminino esse número foi de 2,9.
34

Além do gênero, há outros elementos que devem ser considerados na análise dos suicídios
em território brasileiro, como a idade e a região. Os dados estão expressos no gráfico elaborado
pelo Ministério da Saúde, conforme aponta a Figura 4.

Figura 4 - Evolução das taxas de mortalidade por suicídio, ajustadas por idade, segundo
região. Brasil, 2010 a 2019

Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico, v. 52, nº 33, 2021.

Levando em conta a faixa etária, verificou-se o aumento de mortes por suicídio em


pessoas menores de 14 anos. Ainda de acordo com o boletim, “entre 2010 e 2013 houve um
aumento de 113% na taxa de mortalidade por suicídios nessa faixa etária, passando de 104
óbitos e uma taxa de 0,3 por 100 mil, para 191 óbitos, e uma taxa de 0,7 por 100 mil habitantes”
(Ministério da Saúde, 2021).
O processo de adoecimento do trabalhador e o suicídio, de acordo com Moraes, Ferraz e
Areosa (2018), está relacionado à intensificação do trabalho na sociedade capitalista. Além
disso, o estímulo à competição entre a própria classe trabalhadora gera a destruição de laços
entre os/as trabalhadores/as. Assim, para compreender o adoecimento mental dos/as
trabalhadores é necessário considerar o trabalho e suas relações, o qual é, segundo estudos, “o
pontapé para que o indivíduo se suicide” (idem, p. 22).
Mediante os números apresentados e conforme as análises elaboradas até o momento,
percebe-se que a construção do campo de saúde do trabalhador foi e é uma disputa complexa e
dinâmica, principalmente, a partir da perspectiva da luta de classes. Os índices de adoecimento
mental se revelam cada vez maiores diante das transformações do mundo do trabalho no
35

capitalismo, o qual não tem misericórdia pela vida daqueles que geram sua riqueza. Assim, ao
observar um panorama geral dos indicadores de saúde, especialmente os de saúde mental,
convém recuperar Marx (2013, p. 337, grifos nossos), o qual afirma:

Ele [o capital] usurpa o tempo para o crescimento, o desenvolvimento e a


manutenção saudável do corpo. Rouba o tempo requerido para o consumo de
ar puro e de luz solar. Avança sobre o horário das refeições e os incorpora,
sempre que possível, ao processo de produção, fazendo com que os
trabalhadores, como meros meios de produção, sejam abastecidos de
alimentos do mesmo modo como a caldeira é abastecida de carvão, e a
maquinaria, de graxa ou óleo. O sono saudável, necessário para a restauração,
renovação e revigoramento da força vital, é reduzido pelo capital a não mais
do que um mínimo de horas de torpor absolutamente imprescindíveis ao
reavivamento de um organismo completamente exaurido. Não é a manutenção
normal da força de trabalho que determina os limites da jornada de trabalho,
mas, ao contrário, o maior dispêndio diário possível de força de trabalho, não
importando quão insalubre, compulsório e doloroso ele possa ser, é que
determina os limites do período de repouso do trabalhador. O capital não se
importa com a duração de vida da força de trabalho. O que lhe interessa
é única e exclusivamente o máximo de força de trabalho que pode ser
posta em movimento numa jornada de trabalho. Ele atinge esse objetivo
por meio do encurtamento da duração da força de trabalho, como um
agricultor ganancioso que obtém uma maior produtividade da terra roubando
dela sua fertilidade. Assim, a produção capitalista, que é essencialmente
produção de mais-valor, sucção de mais-trabalho, produz, com o
prolongamento da jornada de trabalho, não apenas a debilitação da força
humana de trabalho, que se vê roubada de suas condições normais, morais e
físicas, de desenvolvimento e atuação. Ela produz o esgotamento e a morte
prematuros da própria força de trabalho. Ela prolonga o tempo de
produção do trabalhador durante certo período mediante o encurtamento de
seu tempo de vida.

A proposição realizada por Marx n’O Capital (2013) é demonstrada ao nos debruçarmos
sobre uma análise mais atenta dos documentos sobre a saúde mental dos trabalhadores. Tanto
no “Fora das sombras: a saúde mental como prioridade global para o desenvolvimento” (World
Health Organization, 2016), quanto no “Saúde Mental no Trabalho: resumo da política” 12
(2022) elaborado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em parceria com a
Organização Mundial de Saúde, é possível identificar que a principal preocupação das referidas
instituições é, primeiramente, o prejuízo econômico.
Sobre os desdobramentos do adoecimento mental, os documentos consideram que “ao
redor do mundo, trabalhadores, seus familiares, empresas e economias inteiras sentem o
impacto das condições de saúde mental, independentemente se elas foram ocasionadas pelo
trabalho” (Organização Internacional do Trabalho, Organização Mundial da Saúde, 2022, p. 2.

12
“Mental health at work: Policy brief” no documento original.
36

Traduzido pela autora.) 13. Além disso, a Organização Mundial da Saúde afirma que os
adoecimentos mentais “[...] são onerosos, tanto para as economias, bem como para os
indivíduos e suas famílias. Agora temos boas evidências de que os transtornos depressivos e de
ansiedade sozinhos custam para a economia global mais de 1 trilhão de dólares por ano” (2016,
14
s.p. Traduzido pela autora).
O documento “Saúde Mental no Trabalho: resumo da política” (Organização
Internacional do Trabalho, Organização Mundial da Saúde, 2022) ressalta que um bom
ambiente de trabalho, oferece suporte em saúde mental e proporciona aos seus trabalhadores,
será um ambiente mais produtivo. Do contrário, as habilidades dos indivíduos no processo de
trabalho serão prejudicadas - afetando a força motriz do capital: a produção de mais-valor para
acumulação.
Assim, o objetivo das organizações de trazer para foco os problemas de saúde mental
(World Health Organization, 2022) reflete os interesses do capital, posto que a preocupação
não é e nunca foi com a classe trabalhadora, mas com o que ela é capaz de produzir a partir da
realização de sua potência de trabalho, ou seja, eis uma das contradições do capital, mesmo
exaurindo as forças físicas e mentais dos indivíduos, ele ainda precisa que eles sobrevivam para
continuar (re)produzindo o mais-valor.
Frente ao que foi apresentado, faz-se necessário o resgate da contradição existente entre
o capital e o trabalho. Ao mesmo tempo que ele produz os adoecimentos através das
modificações no mundo do trabalho e da intensificação no grau de exploração da classe
trabalhadora, a partir do aumento das jornadas de trabalho ou de outros mecanismos, ele
necessita dos/as trabalhadores/as para seu processo de acumulação e concentração.
Diante do exposto, o cenário predatório do capital sobre a classe trabalhadora e sua saúde
é nítido. Contudo, os ataques defronte aos interesses e à sobrevivência dos trabalhadores estão
mais incisivos e frequentes, agudizando as expressões da questão social e refletindo a barbárie
em múltiplas áreas da vida. Nesse sentido, o tópico a seguir visa apresentar indicadores sociais
que caracterizam o cenário de investida do Modo de Produção Capitalista à sobrevivência da
classe trabalhadora.

13 No documento original: “Across the world, workers, families, enterprises and whole economies feel the impact
of mental health conditions irrespective of whether they were caused by work” (International Labour
Organization; World Health Organization, 2022, p. 2)
14 No documento original: “These disorders are costly, for economies as well as individuals and their families.

We now have good evidence that depression and anxiety disorders alone cost the global economy more than one
trillion dollars each year” (World Health Organization, 2016, s.p).
37

1.3 Determinantes Sociais de Saúde Mental: avanço, mas também obstáculo.

A World Health Organization (Organização Mundial da Saúde, 2022), na tentativa de


compreender a saúde mental para além das concepções biomédicas, aponta que os
determinantes da saúde mental estão relacionados às circunstâncias que nascemos, fomos
criados e ao estilo de vida. Por esse fator, ela é determinada por um complexo conjunto -
aspectos individuais, familiares, comunitários e elementos estruturais -, o qual faz os sujeitos
experienciarem as situações de maneiras divergentes.
O “Relatório de Saúde Mental: transformando a saúde mental para todos” 15, por exemplo,
relaciona as crises econômicas, bem como as taxas de desenvolvimento social às taxas de
suicídio. Elas também aumentam os riscos para depressão, ansiedade e uso de álcool,
provavelmente como consequência dos efeitos prejudiciais diante de questões vinculadas ao
trabalho, à renda, à segurança e ao suporte social (World Health Organization, 2022).
Além disso, o mesmo relatório afirma que:

Grupos socialmente marginalizados - incluindo desempregados por um longo


período, trabalhadores(as) do sexo, pessoas em situação de rua e refugiados -
tendem a ter maiores taxas de adoecimento mental que a população em geral,
além de dificuldades de acesso aos cuidados em saúde. Outros grupos
marginalizados, incluindo pessoas LGBT+ e indígenas, estão igualmente em
maior risco de depressão, ansiedade, tentativas de suicídio ou suicídios e uso
abusivo de substâncias (idem, p. 22. Traduzido pela autora).

Nessa perspectiva a Organização Mundial de Saúde compreende que a saúde mental


possui esferas de influência, como os fatores biológicos e psicológicos. No entanto, esses não
são os únicos elementos que precisam ser observados; é necessário estabelecer uma conexão
destes com os fatores sociais, comunitários e estruturais.
Para ilustrar os aspectos que devem ser considerados nos determinantes e condicionantes
do processo saúde-doença, a Organização Mundial da Saúde apresenta no Relatório de Saúde
Mental quais seriam os fatores de risco e fatores protetivos, conforme a figura 5:

15
"World mental health report: Transforming mental health for all" no documento original.
38

Figura 5 - Exemplos de fatores protetivos e de risco que determinam a Saúde Mental

Fonte: World Health Organization. Figure 2.4: Examples of risks and protective factors that determine mental
health (21). World mental health report: Transforming mental health for all, 2022. (World Health
Organization, 2012, p. 35 apud Arango et al., 2021 p. 36). Traduzido pela autora (2023).

A compreensão sobre fatores de risco está associada às condições ambientais, sociais ou


particulares/individuais que apresentam mais possibilidades de os sujeitos desenvolverem o
39

adoecimento, tais como: a ausência de suporte social, o isolamento social, o bullying, o


cyberbullying, a perda de emprego e as crises econômicas, entre outros.
Já os fatores de risco individuais envolvem o histórico familiar, questões genéticas,
mecanismos epigenéticos, violências na primeira infância, principalmente, abusos físicos,
sexuais e negligência (fatores distais ou de predisposição); déficit cognitivos, alta ansiedade,
uso de substâncias psicoativas e álcool, traços de personalidade e alta impulsividade (fatores
mediadores ou de desenvolvimento); desesperança e psicopatologias (fatores precipitantes ou
desencadeadores) (Turecki e Brent, 2016).
Como fatores protetivos, de acordo com Meirelles e Teixeira (2021, p. 165), é possível
elencar: “obtenção de apoio psicológico e social, níveis altos de resiliência, maior suporte e
rede social, tolerância à incerteza, praticar atividade física e estar empregado/estar
economicamente estável”.
Diante do que está disposto no relatório da OMS, considerando os fatores de risco e os
fatores protetivos, pessoas em condição de vulnerabilidade social 16 compõe um público mais
propenso a desenvolver o adoecimento mental como uma das expressões da questão social.
Analisemos, por exemplo, o Fator de Risco "perda de emprego e desemprego”, que se opõe ao
Fator Protetivo “Segurança econômica; e Proteção Social e de Renda”.
De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), indivíduos desempregados,
com problemas financeiros ou desqualificados mediante o mercado de trabalho apresentam
maiores riscos para a suicibilidade. A ascensão das taxas de suicídio ocorre, especialmente,
quando há “períodos de recessão econômica, principalmente nos três primeiros meses da
mudança de situação financeira ou de desemprego” (Associação Brasileira de Psiquiatria, 2014,
p. 23).
No contexto brasileiro, segundo a Oxfam (2021), os indivíduos se encontram cada vez
mais expostos ao desemprego ou ao subemprego, às condições de moradia em situações
deploráveis, sem a acesso a serviços fundamentais para o desenvolvimento da sua reprodução
da força de trabalho, tais como a saúde e a educação; e a inserção em territórios com elevados
índices de criminalidade e discriminação (social, racial e de gênero).
Assim, as expressões da questão social na realidade brasileira se revelam de forma ainda
mais crua, principalmente, após a pandemia da COVID-19, responsável por uma crise sanitária

16
De acordo com a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), a população em vulnerabilidade social
geralmente é aquela “decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços
públicos, dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social
(discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras)” (Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, 2004, p. 33).
40

e por agravar as questões socioeconômicas, como o aumento nas taxas de desemprego. Durante
esse período, a PAHO identificou um aumento na prevalência da ansiedade e da depressão em
25% a nível mundial, relacionando-as ao isolamento social e um pico nas taxas de desemprego,
as quais no Brasil, chegaram a 14,9% no primeiro trimestre de 2021, conforme a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua mensal (PNAD Contínua).
Importante salientar ainda que em 2021, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) revelou um aumento recorde na pobreza, atingindo 62,5 milhões de pessoas; ou seja,
em média 29,4% da população brasileira se encontrava nessa situação. Entre elas, 17,9 milhões
(em média 8,4% da população) eram consideradas extremamente pobres. Se seguirmos a lógica
dos Determinantes Sociais da Saúde, são imensos os riscos à saúde de se viver no Brasil, mas
nada é falado sobre como tais condições econômicas e políticas se desenvolveram.
Em outro ponto, o Fator de Risco "as desigualdades econômicas" confronta o Fator
Protetivo “Equidade Social”, principalmente no cenário brasileiro, onde há crescimento da
pobreza. O IBGE (2021) apresentou que a proporção de pessoas pretas e pardas abaixo da linha
da pobreza era de 37,7%, sendo mais que o dobro da proporção de pessoas brancas (18,6%).
Levando em consideração também o recorte regional, a instituição aponta que: “Nordeste
(48,7%) e Norte (44,9%) tinham as maiores proporções de pessoas pobres na sua população.
No Sudeste e também no Centro-Oeste, 20,6% (ou um em cada cinco habitantes) estavam
abaixo da linha de pobreza 17. O menor percentual foi registrado no Sul: 14,2%” (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022).
Em 2022, o Brasil retornou ao Mapa da Fome. De acordo com relatório oriundo do II
VIGISAN (2022), 125,2 milhões de pessoas estão em condição de Insegurança Alimentar (IA)
e mais de 33 milhões em situação de fome, expressa pela Insegurança Alimentar grave (quando
há privação no consumo de alimentos - fome).
Esse dado pode ser complementado com a informação de que 36,8% das famílias
contavam com uma renda per capita média de até 1/2 salário-mínimo. Além disso, dentro desse
percentual, cerca da metade vivia com, no máximo, 1/4 de um salário-mínimo per capita, o
qual deveria ser o suficiente para atender todas as suas despesas (como habitação, saúde,
higiene, alimentação, transporte e lazer). Tais condições são agravadas diante do cenário atroz
do mercado de trabalho, onde em média 14,3% dos lares brasileiros contavam com ao menos 1

17 Vale salientar que o Banco Mundial caracteriza como linha de pobreza os rendimentos per capita de US$5,50

PPC, o que seria equivalente a, em média, R$486,00 mensais per capita. Já a linha de extrema pobreza é de
US$1,90 PPC, ou seja, em média R$168,00 mensais per capita (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
2022).
41

morador/a procurando emprego, e em 8,2% dos casos, a pessoa responsável pela família estava
desempregada.
Então, como é possível não adoecer mentalmente frente a um cenário no qual a fome é
uma certeza para quase 30% da população e onde são raras as opções para o desenvolvimento
da sua reprodução da força de trabalho, da única maneira de conseguir sobreviver em um
cenário de barbárie? Aqui, julgamos impossível encontrar um indivíduo são defronte a
conjuntura apresentada e, portanto, apontar a Determinação Social da Saúde é insuficiente para
que se supere o que produz tanto os fatores protetivos ou quanto os “fatores de risco”.
O debate apresentado acima evoca uma fala do filme “Bicho de Sete Cabeças”, produção
nacional, que aborda questões relacionadas à saúde mental. Este expõe:

Nenhum médico jamais me disse que a fome e a pobreza podem levar a um


distúrbio mental. Mas quem não come, fica nervoso, quem não come e vê seus
parentes sem comer, pode chegar à loucura. Um desgosto pode levar à loucura
[...] (Bicho de Sete Cabeças, 2001, 44min).

Ou seja, a construção de uma análise do processo de produção da saúde-doença a partir


de elementos determinantes, os quais podem ser encaixados em Fatores de Risco ou Fatores
Protetivos, revela por si só a fragilidade dessa elaboração teórica. Apesar de abarcar aspectos
que envolvem o contexto social e particular dos indivíduos, não considera o modo como é
produzida e reproduzida a realidade econômica e social da população. Quem poderia preencher
com maior facilidade os “pré-requisitos” para a produção de uma boa saúde mental? Os
capitalistas (apenas 10% destes) que detém mais de 76% da riqueza e 52% da renda ou a metade
da população a nível global concentra apenas 2% da riqueza e 8,5% da renda total do mundo?
(Piketty et al., 2023).
No Brasil, a presença do modelo dos Determinantes Sociais da Saúde pode ser encontrada
em um documento elaborado pelo Ministério da Saúde, o Cadernos de Saúde Pública (CSP),
que foi primordial para embasar os debates travados na 1ª Reunião da Comissão Nacional sobre
Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), no ano de 2006. Nesse documento nota-se a posição
da CNDSS diante os determinantes sociais da saúde, bem como discorre sobre as possibilidades
de atuação e intervenção sobre eles. Além disso, apresenta que as condições de vida e de
trabalho dos indivíduos e de grupos sociais estão diretamente relacionadas às condições de
saúde da população, isto é, seriam determinantes no processo saúde-doença (Buss e Pellegrini
Filho, 2007; Rocha e David, 2014).
Nessa abordagem, a indissociabilidade entre cunho social e os aspectos biológicos do
processo saúde-doença é cada vez mais reafirmada pelos estudiosos da temática, o que reforça
42

que o campo epidemiológico, medicamentoso, não pode ser tratado de maneira desconexa à
realidade social da população. Nesse sentido, os enfoques nos Determinantes Sociais da Saúde
foram pensados no intuito de contribuir com as pesquisas sobre o adoecimento da população,
além de objetivar uma forma facilitada de visualizar os principais percalços nas condições de
saúde, particularmente considerar quais as causas sociais mais significativas frente às
desigualdades e iniquidades em saúde. Por isso apontamos que seja, em certa medida, um
avanço, mas insuficiente, como estamos buscando demonstrar.
Para proporcionar um maior entendimento das questões vinculadas aos enfoques nos
Determinantes Sociais e sobre as iniquidades da saúde, Dahlgren e Whitehead (1991)
construíram um diagrama estratificado, que se tornou referência no debate através de sua
incorporação nos documentos da Comissão Nacional dos Determinantes Sociais da Saúde, a
qual explicou sua adoção, devido à simplicidade de compreensão de aspectos considerados tão
complexos, conforme a figura 6.

Figura 6 - Modelo Dahlgren e Whitehead

Fonte: Buss, P. M. e Pellegrini Filho, A. A saúde e os Determinantes Sociais. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio
de Janeiro, 17(1):77-93, 2007. Modelo Dahlgren e Whitehead.

A disposição inicial do diagrama, ou seja, na sua base, têm-se fatores como idade, sexo e
fatores hereditários, apontando que, a princípio, as noções de saúde estão no plano individual.
A seguir, são considerados os comportamentos e os estilos de vida particulares dos sujeitos, o
que pode dar margem à interpretação que a prevenção de adoecimentos é de responsabilidade
puramente dos indivíduos.
43

A terceira camada traz destaque para a importância das redes comunitárias e de apoio,
locais imprescindíveis para mensurar o nível de coesão da sociedade. O próximo nível irá
colocar as condições de vida e trabalho da população, o que incluirá aspectos como moradia,
acesso a serviços socioassistenciais, educação, entre outros. Por fim, estão dispostos os fatores
macrodeterminantes, é apenas nesta camada que se faz referência às condições econômicas,
sociais, ambientais e culturais de determinado povo (Buss e Pellegrini Filho, 2007).
A organização desses níveis revela uma culpabilização velada dos indivíduos, posto que
ele está na camada mais interna do diagrama. Ou seja, de acordo com essa distribuição, os
fatores genéticos, o gênero e até mesmo a raça/etnia são fatores que, nesse modelo, predominam
frente ao processo saúde-doença, estando a frente das “condições macroestruturantes da
sociedade”.
Ao contrário do proposto pelos Determinantes Sociais da Saúde, a teoria da Determinação
Social compreende que os processos sociais originados a partir do modo de produção são os
responsáveis pela produção do processo saúde-doença. Nesse sentido, as condições
macroestruturais, isto é, condições materiais de produção da vida, deveriam ser centrais nas
análises sobre os adoecimentos. Posto isso, pode-se afirmar que a Medicina Social Latino-
Americana, em suas formulações, enxerga esse diagrama de modo invertido, entendendo a
capacidade de questões externas serem determinantes no processo saúde-doença. Nascimento
(2019, p. 19) exemplifica ambas as compreensões:

Dois indivíduos estão inseridos na mesma sociedade (A e B). O indivíduo A


tem predisposições genéticas para ter doenças crônicas, como a hipertensão
arterial. Contudo, ele possui uma alimentação saudável, faz exercícios
regulares, mantém uma rotina de exames para acompanhar seu quadro de
saúde, está inserido em um mercado de trabalho que o proporcione
determinada qualidade de vida e uma boa casa. Já o indivíduo B não possui
fatores genéticos que sejam capazes de despertar uma doença crônica
futuramente, sendo a diabetes uma doença crônica em potencial. Todavia, esse
mesmo indivíduo faz ingestão de muito açúcar ao longo do dia, é sedentário,
nunca vai ao médico e está desempregado, o que o leva a comer alimentos
mais baratos, com muitos ingredientes prejudiciais ao organismo e mora em
uma região pobre com lixo à céu aberto. O que queremos dizer? Apesar de
encontrarem condições genéticas de saúde propícias ou não para o
desenvolvimento da enfermidade, o que determinou isso foram fatores
externos a ambos. Houve participação dos sujeitos nesse processo? Sim, no
entanto, damos destaque às condições às quais os conduziram se encontrarem
nesse padrão de vida. A ausência do emprego, a má alimentação, péssima
habitação e carência de esporte e lazer gerou um adoecimento em um ser
saudável. Contrário a isto, mesmo com fatores que sejam favoráveis ao
aparecimento de um agravo clínico, eles não são capazes de se desenvolver,
pois não foram estimulados.
44

Em geral, os debates externos à saúde coletiva não se aprofundam nos determinantes


sociais da saúde e acabam não considerando o modelo socioeconômico vigente, o Modo de
Produção Capitalista, responsável por estabelecer uma estrutura societária formada por classes
sociais antagônicas: capitalista e trabalhadores. Sob tal limite, a análise das condições de
trabalho e demais aspectos necessários para um desenvolvimento saudável da reprodução da
força de trabalho deixam de ser considerados. Nesse contexto, a exploração, opressão e
estranhamento da classe trabalhadora são fundamentais para a geração do mais-valor para os
detentores dos meios de produção.
Além disso, as relações sociais de produção e reprodução da vida expressam as
contradições inerentes aos projetos das classes que protagonizam a disputa revelando suas
manifestações nas formas desiguais de vida, de adoecimento e de morte (Rocha e David, 2014).
A afirmação, portanto, de que é necessário um investimento na infraestrutura social já existente
e no desenvolvimento dos serviços sob a lógica socioeconômica vigente é tendenciosa, pois as
alternativas sugeridas seriam apenas um investimento no Modo de Produção Capitalista e no
seu fomento (Souza, Silva e Silva, 2013).
Ademais, outro ponto interessante para nota é a antecipação de García (1983, p. 8) frente
ao debate da saúde de forma estratificada e hierarquizada, tal como realizada pelo enfoque dos
Determinantes Sociais da Saúde, não contempla a totalidade da vida dos indivíduos. O autor
aponta que: “[...] a estratificação social oculta o significado real da categoria de trabalho, a fim
de realçar quase exclusivamente o modo de vida do trabalhador e da sua família”. Logo, é
necessário considerar os impactos das mudanças na saúde dos/as trabalhadores/as,
principalmente no tocante à saúde mental, que lida com múltiplos e complexos processos da
vida cotidiana e que é constantemente posta em segundo plano ao se estabelecer debates com a
temática de saúde do/a trabalhador/a.
Souza, Silva e Silva (2013) elencam três razões para refutar a adesão aos Determinantes
Sociais da Saúde na problematização da produção do processo saúde-doença. Em primeiro
lugar, os autores apontam que os DSS estão embasados em:

[...] constatações fundamentadas nos princípios ideológicos dominantes,


compatíveis com a estrutura econômica atual, ou seja, são conclusões
revestidas (e determinadas) pela imposição das ideias sustentadoras da
manutenção/reprodução do trabalho baseado na exploração do homem pelo
homem (idem, p. 50-51).
45

Seguindo essa linha de raciocínio, a análise sobre o processo de adoecimento da classe


trabalhadora será construída com o alicerce nas necessidades de saúde dos capitalistas,
deixando de considerar as iniquidades de saúde enfrentadas pela classe trabalhadora (Laurell,
1982).
Esse movimento nos leva ao segundo aspecto proposto por Souza, Silva e Silva (2013).
Os autores consideram a fundamentação teórico-metodológica na formação do conhecimento
científico, posto como se fosse neutro, desconsiderando a luta de classes nas elaborações
teóricas difundidas em massa, além de retirarem o trabalho como categoria central e
desconsiderar a totalidade na análise. Ao omitirem essas categorias, a produção científica atual
ignora as necessidades de saúde de um grupo específico - a classe trabalhadora - deixando
perceptível o projeto brutal do capital contra a vida dos/as trabalhadores/as.
Por fim, Souza, Silva e Silva (2013) indicam que existe um ocultamento das reais razões
que fomentam as desigualdades sociais, assim como as desigualdades de saúde. Para esses
pesquisadores, a perspectiva adotada nos enfoques nos Determinantes Sociais da Saúde trata o
processo de produção da vida e da saúde como a-histórico, sem influência de elementos que
são necessariamente relacionados à origem do capital, como a gestão do Estado, por exemplo.
Os autores reiteram:

O que se designa por determinantes sociais, para nós trata-se de expressões da


“questão social” – ou de desdobramentos dessas – e, por tal motivo, a ênfase
do estudo filosófico e científico em busca da saúde para além dos aspectos
biológicos deveria debruçar-se sobre sua base (raiz) material, como a
disparadora dos problemas sociais enfrentados pela classe trabalhadora, em
suas diversas implicações para a saúde (idem, p. 52).

Assim, retomamos o debate realizado por Laurell (1982) que compreende que a análise
do processo saúde-doença deve ser pautada sob uma referência teórica que considere a
causalidade, dando ênfase a como o processo biológico ocorre no âmbito social. Essa linha de
observação permite que o entendimento sobre saúde e doença seja uma unidade, ao contrário
do que é proposto pela Medicina Tradicional. Isto significa reconhecer a especificidade de cada
um e, ao mesmo tempo, analisar a relação que conservam entre si, o que implica em conseguir
as formulações teóricas e as categorias que nos permitam abordar seu estudo cientificamente.
Por fim, vale resgatar uma passagem dos Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844,
quando Marx (2010, p. 110) explana que:

Para o homem faminto não existe a forma humana da comida, mas somente a
sua existência abstrata como alimento; poderia ela justamente existir muito
46

bem na forma mais rudimentar, e não há como dizer em que esta atividade de
se alimentar se distingue da atividade animal de alimentar-se. O homem
carente, cheio de preocupações, não tem nenhum sentido para o mais belo
espetáculo [...] (Grifos do autor).

Assim, um indivíduo esfomeado, ao escutar Mozart, Chopin, até mesmo ler Dostoiévski
ou Shakespeare, não perceberá a magnitude destas obras. Isso porque antes de produzir e
contemplar a ciência, a arte, a poesia ou a música é fundamental ter no mínimo condições de
alimentar-se com dignidade, vestir-se, ter acesso pleno à produção material (seja para o
estomago ou a imaginação) realizada pelo ser social. Os sentidos humanos, ainda que dotados
de sua potência biológica (escutar, tatear, olhar, cheirar) só se tornam humanos no seu processo
histórico e social, por isso, escutar é diferente de ouvir. Ou dito de outro modo, corpo e mente
se desenvolvem reciprocamente.
Por isso, a pauperização não está expressa só na vida material da classe trabalhadora, mas
encontra-se também no campo subjetivo do ser social. Nesse sentido, é completamente
compreensível o desenvolvimento de um adoecimento/transtorno mental e/ou comportamental
diante de uma conjuntura onde o desenvolvimento e acumulação do capital é prioridade,
provocando o adensamento cada vez maior das expressões da Questão Social.
Assim, o debate da saúde dos trabalhadores, com base na literatura fundamentada
teoricamente no marxismo, não pode ter sua análise fragmentada (como uma separação entre
processos de trabalho e a reprodução social, por exemplo) ou desconexa da realidade. A
discussão com essa temática deve considerar a totalidade, sendo a produção de saúde um campo
que possui historicidade, que é mediado pelo par dialético capital-trabalho (Souza e Lira, 2022).
Em vista disso, faz-se necessário aprofundar o debate frente às transformações no mundo
do trabalho e nas mudanças provocadas historicamente na categoria em si. Esse movimento nos
auxiliará na compreensão sobre a relação entre o par capital-trabalho e o processo produção de
saúde-doença da classe trabalhadora, o qual será desenvolvido no capítulo seguinte.
47

CAPÍTULO 2: “SEU SONHO É SUA VIDA E VIDA É TRABALHO”: SAÚDE NO


CAPITALISMO HODIERNO

Um homem se humilha
Se castram seu sonho
Seu sonho é sua vida
E vida é trabalho

E sem o seu trabalho


O homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata

Um Homem Também Chora (Guerreiro Menino) - Gonzaguinha

Neste capítulo discutimos a categoria trabalho, baseado no que foi proposto por Marx
e, além disso, realizamos uma investigação de como a degradação e precarização do trabalho
assalariado, isto é, uma forma particular do trabalho na sociedade capitalista, e como este trouxe
e traz prejuízos ao desenvolvimento pleno do ser social, afetando as formas de reprodução da
força de trabalho e se tornando um obstáculo para a emancipação humana.

2.1 Considerações sobre a Categoria Trabalho no Modo de Produção Capitalista

Marx (2013) apreendeu e explicou como o trabalho é o processo universal entre o


indivíduo e a natureza, onde o primeiro, através de sua ação, é capaz de mediar, regular e
controlar o fluxo de sua relação com a natureza, sendo ele o único ser da natureza capaz de
realizar tal atividade. Lukács (2013), baseando-se nos estudos de Marx, aponta que esse
processo não acontece de modo espontâneo, mas por causa da capacidade teleológica 18, a qual
possibilitou a transição da animalidade para a sociabilidade (salto ontológico), a partir da
construção e complexificação do ser social.
No famoso trecho de O Capital, Marx (2013, p. 255-256) apresenta:

18 A expressão capacidade teleológica se refere ao fato do ser humano ser o único indivíduo da natureza a
pensar no resultado do seu trabalho, de elaborá-lo no plano ideal antes de vir a reproduzi-lo no plano real.
Assim, como aponta Souza (2020), o fruto do processo do trabalho é derivado do que foi pensado idealmente,
sendo a objetivação do pensamento e da consciência, elementos exclusivos dos humanos. Souza (2020) destaca
ainda que o momento da ideação, da subjetivação do trabalho, parte da necessidade do ser humano suprir suas
necessidades. Dessa forma, é necessário que as respostas para a efetivação de seus ideais partam da realidade
concreta para que tenham uma execução viável.
48

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e uma abelha


envergonha muitos arquitetos com a estrutura de sua colmeia. Porém, o que
desde o início distingue o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de que o
primeiro tem a colmeia em sua mente antes de construí-la com a cera. No
final do processo de trabalho, chega-se a um resultado que já estava presente
na representação do trabalhador no início do processo, portanto, um
resultado que já existia idealmente.

Em complemento, Netto e Braz (2006, p. 44) afirmam que o trabalho “só se dá quando
essa prefiguração ideal se objetiva, isto é, quando a matéria natural, pela ação material do
sujeito, é transformada”. Assim, a modificação da natureza por parte do indivíduo se dá para a
satisfação das necessidades cotidianas. Neste processo há tanto o gasto de energia física e
mental, quanto ocorre também a transformação do ser social através da complexificação e
socialização das necessidades humanas (Lukács, 2013). Nesse sentido, Ferraz e Fernandes
(2019) consideram o trabalho como “protoforma da atividade humana, é a base para o
desenvolvimento das práticas humanas em geral” (Ferraz e Fernandes, 2019, p. 170).
Ressalte-se que a historicidade da categoria trabalho não deve ser tomada como um
conceito universal ou geral, mas particular. De acordo com Lessa (2005), o trabalho e as
relações mediadas por ele irão assumir novas configurações conforme o momento histórico. No
entanto, essa configuração é construída com base em elementos desenvolvidos anteriormente,
tais como a organização produtiva e a estrutura societária, mas que não se encerra neles. Tal
afirmação parte dos estudos de Marx e Engels (2007, p. 87), onde estes consideram que:

O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de
tudo, da própria constituição dos meios de vida já encontrados e que eles têm
de reproduzir. Esse modo de produção não deve ser considerado meramente
sob o aspecto de ser a reprodução da existência física dos indivíduos. Ele é,
muito mais, uma forma determinada de sua atividade, uma forma determinada
de exteriorizar sua vida, um determinado modo de vida desses indivíduos. Tal
como os indivíduos exteriorizam sua vida, assim são eles. O que eles são
coincide, pois, com sua produção, tanto com o que produzem como também
com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das
condições materiais de sua produção.

Com base nessa afirmação, consideramos que o desenvolvimento do trabalho e sua


relação com forças produtivas tem influência em todas as esferas da sociabilidade. A análise
sobre as épocas econômicas deve partir, então, de como se produz e de quais os meios de
trabalho utilizados no processo produtivo. Ademais, a constatação desses elementos
possibilitará a apreensão das condições sociais sobre as quais o trabalho será realizado (Marx,
2013).
49

Portanto, a análise sobre a categoria trabalho será elaborada a partir do Modo de Produção
Capitalista, sistema socioeconômico vigente. Para isso, faz-se indispensável a retomada em
algumas categorias para a compreensão da relação do par dialético capital-trabalho e, mais
adiante, com o processo saúde-doença.
Primeiramente, é fundamental entender e contextualizar o debate sobre força de trabalho
para apontar como essa categoria se modificou na trajetória marxiana e sua importância na
diferenciação entre trabalho e força de trabalho.
Durante o período inicial de seus estudos, Marx dedicou-se com mais vigor ao campo
filosófico, especialmente realizando análise imanente da obra de Hegel. Nesse momento, a
aproximação com a economia política era restrita, pois ele compreendia essa ciência como uma
maneira de naturalização do MPC. Como reflexo dessa etapa no processo de amadurecimento
teórico estão textos como “Os Manuscritos econômicos-filosóficos” e “Glosas críticas
marginais ao artigo: ‘O rei da Prússia e a reforma’” (Wellen, 2020).
Wellen (2020) aponta a primeira compreensão sobre a força de trabalho elaborada por
Marx, apresentando que:

[...] a categoria da força de trabalho carrega, nessa obra, uma conexão com
esse sentido de crítica à abstração. A redução do ser humano a uma capacidade
de produção econômica aparecia, para o Marx de 1844, como uma
deterioração da capacidade do ser humano em realizar a sua essência
produtiva, ofuscando sua qualidade de demiurgo da história. Analogamente, a
própria economia política receberia uma direção crítica equivalente. Na obra
em tela, essa ciência operária, no fundo, como uma tentativa de naturalização
das determinações de um circuito econômico lastreado pelo mercado, pela
propriedade privada e pela divisão do trabalho. [...] Marx distanciava-se da
concepção de que a fonte do valor das mercadorias provinha do trabalho e
concordava com as afirmações de Proudhon de “que o aluguel e o lucro são
“superadicionados” e, portanto, são fatores que terminavam gerando um
aumento no preço” das mercadorias (Wellen, 2020, p. 5).

Interessante notar que apenas três anos após a publicação de “Os manuscritos
econômicos-filosóficos”, a partir de uma aproximação com as organizações sociais e políticas
dos trabalhadores da Inglaterra, Marx observa na economia política elementos úteis para o
processo de crítica ao modo de produção. O resultado está expresso em “A Miséria da
Filosofia”, onde Marx apresenta a categoria “força de trabalho” mais voltada à capacidade
produtiva, de fato, abandonando aos poucos o sentido de “denúncia filosófica do trabalho
abstrato” (Wellen, 2020, p. 6). Nesta obra, inclusive, Marx faz uma crítica demolidora à obra
“Filosofia da Miséria” de Proudhon, demonstrando os problemas nos fundamentos da
elaboração do filósofo francês.
50

Esse percurso teórico foi fundamental para as análises de Marx, principalmente, quando
ele realiza a distinção entre as categorias trabalho e força de trabalho, em meados do final de
1850 e início de 1860. A descoberta da diferença entre as categorias possibilitou a resolução da
“tautologia em que o valor do trabalho, ao passo que determinava o valor das mercadorias, era
determinado pelo valor das mercadorias” (idem, p. 3).
De acordo com McLellan (1995, p. 281), essa separação entre as categorias só foi
possível, pois:

[...] em vez de analisar os mecanismos de troca do mercado (como fazia em


1844), ele agora começou pela centralidade na produção. Segundo, ele agora
afirmou que o que o trabalhador vendia não era o seu trabalho, mas sua força
de trabalho. Foi a combinação entre estas duas concepções que permitiu a
construção da análise da mais-valia.

O amadurecimento dessa categoria possibilitou, então, revelar a relação de troca


desigual e exploratória inerente ao MPC. Foi em decorrência do aprofundamento nos estudos
sobre economia política e mudando a esfera de análise - passou da circulação para a produção
- que Marx percebeu que a força de trabalho é a potência de trabalho. Ou seja, a capacidade de
produzir, o dispêndio da energia humana (física e mental); e que o trabalho é a cristalização dos
novos valores (uma combinação entre o trabalho vivo - criando de valor - e o trabalho morto -
transferindo o valor do trabalho anterior; valor de uso e valor) em um objeto.
A partir do momento em que o objeto entra na esfera da circulação, quando o valor é
realizado (quando a mercadoria é vendida), o detentor dos meios de produção recebe um valor
maior do que adiantou no início do processo produtivo. Esse montante a mais é o mais-valor,
categoria que aparece como um desdobramento dos estudos de Marx. É a especificidade da
força de trabalho que possibilita distingui-la do trabalho e apurar a origem da exploração no
processo de trabalho, que no capitalismo, é igualmente processo de valor.
Assim, durante a jornada de trabalho existem dois momentos (Marx, 2013):
1) o de tempo de trabalho socialmente necessário: o qual pode ser definido como aquele
requerido para produzir um valor de uso qualquer, considerando as condições de produção
entendidas como socialmente normais, o grau social médio de habilidade e intensidade de
trabalho. É durante esse movimento que o trabalhador produz o próprio salário.
2) o de tempo de trabalho excedente: também chamado de mais-trabalho, é o momento
em que o trabalhador produz mais do que o necessário para o pagamento do seu salário e é de
posse do proprietário dos meios de produção. Assim, o mais-valor é resultado do trabalho
51

excedente, da exploração da classe trabalhadora. Ou seja, o mais-valor é também se expressa


na taxa de exploração da classe trabalhadora.
No entanto, é válido reforçar que essa análise parte do momento em que Marx observa o
movimento na esfera da produção. Na circulação, considerando o princípio da equivalência, a
troca entre o capitalista e o trabalhador aparece como igual - o salário é a expressão monetária
da compra da força de trabalho e tal acordo é mediado por um contrato, ocultando o caráter
exploratório do movimento.
Netto e Braz (2006) apresentam um resumo do processo entre salários e a produção da
taxa de mais-valor. Os autores apontam que:

[...] o valor da força de trabalho é determinado pelo tempo de trabalho


socialmente necessário para produzir os bens que permitem a sua manutenção
(ou reprodução). [...] Pois bem: o capitalista compra a força de trabalho dos
trabalhadores pelo seu valor, paga-lhes um salário que corresponde ao valor
da sua reprodução. Até aqui, como se verifica, não há diferença significativa
entre a compra, pelo capitalista, de meios de produção e força de trabalho - a
diferença se marcará na utilização capitalista da força de trabalho: aí se
revelará a peculiaridade da força de trabalho, aquilo que faz dela uma
mercadoria especial. Com efeito, comprando a força de trabalho do proletário
pelo seu valor, o capitalista tem o direito de dispor do seu valor de uso, isto é,
de dispor da sua capacidade de trabalho, capacidade de movimentar os meios
de produção. Mas a força de trabalho possui uma qualidade única, um traço
que a distingue de todas as outras mercadorias: ela cria valor - ao ser utilizada,
ela produz mais valor que o necessário para reproduzi-la, ela gera um valor
superior ao que custa. E é justamente aí que se encontra o segredo da produção
capitalista: o capitalista paga ao trabalhador o equivalente ao valor de troca da
sua força de trabalho e não o valor criado por ela na sua utilização (uso) - e
este último é maior que o primeiro. O capitalista compra a força de trabalho
pelo seu valor de troca e se apropria de todo seu valor de uso (idem, p. 113).

Ao analisar o movimento a partir da diferenciação das esferas, identifica-se que o


principal objetivo do capital é a exploração da classe trabalhadora através da apropriação do
mais-valor produzido. Nesse sentido, o capital passa a buscar continuamente as melhores
maneiras de aumentar seu acesso ao mais-valor.
Um dos meios para a manutenção da exploração, consiste em fazer os/as trabalhadores/as
acreditarem, que poderão "melhorar de vida" por meio do trabalho assalariado, assim, Ferraz
(2020) aponta que o trabalho na sociedade em que vivemos costuma ser justificado através de
afirmações como: é necessário que haja sacrifício para chegar ao sucesso, além do combate às
barreiras para alcançar o "topo", ainda que isso signifique a submissão às altas jornadas de
trabalho, horas extras e ambientes com elevados níveis de estresse. Dessa forma, a autora aponta
52

e crítica como aspectos intrínsecos da vida humana (doença, sofrimento, dor, ausência do
convívio com amigos e familiares) precisam ser apresentados e cultivados como "naturais" ou
até mesmo "necessários" para que o indivíduo atinja seu objetivo final - que, na sociedade
capitalista, consiste reproduzir sua força de trabalho, para classe trabalhadora, e em acumular
valor, para a classe capitalista.
Tal relação de exploração se desenvolve ampliando a desigualdade das condições
materiais para reprodução da vida. Desse modo, o produto/mercadoria não é feito para ser
consumido por quem o produz, mas para ser vendido para quem pode pagar por ele. A classe
trabalhadora, responsável pela produção, têm acesso ao consumo apenas ao que for necessário
para a manutenção de sua força de trabalho, isto é, para seguir vivo em condições de vender sua
força trabalho cotidianamente; esforçando-se para garantir a própria sobrevivência e da sua
família (a atual e a futura classe trabalhadora).
Interessante notar que esse movimento de reprodução da força de trabalho só pode ocorrer
quando o/a trabalhador/a tiver meios (na sociedade capitalista pode ser sintetizado como ter
dinheiro) para consumir as mercadorias que foram produzidas por ele/a ou seus pares, não sem
explorá-los/as no processo. A obtenção dos meios necessários para o consumo se dá através da
venda da sua própria força de trabalho. Assim, a força de trabalho, nesse cenário, é uma
mercadoria e o salário é a expressão do consumo de tal mercadoria (Marx, 2013, Ferraz e
Fernandes, 2019).
Diante desse contexto produtivo, o trabalho alienado e assalariado19 torna impossível uma
escolha (livre) por parte dos indivíduos sobre o próprio ato de trabalhar, posto que a única
liberdade oferecida a tais indivíduos, na melhor das hipóteses, é a de escolher a quem e como
desejam vender a sua força de trabalho, o que se manifesta por meio do fetiche da mercadoria 20
(Marx, 2013). Posto esse movimento, Marx e Engels (2001) afirmam que o trabalho assalariado
é condição de exploração e que é necessário para o processo de ampliação do valor.
Uma das formas apresentadas é a ampliação do mais-valor a partir da extensão das horas
trabalhadas na jornada de trabalho e sem alteração salarial. Dessa maneira, haverá a
conservação do tempo de trabalho socialmente necessário e é acrescido o tempo de trabalho
excedente. Esse artifício é denominado de produção de mais-valor absoluto. No entanto, a
ampliação da taxa de mais-valor através do aumento da jornada de trabalho encontra limites

19 O trabalho assalariado corresponde à venda da força de trabalho como condição necessária para subsistência,
considerando que tal indivíduo não dispõe dos meios de produção necessários para sua reprodução vital. O salário,
nestes termos, não se relaciona com formal ou informal, ou com pobreza ou riqueza, mas com a forma como uma
classe re(reproduz) sua existência.
20 Sobre o "fetiche da mercadoria" ver especialmente o capítulo 4 d'O Capital, livro 1, de Karl Marx.
53

fisiológicos e políticos, por exemplo, o dia tem 24 horas, além da exaustão física e, em alguns
momentos da luta de classes, a incidência da regulamentação da jornada através do Estado
(Netto e Braz 2006).
Nesse sentido, o capital se vê forçado a buscar outros mecanismos de extração do mais-
valor e encontra solução na intensificação do ritmo de trabalho sem alteração na duração da
jornada. Essa possibilidade é decorrente das inovações tecnológicas e conquistas científicas,
sendo estas inovações uma necessidade posta pela competição intracapitalistas e um meio eficaz
para o processo de acumulação pela possibilidade de realização do lucro extraordinário (Ferraz,
2021). Portanto, nesse momento, ocorre a redução da parte relativa ao trabalho necessário e o
tempo economizado é destinado ao tempo de trabalho excedente. Tal mecanismo é chamado de
produção de mais-valor relativo.
A partir da compreensão sobre as possibilidades da produção de mais-valor (absoluto ou
relativo), é possível adentrar no debate sobre a reprodução do capital - simples ou ampliada. A
reprodução simples consiste no consumo de todo o mais-valor apropriado, não existindo
acumulação, pois a produção estaria pautada nas mesmas bases do circuito inicial. Esse
movimento não é interessante para o desenvolvimento do capital, pois seu objetivo é acumular
mais-valor. Desse modo, atendendo aos interesses do capital, a reprodução ampliada surge
como alternativa. “Nela, apenas uma parte da mais-valia apropriada pelo capitalista é
empregada para cobrir seus gastos pessoais; outra parte é reconvertida em capital, isto é,
utilizada para ampliar a escala da sua produção de mercadorias” (Netto e Braz, 2006, p. 138).
Sobre a produção na Sociedade Capitalista, Ferraz e Fernandes (2019) e Ferraz (2020)
observam que há uma subordinação dos produtos à sua capacidade de se tornar uma mercadoria.
Pois se em outros modos de produção o trabalho deveria ter como resultado a produção de
valores de uso (algo útil para o estômago ou para a imaginação), hodiernamente esse processo
é subvertido, pois o que é de interesse dos proprietários dos meios de produção é o momento
da realização do valor, diante da possibilidade de trocar o que foi produzido. Dessa forma, para
tais proprietários, o valor útil da mercadoria pouco importa; sua atenção é voltada apenas para
o valor de troca, embora para que ocorra a troca seja necessário que o produto seja útil.

**

As inovações tecnológicas e os modelos de gestão responsáveis por intensificar o trabalho


e criar a reprodução ampliada do capital serão destacadas a partir desse momento, buscando
realizar uma recuperação histórica para contextualizar a contemporaneidade.
54

Os modelos de gestão do trabalho a partir do final do século XIX estavam pautados na


divisão social e técnica do trabalho da época da produção em massa. O primeiro modelo de
gerenciamento da força de trabalho foi o Taylorismo - modelo proposto por Frederick W.
Taylor - com a técnica de “Ritmos e Movimentos”, a qual consistia na organização, de modo
“científico”, de um meio eficaz para a expropriação do saber operário. Em seguida, o Fordismo
- criado por Henry Ford no início do século XX - promove exercício intenso do controle do
tempo e do movimento dos trabalhadores através da esteira (Taylor, 1953; Ford, 1925).
Lima (2022) ressalta a indispensabilidade de ambos, pois eles foram fundamentais no
processo de desenvolvimento da economia no capitalismo. No entanto, mediante o cenário de
crise na década de 1970 com a crise do fordismo-keynesianismo21, foi necessário que o capital
buscasse uma forma de se recompor. É diante desse contexto que a reestruturação produtiva
ocorre. Nesse momento,

[...] o desenvolvimento tecnológico se alinha de forma mais contundente às


transformações econômicas e políticas, ultrapassando as barreiras do tempo e
do espaço com as mudanças no campo da informação e comunicação, a fim
de intensificar o controle e a exploração do trabalho e dos trabalhadores (idem,
p. 157).

Portanto, a reestruturação produtiva - e a nova lógica do Toyotismo na organização da


produção - pode ser compreendida como apenas uma fase dentro do processo de racionalização
da produção capitalista e de inovações nos campos sociais e de produção. Além disso, esse
modelo de gerência e controle do trabalho se apresenta como um desenvolvimento nas
características referentes à manipulação do trabalho originárias do fordismo-taylorismo,
adentrando cada vez mais na esfera subjetiva da classe trabalhadora. A partir do movimento
entre o capital e a busca por soluções da crise, o Toyotismo cresce com o modo de acumulação
flexível (Alves, 2007; Praun, 2016).
Para atender as demandas do mercado, o Toyotismo irá pautar seu sistema produtivo em
um processo flexível, no qual um único operário será capaz de operar várias máquinas ao
mesmo tempo, inclusive diferentes. Nesse caso, ele deve ser polivalente e ter a capacidade de
trabalhar em equipe para dinamizar a produção, tendo a possibilidade de flexibilizar também a
organização do trabalho e os próprios trabalhadores. Observe-se, portanto, que se essa noção
de flexibilidade se relaciona com a forma de produzir o valor, então embora a palavra "flexível"

21 Fordismo-keynesianismo se refere tanto às relações de produção dominantes nas economias centrais do


capitalismo, isto é, nos países imperialistas, assim como o papel do assim chamado Estado de Bem-Estar Social
nesse movimento.
55

tenha uma conotação positiva, seus efeitos sobre a classe trabalhadora não têm sido nada
maleáveis.
No final das contas, a reestruturação produtiva iniciada com o Toyotismo intensifica o
trabalho tornando-o cada vez mais precário e reconfigura os modos de venda da força de
trabalho, bem como da sua reprodução. Posto isso, Alves (2007) considera que o processo de
precarização do trabalho e a consolidação do mundo do trabalho como precário são
características intrínsecas ao novo sociometabolismo do capital.
Nesse sentido, o autor (idem, p. 113) sintetiza a precarização do trabalho como:

[...] luta de classes e da correlação de forças políticas entre capital e trabalho.


[...] A precarização possui um significado concreto: ela atinge o núcleo
organizado do mundo do trabalho que conseguiu instituir, a partir da luta
política e social de classe, alguma forma de controle sobre suas condições de
existência através de mediações juridico-politicas. Ela atinge, portanto, a base
social e política do movimento socialista que se constituiu no século XX. A
precarização atinge os proletários sujeitos de direitos e que hoje são vítimas
da “flexibilização do trabalho”, sendo usurpados pelo poder das coisas ou
pelas leis de mercado. A precarização é um atributo modal da precariedade.

Diante do cenário de transformações no mundo do trabalho, impulsionadas pelo


Toyotismo e pela adesão à lógica da flexibilização como um mecanismo para recuperação do
capital, Barros (2019) destaca que a adoção de algumas medidas foi imprescindível neste
momento. As iniciativas neoliberais começaram a ser inseridas nas agendas de governo entre
as décadas de 1970 e 1990 e contribuíram com o “aumento do desemprego, a ampliação da
desigualdade e o ataque aos organismos políticos dos trabalhadores, como remédios para a
recuperação das taxas de lucratividade” (idem, p. 23).
Antunes (2009, p. 13) introduz o debate sobre crise, degradação e adensamento da
precarização do trabalho, assinalando que:

No meio do furacão da crise que agora atinge o coração do sistema capitalista,


vemos a erosão do trabalho relativamente contratado e regulamentado,
herdeiro da era taylorista e fordista, modelo dominante no século XX –
resultado de uma secular luta operária por direitos sociais – que está sendo
substituído e [...] que oscilam entre a superexploração e a própria auto-
exploração da força de trabalho em escala global caminhando em direção a
uma precarização estrutural da força de trabalho em escala global. Isso sem
falar na explosão de desemprego que atinge enormes contingentes de
trabalhadores, sejam homens ou mulheres, estáveis ou precarizados, formais
ou informais, nativos ou imigrantes.
56

Desse modo, frente ao cenário de crescimento da precarização, Antunes (2015) traz a


flexibilização do trabalho como elemento indispensável no debate da precarização. O autor
apresenta que os direitos trabalhistas também irão incorporar o caráter flexível sob a
necessidade de dispor a força de trabalho diante das necessidades do mercado. Para isso, sua
estrutura é baseada em um quantitativo mínimo de trabalhadores realizando horas extras, sendo
preferencialmente temporários ou subcontratados.
Agravando o cenário apresentado por Antunes (2009), as inovações tecnológicas
(indústria microeletrônica, por exemplo) ampliaram a possibilidade de extração de mais-valor
no processo produtivo e proporcionaram aos capitalistas a redução de gastos com trabalho vivo
(com a compra da força de trabalho). Consequentemente houve aumento nos índices de
desemprego e da desregulamentação do trabalho através de modificações em legislações, as
quais, após as mudanças, apresentam um cenário de regressão nos direitos sociais e na proteção
social da classe trabalhadora (Barros, 2019; Antunes, 2015).
O desemprego estrutural, a própria reestruturação produtiva, a "flexibilização" da
produção, os novos modelos de gestão da produção são fundamentais na análise referente aos
agravos à saúde do trabalhador, visto que diante das incertezas do capital e das ofensivas aos
direitos conquistados historicamente, as únicas garantias para a classe trabalhadora são as
tentativas de inserção em um mercado de trabalho instável, inseguro e que coloca em risco a
saúde dos trabalhadores. Ferraz (2010, p. 97) afirma que:

[...] as alterações na base tecnológica não liberaram o homem para o ócio, para
o lazer, para a autorealização, mas sim para a pauperização dos que vivem sem
emprego ou para a intensificação da jornada laboral pela liberdade espaço-
temporal adquirida via tecnologias de comunicação.

Esse elemento pode ser observado diante do crescimento dos trabalhos intermediados por
plataformas (Franco, Ferraz, e Ferraz, 2023), da uberização (Franco e Ferraz, 2019), do
empreendedorismo (Ferraz e Ferraz, 2022) e outras falácias divulgadas como sendo a "saída"
para a crise, deixando de lado sua verdadeira face de aprofundamento da precarização do
trabalho e das condições de reprodução da força de trabalho, longe da conceituação (capitalista,
diga-se de passagem) de Trabalho Decente 22 trazida por organizações internacionais.
Frente a essa conjuntura, Ferraz (2010, p. 98) estabelece sua crítica e analisa que:

22 De acordo com a Organização


Internacional do Trabalho (OIT) “o conceito de trabalho decente sintetiza a sua
missão histórica de promover oportunidades para que homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de
qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado condição
fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade
democrática e o desenvolvimento sustentável”.
57

[...] o desejo fomentado pela ONU e pela Organização Internacional do


Trabalho (OIT) de um mercado pleno de trabalho decente é uma ideação que
não encontra no concreto a possibilidade de efetivação, nem onde já foi uma
realidade, tampouco onde as características de um mercado de trabalho
precário, com altos índices de desemprego, crescente informalidade, etc., são
o que sustentam a produção, centralização e acumulação do capital.

Diante do cenário acima apresentado, concordamos com Antunes e Praun (2015) no que
se refere à influência das transformações no mundo do trabalho na produção dos indicadores
sobre acidentes e adoecimentos profissionais, os quais possuem índices cada vez maiores, ainda
que muitos sejam subnotificados. Os autores atribuem esses elementos à reorganização do
mundo do trabalho e da produção frente às necessidades do capital, bem como à nova divisão
internacional do trabalho.
A análise estabelecida por Antunes e Praun (2015, p. 411) é de que:

A nova divisão internacional do trabalho estabeleceu, concomitantemente, um


novo mapa de acidentes e doenças profissionais. Essas alterações acabam
sendo perceptíveis com mais clareza no interior de corporações de grande
porte, nas quais a gestão dos processos de trabalho é potencializada pela
presença de robôs e sistemas informacionais e comunicacionais sofisticados.
Mas vale acrescentar que essas condições, presentes no interior das grandes
corporações, acabam por repercutir de diferentes maneiras ao longo da cadeia
produtiva. Dessa forma, por um lado, os trabalhadores pertencentes ao núcleo
que atua com maquinário mais avançado, dotado de maior tecnologia,
encontram-se cada vez mais expostos à flexibilização e à intensificação do
ritmo de suas atividades, expressas não somente pela cadência imposta pela
robotização do processo produtivo, mas, sobretudo, pela instituição de práticas
pautadas pela multifuncionalidade, polivalência, times de trabalho
interdependentes, além da submissão a uma série de mecanismos de gestão
pautados na pressão psicológica voltada para o aumento da produtividade. Por
outro, outra parcela da classe trabalhadora, numericamente superior, passa a
experienciar, cada vez mais, diferentes modalidades de vínculos e condições
de trabalho que se viabilizam a partir de ambientes de trabalho que articulam
menor desenvolvimento tecnológico a jornadas mais extensas, maior
insegurança e vulnerabilidade.

A reflexão dos autores aponta os caminhos postos pela reconfiguração da produção e os


desdobramentos desse reordenamento no mercado de trabalho, os quais implicam na venda da
força de trabalho e na reprodução desta pela classe trabalhadora. Contudo, embora o cenário de
barbárie no mundo do trabalho esteja cada vez mais agudizado, existe uma parcela da classe
trabalhadora que não consegue se inserir neste nem através das formas precárias de trabalho.
Por essa razão, muitas vezes, não aparecem em dados estatísticos e possuem ainda menos
58

condições de garantir a reprodução de sua força de trabalho e o acompanhamento em saúde,


principalmente, de questões relacionadas à saúde mental.
Nesse sentido, compreende-se como relevante entender os reflexos da alienação do
trabalho na sociedade capitalista no processo de subjetivação e produção da saúde,
especialmente, levando em consideração a produção de saúde mental a partir do par capital-
trabalho e da agudização das expressões da questão social.
Marx, nos Manuscritos Econômicos-Filosóficos, afirma que o trabalho é a fonte da
autorreprodução humana, mas que na sociedade capitalista, este trabalho é alienado e
estranhado e coloca a força de trabalho do trabalhador como uma simples mercadoria - através
do trabalho assalariado (Marx, 2010). O autor destaca que:

O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais


mercadoria cria. [...] O trabalho não produz somente mercadorias; ele produz
a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que
se produz, de fato, mercadorias em geral. Este fato nada mais exprime, senão:
o objeto (Gegenstand) que o trabalho produz, o seu produto, se lhe defronta
como um ser estranho, como um poder independente do produtor. O produto
do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, fez-se coisal (Sachlich), é a
objetivação (Vergegenständlichung) do trabalho. A efetivação
(Verwirklichung) do trabalho é a sua objetivação. Esta efetivação do trabalho
aparece ao estado nacional-econômico como desefetivação (Entwirklichung)
do trabalhador, a objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, a
apropriação como estranhamento (Entfremdung), como alienação
(Entäusserung). A efetivação do trabalho tanto aparece como
desefetivação que o trabalhador é desefetivado até morrer de fome. A
objetivação tanto aparece como perda do objeto que o trabalhador é despojado
dos objetos mais necessários não somente a vida, mas também dos objetos do
trabalho. Sim, o trabalho mesmo se torna um objeto, do qual o trabalhador só
pode se apossar com os maiores esforços e com as mais extraordinárias
interrupções. A apropriação do objeto tanto aparece como estranhamento
(Entfremdung) que, quanto mais objetos o trabalhador produz, tanto menos
pode possuir e tanto mais fica sob domínio do seu produto, do capital (idem,
p. 80-81. Grifos nossos).

Portanto, no Modo de Produção Capitalista e especialmente, a partir da reestruturação


produtiva, Antunes (2009, p. 132) destaca que:

A vida se consolida, cada vez mais, como sendo desprovida de sentido no


trabalho e, por outro lado, estranhada e fetichizada também "fora" do trabalho,
exaurindo-se no mundo sublimado do consumo (virtual ou real), ou na labuta
incansável pelas qualificações de todo tipo, que são incentivadas como
antídoto (falacioso, por certo) para não perder o emprego daqueles que o tem.
É por isso que estamos presenciando uma desconstrução do trabalho sem
precedentes em toda era moderna, ampliando os diversos modos de ser da
precarização e do desemprego estrutural.
59

Posto isso e, considerando que o modo de produção e desenvolvimento do trabalho são


elementos fundamentais para a organização social, os indivíduos que não conseguem se inserir
no mercado de trabalho vendendo sua força de trabalho e serem “funcionais”, nos moldes da
sociedade capitalista, estão fadados ao fracasso.
Se o fracasso está vinculado à falta de trabalho, na sociedade capitalista, o sucesso
também se materializa na perspectiva de inserção no processo produtivo. Nesse sentido, para
Ferraz (2020), a compreensão de “sucesso” se dá a partir do modo como homens e mulheres
conseguem vender sua força de trabalho e reproduzir as suas vidas. Segundo a autora, “a noção
de sucesso, nesse sentido, coaduna com a subjetividade concernente a um determinado estágio
de desenvolvimento das forças produtivas das relações capitalistas de re-produção da vida”
(idem, p. 74), isto é, sucesso ou fracasso, no capitalismo, perpassa necessariamente pelo
mercado, o que para a classe trabalhadora, implica na venda de sua única mercadoria: a própria
capacidade laboral.
Entende-se, portanto, que o desemprego 23 coloca o sujeito em uma posição de
desorganização das questões objetivas para a reprodução da força de trabalho da classe
trabalhadora, as quais são diretamente impactadas pela inserção em empregos (Barros e
Oliveira, 2009). Assim, os autores consideram que:

[...] o trabalhador desempregado vivencia um processo de deterioração advindo


do desemprego, cuja ressignificação só poderia ser contestada com a provisão
de um novo trabalho. [...] O trabalhador responsabiliza-se por não estar
qualificado e, diante da situação de desemprego, sofre tanto pelas privações
materiais quanto pela responsabilização por seu próprio desemprego. Ou seja,
agrega um estado interno de sofrimento e autorresponsabilização a uma
legitimidade externa e social, a qual confirma sua inutilidade, o que pode
desencadear sentimentos de vergonha, desamparo, exclusão e incidir em sua
saúde (idem, p. 91, 92).

Nesse sentido, o impacto do desemprego na reprodução da força de trabalho está


diretamente relacionado à sobrevivência e à produção do processo saúde-doença (seja ela física
ou mental), o qual é manifestado de forma variável mediante o grupo analisado - considerando
suas condições sociais e biológicas (Laurell, 1982).
Assim, no tópico a seguir, se intenciona a realização de um debate que estabeleça uma
análise do processo de produção saúde-doença como um processo social, marcado pelas

23 Vale destacar que a noção de desemprego que aludimos aqui se refere à possibilidade de vender a força de
trabalho por uma quantia suficiente para a (sobre)viver, neste momento, não iremos discutir os índices e
parâmetros estatais ou formas legais de contratos. No próximo capítulo retornaremos com a discussão.
60

transformações no mundo do trabalho. Além disso, serão considerados os desdobramentos dessas


mudanças na saúde da classe trabalhadora inserida em um país de capitalismo periférico - o Brasil
- e as repercussões na compreensão sobre a saúde mental dos trabalhadores e trabalhadoras.

2.2 O Sofrimento Psíquico Como Desdobramento da Questão Social

É a partir do entendimento e da contribuição das ideias advindas do Renascimento e da


Epidemiologia desenvolvida neste período que a Organização Mundial de Saúde adota um novo
modo de perceber o processo saúde-doença. O conceito de saúde pensado pela Organização
Mundial da Saúde em 1948 considera a saúde como um conjunto de bem-estar físico, emocional
e social. No entanto, ressaltamos que essa conceituação não abarca a compreensão do que de
fato é saúde, pois é insuficiente afirmar que saúde significa apenas uma espécie de conjunto
que une bem-estar físico, social, emocional, espiritual e intelectual; ou reduzir saúde como
ausência de doença (Almeida Filho e Jucá, 2002).
Dado seu caráter limitado, não partiremos deste conceito da OMS, mas do conjunto de
conhecimentos sistematizados pela Medicina Social Latino-Americana. Foi a MSLA quem
desenvolveu a teoria da Determinação Social, cujo objetivo é compor a crítica aos modelos que
utilizam a epidemiologia tradicional como base, pois essa se limita a ser funcional ao sistema
econômico e social vigente.
Desse modo, a Determinação Social da Saúde é conhecida como epidemiologia crítica,
ao passo que se coloca em oposição à epidemiologia funcionalista norte-americana. Isso porque
a teoria da Determinação Social da Saúde possui embasamento no campo do materialismo
histórico-dialético a partir do pensamento de Marx, enquanto as norte-americanas, no
positivismo, tais como a teoria funcionalista de Christopher Boorse com base nas ideias de
Durkheim (Moreira, 2013).
Tem-se, nesse momento, a consolidação de três caminhos para entender o processo
saúde e doença (Di Mario e Amorim, 2016):
a) O primeiro movimento irá considerar a doença como resultado de um processo
biológico do próprio indivíduo;
b) O segundo compreende que é necessário observar um conjunto de fatores
(multicausalidade) para apreender o processo saúde-doença. Nessa perspectiva, é preciso
considerar a dimensão biológica (a doença) e a condição ambiental em que foi desenvolvida.
61

c) O terceiro movimento propõe que a enfermidade deve ser entendida como um


fenômeno social e coletivo, considerando a historicidade dos fenômenos de saúde-doença – a
Determinação Social da Saúde.
Assim, a gênese da teoria da Determinação Social da Saúde é fomentada pelo debate a
respeito do caráter social do processo saúde-doença na década de 1960. A discussão buscava
compreender se a origem do adoecimento era essencialmente biológica ou, pelo contrário, tinha
influência social. No final desse período, ao considerar as crises econômicas, políticas e sociais,
a luta dos trabalhadores deu impulso para a ascensão do debate, pois considerava necessário
dar início a uma análise que desse prioridade à compreensão dos problemas que atingiam a
massa dos trabalhadores. O objetivo era encontrar soluções que convergissem com os interesses
populares e que colaborassem com a construção de novas práticas sociais (Laurell, 1982).
A contribuição para a elaboração da teoria da Determinação Social da Saúde, merece
destaque o questionamento sobre o paradigma médico biologicista e o entendimento sobre os
processos de adoecimentos da época. Entende-se, portanto, que a medicina clínica tradicional
não conseguia oferecer soluções satisfatórias para as condições de saúde da coletividade
(Laurell, 1982).
Diante dos caminhos de observação da realidade propostos, nossa escolha é de trabalhar
com o terceiro movimento elencado acima, pois ele compreende que o processo de produção
da saúde-doença ocorre de forma articulada aos múltiplos processos societários.
Ademais, a teoria da Determinação Social da Saúde considera a importância dos
movimentos particulares e a reciprocidade de ambos, compreendendo a dialética existente entre
tais dimensões. A noção de integralidade do processo saúde-doença dada presente nessa teoria
exige que se ultrapasse as noções de saúde existentes à primeira vista, que haja a superação do
que está na aparência, no senso comum, mas até mesmo legitimada pela ciência capitalista, para
que se chegue à raiz dos fenômenos. Moreira (2013, p. 73) aponta que para isso ocorra é
necessário entender que: "a noção de totalidade e das mediações entre o geral, o particular e o
singular é condição imprescindível”. Ou seja, a produção de conhecimento sobre a saúde
também é objeto de luta de classes (Bechara-Maxta e Eberhardt, 2021).
Dessa forma, de acordo com Laurell (1982), para compreender as mediações existentes,
é necessário que ocorra um trabalho de investigação com objetivo de expor a relevância da
dimensão social do processo saúde-doença. Isso ocorre a partir de uma análise dos tipos de
enfermidade, da frequência e da distribuição nos grupos sociais que constituem a sociedade,
possibilitando a identificação do elo existente entre o processo da produção social e do processo
saúde-doença e deixando explícito o envolvimento da luta de classes nesse movimento.
62

Percebe-se, então, que a proposta de análise sob a Determinação Social da Saúde acontece
por meio da observação de como os movimentos que se dão no âmbito macroestrutural possuem
influência na produção do adoecimento/ saúde, tais como o próprio modo de produção da
sociedade, vinculado ao modelo econômico e civilizatório vigente e as (re)configurações do
mundo do trabalho. Além disso, “identifica as particularidades de reprodução social onde estão
localizadas e podem ser explicadas as singularidades” (Moreira, 2013, p. 75).
Reforçando essa concepção, Viapiana, Gomes e Albuquerque (2018) afirmam que a
análise dos processos estruturais do modo de produção que forma uma sociedade específica
deve ser levada em consideração ao estudar determinada condição de saúde (ou de doença).
Dessa maneira, encontra-se a necessidade de uma compreensão do capitalismo hodierno, de
suas características e os seus reflexos nos modos de reprodução da força de trabalho. A partir
desse cenário “é possível apreender em profundidade o perfil epidemiológico da sociedade
contemporânea, marcado pelas altas taxas de sofrimento e de adoecimento psíquico” (Viapiana,
Gomes e Albuquerque, 2018, p. 179) e compreender como a própria classe trabalhadora se
entende nessa conjuntura.
Entretanto, a concepção hegemônica sobre o processo saúde-doença é a fomentada pelo
sistema capitalista. Seguindo tal dinâmica, o processo de adoecimento estaria completamente
associado às particularidades da biologia individual. Esse movimento, portanto, retira a
responsabilidade do MPC e atribui a produção de saúde-doença a um processo único e particular
dos indivíduos, excluindo da análise a realidade social (Laurell, 1982).
Propomos, então, realizar um debate que possibilite compreender, partindo da teoria da
Determinação Social da Saúde, como as transformações nos processos de trabalho e o modo
como eles estão organizados reverberam na saúde da classe trabalhadora na sociedade
capitalista. Contudo, vale ressaltar que não existe aqui uma tentativa de responsabilizar apenas
o processo social nos adoecimentos. Ao contrário, recuperamos as ideias de Laurell (1982), a
qual compreende que deve ser realizado um esforço para tentar reestabelecer uma unidade entre
o biológico e o social.
A autora elabora a relação entre o biológico e o social da seguinte maneira:

[...] Este modo de entender a relação entre o processo social e o processo


saúde-doença aponta, por um lado, o fato de que o social tem uma hierarquia
distinta do biológico na determinação do processo saúde-doença e, por outro
lado, opõe-se à concepção de que o social unicamente desencadeia processos
biológicos imutáveis e a-históricos e permite explicar o caráter social do
próprio processo biológico. Esta conceituação nos faz compreender como
cada formação social cria determinado padrão de desgaste e reprodução e
63

sugere um modo concreto de desenvolver a investigação a este respeito


(Laurell, 1982, p. 15).

Nesse sentido, entender o processo saúde-doença no capitalismo, é necessário considerar


seu progresso através dos anos e seu aperfeiçoamento enquanto sistema de dominação.
O desenvolvimento do capitalismo através dos modelos de gestão e controle da força de
trabalho, além da própria necessidade de produção e acumulação de mais-valor, os quais foram
aprofundados no tópico acima, resultam para grande parte da classe trabalhadora na
“insegurança social, aumento da miséria, do trabalho precário e do desemprego”. Desse modo,
Lourenço (2016, p. 33) aponta que “o modo como o trabalho é desenvolvido consoante às leis
do capital expropria, furta, saqueia a saúde e a vida dos trabalhadores e trabalhadoras, situando
esses sujeitos em processos de trabalho inseguros e sob penúrias constantes”.
A reprodução da vida social, como já apresentado até o momento, está diretamente
associada ao processo de trabalho, pois ele é o responsável por explicar como a produção do
processo saúde-doença ocorre mediante a organização da sociedade (Di Mario e Amorim,
2016). A partir dessa concepção, é imprescindível resgatar como a precarização do trabalho e
as demais manifestações decorrentes desta e do desenvolvimento do capitalismo incidem nas
questões de saúde e de doença da classe trabalhadora.
Ressaltamos esse movimento e retomamos os conceitos abordados no capítulo 1 desta
dissertação. Os riscos de trabalho, acarretam as cargas de trabalho, resultando no desgaste da
força de trabalho, a qual está sendo cada vez mais explorada conforme há o aprimoramento dos
modelos de gestão e controle da força de trabalho. Isso ocorre através de estratégias que
ultrapassam as condições objetivas e subjetivas dos indivíduos. A partir desse momento, o foco
da discussão será como as cargas psíquicas estão relacionadas ao processo de adoecimento
mental da classe trabalhadora.
As cargas psíquicas adquiridas no processo de trabalho apresentadas no tópico anterior
serão agora aprofundadas. De acordo com Laurell e Noriega (1989), a sobrecarga psíquica pode
acontecer frente a cenários de tensão constante, da impossibilidade de desenvolver a capacidade
mental, de consciência do grau de periculosidade da atividade, da monotonia e repetitividade e
em um ambiente de rígido controle do trabalho, juntamente com elevados ritmos produtivos,
entre outros.
Nesse cenário, os autores seguem sua análise sobre a produção da sobrecarga psíquica
afirmando que elas “são socialmente produzidas e que não podem ser compreendidas como
‘riscos’ isolados, ou abstratos, à margem das condições que as geram (Laurell e Noriega, 1989,
p. 108). Como Laurell (1982) já vinha alertando, as transformações no modo de produção
64

estariam relacionadas aos perfis de adoecimento, não seria diferente com a condição da saúde
mental.
Bechara-Maxta (2022, p. 49) compreende que as expressões do desgaste e “os limites da
reprodução da força de trabalho estão diretamente relacionados ao desenvolvimento das forças
produtivas do capital seja em maior ou menor expressividade a depender das lutas operárias”.
Além disso, em outro trabalho, o autor em conjunto com Ferraz, considera que a dimensão do
desgaste ocorre:

[...] na medida em que as amálgamas do capital podem ser cindidas pelos


movimentos organizados da classe trabalhadora – e dos limites dos padrões de
desgaste da força de trabalho – a ponto de a classe trabalhadora anular as
implicações dos elementos do processo de trabalho sobre a sua capacidade
potencial e/ou efetiva corporal e psíquica (Ferraz e Bechara-Maxta, 2022, p.
670).

Assim, especificamente no Modo de Produção Capitalista e, diante das modificações na


produção para uma maior exploração do mais-valor, nota-se a ascensão de relatos, estudos e
pesquisas relacionando o adoecimento mental ao mundo do trabalho, haja vista que o aumento
da carga psíquica pode estar vinculado a ascensão de outra carga.
Segundo Paço-Cunha (2018), o adoecimento e o suicídio são reflexos do Modo de
Produção Capitalista e seu modo de organizar a esfera socioeconômica. Em concordância,
Moraes, Ferraz e Areosa (2018) apresentam as mudanças na esfera produtiva, principalmente a
partir da década de 1970 e com um adensamento a partir da adesão das novas tecnologias no
processo produtivo, como um movimento correlato à intensificação do trabalho e às inúmeras
formas de precarização hoje existentes. O reflexo desse processo sobre a classe trabalhadora,
como já dito anteriormente, se apresenta por meio de doenças psicossomáticas e nas Lesões por
Esforço Repetitivo (LER’s).
Marx, n’O Capital, deixa evidente o movimento do capital em busca do mais-valor e as
transformações que tal movimento demanda no que se refere à exploração classe trabalhadora.
O autor apresenta que:

[...] a produção capitalista, que é essencialmente produção de mais-valor,


sucção de mais-trabalho, produz, com o prolongamento da jornada de
trabalho, não apenas a debilitação da força humana de trabalho, que se vê
roubada de suas condições normais, morais e físicas, de desenvolvimento e
atuação. Ela produz o esgotamento e a morte prematuros da própria força de
trabalho (Marx, 2013, p. 338).
65

Nota-se, então, que a vida do trabalhador não significa nada para o capital. Não a vida
em si. O capital despreza o trabalhador. Seu único interesse em garantir a existência da classe
trabalhadora é pela necessidade de produção do mais-valor, isto é, se há alguma necessidade é
a de que classe trabalhadora, enquanto classe, seja reproduzida, as condições que tal reprodução
ocorre é corolário da luta de classes. Assim, tanto faz para a classe capitalista se a classe
trabalhadora tem tempo para desenvolvimento intelectual ou para fortalecer seus vínculos
sociais.
Assim, na sua busca voraz por mais-valor e sua ampliação, o capital:

[...] transgride não apenas os limites morais da jornada de trabalho, mas


também seus limites puramente físicos. Ele usurpa o tempo para o
crescimento, o desenvolvimento e a manutenção saudável do corpo. Rouba o
tempo requerido para o consumo de ar puro e de luz solar. Avança sobre o
horário das refeições e os incorpora, sempre que possível, ao processo de
produção, fazendo com que os trabalhadores, como meros meios de produção,
sejam abastecidos de alimentos do mesmo modo como a caldeira é abastecida
de carvão, e a maquinaria, de graxa ou óleo. O sono saudável, necessário para
a restauração, renovação e revigoramento da força vital, é reduzido pelo
capital a não mais do que um mínimo de horas de torpor absolutamente
imprescindíveis ao reavivamento de um organismo completamente exaurido.
Não é a manutenção normal da força de trabalho que determina os limites da
jornada de trabalho, mas, ao contrário, o maior dispêndio diário possível de
força de trabalho, não importando quão insalubre, compulsório e doloroso ele
possa ser, é que determina os limites do período de repouso do trabalhador. O
capital não se importa com a duração de vida da força de trabalho. O que
lhe interessa é única e exclusivamente o máximo de força de trabalho que
pode ser posta em movimento numa jornada de trabalho (Marx, 2013, p.
337, 338, grifos nossos).

Dessa maneira, ao considerar o cenário do capitalismo hodierno, recorremos às


considerações de Ferraz (2020, p. 78), a qual retoma Marx e aponta que “o indivíduo concreto
pode vir a sucumbir objetivamente e subjetivamente”. Ou seja, assim como Marx sinalizava,
persiste, no capitalismo contemporâneo, a tendência da perda da capacidade do indivíduo em
se reconhecer no processo produtivo, o que produz tanto pauperização quanto sofrimento. Dessa
forma, ele perde não apenas a sua capacidade física ao longo do processo (através do cansaço
e das lesões, por exemplo), mas também se perde enquanto capacidade mental e subjetiva
(estafa, ansiedade em decorrência do emprego - ou falta dele -, depressão, competitividade entre
os demais trabalhadores e o próprio medo são amostras desse movimento).
Percebe-se, mediante o que foi observado até o momento, que a classe capitalista, além
de tomar como posse o trabalho alheio, coloca os trabalhadores e trabalhadoras em u m cenário
de opressão, exploração e expropriação (Lourenço, 2016), alimentando-se do medo e da
66

exaustão. Esses elementos são intensificados no nosso tempo pela reestruturação produtiva e
pela acumulação flexível; e acabam se tornando um terreno fértil para o desenvolvimento de
enfermidades físicas e mentais.
Conforme há alteração nas circunstâncias de venda da força de trabalho, há mudanças no
processo de sobrevivência e organização da classe trabalhadora. Quando tais condições estão
ausentes, elas afetam o processo de reprodução da classe trabalhadora - objetivamente e
subjetivamente, é necessário enfatizar.
Em um contexto social marcado pelo medo, informalidade e desemprego, é ainda mais
difícil realizar um estudo fidedigno sobre as condições de saúde mental da classe trabalhadora
em sua totalidade. Nesse sentido, Ludermir (2000, p. 648), a partir de um aprofundamento nas
pesquisas de diversos autores, apresenta a relação entre a produção do processo saúde-doença
e o trabalho a partir da vivência de trabalhadores e trabalhadoras que estão fora do mercado de
trabalho formal. Ele compreende que:

Sem sombra de dúvidas, a saúde mental preexistente é um fator importante na


determinação dos que conseguem e mantêm os seus empregos – “the healthy
worker effect” (Tiffany et al., 1970; Lahelma, 1992) –, mas os estudos
longitudinais de indivíduos saudáveis que vivenciaram o desemprego (Banks
& Jackson, 1982; Jenkins et al., 1982; Warr & Jackson, 1985; Hammarström
et al., 1988; Withington & Wybrow, 1988; Bartley et al., 1992; Lahelma,
1992; Graetz, 1993; Morrell et al., 1994; Ferrie et al., 1995) têm confirmado
os seus efeitos adversos para a saúde mental e a recuperação da saúde com a
volta ao emprego (Warr & Jackson, 1985; Withington & Wybrow, 1988;
Lahelma, 1992; Morrell et al., 1994).

Além disso, Estramiana et al. (2012) abordam o debate entre desemprego e saúde mental,
afirmando que a experiência do desemprego não é homogênea e possui óticas de análise
diferentes. É necessário que sejam considerados elementos como o sexo, a faixa etária, entre
outros para avaliar as condições de adoecimento mental dos/as trabalhadores/as. Todavia, é
comum encontrar em pesquisas, tais como a de Barros e Oliveira (2009, p. 98) que expressam
que “os trabalhadores em situação de desemprego padecem, com maior frequência e
intensidade, de sofrimentos relacionados à baixa autoestima, estado de ânimo e humor
reduzidos, estresse, ansiedade, sentimentos de vergonha, humilhação e distúrbios no sono”.
Costa (2023), ao retomar a “questão de subsistência” apontada por Marx no artigo
“Aumento do preço do milho". Cólera. Greves. Movimento dos Marinheiros.” 24 publicado em
1853, considera que as preocupações diárias sobre a sobrevivência - inclusive sobre a incerteza

24
“Rise in the Price of Corn. Cholera. Strikes. Sailor’s Moviment” no texto original.
67

de se alimentar - estão relacionadas ao processo de sofrimento psíquico. Costa, sobre esse


processo, disserta:

[...] podemos dizer da própria condição de vida enquanto condição de


constante preocupação, de angústia, de sofrimento; um sofrimento sistêmico
e normalizado; o sofrimento como normal e o normal do sofrimento. Mais,
um sofrimento por vezes enquanto mecanismo de sobrevivência, só que um
mecanismo barbárico, de uma condição barbarizada. E conforme a vida ia se
precarizando, se deteriorando, maior a tendência de ela se desenvolver na
forma de sofrimento, ao passo que maior era a normalização do sofrimento ou
a vida se normalizava no/pelo sofrimento; uma miséria objetiva que
também era subjetivada, demonstrando a relação dialética entre as
condições materiais e imateriais, o processo de subjetivação da realidade
objetiva pela própria atividade humana (Costa, 2023, p. 53, grifos nossos).

Acerca dessa questão, Marx aponta em “Sobre o Suicídio”, que as condições de


desenvolvimento de um sofrimento psíquico na classe trabalhadora estão diretamente
relacionadas ao modo como a vida está sendo produzida e reproduzida no capitalismo (Marx,
2006).
Entre as causas do suicídio, contei muito frequentemente a exoneração de
funcionários, a recusa de trabalho, a súbita queda dos salários, em
consequência de que as famílias não obtinham os meios necessários para
viver, tanto mais que a maioria delas ganha apenas para comer (Marx, 2006,
p. 48).

As considerações de Marx, observadas em um cenário de início do capitalismo e de seu


desenvolvimento no século XIX, ainda podem ser percebidas no movimento do capitalismo
hodierno. Nos arriscamos a dizer, considerando as análises marxianas e as estatísticas atuais
disponibilizadas pelos estudos, que a conjuntura atual impulsiona a classe trabalhadora,
principalmente na região das Américas, a recorrer cada vez mais a meios extremos para saída
do sofrimento. Isto é, em um contexto em que a precarização do trabalho é fomentada e há a
ascensão do exército industrial de reserva em escala exponencial através do desemprego, a
miserabilidade e o pauperismo serão combustível para alimentar os índices de suicídio e de
outras expressões da loucura.
Confirmamos a proposição acima, a partir de dados obtidos por Lange et al. (2023)
“Fatores contextuais associados à mortalidade por suicídio em nível de país nas Américas,
2000-2019”25. Contatou-se, a partir da pesquisa, que o desemprego está vinculado ao aumento

25
“Contextual factors associated with country-level suicide mortality in the Americas, 2000–2019” no texto
original.
68

da mortalidade por suicídio em homens e mulheres, sendo um dos únicos fatores determinantes
que abrange ambos os sexos.
Além disso, o Centro de Valorização da Vida (CVV) disserta sobre a relação entre o
desemprego e transtornos mentais, como ansiedade de depressão, ao resgatar uma pesquisa
realizada pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, a qual aponta que 80% das
pessoas que têm débitos adquirem essas enfermidades.
Não que quem esteja empregado não esteja adoecendo também, mas são produções de
sofrimentos mentais distintos, afinal, os relatórios sobre o assunto consideram apenas a força
de trabalho formalizada de alguma maneira, pouco sendo discutido sobre as frações da classe
trabalhadora que não conseguem vender adequadamente sua força de trabalho. Assim, como
nos ensina a tradição marxista acerca do processo de trabalho e saúde-doença, faz-se necessário
considerar os padrões de desgaste dessas particularidades no interior da classe para que se possa
apreender como o capital tem se apropriado objetivamente e subjetivamente de todos nós.
Diante do que foi exposto até, resgatamos a expressiva frase de Marx na obra
supramencionada: “É que o sangue não corre do mesmo modo nas veias de gente desesperada
[...]" (Marx, 2006, p. 26). Nesse contexto, onde a preocupação e a angústia são dominantes na
subjetividade dos trabalhadores e trabalhadoras, a maior expressão do sofrimento mental - o
suicídio - seria a única alternativa às condições brutais de sobrevivência na sociedade onde o
capital se realiza.
O desespero mencionado por Marx é direcionado aqui à observação entre a relação entre
trabalho, o sofrimento psíquico e as expressões da questão social. Costa (2023, p. 42)
compreende esse sofrimento psíquico também como uma forma de protesto contra o próprio
ser que está sofrendo. Para o autor, essa condição está associada às condições concretas de
existência dos indivíduos - uma sociedade que se desenvolve sobre um modo de produção
predatório, “exploratório, alienado, estranhador, coisificador [...]”.
Embora reconheça que o suicídio e os adoecimentos psíquicos estão presentes em todas
as classes, Marx (2006) reconhece que a miséria é o que se configura como sua maior causa, o
que permanece atual e que foi ratificado na crítica aos fatores de risco e aos fatores protetivos
realizada no capítulo anterior. A afirmação de Marx pode ser observada junto à sua
compreensão sobre a condição de sofrimento da classe trabalhadora, a qual se encontra em um
cenário de intensa exploração e crescente precarização, em que o domínio do capital se expande
para além dos espaços laborais. Marx (2013, p. 342) expõe:
69

O capital não tem, por isso, a mínima consideração pela saúde e pela duração
da vida do trabalhador, a menos que seja forçado pela sociedade a ter essa
consideração. Às queixas sobre a degradação física e mental, a morte
prematura, a tortura do sobretrabalho, ele responde: deveria esse martírio nos
martirizar, ele que aumenta nosso gozo (o lucro)?.

A análise de Marx corresponde à conjuntura vivenciada pela classe trabalhadora, onde as


expressões do pauperismo, do sofrimento, da loucura e até mesmo do suicídio estão sendo
produzidas de modo dialético, considerando a totalidade social e devem ser entendidas levando
em conta todas as suas determinações e mediações para a compreensão da realidade concreta
(Costa, 2022).
A partir da fundamentação marxiana, portanto, compreende-se que a loucura não é um
processo adquirido e vivenciado de modo individual, não pode ser considerada apenas no
campo do psiquismo e nem dos elementos orgânicos. É necessário apreender a forma como o
Modo de Produção Capitalista está conduzindo o funcionamento social para entender a
produção da loucura. Esse movimento revelará, a partir de uma análise histórica e da totalidade,
que o sofrimento psíquico é uma expressão do sistema capitalista e das expressões da questão
social.
Nesse sentido, Costa (2023, p. 63, 64) entende que a loucura deve ser investigada como
uma “síntese de múltiplas determinações que, por sua vez, remetem à totalidade social na/pela
qual ela se forja, se faz loucura, ao passo que também a conforma dialeticamente; [...] é a
produção e reprodução da vida real”. Ou seja, é preciso que consideremos as manifestações do
sofrimento psíquico em seu desenvolvimento histórico e contraditório.
A questão social, portanto, está diretamente relacionada ao caráter social da loucura (ou
a determinação social da loucura). O sofrimento psíquico da classe trabalhadora no MPC apenas
revela sua dinâmica, da qual é possível apreender que o crescimento da produção e da
acumulação de riqueza significa uma ascensão da miserabilidade, das condições objetivas e
subjetivas que perpassam a formação dos indivíduos enquanto ser social.
Nesse contexto, onde as transformações do capital são constantes e as expressões da
questão social são agudizadas, surge a necessidade de uma intervenção frente às demandas
apresentadas. Não por benesse do capital, mas por seu próprio interesse. Como resposta às
necessidades e às questões apresentadas pelo movimento da classe trabalhadora, as políticas
sociais surgem como um “cuidado paliativo” diante aos problemas sociais e ao crescente
processo revolucionário dos trabalhadores. Afinal, como já apontamos, a classe trabalhadora
deve ser reproduzida (ainda que alguns indivíduos morram ou enlouqueçam pelo caminho).
70

No Brasil, a questão social só se colocou como questão política na primeira década do


século XX a partir do fortalecimento do movimento operário tardio, condizente com a
consolidação do capitalismo hipertardio. Esse processo só teve início com a industrialização do
país e a chegada do fordismo, pois houve necessidade de regulação do “processo de reprodução
da força de trabalho” (Behring, 2009, p. 16; Behring e Boschetti, 2006).
A conjuntura posta a partir desse período exige uma profissão que possa realizar a
intermediação entre os interesses do capital e dos trabalhadores na consolidação do capitalismo
monopolista. Nesse cenário, nasce o Serviço Social, uma profissão que “participa tanto do
processo de reprodução dos interesses de preservação do capital, quanto das resposta s às
necessidades de sobrevivência dos que vivem do trabalho” (Yazbek, 2009, p. 5).
Na particularidade brasileira, o Serviço Social enquanto profissão é legitimado e
reconhecido através dos recursos disponibilizados pelo Estado e pelos capitalistas da época,
contando ainda com o apoio da Igreja Católica. Nota-se que a consolidação da profissão no
Brasil ocorre no mesmo período em que está ocorrendo o fortalecimento da indústria e ascensão
dos movimentos sociais liderados por trabalhadores.
Assim, a questão social e suas expressões, tornam-se objeto de intervenção e atuação do
Serviço Social, pois “manifesta nas condições objetivas de vida dos segmentos mais
empobrecidos da população” (Yazbek, 2009, p. 6). Contudo, nesse período ainda não estava
estabelecido um elo entre o processo das expressões da questão social e do sofrimento psíquico,
apesar de identificar que o adoecimento mental estava presente na realidade dos trabalhadores.
Dessa forma, na maioria das vezes, cabia à psiquiatria administrar as questões da época.
Segundo Resende (1987, p. 56) “à psiquiatria cabia simplesmente recolher e excluir as sobras
humanas de cada organização social, de cada momento histórico, tinha ‘produzido’”.
Identificamos, portanto, a necessidade de compreender o Serviço Social e seu
entendimento sobre o adoecimento/sofrimento psíquico desde as protoformas da profissão, bem
como o atual posicionamento da categoria frente a esse objeto.
A indispensabilidade dessa investigação está relacionada ao fato de que a saúde mental,
por vezes, é posta como área de estudo apenas das ciências psi. Todavia, como apresentado
neste capítulo, percebe-se que não é possível compreender a loucura de forma parcial, é
necessário compreender o adoecimento mental como sintoma de um modo de produção
desigual e explorador.
Portanto, o capítulo seguinte tem como objetivo realizar a exposição desse movimento,
bem como estabelecer uma análise sobre as possibilidades e os limites da construção teórica
71

em Serviço Social sobre a saúde mental voltada especificamente para o contexto da classe
trabalhadora.
72

CAPÍTULO 3: O SERVIÇO SOCIAL E SUAS APROXIMAÇÕES COM A SAÚDE


MENTAL NO CONTEXTO BRASILEIRO

A presença do Serviço Social em múltiplos espaços sócio-ocupacionais tem sido de


fundamental importância para a luta de classes, posto que se reconhece como uma categoria
profissional combativa e que luta pela igualdade e justiça social. Nesse sentido, para discutir
temáticas como a saúde mental, por exemplo, é fundamental levar em consideração a forma
como essa profissão e área do conhecimento se posiciona frente aos debates sobre a temática
da saúde mental. Esta análise poderá ser encontrada no decorrer dos subtópicos a seguir.

3.1 Breve historicização do percurso teórico-metodológico do Serviço Social até a Saúde


Mental no Brasil

O Serviço Social é uma profissão que reconhece as relações sociais como parte de “uma
realidade concreta em movimento, em processo de estruturação permanente” (Iamamoto e
Carvalho, 2014, p. 79). Nesse sentido, ao passo que há o desenvolvimento das forças produtivas
e complexificação das relações sociais, se adensa, portanto, a indispensabilidade de
profissionais especializados para lidar com as demandas originadas das novas necessidades
sociais, bem como dos impasses oriundos do desenvolvimento capitalista industrial e da
expansão urbana.
Diante desse cenário, a burguesia busca estratégias para lidar com a pressão da classe
trabalhadora e não vê uma alternativa a não ser repensar os padrões de proteção social,
requerendo ao Estado articular novas formas de enfrentamento às expressões da questão social
- as quais têm base nas relações de exploração do capital sobre o trabalho. O Estado passa a
intervir como um agente regulador e fiador dessas relações, ao passo que colabora com o
processo de acumulação capitalista e age na mediação, proporcionando o atendimento das
necessidades sociais da classe trabalhadora e estimulando “a profissionalização do/a assistente
social ampliando seu campo de trabalho em função das novas formas de enfrentamento da
questão social” (Yazbek, 2009, p. 10); (Behring e Boschetti, 2006, p. 10 apud Yazbek, 2009).
Yazbek (2009, p. 6) compreende que a questão social se configura como “‘matéria-prima’
e a justificativa da constituição do espaço do Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho
e na construção/atribuição da identidade da profissão”, ainda que nesse período o alinhamento
73

teórico da profissão estivesse de acordo com as bases da Igreja Católica, assumindo um caráter
“conservador, individualista, psicologizante e moralizador da questão, que necessita para seu
enfrentamento de uma pedagogia psicossocial” (idem, p. 8).
Considerando a complexificação do cenário da época e sendo requisitado a atender as
questões previdenciárias e assistenciais, o Serviço Social iniciou sua atuação prestando
assistência aos grupos “marginalizados” do mercado de trabalho. Segundo Bravo (2013, p. 156)
“as principais áreas de ação dos profissionais, no seu início, foram asilos, albergues, orfanatos
e dispensários (e, em São Paulo, a Secretaria da Promoção Social). A área da saúde abriu-se em
seguida, mas de forma embrionária”.
A inserção da profissão nos serviços de saúde surge devido à necessidade de uma
categoria profissional, dentre inúmeras, que fosse capaz de auxiliar o trabalho do médico. Dessa
forma, o desenvolvimento das técnicas e intervenções das assistentes sociais da época estavam
pautadas no modelo médico clínico, sendo sua participação no processo de cuidado era
complementar ao que a figura principal determinava (o médico) (Matos, 2013). Nos hospitais,
a maior demanda para essas profissionais era construir um vínculo entre as instituições, a
família e os próprios usuários (Pinheiro, 1985 apud Matos, 2013).
A atuação diante especificamente da política de Saúde Mental não ocorreu imediatamente
na gênese da profissão no Brasil, principalmente devido ao baixo quantitativo de profissionais
qualificadas em meados da década de 1940 até a década de 1970 (Sabóia, 1976, p. 51 apud
Bisneto, 2007). A literatura aponta que após o início da Ditadura Militar, em 1964, houve um
aumento significativo de clínicas psiquiátricas privadas e de hospícios devido às reformas
realizadas na saúde. Nesse momento, o atendimento psiquiátrico apenas era oferecido aos/as
trabalhadores/as e seus dependentes de forma privada ou em articulação com o Estado,
favorecendo a ampliação dos serviços de saúde mental diante da perspectiva de ascensão do
lucro em razão dos repasses realizados pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e
resultando na criação de mais espaços para atuação das assistentes sociais (Bisneto, 2007).
A incorporação dos estabelecimentos psiquiátricos como partícipe do modelo de
organização da saúde centralizado exigiu o estabelecimento de normas, inclusive, necessárias
para a fiscalização dos serviços. Dentre elas, a inclusão de assistentes sociais na equipe de
saúde, pois caso não houvesse, o serviço de saúde mental não poderia cobrar do INPS o valor
do atendimento aos usuários. No entanto, o cenário era de baixos salários e vínculos de trabalho
precarizados (Bisneto, 2007).
Souza (1986, p. 118) aponta que “é a partir de 1973 - quando o MPAS enfatizava a
importância da equipe interprofissional para a prestação de assistência ao doente mental, numa
74

de suas tentativas de melhorá-la - que se abriu um maior espaço para o Serviço Social nas
Instituições Psiquiátricas”.
Entende-se, portanto, que o posicionamento do Serviço Social frente às demandas de
saúde mental apresentadas pelos trabalhadores nesse período histórico era ser funcional às
necessidades do governo ditatorial. A loucura não era seu principal foco de atuação, mas sim o
manejo das baixas condições de reprodução da força de trabalho - pobreza, abandono, miséria
- e as assistentes sociais, nesse contexto, correspondiam a meras executoras de políticas sociais
na área (Bisneto, 2007).
Frente à elevada busca por serviços de saúde mental, era necessário ainda que as
profissionais trabalhassem para a racionalização do sistema previdenciário, este com inúmeras
contradições, pois as condições societárias da classe trabalhadora apresentavam:

[...] um grande número de operários caindo em crise mental, como provável


expressão das péssimas condições de trabalho durante a fase de expansão
capitalista; a muitos trabalhadores recorrerem ao recebimento de pensões
aposentadorias e auxílios previdenciários por motivo de padecimento mental
para fugir ao agravamento do desemprego; ao abuso das clínicas privadas
credenciadas nos gastos com internações duvidosas (Bisneto, 2007, p. 27).

Nota-se, portanto, que desde a gênese da profissão os/as assistentes sociais lidam com as
expressões da questão social vinculadas ao trabalho, sendo a exploração e controle da classe
trabalhadora e o fomento do exército industrial de reserva pilares fundamentais para o
crescimento da acumulação de capital no Brasil. De fato, inicialmente a atuação profissional
era embasada em teorias positivistas o que implicava na condução de ações psicologizantes e
abordagens de caso, grupo e comunidade com foco na moralidade e em uma perspectiva
policialesca da própria questão social.
Na transição da década de 1970 para 1980, o Serviço Social já vivenciava o “Movimento
de Reconceituação”, responsável pela aproximação da categoria de assistentes sociais com os
estudos e teorias críticas marxistas. Contudo, as profissionais que atuavam no campo da saúde
mental enfrentaram obstáculos para estabelecer um elo entre as novas bases de conhecimento
com o seu espaço sócio-ocupacional, haja vista que o próprio marxismo, recém-chegado às
terras brasileiras, tinha dificuldade em abordar questões voltadas à subjetividade dos sujeitos,
algo que está sendo superado nos estudos atuais do campo marxista, mas que, no Serviço Social,
possui uma abordagem tímida devido ao percurso histórico da profissão.
Bisneto (2007), ao realizar uma análise da pesquisa proposta pelo professor Eduardo
Mourão Vasconcelos, “Saúde Mental, desinstitucionalização e abordagens psicossociais”,
75

aponta que devido às críticas que passaram a ser realizadas pela ampla categoria profissional às
intervenções e correntes teóricas que embasaram às práticas de assistentes sociais na saúde
mental, percebe-se uma queda brusca nas pesquisas nesse campo.
Esse afastamento do Serviço Social resultou em lacunas na produção do conhecimento
frente ao debate da saúde mental durante o Movimento de Reconceituação, o qual trazia
discussões mais aprofundadas sobre movimentos sociais, estatutos profissionais ou até mesmo
políticas sociais. Ainda de acordo com Rosa (2016, p. 26), “persistem várias lacunas sobre a
complexidade do trabalho do assistente social na saúde mental, em diferentes equipamentos,
territórios e eixos”.
A necessidade de articulação do Serviço Social com o debate do caráter social da loucura
parte da compreensão que esse movimento pode ser configurado como uma das expressões da
questão social, o que é materialmente o objeto de trabalho do/a assistente social, o/a qual se
comprometeu eticamente com a luta pelos direitos da classe trabalhadora e se colocando contra
todas as formas de exploração e opressão e superação dessa forma de sociabilidade (Barroco e
Terra, 2012). Além disso, é fundamental reforçar que o campo da saúde mental não está atrelado
apenas à psiquiatria, conforme afirma Amarante (2007).
Esse compromisso está atrelado ao que Marx (2006, p. 28) afirma: “Descobri que sem
uma reforma total da ordem social de nosso tempo, todas as alternativas de mudança seriam
inúteis”. Assim, o comprometimento da categoria profissional se reafirma enquanto espaço de
novas discussões como a realizada até o momento e parte para o enfrentamento das expressões
da questão social, munida de conhecimento e aproximação com a classe trabalhadora,
principalmente no cenário contemporâneo marcado pela precarização do trabalho e desmonte
dos direitos sociais conquistados através de muito suor, sangue e lágrimas.

3.2 Produção de Conhecimento do Serviço Social na Saúde Mental: Aprofundamento


Teórico ou Estagnação?

Para analisar o Estado da Arte do Serviço Social referente às temáticas de saúde mental
e saúde mental do/a trabalhador/a foi realizado um breve levantamento bibliométrico26 em
Revistas Nacionais classificadas e especificadas na Associação de Ensino e Pesquisa em Serviço

26 De acordo com Araújo (2006), a técnica conhecida como Bibliometria consiste em quantificar e elaborar
estatísticas, descrevendo desse modo, elementos característicos da literatura e de outros veículos de comunicação.
Essa técnica tem como objetivo mensurar a produção e a divulgação do conhecimento científico.
76

Social (ABEPSS), considerando as pertencentes ao Qualis A (A1 a A4) na Plataforma Sucupira


mediante a Avaliação do Quadriênio 2017-2020 (2023). Embora existam outros periódicos de
relevância para os debates da profissão, houve a necessidade de estabelecer critérios de inclusão
e exclusão para realizar a análise, buscou-se, assim, partir de publicações com impacto e
abrangência.
Os seguintes periódicos foram selecionados: Katálysis; Libertas; O Social em Questão;
Oikos; Praia Vermelha; Revista de Políticas Públicas; Ser Social; Serviço Social e Saúde;
Serviço Social & Sociedade; Serviço Social em Debate; Serviço Social em Perspectiva; Serviço
Social em Revista; Textos & Contextos; e Temporalis.
Depois, em visita ao site dessas revistas, foram realizadas buscas nos últimos dez anos
(2012-2022) com os seguintes descritores: saúde mental, saúde do trabalhador e saúde mental
do trabalhador, nas palavras-chave de cada um desses periódicos.
A partir desse levantamento, foram identificados 293 artigos. Foram utilizados como
critérios de inclusão:
a) Artigos de língua portuguesa e que correspondem à análise do cenário brasileiro.
b) Publicados no período entre 2012 e 2022.
c) Revistas de Qualis pertencentes a categoria A (A1 a A4) conforme a avaliação da
CAPES correspondente ao Quadriênio 2017-2020 (2023).
d) Com o título, palavras-chave e resumos relacionados à temática e aos descritores
utilizados (saúde mental, saúde do trabalhador e saúde mental do trabalhador).
e) Todos os periódicos tinham como área de conhecimento e avaliação o Serviço Social.
Com esses critérios, obteve-se o quantitativo de 166 artigos.
Abordando aspectos mais gerais dos dados da pesquisa, nota-se houve um aumento
significativo na produção de artigos que estabelecem diálogo com os descritores utilizados para
a realização do levantamento bibliométrico.
Nota-se a ascensão do interesse nessas áreas a partir de 2015, período no qual foi dado
início às novas ações do movimento de Contrarreforma Psiquiátrica. Os anos que tiveram um
maior número de produções foram os de 2020 e 2022 (ambos com 31 artigos) e, em seguida,
2021. Ressaltamos que no início da década de 2020, ocorreu a Pandemia da COVID-19, o que
acarretou o isolamento e quadros de adoecimento físico e mental da classe trabalhadora. Assim,
compreendemos que a realidade social fomentou o debate sobre os descritores escolhidos
resultando no aumento das produções científicas também no campo do Serviço Social.
Nesse cenário, é perceptível o envolvimento da profissão na busca por apreender a
realidade e intervir nela. Para facilitar a visualização, o gráfico 1 a seguir demonstra a
77

concentração das produções de acordo com o recorte temporal adotado durante o levantamento
bibliométrico.

Gráfico 1 - Produções e publicações em periódicos. Referente ao período (2012-2022)

Fonte: Dados da pesquisa (2023).

Verificou-se ainda que a maior concentração de produção sobre temas investigados


encontra-se em revistas de Qualis A1 (91 artigos). Este movimento se apresenta como um aspecto
positivo da categoria profissional, posto que o debate da saúde do/a trabalhador/a,
especificamente da saúde mental destes, estão ocupando os principais espaços de divulgação
científica no Serviço Social. As revistas de Qualis A2, A3 e A4 correspondem a 44, 22 e 9 artigos,
respectivamente. Em sequência, o gráfico 2 apresenta os números em percentuais.
78

Gráfico 2 - Concentração de publicações vinculados ao levantamento por Qualis


(Quadriênio 2017-2020)

Fonte: Dados da pesquisa (2023).

A predominância de publicações em revistas de Qualis A1 revela o crescimento e a


importância que o debate sobre a questão de saúde do trabalhador, saúde mental e saúde mental
do trabalhador vem ocupando nas pesquisas. Isso tem a ver com as novas formas de controle do
trabalho, as quais buscam se apropriar também da subjetividade dos/as trabalhadores/as e
expandir ideias como a produtividade e a competição para além do espaço em que estes/as
desempenham suas funções laborativas. É preciso afirmar, portanto, que o capital visa se
apropriar ainda mais de todos os espaços que constroem a identidade humana e torná -los
produtores de mais-valor.
Dos 166 artigos, foi feita uma análise de temas, conforme pode ser visto no gráfico 3, e
que resultaram na seguinte classificação:
 Saúde do/a Trabalhador/a (59 artigos; 35,5%);
 Contrarreforma Psiquiátrica (42 artigos; 25,3%);
 Reforma Psiquiátrica (RP) (34 artigos; 20,5%);
 Atuação e Formação Profissional (21 artigos; 12,7%); e
 Precarização do Trabalho (10 artigos; 6%).
79

Gráfico 3 - Produção por categorias nos principais periódicos do Serviço Social

Fonte: Dados da pesquisa (2023).

Nesse sentido, durante a análise categórica realizada, apresentou-se a necessidade de


efetuar uma subdivisão para compreender de forma mais profunda as ramificações decorrentes
de cada debate. Consideramos indispensável um mergulho nas categorias secundárias elencadas
para entender o posicionamento da profissão diante dos campos de estudo e suas proposições
enquanto área de conhecimento e de intervenção.

Tabela 3 - Temas e Subtemas que Emergiram da Análise


Saúde do/a Contrarreforma Reforma Psiquiátrica Atuação e Precarização do
Trabalhador/a Psiquiátrica (RP) Formação Trabalho
Profissional
- Acesso à Saúde - Desmontes da - Construção da Rede de - Apreensão do - Transformações no
- Pandemia e política de saúde Atenção Psicossocial Estado da Arte mundo do trabalho
repercussões para a mental e/ou Intersetorial - Fazer profissional - Condições de
saúde dos/as - Questão das Drogas - Luta Antimanicomial do/a assistente trabalho
trabalhadores/as - Medicalização dos - Desinstitucionalização social - A
- Proteção e corpos - Fundamentos superexploração
Desproteção Social teórico- da força de
- Relação entre o metodológicos do trabalho
trabalho e a saúde de Serviço Social - O trabalho e as
indivíduo - Trabalho em relações de
- Relação familiar com equipe gênero
o adoecimento do multiprofissional
indivíduo/dispositivo
da rede
- Saúde mental e
questões de gênero,
étnico-raciais ou de
populações específicas
80

- Suicídio

Fonte: Elaborado pela autora (2024).

No campo da Saúde do/a Trabalhador/a, surgiram como categorias secundárias: 1)


Acesso à Saúde (6 artigos; 10,2%); 2) Pandemia e repercussões para a saúde dos/as
trabalhadores/as (6 artigos; 10,2%); 3) Proteção/desproteção social (10 artigos; 16,9%); Relação
entre o trabalho e a saúde do indivíduo (22 artigos; 37,3%); Relação familiar com o adoecimento
do indivíduo/dispositivos da rede (5 artigos; 8,5%); Saúde mental e questões de gênero, étnico-
raciais ou de populações específicas (9 artigos; 15,3%); e Suicídio (1 artigo; 1,7%).
Nessa categoria, foram observados estudos que levavam em consideração o acesso à saúde
através dos dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), bem como transtornos e
atendimentos às demandas de saúde em diferentes níveis de complexidade dos serviços. Vale
salientar, que ao considerarmos o debate sobre saúde dos/as trabalhadores/as, estamos
considerando elementos que correspondem à saúde física e mental. Posto isso, observou -se que
houve um número significativo de pesquisas que levaram em conta a Pandemia da COVID-19
e seus impactos na saúde dos/as trabalhadores/as, principalmente, na saúde mental, elemento
que está relacionado também a ascensão de trabalhos no período de 2020 a 2022, como veremos
adiante.
Identificamos como ponto relevante nas pesquisas o estudo de questões relacionadas à
saúde mental e questões de populações específicas, abordando temáticas como o racismo
estrutural, a saúde mental das mulheres, da população rural e, principalmente, debates sobre a
saúde mental da população em situação de rua. Ademais, a relação entre os familiares e o
adoecimento mental têm recebido atenção, pois busca compreender a perspectiva de quem
convive com o adoecimento e com os dispositivos que prestam atendimento aos usuários.
Além disso, nota-se a preocupação da profissão com as transformações no sistema de
proteção social, evidenciando elementos que têm influência na saúde dos/as trabalhadores/as,
tais como as mediações, as alterações provocadas pelas Reformas, tanto a Reforma Trabalhista
quanto a da Previdência Social. Vale salientar que essas áreas são importantes para a inserção
do Serviço Social no mercado de trabalho, pois estão diretamente relacionadas à Seguridade
Social e às expressões da Questão Social.
Os artigos que possuem maior preocupação e que possuem maior relevância dentro deste
campo são aqueles que tratam da relação entre o trabalho e a saúde/doença dos indivíduos. As
pesquisas revelam altos índices de adoecimento na sociedade capitalista, as dificuldades de
inserção no mercado de trabalho formal por pessoas portadoras de transtornos mentais, como as
81

reconfigurações do mundo do trabalho interferem no processo saúde-doença dos/as


trabalhadores/as através das intensas cargas e jornadas de trabalho e trazem a perspectiva
marxiana sobre as questões voltadas à saúde dos/as trabalhadores/as. O suicídio aparece como
a última categoria secundária, com apenas 1 artigo, mas considera elementos importantes para
a compreensão de como as expressões da Questão Social são relevantes para o processo de
adoecimento mental e para as ideações, tentativas e a efetivação do autoextermínio.
Além disso, outro ponto relevante nos estudos sobre a saúde do/a trabalhador/a
identificado no levantamento é a base teórica utilizada para fazer o debate da categoria. A
perspectiva de todos é crítica e tem como fundamento teórico as proposições marxistas,
ressaltando o papel do trabalho na vida dos indivíduos e o papel do Estado enquanto mediador
na luta de classes. No entanto, ao analisar as teorias referentes ao debate sobre a saúde em si,
nota-se predominância de uma abordagem através dos Determinantes Sociais da Saúde,
perspectiva já apresentada neste trabalho, ao invés da teoria proposta pela Medicina Latino-
Americana, a da Determinação Social da Saúde.
Nota-se que embora haja o esforço de adotar a criticidade, em diversos momentos, as
análises não chegam às raízes do problema. A menção ao Modo de Produção Capitalista por si
só não revela as atrocidades por ele produzidas e, tampouco, faz um resgate histórico e aborda
a produção social do adoecimento. Pelo contrário, ao adotar os Determinantes Sociais da Saúde,
o Serviço Social acaba reforçando a compreensão de que a produção do processo saúde-doença
é único, particular e biológico, tendo as relações de sociais e de produção u m papel secundário
ou até mesmo excluindo-as da análise sobre a realidade social.
Para a discussão das próximas duas categorias que serão apresentadas, será necessário
realizar uma contextualização histórica para situar os/as leitores/as sobre o movimento da
Reforma e da Contrarreforma Psiquiátrica. Além disso, é importante salientar que a separação
das categorias foi indispensável, pois esses movimentos são divergentes ideologicamente e
teoricamente, por isso, possuem fundamentações que não dialogam. Houve também a
necessidade de fazer uma inversão na ordem de explanação das categorias para melhor
compreensão do processo. 27
A origem do Movimento de Reforma Psiquiátrica advém do Movimento de Reforma
Sanitária Brasileira por volta da década de 1970. As demandas apresentadas pelos atores dos
movimentos sanitários, inicialmente, estavam voltadas para a exigência de transformação em

27 Inicialmente, no ranking, a análise de Contrarreforma Psiquiátrica deveria aparecer primeiro do que a


Reforma Psiquiátrica devido ao quantitativo de pesquisas. No entanto, optamos realizar a análise pela ordem
cronológica e conforme ocorreu o movimento de desmonte da política de saúde mental.
82

modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde, adotando a saúde coletiva como linha
prioritária, ao passo que buscava o protagonismo dos/as usuários/as e um atendimento integral,
universal e equitativo no cuidado em saúde.
Contudo, é necessário deixar explícito que a Reforma Psiquiátrica brasileira possui
características particulares e distintas do movimento de Reforma Sanitária. De acordo com o
Ministério da Saúde (2005, p. 6):

A Reforma Psiquiátrica é processo político e social complexo, composto de


atores, instituições e forças de diferentes origens, e que incide em territórios
diversos, nos governos federal, estadual e municipal, nas universidades, no
mercado dos serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações
de pessoas com transtornos mentais e de seus familiares, nos movimentos
sociais, e nos territórios do imaginário social e da opinião pública.
Compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes,
valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços
e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica avança,
marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios.

Assim, inspirada pela experiência italiana e pelo processo bem-sucedido de


desinstitucionalização de pessoas com transtornos mentais e pela crítica radical aos asilos e
manicômios, a Reforma Psiquiátrica brasileira tomou forma. Além disso, contou com o
fortalecimento do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), o qual era
composto por “trabalhadores integrantes do movimento sanitário, associações de familiares,
sindicalistas, membros de associações de profissionais e pessoas com longo histórico de
internações psiquiátricas [...]” (Ministério da Saúde, 2005, p. 7).
Com a gênese do Sistema Único de Saúde na Constituição Federal de 1988 foi possível
propor novos planos e sugestões para as questões relacionadas à saúde mental. Nesse sentido, o
Projeto de Lei Paulo Delgado apresentado em 1989 foi indispensável para o avanço da RP. Após
3 anos, guiados pelo projeto, os movimentos sociais conseguem realizar pressão em alguns
estados, dando origem às primeiras legislações que estabelecem a redução progressiva e a
substituição de leitos psiquiátricos, abrindo margem para a criação de uma rede voltada de forma
integral à saúde mental (Ministério da Saúde, 2005).
Todavia, nem todo momento da luta do MTSM e da RP foi de avanço. O Projeto de Lei
Paulo Delgado passou mais de uma década em tramitação, foi rejeitado e passou por
modificações, até que em 2001 foi sancionado. Assim, a Lei 10.2016 foi publicada em 06 de
abril de 2001, mesmo ano em que aconteceu a III Conferência Nacional de Saúde Mental
(Amarante e Nunes, 2018).
83

Após esse marco legal, outros dispositivos e serviços são estruturados para ofertar
atendimento às demandas de saúde mental. Amarante e Nunes (2018, p. 2072) destacam, por
exemplo, a:

[...] Portaria/GM nº 336, de 19/02 de 2002, que redefiniu os CAPS em relação


à sua organização, ao porte, à especificidade da clientela atendida. Passaram a
existir CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi (infantil ou infanto-juvenil) e
CAPSad (álcool e drogas). Outro marco veio pela Portaria 154 de 2008 que
estabeleceu a constituição do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF),
com o objetivo de propiciar “apoio matricial” às equipes de Saúde da Família,
cumprindo um importante papel de dar suporte tanto técnico quanto
institucional na atenção básica. Em 2011 foi instituída a RAPS (Portaria GM/
MS nº 3.088 de 23/12 de 2011), que possibilita uma nova dimensão ao
conjunto das ações em saúde mental no SUS, cujos objetivos principais foram
definidos como a ampliação do acesso à atenção psicossocial da população,
em seus diferentes níveis de complexidade; promoção do acesso das pessoas
com transtornos mentais e com necessidades decorrentes do uso do crack,
álcool e outras drogas e suas famílias aos pontos de atenção; e garantia da
articulação e integração dos pontos de atenção das redes de saúde no território,
qualificando o cuidado por meio do acolhimento, do acompanhamento
contínuo e da atenção às urgências.

Portanto, diante do que foi apresentado até o momento, é compreensível apontar que as
categorias secundárias relacionadas à Reforma Psiquiátrica sejam: a 1) Construção da Rede de
Atenção Psicossocial e/ou Intersetorial (21 artigos); a 2) Luta Antimanicomial (10 artigos); e
por fim, a 3) Desinstitucionalização (3 artigos), conforme revela o gráfico 4.
84

Gráfico 4 - Principais categorias secundárias relacionadas à categoria primária


“Reforma Psiquiátrica”

Fonte: Dados da pesquisa (2023).

Conforme o gráfico, é nítida a prevalência de artigos que debatem a construção da Rede


de Atenção Psicossocial e a rede intersetorial, dando foco para as discussões sobre a origem,
acesso e funcionamento dos dispositivos componentes da RAPS, para a gestão e para a própria
história do movimento de Reforma Psiquiátrica. O segundo lugar é marcado pelos aspectos
levantados pela Luta Antimanicomial, tais como a formação dos movimentos sociais
relacionados à temática, a participação e o controle social e o cuidado em liberdade, bem como
os direitos dos/as usuários portadores de transtornos mentais. Por fim, têm-se a
desinstitucionalização, sendo ela um reflexo do debate da RP e do Movimento de Luta
Antimanicomial, o qual aponta serviços e estratégias para que a autonomia e o cuidado em
liberdade apresentados anteriormente sejam efetivos.
Assim, consideramos destacar algumas pesquisas neste debate para dar um panorama
geral dos temas abordados nos periódicos do Serviço Social: “A saúde mental em tempos de
desafios e retrocessos: uma revisão", elaborado por Caputo et al. (2020) e publicado na Revista
Argumentum; “A política nacional de saúde mental brasileira: breve análise estrutural”,
produzido por Mexko e Benelli (2022), encontrado na Revista Em Pauta; “Holocausto ou Navio
Negreiro?”: Inquietações para a Reforma Psiquiátrica Brasileira”, escrito por Passos (2018) e
presente Revista Argumentum; “Democracia e Luta Antimanicomial: imagens de uma disputa
incessante” redigido por Amado e Mizoguchi (2020) e veiculado pela Revista Argumentum; “A
construção de uma rede intersetorial de cuidados em saúde mental” de autoria de Magini,
Kocoreuk e Morsch (2019), reproduzido pela Revista Emancipação, entre outros.
85

O compromisso do Serviço Social com a Reforma Psiquiátrica e com o Movimento de


Luta Antimanicomial pode ser apreendido em diversos documentos da categoria profissional.
Nos textos publicados pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), denominados de
CFESS Manifesta, é possível encontrar títulos que abordam as temáticas, tais como: “Trancar,
não. Acolher, sim! - Dia Nacional da Luta Antimanicomial” de 18 de maio de 201228 e “Saúde
não se vende, loucura não se prende! - Dia Nacional da Luta Antimanicomial” de 18 de maio
de 2019:

O Serviço Social está contribuindo ativamente nesta importante e engajada luta


antimanicomial. No exercício profissional cotidiano, profissionais participam
nas lutas, em movimentos sociais, em grupos temáticos, em conselhos de
direitos e no engajamento intersetorial por serviços prestados na perspectiva
de direitos. Entidades representativas estão inseridas em iniciativas coletivas
que visam ampliar os espaços de reconhecimento das necessidades postas pela
realidade da população que necessita e tem direito aos cuidados oferecidos
pelos serviços de saúde mental, buscando legitimá-los e conhecê-los como
construção de cidadania e reconhecimento destes como sujeitos de direito. O
CFESS compõe a coordenação da Frente Nacional sobre drogas e direitos
humanos, em conformidade com o posicionamento de estar contra todo tipo
de abuso de autoridade, tortura, violência, demonstrando uma firme vinculação
da categoria profissional em favor dos direitos humanos (Conselho Federal de
Serviço Social, 2012, p. 2);

Em consonância com os princípios ético-políticos do Serviço Social e com o


reconhecimento das determinações sociais que permeiam o sofrimento
psíquico e o uso abusivo de álcool e drogas na sociedade marcada pela
exploração de classe e opressão de gênero e raça, o trabalho profissional dos/as
assistentes sociais não pode prescindir de ações socioeducativas, assistenciais
e de mobilização, pautadas nas necessidades de saúde e de vida da população.
Ações na perspectiva do acesso aos direitos sociais; ao cuidado em liberdade,
por meio de serviços substitutivos e política de redução de danos; ampliação
de espaços de participação democrática; respeito à autonomia dos sujeitos;
defesa dos direitos humanos e da dignidade; combate à discriminação, ao
arbítrio, ao autoritarismo e à privação de liberdade e violação de direitos
humanos; recusa ao controle e adequação de comportamentos requeridos por
empregadores/as para suprir suas necessidades de produtividade e
lucratividade (Conselho Federal de Serviço Social, 2019, p. 2).

A partir desse posicionamento é nítido que debates como o da Reforma Psiquiátrica e do


Movimento de Luta Antimanicomial são componentes da agenda de luta da profissão. Para além
disso, há a preocupação com o movimento de Contrarreforma Psiquiátrica, alvo da próxima
análise e categoria que ocupa o segundo lugar nas categorias predominantes aqui apresentadas.

28
Data que é definida e comemorada o dia da Luta Antimanicomial.
86

Primeiramente, consideramos indispensável compreender que a Reforma Psiquiátrica e o


Movimento de Luta Antimanicomial sofrem ataques desde sua gênese, pois afrontam os
interesses de grupos dominantes e que operam sobre a forma manicomial e privatista. Ou seja,
a disputa entre esses modelos assistenciais ocorre desde a origem do SUS, o qual já surge em
um contexto de avanço neoliberal e contrarreformas estatais. Desse modo, apreende-se que:

A contrarreforma psiquiátrica esteve na agenda das políticas públicas desde


que se inicia a reforma psiquiátrica, instaurando um movimento dialético na
luta pelos modelos de atenção psicossocial humanizados. Além disso, a
contrarreforma se acirra em um momento de fragilidade das instituições
democráticas e de precarização das políticas públicas (Chiabotto, Nunes e
Aguiar, 2022, p. 81).

Nesse sentido, de acordo com Chiabotto, Nunes e Aguiar (2022, p. 850) a Contrarreforma
Psiquiátrica pode ser definida como:

[...] um processo sociopolítico e cultural complexo que evidencia uma


correlação de forças e interesses que tensionam e até revertem as
transformações produzidas pela reforma psiquiátrica nas quatro dimensões
propostas por Amarante (Nunes et al., 2019): epistemológica, técnico-
assistencial, político-jurídica e sociocultural.

Observa-se, portanto, que a contrarreforma psiquiátrica não é um movimento novo por


parte da classe dominante. Contudo, o cenário de correlação de forças estabelecido,
principalmente, a partir de 2015 adensa e acelera as influências neoliberais e conservadoras na
política de saúde mental. Um exemplo desse movimento é a “nomeação para a Coordenação
Nacional de Saúde Mental de um defensor histórico do modelo manicomial” (Nunes et al., 2019,
p. 4493).
Além disso, houve alterações nos documentos legais que norteiam a construção da
política de saúde mental brasileira. As legislações começaram a ser modificadas e
corresponderam aos interesses do capital, retomando os cuidados sob perspectiva asilar e
manicomial. Esse movimento foi inicialmente apresentado na Portaria GM 3.588 de dezembro
de 2017, a qual estabelece alterar a orientação do modelo psicossocial. A partir desse momento,
surgem diversas mudanças que são apontadas como indispensáveis para uma “Nova Política de
Saúde Mental” (Resolução n.º 32/2017, de 17 de dezembro de 2017), denominadas assim pelo
Governo Federal pela Câmara dos Deputados (Nunes et al., 2019).
Um importante documento que sinaliza o avanço da Contrarreforma Psiquiátrica na
política de saúde mental é a publicação da Nota Técnica nº 11/2019, publicada pelo Ministério
87

da Saúde, a qual inclui na Rede de Atenção Psicossocial serviços que adotam uma perspectiva
e um cuidado moralizante, conservadora, estigmatizante e manicomial, especificamente, os
Hospitais Psiquiátricos e as Comunidades Terapêuticas (CTs). Para além disso, o documento
reforça que não há motivos para utilizar a nomenclatura de “dispositivos substitutivos”, pois
“todos os serviços, que compõem a RAPS, são igualmente importantes e devem ser
incentivados, ampliados e fortalecidos” (Ministério da Saúde, 2019, p. 3) e libera o uso da
Eletroconvulsoterapia (ECT) no SUS.
Portanto, ao fazer uma análise das produções científicas relacionadas à Contrarreforma
Psiquiátrica, nota-se uma inquietação da profissão frente aos:
1) Desmontes da política de saúde mental; 2) Questão das Drogas; 3) Medicalização dos
corpos. O gráfico 5, a seguir, revela a predominância dos estudos sobre os desmontes das
políticas.

Gráfico 5 - Quantitativo de artigos por categoria secundária no campo de análise


sobre a “Contrarreforma Psiquiátrica”

Fonte: Dados da pesquisa (2023).

Nesse sentido, ao estabelecer uma análise mais detida sobre as pesquisas, observa-se que
o desmonte das políticas sociais é pautado, de fato, sobre o conservadorismo e o fundamentalismo
religioso, além do projeto neoliberal e do discurso privatista, na responsabilização de indivíduos
do seio familiar ao invés do Estado e na precarização dos serviços de saúde mental através dos
repasses orçamentários.
88

Complementar a isso e, basicamente indissociável, está o debate sobre a “Questão das


Drogas", a qual é tratada de forma controladora, criminalizante e proibicionista. Além disso,
retoma elementos conservadores e fundamentalistas da religião, ao passo que prega o
fortalecimento das Comunidades Terapêuticas, as quais são, de acordo com o site do Governo
Federal Brasileiro (s/a):

[...] entidades privadas, sem fins lucrativos, que realizam gratuitamente o


acolhimento de pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou
dependência de substâncias psicoativas, em regime residencial transitório e de
caráter exclusivamente voluntário (espontâneo). O período de acolhimento varia
de 3 meses a 12 meses, conforme o projeto terapêutico da entidade. O principal
instrumento utilizado nas Comunidades Terapêuticas durante o tratamento é a
convivência entre os pares. As Comunidades Terapêuticas não integram o
Sistema Único de Saúde (SUS) e tampouco o Sistema Único de Assistência
Social (SUAS), mas são equipamentos da rede suplementar de atenção,
recuperação e reinserção social de dependentes de substâncias psicoativas, de
modo que referidas entidades integram o Sistema Nacional de Políticas Públicas
sobre Drogas – SISNAD, por força do Decreto nº 9.761/2019 e da Lei nº
13.840/2019. As CTs integram o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre
Drogas (SISNAD).

Entretanto, Passos, Gomes e Espírito Santo (2022) ao se basearem em estudos prévios,


apontam que esses serviços funcionam mediante uma lógica fundamentada em práticas
disciplinadoras e religiosas, sendo geralmente vinculadas a religiões neopentecostais. Os autores
revelam ainda que o “tratamento” destinado aos usuários é pensado sob:

[...] o tripé trabalho, disciplina e espiritualidade, efetivam o isolamento e a


abstinência como métodos constantes, estabelecendo práticas como penitência,
castigos físicos, laborterapia, violação da orientação sexual e religiosa dos
indivíduos, isolamento, proibição do contato com o ambiente externo e com a
família, ausências de equipes de saúde, uso de medicamentos sem receita médica
e desarticulação com a rede de saúde e saúde mental (idem, p. 207).

Destacamos outro ponto fundamental para o debate sobre a Contrarreforma Psiquiátrica e


a Questão das Drogas: existe uma raça e uma classe específica que é o alvo das políticas
fomentadas pelo proibicionismo e conservadorismo. Conforme apresenta o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA, 2017), 80% das vagas em Comunidades Terapêuticas eram
destinadas a pessoas do sexo masculino, 15%, a pessoas de ambos os sexos; e pouco mais de 4%,
apenas a mulheres.
Além disso, Passos e Pereira (2017) estabelecem uma análise, a qual aponta as CTs como
uma estratégia para tratar “desvios sociais”, identificados em sua maioria em pessoas negras,
pobres e na população LGBTQIAPN+. Passos (2018, p. 14) considera que:
89

Problematizar o manicômio e suas expressões abordando as relações de raça,


gênero e classe é ultrapassar os próprios muros que compõem a formação social
brasileira e, trazer a público um debate que ficou apagado ao longo da
construção, implementação e efetivação da Reforma Psiquiátrica brasileira.

Por fim, o terceiro ponto dentro do campo da Contrarreforma Psiquiátrica remete à


medicalização dos corpos e do sofrimento causado pelas expressões da Questão Social. A lógica
manicomial fomentada pelo capital e o estímulo a medicalização dos indivíduos - um estímulo
para o desenvolvimento da indústria farmacêutica - apresenta o que Passos (2018, p. 14) irá
chamar de:

[...] formatos e formas de apartheid social, expressas pela via da medicalização


e patologização da vida, pela internação compulsória, pela esterilização
coercitiva, pela higienização urbana e demais fenômenos, ou seja, o
manicômio é social, uma vez que ele está introjetado e reproduzido nas
relações sociais.

Dessa forma, uma análise mais aprofundada sobre a Contrarreforma Psiquiátrica revela que
ela traz em seu bojo um modelo que esteve sempre a serviço do controle dos corpos, alinhado
com o Modo de Produção Capitalista e comprometida com um lado da luta de classes - o do
capital. A cena manicomial – onde se encontra o saber psiquiátrico no centro –, apontada por
Basaglia (2013) como um instrumento historicamente opressivo do Estado, captura a classe
trabalhadora e opera através de um encarceramento massivo do corpo e da experiência humana.
A contrarreforma em curso configura-se como um desafio ao Serviço Social e aos atores
comprometidos com a Reforma Psiquiátrica e o Movimento da Luta Antimanicomial. Assim,
têm-se como competências profissionais trilhar caminhos de resistência frente à lógica
manicomial, os quais reafirmem o cuidado em liberdade, a autonomia dos sujeitos e a potência
do território, da multiprofissionalidade e de um usuário compreendido em sua complexidade e
integralidade.
Reflexos desses debates norteados pela Contrarreforma Psiquiátrica são os estudos: “A
Política de Saúde Mental na atualidade e o avanço do conservadorismo” redigido por Costa
(2019) e encontrado na Revista Argumentum; “A política de saúde sob o governo Temer: aspectos
ideológicos do acirramento do discurso privatista” escrito por Barros e Brito (2019) e presente
no periódico O Social em Questão; “Retrocessos na política nacional de saúde mental:
consequências para o paradigma psicossocial” de autoria de Passarinho (2022) e publicado na
Revista Em Pauta.
90

Além disso, sobre a Contrarreforma Psiquiátrica e a Questão das Drogas, destacamos as


seguintes pesquisas: “Comunidades Terapêuticas: Retrocesso na política de Saúde Mental”
escrito por Silva, Barcelos e Dalbello-Araújo (2020), presente na Revista Direitos, Trabalho e
Política Social; “O avanço do conservadorismo no campo da saúde mental e drogas e as
comunidades terapêuticas no Estado do Rio de Janeiro: uma análise do PL no 565/2019” de
autoria de Passos, Gomes e Espírito Santo (2022), encontrado na Revista Em Pauta;
“Contrarreforma psiquiátrica brasileira e medicalização do sofrimento mental na pandemia de
Covid-19*”, redigido por Garcia et al. (2022), também presente na Revista Em Pauta; e “A
remanicomialização do cuidado em saúde mental no Brasil no período de 2010-2019: análise de
uma conjuntura antirreformista” elaborado por Guimarães e Rosa (2019) e publicado no
periódico O Social em Questão.
Partindo para a penúltima categoria a ser analisada, aprofundaremos sobre o debate de
Atuação e formação profissional. A observação das pesquisas realizadas revelou a
predominância no debate sobre o “Fazer profissional do/a assistente social” (17 artigos),
principalmente, em dispositivos da RAPS. Os trabalhos têm, em linhas gerais, a intenção de
compreender a concepção dos/as assistentes sociais sobre as políticas de saúde mental e sobre a
execução de seu trabalho em um cenário de contrarreforma psiquiátrica. Além disso, estabelecem
reflexões sobre o trabalho profissional e a relação com a família e os próprios usuários que
acessam os serviços de saúde.
O “trabalho em equipe multiprofissional” (2 artigos) também aparece como uma das
categorias secundárias, de forma a apresentar a compreensão dos profissionais inseridos em
diferentes níveis de complexidade sobre os transtornos mentais, o estigma relacionado a esses/as
usuários/as e a inserção em ações e políticas específicas componentes da política de saúde mental.
Há também estudos que se encaixam nas subcategorias “Apreensão do Estado da Arte” (1
artigo) e “Fundamentos teórico-metodológicos do Serviço Social” (1 artigo). As pesquisas
debatem, respectivamente, a produção teórica sobre a categoria trabalho e reflexões sobre a
emergência do Serviço Social na sociedade capitalista.
Como última categoria para aprofundarmos as análises, temos a Precarização do
Trabalho. Essa categoria contempla debates como:
1) Transformações no mundo do trabalho (6 artigos);
2) Condições de trabalho (2 artigos);
3) A superexploração da força de trabalho (1 artigo);
4) O trabalho e as relações de gênero (1 artigo).
91

As discussões referentes às transformações no mundo do trabalho perpassam a acumulação


flexível, a reestruturação produtiva e adentram no debate das tecnologias informacionais e seu
reflexo nas relações de trabalho, sempre sinalizando que a inovação proporcionada por elas é em
benesse do capital, em prol da apropriação do mais-valor e da exploração da classe trabalhadora.
Além disso, o debate sobre as condições de trabalho contempla temáticas sobre a autonomia
dos/as trabalhadores/as em um contexto de trabalho assalariado, bem como as condições de
inserção de assistentes sociais em unidades prisionais.
A pesquisa que desenvolve sobre a superexploração da força de trabalho apresenta a relação
entre o capitalismo dependente brasileiro e sua relação com o vasto exército industrial de reserva,
os quais se submetem a condições deploráveis de trabalho. Por fim, as relações de gênero
aparecem vinculadas ao trabalho, considerando a precarização do trabalho a partir da divisão
sexual do trabalho e do trabalho do cuidado intrínseco à reprodução social da classe trabalhadora.
Assim, a análise sobre o mundo e a precarização do trabalho analisa a história e o cenário
atual, onde as principais discussões estão sendo realizadas frente às mais recentes modificações
neste campo: adensamento precarização do trabalho (destaque para debates como terceirização,
informalidade e uberização), categorias da economia política (trabalho assalariado e alienação,
por exemplo) e reflexos das alterações no mundo do trabalho frente à saúde dos trabalhadores e
trabalhadoras ocupam destaque nos estudos apresentados.
Para exemplificar os debates realizados, pode-se considerar as seguintes pesquisas:
“Terceirização: a derruição de direitos e a destruição da saúde dos trabalhadores”, produzida por
Lourenço (2015), encontrada na Revista Serviço Social e Sociedade; “A sociedade dos
adoecimentos no trabalho”, de autoria de Antunes e Praun e publicada pela Revista Serviço Social
e Sociedade; “Uberização do trabalho e os riscos à saúde dos entregadores por aplicativo frente
à pandemia da COVID-19” redigida por Aquino, Pilate e Félix (2020) e presente na Revista
Direitos, Trabalho e Política Social; “Autonomia Profissional e Trabalho Assalariado”, escrita
por Silva e Trindade (2019) e divulgada pela Revista Argumentum; entre outras.
Para além das análises voltadas aos periódicos também foi realizado um levantamento na
Plataforma Sucupira no Catálogo de Teses e Dissertações, para verificar as pesquisas mais
recentes que vêm sendo desenvolvidas nas Universidade brasileiras. Utilizamos o mesmo
período, de 2012 a 2022, e as mesmas palavras-chave: saúde mental; saúde do trabalhador; e
saúde mental do trabalhador. Foi adicionada uma nova categorização: a região onde a pesquisa
foi defendida e o nível (mestrado/doutorado) e a área de concentração e a área de avaliação
(ambas foram consideradas o marcador “Serviço Social”). Como critério de exclusão foi utilizada
92

a relevância do trabalho para esta pesquisa, se ele consta na referida plataforma e o recorte por
período (anterior a 2012 e posterior a 2022) e produções em duplicidade.
Referente ao resultado, obteve-se: inicialmente foram encontradas 206 pesquisas. Dentre
elas, 170 dissertações e 36 teses. Após a aplicação dos filtros apresentados acima, observou -se
que há 128 dissertações e 28 teses. As categorias encontradas estão apresentadas no gráfico 6.

Gráfico 6 - Categorias primárias predominantes nas teses e dissertações no Serviço


Social com base nas palavras-chave utilizadas (2012-2022)

Fonte: Dados da pesquisa (2023).

Assim como no levantamento realizado nos periódicos, a categoria “Saúde do/a


Trabalhador/a” também ocupa o primeiro lugar nos temas mais discutidos, com 79 trabalhos.
Contudo, estabelecendo uma comparação entre as pesquisas encontradas no Banco de Teses e
Dissertações e dos periódicos, nota-se uma inversão no ranking: a “Reforma Psiquiátrica” (32
trabalhos) têm um maior quantitativo de trabalhos do que a “Contrarreforma Psiquiátrica” (19
trabalhos). No mais, as categorias “Atuação e formação profissional” (22 trabalhos) e
“Precarização do Trabalho” (4 trabalhos) assumem as mesmas posições em relação aos debates
realizados em periódicos. Isto é, os artigos publicados refletem as pesquisas nos programas de
pós-graduação.
Para além disso, buscamos compreender de forma mais densa as inquietações reveladas
nos trabalhos. No campo da “Saúde do/a Trabalhador/a” pode-se observar discussões sobre como
as transformações do mundo do trabalho e o adensamento da precarização impactam no processo
93

saúde-doença da classe trabalhadora, bem como a produção de saúde mental dos/as


trabalhadores/as em âmbito geral e em populações específicas (indígenas, idosos e mulheres, por
exemplo).
Percebe-se também a nítida relação de como o trabalho, no Modo de Produção Capitalista,
produz adoecimentos físicos e mentais em diferentes espaços ocupacionais - indústrias, na
agricultura, em trabalhos uberizados, entre outros. Sobre a análise teórica da concepção de saúde,
levando em consideração os resumos, apenas um trabalho 29 apresentava a teoria da Determinação
Social da Saúde como percurso teórico.
Consideramos esse dado contraditório, pois todas as pesquisas se baseiam no método do
materialismo crítico-dialético, mas ao invés de adotarem uma análise correspondente à teoria
marxista, recorrem a um enfoque que responsabiliza os indivíduos e culpabiliza a classe
trabalhadora pela produção dos seus adoecimentos - os Determinantes Sociais da Saúde. Nesse
sentido, compreendemos a necessidade de um maior adensamento frente aos estudos da Medicina
Social Latino-Americana, trazendo suas considerações para as particularidades brasileiras e,
principalmente, para a classe trabalhadora inserida em um contexto de capitalismo dependente.
Outros aspectos apreendidos foram: a construção e os desmontes da proteção social voltada
aos/às trabalhadores/as, bem como a relação familiar com o processo de cuidado e acesso aos
dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial e instituições que compõem a rede intersetorial.
Também é nítida o interesse em compreender a construção da RENAST, pois aparecem debates
sobre o movimento dos trabalhadores lutando por seus direitos, a formulação e implementação
da Política de Saúde dos/as Trabalhadores/as e como o Suicídio aparece como via alternativa aos
ataques brutais do capital.
A disposição das temáticas pode ser observada no gráfico 7 abaixo.

29 O título da dissertação é: “SAÚDE DO TRABALHADOR: um estudo acerca da determinação social da


saúde que perpassa os afastamentos em uma universidade pública federal” de autoria de Izala Sarah Freitas da
Silva para o Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
94

Gráfico 7 - Categorias secundárias apresentadas no campo “Saúde do/a


Trabalhador/a”

Fonte: Dados da pesquisa (2023).

É importante considerar também as regiões que mais se dedicam em estabelecer estudos


referentes às áreas que perpassam esta pesquisa. Identificou-se que a região com maior produção
é o Sudeste, a qual concentra 41,7% (65 produções); seguida pelo Nordeste com 29,5% (46
produções); Sul com 16,0% (25 produções); Centro-Oeste com 7,1% (11 produções); e, por fim,
Norte com 5,8% (9 produções), demonstradas no gráfico 8.
95

Gráfico 8 - Produção a nível de teses e dissertações por região do Brasil

Fonte: Dados da pesquisa (2023).

Todavia, identifica-se uma lacuna frente à discussão da relação do desemprego com o


adoecimento mental, especialmente, realizando um debate com os aspectos do adensamento da
questão social na vida da classe trabalhadora e a ascendente dificuldade de garantir as condições
necessárias para a reprodução de sua força de trabalho.
Além disso, nos documentos da categoria, como os apresentados acima, percebe-se que
o problema está na estrutura da sociedade, mas não há um apontamento de elementos mais
específicos que apresentam o agravamento da questão social como elemento adoecedor (nesse
caso, as múltiplas questões que permeiam as dificuldades de manter-se saudável mentalmente
em um contexto de ausência de condições para a reprodução da força de trabalho), focando seu
debate em pautas como a Saúde do/a Trabalhador/a em aspectos amplos, Reforma e a
Contrarreforma Psiquiátrica, na Atuação e formação profissional e, por fim, na Precarização do
Trabalho.
Portanto, parte-se do entendimento que, apesar da busca da profissão em estabelecer
diálogo com os aspectos do mundo do trabalho com a saúde mental, ainda é difícil estabelecer
elementos estruturantes frente às necessidades de um grupo específico da classe trabalhadora -
aquele que se encontra em situação de desemprego ou em subempregos, os quais não possibilitam
um pleno desenvolvimento das capacidades que nos humanizam.
96

O desemprego surge no debate como desdobramento do adensamento da precarização do


trabalho a nível global e como elemento indispensável para a regulação do capital. Contudo, é
necessário considerarmos que a ausência da inserção de uma parcela significativa da classe
trabalhadora em atividades laborais resulta em uma desproteção social ainda maior, onde não
existem garantias para a reprodução da sua força de trabalho (tanto a própria, quanto de sua
família) e impactando em múltiplas esferas da existência, como a saúde.
Portanto, se não houver uma análise materialista sobre a situação da classe trabalhadora
inserida em um contexto de vulnerabilidade e ataque do capital, torna-se impossível apreender
as mediações que surgem dessa disputa. Aqui, novamente, apontamos a lacuna do Serviço Social
em buscar compreender as questões relacionadas à saúde do/a trabalhador/a considerando a
particularidade dos/as trabalhadores/as que se encontram no exército industrial de reserva. Sem
esse aprofundamento na realidade social é impossível enxergar que “a classe trabalhadora,
portanto, é mais ampla que o proletariado industrial produtivo do século passado, [...] Ela tem,
portanto, uma conformação mais fragmentada, mais heterogênea, mais complexificada”
(Antunes e Alves, 2004, p. 343).
Para maior fundamentação deste argumento, efetuou-se uma análise de outras
publicações do CFESS Manifesta, no período de 2012 a 2022, agora relacionadas aos
trabalhadores (Dia do/a Trabalhador/a (2012, 2014 e 2020); 4ª Conferência Nacional de Saúde
do Trabalhador e Trabalhadora (2014); Dia Internacional do Trabalhador e da Trabalhadora
(2015); Edição especial: A contrarreforma trabalhista (2017). Esses documentos reconhecem
todas as dificuldades da classe trabalhadora nessa fase do capitalismo contemporâneo (as
recorrentes mudanças diante do seu dinamismo, a precarização do trabalho, o culto à ideologia
do empreendedorismo), aponta de forma sucinta possíveis interferências na subjetividade e pede
pelo “fortalecimento da seguridade social para os mais de 12 milhões de desempregados/as e
subempregados/as no país” (Conselho Federal de Serviço Social, 2020, p. 2).
Embora sinalizados/as, os/as desempregados/as, bem como os subempregados/as não
ocupam uma posição de destaque no debate da saúde do trabalhador - com impacto ainda menor
quando se trata da saúde mental de tais sujeitos. Apesar, ainda, de evidenciar a ascensão de
trabalhadores/as informais entre a população ocupada no Brasil, não aponta as repercussões na
reprodução de sua força de trabalho e até mesmo no processo de venda dessa mercadoria que é
fundamental para a existência da classe trabalhadora. O documento apresenta essa parcela da
classe trabalhadora como: “[...] pessoas sem perspectiva de ingresso no mercado de trabalho com
registro em carteira de trabalho, auferindo rendas incertas e, por vezes, inferiores a um salário
mínimo e com provável impossibilidade de acesso à proteção social da previdência social”
97

(Conselho Federal de Serviço Social, 2019, p. 2) e não considera as demais expressões dessa falta
de inserção em aspectos como a saúde física e mental desse grupo.
No momento em que os documentos abordam a temática da saúde do trabalhador e da
trabalhadora, fazem referência aos acidentes de trabalho em esferas como a construção civil, bem
como aos desmontes frente aos benefícios previdenciários destinados àqueles que sofrem
acidentes (aposentadoria por incapacidade laboral, seguro-desemprego, entre outros) (Conselho
Federal de Serviço Social, 2019).
Após o debate decorrido até o momento, ainda paira a pergunta: estaria a produção do
conhecimento do Serviço Social na Saúde Mental estagnada? Será que a categoria está apenas
realizando a análise de objetos como a Saúde do/a Trabalhador/a em uma perspectiva progressista
e não assumindo a radicalidade necessária para emancipação humana? Ou seria Reforma
Psiquiátrica, a Contrarreforma e a Atuação e formação profissional pautas mais significativas
para a profissão?
É importante salientar que reconhecemos o esforço realizado pelo Serviço Social na
aproximação e na produção do conhecimento frente à área da saúde mental, a qual tem como
predominante em seu campo teórico as ciências psi - psicologia, psicanálise e psiquiatria. A
inserção da categoria nesses debates reforça que existe o aspecto social no adoecimento mental
e fortalece os movimentos sociais em busca dos direitos conquistados. Além disso, sustenta seu
posicionamento a favor da classe trabalhadora e se coloca contra o sistema de opressão,
expropriação e exploração que provocam o cenário de barbárie instaurado na sociedade
contemporânea, buscando sempre alcançar uma sociabilidade onde haja equidade e justiça social.
No entanto, cabe ao Serviço Social se atentar à análise do adoecimento mental como um
aspecto social mais profundo. Evidentemente, questões biológicas e psicológicas devem ser
consideradas na análise do processo saúde-doença, mas não devem ser compreendidas como mais
relevantes do que as nuances da vida cotidiana dos indivíduos. Assim, é dever da nossa categoria
profissional avançar no debate frente aos fatores sociais do adoecimento mental, considerando
de fato as expressões da questão social como objetos para pensar vias alternativas de intervenção.
Ora, na conjuntura onde o Modo de Produção Capitalista orienta a maneira como se
constroem as relações sociais, e o trabalho se torna uma mercadoria, é imprescindível que a
profissão entenda as implicações para a classe trabalhadora e se debruce sobre as necessidades
desta. Vejamos: a força de trabalho enquanto mercadoria, no contexto em que o capitalismo dita
a vida social e produtiva, precisa ser vendida. Ao passo que não há o consumo dessa mercadoria,
ou seja, quando a parcela de pessoas que se encontram no processo de venda de sua força de
trabalho não consegue realizá-la, também não consegue reproduzir este bem tão valioso. Isso
98

porque é a partir da venda da força de trabalho que a classe trabalhadora terá as mínimas
condições de buscar sua sobrevivência com recursos indispensáveis aos indivíduos - como
alimentação, vestimenta, saúde, habitação, lazer, descanso, entre outros elementos -, as quais
possibilitam a (re)produção da inestimável mercadoria do capital: a força de trabalho. Mas não
apenas, pois não basta “sobreviver”, é preciso viver.
Dessa forma, consideramos que ambos os movimentos estão ocorrendo na profissão: há a
preocupação com o aprofundamento teórico com pautas como a Saúde do/a Trabalhador/a, além
da Reforma e a Contrarreforma Psiquiátrica, posto que, como dito anteriormente, a categoria
profissional reforça seu posicionamento em defesa de uma sociedade livre e sem opressão,
buscando sempre fortalecer os movimentos sociais e as lutas travadas a favor da classe
trabalhadora, principalmente. No entanto, observa-se que há uma estagnação por não observar
de forma mais rigorosa as teorias que norteiam os estudos e as nuances que o adensamento da
questão social está produzindo, como as iniquidades de saúde. Assim, acreditamos que o
adoecimento mental da classe trabalhadora - especialmente àquela que não está inserida no
mercado de trabalho ou que está inserida, mas que não tem suas necessidades de reprodução da
força de trabalho atendidas em sua totalidade - está sendo tratado de maneira secundária.
Caberia, então, às entidades profissionais e aos estudiosos da área o aprofundamento sobre
a temática e buscar respostas para o enfrentamento da situação, dando visibilidade e realizando
uma reflexão mais densa sobre o objeto de intervenção o qual se dedica o Serviço Social - a
questão social - e sua relação com o adoecimento mental. Desse modo, apresentar um
posicionamento que considere os múltiplos aspectos do adoecimento e coloque o trabalho como
um elemento indispensável nas análises sobre a saúde mental, mesmo quando envolver
trabalhadores desempregados ou em condições de subemprego; não colocando-os como sujeitos
passivos que necessitam da seguridade social apenas para ter acesso a benefícios sociais, mas
também considerando-os como indivíduos que necessitam e devem ter acesso aos direitos sociais
básicos para garantir a reprodução do seu único bem e sua única mercadoria; além do próprio
fortalecimento enquanto classe.
Assim, a discussão acerca da saúde mental no Serviço Social, a qual considera elementos
da Saúde Coletiva e os complemente diante de sua necessidade, responsabiliza o sistema
socioeconômico que vivemos e levanta a bandeira da construção de uma nova sociabilidade que
seja capaz de garantir boas condições de reprodução da força de trabalho, dando ao trabalhador
a oportunidade de viver e desfrutar de seu trabalho, não apenas sobreviver a partir dele. Contudo,
é insuficiente no aprofundamento de pesquisas que estabeleça uma relação direta entre a fome e
a loucura, por exemplo, bem como o objeto de estudo deste trabalho: as mediações entre a
99

reestruturação produtiva e as condições de produção da força de trabalho no capitalismo


hodierno.
100

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento desta pesquisa originou-se das inquietações sobre a saúde dos/as


trabalhadoras/as no contexto do capitalismo hodierno. Entre as questões que subjaziam em
busca de respostas estava como o sofrimento psíquico é produzido pelas expressões da Questão
Social e o espaço que o trabalho ocupa nesse cenário, a ânsia pela superação da aparência foi
primordial para chegar às conclusões que aqui serão apresentadas.
Apreender o movimento de construção de uma política de saúde específica para a classe
trabalhadora nos reafirmou que a luta de classes está presente em todos os âmbitos da sociedade
capitalista. Além disso, apreendemos como as conquistas dos movimentos dos/as
trabalhadores/as foram indispensáveis para a construção do que temos hoje enquanto estratégia
de cuidado para os indivíduos.
A gênese desse processo de mudança frente a compreensão sobre a saúde dos/as
trabalhadores/as teve início na década de 1920 com a Lei Elói Chaves, a qual dava os primeiros
passos para a construção da Seguridade Social brasileira. A ampliação e consolidação dos
mecanismos de proteção social para os/as trabalhadores/as é marcado pela recente
industrialização do país, por volta da década de 1930, onde as primeiras fábricas se firmavam
no país. Porém, o diferencial para a conquista de legislação e serviços voltados para
atendimento as demandas do trabalho se devem ao grau de organização de categorias com
importância estratégica para a economia naquele contexto histórico, cuja ascensão da
organização da classe trabalhadora foi reprimida em sucessivos golpes e ditaduras.
Mudanças do cenário político e econômico brasileiro provocadas pelo processo de
Ditadura Militar (1964-1985) resultaram em alterações no modo como a assistência à saúde
dos/as trabalhadores/as era realizada. Assim, ao final da década de 1970 e início da derrocada
do governo ditatorial, os movimentos sociais em prol da redemocratização e de reformas na
estrutura governamental cresceram. O Movimento da Reforma Sanitária é fruto desse período
e lutava pela construção de um sistema de saúde universal, equitativo e integral, tendo sua
primeira vitória na 6º Conferência Nacional de Saúde em 1986.
A promulgação da Constituição Federal de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde,
o qual teve sua regulamentação em 1990, já apontava preocupações específicas com a inserção
dos/as trabalhadores/as em seus espaços ocupacionais e em suas atividades laborais. Como
desdobramento desse processo, legislações específicas foram elaboradas para nortear e
101

categorizar quais eram as Doenças Relacionadas ao Trabalho e especificá-las em uma lista,


facilitando o processo de reconhecimento destas.
Constitui um importante marco para atenção à saúde dos/as trabalhadores/as a construção
da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora no ano de 2012, a qual busca
atender todos os trabalhadores, independente de sexo, raça, gênero ou vínculo empregatício,
priorizando sempre àqueles/as inseridos em situação de vulnerabilidade social. Assim, para
realizar o acompanhamento das doenças ocupacionais, institui a Rede Nacional de Atenção
Integral à Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, a qual é composta por serviços de vigilância
e ações de promoção e proteção à saúde.
Contudo, pôde-se perceber também a astúcia do capital ao conceder direitos e
“benefícios” para a manutenção do material que mais o interessa: a força de trabalho. É através
da garantia de sobrevivência dos trabalhados e das trabalhadoras que o Modo de Produção
Capitalista se assegura da produção do mais-valor e garante a acumulação de capital.
Portanto, o trabalho inserido no Modo de Produção Capitalista assume novas
configurações, por isso é uma categoria eminentemente histórica. O papel do trabalho nessa
forma de sociabilidade é, como dito anteriormente, fica subordinado à produção de mais-valor,
a ampliação da riqueza. Esse movimento traz inúmeras consequências para a classe
trabalhadora, pois o trabalho torna-se uma mercadoria e se precariza cada vez mais – através
das disputas mediadas pelo Estado, por exemplo, que podem ampliar ou reduzir os direitos
trabalhistas conquistados.
As contradições entre capital e trabalho consistem no fato de que embora busque reduzir
trabalho vivo, o capital depende dos/das trabalhadores/as para se reproduzir. Em outros termos
a exploração do trabalho vivo é o próprio processo de sobrevivência no capital. E os/as
trabalhadores/as vivem a contradição de depender do seu algoz, já que necessitam vender sua
força de trabalho para garantir as condições de reprodução social próprias e de sua prole. Além
disso, há reflexo no próprio indivíduo, em sua subjetividade, a qual passa por um processo de
estranhamento em relação à sua produção, chegando à estranhar até mesmo outros indivíduos.
Não à toa, a prioridade do capital está voltada para a exploração do trabalho e para a
produção de mais-valor, pouco importa para ele preocupar-se com os/as trabalhadores/as. Sua
atenção é voltada apenas ao aperfeiçoamento dos modelos de gestão e controle da força de
trabalho para extrair e explorar ao máximo os poros do trabalho.
O fordismo, o taylorismo e o Toyotismo surgem como respostas à necessidade de
ampliação do capital. Para isso, a cada modelo de produção emergente, há modificações para
alcançar mais aspectos da vida dos/as trabalhadores/as inseridos nas fábricas. A regulação ia
102

desde a jornada de trabalho e a produção até como os/trabalhadores viviam – condições de


habitação e consumo de álcool e outras drogas, por exemplo. Assim, o controle ultrapassava a
esfera produtiva e se estendia para as necessidades objetivas e subjetivas da classe trabalhadora.
O aperfeiçoamento das formas de controle desenvolvidas na Reestruturação Produtiva e
na Acumulação Flexível são fundamentais para atingir aos objetivos do capital. A polivalência
dos/as trabalhadores/as agora imperava, de forma conjunta ao processo produtivo sob demanda
(just-in-time) e ao avanço da terceirização. Esse movimento, além de aprofundar a precarização
do trabalho já existente, provocou a ascensão do desemprego e a necessidade dos indivíduos
que garantem sua sobrevivência a partir da venda da força de trabalho a recorrer aos trabalhos
informais.
A robotização e a microeletrônica, assim como a informatização sob a égide e a lógica
das relações sociais em tempos de acumulação flexível e reatualização capitalista, são utilizadas
para potencializar as condições de subordinação do trabalho ao capital. Logo, de precarização
do trabalho e aviltamento da saúde dos/as trabalhadores/as, possibilitando desemprego
estrutural amparado pela flexibilização dos contratos de trabalho que além de ampliar as e um
processo ainda maior de demissões em massa permite a recontratação temporária, intermitente
conforme necessidade sazonal do capital. Além disso, com o avanço da Indústria 4.0 e do acesso
à internet é utilizada como uma moderna forma de controle da força de trabalho, generalizando
também o controle do trabalho precarizado, a uberização.
Os elementos apresentados até o momento são significantes nos estudos sobre a saúde e
a relação com o trabalho. Ao nos depararmos com esse movimento, compreendemos que a
análise sobre a saúde dos/as trabalhadores/as precisa ser efetuada com fundamento em uma
perspectiva crítica e radical, a qual considere as necessidades e os aspectos históricos da
produção do processo saúde-doença. Essa escolha teórica está relacionada com o compromisso
estabelecido com a classe trabalhadora, deixando explícito o lado na luta de classes e
responsabilizando quem de fato tem culpa sobre o adoecimento relacionado ao trabalho.
Assim, a teoria da Determinação Social da Saúde, caminho teórico originário da Medicina
Social Latino-Americana, revelou-se a melhor opção para dar o andamento necessário à esta
pesquisa. O compromisso em compreender a historicidade, a articulação aos múltiplos
processos societários em desenvolvimento, a noção da totalidade e o desejo em apreender as
mediações que perpassam o real concreto fizeram dessa teoria, originária do materialismo
histórico-dialético, a base necessária para entender a saúde dos/as trabalhadores/as no
capitalismo hodierno.
103

Reforçamos, no entanto, que a concepção hegemônica sobre o processo saúde-doença na


sociedade capitalista parte da Medicina Tradicional. Isso significa que a análise sobre o
adoecimento está relacionada aos fatores biológicos e individuais de cada sujeito, excluindo do
processo a realidade social.
As transformações no mundo do trabalho, as formas de controle e gestão da força de
trabalho e a crescente precarização no espaço ocupacional expõe os sujeitos a maiores desgastes
durante sua jornada de trabalho, como foi abordado no capítulo 1. A produção desses desgastes
está associada às cargas de trabalho, as quais podem ser cumulativas frente às condições em
que o trabalho ocorre. O desgaste da força de trabalho aparece como consequência das cargas
de trabalho e de como elas se dão como uma relação de produção, sendo um dos principais
elementos responsáveis pelos adoecimentos físicos e mentais nos/as trabalhadores/as. À guisa
de exemplo, uma máquina de corte, por si só, não é algo nocivo à força de trabalho, contudo,
uma jornada extenuante, dado o cansaço e o estresse, pode levar a um acidente.
Doenças como Lesões por Esforço Repetitivo, lesões osteomusculares e do tecido
conjuntivo e fraturas são algumas das que podem ser diagnosticadas e serem vistas a olho nu,
possibilitando uma conexão direta às doenças ocupacionais. Contudo, nota-se um avanço no
número de transtornos mentais e comportamentais, os quais atribuímos à inserção em uma
sociedade pautada na competição entre os próprios trabalhadores e onde a vulnerabilidade
social, assim como o desemprego, é a regra e não a exceção.
Consideramos crucial destacar que o aumento dos transtornos mentais e comportamentais
apresentados no decorrer deste trabalho são apenas uma parte do real. Isso porque a
subnotificação de casos e a própria exclusão de trabalhadores/as que não estão inseridos no
mercado de trabalho formal resulta em uma redução significativa dos dados reais. Além disso,
há a própria responsabilização dos/as trabalhadores, associando o adoecimento/sofrimento
psíquico ao seu modo de vida e até mesmo às condições genéticas.
Nesse cenário, uma abordagem restrita aos Determinantes Sociais da Saúde descolada
dos elementos fundantes da determinação social do processo saúde-doença reforça a lógica
neoliberal de culpabilização da classe trabalhadora no processo de produção saúde-doença. Ao
apontar que o primeiro elemento a ser observado é o sexo, a idade e os fatores genéticos, atribui-
se aos sujeitos a responsabilidade sobre o adoecimento. Ademais, considera diversos níveis,
entre eles a família, as redes comunitárias e de apoio, as condições de vida até chegar ao último
nível, onde os elementos macroestruturais estão localizados. Esse movimento retira do Modo
de Produção Capitalista o caráter brutal e destruidor inerente a ele, ainda que seja uma análise
progressista frente à Medicina Tradicional.
104

Assim, a conjuntura observada durante o aprofundamento do objeto dessa pesquisa nos


proporcionou entender que o pauperismo, o sofrimento, a loucura e o suicídio são produzidos
dialeticamente na sociedade, ao passo que consideram a realidade social e as mediações
encontradas. Para além disso, revelou como a dinâmica do Modo de Produção Capitalista é
responsável pela produção de adoecimentos, especificamente, dos transtornos mentais. Isso
porque estar inserido em um contexto de miserabilidade e incertezas sobre sua sobrevivência
acarreta impactos subjetivos.
Com base na discussão apresentadas até o momento e com o entendimento que o
sofrimento psíquico pode ser um dos desdobramentos das expressões da Questão Social,
frisamos a importância de uma maior apropriação do Serviço Social, enquanto área do
conhecimento e de intervenção, frente aos debates que permeiam a saúde mental dos/as
trabalhadores/as.
Como observado no capítulo 3, existe uma aproximação entre a saúde dos/as
trabalhadores/as e a saúde mental, considerando elementos como a criação da rede de atenção
à saúde e os impactos do trabalho na produção de saúde. Contudo, não foi possível identificar
muitas pesquisas que relacionassem as condições de vulnerabilidade, as cargas de trabalho e
outros elementos com o sofrimento psíquico da classe trabalhadora. Além disso, os/as
trabalhadores/as desempregados também passam por um processo de invisibilização nas
análises propostas pela profissão, revelando uma lacuna importante na construção do escopo
teórico da categoria.
É a partir da identificação desses aspectos que compreendemos o capital como a indústria
do sofrimento, produzindo o adoecimento em massa dos/as trabalhadores/as, tirando a
responsabilidade de si e colocando para outros – aliás, a terceirização de obrigações é um dos
seus maiores feitos – e regulando todos os cenários para que não seja possível a união dos/as
trabalhadores/as.
Em oposição a esse movimento estabelecido pelo Modo de Produção Capitalista e
baseando-nos no Código de Ética do Serviço Social, reforçamos a necessidade de inserção da
categoria no debate da precarização do trabalho e sua relação com a saúde mental dos
trabalhadores, bem como a compreensão do sofrimento psíquico enquanto expressão da
Questão Social. Isso porque, em seus princípios éticos, a categoria reconhece a liberdade como
valor ético central e as demandas políticas a esta relacionadas; se posiciona a favor da
socialização da riqueza socialmente produzida e em concordância com a luta por equidade e
justiça social, além de optar por um “projeto profissional vinculado ao processo de construção
de uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero” (Barroco
105

e Terra, 2012, p. 129). Ratificando a compreensão dos intelectuais do MRSB de que o capital
é patogênico, conclui-se que somente a superação da sociedade de classes pode abrir caminhos
concretos para a produção social da saúde do ponto de vista da classe trabalhadora.
Assim, o compromisso da profissão com a classe trabalhadora envolve apreender o real
concreto e seus desdobramentos na produção e na reprodução social. Esse movimento implica
considerar que “O marxismo dará saúde aos doentes”, assim como apresentado por Frida Kahlo
em uma de suas obras, pois tê-lo como fundamento teórico e político é ter como objetivo a
emancipação humana, uma mudança radical nas atuais estruturas societárias.
Consequentemente, embasar a produção do processo saúde-doença dos/as trabalhadores/as não
voltado às demandas do capital, mas satisfazer suas próprias necessidades que os/as humaniza.
106

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