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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
CURSO DE MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

MILIANE PINHEIRO DA ROCHA

EDUCAÇÃO SUPERIOR E MERCADORIA: um estudo sobre as políticas


educacionais do Governo Bolsonaro

NATAL/RN
2022
1

MILIANE PINHEIRO DA ROCHA

EDUCAÇÃO SUPERIOR E MERCADORIA: um estudo sobre as políticas


educacionais do Governo Bolsonaro

Dissertação apresentada ao programa de pós-


graduação em Serviço Social da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para
obtenção do título de Mestre em Serviço Social –
UFRN.

Área de Concentração: Sociabilidade, Serviço


Social e Política Social.

Linha de Pesquisa: Serviço Social, Trabalho e


Questão Social.

Orientadora: Prof.ª Dr. Eliana Andrade da Silva.

NATAL/RN
2022
2

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN


Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte.
UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA
Rocha, Miliane Pinheiro da.
Educação superior e mercadoria: um estudo sobre as políticas
educacionais do Governo Bolsonaro / Miliane Pinheiro da Rocha. -
2022.
82f.: il.

Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade


Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais
Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Natal,
RN, 2022.
Orientadora: Profª Draª Eliana Andrade da Silva.

1. Educação Superior - Brasil - Dissertação. 2. Mercadoria -


Dissertação. 3. Formação Sócio-histórica - Dissertação. 4.
Direito Social - Dissertação. I. Silva, Eliana Andrade da. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 378(81)

Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355


3

MILIANE PINHEIRO DA ROCHA

EDUCAÇÃO SUPERIOR E MERCADORIA: um estudo sobre as políticas


educacionais do Governo Bolsonaro

Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação em Serviço Social da


Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título
de Mestre em Serviço Social – UFRN.

Aprovado em: 25/02/22


.

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Drª. Eliana Andrade da Silva


Orientadora
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

Prof.ª Drª. Larisse de Oliveira Rodrigues


Examinadora Interna
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

Prof.ª Drª. Taíse Cristina Gomes Clementino de Negreiros


Examinadora Externa
Universidade de Brasília – UNB

Prof. Dr. Roberto Marinho Alves da Silva


Examinador Suplente
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
4

A minha Mãe (in memorian), razão pela qual não


desisti.

A todas as famílias que, assim como a minha,


perderam alguém em face da pandemia mundial do
COVID-19.

A todos que sonham com uma educação


emancipadora, justa e humanitária.
5

AGRADECIMENTOS

Escrever sobre esse processo é compartilhar uma das experiências mais


desafiadoras da minha vida. Quando este sonho se tornou uma realidade, no final de
2019 – momento em que encerrava o ciclo da graduação e já pretendia cursar o
mestrado, não imaginava que estávamos prestes a viver uma pandemia. Não tinha
noção do que isso poderia causar e como iria mudar radicalmente minhas prioridades,
das quais, cuidar da minha família, sempre foi a primeira delas. Somado a isso, ainda
estava tentando descansar pelo término da graduação – que foi árduo, diante muitos
desafios enfrentados, principalmente pelas condições de permanência.
Para me manter no Mestrado, devido não haver bolsas que contemplassem
todos os candidatos, comecei a trabalhar e arcar com as responsabilidades da vida
adulta (que são muitas). E como milhares de pessoas fazem diariamente, dividi o
espaço acadêmico com os afazeres domésticos e o cuidado com as pessoas mais
idosas da família. Diante o cenário pandêmico que vivenciávamos, cumprindo o
lockdown como fora necessário.
Sobretudo, o ano mais difícil estava sendo também o ano em que estive mais
perto da minha família, e pude assim aproveitar melhor todas as pessoas que amo.
Nesse período, enfrentei o adoecimento da minha mãe, e posteriormente, a dor de
perdê-la. Precisamente em março de 2021, a melhor pessoa que eu conhecia, me
deixava. A minha mãe. Escrevo este agradecimento com lágrimas nos olhos, porque
sei que ela me abraça e me conforta, até nesse momento. Por isso, se cheguei à
conclusão deste trabalho, foi com ela e por ela, não fisicamente, mas espiritualmente,
como o amor – que vivemos e vivenciaremos para sempre.
Portanto, a caminhada do Mestrado ultrapassou dois anos cronológicos e abriu
um buraco no tempo, por ter que reaprender a viver. Pois, além de perder o maior
símbolo de amor na humanidade, também sofri um acidente de carro no dia 01 de
janeiro de 2022, o qual por muito pouco não morri. E nesse dia, mais uma vez
questionei a Deus por qual razão ele me protegeu. A resposta veio em forma
recomeçar, mais uma vez, como faço há anos.
Assim, o curso de Mestrado em Serviço Social foi o maior desafio acadêmico
que já vivenciei em seis anos na minha amada universidade. Afirmo isso ao relembrar
toda minha trajetória acadêmica – desde o momento da aprovação até agora
escrevendo estes agradecimentos. Não há dúvidas, que a minha sustentação nesse
6

processo foi divina e humana


A Deus, por ter me colocado no colo e falado comigo todas as vezes que pedi
uma resposta e força para continuar, mesmo sem motivos plausíveis para isso. Tudo
por causa dEle, que tem sido meu porto seguro desde que nos reencontramos.
Enquanto filha, o agradeço por me fazer entender que vivo de provações e que
embora eu não as entenda, são por meio delas que o reânimo aparece e a fé aumenta.
As minhas Marias, razões pelas quais sigo buscando oportunidades melhores
para vivermos e para que eu as proporcione condições dignas de vida.
Ao meu pai Ricardo, que embora não tenha entendimento do que significa o
Mestrado, apoia todos meus esforços para alcançar meus objetivos. E que me ensinou
sobre o amor se tornar paciente – mesmo quando não concordamos um com o outro.
A minha avó Maria de Jesus e meu pai Antônio Oliveira, que no plano
espiritual, sinto estarem felizes e orgulhosos por quem tenho me tornado.
Aos meus amigos de longa e curta data, os que conheci no ensino médio; os
da graduação; os do mestrado e os que formei nos últimos meses de 2021, que são
meus grandes incentivadores e admiradores. Que me mostram o porquê de continuar.
Não nomeio porque são muitos, mas sei que se reconhecem nesse processo que foi
me apoiar ao longo de todas as situações vivenciadas nesses dois anos.
A Eliana Andrade, minha orientadora, que na verdade, foi o presente mais
inesperado desse processo. Obrigada por ser acolhida e aconchego todas as vezes
que nos encontramos. Por me incentivar e me fazer acreditar do quanto sou capaz.
Tinha que ser você e o quanto sou grata por nosso encontro.
A turma 2020.1, que iniciou a jornada comigo presencialmente e me
proporcionou encontros, momentos, força e aprendizados – embora virtualmente.
A todos/as professores/as do Departamento de Serviço Social da UFRN,
que contribuíram com minha formação acadêmica e pessoal, obrigada!
7

OS QUE LUTAM
Há aqueles que lutam um dia; e por isso são
muito bons; há aqueles que lutam muitos dias; e
por isso são muito bons; há aqueles que lutam
anos; e são melhores ainda; porém há aqueles
que lutam toda vida; esses são os
imprescindíveis.
Bertolt Brecht.
8

RESUMO

A presente dissertação trata-se de uma pesquisa científica de abordagem qualitativa.


Utilizando o materialismo histórico crítico dialético de Karl Marx como fundamental
para seu desenvolvimento. O objeto de estudo deste trabalho é Educação superior e
mercadoria: um estudo sobre as políticas educacionais do governo Bolsonaro. O
objetivo geral foi analisar a trajetória da Educação Superior no Brasil, considerando
os determinantes históricos que a inserem no circuito mercantil, considerando o ano
de 2016 - como marco de aprofundamento da privatização da Educação Superior- até
o governo neoliberal de Bolsonaro. Para isso, desenvolvemos três objetivos
específicos: apreender como a Educação Superior ingressa no circuito da mercadoria
e discutir sua concepção de direito e valor de troca nas sociedades capitalistas;
analisar as principais tendências da Educação Superior no Brasil, dado o contexto de
privatização e ajuste fiscal brasileiro; explicar a relação entre a Educação Superior e
a Economia Política. Com intuito de alcançar esses objetivos, buscamos responder as
seguintes questões norteadoras: quais os pressupostos teóricos e políticos para
legislar o Ensino Superior, e as implicações da Reforma do Estado para a Educação?
Qual a funcionalidade da Educação Superior para o Capital? Quais as tendências da
Educação Superior no contexto de reprodução ampliada do capital e os mecanismos
que a levam para o circuito da mercadoria? Realizamos, portanto, um estudo
bibliográfico e documental com subsídio de estudiosos da grande área da Educação,
como também com autores que discutem a inserção da educação para o Mercado.
análise da educação passa pela recuperação da formação sócio-histórica das
influências na educação superior brasileira, seus elementos formativos e constitutivos
que geram configurações deste tipo de ensino atualmente; analisamos como o modo
de produção capitalista conseguiu realizar estratégias que transformem a educação
um objeto passível de compra e venda no âmbito das relações sociais desenvolvidas.
essa retomada nos apresentou as principais tendências que a educação superior tem
sofrido no contexto atual de neoliberalismo demarcado especialmente pelo governo
de Jair Bolsonaro. Os resultados que obtivemos indicam que às bases históricas são
fundamentais para identificarmos as tendências atuais, porque a partir delas
percebemos o caráter dependente e heterônomo da educação superior no Brasil em
relação aos países de capitalismo central. Trata-se de uma educação de traços
classistas, onde historicamente configurou-se como privilégio e no delineamento do
nosso estudo, concluímos que estes traços historicos são uma continuidade. Afinal,
apesar da expansão do acesso à educação superior nas últimas décadas - o que foi
um avanço para as classes trabalhadoras-, em tempos de avanço do neoliberalismo
não há garantia da permanência do ensino, tampouco a formação é incentivada de
forma crítica, mas somente como uma produção e autorreprodução do sistema
capitalista, na medida em que a educação é também um aparato ideológico e de
formação de força de trabalho – que tem sido orientada e direcionada para o mercado.
Não por menos, os setores do capital defendem-se educação à distância como
estratégia de barateamento dos custos educacionais em detrimento da educação
presencial e de qualidade para as classes trabalhadoras. existem, portanto, dois
projetos de educação em disputa na sociedade: um para formação social de
qualidade, laica e voltada para a construção de conhecimento e outro para formação
e controle da força de trabalho para o capital.

Palavras-chave: Educação Superior. Mercadoria. Formação Sócio-histórica. Direito


Social
9

ABSTRACT

This dissertation is a scientific research with a qualitative approach. Using the


dialectical critical historical materialism of Karl Marx as fundamentais to its
development. The object of study of this work is Higher Education and Merchandise: a
study on the educational policies of the Bolsonaro government, considering the
Capitalist Mode of Production system and the centrality that commodities exert in the
social relations developed under its validity. The general objective of this work was to
analyze the trajectory of Higher Education in Brazil, considering the historical
determinants that insert it into the market circuit, considering the year 2016 as a
regulatory framework for the expansion of the privatization of Higher Education until
the neoliberal government of Bolsonaro. For this, we developed three specific
objectives: to understand how Higher Education enters the commodity circuit and
discuss its conception of law and exchange value in capitalist societies; analyze the
main trends in Higher Education in Brazil given the context of privatization and Brazilian
fiscal adjustment; explain the relationship between Higher Education and Political
Economy. In order to achieve these objectives, we seek to answer the following guiding
questions: What are the theoretical and political assumptions to legislate Higher
Education, and the implications of the State Reform for Education? What is the
functionality of Higher Education for Capital? What are the trends in Higher Education
in the context of expanded capital reproduction and the mechanisms that lead it to the
commodity circuit? Therefore, we carried out a bibliographic and documentary study
with the support of scholars in the broad area of Education, as well as with authors
who discuss in detail the Education for the Market movement. In order to apprehend
the socio-historical formation of Brazilian Higher Education, its formative and
constitutive elements that have indications and configurations in the way this type of
education currently maintains, we analyze how the Capitalist Production Mode
managed to carry out strategies that direct education as an object subject to purchase
and sale within the scope of developed social relationships, being articulated with the
embryonic processes of the initial form of education. This resumption presented us
with the main trends that Higher Education has suffered in the current context of
neoliberalism demarcated by the government of Jair Bolsonaro. The results we
obtained were based on the historical basis and are fundamental to identify current
trends, because from them we perceive the dependent and heteronomous character
of higher education in Brazil in relation to countries with central capitalism. It is an
education with classist traits, where historically it has been configured as a privilege
and in the design of our study, we conclude that it has continuity. After all, the
expansion that has been commonly discussed, of access to education, does not
guarantee the permanence of teaching, nor is training critically encouraged, but only
as a production and self-reproduction of the capitalist system, insofar as education is
also an ideological apparatus and the training of the workforce – which has been
oriented and directed towards the market. Not surprisingly, distance education is
defended as sufficient to the detriment of face-to-face education. There are, therefore,
two education projects in dispute: one for social formation, construction of knowledge
and the other for training and control of the workforce for capital.

Keywords: College Education. Merchandise. Socio-Historical Training. Social Law.


10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABED Associação Brasileira de Ensino à Distância


ABMES Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior
AMPESC Associação de Mantenedores Particulares de Educação Superior de
Santa Catarina
ANDES-SN Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
ANUP Associação Nacional das Universidades Particulares
BM Banco Mundial
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CF Constituição Federal
CNPq Conselho Nacional de Pesquisa
CPDOC Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do
Brasil
EAD Ensino a Distância
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
FGV Fundação Getulio Vargas
FHC Fernando Henrique Cardoso
FIES Fundo de Financiamento Estudantil
FMI Fundo Monetário Internacional
IES Instituição de Ensino Superior
IFES Instituições Federais de Ensino Superior
IFETS Instituições Federais de Educação Profissional e Tecnológica
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação
MPC Modo de Produção Capitalista
PEC Proposta de Emenda à Constituição
PNE Plano Nacional de Educação
PROUNI Programa Universidade para todos
PT Partido dos Trabalhadores
REUNI Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
11

SISU Sistema de Seleção Unificado


TCC Trabalho de Conclusão de Curso
UAB Universidade Aberta do Brasil
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNE União Nacional dos Estudantes
UNIFAEL Centro Universitário UNIFAEL
UNINASSAU Centro Universitário Maurício de Nassau
UNINORTE Centro Universitário do Norte
UNIVERITAS Centro Universitário UNIVERITAS
12

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 13
2 A FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA E A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR
NO BRASIL ........................................................................................................... 19
2.1 LUTAS SOCIAIS POR EDUCAÇÃO E CONTRADIÇÕES NO PÓS-
DEMOCRATIZAÇÃO ............................................................................................. 32
2.2 EDUCAÇÃO SUPERIOR NO CIRCUITO DE REPRODUÇÃO AMPLIADA DO
CAPITAL ................................................................................................................ 46
3 UNIVERSIDADE NÃO É PARA TODOS, MAS SOMENTE PARA ALGUMAS
PESSOAS: educação superior no ultraneoliberalismo do governo Bolsonaro
.............................................................................................................................. 59
3.1 A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO CONTEXTO ULTRANEOLIBERAL
.............................................................................................................................. 59
3.2 EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL E AS LUTAS DE CLASSE ................... 71
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 76
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 81
13

1 INTRODUÇÃO

Analisar a Educação Superior no Brasil, na contemporaneidade, é, sobretudo,


uma tarefa histórica porque precisamos apreender a dinâmica das relações sociais
desenvolvidas sob a égide do Capital1, situando o Brasil enquanto um território de
capitalismo dependente e periférico2. Por essa característica, o país se torna
subjacente às influências internacionais, nos aspectos sociais, políticos, econômicos,
culturais, industriais e, em nossa ênfase, educacionais. A dinâmica da Educação
Superior em nosso país assume uma roupagem de continuidade histórica do que
trabalhamos como hipótese desta pesquisa, a educação como um privilégio de uma
classe.
A expansão de programas e projetos no âmbito da Educação Superior é
elemento bastante midiatizado em todos os aparelhos e bases nacionais, como
programas de TV, jornais, rádios, redes sociais e outros, onde demonstram o quanto
a Educação Superior no Brasil tem avançado, principalmente com as ditas
“oportunidades” advindas com a EAD, nesse sentido, evidenciam-se os resultados
obtidos por este tipo de educação, demonstrando suas possibilidades e condições de
existência. Para tanto, tratamos nesta pesquisa de especificar e referenciar a Política
de Educação Superior Brasileira numa forma macroscópica, buscando explicar as
suas bases e determinações, e, sobretudo, suas finalidades desde sua forma
embrionária.
Ao analisarmos o decurso da Política de Educação Superior Brasileira,
envolvemos em nossos estudos às determinações e desígnios dos aparelhos
institucionais públicos e privados, não havendo assim uma distinção ou separação de
finalidade entre ambos os tipos ofertados – o que não significa dizer que, no entanto,
delimitados apenas os aspectos gerais dessas distinções. Essa questão nos permitiu
apreender as relações e formas como a educação é dinamizada nesses dois polos, o
que atravessa uma problematização teórica complexa e repleta de inflexões. Mas

1
Por capital compreendemos todo bem econômico que é ou está suscetível à produção.É uma forma
de riqueza que pode ser aplicada. Mas para Karl Marx, Capital é uma relação de produção socialmente
definida, que conforma a história da sociedade.
2
O Capitalismo periférico e dependente que se estabelece no Brasil, é, portanto, uma condição a qual
existe para atender as demandas dos países capitalistas centrais. Essa relação baseia-se numa
dependência econômica e numa desigualdade social que organizam a estrutura das sociedades
capitalistas.
14

diante o campo da Educação Superior defendemos sua forma pública em todos os


níveis de formação, e o que consta na Constituição Federal de 19883– enquanto direito
social universal, sendo tema responsável do objeto de estudo desta investigação.
Percebemos inicialmente limites e entraves atenuantes em nossa sociedade acerca
do que é a Educação Superior e como ela se configura, e esse movimento nos permitiu
fazer uma retomada histórica e crítica, principalmente pelo entendimento que
possuímos sobre a concepção de Educação4 e também da sua ampliação, superando
os espaços acadêmicos estritamente formais.
Nesse percurso, a educação deve ser compreendida enquanto um processo
civilizatório, constituinte e constituidor de totalidades e especificidades dos indivíduos
que formam a sociedade civil5. Sabemos, portanto, que são os indivíduos os
responsáveis pela formação da diversidade, uma vez que cada tipo de sociedade
possui suas particularidades, valores, que comungam e formam diferentes sujeitos em
distintos contextos sociais. Por vezes interpretadas como força de trabalho
qualificada, a Educação Superior num viés de empreendedorismo6 tem sido justificada
para os indivíduos como alternativa para qualificação e assim influenciando os
indivíduos a tornarem-se responsáveis pela sua re(produção) social, sobretudo, a
financeira. Entendemos que a perspectiva empreendedora avança nas políticas
educacionais hoje porque está intimamente articulada com o contexto de acirramento
de desemprego e extinção postos de trabalho formais, ou seja, uma perspectiva de

3
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
4
A educação na visão de Frigotto, é uma formação “omnilateral” dos seres humanos, designando uma
forma de ensinar concomitantemente o trabalho manual e o intelectual, levando os indivíduos a
compreender o caráter humano do trabalho, assim como o mundo das mercadorias (vulgo
necessidades). O autor relaciona a educação às esferas sociais, intelectuais, culturais, lúdicas,
estéticas, artísticas, culturais e afetivas. Em síntese, para Frigotto (2009, p. 72), a Educação conforma
o “mundo das liberdades”.
5
No capitalismo vigente, o poder político deriva da organização da sociedade civil, quando nos
distinguimos em classes, gêneros, partidos, culturas e demais interesses pessoais. E enquanto
sociedade civil, somos o “povo” organizado em grupos sociais – que temos como instância superior o
Estado, sendo responsável por organizar a sociedade e controlar/exercer poder sobre as coisas – e
também sobre os indivíduos. Logo, a sociedade civil pode ser considerada não como o objeto sobre o
qual o Estado exerce seu poder, mas como um de seus elementos constitutivos (SEVERINO; SOUZA,
2015).
6
Na visão da ABED (2014) , o empreendedorismo tem componentes atitudinais e comportamentais.
Como atitude refere-se a disposição de um indíviduo ou organização de abraçar novas oportunidades
e assumir responsabilidades por mudanças criativas e na forma comportamental inclui um conjunto de
atividades necessárias para avaliar uma oportunidade, definir um conceito de negócio ou estimar e
adquirir os recursos necessários para fazer seu próprio sustento, assim operar e colher os seus
resultados produzidos.
15

educação que não visa o mercado de trabalho formal. Esse movimento restringe e
reitera que a educação pode ser considerada privilégio, porque não são todos que
devem acessá-la. Visto dessa maneira, o Ensino Superior enquanto modalidade de
ensino mais alto (ao se considerar aqui a necessidade anterior de perpassar pelos
níveis fundamental e médio), tem sido determinante na condição de vida objetiva e
subjetiva dos seres humanos, principalmente quanto ao alcance e não chance ao
ensino superior.
Certamente nesse processo estão imbricadas as contradições pertencentes ao
mundo do emprego e ao modo de produção vigente, considerando que, não é somente
a qualificação técnica que determina a possibilidade de uma vaga no mercado de
trabalho, porque o que mais observamos em nossas sociedades, são, profissionais
altamente qualificados que estão desempregados ou submetendo-se a situações
extremamente informais de subemprego7. Por isso, tecemos uma análise sobre a
Educação Superior como um instrumento de classe, voltada ao mercado financeiro, a
capitalização e privatização do que entendemos por educação.
Apreender, portanto, em nossos estudos, como a Educação Superior se inseriu
no circuito da mercadoria, se efetivando como uma, mesmo não possuindo
materialidade é o nosso desafio. Nesse momento, utilizamos a categoria da mediação 8
para captar o movimento de financeirização 9 e a absorção de mais valia10 para a
classe empresarial. Para isso, adentramos às “raízes”, isto é, sua historicidade e
funcionalidade ao capitalismo.
Utilizamos os marcos legais da Educação Superior, mas recorremos as
primeiras formas do seu surgimento. Assim, tocante de sua necessidade e origem, o
significado histórico da educação aparece nos seus momentos iniciais e ali já
demonstrava seu caráter de classe.
A compreensão que temos das sociedades em que predomina o Modo de
Produção Capitalista (MPC) nos suscita muitas reflexões sobre o modo de vida

7
Essa nomenclatura designa as condições de emprego informais, sem vínculos empregatícios e sem
a garantia de direitos sociais.
8
A mediação é uma das categorias centrais da dialética, inscrita no contexto da ontologia do ser social
e que possui uma dupla dimensão: ontológica - que pertence ao real, está presente em qualquer
realidade independente do conhecimento do sujeito e reflexiva - elaborada pela razão, para ultrapassar
o plano da imediaticidade (aparência) em busca da essência, necessita construir intelectualmente
mediações para reconstruir o próprio movimento do objeto (MORAES; MARTINELLI, 2012).
9
A financeirização dos mercados e das instituições financeiras ocorre como uma forma de organização,
definição, gestão e realização de riqueza no capitalismo.
10
Mais valia é o excedente produzido. Para Karl Marx, é o trabalho não pago, em síntese, o lucro.
16

operante11 que produzimos e reproduzimos cotidianamente. Por isso, precisamos


realizar uma análise sobre a estrutura social que determina a Educação Superior, e o
papel do Estado12 sob as determinações do MPC. Logo, foi necessário superar a
aparência das coisas, ou seja, entender que a realidade social está para além da sua
objetividade, imediaticidade. Isso não significa dizer que essa objetividade é ilegítima
ou desnecessária, pelo contrário, é fundamental para que possamos a partir dela
investir seus desdobramentos. Ao mesmo tempo em que a aparência das coisas nos
evidencia as primeiras observações da realidade, do objeto de estudo – que
delimitamos neste estudo como sendo a Educação Superior e a Mercadoria: um
estudo sobre as políticas educacionais do governo Bolsonaro, também nos oculta
muitos elementos que são expressos em sua superficialidade. Porque, o aparato
ideológico fundado e dinamizado tem sido fundamental na construção desse governo.
Não por menos, o contexto atual em conformidade com a ampliação do capital visa o
fortalecimento e funciona com sua lógica própria, organizando sua autoexpansão e
beneficiando a classe burguesa. É fatídico que não conseguimos analisar a
complexidade dessa discussão de forma imediata, mas é no interior das relações
sociais que produzimos e reproduzimos que enxergamos as determinações e
condições para manutenção deste sistema.
A Educação Superior, portanto, passa por um processo de mercantilização no
movimento acelerado de ampliação do capital, produzindo e reproduzindo uma lógica
empreendedora da educação, totalmente voltada ao mercado e com finalidades de
ampliar o lucro de grandes empresas. O discurso que vêm sendo construído pelos
grupos capitalistas é que a educação pública não é satisfatória e disso se tira a
justificativa para ampliação da educação em sua forma privada. Diante de um cenário
neoliberal, podemos perceber que a educação superior pública cada vez mais tem
sido tratada com certa abstração, como se fosse incapaz ou insuficiente de atender à
classe trabalhadora brasileira, e por isso o viés de privatização é tão disseminado.
Partindo disso, a hipótese do nosso trabalho pressupôs que a Educação

11
O modo de vida operante pode ser traduzido como uma forma determinada de produzirmos e
reproduzimos nossas condições de existência, mesmo por vezes não nos reconhecermos neste
processo automático de operação.
12
O Estado nasceu com um papel de conciliação de classes, numa mediação de conflitos que são
permanentes. Mas apresenta um lado nessa disputa, e por isso, não o compreendemos como uma
instância conciliadora, mas sim como um Estado de caráter de classe. O Estado é responsável pela
organização da economia e das demais estruturas da sociedade, e utiliza estratégias para desenvolver
planos e projetos em prol da classe burguesa – a sua aliada (NETTO, 2011).
17

Superior surge como um privilégio, considerando que sua criação foi para a classe
burguesa, mas que foi arduamente conquistada pelas classes populares. Entretanto,
em momentos de crise a burguesia tende a restringir esse direito através da
mercantilização.
O trabalho presente, portanto, tem como uma de suas motivações o interesse
pelo grande campo da educação, especialmente, pela superior e a forma como ela
tem sido tratada. Desde a inserção na universidade, surgiram muitos questionamentos
em como a educação superior embora legalmente constitua-se como um direito social,
assim não se configure – vistas todas as dificuldades e desafios postos à classe
trabalhadora para seu acesso assim como para sua manutenção e permanência. Além
disso, a motivação se deu pela investigação da relação existente entre educação e
mercadoria porque ambas são temáticas do interesse do pesquisador, uma vez que
sua trajetória acadêmica se debruçou principalmente nestes dois campos de análises.
Enfatizando, também, a dimensão política que é possível ser construída em relacionar
duas categorias “abstratas”, não palpáveis, mas que possuem condições e
determinações em nossas vidas.
Visamos contribuir com a análise crítica acerca dos processos educacionais
decorrentes do capitalismo periférico brasileiro, e das influências externas no trato à
educação superior. Buscamos desmistificar processos e projetos que sugerem a
educação privada como a melhor saída, principalmente em sua configuração à
distância. Concluímos que a educação definida como um direito social fundamental
possui na sociabilidade capitalista uma lógica própria de mercadoria, em que não
permite sua efetivação enquanto um direito social.
Para melhor compreendermos essa conclusão, este trabalho está estruturado
em dois capítulos. Trazemos as formas embrionárias de educação no Brasil e como a
passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista 13 influencia os processos
educacionais. O primeiro capítulo trata da formação sócio-histórica da educação e a
política de Educação Superior no Brasil. Com objetivo de propiciar a discussão
envolvendo os principais atores da formação brasileira, como foi o caso dos Jesuítas
e a forma como o apelhos de Estado e Igreja foram importantes para o trato da
educação, naquela época. Além disso, elucidamos a trajetória histórica e as
tendências da educação superior pública e a sua inserção no circuito de reprodução

13
Isto é, a passagem do processo competitivo e com espírito inovador, para um capitalismo que tende
a concentrar riquezas, em acumular renda.
18

ampliada do capital. No segundo capítulo, partimos de uma afirmativa do Ministro da


Educação, Milton Ribeiro, sobre a Universidade. E pelo teor da afirmativa, precisamos
explicar a forma como isso se articula com o que defende o governo neoliberal de Jair
Bolsonaro, ao discutirmos a educação nesse contexto. Para finalizar o capítulo
discorremos sobre a educação superior e a luta de classes enquanto um campo de
disputa permanente.
19

2 A FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA E A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR


NO BRASIL

Adentrar à formação sócio-histórica e posteriormente às primeiras bases de


educação brasileira é um exercício denso, porque nos exige a análise de uma
totalidade que remonta a forma embrionária da educação brasileira, mas também nos
explica as influências trazidas para o cenário atual da educação no Brasil – momento
este que discutiremos nos próximos itens. Por isso, neste capítulo tratamos de fazer
essa retomada sócio-histórica com objetivo de apreender como as bases históricas
da educação são importantes para identificar as tendências atuais. Desta forma, como
nos orienta Frigotto (2009),

Qualquer que seja o objeto de análise no campo das ciências humanas e


sociais que se queira tratar no plano da historicidade, vale dizer, no campo
das contradições, mediações e determinações que o constituem, implica
necessariamente tomá-lo na relação inseparável entre o estrutural e o
conjuntural.Por outra parte, implica tomar o objeto de análise não como um
fator, mas como parte de uma totalidade histórica que o constitui, na qual se
estabelecem as mediações entre o campo da particularidade e sua relação
com uma determinada universalidade (FRIGOTTO, 2009, p. 236) .

Por isso, buscamos partir da totalidade histórica e fazer as conexões


necessárias, assim como as mediações para entender como as bases históricas da
educação possui influência nas tendências educacionais vigentes.
A inserção do capitalismo periférico no Brasil decorreu de processos sociais,
políticos e econômicos com raízes no período colonial. Esse fato, possui como um
fator fundante a constituição de um modo de produção econômico pautado
hegemonicamente “na produção agrícola voltada ao atendimento da demanda do
mercado externo, com o predomínio dos grandes latifúndios e à exploração da força
de trabalho escrava” (NEGREIROS, 2019, p. 88).
Neste contexto, as relações sociais, culturais, políticas e econômicas foram
marcadas por um forte autoritarismo, definindo um processo de desenvolvimento
capitalista brasileiro, e destituindo os vestígios de tendências revolucionárias, como o
que ocorrera na Europa. Desse modo, se nos países europeus o processo de
ascensão da classe burguesa foi considerado como radical e revolucionário, no caso
brasileiro, o capitalismo surgiu de forma agrária e centrado nos interesses econômicos
não nacionais. Assim, como nos explica Negreiros (2019), precisamos adentrar nesta
parte da história para entendermos como se deu a formação da educação brasileira.
20

Ora, a autora afirma que:

O processo de consolidação capitalista e de revolução burguesa no Brasil


ocorre a partir de apropriação dos ideais revolucionários do pensamento
liberal, e apenas no que se refere aos aspectos necessários à manutenção
do status quo das relações sociais dominantes. Portanto, nunca foi o objetivo
central desse processo promover uma ruptura radical com as bases
socioeconômicas que fundamentavam a sociedade colonial antecessora
(NEGREIROS, 2019, p. 90).

Portanto, são essas reflexões iniciais acerca da influência internacional desde


o momento de instituição do capitalismo e dessa recém-formada burguesia, que
entenderemos a seguir como surgiu e se instaurou o sistema de ensino brasileiro.
Segundo os estudos da autora, as primeiras iniciativas de institucionalização
da Educação como Política Pública, no Brasil, aconteceram tardiamente, uma vez que
a sistematização dos processos originou com os jesuítas, que predominaram durante
todo o período colonial. Os jesuítas eram padres que inicialmente dedicaram o
ensinamento aos indivíduos voltados às obras da igreja, da catequese. O papel era
de disciplinar e conformar os povos indígenas à moral religiosa cristã. Mas não parou
com os povos indígenas e gradativamente as ações educativas chegaram para
educação da elite colonial. Como aponta Negreiros (2019): o ensino ministrado pelos
jesuítas estava restrito aos ensinamentos religiosos e humanísticos, uma vez que
eram totalmente alheios à realidade da vida cotidiana da colônia brasileira, que era
caracterizada pela economia agrária e pela exploração do trabalho escravo.
Tendo por base a literatura e os conhecimentos do campo das humanidades
transplantados da Europa, a formação jesuítica visava servir somente à ilustração e
ao enriquecimento dos “espíritos ociosos” [...] que podiam dar-se ao luxo de se
cultivarem” (ROMANELLI, 2012, p. 34). Ou seja, destinava-se exclusivamente à
aristocracia agrária brasileira (e aos seus filhos). Seu principal objetivo era
proporcionar, a essa classe, o aprendizado de cultura e hábitos da nobreza
portuguesa, cuja reprodução era considerada como referencial de civilidade e status
(ROMANELLI, 2012 apud NEGREIROS, 2019, p. 91).
Assim, os jesuítas foram considerados os percursores da educação brasileira,
com ensinamentos para que todos agissem de acordo com a moral cristã. Assim,
compreendemos que eles possuíam sólida formação cultural e estavam dispostos a
defender os princípios cristãos, por isso, sua atuação foi marcante, uma vez que
exerceram fortes influências na sociedade, principalmente, à classe burguesa, pois,
introduziram naquele período de colônia, uma “concepção” de educação que
21

contribuiu para o fortalecimento das bases e estruturas de poder hierárquicas e dos


privilégios para um pequeno grupo de burgueses. Nesse momento, a educação
acabava por ser mantenedora das desigualdades sociais (NEGREIROS, 2019).
Logo, a educação que os padres promoveram foi uma contribuição à formação
e manutenção das estruturas sociais e econômicas que predominaram no período
colonial. Também fora uma educação legitimadora, por ter alicerçado os sistemas de
ensino brasileiro ao longo do seu desenvolvimento histórico. Ora, foi criada e instruída
uma educação de elite “para elite”, a qual acabou por transformar a educação com
traços classistas, ou seja, dual, que era responsável por preparar “o corpo de letrados
a ocuparem os espaços públicos de decisões políticas, econômicas e culturais,
(re)produzindo como classe dominante e dirigente” (p. 91). E ao mesmo tempo dá
origem a educação para uma classe subalternizada (NEGREIROS, 2019).
Mesmo com a conquista da independência política do Brasil e a complexidade
das relações sociais – e o nascimento de uma pequena burguesia nacional, de forma
agrária, o sistema de ensino brasileiro não perdeu seu caráter de elitista, porque foi
ofertado predominantemente por instituições privadas, e aparecia como uma
necessidade para aquela classe de burgueses que emergia no país. Assim, esse
ensino era reivindicado pelos burgueses que passaram a reconhecer como um
instrumento de ascensão social (NEGREIROS, 2019). Para a autora,

O ensino que essa classe procurava era o mesmo fornecido pela elite
brasileira, um ensino propedêutico, desassociado de qualquer pretensão
profissionalizante, uma vez que o trabalho manual era diretamente associado
ao trabalho escravo e, portanto, considerado degradante e indigno
(NEGREIROS, 2019, p. 91-92).

A partir destas informações históricas sobre o início das iniciativas de educação


no país, apreendemos que o surgimento das instituições formais de ensino, no Brasil,
não possuía um ideário universal de acesso à educação, mas emergiam como uma
demandade formação cultural dos filhos da classe burguesa/dominante, no país. O
acesso da classe trabalhadora, propriamente dita, aos sistemas formais de educação
“só será reconhecido como necessidade para consolidação do modo de produção
capitalista e limitado aos cursos técnicos-profissionalizantes, em detrimento de uma
consolidação de um sistema de educação pública (NEGREIROS, 2019, p. 92-93).
As primeiras instituições de ensino de nível superior – sem o caráter teológico
adviram com o Rei D. João VI, e se constituíam como instituições isoladas, estando
localizadas nos principais centros urbanos do Brasil. Seu ensino era voltado para uma
22

preparação predominantemente militar, administrados pelo Estado e com a finalidade


de atender as chamadas profissões “liberais”. Os primeiros cursos ministrados nesses
institutos foram “Direito, Medicina e Engenharia, e a primeira instituição de nível
superior que teve caráter de universidade foi a Universidade do Rio de Janeiro, em
1920” (NEGREIROS, 2019, p. 93).
Nos estudos da autora, o surgimento e a institucionalização da universidade
brasileira tinham por fundamento os modelos europeus e visavam atender às
necessidades dos profissionais liberais qualificados

Para dar suporte às demandas da Coroa portuguesa no fortalecimento de seu


domínio na colônia brasileira. [...] a tutela exterior se tornou uma forte ameaça
ao processo de institucionalização da universidade brasileira, pois tolheu a
sua liberdade de produção de conhecimento de forma criativa e articulada
com os interesses sociais, associada ao protagonismo radical de seus
intelectuais (FERNANDES, 1985 apud NEGREIROS, 2019, p.93).

Esse movimento estratégico acarretou num processo de “empobrecimento


institucional” (NEGREIROS, 2019, p. 94), porque o conhecimento era direcionado a
um objetivo específico, e assim a produção era imediatista, para atender os interesses
e dar respostas à classe dominante de “uma sociedade escravista e senhorial, cujo
principal objetivo era a reprodução do seu poder” (NEGREIROS, 2019, p. 94). Além
disso, Fernandes (1985) também destaca que as aptidões ensinadas eram gerais e
com o menor nível possível de informações técnico- profissionais, os indivíduos eram
instruídos a um saber limitado e específico, o que acabou por montar uma escola
superior sem papel criativo, porque era

[...] estritamente orientada para servir de elo entre “modernização e


“progresso cultural” no exterior. Sob esse prisma, o eixo de sua atividade
construtiva em tornode uma polarização cultural dependente. Ao concorrer
para organizar e intensificara transplantação cultural sistemática, a “escola
superior” contribuía para diminuir adistância histórica existente entre
Portugal, a Europa e o Brasil. Todavia, divorciavao próprio enriquecimento
paulatino dos conteúdos do ensino superior do pensamento inventivo interno
e da modernização cultural independente (FERNANDES, 1985 apud
NEGREIROS, 2019, p. 95).

Então, a universidade brasileira é um reflexo de uma sociedade estruturada e


adaptada por uma relação de dependência de desenvolvimento (econômico, político,
cultural e financeiro) do modo de produção capitalista, em escala mundial, sobretudo
num papel de subordinação, num caráter dependente e heteronomo necessário para
que o capital cresça cada vez mais nessa ordem societária. Assim, historicamente
houve essa dependência e perpetuação das condições de educação para uma classe
23

– sem o viés universal (FERNANDES, 1985).


Por isso, a luta, as estratégias e propostas para a educação devem ultrapassar
o âmbito das instituições em si, como aponta Fernandes (1985), porque isso não é o
bastante, considerando que as lutas devem estar relacionadas também às condições
de dependência estrutural que marcam a sociedade brasileira em relação ao
capitalismo europeu.
Para tanto, é a partir do século XX que aparecem as primeiras iniciativas por
parte do Estado com o objetivo de promover as políticas educacionais –
apresentando- se como órgão responsável pela educação como um direito social.
Para Saviani (2006), somente com o regime político de República no Brasil foi notado
o debate acerca da construção de um sistema de ensino público, adensados a
questões que agitavam a cena política brasileira naquele período, como “a abolição
da escravatura, a modernização do aparato produtivo no país, a questão republicana
e a qualificação do trabalhador” (NEGREIROS, 2019, p. 96).
Com isso, a implementação de um modelo de ensino estruturado em grupos
escolares, onde havia uma progressivo ensino, do nível menor ao maior, e um rigor
de organização do processo de aprendizagem e a defesa da laicidade educacional
resultou num importante avanço em relação aos sistemas de ensino no Brasil Colônia
e no Brasil Império em um período, caracterizado, sobretudo, pela inexistência de
estrutura física própria e de delimitação dos estágios de graduação dos educandos,
além do predomínio da influência religiosa na delimitação dos componentes
curriculares e mecanismos de avaliação (NEGREIROS, 2019).
Entretanto, esse modelo de educação legitimou as desigualdades de classes e
intensificou um sistema educacional seletivo, que impôs muitas barreiras aos
indivíduos em formação, visto que o padrão de ensino era alto e isso gerou “um alto
padrão de repetência entre os alunos” (NEGREIROS, 2019, p. 98). Com isso, os
espaços tornavam-se cada vez mais seletivos e formativos para a classe burguesa
brasileira.
Após o período do Brasil Colônia, surgiu a ênfase na formação para o trabalho
técnico, que aconteceu no próprio processo de trabalho e por isso não exigiu uma
preparação específica. Mas, esse tipo de formação: foi ministrado,
predominantemente, por instituições de caráter religioso que tinham como principal
objetivo assistir e educar a classe trabalhadora, contribuindo para o processo de
moralização dessa classe e de sua integração social imediata através do trabalho
24

(NEVES; PRONKO, 2008 apud NEGREIROS, 2019, p. 98).


Dada essa questão, a expansão das instituições de ensino no Brasil foi
significativa a partir do processo de industrialização e urbanização do país, porque
exigia-se força de trabalho qualificada para que pudessem atender os requisitos
trazidos com a indústria – determinada nisto a razão socioeconômica para o avanço
do ensino técnico.
Esse período histórico remonta o governo de Getúlio Vargas (1930-1945),
quando o Estado passa a administrar os impasses da relação capital x trabalho, e
possui como consequência disso, as lutas de classe. O período varguista, tratou de
questões de saúde e trabalho, acolheu a burguesia industrial e os seus interesses
para o viés desenvolvimentista nacional que era exigido pelas indústrias, e com a
necessidade de atender às demandas requisitadas, Vargas deu ênfase no trato da
política de educação para preparar os trabalhadores para responder as exigências
das funções especializadas na indústria (FGV, 2021).
Neste momento, algumas medidas foram tomadas por parte do Estado para
responder à questão social14 naquele contexto. Assim, a promulgação da Constituição
de 1934, como uma forma de mediação dos conflitos e reivindicações que surgiram,
respondendo superficialmente questões de educação para os indivíduos. Tais
medidas indicam que a relação trabalho e educação constituiu-se como resposta às
demandas econômicas, políticas e sociais do momento. Além disso, a criação da Lei
Magna com foco no sistema educacional de ensino profissional, a permissão de
ensino por entidades públicas e privadas, as Leis Orgânicas de Ensino que mudaram
as áreas do saber e tiveram como criação o Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI) com foco nesse ensino profissionalizante, no ano de 1942.
Com todas essas mudanças, neste contexto uma determinação se observa: a
divisão social e técnica do trabalho, configurando uma formação para o trabalho
manual e outra para buscar conhecimento e intelectualidade. Esta determinação
incide sobre as políticas educacionais demandando dois tipos de ensino com caráter
classista: um para as indústrias e um tipo distinto voltado para formar as elites que

14
A questão social diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas
na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no
caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o
trabalho -, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos. A questão social
expressa portanto disparidades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por
relações de gênero, caracterísitcas étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa as
relações entre amplos segmentos da sociedade civil e o poder estatal (IAMAMOTO, 2001, p.16-17).
25

assumiriam os postos de trabalho no Mercado e também no aparato estatal (para


elite). Na República Velha, portanto, reproduz-se e aprofunda a dualidade dos projetos
de educação oriundos na colonização do Brasil, e essa dualidade educacional é
intrínseca na sociedade burguesa (CPDOC, 2021).
Houve um impulso nacionalista ao desenvolvimento principalmente pela
criação de institutos e instituições de administração do ensino superior brasileiro.
Várias agências públicas e instituições de fomento foram criadas nesse período, como
exemplos: o Banco Nacional de Desenvolvimento (atual BNDES), o Conselho
Nacional de Pesquisa (CNPq) que atualmente é o órgão responsável pelo
financiamento da maioria dos projetos voltados à política de educação, também foi
criada a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, atual
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) como uma
fundação vinculada ao Ministério da Educação (MEC).
Neste momento a educação básica passa a constar no discurso governamental
como um “direito social”. No entanto, algumas características sobressaem: denotando
o caráter conservador da perspectiva da educação, a participação das empresas e a
possibilidade de que a família seja um agente promotor de educação. Em síntese,
tratava da garantia do ensino primário e a isenção para as empresas. Importante
trazermos aqui alguns elementos da Constituição de 1934 – que nos apresentam
questionamentos, mas também nos delimitam como muitas prerrogativas utilizadas na
contemporaneidade da educação possuem embasamento histórico e legal. A exemplo
disso, O título IV da ordem econômico social, em seu artigo 138º fala de uma
“Educação eugênica”. Essa configuração significa um incentivo de práticas de
melhoria física, funcionava como uma ação que possibilitasse aos indivíduos se
conscientizarem a não realizar matrimônio, por exemplo, entre raças e classes sociais
distintas, porque isso afetava diretamente a estrutura social brasileira e seu
funcionamento. Além deste artigo, importante destacarmos também o Art º 149:

A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos


Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a
estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores
da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a
consciência da solidariedade humana (CF, 1934).

Na citação do referido artigo, podemos analisar que a educação é colocada


como direito de todos, mas não como um dever do Estado. E sim pelos poderes
públicos, não especificando qual deles tem a responsabilidade de mantê-la enquanto
26

um direito de todos. Também menciona um tipo de educação que demonstre


resultados na vida moral e econômico, para desenvolver um espírito brasileiro e de
solidariedade, o que de certo modo, retira a formação crítica e inovadora de
conhecimento.
No parágrafo único – o Plano Nacional de Educação (2014) constante de Lei
Federal, nos termos dos arts. 5º, nº XIV, e 39, nº 8, letras a e e, menciona que só
poderá renovar em prazos determinados e obedecendo as seguintes regras:

Ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória extensivo aos


adultos; b) tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, a
fim de o tornar mais acessível; d) ensino, nos estabelecimentos particulares,
ministrado no idioma pátrio, salvo o de línguas estrangeiras; e) limitação da
matrícula à capacidade didática do estabelecimento e seleção por meio de
provas de inteligência e aproveitamento, ou por processos objetivos
apropriados à finalidade do curso (CF, 1934).

Desta citação, podemos afirmar que a Constituição Federal de 1934 tinha um


fundamento restritivo, limitado, mas que já objetivava interesses e respostas às
classes burguesas daquela época e momento histórico. Porque, no interior de seus
artigos demonstra o importante papel do empresariado para a educação e os limites
e pré-requisitos para que ela fosse realizada. No momento em que fala de uma
“tendência à gratuitadade do ensino” explica que não era uma condição a educação
torna- se direito, por isso, assim não o definiu. Também já apresentava em seu artigo
nº 154: “Os estabelecimentos particulares de educação, gratuita, primária ou
educacional, oficialmente considerados idôneos, serão isentos de qualquer tributo”
(CF, 1934).
Neste sentido, compreende-se que a isenção fiscal que as empresas e grupos
educacionais possuem não são recentes no curso da história brasileira, mas que esse
“benefício” já estava presente nas proposições legais anteriores. No momento de
impulso desenvolvimentista, também foram criados importantes instituições/órgãos
que possuem vigência em nossa sociedade, como exemplo disso:

Tanto a criação do Ministério da Educação e Saúde quanto do Estatuto das


Universidades foram fundamentais na consolidação do ensino superior
brasileiro. O Estatuto das Universidades foi o marco legal que passou a
adotar a universidade como modelo por excelência para a organização
didático- administrativa do ensino superior (NEVES; PRONKO, 2008 apud
NEGREIROS, 2019, p. 99).

Diante da necessidade e urgência de profissionais qualificados, com esse


cenário de desenvolvimento urbano e industrial, houve a expansão de escolas
27

técnicas para que a formação fosse precisar, objetiva e atendesse os interesses da


classe burguesa destinados à formação direta e imediata da força de trabalho que se
incorporava à crescente vida urbano-industrial do país. Isso acabou por fortalecer as
alianças entre Estado e Burguesia. Portanto, a aliança criada entre o empresariado e
a igreja, no tocante a promoção de medidas educacionais e pela criação de
instituições é histórica, como pudemos observar. E que todas as medidas tomadas
até então, tiveram finalidades que beneficiaram a classe burguesa.
Nas análises de Negreiros (2019) isso aparece como um “dualismo arraigado
no sistema educacional brasileiro, caracterizado pela distinção entre um ensino
propedêutico e científico para as frações superiores da classe média e para a
burguesia nacional – efetivado através das instituições privadas, vinculadas ou não
com a igreja, o que facilitava o acesso desses segmentos sociais ao Ensino Superior;
e o provimento de um ensino técnico/profissionalizante para a classe trabalhadora e
para frações inferiores da classe média – mediante inserção dessa fração
populacional nas redes de ensino públicas, nos cursos oferecidos pelo ramo
tecnológico ou nos sistemas deformação gerenciados pelo empresariado (NEVES;
PRONKO, 2008 apud NEGREIROS, 2019).
Certamente, as desigualdades ao longo da história entre educação dos países
de capitalismo central e países dependentes como o Brasil são notórias. A educação
em países dependentes e centrais é distinta. Existe neste movimento um tipo de
educação para a classe trabalhadora e outro para classe detentora dos meios de
produção, numa relação de dependência, reproduzindo aqui as demandas
educacionais que são preconizadas fora do país. Vindo daí o caráter heterônomo da
educação brasileira.
Partindo das tendências de tornar a Educação Superior como as que são
oriundas dos países de capitalismo central e dos projetos econômicos em curso,
percebemos como resultado as propostas de reformulação nos projetos de ensino
para adequar ao capitalismo central. Existe, assim, um fortalecimento em defesa da
educação como um campo estratégico para o desenvolvimento do Brasil, com adoção
de diversas medidas que visam reestruturar totalmente o sistema de educação
brasileiro, adequando-o às necessidades do capital (NEGREIROS, 2019).
É inegável que o regime ditatorial impulsionou o desenvolvimentismo. Para
análise, devemos ter clareza do que significou o governo ditatorial (1964) e de como
a reorganização da política educacional, nesse período, foi funcional ao capitalismo
28

vigente. Aconteceu um movimento de modernização das universidades, atendendo


aos interesses de expansão e qualificação da força de trabalho que seria formada,
estando totalmenterelacionada com os organismos externos, e também internos, na
medida em que alinhava os interesses do projeto político e ideológico dos países
centrais, conforme nos mostra Silva (2016), na época da ditadura:

Na expectativa de atrair recursos nos mais diferentes âmbitos do setor


educacional, diversos acordos financeiros foram assinados, tais como o de
cooperação técnica e financiamento junto à USAID (United States Agengy for
International Devepolment), comoo apoio de outras instituições, tais como a
Fundacao Rockefeller, Fundacao Ford, Banco Mundial e Banco
Interamericano de Desenvolvimento (SILVA, 2016, p. 465).

Dessa forma, o tema de financiamento da educação era um verdadeiro desafio,


e assim o governo Militar discursava sobre a necessidade de qualificar os indivíduos
para melhorar a força de trabalho do país, mas a crise econômica afetava essa
capacidade de maior investimento na educação e na sua estrutura (SILVA, 2016).
Buscava-se, então, uma modernização conservadora da educação, ao passo
em que a educação superior e o desenvolvimento do capitalismo estavam associados,
pois como nos explica Silva (2016), “a concepção de educação por detrás da
modernização é pautada pela “teoria do capital humano”. Essa noção “[...] tenta
estabelecer relação direta, imediata e mesmo de subordinação da educação à
produção” (GERMANO, 1990, p. 112).
Entendemos, portanto, que a educação no contexto militar consistiu na
racionalização dos custos com o sistema educacional e a imediata preparação dos
indivíduos para o mercado de trabalho, aliado a isso, segundo Silva (2016), “Havia o
descumprimento com o financiamento da educação pública e gratuita, negando, na
prática, o discurso de valorização da educação escolar e concorrendo decisivamente
para a privatização do ensino” (GERMANO, 1990, p. 144 apud SILVA, 2016).
Mas os efeitos da ditadura nesta política perpassaram também do acesso
permanência no ensino, onde a inserção nas salas de aulas era mais escassa. Pois
foi um período também de esvaziamento de ensino, causados por circunstâncias
diversas, como por exemplo, o medo de sair de casa, a falta de acesso a serviços
básicos e outros fatores. Afinal, quando tratamos de educação também estamos nos
referindo à cultura, saúde, política e economia (NETTO, 2005).
Com a aprovação da Reforma Universitária, em 1968, conforme a Lei nº 5.540
o Ensino Superior foi reorientado em sua estrutura. Nesse projeto educacional, a
29

educação é um fator primordial para o desenvolvimento econômico e de integração


nacional, possuindo um papel de “modeladora” do que viria a ser o país, buscando
saídas para racionalizar e modernizar a nação, a fim de gerar progresso (FÁVERO,
1968). No documento da reforma, a reorganização de sua estrutura apresentava-se
pelos elementos dos artigos

Art. 1º O ensino superior tem por objetivo a pesquisa, o desenvolvimento das


ciências, letras e artes e a formação de profissionais de nível universitário.
Art. 2º O ensino superior, indissociável da pesquisa, será ministrado em
universidades e, excepcionalmente, em estabelecimentos isolados,
organizados como instituições de direito público ou privado. Art. 3º As
universidades gozarão de autonomia didático-científica, disciplinar,
administrativa e financeira, que será exercida na forma da lei e dos seus
estatutos (BRASIL, 1968, p. 1).

Nessas citações, apresentava-se uma nova forma de Ensino Superior, em que


num período pós ditadura, mostrava-se como um “avanço”, porque defendia um
ensino indissociável da pesquisa, definindo a universidade como o principal tipo de
organização, diferindo dos blocos de instituições que existiam anteriormente, com
cursos específicos, a universidade englobaria todas essas unidades. No entanto, no
Art. 15º, definia que

Farão parte do Conselho de Curadores, na proporção de um têrço dêste,


elementos estranhos ao corpo docente e ao discente da universidade ou
estabelecimento isolado, entre os quais representantes da indústria, devendo
o respectivo estatuto ou regimento dispor sôbre sua escolha, mandato e
atribuições na esfera de sua competência (BRASIL, 1968, p. 2).

Isso denota que se poderiam haver empresários fazendo parte do Conselho e


atuando enquanto Curadores da Educação, mostrava que ainda com essa reforma, o
capitalismo monopolista precisava da força de trabalho e como a educação é
fundamental nesse processo, uma vez que a força de trabalho também vinha das
universidades, seu papel nas interferências educacionais e decisórias é determinante.
Ampliou-se o surgimento dos cursos de pós-graduação, para fins de melhor e
de forma mais abrangente desenvolver a pesquisa cientifica – mas com o objetivo de
promover a modernização conservadora brasileira 15. Esse processo, durante o
modelo econômico desenvolvimentista pretendia garantir o alto padrão de rendimento
dos sistemas educacionais brasileiros, “tanto em relação à elevação dos índices de

15
Modernização conservadora é o que Netto (2005) vai chamar do momento em que a modernização
e a reestruturação de relações de produção tradicionais são apresentadas numa ótica de nova
roupagem, quando na verdade trata da intensificação das relações de exploração da força de trabalho.
30

escolaridade quanto a maior absorção do conhecimento técnico-científico produzidos,


sobretudo, pelos países europeus” (NEGREIROS, 2019, p. 109).
Mas essas condições de desenvolvimento não pretendiam e nem se
articulavam às necessidades da classe trabalhadora daquela época, mas sim ao
fortalecimento da “heteronomia”16 econômica e cultural do país aos interesses dos
setores dominantes (locais e internacionais” (NEGREIROS, 2019, p. 109). É
importante ainda, segundo a autora, observarmos que a expansão dos sistemas de
ensino público na histórica de formação brasileira, a classe trabalhadora não possuía
fácil acesso ao ensino superior, na visão deste projeto de país (militar e capitalismo
monopolista) a classe trabalhadora deveria ser formada para o mundo do trabalho
fabril desde a infância. Isso obstaculiza sua via de acesso aos níveis superiores de
ensino. Após o período da reforma da educação, abriram-se foronteiras da
privatização do ensino, com o surgimento de cursos privados e o financiamento
público para instituições privadas do ensino superior. Portanto, esse período houve
em conclusão uma maior atenção ao ensino universitário sob controle estatal, abertura
ao Capital privado, primazia das áreas tecnologicas e a universidade elitizada
(tendência histórica).
Neste período de1960 até a década de 1980 não há sucateamento do ensino
superior, mas um enquadramento cultural da universidade ao projeto monopolista em
curso durante a vigência do regime. A universidade produziu ciência, força de trabalho
para a sociedade e para cargos na burocracia estatal sob a ótica da modernização
conservadora. Se conforma nesse momento histórico, em suma, um padrão de
dependência que não foi alterado às organizações internacionais. Para Negreiros
(2019),
Diante dessas reflexões, podemos apreender as principais tendências que
fomentam as políticas educacionais brasileiras ao longo do seu
desenvolvimento histórico. A partir da análise sobre as décadas 1980/1990,
constatamos que essas tendências se articularam na nova dinâmica
societária, desencadeada a partir do processo de reestruturação produtiva e
das investidas do ideário neoliberal no campo educacional. Esses fatores
suscitaram um novo cenário no campo educacional do país (NEGREIROS,
2019, p. 110).

É importante o debate sobre a formação econômica, política e social do Brasil


para apreendermos a atual organização da sociedade e as formas como a educação
é entendida e reproduzida. Somos, historicamente, uma nação e sociedade marcada

16
Dependência que marca a história da educação superior brasileiras aos países europeus.
31

pela desigualdade social, regional, política e econômica. Ao longo da formação


educacional brasileira, muitos atores travaram lutas em sua defesa, com o
protagonismo da classe trabalhadora no enfrentamento e reivindicações por melhores
condições de vida. Ademais, o desenvolvimento econômico do país, o crescimento
expansivo dos centros urbanos e indústrias, a formação de uma classe média urbana
assim como a do proletariado industrial provocou duras mudanças no sistema
econômico do capitalismo.
Como nos aponta Fernandes (2006), os anos que compreenderam o
desenvolvimento nacional centrado na industrialização, conhecido como período
desenvolvimentista, foi repleto de mudanças. Dentre essas, ocorreu a organização
dos trabalhadores em prol de melhores condições de vida e trabalho diante a sua
expropriação do campo para os grandes centros urbanos. Então esse salto à
industrialização permitiu que o centro dinâmico da economia para o mercado interno
aumentasse, uma vez que agora tudo estava baseado nos processos industriais.
Ainda nesse período, a população do campo deixou de representar a maior
parcelados indivíduos, porque mudaram-se efetivamente para área urbana, em face
das modificações econômicas que aconteceram com a industrialização e
desenvolvimentismo. Portanto, nesse moderado espírito “modernizador”, que muito
mais circunscrevia a modernização ao âmbito empresarial e às condições imediatas
da atividade econômico ou do seu crescimento, complexificando as relações entre
capital e trabalho, e tornando os antagonismos de classe ainda mais visíveis, que ia-
se formando o proletariado brasileiro.
Com o desenvolvimento do modo de produção capitalista, a institucionalização
dos processos de produção através da atuação concomitante ao Estado foi primordial
para legitimar, consolidar e padronizar a escolarização das massas, atingindo as
necessidades de produção e reprodução das relações e modo operante do
capitalismo (NEGREIROS, 2019). Dessa forma, podemos perceber que as práticas
educativas não foram e não são estáticas, tampouco padronizadas, desde suas
primeiras formas houve um redirecionamento e as adaptações necessárias a cada
contexto histórico para o domínio do capitalismo.
32

2.1 LUTAS SOCIAIS POR EDUCAÇÃO E CONTRADIÇÕES NO PÓS-


DEMOCRATIZAÇÃO

Após realizarmos uma recuperação historica das bases de fundamentação da


educação brasileira particularizamos as tendências da Educação Superior pós
redemocratização. Estas análises incidem na relação entre educação superior e as
transformações na economia, na política e na sociedade brasileira. Conforme
tratamos anteriormente partimos do pressuposto que a educação no Brasil apresenta
traços como heteronomia, dualismo, as quais reforçam desigualdades sociais. Nesse
sentido, podemos nos indagar em que medida esses traços se verificam na educação
superior.
A análise dos pós redemocratização está ligada ao período no qual o
capitalismo monopolista se consolida no país, tendo em vista as medidas
implementadas ao longo do regime autocrático que vigora entre 1964 e 1984. Neste
período a educação superior assume papel de motor de desenvolvimento e formadora
de força de trabalho para o mercado.
Assim, decorrendo nossa discussão, sabemos que a partir da década de 1980,
surgiram estratégias para o “disciplinamento da força de trabalho, de modo a adequá-
las a uma conjuntura na qual o acelerado processo de destruição e reconstrução de
habilidades se torna fundamental para as novas demandas de acumulação capitalista”
(NEGREIROS, 2019, p. 29). Ao passo dessas transformações societárias, os
indivíduos são condicionados a buscaram sua formação técnica para se qualificarem
para o trabalho. A partir desse contexto, ocorre uma expansão de instituições de
ensino superior privadas como uma estratégia de mercado, quando vê a necessidade
que os trabalhadores possuem de se formar e utilizam da exigência da força de
trabalho qualificada uma estratégia e consequentemente um negócio rentável.
Segundo Fernandes (2020), o momento em que foram apresentados números
altamente relevantes de matrículas no ensino superior, subindo de 300 mil
matriculados, em 1970, para 1,5 milhão, em 1980, foi mostrado um crescimento
exponencial, dado “basicamente” pela mudança estrutural no processo produtivo, em
consequência da crescente industrialização do país, do processo intenso de êxodo
rural, culminando na concentração urbana. As exigências para a formação de força
de trabalho industrial qualificada, influenciaram diretamente no aumento desse
número de vagas nas universidades, que conseguiu se materializar a partir da
33

aprovação de novos recursos possibilitados via Estado, somado aos movimentos e


reivindicações estudantis nesse período. Como marco histórico daquela década,
houve a instituição da chamada “Constituição Cidadã”, onde além de contribuir na
política de educação, a constituição de 1988 também se tornou um ganho para outras
políticas sociais do país, como aquelas relacionadas a saúde, a assistência e outros.
A conquista de direitos no âmbito da sociabilidade capitalista ocorre através da
relação dialética entre reivindicações da classe trabalhadora e o contexto
socioeconômico e político que as viabilizem, na medida em que existem muitas
repressões quando da luta e busca por melhorias de vida. O aparato da força e
repressão estatal se sobressaem. Nesse caminho, o reconhecimento pelo ensino
superior no Brasil ocorreu de forma gradativa, e com muitas lutas. O principal
movimento de organização coletiva estudantil em torno da bandeira de educação
pública, e também na disputa da luta de classes, enquanto unidade representativa na
construção de categorias estudantis, foi a UNE. Criada em 1938, enquanto entidade
de máxima representação estudantil, tem por objetivo a luta por melhores condições
no âmbito educacional e sua atuação é histórica à formação da educação no Brasil. A
UNE esteve presente na campanha “o petróleo é nosso” na década de 1940, período
em que prevalecia o Governo Vargas. Outro momento importante para observar o
papel do movimento estudantil foi na época da crise da ditadura civil-militar em que os
estudantes estiveram presentes nas lutas pela redemocratização (1978/1979) e pelas
“Diretas Já”, que ocorreu entre 1983 e 1984 em prol das eleições para presidente da
República; na mobilização “Caras Pintadas” que reivindicava o impeachment do
presidente Collor (em 1992). Então, assim, podemos perceber que antes e posterior
à Constituição de 1988 a jovem classe trabalhadora lutava por direitos sociais e
também se organizava coletivamente (CPDOC, 2021).
Do mesmo lado da luta, mas em outra categoria, esteve a classe Docente
também defendendo a educação. O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições
de Ensino Superior (ANDES-SN) é um sindicato brasileiro, com sede em Brasília (DF)
e seções sindicais nos locais de trabalho, que representa professores de ensino
superior e ensino básico, técnico e tecnológico no país- Ainda sob a pressão do regime
empresarial-militar (1964-1985), o ANDES-SN preocupou-se em não apartar o
trabalho acadêmico da realidade social, vinculando, na prática, a luta dos docentes às
lutas de outros trabalhadores. Essa postura introduziu no cotidiano docente um pensar
articulado da realidade social que, pela sua importância, instituiu espaços destinados
34

à discussão da questão da terra, classe, etnia e gênero, para além de questões ligadas
à educação, à ciência e tecnologia, ao sindicalismo e à própria organização dos
professores.
No entanto, conforme nos explica Florestan Fernandes (2020), aquela rápida
ampliação de matrículas não alterou substancialmente o acesso da classe
trabalhadora ao ensino superior. Isso significa dizer que a parte dinâmica e vital do
sistema capitalista de ensino nada mais representa do que um fim essencial de
alimentar um pequeno polo privilegiado, que poderá ter acesso à educação superior,
dando justificativa e sentido pedagógico ao que Florestan chama de pirâmide da
educação. Nessa pirâmide, podemos refletir algumas questões que nos fazem
enxergar vários problemas em relação ao ensino superior, principalmente aqueles
relacionados à organização, expansão e aproveitamentodo ensino superior. Conforme
nos explica Florestan (2020), em primeiro lugar aparecem as questões quantitativas,
quando analisamos que a proporção de pessoas com formação superior é mínima.
Em segundo lugar estão os problemas de natureza pedagógica, quando “em virtude
da predominância dos interesses econômicos, sociais e políticos de elites culturais
ralas e egoístas, o ensino superior foi praticamente confinado à função de preparar
profissionais liberais” (FERNANDES, 2020, p. 87).
Se tradicionalmente o sistema educacional superior brasileiro foi tratado como
excludente, entendemos que ele irá refletir as desigualdades sociais, econômicas,
culturaise políticas do país. Enfim, essas análises nos sugerem que o ensino superior
que fora constituído numa base elitista e que vem se perpetuando através de
tendências postas ao regime de acumulação flexível e seus resultados no campo das
políticas sociais – sobretudo, a política de educação enquanto foco de nosso estudo.
Diante do cenário de crise econômica e da necessidade do capital de investir
em novos polos de acumulação, ampliando a disseminação político-ideológica dos
conceitos neoliberais, houve uma redefinição na atuação do Estado perante a
promoção das políticas educacionais, no final do século XX e com muita força nesse
período da história.

Se, durante o predomínio da política econômica do keynesiano-fordista, a


intervenção estatal no campo educacional foi central para garantir ao capital
a qualificação da força de trabalho necessária à expansão e reprodução
capitalista, no período de hegemonia neoliberal, o processo de formação
profissional passa aser redirecionado às instituições privadas (NEGREIROS,
2019, p. 137)
35

Nas indicações de Sguissard (2009), os diagnósticos e prognósticos da


Educação Superior no Brasil são totalmente influenciados pelos organismos
multilaterais, isolados ou reunidos, ora, quando são vislumbradas as possbilidades de
crise do Estado do Bem-estar, é preciso alcançar soluções que atendam os ditames
das políticas macroeconômicas e objetivem a reforma do Estado e a reestruturação
da produção capitalista. Ainda para o autor, essas “soluções, que, muito mais do que
nos países cêntricos, “devem” ser implementadas nos países periféricos como o Chile,
Argentina, Brasil e outros” (NEGREIROS, 2019, p. 16).
Sabido isso, a tendência no Brasil de privatização do ensino superior é
alarmante, principalmente porque engloba a tendência de um conjunto de diretrizes e
recomendações desses organismos internacionais, que orientam os Estados a
operarem e adequarem suas funções e ações diante o cenário da crise econômica,
sobretudo em países de capitalismo periférico, como é o caso brasileiro. Assim, são
enfrentadas fortes tensões sociais, políticas e econômicas diante do endividamento
do Brasil em relação as instituições financeiras internacionais, como diz Negreiros
(2019), “entre elas o próprio BM e FMI” (p. 137). Entre as principais orientações
impostas por esses organismos multilaterais estão a adoção de ajustes fiscais a fim
de garantir o “reequilíbrio das contas públicas, o pagamento da dívida externa e a
promoção de políticas focalizadas de alívio à pobreza” (NEGREIROS, 2019, p. 138).
Para entendermos melhor o porquê de acatar às orientações internacionais,
devemos ter em mente a seguinte preposição: as instituições financeiras utilizam
como argumento a defesa da privatização dos sistemas de educação superior pela
ausência de recursos advindos do Estado, ao nível do discurso, os argumentos
utilizados são que não dispõem de condições suficientes para manter o ensino,
portanto, o foco se tornar na adoção de estratégias de financiamento e gestão das
políticas educacionais em nível privado. Evidencia-se que:

Dentre as principais orientações disseminadas e incorporadas pelos Estados,


sob orientação neoliberal, podemos destacar: a expansão das instituiçõesde
ensino (da formação básica à superior) privadas com fins lucrativos e/ou
filantrópicas, estimulada, inclusive, por investimentos de recursos públicos
através, por exemplo, de medidas como a concessão de bolsas e a isenção
de impostos a essas instituições; o investimento de capital privado em
universidades públicas, mediante promoção de parcerias entre empresas e
universidades para o desenvolvimento de pesquisas; e a cobrança de
mensalidades em universidades públicas (SILVA, 2007 apud NEGREIROS,
2019, p. 138).

Essa citação nos leva a concluir que há uma perspectiva que justifica e estimula
36

a inserção cada vez maior de instituições privadas na educação em todos os níveis,


com estímulo público invertendo a tendência de Estado como provedor de educação
passando para o mercado.
Portanto para paises de capitalismo dependente propoem-se um modelo no
qual a educação transita da esfera pública para esfera privada. Nas políticas de
educação superior, existe uma ampla defesa por uma diversificação das fontes de
financiamento e das modalidades de ensino. Para Negreiros (2019), essas
modalidades acatam a utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação como
principal medida e estratégia de “democratizar” o acesso à educação e o aumento dos
índices de escolarização nos países periféricos.
Essas TICs, portanto, são predominantemente utilizadas pelo EAD, modalidade
a qual se defende o ensino à distância como capaz de proporcionar acesso a
estudantes de baixa renda às IES, também apresentando-se como um modelo
compatível com a todos os indivíduos e ainda possuindo um baixo investimento de
recursos públicos brasileiros.
É evidente o interesse do mercado privado para abertura de novas fontes de
financiamento no âmbito da educação superior, e por isso a ideologia disseminada
defende que é imprescindível para democratizar o acesso à educação por parte de
toda sociedade, pois seria mais acessível e mais universal e ao desenvolvimento de
pesquisas científicas.
Em tal contexto observamos o surgimento de uma outra tendência: a ideologia
empreendedora na educação. A ampliação da presença do mercado na proposição
de políticas educacionais se observa não apenas quando as empresas de educação
se lançam no mercado de ações, mas também trazendo para o conteúdo educacional
a noção de empreendedorismo, que trata de uma forma de encontrar “oportunidades”
de se autopromover e financiar, com o discurso de ser seu próprio empresário. Nos
vários níveis de ensino observamos conteúdos e disciplinas de empreededorismo na
educação infantil, no ensino médio e superior. Na pesquisa por nós realizada, foi
perceptível essa tendência quando na forma de incluir atitudes empreendedoras entre
os indivíduos, para que desenvolvam habilidades de executivos e autônomos. Dessa
forma, a educação superior passa a ser apropriada pelo capital financeiro e a
mercantilização e privatização do seu funcionamento são o maior desafio
contemporâneo àqueles que lutam pelo projeto de educação como um direito social.
O projeto do capital avança sobre a educação pública estigmatizando-a como
37

ineficiente e insuficiente, também a definindo com descredibilidade de capacidade


educativa das instituições públicas de ensino, rotuladas como péssimas em
infraestrutura e seus métodos de ensino como atrasados e monótonos. Argumentos
como estes são respaldados por um processo de avaliação que segundo Foster
(2013), analisam as instituições de ensino a partir de padrões de eficiência e de
qualidade empresariais, como se as instituições educacionais fossem empresas.
Também apontam o problema da má gestão estatal, o mal uso dos recursos públicos,
a falta de estrutura adequado e a ausência de profissionais qualificados.
Os grupos “pro mercado” indicam que a educação pública é de uma má gestão
escolar, o que não acontece pelos grupos privados, segundo seus argumentos de
gestão e organização. Isso reforça uma visão que contribui para a “deterioração da
educação pública e da degradação das condições de trabalho dos profissionais da
área, em virtude da redução dos recursos estatais para a educação” (NEGREIROS,
2019, p. 141)
Outra tendência nos sistemas de ensino público é a gestão e controle do
trabalho pedagógico, como uma forma de controlar os recursos e alcançar metas
seguindo princípios de eficiência e efetividade, conforme diz Negreiros (2019). Isso é
corriqueiramente visto nas próprias do novo ensino médio, por exemplo, com a
readequação do ensino, colocando em práticas apenas conteúdos e matérias
consideradas “prioritárias” para as demandas do mercado de trabalho. Com essa
tendênciahá também um maior controle sobre a atuação docente, e monitoramento
do “desempenho discente e da aplicação de sistemas de avaliação orientados por
uma perspectiva técnica e burocrática de política educacional” (NEGREIROS, 2019,
p. 142).
Apreendendo esse processo, vimos que as políticas de educação no Brasil,
principalmente às de ensino superior, foram pensadas e possuem uma continuidade
histórica nesta perspectiva, visto que se adequam a atender as demandas da classe
burguesa e não as reais necessidades educacionais da classe trabalhadora. Como
mencionamos anteriormente, os anos 1980 marcado por lutas e movimentos sociais
tem como resultado a pomulgação da constituição de 1988, que foi essencial para o
país, reconheceu muitos direitos sociais, inclusive o direito à educação, mas que não
foram plenamente efetivados como políticas públicas diante os marcos hegemônicos
de capital financeiro.
Com a justificativa do pagamento da dívida externa e de controle inflacionário,
38

são adotadas diversas medidas pelo Estado brasileiro que deslegitimam os direitos
sociais garantidos na constituição. A educação superior é um exemplo claro dessa
relação. Uma vez que, evidencia-se a expansão das instituições de ensino superior
pirvadas, fazendo com que estas se beneficiem, quando “através da transmutação
dos direitos em serviços privados, mercantilizáveis” (NEGREIROS, 2019, p. 147).
Para tanto, torna-se visível que as necessidades sociais dos indivíduos para
sua autorreprodução são atendidas, em todos as esferas sociais, pela sua mediação
com o mercado. E nesta relação, ocorre o sucateamento dos serviços para
atendimento da demanda populacional. A partir da década de 1990, foram legitimados
outros marcos regulatórios para educação superior – mas que materializam,
sobretudo, os interesses políticos do capital, quando entram em disputa com o campo
da educação.
Destacamos, portanto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Plano
Nacional da Educação que expressam a consolidação de um projeto burguês de
educação, quando também são instituídas medidas de financiamento estudantil, como
o Fundo de Financiamento Estudantil - FIES, o reconhecimento da Educação À
Distância - EAD na Lei de Diretrizes e Bases Orçamentárias (LDB) e a sua
regulamentação posterior. Embora de um lado aparente que a Educação Superior
Pública está em expansão, na verdade nesse período há fortemente uma
intensificação da privatização desse nível de ensino tanto de forma interna quanto
externa. Assim, a universidade pública vai se distanciando cada vez mais da classe
trabalhadora, visto a ausência de recursos para sua manutenção, seja pela sua
infraestrutura quanto pelos investimentos direcionadas à pesquisa – motor das
universidades.
Com o reconhecimento da Educação à Distância, foram importadas tecnologias
para sua manutenção, - na década de 1990 e continuou nos anos 2000, durante o
governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011). Os direitos sociais continuamente
foram utilizados em razão da “expansão” do ensino superior. Defendia-se a
necessidade de promover maior acesso e democratização para os estudantes, isso
perdurou também no governo de Dilma Roussef (2011-2016). Neste momento,
delimitamos nosso marco temporal do trabalho, porque nossa análise se amplia deste
período até a vigência do governo neoliberal de Jair Bolsonaro (2019-2022).
Assim, o governo do PT implementou muitas ações voltadas à democratização
do acesso e de garantia da permanência dos estudantes nas instituições de ensino –
39

como processo de permanência, enfatizamos aqui a PNAES, criado em 2010, que


visava evitar a evasão escolar dos estudantes no ensino superior. Durante o governo
do PT foram criados muitos programas voltados ao ensino superior, dentre os
principais estão: O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais/REUNI; o Programa Universidade para Todos - PROUNI; o
FIES. Todos esses programas com a prerrogativa de expansão do ensino superior no
Brasil (NEGREIROS, 2019).
Os objetivos do FIES e PROUNI estavam voltados a garantir o preenchimento
das vagas ociosas nas IES privadas. Mas um ponto que precisamos enfatizar em
nossa análise é que toda essa expansão é predominantemente no setor privado, como
mostra Negreiros (2019), este setor é “responsável pelo crescimento de 78,9% das
matrículas nesse período – contra 21,1% do crescimento total das IES públicas”
(NEGREIROS, 2019, p. 153).
Para tanto, isso ocorreu porque houve um fortalecimento de corporações
privadas ao setor da educação através do financiamento público, o que acaba por
conformar o domínio burguês nacional e internacional na educação brasileira. Como
exemplo disso, a autora destaca a expansão do grupo Kroton17. Assim, os cursos EAD
das instituições privadas foram os responsáveis pela maior parte das matrículas no
ensino superior brasileiro, e isso acaba por reafirmar um discurso que este tipo de
ensino é cada vez mais eficiente. Embora nessa modalidade de ensino, que exige
flexibilidade para conciliar, por exemplo, com o emprego, e essencialmente no caso
das mulheres, com o ser “dona de casa”, é uma tarefa a se criticar e não elencar
vantagens.
A expansão dos cursos de graduação na modalidade EaD no Brasil é
justificada pelo argumento de que a incorporação dos recursos tecnológicos,
em substituiçãoaos modelos de ensino tradicionais, é suficiente para superar
o atraso educacional e a promoção da “inclusão digital” junto à classe
trabalhadora brasileira. O enfrentamento das desigualdades educacionais
não tem como problematização central as desigualdades sociais e culturais
estruturais inerentes à sociedade de classes e, como estas, repercutem no
acesso aos sistemas de ensino (NEGREIROS, 2019, p. 157).

Destarte, o uso da tecnologia tem sido intensificado em nossa sociedade. E

17
Grupo Kroton é o maior grupo privado educacional. Embora a empresa recentemente venha
utilizando a marca Cogna Educação, oficialmente seu nome permanece registrado como Kroton
Educacional S.A. A Kroton é o maior grupo educacional do Brasil, de acordo com o ranking da Revista
Valor publicado no ano de 2019. Ela se destaca pela abrangência nacional e pela atuação multivariada
que abarca todos os níveis de Ensino (da Educação Infantil ao Ensino Superior) assim como a produção
de material didático, elaboração de métodos pedagógicos e plataformas virtuais de ensino
(TRICONTINENTAL, 2020, p. 9).
40

isso se torna uma estratégia ideológica de convencimento de que a utilização das


tecnologias é uma forma de superar o “atraso” da educação superior no Brasil em
razão de outros países.
As medidas que vem sendo adotadas no âmbito da política de educação no
Brasil se constituem como fortes estratégias ideológicas face ao setor de disputa entre
o campo público e privado da educação. Para isso, o papel ideológico é de tentar
estabelecer um consenso entre classes antagônicas 18 através de um discurso de que
estão proporicionando oportunidades e expandido os espaços de educação. Assim, o
senso comum observa a expansão das instituições privadas de ensino como algo
importante para o desenvolvimento nacional do país e os agentes de mercado veem
na perspectiva de ampliação do mercado financeiro ou de trabalho que está abrindo
nichos de mercado. A verdade é que a educação privada concebe a educação como
mercadoria e não como um direito social. As políticas educacionais tais como do
REUNI, PROUNI e FIES resultaram em um maior acesso da classe trabalhadora ao
Ensino Superior, mas sob condições de consumidores/clientes. isso ocorre em um
periodo de expansão da economia brasileira sob os ciclos petistas (2003-2016), mas
as mudanças após esse período alteram o cenário. Mesmo ampliando o acesso ao
Ensino Superior pelas classes populares/trabalhadoras essas medidas não se
constituem garantias de permanência neste tipo de ensino.
Acontece que esse crescimento também acarretou numa compreensão da
educação como um bem público não estatal, o que revela uma continuidade histórica
de contrarreforma da educação superior e uma estratégia econômica e política. Ao
passo em que vão se ampliando as instituições privadas de ensino superior, e os
indivíduos vão buscando políticas para sua formação, vai-se perdendo a compreensão
e importância das IES públicas no Brasil. Ocorre um processo de naturalização do
ensino privado, na qual a educação deixa de ser compreendida como uma política
pública e acaba por diminuir a fronteira existente entre o público e o privado.
Como apontam nos dados anteriores, o ensino superior privado e
principalmente em sua modalidade de ensino à distância (EAD) é predominante.
Apresenta-se como um processo/oferta de ensino como um objeto dotado de valor,
isto é, uma mercadoria. E esses aspectos, aliados à imediaticidade e rapidez na
prestação dos serviços, se dão por estratégias digitais, que estão totalmente

18
Classe trabalhadora e classe burguesa.
41

encaixadas nas análises de Fernandes (2020) quando: “a aparência quantitativa


demonstrada em todos os aparatos midiáticos nos fazem entender a expansão do
acesso ao ensino superior, mas não explica a forma de acesso, isto é, por qual via de
ensino – público ou privado. Na verdade, o que os dados quantitativos demonstram é
o que consideramos de “primeiro passo” para que a educação seja de fato um direito
social democrático. Pois, quando da negligência do acesso ao ensino superior público,
e a via de regra privada que aparece como alternativa, podemos entender que a lógica
de privatização da educação assume caráter também ideológico, pois é inserida com
naturalidade no processo de ensino-aprendizagem.
Seguindo esses marcos apontados anteriormente e os dados que demonstram
o quanto o ensino superior sempre esteve sob domínio das elites e a seu serviço,
formando os filhos das camadas mais ricas. Atualmente favoreceu os grupos de
empresários da educação, seguindo uma lógica do ensino superior para elites, a
política de educação superior tem mostrado um traço de continuidade histórica de
manter-se como privilégio de uma classe (dualismo) e agora esse traço se acirra
através das estratégias de EAD e com o advento das TICS que promovem uma
educação superior de nível inferior para as classes trabalhadoras.
A tendência de privatização e mercantilização da Educação Superior por um
lado e o seu sucateamento público resulta em um quadro no qual a educação gratuita
e laica e de qualidade seja um desafio no atual contexto, distanciando-a daquilo que
Meszáros chamou de Educação Emancipadora. Meszáros (2008) apontou como
sendo uma Educação Emancipatória – que permite saber crítico e mudança societária.
Caminhamos para o modelo empresarial na Educação, com tendência à privatização
tanto por vouchers, empréstimos, terceirização e a flexibilidade – que é palavra chave
– exemplo claro disso foi o projeto do Future- se,lançado em 17 de Julho de 2019,
enquanto proposta do Ministério da Educação (MEC) que pretendia a captação de
recursos para as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) com o objetivo de
dar uma “autonomia financeira” para as instituições, fomentando e incentivando o
empreendedorismo e a inovação captando recursos privados.
Em síntese, ao contrário do discurso oficial, a privatização é um processo
progressivo e em constante discussão, mas com a finalidade de tirar a
responsabilidade Estatal da Educação e colocá-la à par dos interesses privados, como
objeto de compra e venda. Outro claro exemplo disso é o Fundo de Financiamento ao
Estudante do Ensino Superior (FIES), esse trata-se de um programa baseado no
42

fortalecimento do marcado financeiro com parceria estatal, ocasionando o


endividamento da classe trabalhadora com instituições financeiras. Um fato
importante é que o FIES não impediu o crescimento das universidades, foi na verdade
o período em que mais foram construídas as universidades públicas, mas junto com
o future-se, surge como entrave ao financiamento das universidades públicas,
contribuindo assim numa ideologia de que buscar o ensino privado é a melhor ou única
alternativa.
A Educação Superior compreendida como um direito social portanto, acaba
sendo como um fundamento principal de nosso estudo, porque, sua configuração,
como podemos analisar, foi eminentemente de um processo de reconhecimento
tardio: apenas em 1988 (na constituição federal), dado que em 1934 se configurava
como parcialmente reconhecida como direito, pois estava condicionada a existência
de vagas para matrículas. Além disto, mesma constituição defendia a política e
perspectiva de eugenia, que significa um tipo de controle social relacionado às
condições de raça/classe social
Ou seja, Educação Superior é um privilégio histórico das classes dominantes,
embora a partir de 1988 seja considerada um direito social. Mas sob o capitalismo
financeiro mantém-se como privilégio social, e consolida-se como uma mercadoria e
um ativo de mercado (ações na bolsa de valores).
Sob o capitalismo financeiro e o neoliberalismo, o que fora conquistado em
termos de políticas de educação superior pública através de lutas sociais coletivas,
tem sido transformado em serviços precarizados. A ideologia neoliberal vende um
entendimento de que cada indivíduo é um “investimento”, o seu próprio “negócio”, ou
como assinala Marilena Chauí: “individuo é empresário de si mesmo” (CHAUÍ, 2016).
Fazendo com que esse entendimento se espalhe pela sociedade contribuindo para
que os, mesmos sejam tratados como empresas, onde eles são os empresários de
si mesmo. esta é uma das tendências ideológicas atuais que atravessam a educação
superior no Brasil.
As instituições de ensino superior privadas, aqui tratamos dos grandes grupos
educacionais de caráter privado, como por exemplo, o grupo Kroton, o Grupo Ser 19 se

19
O grupo Ser Educacional aparece em quinto lugar no ranking da Revista Valor no ano de 2019, dentre
as maiores empresas do setor educacional brasileiro. A Ser Educacional foi fundado em 1993 pelo
empresário pernambucano José Janguiê Diniz. Inicialmente voltada para cursos preparatórios para
concursos públicos, já no final daquela década a empresa ampliou sua atuação para os cursinhos pré-
vestibulares, com ênfase na preparação para as faculdades de Direito. Em 2003, o grupo fundou a
43

autodenomina como instituições de ideologia e formato empresariais. Isso se dá


porque as mudanças ocorridas sob o capitalismo vigente concorrem para subordinar
a educação à lógica da mercadoria. A medida em que grandes grupos privados
predominam no Ensino Superior no Brasil, inclusive interferindo nos rumos da
educação pública podemos entender o processo de privatização e expansão do
domínio mercantil na educação superior – configurando assim a hegemonia burguesa.
A Educação Superior tem sido transformada em uma mercadoria como outra
mercadoria, o que enfraquece e retira qualidade de direito social. Segundo Cruz e
Paula (2018a), esse processo mercadológico da educação superior é organizado e
pensado sob pilares exclusivamente econômicos, de performatividade, onde o foco é
na disputa, testagem e competições, tornando os indivíduos cada vez mais
individualistas. Por isso, para as autoras, devemos analisar a educação “à luz da crise
e da reestruturação do Estado — o ajuste econômico de corte neoliberal, que emergiu
nos países desenvolvidos e, posteriormente, atingiu a América Latina” (CRUZ;
PAULA, 2018b, p. 2). Esse processo começa com os cortes neoliberais à política de
educação superior, em razão do deslocamento de recursos financeiros públicos para
“salvar” a economia brasileira. Aliado a uma política neoliberal, a tendência ao
gerencialismo comporta, como explica Raquel Raichelis (2013), muitas mudanças, de
cunho público- estatal, levando a tecnologia como uma incorporação da cultura
educacional, da qual esvazia os elementos críticos, os conteúdos reflexivos e
formadoras para um enquadramento em processos e dinâmicas institucionalizadas,
isto é, definidas por metas de controle de qualidade e produtividade para serem
alcançadas. A autora também ressalta para essas reflexões, quando aponta o
surgimento dos “[...] programas de geração de renda e inclusão produtiva, no âmbito
das ações de “prontidão e educação para o trabalho”.
A adoção de ferramentas de contrarreforma gerencial do Estado, elementos

Faculdade Maurício de Nassau e foi ampliando sua atuação pelos estados do Nordeste brasileiro. Em
2007, o grupo fundou também a Faculdade Joaquim Nabuco. Em 2010, o grupo identificado pela marca
Maurício de Nassau passou a ser denominada de Ser Educacional. A oferta de ações da empresa na
Bovespa iniciou em 2013. A partir de 2008, a Ser Educacional iniciou o processo de aquisições de
outras empresas. Adquiriu o Centro de Ensino e Tecnologia da Bahia (2008), Sociedade de
Desenvolvimento Educacional Avançado (2008), Faculdade CDF (2008), AP Teresina (2013),
Faculdade Aliança (2013), FAP Parnaíba (2013), Faculdade Anglo Líder (2014), Universidade da
Amazônia (2014) e Faculdades Integradas Tapajós (2014). A partir de 2015, o grupo chegou à região
Sudeste com a aquisição da Universidade de Guarulhos (2015) e deu continuidade à sua ampliação
com a compra da Faculdade Talles de Mileto (2015), Faculdade São Camilo (2016), Centro Universitário
Bennett (2016) e Uninorte (2019) (TRICONTINENTAL, 2020, p. 19).
44

constitutivos da reestruturação produtiva adentram a administração pública, inclusive


as universidades públicas de gestão empresarial. Na educação pode ser vista como
uma maneira de trazer a pressão do mercado diretamente para a rotina dos
professores, para o cotidiano de estudantes e outros atores do processo de educação
superior, como por exemplo as entidades organizativas, apontando dificuldades para
a sua prática e modo de ensino aprendizagem. As reformas educacionais, como
sendo modificações no sistema alteraram o significado da educação e o
transformaram no caminho do neoliberalismo, isto é, privatizando-a. Aliado a esse
vetor, existe a mídia que dispara uma visão de educação também voltada à
privatização do ensino, a utilização de cursos profissionalizantes como alternativa
para rápida inserção ao mercado de trabalho, o que acaba incentivando mais ainda a
formação aligeirada. O neoliberalismo, para Cruz e Paula (2018b) é tratado a partir da
década de 1990 com início com o governo Collor, mas foi consolidado com o governo
de Fernando Henrique Cardoso.
Em ambos os governos ocorreram a privatização de empresas estatais, a
diminuição de investimentos públicos, que impactaram diretamente a Política de
Educação Superior, porque, com essa redução e tendo a educação como exigência o
financiamento público para todos os níveis de educação, e particularmente nesse
estudo, do ensino superior, o que devia lhe ser direcionado de recursos é distribuído
para os interesses privados. Enquanto modelo socioeconômico que defende a
sociedade sem ou com a menor intervenção possível do Estado, o neoliberalismo e
seus defensores são a favor da privatização das empresas estatais, o fim das políticas
sociais, o incentivo à competitividade internacional, entre outras coisas.
Nesse sentido, a Educação Superior não vem se consolidando como um direito
social, porque se por um lado havia redução de investimento público na política da
educação, de outro lado há a tendência do gerencialismo e a expansão das
instituições privadas de ensino superior. E nessa análise, percebemos que há um
direcionamento histórico à questão da educaçãoe que sua instituição na Constituição
Federal de 1988 não é o bastante para garanti-lá enquanto um direito social.
Nesse sentido, podemos retomar o que aconteceu especialmente no governo
de Fernando Henrique Cardoso (FHC) quando houve uma intensificação da
privatização do ensino superior através de leis, decretos que contribuíram para a
expansão de institutos, faculdades e universidades privadas, mas em contraponto as
instituições públicas sofreram com cortes orçamentários, e tendo que se adaptar à
45

lógica neoliberal. As consequências das privatizações e do regime neoliberal sob o


discurso de “redução de gastos” com o setor público, como explica Cruz e Paula
(2018b), trazem como justificativa a incompetência do setor público brasileiro para
gerir os negócios, diferente do setor privado que possui total racionalidade e eficiente
em lidar com as questões econômicas do país.
Para as autoras, no âmbito da educação, corroborando com o sentido de nossa
pesquisa, “as políticas adotadas pelo Estado vêm sofrendo drásticas transformações,
e que o discurso em prol da educação ganha novo ângulo, ou seja, que nessa
perspectiva ela deixa de ser entendida como direito do cidadão e dever do Estado e
passa a ser vista como mercadoria e, como tal, objeto de compra e venda” (CRUZ;
PAULA, 2018b, p. 2).
Isto é, algo que pode ser produzido e gerenciado de acordo com índices, e
relacionado às vantagens ou desvantagens de determinados grupos sociais. A
educação sempre foi um fator determinante para que os indivíduos tenham acesso a
oportunidades no mercado de trabalho. Mas ultimamente com o acirramento da
barbárie e com o sistema educacional cada vez mais colapsado, com redução de
vagas no ensino público e burocracia para acesso ao ensino privado, a lógica é de
que se não buscar uma formação para o mercado de trabalho não há alternativas,
esse é um dos motivos de a educação ser comumente associada à produtividade
acelerada.
A Educação Superior entra no circuito de reprodução do capital – mercadoria de
grande valor para os grupos investidores da educação, (enquanto grandes empresas
privadas) e assim é incluída no capitalismo especulativo20. Embora em termos
teóricos, por não ser palpável, a educação entra no circuito e se torna uma mercadoria,
e assumiu uma função social que cada vez mais exige novos requerimentos
especializados aos seus “usuários”. Esses requerimentos perpassam o campo
objetivo e subjetivo. Do sentido objetivo, arcar com a educação é uma questão difícil
para aqueles que apenas conseguem a forma de sobreviver mediantes a venda de
sua força de trabalho, e do ponto de vista subjetivo, os indivíduos são orientados para
termos e estudos técnicos, que não superem a aparência da realidade e não
construam novos saberes críticos. É exigido um tipo de “aluno” que não questione,
que não absorva o conteúdo e a totalidade do processo.

20
É o tipo de capitalismo que gera lucro a partir da compra e venda de ativos, isto é, ações de grandes
empresas.
46

Com a prevalência do neoliberalismo e do gerencialismo, a educação pressupõe


a existência de um tipo particular de professor, de aluno, que apenas executem o
papel formal de trocar saberes específicos sobre determinados assuntos competentes
às áreas de atuação, mas que também estejam relacionados com a esfera
competitiva, empresarial e produtiva.
A formação já não é voltada para emancipação e sim para o mercado de
trabalho. Ao analisarmos essa lógica, também refletimos sobre o discurso
meritocrático que tenta legitimar uma corrida contra o tempo e contra as condições de
vida subjetivas e objetivas que são totalmente desiguais na sociedade do capital.
Nesse eixo de neoliberalismo e seus impactos, Freitas (2018) nos faz refletir sobre
como o projeto de educação neoliberal compreende a educação. E assim o autor
explica que para o neoliberalismo, a educação deve ser baseada em um livre mercado
que possui uma lógica própria responsável pelo “avanço social”. Nesta lógica, há uma
generalização de que para todas as atividades do Estado haverá uma sociedade
melhor, e isso leva o esforço, isto é, o “mérito” a definir a posição social dos indivíduos.
Por isso, o Estado possui papel fundamental nas determinações sociais da
estrutura da sociedade e não deve aparecer apenas como um órgão legislador, tendo
em vista que reproduz a solidificação dos interesses da classe burguesa, e a ela
aparece como um aliado. Não por menos, o Estado serve aos interesses da classe
dominante, garantindo o processo de produção e reprodução ampliada do capital.

2.2 EDUCAÇÃO SUPERIOR NO CIRCUITO DE REPRODUÇÃO AMPLIADA DO


CAPITAL

Nosso objeto de estudo é a relação Educação superior e mercadoria: um


estudo sobre as políticas educacionais do governo Bolsonaro. Assim, para tratarmos
desta problematica se faz necessário recorrer aos elos entre educação e capital.
Assim para iniciarmos o trato à educação no circuito de reprodução ampliada do
capital é imprescindível trazermos à tona o marco teórico no artigo 205º da
Constituição Federal vigente (1988) onde aponta que:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida


e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho (CF, 1988).

Nessa citação, podemos perceber que quando a educação é mencionada como


47

umdireito de todos, mas não é pontuada como um direito universal. E que para além
disso, está explícito neste artigo que a educação visa o preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho – de maneira que problematizamos a
formação para o trabalho alienado. Destarte, através dessa afirmativa podemos
perceber que o caminho para exercer essa cidadania está relacionado ao trabalho, ou
seja, a educação e trabalho formam aqui uma unidade na qual educação possui uma
finalidade: formar força de trabalho.
Na história do capitalismo, a formação/educação possui relação com a
atividade laboral, - artesãos, aprendizes são colocados num movimento contínuo de
reprodução da vida e do trabalho pelo aprendizado transmitido de geração para
geração. com o desenvolvimento do capitalismo e a separação entre trabalho manual
e intelectual outras formas de aprendizado se constituem - momento histórico de
surgimento das instituições de ensino. Assim a formação passa a ser um momento da
produção/reprodução do capitalismo.
Na fase atual do capitalismo em virtude das novas necessidades de reprodução
do capital cuja lógica dessa reprodução ampliada é desenfreada, e organiza-se,
sobretudo, para essa expansão, a educação e seus processos é alterada para
responder a tais necessidades economicas. ou seja, articula-se a formação às
pressas, aligeirada, precarizada como uma tendência recente.
Com vistas a esse objetivo de SE expandir, o Capital não mede esforços para
SUPERAR tudo que se colocar à sua frente. É por meio desse poder de controle e
destituição de uma classe sobre a outra21 que o capitalismo se expande. Assim, o
capital busca sempre sua autorrealização e Segundo Mészaros (2008) o Capital é em
síntese uma relação social expansiva, que fundamenta seu modo de ser ao seu
próprio incremento, de modo que sua expansão é sinônimo da sua própria existência.
É, portanto, a partir destas premissas que a Educação Superior no Brasil se
legitima e fundamenta dentro do modo de produção capitalista. É necessário que
apreendamos a Educação Superior como uma expressão das contradições existentes
em nossa sociabilidade, que está diretamente associada ao mundo do trabalho, das
relações sociais e sobretudo, da mercadoria. Sendo assim, devemos partir de uma
perspectiva de que a definição de Educação, aqui orientada por uma noção esboçada

21
Classe burguesa detentora dos meios de produção sobre a classe trabalhadora.
48

por Frigotto (2009), quando ele discute a função daquela na reprodução social e em
sua totalidade, afinal, possui um papel determinante para ampliação de ideais no
interior da sociedade capitalista. E também é pela educação que se reproduz a Força
de Trabalho necessária ao desenvolvimento e ampliação do capitalismo na sua busca
por expansão. Nesse sentido, o nexo educação/trabalho se constiui como uma
unidade dialética funcional e vital ao capitalismo. ao mesmo tempo em que é
fundamental para a classe trabalhadora que luta para que seja conquistada como
direito social para este segmento.
É no capitalismo que a educação formal se expande e mostra-se necessária as
necessidades de acumulação do capital. mas este ponto discutiremos mais à frente.
nesse momento é importante discutirmos sobre a categoria fundante do ser social,
para que apreendamos a função social que a educação possui enquanto uma
mediação para reprodução da sociabilidade capitalista, que se configura como um
modo operante e funcional ao capital.
É através do trabalho que os seres humanos são diferenciados dos demais
seres vivos, considerando que aqueles possuem a capacidade teleológico que é
ausente em todos os seres vivos. São os seres humanos, os únicos capazes de
projetar suas ações ematerializá-las através do trabalho. Isso é a denominação de
teleologia, isto é, a capacidade decolocar em prática aquilo que inicialmente é
projetado nos planos das ideias. Desse modo, com a realização do trabalho os
indivíduos conseguem modificar a sua própria natureza, isto é, sua própria história
(MARX, 1996). Também é por meio do trabalho que os sujeitos podem atender suas
necessidades e criar novas. Para tanto, o trabalho possui uma função social. E por
isso, também constitui um caráter coletivo, do qual estamos relacionando-o ao
atendimento das necessidades sociais desenvolvidas no berço das relações sociais
sob o modo de produção capitalista. Para o atendimento dessas necessidades sociais,
o trabalho passa a ser o mecanismo fundante da sociedade, e insere-se no circuito
das mercadorias, causando processos de estranhamento aos seus produtores. No
circuito de (re) produção do capital a relação produção, distribuição e consumo a
educação aparece em todo o ciclo capitalista
De acordo com Frigotto (2016), a reprodução ampliada do capital é anacrônica,
nefasta, antipopular e elitista. É nesse contexto que os projetos de educação em
disputa, a qual carrega os interesses antagônicos do capital e do trabalho, no que se
refere a educação.
49

Nas análises desse autor, existe em toda sociedade bem administrada,


conforme o capital, dois tipos de sistemas educacionais, um para preparar os
indivíduos que irão dominar, ou seja, a classe dominante e que poderiam passar
longosanos na escola. E outro tipo de ensino que fosse marcado pela rapidez, para
não perder tempo na escola. O sistema marcado pelo anacronismo onde existe
educação distinta para classes sociais distintas.
Nesse contexto, precisamos saber distinguir os diferentes projetos de educação
queestão em vigência. Como analisa Frigotto (2017) “O desafio é, pois, o de termos a
capacidade coletiva de distinguir o projeto de Educação Profissional patrocinado pelos
organismos internacionais - Banco Mundial, Banco Interamericano de
Desenvolvimento, etc”. A Educação Profissional estásubordina ao ideário do Mercado
e do Capital, alinhados com um modelo de desenvolvimentoeconômico e social
excludente, que concentra a rendapara investimento de capital, e gera desemprego,
subemprego e exclusão. Nesse horizonte, a educação em geral, e especificamente a
Educação Superior é delineada como uma perspectiva de adestramento, isto é,
“conformar um cidadão mínimo” que pensando minimamente também vai reagir dessa
forma.
Trata-se, sobretudo, de uma formação individualista, fragmentada, que torna o
indivíduo apenas como um sujeito capaz de ser empregável ao mercado de trabalho
– isso quando consegue esse feito. Considerado esse mecanismo fundamental para
o capital, que é o Mercado, devemos adentrar a discussão propriamente dita das
mercadorias. É fato que as Mercadorias são o “engenho” das relações sociais
engendradas sob o modo de produção capitalista. E por isso estamos buscando
apreender essa categoria relacionada à educação. Nos dediquemos agora a entender
o que significou a Mercadoria para Marx e os efeitos desta na vida social.
Para Marx (1996), a “Mercadoria” adquiriu uma centralidade no MPC como
nunca aconteceu em outras sociedades e modos de produção em que não se
predominava o Capitalismo. Essa constatação advém, inicialmente por uma assertiva
realizada pelo autorquando definiu “a riqueza das sociedades em que domina o modo
de produção capitalista aparece como uma imensa coleção de mercadorias, e a
mercadoria individual como sua forma elementar” (MARX, 1983 apud NETTO; BRAZ,
2016, p. 91).
Partindo disso, percebemos o quanto as mercadorias são objetos centrais e
predominantes nas relações sociais que são estabelecidas na sociedade capitalista.
50

Buscamos, assim, apreender o que a mercadoria não expressa em sua objetividade,


compreendendo-a não apenas como objeto que satisfaz necessidades humanas.
Sabemos, ainda, que a contradição é inerente em nossa realidade, e que, ao mesmo
tempo, em que estudamos e buscamos ir além de uma apreensão simplista, estamos,
necessariamente, reproduzindo o processo de vida social, na medida em que
trabalhamospara satisfazermos nossas necessidades através de mercadorias.
A compreensão de Marx sobre a riqueza das sociedades, surgiram
questionamentos sobre como essa riqueza atribuída à imensa coleção de mercadorias
possui expressões subjetivas e objetivas na vida dos indivíduos, elaborando assim
numa análise de totalidade sobre as mercadorias que não é amplamente conhecida.
Do ponto de vista das relações de trabalho desenvolvidas no MPC, devemos entendê-
las como uma constante relação de compra e venda da força de trabalho dos
indivíduos, numa relação de troca. A força de trabalho é a única mercadoria inerente
aos homens e indispensável para sua própria subsistência, porque através dela, eles
inserem-se nos mecanismos de trabalho recebendo em troca um “salário” para sua
sobrevivência. Através do trabalho, os homens são explorados pelos capitalistas a fim
de produzirpara estes uma riqueza, que embora construída socialmente, é apropriada
individualmentepela minoria que é a classe capitalista. Esse modo de produção é
caracterizado pelo assalariamento, distanciamento dos produtores dos meios de
produção, pelo acúmulo de lucro (mais valia) epela exploração do trabalho em suas
mais variadas condições. O MPC, estrategicamente, separou os antigos produtores
de suas terras dos meios produtivos com o objetivo de distanciar e impossibilitar o
conhecimento e domínio dos homens sobre os produtos de trabalho.
Ressaltamos, ainda, que as relações de exploração no MPC acentuam-se e
acirram-se de forma mais complexa se comparada à exploração direta e objetiva que
acontecia nassociedadesantigas, como por exemplo, nas sociedades escravocratas e
feudais. Isso ocorreporque no MPCa exploração do trabalho possui uma forma mais
específica e complexa de compreensão, que evidenciamos nas análises desse
trabalho (MARX, 1996).
Com isso, as relações sociais no capitalismo tornaram-se mercantilizadas,
individualizadas e, principalmente, contraditórias. Entendemos essas características
quando realizamos uma análise crítica, entendendo que os lucros gerados durante o
processo de produção, ou seja, a mais-valia, não se destina aos trabalhadores, e sim
aosempregadores, os capitalistas.
51

Tudo isso confirma o quanto uma pequena parcela de indivíduos são os


detentoresda riqueza, mesmo não tendo produzindo-a. Assim, a predominância das
relações mercantis existentes no Modo de Produção Capitalista reduz todos os
âmbitos e contextos da vida social dos indivíduos, sujeitando as esferas e dimensões
da vida social primordialmente à dimensão econômica, onde se predominam as
necessidades materiais. E por isso buscamos apreender como a Educação tem sido
transformada em mais uma mercadoria que está diretamente inserida nessa lógica de
produção e reprodução do Capital (MARX, 1996).
Assim, quanto a compreensão que temos das sociedades em que domina o
Modo de Produção Capitalista (MPC), o primeiro aspecto é o conhecimento dos
homens pela realidade social, porque quando falamos de realidade social aparenta-
nos que ela é simples de ser compreendida. Mas na verdade, a aparência é uma
expressão superficial, donde o nosso conhecimento retira suas primeiras
observações. Ao mesmo tempo em que a aparência nos evidencia alguns elementos,
também nos oculta muitos outros que não estão expostos na sua objetividade.
Portanto, a mínima compreensão da sociedade do capital é algo muito contributivo
para os capitalistas, porque ao passo em que não se questiona e não se procura
aprofundar os conhecimentos, as relações tendem a espalharem-se tendencialmente
como um projeto societário burguês. Isso não significa dizer que a aparência é uma
imagem falsa, mas como aponta Wellen (2019, p. 1):

Contudo, no momento em que acreditamos que a aparência é a única


expressão da realidade e que, consequentemente, não buscamos analisá-la
de forma mais profunda, terminamos por naturalizá-la. E com a
naturalizaçãoda superfície da realidade, essa visão da aparência representa
uma forma de conhecimento mistificada e falsa.

Marx conceitua que no Modo de Produção Capitalista as relações humanas são


majoritariamente compostas por mercadorias, e não por menos sua análise começa a
partir da investigação das mercadorias. O autor assevera que a riqueza dos homens,
nessa sociabilidade, é agregada a uma riqueza material, sendo a mercadoria uma
expressão aparente de riqueza. Por isso, a forma como enxergamos as mercadorias
na sociedade capitalista demonstra-nos como a mercadoria se expressa no campo de
aparência, onde não são observados seus elementos constituintes e fundantes
(MARX, 1996). Assim, Marx definiu que nas sociedades capitalistas, a riqueza está
relacionada a uma imensa quantidade e apropriação de mercadorias, dada a
possibilidade disso pela diversidade de mercadorias existentes.
52

Nesse sentido, devemos compreender que as sociedades marcadas


hegemonicamente por mercadorias e trocas entre as mercadorias são as capitalistas,
diferentemente de outras sociedades em que dominavam outros modos de produção.
Como aponta Mandel (1982), nas sociedades primitivas, a troca era uma atividade
incomum, devido a uma produção mercantil pequena e pouca variedade de produtos
do trabalho dos homens. No entanto, com o surgimento do capital, essa produção
levou os pequenos produtores ao mercado, fazendo com que eles levassem os
produtos de seus trabalhos para vendê-los. A finalidade vender o produto que havia
“sobrante” e comprar os produtos que também necessitavam, mas não produziam.
Por isso, “a sua atividade no mercado pode resumir-se na fórmula: vender para
comprar” (MANDEL, 1982, p. 29).
Nesse âmbito, quando os produtores passaram a vender seus produtos de
trabalho para obtenção de outros, houve uma exigência nas relações para um “meio
de troca universalmenteaceito”, que facilitasse a troca. Este primeiro meio de troca foi
a moeda. Como explica Mandel (1982, p. 30):

Com o aparecimento da moeda, um outro personagem social, uma outra


classe social, pode aparecer, por efeito de um novo progresso da divisão
social do trabalho: o proprietário de dinheiro, separado e oposto ao
proprietário de mercadoria simples. É o usurário ou mercador especializado
no comércio internacional.

Sublinhamos, assim, que o capital, como explica Mandel (1982) é uma


categoria econômica que deve ser compreendida na fundamentação de uma relação
social entre os homens, que permite a um proprietário de capital a apropriação de uma
mais-valia. Mas é importante destacarmos também que a existência do capital,
enquanto categoria econômica, não é exclusiva do modo de produção capitalista
tampouco idêntica ao surgimento desse sistema de produção, ao contrário do que
muitos podem pensar, porque “[...] capitais existiram e circularam durante milênios
antes da eclosão do modo de produção capitalista na Europa Ocidental, nos séculos
XV e XVI” (MANDEL, 1982, p. 30). Além disso, é imprescindível analisar a mercadoria,
o valor e trabalho para compreender a relação causal que essas categorias têm entre
si e como são determinantes para o “Fetichismo da Mercadoria”.
Nesse processo relacional, Marx inicia de onde ele considera advir toda a
riqueza da sociedade humana (capitalista), como mencionamos anteriormente. Ele
considera a Mercadoria como um objeto externo ao ser humano, explicando que se
trata de uma “coisa” que possui propriedades capazes de satisfazeras necessidades
53

humanas dos homens, por isso, não interessa como essa mercadoria satisfaz a
necessidade humana, seja diretamente ou indiretamente, isto é, como forma de
subsistência, por exemplo, através do alimento ou de forma indireta, como meio de
produção ou de utilidade material. Analisado isso, Marx define que a utilidade de uma
coisa, ou seja, de uma mercadoria, faz dela um valor de uso, porque ela é útil para
o/os indivíduo(s), tornando-se um valor de uso para ele. Se essa mercadoria exigiu ao
homem mais ou menos trabalho, para Marx, não tem importância, o que deve ser
observado é a sua utilidade para os homens, porque através desta o valor de uso
constitui “o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social desta”
(MARX, 1996, p. 166).
Na forma de sociedade a ser por nós examinada, eles constituem, ao mesmo
tempo, os portadores materiais do – valor de troca. Nessa afirmação, Marx quer dizer
que o mesmo valor de uso, que possui utilidade para os homens, também pode,
simultaneamente, possuir valor de troca, que no início de sua análise aparece como
sendo uma relação quantitativa entre as mercadorias que podem ser trocadas pelos
homens, sendo “a proporção na qual valores de uso de uma espécie se trocam”
contravalores de uso de outra espécie (LE TROSNE, 1846, p. 889 apud MARX, 1996,
p. 166). Essa relação de troca pode mudar constantemente porque é algo casual e
relativo, e por isso, inicialmente, Marx considera os valores de troca das mercadorias
como sendo múltiplos e nas mais diferentes proporções de mercadorias, onde estas
possuíam diversos valores de troca, ao invés de um único, e isso evoluiu bastante no
decorrer de sua análise.
Iniciando sua leitura sobre a sociedade burguesa e, consequentemente, o
modo de produção do capital, Marx parte da Mercadoria e do que a constitui. É central,
para esse autor, compreender a importância do valor de troca nessa sociabilidade,
onde através do valor de troca das mercadorias e de sua permutabilidade entre outros
valores de troca, as relações sociais se estabelecem. Isso significa dizer que, para
que haja essa troca entre mercadorias, elas têm de ser reduzidas a algo comum.
Entretanto, as suas especificidades e características distintas que configuram,
precisamente, seus valores de uso para os homens, devem ser abstraídas para que
a troca ocorra por meio desse fator comum. Devido a isso, a abstração dosvalores de
uso é o principal aspecto caracterizante da relação de troca entre mercadorias, porque
a utilidade delas não é considerada, aliás, esta utilidade deve ser ponderada no valor
deuso. Nesse âmbito, para simplificar a compreensão, Marx (1996, p. 167) explica
54

que:
Como valores de uso, as mercadorias são, antes de tudo, de diferente
qualidade, como valores de troca só podem ser de quantidade
diferente, não contendo, portanto, nenhum átomo de valor de uso, por
isso o valor de uso precisa ser deixadode lado porque assim, resta a
todas as mercadorias apenas uma propriedade, que é a de serem
produtos do trabalho.

Sendo assim, quando o valor de uso é abstraído, isto é, colocado em “segundo


plano” em detrimento do seu valor de troca, a relação de troca pode acontecer e nesse
processo também acaba se abstraindo os componentes que formam esse valor de
uso, isto é, a qualidade, as formas corpóreas dos objetos. Por isso, não importa se o
produto do trabalho foi realizado por um marceneiro, carpinteiro ou tecedeiro, essa
especificidade do trabalho produtivo determinado desaparece em razão da igualdade
de todos os trabalhos, restando assim apenas a propriedade de trabalho comum a
todos os tipos de trabalho – o abstrato. Nesse efeito, não importa por quem essa
mercadoria foi produzida, embora saibamos que se trata de diferentes formas
concretas de trabalho, mas o que vem a ser importante é a redução dos trabalhos em
uma totalidade igual de trabalho humano, considerado por Marx, o trabalho humano
abstrato. Isso significa dizer que não depende de quem produziu, porque afinal, tudo
é fruto de trabalho humano abstrato, um trabalho necessário e realizado por todos os
homens que estão no processo produtivo, independente das especificidades
existentes em cada tempoe espaço. É assim que Marx passa a tratar os produtores
do trabalho como frutos de trabalho humano indiferenciado, porque todos são
considerados como dispêndio de força de trabalho humana, sem analisar como esta
foi despendida (MARX, 1996).
Quando consideramos essas características das mercadorias, através da
relação de troca, analisamos que Marx traz à tona, também, a existência do Valor,
como sendo a quantidade de trabalho incorporado na mercadoria, numa relação de
dependência com o trabalho, porque só existe valor se houver trabalho incorporado
nas mercadorias. Esse valor se revela na relação de troca das mercadorias ou no
valor de troca destas. Portanto, o valor de troca aparece “como maneira necessária
de expressão ou forma de manifestação do valor [...]” (MARX, 1996, p. 168). No
entanto, Marx enfatiza que o Valor não pode ser considerado apenas como subsídio
ao valor de troca, porque tanto um valor de uso quanto um bem pessoal de um homem
possui valor, somente porque foi construído através do trabalho humano abstrato, que
55

é o trabalho humano indiferenciado realizado pelos homens. Desse modo, “o valor


deuma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho dispendido durante a
sua produção, o trabalho, entretanto, o qual constitui a substância dos valores, é
trabalho humano igual, dispêndio da mesma força de trabalho do homem” (MARX,
1996, p. 168).
As mercadorias, os valores de uso devem ser produzidos por trabalhos úteis
qualitativamente diferentes, isto é, diferentes atividades produtivas. Essas atividades
são realizadas de forma independentes umas das outras, e aparecem no modo de
produção capitalista como trabalhos privados de produtores autônomos. O importante,
sobretudo, deve-se à compreensão de que o trabalho é uma condição de existência
do homem, sendo o único mecanismo capaz de criar valores de uso,
independentemente da sociedade prevalecente, através da relação homem e
natureza. Através dessa relação, surge o ser social, evidenciado por Marx (1996, p.
52):
Enquanto categoria central, apoiada pelas forças naturais” não sendo o
trabalho a única fonte dos valores de uso que produz, da riqueza material,
porquecomo diz William Petty, (1771 apud Marx, 1996, p. 172) “dessa riqueza
o trabalho é o pai, e a terra a mãe”.

Para todos os efeitos, utilizamos do valor de uso e valor de troca para


conceituar a Mercadoria até aqui. Mas, é importante analisarmos também, o valor-
mercadoria, isto é, o valor inerente às mercadorias, resultados do trabalho, abordado
por Marx, ainda no seu primeirocapítulo. Para isso, utilizamos os exemplos trazidos
pelo autor no seu primeiro capítulo, ao tratar do casaco e do linho. Marx cita esses
dois componentes enquanto valores. Neste aspecto, o casaco e o linho, como
menciona Marx, em seu primeiro capítulo, são coisas de igual substância porque suas
expressões objetivas são oriundas do mesmo tipo de trabalho – o útil. Mas o modo de
produzi-los faz parte de distintos tipos de trabalhos úteis, porque a alfaiataria e a
tecelagem são trabalhos qualitativamente diferentes para produzi-los. Desse modo,
para Marx, significa que são dois modos diferentes de trabalho, e por isso são apenas
modificações do trabalho do mesmo indivíduo. Marx já compreendia que os indivíduos
não possuíam uma função fixa em seus ambientesde trabalho, o que, atualmente,
conseguimos visualizar em nossa sociedade, marcados também pela intensificação e
precarização do trabalho. No entanto, “essa variação da forma do trabalho pode não
transcorrer sem atritos, masela tem de ocorrer” (MARX, 1996, p. 173).
Nesse sentido, devemos abordar a questão da abstração que ocorre na
56

determinação das atividades produtivas e no caráter útil dos trabalhos. Quando Marx
apontava sobre expressões objetivas de diferentes tipos de trabalho uteis, ele tratava
da unidade comum, que considera o trabalho enquanto um dispêndio de forçahumana,
onde as diferentes formas de serem realizados, isto é, as atividades produtivas
qualitativamente distintas, são em suma o dispêndio da força de trabalho humana –
onde os homens utilizam-se dos músculos e do corpo para realização do seu trabalho
Essa força de trabalho humana pode estar mais ou menos desenvolvida, o que
depende da força produtiva existente para realização de determinado tipo detrabalho.
Desse modo, em síntese, o trabalho humano é aquele onde domina o dispêndioda
força de trabalho simples que todos os homens possuem (MARX, 1996). Já o trabalho
mais complexo:
Vale apenas como trabalho simples potenciado ou, antes, multiplicado, de
maneira que um pequeno quantum de trabalho complexo é igual a um grande
quantum de trabalho simples. Sendo assim, “uma mercadoria pode ser o
produto do trabalho mais complexo, seu valor a equipara ao produto do
trabalho simples e, por isso, ele mesmo representa determinado quantum de
trabalho simples” (MARX, 1996, p. 174).

Então, se a diferença dos valores de uso das mercadorias se abstrai também


se abstrai asespecificidades dos trabalhos, ocorrendo assim um processo homogêneo
de trabalho, onde os trabalhos contidos nesses valores são apenas dispêndio de força
de trabalho do homem, embora realizados por diferentes atividades produtivas. Em
síntese, Marx (1996, p. 174) explica que:

Alfaiataria e tecelagem são elementos formadores dos valores de uso, casaco


e linho, graças às suas diferentes qualidades; elas somente são substâncias
do valor do casaco e do valor do linho na medida em que se abstrai sua
qualidade específica e ambas possuem a mesma qualidade, a qualidade do
trabalho humano.

Constatado isso, no que se refere ao valor de uso, o trabalho contido nas


mercadorias vale apenas em sua qualidade, isto é, na utilidade que determinada
mercadoria vai ter para os indivíduos, porque é através dessa utilidade que essas
mercadorias vão ser compradas. E nesse aspecto é importante evidenciarmos o
quanto esse caráter utilitário assume diferenças significativas, porque é subjetivo a
cada indivíduo, podendo uma mercadoria “A” ser útil para o indivíduo “X” e inútil para
o indivíduo “Y”. Diferentemente dessas características qualitativa e utilitária, a
grandeza de valor de uma mercadoria considera a quantidade de trabalho nela
contido, ou seja, o trabalho socialmente necessário para sua produção, quando
57

reduzido todos os trabalhos ao trabalho humano indiferenciado, desconsiderando as


atividades produtivas distintas e específicas existentes. Nesse sentido quantitativo, a
utilidade da mercadoria não é importante, porque se sobressai a quantidade de
trabalho que foi utilizado para sua produção. Além do mais, ressaltamos que todas as
categorias analisadas por Marx possuem relação mais ou menos intensa entre si,
porque todas elas estão inseridas dentro de uma unidade (sociedade capitalista), a
qual Marx debruçou seus longos anos para estudar, compreender e explicar os feitos
e efeitos recorrentes da sociedade burguesa (MARX, 1996).
Por fim, o que conseguimos absorver das análises finais de Marx, contidas no
primeiro capítulo foi que o “Fetichismo da Mercadoria” prevalece em todas as
sociedades ditas capitalistas, independentemente da natureza central ou periférica
com que opera o Capitalismo. Também constatamos que através do efeito do
fetichismo as relações sociais entre os homens são configuradas como relações entre
objetos, isto é, relações de troca que ocorrem constantemente em todas as esferas
da vida social, envolvendo o uso de mercadorias (MARX, 1996).
Dessa forma, verificamos que o objetivo único da classe capitalista é a
obtenção de lucros, e que isso se faz possível através da mais-valia extraída dos seres
humanos. Essa extração exacerbada configura a base do fetichismo da mercadoria,
porque na medida em que se apropriam da mais-valia, expandem a produção (para
além do necessário), ocultam as relações de trabalho (sejam na exploração ou na
quantidade de trabalho socialmente necessário para produção das mercadorias) e
ainda alienam os trabalhadores perante os produtos de seus trabalhos, como se
fossem independentes dos seus produtores, por isso, como aponta Silva “[...] Da
mesma forma que a alienação [...] o fetichismo dá conta de uma relação real de
exteriorização – confirmada cotidianamente na prática dos indivíduos – [...]” (LIMA,
2012, p. 29).
para fins deste capítulo, concluímos que a educação se constitui como
mercadoria necessária para o capital em todas as etapas do desenvolvimento do
capitalismo e que há uma unidade dialética orgânica entre a educação e o trabalho. a
educação historicamente foi uma estratégia de formação de força de trabalho
qualificada, de valorização das mercadorias e na etapa atual, a educação como uma
mercadoria valiosa para o capital, tanto pelo aparato ideológico de formação e
reprodução do seu sistema como de força de trabalho produzida. Como um ativo
econômico, um nicho de mercado.
58

No fordismo, a educação foi fundamental para a reprodução do capital e na


acumulação flexível ela torna-se ainda mais relevante. no atual contexto as propostas
do capital para a educação superior se configuram em contrarreformas educacionais
sob o discurso da flexibilização do ensino e a adoção às novas formas de educar –
através da educação à distância e inovação tecnológica, que contribui para beneficiar
o lucro das frações de classe burguesas e afasta a classe trabalhadora das
possibilidades de acessar a educação superior de qualidade e gratuita.
59

3 UNIVERSIDADE NÃO É PARA TODOS, MAS SOMENTE PARA ALGUMAS


PESSOAS22: educação superior no ultraneoliberalismo do governo Bolsonaro

Este capítulo trata de discutir a Educação Superior no contexto do


ultraneoliberalismo no Brasil, considerando este como uma fase superior e
aprofundada do liberalismo, como podemos observar no governo de Jair Bolsonaro.
Chegamos a este capítulo compreendendo que a educação superior pública,
no Brasil, tem sido cada vez mais assimilada pelo capitalismo sob diversas formas. É
necessário, portanto, que tratemos educação superior pública, sobretudo, nas
universidades como um espaço de tensionamento frequente e de lutas. Isso porque
há dois projetos em disputa: um fundado em uma concepção de educação pública,
laica, gratuíta, de qualidade, financiada pelo Estado e controle social e outra, onde a
educação é uma mercadoria e o ensino é um treinamento para compor a força de
trabalho para o capital.

3.1 A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO CONTEXTO ULTRANEOLIBERAL

Chegamos a este capítulo sabendo que a Educação Superior Pública, no Brasil,


tem sido cada vez mais assimilada sob diversas formas pelo capital. Com isso, torna-
se necessário analisá-la, sobretudo, nas universidades, como um objeto de
tensionamento e constantes lutas sociais. Isso porque, principalmente nas
universidades percebemos a luta de classes. A ideia proposta pelos grupos
capitalistas é que para formação de força de trabalho, a educação deve se constituir
para essa finalidade e assim, deve assumir uma lógica imediatista e mercantil.
As análises de Lima (2012), sobre a Educação Superior Pública, nos
apresentam que existe uma quadra histórica ideológica que impõe processos de
formação para o mercado de trabalho e também um arcabouço de políticas e
programas direcionados à educação que são no viés econômico e mercantil, o que
afeta diretamente as políticas sociais do Brasil – e neste caso em específico, a política
de educação. No âmbito dessas reformas, destacamos em posterior momento o
caráter do governo Bolsonaro e a sua política ultraneoliberal que utiliza de um arsenal
de medidas econômicas e ideopolíticas que configura um ultraneoliberalismo em
nossa conjuntura.

22
Essa frase foi dita pelo Ministro da Educação Milton Ribeiro.
60

É sabido que o período de hegemonia capitalista afeta gradativamente todos


os âmbitos de nossas relações sociais e os distintos contextos de vida social. Mas no
âmbito da universidade existe um acirramento de tensões e de colocações
ultraneoliberais. A educação é chamada a fazer parte de um aparato de capital
financeiro, onde coadgunam os interesses de grandes grupos privados da educação,
influenciados por organismos multilaterais e seus projetos, assim como das
proposições de aderir um padrão alto de tecnologia e manutenção da educação.
Nesse sentido, as IFES e essencialmente, as universidades, sofrem com a
intensificação e aprofundamento das propostas neoliberalis, e acabam por serem
associadas às prestadoras de serviço e de suporte ao padrão de acumulação, em que
a variável da economia e seus interesses possuem centralidade e prioridade, o que,
conforme Lima (2012), confere um caráter científico aos interesses econômicos.
Podemos observar assim que a influência das corporações nas universidades
são frequentes e importantes, principalmente quando as instituições financeiras atuam
diretamente no suporte à pesquisa, ao desenvolvimento das corporações e na
produção de mercadorias tangíveis. Por muitas vezes, as universidades são
chamadas à prestação de serviços e outras como forma de “emprestar” seu prestígio
social para validar negócios. Isso dá um sentido às universidades que não o de
construção de conhecimento crítico.
Congruente com a teoria do capitalismo dependente, é possível percebemos a
relação entre as corporações financeiras e as universidades nos países centrais é
distinto do presente nos países capitalistas dependentes, porque os objetivos
“acadêmicos” são distintos. Para Frigotto (1992), existe uma recusa ou incapacidade
de se pensar a educação como uma prática social que é construída historicamente no
complexo das relações sociais, econômicas, culturais e políticas.
Existe, assim, um liberalismo econômico ofensivo que tem se desenvolvido e
lançado suas bases materiais e ideológicas na sociedade brasileira, a fim de
intensificar a mundialização financeira. Neste trato, são estabelecidas um conjunto de
reformas neoliberais que são articuladas a reestruturação produtiva23, ao
reordenamento do papel do Estado e a formação de uma nova sociedade burguesa.

23
Reestruturação produtiva é o termo que engloba o grande processo de mudanças ocorridas nas
empresas e principalmente na organização do trabalho industrial nos últimos tempos, via introdução de
inovações tanto tecnológicas como organizacionais e de gestão, buscando-se alcançar uma
organização do trabalho integrada e flexível (GARAY, 1997).
61

Nesse cenário, enquadra-se também as reformas educacionais realizadas em


países periféricos e dependentes como é o caso do Brasil (LIMA, 2012). Para tanto, o
governo Bolsonaro é emblematicamente marcado por uma série de implementações
de programas e políticas que atingem diretamente a educação superior. E por isso
trouxemos alguns elementos para contribuir em nossa pesquisa.
Em nossa pesquisa documental nos debruçamos sobre algumas das
iniciativas/programas/legislações objetivando analisar os principais programas
implementados na atualidade pleo governo e a forma como possuem relação com o
Mercado, o Estado, e o Capital. Iniciamos pelo programa mais emblemático do
governo Bolsonaro:
O FUTURE-SE, apresentando no governo Bolsonaro, é um programa
formulado pelo MEC, em 17 de julho de 2019, pelo Ministro Abraham Weintraub, com
o objetivo de as IFES captarem recursos privados para sua manutenção. Ao delimitar
essa “autonomia financeira” através do fomento de recursos próprios e com o viés do
empreendedorismo, esse programa compreende a educação como uma mercadoria
no sentindo de que a limita numa estratégia de privatização onde o discurso legitima
uma integração internacional – como a que compreende as raízes da dependência do
Brasil em relação aos organismos externos.
A educação se torna aqui uma atividade de lucro e ramo empresarial,
acompanhando o movimento expansionista do mercado. Essa expansão visa sua
atuação para crescimento da gestão de empresas, pautada em lucros, e não
atendendo aos interesses educacionais da classe trabalhadora. Foi apresentado num
momento de cortes extremos para a Educação Superior Pública, em decorrência da
Emenda Constitucional nº 9524, que trata do congelamento dos gastos, o que atingiu
diretamente os recursos também a política de educação. Esse programa aparece
como uma proposta “voluntária” de adesão, mas que em seu teor acaba por
reconfigurar o caráter público da educação superior e privatizá-la cada vez mais com
o objetivo de deixar sob a responsabilidade das IFES a sua automanutenção

24
A Emenda Constitucional, a iniciativa para modificar a Constituição proposta pelo Governo, tem como
objetivo frear a trajetória de crescimento dos gastos públicos e tenta equilibrar as contas públicas. A
ideia é fixar por até 20 anos, podendo ser revisado depois dos primeiros dez anos, um limite para as
despesas: será o gasto realizado no ano anterior corrigido pela inflação (na prática, em termos reais –
na comparação do que o dinheiro é capaz de comprar em dado momento – fica praticamente
congelado). Se entrar emvigor em 2017, portanto, o Orçamento disponível para gastos será o mesmo
de 2016, acrescido da inflação daquele ano. A medida irá valer para os três Poderes – Executivo,
Legislativo e Judiciário. Pelaproposta atual, os limites em saúde e educação só começarão a valer em
2018.
62

(desfinanciamento). Isso nos faz perceber os elementos tendenciosos de expandir o


capital privado, à medida que não seriam mais destinados recursos àquelas
instituições. Deixa, assim, a proposta das IFES serem geridas pelas Organizações
Sociais (OSS)25, e assim deixar a proposta de ensino nas “mãos” dos empresários,
que passariam a ser responsáveis pela organização dos custos, das contratações de
professores e pela organização estrutural das instituições federais. Pontua-se também
a possibilidade de estas receberem nomes de patrocinadores oficiais da rede privada,
tornando cada vez mais as IFES em empresas. Não à toa, como é apresentado no
portal do MEC, o FUTURE-SE é dividido em três eixos complementares: O de Gestao,
Governança e Empreendedorismo; O de pesquisa e inovação e o de
Internacionalizacao. A justifica é de colocar o Brasil no “mesmo patamar” dos países
desenvolvidos.
No projeto de Lei do future-se, podemos evidenciar que as justificativas apra
implementação deste programa estão pautadas em uma

Limitada capacidade do orçamento público para atender a diversas e


relevantes demandas sociais, limitação essa particularmente proeminente
quando se atenta para o fato de que o Brasil é um país de dimensões
continentais (é o quinto maior do mundo, em tamanho de território), de renda
média alta (segundo classificação do Banco Mundial), heterogêneo sob
diversas perspectivas (econômica, regional, social, étnica, cultural e
educacional) e que ainda precisa universalizar o acesso a serviços públicos
essenciais. O segundo fato essencial são as restrições orçamentárias ainda
mais severas que se impõem em períodos de crise fiscal, como o que se
observa no atual momento no Brasil, fazendo-se necessárias medidas como
a que vigora na forma do Novo Regime Fiscal (BRASIL, 2020, p. 3)

O que explica a prioridade dos recursos financeiros do país não serem


destinados à educação superior pública, porque o que está em disputa é o reajuste
fiscal – e este historicamente tem sido priorizado em detrimento de políticas e direitos
sociais para classe trabalhadora. Conforme o vídeo de apresentação do programa, o
Brasil já possui todas as condições de expandir o capital finaceiro globalizado e
assumir novas roupagens à educação, sendo o future-se a principal dessas propostas.
Outra proposta do Governo Bolsonaro, foi a implementação do programa
“NOVOS CAMINHOS”, Lançado em outubro de 2019, têm sua ênfase na formação
tecnológica. Trata-se de um conjunto de ações, em forma de programa, que busca o

25
A organização social é uma qualificação, um título, que a Administração outorga a uma entidade
privada, sem fins lucrativos, para que ela possa receber determinados benefícios do Poder Público
(dotações orçamentárias, isenções fiscais etc.), para a realização de seus fins, que devem ser
necessariamente de interesse da comunidade.
63

fortalecimento da política de educação através da formação profissional e tecnológica.


Possui como eixos principais a gestão e resultados; a articulação e o fortalecimento e
a inovação e o empreendedorismo. Nesse sentido, assim como discutimos
anteriormente, a educação assume um papel de formação para o mercado de trabalho
e, também, para o viés empreendedor. Essa ênfase em formação tecnológica, emerge
como uma resposta às necessidades do empresariado que demandam
constantemente força de trabalho.
Seu slogan defende uma educação profissional e tecnológica, apresenta a
Educação em uma possibilidade de gerar empregos, renda e novas tecnologias,
basendo todos seus princípios para o mercado financeiro e o capital. visa expandir o
número de matrículas na educação profissional e técnica desde então, dividido em
eixos de formação e com ênfases em áreas do saber tecnológico. A Educação é
entendida como uma formação técnica, limitada e reduzida a atender os interesses do
mercado, tornando-se uma mercadoria. Aparece como um programa que expande e
realiza a formação aos estudantes, mas na verdade limita a possibilidade de
aprendizado e conhecimento, pois possui ênfases em determinados conteúdos. Essa
proposta é muito semelhante ao que buscam trazer ao Novo Ensino Médio, porque
possuem o sentido reduzido do conhecimento, o saber “técnico”, já voltado à lógica
do mercado. É mais um ataque ao direito à educação, e acreditamos que a
médio/longo prazo busca substituir a formação do ensino superior das universidades
e institutos federais.
Seguindo às análises, trouxemos o PROUNI, enquanto um programa “berço”
da Educação Superior no Brasil, que foi criado em 2004 pela Lei nº 11096/ 2005 e tem
como finalidade a concessão de bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes
de curso de graduação e de cursos sequenciais de formação específica, em
instituições privadas da educação superior. A partir de 2005, as instituições que
aderem aos programas estão isentas de tributos. O programa aparece como uma
oportunidade, porque oferece mais vagas de acesso ao ensino superior de forma
subfinanciada. Mas na verdade o PROUNI reúne um conglomerado de privatização e
financeirização da educação superior na medida em que interfere e afeta a quantidade
de vagas destinadas às IFES, porque por sua vez busca beneficiar os grupos privados
que disputam a educação superior em troca de isenção fiscal. A financeirização da
educação brasileira é, portanto, conforme aponta Brettas (2019, p. 16):
64

um processo complexo e abrangente que abarca o ensino básico e superior,


nos âmbitos público e privado: (1) comporta medidas para ampliar as bases
de extração de mais-valia por meio da redução dos custos de produção, fato
que tem como desdobramento o aumento da superexploração do trabalho;
(2) fortalece a atuação dos grandes conglomerados da educação ao alimentar
a concentração e centralização do capital (sob o controle de poderosos
fundos de investimentos) e impulsionar a canalização de recursos do fundo
público para atender às exigências da acumulação capitalista; (3)
desencadeia mecanismos de expropriação da classe trabalhadora ao
legitimar medidas de austeridade fiscal, com implicações para a precarização
do ensino público e a retirada de direitos; (4) estimula a relação de estudantes
com o sistema bancário e creditício, ampliando as possibilidades de atuação
do capital portador de juros; (5) incentiva a penetração do capital financeiro
financeirizado no seio das universidades públicas e institutos federais; (6)
propicia condições materiais que contribuem para fortalecer a produção de
um conhecimento voltado ao interesse das classes dominantes, empurrando
grandes parcelas de trabalhadores para uma realidade em que é difícil ir além
da simples reprodução de conteúdos definidos para serem propagados em
massa.

Todos esses elementos demonstram o quanto o fundo público está diretamente


associado à discussão de ensino e como se revelam os interesses do capital finaceiro
em face da disputa com a educação superior pública.
Especificamente no governo de Bolsonaro, foi implementada uma medida
provisória (1075), em 2021 que amplia o acesso de estudos ao PROUNI, porque
permite que os estudantes da rede privada também possuam bolsa parcial ou integral,
assim como para os de escola pública. A educação aparece, portanto, como um
produto do mercado, seguindo uma lógica compensatória de tributos e uma formação
para atendimento do mercado. Essa novidade, por sua, visa atender os interesses dos
empresários das instituições privadas de ensino ao enfatizarem sobre as vagas
ociosas na rede pública de ensino e usam isso como justificativa para expandir as
possibilidades de acesso para a classe burguesa de expandir seu capital financeiro.
Complementando a discussão sobre a Política de Educação, analisamos também
o Plano Nacional de Educação (PNE-2014), que, embora não seja uma política do
governo Bolsonaro em alguns de seus princípios e diretrizes revelam tendências de
subordinar educação ao trabalho. Por sua vez, foi criado pela Lei 13.005, denota os
indícios mercantis, sobretudo, quando em seu art. 2º, inciso V, fala: “V - formação para
o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se
fundamenta a sociedade” (BRASIL, 2019). Nesse artigo, é demonstrado o papel
central do mercado nas relações educacionais e da fomentação do ensino brasileiro,
em todos seus níveis, numa lógica de atendimento aos interesses do Capital, que são
defendidos pelo Estado. Nessa passagem fica evidente que a formação do ensino,
em suas raízes, possui uma direção de mercado, de ensinar para ser força de trabalho
65

e não para emancipação e expansão de conhecimento crítico. É uma ferramenta de


planejamento do Governo Federal para a Educação Brasileira. O Plano Nacional de
Educação – PNE tem vigência de 10 anos, e é o responsável por determinar as
diretrizes, metas e estratégias para a política educacional em todos os seus níveis a
cada decênio. Agora estamos no período de 2014 a 2024.
O PNE possui impacto direto em todos os níveis da Educação, porque delimita as
diretrizes, a execução, as metas da Educação Brasileira. No âmbito da Educação
Superior, o PNE como aquele que deve estar voltado a uma estratégia de ampliação
de força de trabalho qualificada. O documento destaca da expansão do ensino, da
ampliação de programas e estratégias educacionais, mas não apresenta, por
exemplo, a universalização do ensino superior, e isso demonstra o quanto não é
interessante para o Estado e seus aliados o direito universal à educação em todos os
seus níveis.
Aliado ao PNE, evidenciamos também algumas diretrizes e aspectos da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, regida pela Lei nº 9.394, de dezembro de 1996 (LDB)
que são importantes para essa discussão, quando compreendemos:
Na análise deste documento e identificamos que há também uma vinculação
entre a educação básica e o mundo do trabalho, porque até nos primeiros níveis de
ensino, a formação tem o intuito de inserir os estudantes à lógica mercadológica, ao
formar-se para atender as demandas postas do mercado. É uma formação
direcionada.
Os programas e estratégias educacionais, não apresenta, por exemplo, a
universalização do ensino superior. Assim, identificamos também que a relação
educação e trabalho é uma tendência que se fortalece na década de 1990 no auge do
neoliberalismo, ou seja, no art 2º “[...] tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”. Isso deixar claro que a qualificação para o trabalho é um fundamento do
ensino desde as suas bases. A concepção de educação adotada pela LDB demonstra
uma total vinculação da educação ao mundo do trabalho, ou seja, em seus princípios
fundamentais já determina que a educação tem correlação com a qualificação para o
trabalho, voltada também a coexistência de instituições públicas e privadas. Estes
dados nos levam a concluir que o projeto liberal de educação tenden reiteradamente
a subordinar a educação ao mercado.
No documento das “Normas de organização e funcionamento do ensino superior
66

e sua articulação com a escola média” (1968), enfatizamos que a Educação também
é voltada para lógica e atendimento dos interesses do mercado de trabalho. O próprio
documento se intitula como uma agenda de reformas para o Brasil e se trata de
reformas, que impulsiona o capital financeiro e distancia cada vez mais a educação
superior a um direito social.
O documento “Um Ajuste Justo”, expressa a proposta do Banco Mundial (BM)
para Educação. A análise deste documento revela que os interesses do mercado são
visivelmente atendidos quando são direcionados a maior parcela dos recursos
públicos aos grupos de empresários. Fala-se do caráter excepcional que deveria ter
sido dado à Educação Privada, da sua centralidade como tem acontecido e a sua
propagação na sociedade capitalista. Neste documento são avaliados os gastos
públicos do Brasil, a fins de oferecer estratégias de controle diante o investimento dos
recursos, com a hipótese de uma crise financeira em decorrência dos altos gastos e
poucas despesas sendo geradas. Esse documento apresenta estratégias para
superação de uma crise fiscal, analisa a eficiência e equidade dos gastos, e aponta
as manobras fiscais realizadas, assim como os erros políticos consecutivos que
ocasionaram na situação de crise financeira e gigante dívida pública brasileira.
Na ótica do Banco Mundial, a Educação é entendida como uma
despesa/gasto não prioritária para o desenvolvimento nacional. Na concepção em
questão, presente no documento, utiliza termo “gasto”, afirmando que cada aluno nas
universidades e institutos federais gera um custo dispensioso. Alude-se que

embora os estudantes de universidades federais não paguem por sua


educação, mais de 65% deles pertencem aos 40% mais ricos da população.
Portanto, as despesas com universidades federais equivalem a um subsídio
regressivo à parcela mais rica da população brasileira. Uma vez que diplomas
universitários geram altos retornos pessoais (em termos de salários mais
altos), a maioria dos países cobra pelo ensino fornecido em universidades
públicas e oferece empréstimos públicos que podem ser pagos com os
salários futuros dos estudantes. O Brasil já fornece esse tipo de
financiamento para que estudantes possam frequentar universidades
particulares no âmbito do programa FIES. Não existe um motivo claro que
impeça a adoção do mesmo modelo para as universidades públicas. A
extensão do FIES às universidades federais poderia ser combinada ao
fornecimento de bolsas de estudo gratuitas a estudantes dos 40% mais
pobres da população (atualmente, 20% de todos os estudantes das
universidades federais e 16% de todos os estudantes universitários no país),
por meio da expansão do programa PROUNI. Todas essas reformas
juntamente melhorariam a equidade e economizariam pelo menos 0,5% do
PIB do orçamento federal (SCHUTZ, 2017, p. 13-14).

Conforme apresentado acima, o ensino superior público é um “gasto”, que


67

equivale a uma grande parte do orçamento público que deveria ser redistribuído. O
documento sugere, portanto, que os estudantes paguem pela própria educação para
que isso gere uma economia do PIB brasileiro. E nesse momento, o torna-se mais
evidente que a educação não é entendida como direito, muito menos a busca por sua
instituição acontece.
No documento “Uma ponte para o futuro – 29 de outubro de 2015”, existe uma
corroboração com todos os indicativos de “Um Ajuste Justo”, de certa forma, ambos
se complementam. Mais uma vez, a prioridade é atender os interesses dos capitalistas
e manobrar as isenções fiscais a fim de sopesar os impostos regressivos para
população. É um programa que se propõe a preservar a economia brasileira e tornar
“viável” o seu desenvolvimento, devolvendo ao Estado a capacidade de executar
políticas sociais que combatam efetivamente a pobreza. Em nome de um “equilíbrio
fiscal” reduz-se o direito à educação, diminuindo cada vez mais os recursos voltados
à educação, demonstrando que esta não é uma prioridade na escala de valores do
estado e que seu acesso deverá ser limitado, isto é, permitido mediante a renda
individual de cada família. Essa interferência das agências multilaterais nos projetos
educacionais, mostra que o direito à educação é nitidamente destituído.
Além destes documentos investigamos algumas organizações que
representam os interesses dos grupos empresariais da educação. A fim de identificar
através de seus discursos, as propostas que estas instituições elaboram e
implementam para a educação superior.
A ABED – Associação Brasileira de Ensino à Distância, objetiva promover o
estímulo e defesa voltados à lógica da privatização do Ensino Superior, mas que
gradualmente tem adentrado aos outros níveis de ensino, colocando todas as
vantagens que a formação à distância proporciona, sejam da facilidade do acesso –
por ser tudo digital, como das mais diversas “portas” que são abertas no mercado de
trabalho.
Tem por objetivo incentivar a prática, o desenvolvimento de projetos em
educação à distância em todas suas formas, como também apresentar a qualidade
de serviços para os alunos, professores, instituições e empresas que utilizam a
educação à distância. Também busca apoiar a criação da “indústria do conhecimento”,
elencando que é possível reduzir as desigualdades causadas pelo isolamento e
distanciamento dos centros urbanos. Para a ABED, a educação é entendida como um
processo de formação para o mercado de trabalho (igual a concepção do banco
68

mundial), em sua forma mais flexível possível.


Todas as possibilidades são direcionadas para a lógica digital e mercantil, que
são grandes aliadas. Não se fala em pesquisa, extensão, e construção de
conhecimentos críticos. Mas sim, em valorização do “mundo digital” e do
empreendedorismo. Na visão da ABED, através da educação à distância é possível
oferecer uma educação de excelência para as classes trabalhadoras. Embora
saibamos que isso não é possível, ao considerarmos o contexto de desigualdades
sociais que perpassam todas as áreas de ensino, sobretudo, numa visão de que todos
possuem fácil acesso às tecnologias para assim priorizá-las.
A ABMES – Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior,
criada em agosto de 1982, se trata de uma associação de mantenedoras, isto é, de
sustentação deste tipo de ensino, que por sua vez estão totalmente relacionadas à
defesa do mercado financeiro dos grandes grupos empresariais. O objetivo desta
associação é engajar suas mantidas (empresas que se associam) nas mais diversas
instâncias e assim atuar para consolidação efetiva de seus pares. Hoje a entidade
congrega mais de 5.300 unidades educacionais, entre mantenedoras e mantidas, e
tem como um de seus principais objetivos institucionais subsidiar a definição de
políticas públicas para a educação superior. Segundo seus argumentos, a ABMES
desempenha seu papel com firmeza, audácia e obstinação, sendo, atualmente, a
maior instituição representativa da educação superior particular no Brasil.
Os principais centros universitários e faculdades brasileiros são filiados e/ou
apoiadores a ABMES, como exemplo deles: SENAC, AMPESC, Celso Lisboa, Saint
Paul, Fainor, Estácio, Universidade Católica de Brasília, Unijorge, Centro universitário
do Vale do Araguaia, Faculdade do Trabalho, Faculdade Carajás. Esses grupos
possuem em comum a concepção de uma educação voltada para o trabalho, isto é,
para uma área do saber, que a curto prazo irá dar um retorno financeiro (no sentido
lucrativo) como também de lógica empreendedora, que está pautado numa visão
tecnológica do saber.
69

Figura 1 - Quadro da expansão da ABMES no Brasil.

Fonte: ABMES (2021)

O GRUPO SER, quando mostra os indícios mercantis na defesa da


empregabilidade e empreendedorismo direcionado à toda formação dos estudantes.
Tem por objetivo a formação de profissionais seres humanos empreendedores e
inovadores, que vão estar preparados para o mundo global do trabalho presente e
futuro. As Instituições que o formam são muito dinamizadas e divulgadas, pelos
aparelhos midiáticos, a exemplo disso, estão: a UNINASSAU26, a UNIVERITAS27, a
UNINORTE28, a UNIFAEL29 e outras.
Para este grupo privado, o que importa é a educação empreendedora, esta é a
premissa da educação, ao defender que o seu papel na formação do indivíduo está
aferido ao crescimento pessoal pela formação para o mercado de trabalho. Nossas
análises indicam que esse grupo mostra os indícios mercantis na defesa da
empregabilidade e empreendedorismo, como objetivos que direciona a formação dos
estudantes.
Grupo Laureate: Um dos grandes grupos de Monopólio privado de Educação

26
Centro Universitário Maurício de Nassau
27
Centro Universitário UNIVERITAS
28
Centro Universitário do Norte
29
Centro Universitário UNIFAEL
70

Superior no Mundo, o objetivo é expandir seus conglomerados empresariais a fins de


homogeneizar o ensino privado no Brasil. Em sua concepção, a educação é uma
chave do mercado de trabalho. Defende um modelo de ensino rápido, assertivo e
determinado.
Por último, fizemos algumas reflexões sobre o Portal desafios da Educação,
apresenta-se como um portal de informações sobre a educação, que compartilha as
experiências “bem-sucedidas” e as melhores práticas do mundo acadêmico. Nesse
sentido, evidencia a necessidade do ensino híbrido, incentivando cada mês mais o
ensino à distância, elencando suas possibilidades e facilidades no mundo da
academia. O que grosso modo, podemos traduzir como uma forma de expansão do
ideário tecnológico da educação. Não por menos, o portal possui parceria coma ABED
e plataformas virtuais que visam e defendem a todo custo o ensino à distância.
Compartilhar notícias acerca da educação com ênfase no ensino à distância e suas
possibilidades, trazendo os seus benefícios a todo momento. Esse portal deixa a
entender que a Educação Presencial é algo que pode ser facilmente substituído pelo
ensino híbrido e posteriormente pela sua totalidade à distância. Um exemplo claro
disto, são as postagens frequentes acerca da pandemia e os benefícios trazidos para
continuidade do ensino com a EAD.
O levantamento destas organizações nos indica qual o projeto empresarial de
educação está sendo defendido e implementado e como estas propostas se
aproximam das ações do governo federal no que se refere a educação superior
brasileira. Identificamos neste conjunto a perspectiva de relacionar educação e
trabalho, subordinando a primeira às regras do mercado. O empreendedorismo é uma
ideia forte presente neste projeto educacional de mercado. Após identificar como os
grupos empresariais elaboram suas concepções sobre educação e considerando a
educação superior um momento da luta de classes, passamos a analisar como as
organizações das classes subalternas/trabalhadoras compreendem a educação.
O ANDES, ao longo de sua história vem de encontro à defesa intransigente dos
direitos da classe trabalhadora. Particularmente no que se refere à educação pública,
aponta e denuncia os indícios do mercado em cada tomada de decisão feita pelo atual
presidente. Como exemplo disso, foi criado um dossiê intitulado de “Militarização do
governo bolsonaro e intervenção nas instituições federais de ensino”, no qual os
organizadores fazem uma crítica a composição atual do governo que é repleta de
militares. Diante das ofensivas do governo, o ANDES elaborou uma cartilha que vêm
71

alertando sobre a influências dos organismos internacionais perante a educação


superior.
Iniciamos nossa análise identificando a proposição do ANDES – Sindicato
Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, criado em 1981, com sede
em Brasília, e com seções sindicais nos locais de trabalho dos docentes, representa
essa classe de educadores de ensino superior, básico, técnico e tecnológico do país.
Além disso, o Andes é filiado à Central Sindical e Popular Conlutas. As propostas que
o ANDES critou para a universidade brasileira utilizam o arcabouço histórico da
formação do país, partindo dos problemas vivenciados pela grande parte dos
trabalhodres e que foram reivindicados nos movimentos sociais de base – ao exigirem
melhores condicões de emprego, renda, transporte, moradia, saúde e educação.
No tocante à cartilha, o ANDES situa o FUTURE-SE num conjunto de
contrarreformas impostas à educação superior na América Latina a partir das
determinações dos organismos internacionais, como o Banco Mundial, o Fundo
Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comércio, que sistematizam no
documento “Um ajuste justo”, conforme trouxem para análise anterior.
Para fins de análise, o que o ANDES explica e defende é uma Educação
Superior Pública, gratuita, democrática, laica e de qualidade. Para o ANDES a
educação não é mercadoria. A educação é a saída para a emancipação política e
humana, a qual deve estar pautada num modelo de instituição que tenha qualidade e
a responsabilidade social do trabalho acadêmico e com a construção de uma
sociedade justa e igualitária.
Dessa forma, nota-se que há atualmente, no Brasil, uma polarização de
interesses em torno da Educação Superior, pondo em um mesmo campo político as
organizações multilaterais (BM), as organizações empresariais, e neste momento de
avanço ultraneoliberal este projeto se expressa nas ações do Estado nos programas,
projetos e decretos. Ressaltamos a relação de subordinação da educação superior ao
mercado e a noção de empreendedorismo nestas concepções. Em oposição a estas
concepções, temos a noção de educação do ANDES e da UNE na defesa de uma
educação pública, gratuita, laica, de qualidade e que além de formar para o trabalho
contribua com a construção de sujeitos críticos.

3.2 EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL E AS LUTAS DE CLASSE

O embate entre projetos antagônicos de educação e de universidade atravessa


72

a história brasileira. Porque de um lado temos os setores privatistas da educação


defendendo uma liberdade de mercado para o ensino, e de outro, temos educadores,
movimentos sociais, sindicais e estudantis em defesa da educação pública e gratuita.
Constitui-se um embate histórico que também se recai sobre a disputa pelo fundo
público (TRINDADE, 2014).
A luta de classes demarca todo o percurso da história da Educação Superior
no Brasil. E na particularidade do governo Bolsonaro não tem sido menos acirrada e
mantida todas as lutas, reiterando direitos já conquistados, mas que vêm sendo
constantemente atacados como também pela busca de condições mínimas e dignas
de exercer a cidadania – numa compreensão macroscópica. Nesse governo foi
asteado uma bandeira contra a classe trabalhadora, e consequentemente, de ataque
aos estudantes. Por outro lado, é defendida uma forma de educação que atua sob a
perspectiva burguesa e que se contrapõe à universidade do direito da educação – não
somente da superior.
A universidade pública viveu a pandemia sob diversos ataques, dos mais
distintos setores, seja pela ausência condições objetivas (perpassando infraestrutura)
ou pelo investimento dos recursos necessários para manter tal instituição. Nesse
sentido, a educação foi fortemente atacada, e num momento de continuidade e
aprofundamento de medidas e determinações neoliberais, as políticas sociais como
um todo são fortemente impactadas, e dentre elas, está a política de educação
superior.
Cada vez mais a Educação Superior apresenta-se com certa dificuldade para
sua garantia pública, gratuita e democrática. O movimento é apresentar outras
“saídas” à educação que não uma relacionada à constituição da universalidade. Com
esse panorama, a contrarreforma do ensino superior é verificada com a ausência de
investimentos públicos em recursos humanos e materiais. Por isso, nossa discussão
nos leva a refletir sobre o lugar da educação na sociedade capitalista, ao buscarmos
apreender as contradições, os antagonismos de classe, e os diferentes projetos
educacionais em disputa (TRINDADE, 2014).
O lugar que a educação sob o capitalismo assume em nossa sociedade registra
a disseminação de ideologias, porque não podemos pensar e discutir a educação sem
relacioná-la com a superestrutura da sociedade, a qual possui função e finalidade
determinadas. Em outras palavras, a educação de modo geral, mas como objeto de
estudo do nosso trabalho, a superior, está determinada no curso da história como um
73

atendimento dos interesses da classe burguesa, e embora estejamos em um


movimento dialético da histórica, não podemos desconsiderar o peso que assume
essa condição determinada da educação desde seu início (TRINDADE, 2014).
Desse modo, a partir de um entendimento da educação inserida e condicionada
às determinações do modo de produção capitalista, sabemos que os espaços e
políticas educacionais assumem o resultado dessass expressões e relações
socialmente definidas – sob a relação de contradição entre capitalxtrabalho.
Segundo Santos Junior (2021)

Os dilemas que envolvem as sociedades atuais, pautados num contexto


histórico marcado por “jogos de interesses” em favor de uma minoria elitizada,
desencadearam e desencadeiam processos graduais de desigualdades.
Nesse sentido, os conflitos gerados no interior das sociedades capitalistas
permeiam as relações sociais entre classes antagônicas, isto é, entre a classe
dominante (elite) e a classe dominada (classe trabalhadora) (SANTOS
JUNIOR, 2021, p. 3).

Essa tensão é permanente no Modo de Produção Capitalista, porque nesta


disputa de interesses, a classe dominante possui centralidade. E essa minoria
elitizada origina-se, como estudamos, na formação inicial da classe trabalhadora,
quando a maior parcela populacional é “obrigada” a vender sua força de trabalho para
sobreviver e a menor parcela detém toda a riqueza socialmente produzida.
Numa disputa de interesses, no âmbito educacional, existe um polo de grupos
privatistas lutando pelo uso da verba pública para subsidiar o crescimento do setor
privado, constituído pelas Instituições de Educação Superior – IES com finalidade
lucrativa e pelas IES sem finalidade lucrativa – comunitárias, confessionais ou
filantrópicas, através das isenções e renúncias fiscais, e os militantes da educação
pública reafirmando: verba pública exclusivamente para a educação pública (LIMA,
2012, p. 32).
Continua sendo formado, assim, apesar de reconhecermos alguns avanços à
esta modalidade de ensino, donde destacam-se: o Programa Universidade para
Todos (PROUNI, 2004); a integração de Instituições Federais de Educação
Profissional e Tecnológica (IFETS, 2007); o Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI, 2007); a criação da
Universidade Aberta do Brasil (UAB, 2006). Devemos ressaltar, Segundo Cruz e Paula
(2018a) que no governo Lula a Educação Superior privada cresceu aliada aos
programas FIES e PROUNI. Isso promoveu uma expansão significativa de matrículas,
das quais, para a autora foram:
74

às custas de vultosas somas de isenção fiscal, com incentivo do Estado, por


outro lado, houve também um investimento no sentido da expansão e
reestruturação das universidades federais (REUNI), com intensificação do
processo de interiorização dessas universidades e significativo incremento de
vagas no setor público (CRUZ; PAULA, 2018a, p. 12).

Além de medidas como a constituição dos Institutos Federais de Educação,


Ciência e Tecnologia (IFET), no âmbito da Rede Federal de Educação Tecnológica, e
o Sistema de Seleção Unificado (SISU), no qual as IES públicas oferecem vagas para
candidatos participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). De acordo
com o Resumo Técnico – Censo da Educação Superior (2014), constata- se o
quadro/panorama privatizante do ensino superior brasileiro pela predominância da
categoria privada: 74,9% do total das IES, enquanto as públicas registram apenas
25,1%.
Ao longo da história da formação brasileira ocorrem lutas por direito à educação.
Os membros das comunidades universitárias do setor público têm se organizado
historicamente, tais como os docentes, dirigentes, servidores, técnico-administrativos
e estudantes – através de suas entidades de representação, como a ANDIFES30,
ANDES, UNE, fazendo seu diagnóstico de análise do desafio diante as propostas
neoliberais de Educação Superior no Brasil, e têm formulado suas respostas as
recomendações e propostas para superar. Além de reagirem às propostas
governamentais (SGUISSARD, 2009, p. 17).
De outro lado, as mantenedoras e dirigentes do setor educacional privado, no
Brasil, representados entre outras entidades, pela ABMES e ANUP 31, por exemplo,
como mostra Sguissard (2009), de acordo com a heterogeneidade e finalidades
explícitas ou ocultas de suas instituições/organizações têm compreendido o desafio
posto pela educação superior e têm, de modo mais ou menos articulado, reagido às
ações oficiais e/ou respondido aos sinais edemandas do mercado (p. 17)
Quando, na década de 1960, mais especificamente, no ano de 1965, quando a
realidade do privilégio que é conseguir acesso ao ensino superior, isso sem contar
com a permanência e a conclusão do mesmo, de um lado, porque sabemos que o
ensino superior “[...] continua a caracterizar-se por sua natureza ultraelitista, que não
pode ser corrigido por passes de mágica e a curto prazo” (FERNANDES, 2020, p. 76).
Esse caráter ultraelitista demonstra que a Educação não é para a classe trabalhadora.

30
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
31
Associação Nacional das Universidades Particulares
75

Desde seus primórdios, a educação foi pensada e formulada para atender a um


pequeno grupo de indivíduos, que iriam deter o conhecimento específico para uma
determinação função de trabalho, que não se caracterizava como um trabalho
“braçal”.
A proposta de Educação Superior hoje no Brasil para classe trabalhadora é
voltada imediatamente para uma força de trabalho. Visa promover um espírito de
“inovação, credibilidade e possibilidades com a educação à distância. E não conforma
a educação superior no Brasil como um direito social. mas sim como uma política que
está no centro da luta de classe, porque alem de ser uma estratégia de obtenção de
lucros para a burguesia é tambem responsável pela formação da massa de força de
trabalho para o capital. nesse sentido, em oposição a esta visão, as classes
trabalhadoras encontram na educação superior possibilidades de modificação de
condições de vida, acesso a o trabalho de qualidade e a formação crítica para
fortalecer a luta por outros direitos sociais.
76

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve como objeto de análise: Educação Superior e Mercadoria: um


estudo sobre as políticas educacionais do Governo Bolsonaro. A trajetória de análise
realizada aqui objetivou: O objetivo geral deste estudo, portanto, foi analisar a
trajetória da Educação Superior no Brasil, considerando os determinantes que a
inserem no circuito mercadológico, considerando o ano de 2016 como marco
regulatório da expansão da privatização da educação superior até o momento do
governo neoliberal de Bolsonaro.
Para isso, foram desenvolvidos três objetivos específicos, quando: apreender
como a educação superior ingressa no circuito da mercadoria e discuti-la como direito
e valor de troca nas sociedades capitalista; analisar as principais tendências da
educação superior no Brasil dado o contexto de privatização e ajuste fiscal brasileiro;
explicar a relação entre educação superior e economia política. A busca para alcançar
esses objetivos norteou-se por responder aos pressupostos teóricos e políticos para
legislar o Ensino Superior, e as implicações da reforma do Estado para a Educação;
à funcionalidade da educação superior para o Capital, considerando a relação entre
mercadoria e educação; e a identificação de quais tendências da educação superior
no contexto de reprodução ampliada do capital e os mecanismos que a levam ao
circuito da mercadoria.
Ao passo que caminhamos para finalizar nosso estudo, concluímos que existe
uma conexão entre educação e movimento econômico particularmente no que se
refere à educação superior no Brasil. essa conexão pode ser compreendida como uma
relação ontológica entre economia e mercado. torna- se nítido, assim, que a forma
como a educação superior configurava-se, em seus primórdios, em suas raízes mais
profundas, não é díspar do que apresentamos em nossa hipótese de a “educação
superior enquanto privilégio de uma classe em detrimento de outra”. a educação
superior, agora, afirmamos ser privilégio de uma classe. possui corte de cor, raça,
renda e outros elementos que configuram a diversidade dos indivíduos. mas é um
objeto de luta de classes onde a classe trabalhadora em alguns momentos históricos
alcança maiores direitos, inclusive a educação superior.
Defendemos, enquanto estudiosos da área uma compreensão e concepção
ampliada da educação, e principalmente a superior, que é o foco de nossa pesquisa.
Mas percebemos que tanto na estrutura brasileira “antiga” quanto na sua atualidade,
77

a educação não é vista e defendida sob essa forma ampliada. Essa forma de
apreender a educação, nos faz enxergá-la num sentido além da formação
propriamente dita, perpassada no interior das salas de aulas (em sua forma
presencial) ou sob as formas privadas (que sequer conceituam a educação como
construção de conhecimento crítico). É salutar, perceber, que a Política de Educação
abrange todos os contextos da vida social, sejam eles econômicos, políticos, sociais,
culturais, raciais e outros. É preciso superarmos os aspectos ideológicos que
alimentam a educação enquanto iniciativa individual e dotada de meritocracia.
O discurso meritocrático, por sua vez, atrela a educação como um instrumento
que deve partir do sujeito à procura, mas também num discurso ideológico e
engessado no qual se não existir a “força de vontade” como o principal condicionante
da realidade dos sujeitos, nada se faz possível. Sob essa ótica, os indivíduos são
culpabilizados por sua atual condição. No âmbito educacional, pelo discurso burguês
e de meritocracia, a ausência ou existência da força de vontade é suficiente para
explicar o acesso ou não ao ensino. A meritocracia é muito popularizada em veículos
midiáticos diversos, desde as redes sociais aos programas de televisão, jornais, rádios
e pelo senso comum. Nesse caminho, o mérito surge como um protótipo de realização
dos direitos sociais e de uma boa condição de vida.
Importante descartamos que esse discurso meritocrático é direcionado não só
à educação, mas também ao cotidiano das pessoas perpassando suas condições de
moradia, saúde, alimentação, transporte e outros; tudo isso sugerindo que o
crescimento pessoal e profissional depende, único e exclusivamente, da capacidade
e do interesse de cada pessoa. No entanto, parece-nos que acreditar nisso é uma
negação da realidade concreta e da vida social sob um sistema econômico excludente
e cruel. Por isso, saber o papel e a necessidade para a classe burguesa da reprodução
ampliada do capital enquanto estratégia de controle político e ideológico sobre os
indivíduos é fundamental.
Somado a esse discurso político e ideológico, trazemos a afirmação do ex
Ministro da Educação, Milton Ribeiro, que fez um discurso infeliz – mas dotado de
ideologia de um projeto de classe burguêsa e de um governo ultraneoliberal,
revelando a forma como pensam e agem para que se construa a educação superior
no Brasil. a afirmação foi “universidade não é para todos”, mas “somente para algumas
pessoas”. apontou ainda que “as universidades devem ficar reservadas para uma elite
intelectual, que não é mesma elite econômica”.
78

Para tanto, tais afirmações se revelam na trajetória histórica brasileira quando


discutimos a formação sócio-histórica da educação brasileira na qual o ensino superior
de fato desde suas primeiras formas foi de caráter elitista e voltado para os filhos dos
grandes fazendeiros de café, açúcar. Mas, ouvir tal afirmação de um ministro de
estado revela a permanência desta concepção restrita e elitista da educação superior
que a burguesia brasileira defende ainda hoje.
Somado a isso, é importante trazermos o quanto o cenário contemporâneo que
vive a Pandemia da COVID-1932 desde o início de 2020 também é um marco de
ampliação das políticas do governo ultraneoliberalista. podemos perceber em
praticamente dois anos de pandemia houve uma intensificação e um
superfaturamento de grandes grupos empresariais, que aumentaram suas fortunas e
concentração de riquezas, com o acúmulo de capital financeiro, sobretudo os grupos
educacionais Kroton e Ser.
Nesse sentido, a educação também foi afetada no sentido literal, porque em
razão do distaciamento social e impossibilidade inicial – ao passo em que ainda eram
iniciantes as medidas de proteção e contenção do vírus, o ensino presencial foi
impossibilitado. Nesse cenário pandêmico, percebemos que as estratégias de
acumulação financeira através do domínio e subordinação do trabalho ao capital são
ampliadas. Principalmente por meio da criação de plataformas de ensino superior,
voltadas à EAD. De acordo com Negreiros (2019) as desigualdades no âmbito da
educação superior brasileira, cujas dificuldades remontam décadas passadas, como
elencamos anteriormente colocam em evidência as disputas por projetos de educação
no país e no mundo, como exemplo disso os setores dominantes que são
representados pelas frações de grupos rentistas do capital.
Assim, entendemos como explica a autora, “pegaram o “atalho” da pandemia
da Covid-19 e puseram na ordem do dia as discussões que justificavam a continuidade
das atividades econômicas, a necessidade de cumprimento das metas educacionais
e a redução do impacto desse período na formação dos jovens.” (p. 12).
Com esse entendimento, chegamos aos resultados do nosso trabalho. Assim,
concluímos que as bases históricas são importantes para identificarmos as tendências
atuais da Educação Superior, e para entender seu caráter dependente e heteronomo,

32
A Organização Mundial da Saúde declarou situação de pandemia apenas no dia 13 de março,
portanto até então o novo coronavírus era abordado como epidemia, ainda que já estivesse avançando
em inúmeros países referência (CALIL, 2021).
79

com traços classistas. Também compreendemos que a tendência de tornar a


educação superior em uma mercadoria é oriunda dos países centrais e dos projetos
econômicos em curso, que apresentam as propostas de reformulações nos projetos
de ensino.
Outro elemento importante foi perceber que a República Velha, quando
delimitou a educação básica no discurso governamental como um direito social,
apontou também características que denotam o caráter conversador da perspectiva
da educação, e a participação de empresas nas definições da política educacional.
Também demarcou a possibilidade de a familia ser um agente promotor de educação,
deixando assim, apenas, a garatia do ensino primario gratuito e a isenção fiscal para
empresas.
Na vigência do regime militar, na visão deste projeto de país (de capitalismo
monopolista) a classe trabalhadora deveria ser formada para o mundo do trabalho
fabril desde a infância. Isso obstaculiza sua via de acesso aos niveis superiores de
ensino, e aparece na conclusão do período uma maior atenção de ensino universitário
sob controle estatal, abertura do capital privado, e a prevalência de áreas tecnológicas
e de universidade elitizada.
Também observamos um reconhecimento tardio do direito à educação, que
ocorreu apenas em 1988, uma vez que em 1934 (constituição federal) se configurava
como parcialmente reconhecida como direito, pois estava condicionada a existência
de vagas para matrículas e a mesma constituição defendia a política eugenista, que
já explicamos anteriormente ser basicamente um traço racista e classista da
educação. ou seja, a educação superior é um privilégio histórico embora na
constituição federal de 1988 seja definida como direito social. mas no atual momento
sob o reinado do capitalismo financeiro manter como privilégio social. afinal, também
é pela educação que se reproduz a força de trabalho necessária ao desenvolvimento
e ampliação do capitalismo na sua busca por expansão, não à toa, que a educação
contribui significativamente na reprodução ampliada do capital, pois a constitui. nesse
sentido, o nexo educação/trabalho se constitui como uma unidade dialética funcional
e vital ao capitalismo.
Decerto, no circuito de (re)produção do capital a relação produção, distribuição
e consumo a educação aparece em todo o ciclo capitalista, e apresenta dois projetos
em tensão. Um primeiro que se funda numa educação de qualidade para a classe
trabalhadora, embora financiada pelo Estado e servindo também como controle social;
80

e uma segunda onde a Educação significa uma mercadoria, a qual possui princípios
e finalidades definidas para atendimento do Mercado, e essencialmente, da classe
dominante. Possuindo, sobretudo, as determinações internacionais relevantes como
a crise estrutural do capital, hegemonia da financeirização da economia e as lutas de
classe.
Por fim, a educação superior no Brasil se insere na luta de classe e se expressa
na disputa de dois projetos opostos, em que em razão do predomínio dos interesses
econômicos, sociais e políticos da elite brasileira, a educação superior foi
praticamente resumida e destinada à função de formar profissionais liberais.
Sabemos, afinal, que a educação de qualidade ainda existe, no entato, continua
sendo um privilégio assim como foi na colônia, no império, na república velha e na
república nova. mudaram-se as estruturas e bases econômicas e de domínio, mas
prevaleceram-se o atendimento às exigências de uma classe superior (dominante) a
uma classe dominada (de trabalhadores). As mudanças ocorridas 2003-2016
ampliaram o acesso, mas foram revertidas com uma ofensiva que novamente
distanciou – por enquanto – as classes trabalhadoras do direito a educação de
qualidade.
Assim, num país de capitalismo dependente, periférico e pertencente a um
projeto de dominação de classe, que vem sendo expresso pelo neoliberalismo, com
seus pilares voltados à financeirização e privatização das formas de ensino, ancora-
se um debate de dívida pública como justificativa principal para o mecanismo de
transferências de recursos. A política de tributação regressiva do Brasil, que significa
maiores tributos para classe trabalhadora e menos para classe capitalista, como
explica Brettas (2017), nos permite compreender que somente a ruptura com esse
modo de produção é possível vislumbrarmos a emancipação humana, tratando a
educação como o mundo das liberdades – e possibilidades, como nos indica um dos
percurssores da defesa da educação.
81

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