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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Faculdade de Serviço Social

Bianca Ferreira dos Santos

Serviço Social e a produção do conhecimento acadêmico-


científico: um debate sobre o fenômeno da violência contra a
mulher através de estudos apresentados nos Congressos
Brasileiros de Assistentes Sociais da década de 1990

Rio de Janeiro
2020
Bianca Ferreira dos Santos

Serviço Social e a produção do conhecimento acadêmico-científico: Um debate


sobre o fenômeno da violência contra a mulher através de estudos
apresentados nos Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais da década de
1990

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós Graduação em Serviço
Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.

Orientadora: Prof.ª Dra. Carla Cristina Lima de Almeida.

Rio de Janeiro
2020
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A

S237 Santos, Bianca Ferreira dos.


Serviço Social e a produção do conhecimento acadêmico-científico:
um debate sobre o fenômeno da violência contra a mulher através de es-
tudos apresentados nos Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais
da década de 1990 / Bianca Ferreira dos Santos. – 2020.
82 f.

Orientador: Carla Cristina Lima de Almeida.


Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Faculdade de Serviço Social.

1. Serviço Social – Teses. 2. Violência contra as mulheres – Teses.


3. Feminismo – Teses. I. Almeida, Carla Cristina Lima de. II. Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Serviço Social. III. Título.

es CDU 36(81)

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou par-


cial desta dissertação, desde que citada a fonte.

___________________________________ _______________
Assinatura Data
Bianca Ferreira dos Santos

Serviço Social e a produção do conhecimento acadêmico-científico: Um debate


sobre o fenômeno da violência contra a mulher através de estudos
apresentados nos Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais da década de
1990

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós Graduação em Serviço
Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.

Aprovado 09 de abril de 2020.

Banca Examinadora:

_______________________________________
Prof.ª Dra. Carla Cristina Almeida (Orientadora)
Faculdade de Serviço Social – UERJ

_______________________________________
Prof.ª Dra. Ana Elisabeth Lole dos Santos
Departamento de Serviço Social – PUC-RJ

_______________________________________
Prof. Dr. Renato dos Santos Veloso
Faculdade de Serviço Social – UERJ

Rio de Janeiro
2020
AGRADECIMENTOS

Sonhar e concretizar essa dissertação seria impossível sem pessoas que


acreditaram na minha capacidade de vencer. Pessoas que foram inspiradoras, que
estiveram ao meu lado nos momentos descontraídos e também nos mais sofridos
que passei em toda minha vida. Desde quando ingressei nessa universidade no
ano de 2006, para a graduação em Serviço Social, eu senti que uma nova história
estava começando pra mim. Se passaram 14 anos até o Mestrado (Graduação e
Especialização) e ainda sonho em conhecer mais o Serviço Social. Senti que nesse
lugar eu teria muitas experiências acadêmicas, boas e ruins, mas segui acreditando
na minha resistência, na resistência e na força que esse espaço acadêmico produz
e reproduz. Agradeço com imensurável respeito e afeto:
A Deus, pois sem Ele, independente de credo, eu não teria minha história.
Muito obrigada por me sustentar, me confortar, me encorajar, me dar abrigo e
mansidão.
A minha família (Laudicea, minha mãe, Jony, meu irmão e meu saudoso pai,
o “Menino da Porteira”, João), que sempre respeitou minhas escolhas e me apoiou
em tudo. São meu porto seguro nesse mundo tão difícil.
A minha querida orientadora Carla Cristina Lima de Almeida. Passarei anos
agradecendo e ainda será pouco, por todos esses anos que foi minha orientadora
(Graduação, Especialização e Mestrado). Obrigada por conduzir minhas ideias,
pelo tempo despendido, por me ajudar nesse momento tão importante da minha
vida.
A Banca Examinadora, que tenho um carinho muito especial, a cada pessoa
e profissionais que são. Obrigada pelos apontamentos desde a qualificação, pelo
tempo que se dedicaram a ler essa dissertação e por toda contribuição para meu
crescimento acadêmico-profissional.
A Ana Maria Vasconcelos, suas bolsistas e estagiárias, que me acolheram
carinhosamente para pesquisar os cadernos de teses e comunicações do CBAS na
sala do Núcleo de Ensino, Extensão e Pesquisa em Serviço Social (UERJ).
A Coordenação de Pós-Graduação (Silene Freire e Vânia Sierra), aos
professores e a todos que fazem a Faculdade de Serviço Social da UERJ ser o que é.
São tantas pessoas que fazem parte desse momento tão singular de minha
vida, algumas preservarei, mas não posso deixar de mencionar alguns de tantos
nomes que são fundamentais para mim: Janine, obrigada minha amiga, por
acreditar no meu potencial e por viabilizar para que eu voltasse a estudar, quando
as imposições do capitalismo não permitem. A Simone, Gianini, Ana Paula, Elaina e
Lídia, amigas que me suportaram nos momentos difíceis e me proporcionaram
leveza com a alegria. A minha irmã de vida, não menos importante, que quaisquer
pessoas, Denises Manhães, você é especial demais, obrigada pela força, pela
descontração e concentração, companheira de todas as horas e a todos os meus
colegas do Mestrado.
Agradeço a todos os estudantes de Serviço Social e Assistentes Sociais que
contribuem para a produção do conhecimento. Agradeço a todas as autoras e
autores que foram inspirações para a construção desse trabalho.
Agradeço a todas as mulheres, principalmente as que sofrem ou sofreram
algum tipo de violência, por respeitosamente fazerem parte dessa dissertação.
Todas as mulheres têm direitos, todas as mulheres são sujeitos, todas as mulheres
são o que elas querem ser….livres e donas de si mesmas.
RESUMO

SANTOS, B. F. dos. Serviço Social e a produção do conhecimento acadêmico-


científico: um debate sobre o fenômeno da violência contra a mulher através de
estudos apresentados nos Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais da década
de 1990. 2020. 82 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de
Serviço Social, Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

A presente dissertação de Mestrado tem por finalidade apresentar dados e


contribuições acerca da produção de conhecimento em Serviço Social, nos
Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais (CBAS) ocorridos na década de
1990. A partir da categoria gênero, baseada em autores que discutem o tema,
propõe uma compreensão sobre estudos da violência contra a mulher no âmbito do
Serviço Social. Trouxe um breve histórico sobre o feminismo no Brasil, suas
colaborações para a realidade social das mulheres, a construção de igualdade de
gênero e seu impacto nas diversas camadas sociais, destacando para tanto a
participação do feminismo negro e demais movimentos feministas para o exercício
da garantia de direitos das mulheres. Apresentou políticas públicas e sociais que
emergiram na década de 1990, e foram importantes para o enfrentamento da
violação de direitos das mulheres e, por fim, a contribuição do Serviço Social no
debate sobre violência contra a mulher, no campo da produção do conhecimento
referenciando os resumos apresentados nos Congressos Brasileiro de Assistentes
Sociais (CBAS) na última década do século XX.

Palavras-chave: Violência contra a mulher. Gênero. Feminismos. Produção do


conhecimento. Serviço Social.
ABSTRACT

SANTOS, B. F. dos. Social Work and the production of academic and scientific
knowledge: a debate on the phenomenon of violence against a woman through
studies published in the Brazilian Congresses of Social Assistants in the 1990s.
2020. 82 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Serviço
Social, Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

The present masterizas dissertation aims to present data and contributions


on the production of knowledge in Social Work, in the Brazilian Congresses of
Social Workers (CBAS) that occurred in the 1990s. Based on the gender category,
of authors who discuss the theme, to propose an understanding of studies of
violence against a woman in the scope of Social Work. Brief historical problem
about feminism in Brazil, its collaborations in the social reality of women, a gender
construction and its impact on different social strata, highlighting both the
participation of black feminism and other feminist movements in the exercise of
guaranteeing women's rights. It presented public and social policies that emerged in
the 1990s, and were important for tackling violations of women's rights and, finally, a
contribution from Social Work without debate about violence against a woman, no
production field with knowledge regarding the curricula presented at Brazilian social
worker congresses (CBAS) in the last decade of the 20th century.

Keywords: Violence against women. Gender. Feminisms. Knowledge production.


Social Work.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABESS Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social


ANAS Associação Nacional de Assistentes Sociais
CBAS Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
CEB Código Eleitoral Brasileiro
CEDEPSS Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e
Serviço Social
CEFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria
CEOM Centro Especial de Orientação à Mulher
CFAS Conselho Federal de Assistentes Sociais
CFESS Conselho Federal de Serviço Social
CLADEM Comitê Latinoamericano de Defesa dos Direitos das Mulheres
CMB Centro da Mulher Brasileira
CNDM Conselho Nacional da Condição da Mulher
DEAM Delegacia de Atendimento à Mulher
ENESSO Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social
ESS Escola de Serviço Social
FBPF Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino
MFPA Movimento Feminino pela Anistia
MTD Movimento das Trabalhadoras Domésticas
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PCPVM Programa de Prevenção e combate à Violência contra a Mulher
PUC-RJ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
SESSUNE Subsecretaria de Estudantes de Serviço Social na União Nacional
dos Estudantes
SPM Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
UCSAL Universidade Católica do Salvador
UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFF Universidade Federal Fluminense
UNESP Universidade Estadual Paulista
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UFPE Universidade Federal do Pernambuco
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
URRN Universidade Regional do Rio Grande do Norte
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Número de artigos apresentados no 7º CBAS – Segundo Eixo


Temático ........................................................................................ 48
Quadro 2 – Número de artigos apresentados no 7º CBAS no eixo temático
“A atuação do Serviço Social junto à mulher e à família” ............... 49
Quadro 3 – Referencial teórico dos artigos sobre violência de gênero
apresentados no 7º CBAS ............................................................. 51
Quadro 4 – Número de artigos apresentados no 8º CBAS – Segundo eixo
temático ......................................................................................... 52
Quadro 5 – Número de artigos apresentados no 8º CBAS no eixo “O
Serviço Social frente às relações de gênero e etnia” ..................... 53
Quadro 6 – Referencial teórico dos artigos sobre violência de gênero
apresentados no 8º CBAS ............................................................. 57
Quadro 7 – Número de trabalhos apresentados no 9º CBAS – Segundo
eixo temático – Bloco I ................................................................... 60
Quadro 8 – Número de artigos apresentados no 9º CBAS – Segundo eixo
temático – Bloco II.......................................................................... 60
Quadro 9 – Artigos apresentados no eixo “Etnia e gênero” no 9º CBAS .......... 61
Quadro 10 - Artigo sobre gênero apresentado em outro eixo temático do 9º
CBAS ............................................................................................. 61
Quadro 11 – Número de atendimentos no Centro de Orientação à Mulher
Zuzu Angel, 1997 – 1998 ............................................................... 68
Quadro 12 – Referencial teórico dos artigos sobre violência de gênero contra
a mulher apresentados no 9ºCBAS ............................................... 69
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................. 11
1 GÊNERO, FEMINISMOS E VIOLÊNCIA ...................................................... 14
1.1 Uma discussão em torno da categoria gênero ........................................ 14
1.2 Feminismos, processo histórico e contexto político .............................. 27
1.3 A agenda feminista sobre a violência contra a mulher ........................... 36
2 SERVIÇO SOCIAL E A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO
CIENTÍFICO: UMA REFLEXÃO SOBRE A QUESTÃO DA VIOLÊNCIA
CONTRA A MULHER ATRAVÉS DE ESTUDOS SOBRE OS
RESUMOS DO CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES
SOCIAIS NA DÉCADA DE 1990 .................................................................. 42
2.1 Serviço Social, marxismo e feminismos ................................................... 43
2.1 7º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais ...................................... 47
2.3 8º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais ...................................... 52
2.4 9º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais ...................................... 58
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 74
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 78
11

INTRODUÇÃO

Muitas são as conquistas ao longo dos séculos, que as mulheres têm


alcançado. O direito ao voto, o trabalho remunerado, são alguns frutos dessa busca
incessante por igualdade de gênero, mas em pleno século XXI, ainda as
desigualdades de gênero se fazem presentes, principalmente quando se trata de
inserção no mercado de trabalho. Um cenário de subalternidade, que as mulheres
vivenciam com relação ao homem, o papel que cada um exerce, o valor que cada
um recebe pelo seu esforço enquanto força de trabalho (divisão sexual do trabalho).
Outra questão que confronta os direitos das mulheres é o fenômeno da violência.
O movimento feminista dá visibilidade ao fenômeno da violência contra a
mulher, no intuito de denunciar a violação dos direitos das mulheres, que se
caracteriza como empregar a força física, psicológica, a violação sexual, o atributo
intelectual, a obrigação de fazer algo que a mulher não concorde, desse modo
retendo sua liberdade, indo contra toda forma de respeito, assim podendo ser
contida através de agressões diversas, ameaças e até mesmo sendo morta. A
violência contra a mulher atinge mulheres de diversos contextos históricos, classes
sociais, raça e etnia.
As lutas do movimento feminista e de mulheres confrontam o Estado a reagir,
criando políticas públicas e sociais que visam combater as desigualdades e violência
de gênero. Cabe destacar que a consolidação de políticas para as mulheres, a
criação de instituições de atendimento e acolhimento para a mulher em situação de
vulnerabilidade por violência sofrida, contribui para o alargamento dos espaços
sócio-ocupacionais do Serviço Social.
Atuar diante dessa realidade, que também é uma expressão da questão
social, tem despertado no Serviço Social o aprofundamento técnico e teórico, mas
também ético e político, sobre o debate de gênero e precisamente sobre a violência
contra a mulher.
O interesse pelo debate da violência contra a mulher faz parte dos meus
estudos desde a época da graduação em Serviço Social, quando um dos campos de
estágio que pude me inserir foi a Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM) na
região Metropolitana do Rio de Janeiro. A instituição foi um cenário efervescente
para elencar questionamentos sobre o debate do fenômeno social, no qual pude
12

observar diversos sujeitos sociais: vítimas, agressores, profissionais do campo


policial, da justiça, assistentes sociais e psicólogos.
A oportunidade de estágio, além de outras importantes contribuições, me
despertou o desejo de aprofundar conhecimento sobre todas as questões que
envolvem a violência contra a mulher, como as relações de gênero, raça/etnia.
Atualmente no Mestrado e na participação no Projeto de Pesquisa “Por uma história
de Gênero e Feminismo no Serviço Social”, coordenado pelas Assistentes Sociais,
Doutoras e Professoras Ana Elizabeth Lole dos Santos (PUC-RJ), Carla Cristina
Lima de Almeida (UERJ) e Rita de Cássia Santos Freitas (UFF), despertou-me o
interesse pela abordagem da produção de conhecimento em Serviço Social sobre a
temática da violência contra a mulher e pelo debate do feminismo negro, o qual
pretendo pesquisar futuramente.
Assim, a presente dissertação de Mestrado, busca problematizar a
participação de Assistentes Sociais nos Congressos Brasileiros de Assistentes
Sociais (CBAS) discutindo o tema da violência contra a mulher na década de 1990.
O que provocou a pesquisa foi a compreensão que o debate de gênero e
violência contra a mulher no interior da categoria profissional não é algo recente,
mas fruto de esforços que vêm se construindo desde a década de 1980, quando
surgiram as primeiras intervenções do Estado no combate à violência, Delegacias de
Mulheres, Casas-abrigo e outras.
A década de 1990 pôde ser considerada a “década das mulheres”, por ter
dado continuidade a algumas iniciativas e criado outras políticas públicas e sociais
para mulheres. Nesse período também observamos através da leitura dos “cadernos
de teses ou comunicações” dos CBAS, um despertar para o amadurecimento
intelectual sobre o debate por parte da categoria profissional e academia.
Para realizar a pesquisa buscamos os resumos apresentados pelo Serviço
Social nos eventos ocorridos na década de 1990, atentando para os marcos teóricos
adotados pelas autoras/es, a natureza dos estudos e sua articulação com a
intervenção profissional e/ou pesquisa acadêmica. Buscamos também o recurso à
pesquisa bibliográfica a fim de aprofundar o estudo da violência de gênero nos
marcos do debate que articula gênero, raça e classe, abordagem que tem se
intensificado nos últimos anos e oferecido instrumentos importantes para a análise
social.
13

O primeiro capítulo destinou-se ao estudo conceitual de gênero e violência


contra a mulher, o qual apresentou diversos conceitos de autoras importantes,
relacionando as já conhecidas características mais comuns da violência contra a
mulher com o contexto social no qual se propagam as desigualdades das relações
de gênero, raça e classe. Para tanto, foi importante o conhecimento do debate
promovido pelo feminismo negro brasileiro e estadunidense que ajudou a trazer
visibilidade sobre o lugar das mulheres negras nas relações sociais, submetidas ao
sexismo, racismo e exploração social.
Nesse capítulo, buscamos ainda elencar o conjunto de legislações,
programas e instituições que conformaram a rede de enfrentamento à violência
contra a mulher na década de 1990, recuando para os anos 1980 e avançando um
pouco mais além dos 1990, a fim de identificar melhor o que ocorria em termos de
iniciativas públicas no que tange às respostas ao problema da violência de gênero.
O segundo capítulo abordou os resultados da pesquisa dos resumos
apresentados nos cadernos de teses/comunicações dos CBAS que apresentavam o
debate de gênero procedendo a uma reflexão mais descritiva e criteriosa sobre
como profissionais de Serviço Social compreendiam o tema da violência contra a
mulher. A pesquisa qualitativa buscou caracterizar quem eram as autoras, de onde
eram, as quais instituições pertenciam e quais teóricos eram mais evidenciados em
seus estudos.
O capítulo também desvelou muitos desafios e limitações, pois apresentou
dificuldades para lidar com dados secundários devido à falta de padronização do
material e à ausência de clareza de alguns resumos. O Estudo do “Estado da Arte”
(FERREIRA, 2002) se faz muito presente nesse tipo de pesquisa, devido a ser uma
ferramenta que permite a abordagem histórica de um problema a partir de registros
esparsos. Essa ferramenta metodológica será abordada no capítulo dois.
A pesquisa buscou desvelar as perspectivas sobre o debate de gênero e
especificadamente o tema violência contra a mulher, a partir de resumos
apresentados por estudantes e profissionais de Serviço Social nos Congressos
Brasileiros de Assistentes Sociais (CBAS) realizados na década de 1990. Buscou
informar, diante desses resumos, quem eram os (as) autores (as), se eram
profissionais ou estudantes, quais instituições pertenciam, acadêmicas ou
profissionais, quais tipos de experiências ou ferramentas metodológicas se
debruçaram para elencar os resumos.
14

1 GÊNERO, FEMINISMOS E VIOLÊNCIA

Nesse capítulo buscamos um entendimento do debate de gênero, articulando


autoras clássicas do debate com uma perspectiva que situa a questão das mulheres
no contexto da sociedade capitalista. Observamos a necessidade de discutir gênero
relacionado à classe e raça uma vez que o sujeito “mulher” é múltiplo e essas
dimensões se articulam para elucidar a particularidade da desigualdade social em
que se situam as mulheres. Para tanto, nos valemos dos estudos das feministas
negras brasileiras que mostram a negligência dada à situação das mulheres negras
e reivindicam a centralidade do enfrentamento do racismo no debate de gênero.
Entendemos que isso é fundamental para a compreensão do fenômeno da violência,
objeto central dessa pesquisa.

1.1 Uma discussão em torno da categoria gênero

Os debates sobre a categoria gênero e as relações sociais que perpassam


essa categoria têm crescido nos estudos acadêmicos, em diversas áreas do saber
nos tempos atuais. Todavia a perspectiva que adotamos baseia-se num olhar crítico,
tendo como fundamento o processo histórico, que se desvela no decorrer das
pesquisas acadêmicas sobre o assunto.
Enquanto categoria de análise, gênero possui uma história recente, oriunda
das lutas feministas. Destacamos, entretanto, as relações sociais de gênero como
objeto histórico constituído na percepção das diferenças entre os sexos, que
atravessam o entendimento da evolução humana.
Contudo, o significado dessas relações ainda não é clarificado no cotidiano de
homens e mulheres. Por outro lado, muitas ações (projetos, grupos, associações e
movimentos) têm colaborado para publicizar esse significado das relações sociais de
gênero. Mas clarificar esse significado tem sido algo muito árduo, levando em
consideração a complexidade que caracteriza as relações de gênero e seu contexto
histórico. Assim, o debate teórico sobre a categoria gênero se desenvolve de forma
diversificada, da qual faremos algumas considerações.
De acordo com Barbieri (1993), a procura pelo fortalecimento de um conceito
de gênero atravessa três vertentes. A primeira lida com as relações de sexo e o
modo como as desigualdades se manifestam na divisão social do trabalho; a
15

segunda, que segue a interpretação da psicanálise, identifica o gênero como


categoria vinculada à hierarquia, posição e prestígio social e a terceira, oriunda do
pós-estruturalismo, que produz uma revisão do estruturalismo e do marxismo,
influencia nos debates atuais, como nos exemplos de estudos de Barbieri (1993) e
Scott (1995).
A última vertente citada por Barbieri (1993) declara que o conceito de gênero
advém do pós-estruturalismo, que leva à revisão do estruturalismo e do marxismo.
Tanto para Barbieri quanto para Scott e outras autoras, o reconhecimento do
pós- estruturalismo traz importantes contribuições para a crítica ao universalismo,
essencialismo, binarismo e iluminismo (MOUFFE,1999: 29).
Segundo Costa (2000, p. 57) citada por Biroli e Miguel (2012) tanto o
feminismo pós- estruturalista quanto o debate pós-estruturalista integram uma
determinada concepção sobre a constituição do sujeito: “o reconhecimento de que o
sujeito se constrói dentro de significados e de representações culturais, os quais por
sua vez encontram-se marcados por relações de poder”.
As teorias utilizadas por Scott (1994) estão relacionadas aos conceitos pós-
estruturalistas. Nessa perspectiva, o discurso, a diferença, a desconstrução, a
linguagem despertam a atenção sobre como são elementos capazes de contribuir
para os estudos feministas, assim como, outras categorias também, conforme
veremos adiante.
Scott (1990) utiliza o conceito de linguagem como um conjunto de códigos
verbais e não verbais, que constituem as práticas culturais, os modos
representativos de ser e ver o mundo e o modo como homens e mulheres se
relacionam entre si. Para ela, a linguagem exerce um papel de produção e
reprodução das expressões e intercessão entre os sujeitos e o meio externo.
Scott (1995) faz uma definição central de gênero em duas proposições:
a) Gênero como elemento constitutivo de relações sociais fundamentadas
nas diferenças identificadas entre os sexos, que acarretam em quatro
elementos que interagem: em primeiro lugar, os símbolos culturais,
onde as representações simbólicas são invocadas de formas diferentes
e em conjunturas distintas. Em segundo momento, conceitos
normativos que interpretam os significados dos símbolos, que tentam
reprimir suas possibilidades simbólicas. Um terceiro ponto é a inserção
16

de uma consciência política, assim como uma alusão às instituições e à


organização social. A quarta característica é a identidade subjetiva.
b) Gênero como forma primeira de dar sentido às relações de poder. O
gênero é uma das alusões recorrentes pelas quais o poder político tem
sido interpelado, idealizado e comprovado, aludido e concebendo a
refutação entre homens e mulheres. Para a autora, testar esta forma de
dominação, modificando quaisquer características dos seus aspectos,
pode gerar uma ameaça ao sistema inteiro.
Scott (1995) ao descrever as duas proposições evidencia que ambas não
podem ser separadas, que essas proposições caminham juntas e relacionadas.
Desse modo, a autora nos faz refletir que as transformações sociais constituem as
relações de poder, embora o poder também siga outros sentidos, como por exemplo,
o poder político. Reconhece, ainda, a necessidade de analisar o gênero em sua
articulação com outras categorias como classe e raça.
Desde a década de 1980, crescem as análises voltadas para a articulação de
gênero, classe e raça (SAFFIOTI, 1987; GONZALEZ, 1984; NASCIMENTO, 2019;
CARNEIRO, 2003), com destaque na sexualidade e no corpo, principalmente nas
discussões e pesquisas acadêmicas fomentadas pelas lutas antirracistas, contra o
patriarcado e a sociedade heteronormartiva, e o capitalismo. Estes estudos colocam
em discussão a habilidade das políticas públicas como respostas para as diferenças
experimentadas pelas mulheres, atravessadas por múltiplos marcadores de
diferenças.
Lélia Gonzalez (1983) traz em seu artigo “Racismo e sexismo na cultura
brasileira”, uma importante reflexão sobre o racismo, as mulheres negras e a
formação cultural no Brasil. A autora cita trechos que nos permitem refletir sobre
como o racismo é predominante no cotidiano das pessoas e como os (as) negros
(as) sofrem com a discriminação e até mesmo em diversas situações tentam se
“enquadrar” para serem aceitos pelos segmentos brancos da sociedade. A autora
relata que o racismo com o sexismo “produz efeitos violentos sobre a mulher negra
em particular” (GONZALEZ, 1983, p. 238).
Gonzalez (1983) relata a urgência do debate da questão da mulher negra sob
outras perspectivas, sendo mulata, domésticas e “mãe preta”. Para ela, o racismo
tem sido tratado como algo natural por toda a sociedade, não percebido. Exemplifica
diversas frases que são faladas no cotidiano quando se referem aos negros:
17

A primeira coisa que a gente percebe, nesse papo de racismo é que todo
mundo acha que é natural. Que negro tem mais é que viver na miséria. Por
que? Ora, porque ele tem umas qualidades que não estão com nada:
irresponsabilidade, incapacidade intelectual, criancice, etc. e tal. Daí, é
natural que seja perseguido pela polícia, pois não gosta de trabalho, sabe?
Se não trabalha, é malandro e se é malandro é ladrão. Logo, tem que ser
preso, naturalmente. Menor negro só pode ser pivete ou trombadinha, pois
filho de peixe, peixinho é. Mulher negra, naturalmente, é cozinheira,
faxineira, servente, trocadora de ônibus ou prostituta. Basta a gente ler
jornal, ouvir rádio e ver televisão. Eles não querem nada. Portanto têm mais
é que ser favelados (GONZALEZ, 1983, p. 240).

Faz críticas à hipocrisia, quando o brasileiro é questionado sobre o racismo,


ao declarar que não existe racismo no país, que o negro é bem tratado e tem os
mesmos direitos (1983: 240). Ela desvela que mesmo de forma consciente ou não, a
africanidade contribui para caracterizar a cultura brasileira. Dentro desse contexto, a
mulher negra faz parte desse processo de construção, tanto quanto as formas de
rejeição e integração da sua função social.
Em uma das passagens, a autora traz essa relação dúbia com as mulheres
negras ao fazer um comparativo da mulher negra vista como “deusa” do Carnaval,
na satisfação fantasiosa e sexual masculina e como é tratada no cotidiano, no seu
trabalho. Gonzalez (1983) salienta a violência simbólica a qual as mulheres negras
são submetidas. Relata que os termos “mulata” e “doméstica” são atribuídos ao
mesmo sujeito, mas a escolha depende da situação na qual as mulheres negras são
vistas (GONZALEZ, 1983, p. 240). A autora faz um importante apontamento quando
cita o período escravocrata, e caracteriza as mucamas, que em seus grifos, segundo
a própria citação do dicionário Aurélio, mencionada por ela, a mucama era a escrava
negra, moça e de estimação determinada para serviços domésticos, acompanhante
da família e ama de leite.
A escrava, negra, mucama, tinha mais características, que segundo a autora,
o dicionário “Aurélio” poderia definir. A mucama proporcionava uma vida ociosa para
a mulher branca, pois era a mucama que cozinhava, educava, cuidada de todos
afazeres domésticos e ainda satisfazia as vontades sexuais do senhor. Elas eram
açoitadas, solidárias a seus companheiros e outros escravos na senzala (HAHNER,
1978, p. 120, apud GONZALEZ, 2019, p. 243).
Nessas exemplificações, a autora constata que a gênese da mulata e da
doméstica é oriunda da imagem da mucama. A mulher que era e é ocultada,
escondida, mas que ressurge plena, exuberante e desejada no carnaval.
18

A autora relata que a doméstica é a “mucama permitida”, que presta serviços,


que carrega sua própria família e dos outros (1983, p. 244). Esse é o lado oposto da
“mulata do carnaval”, onde as mulheres negras sofrem diversas discriminações, por
exemplo, quando são de classe média.
Gonzalez afirma que nada adianta serem educadas, “clarinhas”, bem-
vestidas, como os anúncios de oportunidades de emprego descrevem, se os
porteiros (brancos) dos condomínios obrigam as mulheres negras a entrarem pela
entrada de serviço, sendo esses mesmos porteiros que as admiram no carnaval e
em outros eventos (GONZALEZ, 2019, p. 244). Aqui fica evidente a hipocrisia que a
autora relata sobre o tratamento dado às mulheres negras em momentos distintos. A
mulher negra é tratada dependendo da circunstância que ela vivencia, seja nos
momentos de lazer, seja nos momentos de trabalho.
A autora referencia a imagem da “mãe preta” como uma “rasteira” para a
sociedade, pois é a “mãe preta” que educa, amamenta, cuida de uma forma geral,
ensina a criança a falar, é ela que exerce a função maternal já que a “mãe branca”
só pari a criança e o restante é a “bá” quem faz.
Observamos o comparativo sob o olhar da autora, que quando a negra é vista
como mucama, ela é a mulher, o desejo, e quando ela é a “bá”, representa a mãe, a
cuidadora. A mulher negra é discriminada, mas segundo os seus relatos é ela quem
educa e contribui para o desenvolvimento cultural das crianças.
Gonzalez (1983) fala sobre o “branqueamento” a que os negros são
submetidos para se “enquadrarem” nos padrões da sociedade brasileira atual, das
mudanças nas características físicas como labiais, cabelos e narizes a que muitas
vezes se submetem para apagar os traços raciais.
Cabe lembrar que esse texto é escrito na década de 1980, um contexto
diverso do que vivemos na atualidade na medida que assistimos à valorização de
um conjunto de atributos relacionados ao fenótipo e à cultura negra, como os
cabelos, os traços físicos, as roupas, a música, ainda que muitos outros aspectos
físicos, sociais e culturais permaneçam desvalorizados no conjunto da sociedade.
Nos anos de 1980, Gonzalez levanta bandeiras que reforçam a importância
da cultura negra, do fortalecimento de suas raízes, da importância da mulher negra
na sociedade, da construção de sua identidade. Defende que as negras e os negros
fazem parte da construção da cultura brasileira e que isso não pode ser eliminado,
escondido ou como a própria, em vários momentos relata, não pode ser recalcado.
19

Observamos que a autora incentiva a comunidade negra a denunciar a


simbólica democracia racial, fazendo com que os negros aceitem suas origens, não
sendo “branqueados”, não se afastando de sua cultura africana. Incentiva através de
suas falas, a busca por igualdade, seja na educação, trabalho, salários, na luta pela
igualdade racial e principalmente a de gênero, para as mulheres negras, que são tão
marcadas pela sociedade ainda discriminatória.
Seguramente, todos esses componentes (violência, injustiça social, racismo,
sexismo e outros) que possuem relevância no que concerne às questões da mulher
e de gênero, se destacam em distintos momentos históricos. Para que esses
componentes sejam erradicados de forma efetiva, identificamos que todos devem
ser problematizados e imperiosamente suplantados, visto que neste momento
estamos discutindo a composição das relações de gênero no capitalismo. São essas
diferenças, na medida que emergem e são problematizadas, que acentuam a
questão de que o debate de gênero é atravessado por marcadores que distinguem o
que seria “a experiência” das mulheres. Elas nunca podem ser tratadas de modo
genérico ou universal.
A elucidação do gênero de cunho histórico, não se caracteriza somente na
estruturação social dos sexos e das funções que são culturalmente conferidas ao
homem e à mulher no tempo. A constituição de uma identidade masculina ou
feminina, atravessa dimensões subjetivas e objetivas da consolidação dos sujeitos,
características que vão além do biológico, mas também atravessam questões
culturais, econômicas, sociais.
Sob esse prisma, salientamos para a complexidade do sistema capitalista que
alcança a sociabilidade de homens e mulheres, sem desconsiderar a existência de
diferenças e desigualdades nessa sociabilidade. Tais diferenças e desigualdades se
consolidam quando se distanciam cada vez mais das relações orgânicas e naturais,
que também fazem parte deste processo. Desse modo:
Através de um processo histórico uma espécie da natureza constitui-se, sem
perder sua base orgânico-natural, em espécie humana (processo de humanização).
“[...] quanto mais o homem se humaniza, quanto mais se torna ser social, tanto
menos o ser natural é determinante em sua vida” (BRAZ; NETTO, 2006, p. 38).
As relações de gênero não estão desassociadas dessas relações sociais que
definem a consolidação dos sujeitos, se prendem às singulares formas de
constituição social, devendo ser consideradas com cautela ao diferenciar as
20

singularidades do que expressa ser mulher e homem na atualidade, assim como não
se distanciar das determinações culturais e sócio-estruturais que caracterizam a
existência e a ação dos sujeitos.
De forma abrangente, a apreensão de sua característica social coloca as
relações de gênero numa colisão com a consolidação das funções naturais dadas às
mulheres e homens, abalando potências conservadoras persistentes na proteção da
vocação do feminino e do masculino, ou seja, no que se impõe a serem coisas “de
homens” e coisas “de mulheres”.
Desse modo é de grande relevância que se faça uma breve abordagem sobre
a consolidação do ser social (homem ou mulher), sendo assim, a importância de
detalharmos suas descrições enquanto ser social, para posteriormente entrarmos no
debate sobre a consolidação dos gêneros masculinos e femininos.
A elucidação do ser social tendo como base o processo histórico e a
capacitação humana se distingue do fato de apenas existir, isso quer dizer que é na
própria relação com os demais e com a natureza que a particularidade social se
intensifica.
Os fundamentos do método de consolidação do ser social não expõem
princípios que identificam homens e mulheres como seres sociais. Também aqui
devemos destacar que o trabalho não é o único que constitui e gesta o ser social,
embora seja atividade determinante, pelo fato de possibilitar o que difere o homem
da natureza:
A existência de cada elemento da riqueza material não existente na
natureza, sempre teve de ser mediada por uma atividade especial produtiva,
adequada a seu fim, que assimila elementos específicos da natureza a
necessidades humanas específicas. Como criador de valores de uso, como
trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem,
independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural
de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida
humana. (MARX, 1985a, p. 50).

A particularidade das relações que definem homens e mulheres enquanto


seres sociais precisa ser considerada e, para tanto, é importante aprofundar o
conhecimento sobre os conceitos de patriarcado e divisão sexual do trabalho,
sobretudo se adotamos a perspectiva crítica que tem no trabalho elemento central
da organização social e do ser social.
Compreendemos que homens e mulheres exercem relações diferentes de
trabalho (divisão sexual do trabalho), mas não devemos associar uma capacidade
humana inferior a qualquer das partes. O trabalho é o referencial da divisão sexual
21

do trabalho, diferenciando as relações sociais entre homens e mulheres, as quais


são transversais a todos os meios sociais (HIRATA, 2010).
Essas relações se fundamentam pelas distinções de cultura, distribuição de
funções, organização social e de inclusão de novos princípios na vida em sociedade.
O patriarcado faz parte desses princípios, que segundo Christine Delphy, significa:

Uma formação social em que os homens detêm o poder, ou ainda, mais


simplesmente, o poder é dos homens. Ele é, assim, quase sinônimo de
“dominação masculina” ou de opressão das mulheres. Essas expressões,
contemporâneas dos anos 70, referem-se ao mesmo objeto, designado na
época precedente pelas expressões “subordinação” ou “sujeição” das
mulheres, ou ainda “condição feminina” (DELPHY, 2009, p. 173).

A divisão sexual do trabalho foi pesquisada em diversos países, mas foi na


década de 1970, na França, que se consolidou o conceito dessa forma de divisão do
trabalho, que teve como pano de fundo, as lutas do movimento feminista. O conceito
de divisão sexual do trabalho enraizou a discussão sobre a participação da mulher
no trabalho em espaços públicos e privados. Desse modo, as mulheres deixam de
ser despercebidas diante da reprodução social, que executavam sem ganho algum
(CASTRO, 1992).
Kergoat (2009: 67), descreve que divisão sexual do trabalho teve uma
definição inicial quando etnólogos utilizaram o termo para fazer uma divisão à parte
dos afazeres entre homens e mulheres naquela sociedade que viviam. Já Lévi-
Strauss utilizou o termo como um modo descritivo da sociedade no interior da
família.
Mas foram as antropólogas feministas, conforme a autora, que deram uma
nova definição para o termo, diferente da definição dada pelos etnólogos, sendo
“uma relação de poder dos homens sobre as mulheres” (MATHIEU, 1991; TABET,
1999). A autora ainda relata que em disciplinas de História e Sociologia, o termo tem
um sentido analítico. Para Kergoat (2009, p. 67) a divisão sexual do trabalho é:

A forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais de


sexo; essa forma é historicamente adaptada a cada sociedade. Tem por
características a destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e das
mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a ocupação pelos
homens das funções de forte valor social agregado (políticas, religiosas,
militares etc.).

Segundo a autora, o termo está dividido em dois elementos organizadores,


sendo o da separação, os quais homens e mulheres exercem trabalhos diferentes e
o da hierarquização, em que o trabalho exercido pelo homem tem mais valor do que
22

o exercido pela mulher. Kergoat (2009, p. 67) evidencia que o termo divisão sexual
do trabalho não pode ser considerado como uma definição “rígida e imutável”.
Salienta que “problematizar em termos de divisão sexual do trabalho não
remete a um pensamento determinista”. A autora reitera que é justamente o oposto,
que há mutações nessa definição, e se os fenômenos da reprodução social vem à
tona, levam a estudar “deslocamentos e rupturas”, assim como a necessidade de
novas definições que indaguem a existência do próprio termo (2009, p. 68).
Para melhor explicar, homens e mulheres na condição humana têm um
conjunto de princípios fundamentais em suas vidas, que se remodelam na evolução
entre si e com o modo reprodutivo e produtivo da vida social. Assim, corroborando
com Lukács, Lessa (2015, p. 27), afirma no que concerne à elucidação do ser social
em sua complexidade.
Identificamos princípios que nos caracterizam como seres humanos e sociais,
de um modo universal. Outros princípios que fazem parte da organização da vida em
sociedade (divisão de tarefas entre homens e mulheres, divisão sexual do trabalho),
a invenção de certos valores que se acentuam em um grupo social e não em outro
(característica de cada ser social em coletividade) e a forma como cada sujeito se
comporta nessa coletividade.
Destaca-se que as relações de gênero e o capitalismo se reproduzem
mutuamente e constituem o conjunto das relações atuais, porém não são
compreensíveis as particularidades da constituição do homem e da mulher fora da
esfera da exploração a qual são subordinados. Há uma opressão capitalista sobre
as desigualdades, como por exemplo de gênero, “uma espécie de oportunismo
sistemático, que permite ao capitalismo aproveitar-se dela”, conforme Wood (2003,
p. 231).
No contexto dessas determinações estão inseridas as discussões acerca da
divisão sexual do trabalho, a respeito dos espaços que homens e mulheres
compartilham nesse meio, a denominação do público e privado nas relações de
gênero. Desse modo, Heilborn (1992, p. 9) corrobora ao reiterar “que a hierarquia
organiza a estrutura binária dos modelos classificatórios de modo a um termo
englobar o outro”.
Para Veloso (2000), gênero não deve ser compreendido como algo isolado,
mas articulado com outras considerações como classe e a questão étnico-racial. O
23

autor ainda relata que esses eixos são importantes, mas devem ser “privilegiados”,
“hierarquizados”, a partir da delimitação do fenômeno a ser esclarecido.
Já o conceito de patriarcado pode ser compreendido no “sentido dado pelas
feministas. É compreendido que a palavra designa a dominação dos homens, quer
sejam eles pais biológicos ou não” (HIRATA et al., 2009, p. 178).
Para Saffioti (1985), são formas de discriminação e subordinação dos homens
sobre as mulheres, que regem a estrutura de organização das sociedades, tendo
essa concepção enraizada no capitalismo.
Para a autora, o capitalismo não seria visto somente como aquele que rege a
estrutura de organização das sociedades pela ótica do capital, já que teria em sua
raiz, um complexo de dominação social, cultural, político, ideológico e econômico,
que traria também, uma utilização diferenciada pelo capital da força de trabalho de
mulheres. Lavinas e Castro (1992) apontam sobre o conceito de patriarcado:

Não há, entre as feministas, concordância no seu uso, senão na


identificação da noção de poder, de dominação masculina. Para algumas,
ele se dá ao nível da família, para outras, num plano mais geral, na relação
com o Estado (LAVINAS; CASTRO, 1992, p. 237).

Em termos de família, para as autoras, os homens e mulheres mudaram com


o passar do tempo, portanto, a relação entre homens e mulheres já não é mais a
mesma. Desse modo, elas acreditam que esse termo deve ser alusivo a uma
perspectiva histórica, pois do contrário:

[...] impossibilita pensar a mudança, pois cristaliza a dominação masculina.


Condena a mulher “ad eterna” a ser um objeto, incorrendo pois,
paradoxalmente, no mesmo movimento que as articuladoras do conceito
querem denunciar (LAVINAS; CASTRO, 1992, p. 237).

Um outro item é identificado pelas autoras, trata-se de “o uso do conceito de


patriarcado no plano do imaginário social”, (LAVINAS; CASTRO, 1992, p. 328), que
retrata as potencialidades do patriarcado quanto à produção de subjetividade.
Almeida (1996) citada por Veloso (2000, p. 15) salienta algumas críticas sobre
a compreensão de patriarcado, destacando:
a) apresentar tal grau de generalidade que obscurece mais do que ilumina
as análises, posto que ignora diferenças sociais e políticas importantes
entre mulheres;
b) suas origens weberianas, inscrevendo-se na esfera política e
exercendo-se predominantemente na comunidade doméstica (SAFFIOTI,
1992) e em outras formações sociais simples (LAVINAS; CASTRO, 1992);
c) dificultar a reflexão sobre a mudança, à medida que ‘cristaliza a
dominação masculina’ (LAVINAS; CASTRO, 1992, p. 237);não mostrar
24

como a desigualdade de gênero estrutura as outras desigualdades,


consistindo em uma análise circular (SCOTT, 1990);
d) apoiar-se no entendimento de que a dominação da mulher se dá através
da apropriação do seu trabalho reprodutivo e da sua reificação sexual
(idem) (ALMEIDA, 1996, p. 26).

As teóricas dos estudos de gênero sofreram críticas quanto a um suposto


caráter genérico e neutro do conceito de gênero que não apontaria para a
problemática das desigualdades geradas pelo patriarcado (SAFFIOTI, 2004). Veloso
(2000) cita Almeida (1996), mostrando que é possível utilizar o conceito de gênero
sem necessariamente abrir mão do debate trazido pelo patriarcado.

Entende-se que analogamente aos conceitos históricos de capitalismo e


classes sociais, que não se substituem mutuamente, patriarcado e relações
de gênero são conceitos complementares, cuja utilização, em um mesmo
campo epistemológico, é enriquecedora da análise, reforçando o caráter
estrutural e dinâmico do problema da subordinação da mulher. Reiterando-
se as análises anteriores, o sujeito é, então, concebido como multifacetado,
contraditório e amplamente diferenciado (ALMEIDA, 1996, p. 33).

Observa-se que Veloso (2000, p. 01) esclarece que para ter a compreensão
de gênero é importante que tenhamos uma referência para seguir o estudo, mas não
tê-la como um todo. É algo que será um caminho para auxiliar na compreensão
sobre gênero.
Veloso (2000, p. 03) exemplifica que quando se estuda uma situação de
violência contra a mulher é importante que esses eixos (gênero, classe e questão
étnico-racial) sejam bases para o estudo.
Essas relações estão entrelaçadas com outros conjuntos de relações
simultaneamente, conforme o autor cita Saffioti, Almeida e Cançado:

Considerando-se o nó constituído pelas contradições fundamentais da


sociedade brasileira, pode-se afirmar a existência de três identidades
sociais básicas: a de gênero, a de raça/etnia e a de classe social. Não se
trata porém de três identidades autônomas, em virtude, justamente, de
estarem atados os antagonismos que lhes dão origem (SAFFIOTI;
ALMEIDA; CANÇADO, 1992, p. 04, apud VELOSO, 2000, p. 04).

Do ponto de vista dos aspectos subjetivos e objetivos, Veloso (2000, p. 05)


exemplifica que homens e mulheres, conforme geram as suas práticas sociais e a
história, constituem objetivação. O autor cita Marx e Engels (1996, p. 56), pois para
o homem burguês, a mulher é apenas um objeto de produção, que será explorada
igualmente, assim, a resposta da propriedade coletiva também envolverá as
mulheres. Veloso conclui que as mulheres tinham a função de objeto e não de
sujeito constituinte da mesma esfera social e histórica. Elas eram anuladas
25

socialmente. Veloso (2000) ressalta que é esse sincronismo entre a objetividade e a


subjetividade, que direciona a inseparabilidade destes processos (VELOSO, 2000,
p.5). Desvela-se que as relações sociais mostram uma coisificação, ou seja, os
componentes da vida social têm perdido sua essência, passando a se caracterizar
como “coisas”, que estão relacionadas quanto a sua efetividade e capacidade de
atender as necessidades das pessoas.
Veloso (2000, p. 08) menciona Almeida (1998) ao relatar que as relações de
gênero concebem “um conjunto de imagens e lugares competitivos e/ou
complementares que serão disputados estrategicamente, por homens e mulheres
que integram diferentes frações de classe e raça/etnia, em cada contexto histórico”
(ALMEIDA, 1998, p.15).
Considerando este caráter de sobreposição entre os eixos fundamentais para
a constituição da realidade, Veloso (2000) descreve gênero, conforme Scott (1995)
sendo um “elemento constitutivo de relações sociais, baseado nas diferenças
percebidas entre os sexos”, apresentando-se também como “uma forma primordial
de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 11), conforme vimos
anteriormente.
Veloso (2000) relata que gênero está presente em todas as relações sociais.
Está presente no simbolismo, nas formas diferenciadas de interpretação desses
símbolos, assim como a política institucional e geral, também na construção das
identidades masculinas e femininas, no modo subjetivo. Ou seja, se mostra como
uma das extensões que transpassam e constituem o que cada sociedade define
como características de homens e mulheres.
Lauretis (1994) citada por Veloso (2000) relata que o sujeito apresenta várias
características, tais como as de gênero e classe social, que o farão um indivíduo de
“subjetividades”, sendo caracterizado como “sujeito múltiplo”.
A autora relata que gênero representa uma relação, a qual constitui uma
relação com outras entidades previamente consolidadas, se desvelando como a
reprodução de uma relação social e não meramente de apenas um sujeito restrito.
Para a autora, gênero é retratado como uma forma de composição social.
Na atualidade, o termo “gênero” tem sido verbalizado para evidenciar o
caráter social das formas diferenciadas de sexo, direcionando para uma recusa do
determinismo biológico no emprego de termos como “sexo” ou “diferença sexual”.
Para Scott (1995), muitas feministas se inquietavam por não existir um quantitativo
26

considerável de estudos específicos sobre mulheres, reduzindo, assim, a


característica histórica da pesquisa.
Desse modo, o intuito das pesquisadoras feministas era desvelar a relevância
de papéis e simbolismos sexuais em diversas sociedades e períodos históricos,
refletindo o modo com que essas relações se consolidavam. O que leva a uma nova
construção histórica, sendo o gênero considerado como uma categoria de análise
(SCOTT, 1995).
Para a autora, os (as) historiadores (as) das mulheres, buscam a cada dia,
por formulações teóricas que sejam utilizáveis. Essa busca é incentivada pela
existência de estudos históricos de classes, que não se aprofundam no interior das
dessemelhanças e das práticas sociais diferentes dentro dessas classes. Outra
motivação se dá pela divergência entre o nível de qualidade dos trabalhos recentes
de história das mulheres e seu “status marginal” referente ao conjunto da disciplina
que não indaga e nem problematizam essas concepções dominantes (SCOTT,
1995, p. 74). Entretanto, o desafio colocado por essas reações é de cunho teórico, o
que caminha para uma análise aprofundada do elo entre a história passada e a
prática histórica atual.
As teorias utilizadas pela maioria dos(as) historiadores(as) para conceituar o
“gênero”, se dividem em duas categorias distintas. A primeira é descritiva e se
relaciona à existência de fenômenos da própria realidade, sem envolver nenhuma
causalidade. A segunda abordagem é de lógica causal e teórica sobre a natureza
dos fenômenos, buscando compreender como eles se estruturam e se consolidam.
No uso descritivo, “gênero” é uma nova abordagem de poder da pesquisa histórica,
mas não é o suficiente para indagar e modificar os paradigmas históricos. Daí a
importância, segundo Scott, de elevar o gênero ao patamar de uma categoria
analítica.
Quando pontuamos gênero e refletimos sobre as descrições dos autores,
observamos que homens e mulheres cada vez mais estão se afastando de padrões
passados de gênero, que a subjetividade cada vez mais tem se modificado, pois
esse padrão de masculino ou feminino no contexto atual, já não se sustenta mais.
Pensando na singularidade e pluralidade que ambos os sexos apresentam, com o
passar do tempo, as feminilidades e masculinidades também se modificam.
27

1.2 Feminismos, processo histórico e contexto político

Os feminismos tradicionalmente ficaram conhecidos como movimentos


sociais, que surgiram através de ideias iluministas e transformadoras oriundas da
Revolução Francesa e Americana. Também propiciaram lutas que buscavam por
direitos políticos e sociais, que se fortaleceram através da colaboração de mulheres
europeias, americanas e latino- americanas. Pinto (2010) salienta que:

Os feminismos aconteceram a partir das últimas décadas do século XIX,


quando as mulheres, primeiro na Inglaterra, organizaram-se para lutar por
seus direitos, sendo que o primeiro deles que se popularizou foi o direito ao
voto (PINTO, 2010, p. 15)

Conforme Constância Lima Duarte (2019, p. 25), os feminismos como


“movimento legítimo que atravessou várias décadas e transformou as relações entre
homens e mulheres”. São movimentos sociais e políticos que buscam a garantia de
direitos das mulheres e igualdade de direitos entre homens e mulheres. Segundo
Mies (2016, p. 839), o movimento feminista luta contra a dominação hierárquica
entre homens e mulheres. Essa dominação não é mais admitida como decorrente da
diferença biológica, as mulheres buscam a igualdade de gênero, a igualdade na
divisão sexual do trabalho.
Lisboa (2010, p. 69), descreve uma visão que a sociedade de um modo geral
tem sobre o significado dos feminismos:

Feminista não, feminina, sim!”. Isto esclarece que, em relação à concepção


de feminismo, permanecem estereótipos relacionados a uma época em que
“feminismo” era sinônimo de “um grupo de mulheres mal-amadas, rebeldes
e separatistas”, consequentemente, malvistas pela sociedade em geral.

Para Lisboa (2010), os feminismos são movimentos socioculturais, que


buscam igualdade, equidade e justiça nas relações entre homens e mulheres e
sobretudo na garantia de direitos humanos. A partir do movimento feminista
tornaram-se públicas as discussões sobre relações entre homens e mulheres, onde
a dominação patriarcal se faz presente.
Saffioti (1987), citada por Veloso (2000) relata que os feminismos devem ser
falados no plural e não no singular. Para ela existem diversas concepções da
questão da mulher que podem ser constituídas, de acordo com o ponto de vista
teórico-metodológico adotado. A mais recorrente delas é anglo-saxônica, que se
28

divide em cinco aspectos conservantismo, liberalismo, marxismo dogmático,


feminismo radical e feminismo socialista.
O “conservantismo”, está caracterizado pela dominação masculina sobre a
feminina, que está presente nas relações entre as categorias de sexo. Centraliza o
sexismo como desigualdade natural, sendo inquestionável, pois se trata de um
processo natural dos meios sociais.
O “liberalismo”, preocupa-se, prioritariamente, com a tarefa de “reivindicar
para as mulheres igualdade de direitos com relação aos homens no plano de jure”
(SAFFIOTTI, 1987, p.107).
O “marxismo dogmático”, possui uma visão reducionista, somente considera
a proposta enraizada nas lutas de classes. Desse modo, a mulher só desperta
interesse se ela estiver envolvida nas lutas de classes.
O “feminismo radical” está vinculado ao fato de não concordar com as
próprias diferenças sexuais biológicas determinadas. Sendo assim, este movimento
contempla o antagonismo entre as categorias de sexo, corroborando com a ideia de
uma aproximação com o marxismo dogmático, que preconiza a luta de classes.
O “feminismo socialista” tem uma característica muito peculiar ao tentar se
efetivar, articulando as relações de gênero e as relações entre as classes sociais.
Para além dessas diferenças que tornam mais apropriado falarmos de
feminismos no plural, vale ressaltar que os feminismos também têm como propósito
ético-político denunciar todas as formas de discriminação e opressão, que trazem
sofrimento às pessoas que não se enquadram no “padrão” social hegemônico,
desconstruir toda forma de imposição para homens e mulheres, com base na
diferença sexual, que é o principal elemento da submissão feminina.
Durante muito tempo, as mulheres foram mascaradas historicamente. Para
Louro (1997), o afastamento social e político a que as mulheres foram conduzidas
teve como resultado o alargamento de sua invisibilidade como indivíduo. Louro
relata que essa exclusão foi uma resposta da elaboração de muitos debates no meio
privado, no qual o ambiente doméstico era entendido como o lugar, o “universo da
mulher” (LOURO, 1997, p. 17).
A autora nos esclarece que as dessemelhanças sociais associadas a homens
e mulheres (diferenças de gênero) são assumidas por muitos como peculiaridades
das diferenças biológicas. É entendido que por esse ângulo, as dessemelhanças
sociais são relacionadas à noção de sexo. Entretanto, não são as particularidades
29

sexuais que diferem o masculino do feminino, mas a forma como são interpretadas e
reconhecidas socialmente e historicamente.
Para Mies (2016, p. 841), tantos os homens quanto as mulheres nessa visão
são definidos pela perspectiva biológica. Sendo definidos “mãos e cabeças” para
exemplificar homens e as mulheres são exemplificadas como “seios e útero”. Aqui a
autora exemplifica o homem como detentor de força, tendo assim, capacidade
necessária para o trabalho adequando-se às necessidades do capitalismo. A mulher
representa de outro lado, a reprodução, o cuidado com a família, diferente da mão
de obra qualificada.
As pesquisadoras feministas ao longo do tempo, buscaram desvelar os
papéis e simbologias sexuais nos diferentes momentos históricos, ponderando o
modo como essas relações se consolidavam. O que suscita uma nova estruturação
histórica, compreendendo assim, o termo gênero como uma categoria de análise
central para a compreensão da realidade social.
Duarte (2019, p.26), expõe os momentos dos feminismos, mas inicialmente
descreve sua concepção sobre feminismos:

Pois feminismo, a meu ver, deveria ser compreendido em um sentido mais


amplo, como todo gesto ou ação que resulte em protesto contra a opressão
e a discriminação da mulher, ou que exija a ampliação de seus direitos civis
e políticos, por iniciativa individual ou de grupo.

A história dos feminismos foram divididas em importantes momentos


históricos, que são comumente chamados de “ondas”. A primeira onda dos
feminismos surgiu no final do século XIX e início do século XX, inicialmente na
Europa e Estados Unidos e depois em outros países, a qual sua principal bandeira
naquele momento foi a luta das mulheres para conquistar espaço político e o direito
ao voto. O movimento de lutas pelos direitos políticos foi celebrado como
sufragismo, desse modo, as sufragistas eram as mulheres que compunham esse
movimento:
As sufragistas argumentavam que as vidas das mulheres não melhorariam
até que os políticos tivessem de prestar contas a um eleitorado feminino.
Acreditavam que as muitas desigualdades legais, econômicas e
educacionais com que se confrontavam jamais seriam corrigidas, enquanto
não tivessem o direito de voto. A luta pelo direito de voto era, portanto, um
meio para atingir um fim (ABREU, 2002, p. 460).
30

Nessa primeira onda, as mulheres, além disso, começaram a questionar o


fato de não terem os mesmos direitos trabalhistas que os homens e a reivindicação
de igualdade de direitos trabalhistas se tornou evidente.
No Brasil, as sufragistas foram lideradas por Bertha Lutz, conceituada
cientista, bióloga, que estudou no exterior e retornou ao país em 1910, também
iniciou a luta pelo voto de mulheres. Foi uma das pioneiras da Federação Brasileira
pelo Progresso Feminino (FBPF), organização que lutou publicamente pelo voto. Em
1927, ela levou até o senado um abaixo-assinado solicitando aprovação do projeto
de lei que concebia o direito de voto às mulheres, em 1932 foi concedido e
promulgado no Novo Código Eleitoral Brasileiro (CEB), mas foi suspenso logo em
seguida com a instauração da ditadura de Vargas.
Também na primeira onda dos feminismos no Brasil, houve o movimento de
operárias anarquistas, que em 1917 manifestaram “Se refletirdes um momento
vereis quão dolorida é a situação da mulher nas fábricas, nas oficinas,
constantemente, amesquinhadas por seres repelentes” (PINTO, 2003, p. 35). Esse
movimento refletia como era sofrido o trabalho de mulheres em quaisquer locais de
trabalho, quanto a atuação perversa e exploradora de seus empregadores.
Silva (2019) corrobora com Saffioti (2013) ao declarar que nos tempos
póstumos à escravidão, as mulheres negras tratavam como meios de sobrevivência
as atividades que eram consideradas mais degradantes como o trabalho doméstico
ou até a prostituição:
Nos primeiros tempos após a abolição, internaria também no processo de
prostituição a degradação moral a que tinha sido reduzida a mulher negra.
Desmistificava-se, entretanto, como a universalização do salariato, o
fundamento econômico da prostituição (SAFFIOTI, 2013, p. 252).

Mas, as mulheres negras também se organizaram. Segundo Costa (2007, p.


8), em 1936, através de Laudelina de Campos Melo foi criado o Movimento das
Trabalhadoras Domésticas (MTD), que também fundou a Associação Profissional
dos Empregados Domésticos de Santos. Essa importante associação almejava ser
um sindicato, pois segundo o autor, somente nesse nível jurídico poderia reivindicar
junto ao Estado, o reconhecimento jurídico como categoria profissional, assim como
direitos trabalhistas.
Laudelina de Campos Melo, além de ser fundadora da Associação das
Trabalhadoras Domésticas era militante do movimento negro. Costa (2007, p. 9) cita
C. F. Pinto (1993) relatando que Laudelina participou de outras organizações do
31

movimento negro como em Poços de Caldas (MG), na capital paulista e em Santos


(SP) desde 1920. Na década de 1930, Laudelina foi militante na Frente Negra
Brasileira.
Costa (2007, p. 9) salienta que a militante em diversos momentos da sua vida,
tinha uma visão sobre questões raciais, pois era nítido em suas características
quanto em sua participação na organização política de trabalhadoras domésticas,
que eram tratadas como escravas domésticas. São consideradas pelo autor,
“reações e resistências à colonialidade do poder e pontos de inflexão” por parte da
militante.
O autor desvela que a “colonialidade do poder” (COSTA, 2007, p. 9) era
enraizada no cotidiano das trabalhadoras domésticas, pois não havia uma
consolidação jurídica para elas e pelo fato dos empregadores tratarem o serviço
doméstico como trabalho escravo. O serviço doméstico só era relatado nas leis
sanitárias e policiais, no intuito de defender o empregador contra as trabalhadoras
domésticas.
Costa (2007) cita Nascimento (2003) ao observar que em 1950 houve grande
debate sobre o Projeto de Lei do Deputado Café Filho, que buscava a
regulamentação e garantia dos primeiros direitos da profissão de trabalhador (a)
doméstico (a). Essa notícia foi veiculada no jornal “O Quilombo: vida, problemas e
aspirações do negro”, que tinha à frente Abdias do Nascimento, como editor e
diretor.
A luta pelos direitos da trabalhadora doméstica perdura até hoje com as
resistências em torno da Emenda Constitucional 72/2013 que busca incluir direitos
trabalhistas e previdenciários para esse segmento da classe trabalhadora. Vale
registrar que as lutas sempre estiveram atreladas ao movimento negro, “movimento
de resistência de homens e mulheres negras em busca de igualdade e contra a
profunda exploração a que eram submetidos” (SILVA, 2019, p. 78). Tais
movimentações percorreram a história do feminismo desde sua primeira “onda” até
os tempos atuais.
A primeira onda dos feminismos perdeu força após a década de 1930, tanto
no Brasil quanto na Europa e Estados Unidos, ressurgindo com intensidade três
décadas depois. No passar desse período, um marco para as mulheres,
fundamental para o início da segunda onda dos feminismos foi o livro: O Segundo
Sexo, da autora Simone de Beauvoir, que teve sua primeira publicação em 1949.
32

Nessa obra a autora elabora uma das frases impactantes dos feminismos: “não se
nasce mulher, se torna mulher”.
Em meio a diversas mudanças políticas, culturais e sociais pelo ocidente
afora, no período da década de 1960, Betty Friedan, publica nos Estados Unidos,
em 1963, um livro que marcou o momento dos feminismos brancos estadunidenses,
“A mística Feminina”. Durante o decênio, nos Estados Unidos e na Europa, o
movimento ressurge com intensidade e as mulheres reiniciaram o debate sobre a
relação de poder entre homens e Mulheres (PINTO, 2010, p.16).
Nessa segunda onda, os feminismos surgiram como um movimento
libertador, que não busca apenas um espaço para as mulheres na sociedade de um
modo geral, mas uma nova forma de convivência, a qual se pratique a liberdade e
autonomia sobre a própria noção de “ser mulher”. As feministas problematizarão a
ideia de uma essência feminina baseada num destino biológico: a maternidade.
Essa visão teve grande relevância no segundo momento dos feminismos, pois
evidenciou uma nova forma de dominação do homem sobre a mulher. As mulheres
se preocupavam em combater a discriminação e a desigualdade entre os sexos.
Essas desigualdades foram identificadas através da junção de problemas sociais e
políticos, os quais impulsionaram as mulheres a serem politizadas e lutarem contra o
poder sexista.
A década de 1960 e 1970 foram períodos antagônicos no Brasil, onde a
Ditadura Civil Militar marcou o país num grande retrocesso político e social, diferente
dos Estados Unidos e a Europa, onde proliferaram movimentos em prol da
liberdade.
Mas foi nesse período, mais especificamente no ano de 1975, no México, que
ocorreu a I Conferência Internacional da Mulher, que foi conduzida pela Organização
das Nações Unidas (ONU), a qual decretou que o decênio seguinte seria o período
da mulher.
No mesmo período no Brasil, ocorreu uma semana de discussões intitulada
“O papel e o comportamento da mulher na realidade brasileira”, com incentivo do
Centro de Informações da ONU (PINTO, 2010, p. 17).
Em 1979, foi lançada em Paris, “A Carta Política”, que foi muito importante ao
descrever a situação em que as mulheres viviam:

Ninguém melhor que o oprimido está habilitado a lutar contra a sua


opressão. Somente nós mulheres organizadas autonomamente podemos
33

estar na vanguarda dessa luta, levantando nossas reivindicações e


problemas específicos. Nosso objetivo ao defender a organização
independente das mulheres não é separar, dividir, diferenciar nossas lutas
das lutas que conjuntamente homens e mulheres travam pela destruição de
todas as relações de dominação da sociedade capitalista (PINTO, 2003, p.
54).

Carneiro (2019, p. 273) faz um importante apontamento sobre os feminismos


brasileiros, ela relata que durante muito tempo os feminismos estiveram enraizados
numa “visão eurocêntrica e universalizante de mulheres”, ou seja, uma visão
centralizada nos conceitos Europeus que buscavam alcançar as mulheres. Ela relata
que o que levou a essas consequências foi a imperícia de não identificar as
dessemelhanças e desigualdades que estão presentes nos feminismos brasileiros,
ou seja, suas peculiaridades.
Desse modo, o silêncio de mulheres vítimas de inúmeras coerções, que além
do sexismo, permaneciam na invisibilidade continuou a predominar. As denúncias
sobre questões que envolviam as mulheres na sociedade brasileira em todas as
formas de opressão sofridas levaram à necessidade de que os feminismos
repaginassem seus discursos e ações políticas para intervir na realidade das
mulheres no Brasil.
Para Carneiro (2019), o movimento de mulheres negras tem uma participação
fundamental para intervir nessa perspectiva, contribuindo para as aspirações e
intervenção política feminista brasileira.
Para a autora, ao considerar as diferenças de gênero, contribuíram para
transformar as mulheres em sujeitos políticos. Mulheres indígenas e negras, por
exemplo, possuem necessidades muito peculiares, que não podem ser tratadas no
cerne, sob a perspectiva de gênero, sem que sejam consideradas as características
que envolvem esses grupos de mulheres.
Esse olhar intensifica políticas que aumentam a compreensão e a importância
dos feminismos no Brasil, resguardando essas demandas. Desse modo, Carneiro
(2019) cita Lélia Gonzalez (2000), ao enfatizar que o combate ao racismo deve ser
prioridade política para as mulheres negras. Gonzalez (2000, p. 56) relata que “a
tomada de consciência da opressão, ocorre antes de tudo, pelo racial”.
Para Carneiro (2019), essa importância em articular o racismo às lutas de
mulheres faz parte do processo histórico, no qual estão inseridas. Ainda salienta que
a questão racial desenvolveu gêneros subalternos, inferiorizados, tanto à identidade
das mulheres negras quanto à masculinidade subordinada dos homens negros, mas
34

ambos os sexos negros, mesmo assim estão num patamar abaixo das mulheres
brancas.
A autora declara que o racismo declina o “status” dos gêneros femininos e
masculinos. Exemplifica que para que as mulheres negras atinjam o mesmo “nível”
das mulheres brancas, será necessário experimentar um “status” surreal de
mudança social, entendendo, em diversos estudos, que estão abaixo das mulheres
brancas.
Carneiro (2019) considera que a diversidade de entendimentos e ações
políticas, levam à confirmação, como citado anteriormente, de que as mulheres
estão se transformando em novos sujeitos políticos, que por um lado pleiteia e
identifica a diversidade e desigualdades entre elas.
Também considera uma citação importante de Lélia Gonzalez, no artigo de
Bairros (2000) ao considerar que as contradições que historicamente marcaram a
trajetória das mulheres negras no interior do movimento feminista e a crítica
elementar da prática política das mulheres negras incorporam nos feminismos
importantes concepções. A autora cita Gonzalez:

Padeciam de duas dificuldades para as mulheres negras: de um lado, o viés


eurocentrista do feminismo brasileiro, ao omitir a centralidade da questão de
raça nas hierarquias de gênero presentes na sociedade, e ao universalizar
os valores de uma cultura particular (a ocidental) para o conjunto das
mulheres, sem as mediações que os processos de dominação, violência e
exploração que estão na base da interação entre brancos e não-brancos,
constituísse em mais um eixo articulador do mito da democracia racial e do
ideal de branqueamento. Por outro lado, também revela um distanciamento
da realidade vivida pela mulher negra ao negar toda uma história feita de
resistências e de lutas, em que essa mulher tem sido protagonista, graças à
dinâmica de uma memória cultural ancestral – que nada tem a ver com o
eurocentrismo desse tipo de feminismo (GONZALEZ apud BAIRROS, 2000,
p. 57).

Esses apontamentos impulsionaram o envolvimento de mulheres negras em


outros movimentos populares, negros e de mulheres nas esferas nacionais e
internacionais, que buscam inserir a agenda de mulheres negras nesses encontros.
Essas ações se consolidam desde a década de 1980, na instituição de
organizações de mulheres negras, que marcaram território em diversas partes do
país, bem como de fóruns de debates sobre mulheres negras, a partir de temas
centrais da agenda feminista, que é indagada pelas mulheres negras no que se
refere ao racismo e à discriminação.
35

Carneiro (2019) declara que a centralidade política das mulheres negras tem
se consolidado através do esforço que estabeleceu transformações na transparência
e mudança política feminista no Brasil.
A partir dos anos 1980, o Brasil inicia o período de redemocratização do país
e uma fase de grande movimentação das mulheres na busca por efetivação de
direitos. Houve grande mobilização de grupos e coletivos, os quais debatiam
diversos temas pelo país: direitos, violência, trabalho, saúde materno-infantil,
identidade sexual e racismo.
A criação do Conselho Nacional da Condição da Mulher (CNDM), em 1984,
foi um marco do feminismo no Brasil, que junto ao Centro Feminista de Estudos e
Assessoria (CFEMEA – Brasília) promoveu uma campanha em nível nacional para
que as mulheres fossem incluídas na nova Constituição. A Carta Magna de 1988 é
considerada a de maior garantia para as mulheres em todo mundo. Entretanto, o
Conselho Nacional da Condição da Mulher (CNDM) perdeu visibilidade nos
governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso. Posteriormente,
no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, foi criada a Secretaria Especial de Políticas
para as Mulheres, em caráter ministerial e foi desenvolvido e reformulado o
Conselho, mas de maneira próxima ao que foi idealizado inicialmente (PINTO,
2003).
Segundo Assis, Martins e Ferrari (2018), através do sítio “Gênero e Número”,
a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) foi criada em 2003,
sendo considerada por especialista como um avanço para o movimento de mulheres
no Brasil, mas teve uma redução orçamental entre os anos de 2015 a 2018.
Conforme dados relatados pelo sítio, houve declínio de 68% em ações pela
cidadania para mulheres. As autoras informaram que aumentou a prioridade para
ações direcionadas à violência contra mulheres, com um aumento de 100% de
participação da SPM, no período citado.
Para as autoras, por mais que tenha ocorrido uma variação de orçamento
para políticas para as mulheres no decênio anterior a 2018 e tenha sofrido uma
redução no Governo Dilma Rousseff (2011), nos anos vindouros ocorreu um
aumento contínuo de investimentos da secretaria, com um auge de R$ 62,7 milhões
no ano de 2015. Após o ano de 2016, houve uma redução de ações sendo reduzido
aos R$ 19,9 milhões, até o final de 2018.
36

Assis, Martins e Ferrari (2018) descrevem que a SPM foi “rebaixada” por uma
reforma ministerial no final da presidência de Dilma Rousseff/ Temer. Segundo as
autoras, a partir daí a SPM passou por vários Ministérios: das Mulheres, da
Juventude e dos Direitos Humanos, Igualdade Racial, Justiça e Cidadania, pela
Secretaria de Governo da Presidência e pelo Direitos Humanos. Em 2019, passou a
integrar o Ministério das Mulheres, das Famílias e dos Direitos Humanos.
No final do século XX, o movimento feminista sofreu diversas mudanças, uma
delas e de grande destaque foi o processo de profissionalização, através da
concepção de Organizações Não-Governamentais (ONGs), que tem como proposta
ação interventiva junto ao Estado, com o intuito de estabelecer medidas protetoras
para as mulheres e de construir espaços para que as mulheres tenham maior
integração política (PINTO, 2003).
A luta para erradicar a violência contra a mulher teve grande visibilidade na
década de 1980. Já existiam as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher
(DEAM), mas foi a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340, 07/08/2006), que desenvolveu
meios para refrear a violência doméstica e contra a mulher. No ano de 2005 e 2007,
os Planos Nacionais para Mulheres movimentaram milhares de mulheres e
desenvolveram documentos que analisaram a conjuntura da mulher brasileira.

1.3 A agenda feminista sobre a violência contra a mulher

Como mencionado anteriormente nessa dissertação, muitas foram as


mulheres que não aceitavam sua condição de subordinação feminina. As políticas
sociais de combate à violência contra mulheres são em grandes proporções,
respostas às reivindicações de mulheres que se uniram em movimentos de bairros e
aos movimentos feministas, as quais eram em sua maioria, de classe média e
retornavam do deporto da Ditadura Militar (GONÇALVES, 2009).
No ano de 1975, a ONU elaborou o primeiro “Dia Internacional da Mulher” e
também nesse mesmo período foi criado o Movimento Feminino pela Anistia
(MFPA), em São Paulo, e posteriormente foi fundado o Centro da Mulher Brasileira
(Rio de Janeiro e São Paulo). Foram associados ao movimento feminista diversos
grupos que atuaram arduamente buscando por melhores condições de vida,
igualdade de direitos entre homens e mulheres e pela anistia.
37

Conforme Gonçalves (2001), esses grupos de mulheres faziam parte das


diversas organizações sociais e dos partidos de oposição, contrapondo com êxito as
determinações do regime militar. O movimento de mulheres acusava as
segregações, afetando as mudanças de valores e os costumes sobre as questões
relacionadas às discriminações de gênero, raça, etnia e orientação sexual. Mulheres
que romperam com os espaços domésticos e privados e caminharam nos espaços
públicos, políticos e sociais. As mulheres descobriram seus direitos, ao mesmo
tempo também seus corpos, distúrbios e deleite.
Nos anos de 1980, a temática sobre a violência contra a mulher crescia
efervescente entre os itens de reivindicações feministas e houve também um
impulso nos estudos sobre esse assunto. A morte de Ângela Diniz, no ano de 1976,
e a absolvição de Doca Street, assassino, que se defendeu ao dizer que a matou em
legítima defesa da honra, foi um grande “divisor de águas” que alavancou as
primeiras reivindicações públicas brasileiras.
Nesse período se iniciou um novo momento histórico da violência contra
mulheres no Brasil. Devido aos fatos, surgiram muitas organizações sociais, que
tinham como principal foco o atendimento às vítimas de violência contra a mulher, a
pioneira nesse momento foi a organização SOS Mulher.
Em dez de outubro de 1980 foi inaugurado o SOS Mulher-SP, um evento na
escadaria do Teatro Municipal de São Paulo, com muitas mulheres vestidas de
branco erguendo faixas que diziam que o silêncio é cúmplice da violência citando o
nome de várias vítimas mortas.
A inauguração foi marcada por denúncias e protestos. Nessa mesma noite,
algumas militantes retornando para casa foram agredidas na rua e esse
acontecimento serviu para reforçar a mobilização das mulheres e organizar a defesa
das mulheres vítimas de violência.
A finalidade do SOS Mulher era desenvolver alternativas para as prestações
de serviços, articulando os problemas sociais à mobilização política.
O SOS Mulher manteve atendimento durante o período de 1980 a 1983. Foi
um período interno de redefinições, crises e esvaziamento. Em junho de 1980 foi
realizado um encontro por uma militante do grupo Associação de Mulheres que tenta
incorporar pela primeira vez o tema violência contra a mulher nos movimentos
feministas. Muitos assuntos foram tratados como gênero e etnia, mas, no final do
38

encontro firmaram uma política conjunta com a criação de uma comissão de


combate à violência contra a mulher com o apoio do movimento feminista.
Conforme o relato de Lígia Rodrigues, integrante do SOS Mulher, entrevistada
por Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti e Maria Luiza Heilborn para o
periódico “Perspectivas Antropológicas da Mulher”:

Entre atividades de agitação ou propaganda, fomos procuradas por


mulheres que estavam vivendo alguma situação de violência… Mas era
uma coisa muito precária, nada realmente preparado para dar uma resposta
a essas mulheres (RODRIGUES, 1984, p. 113).

De acordo com Pinto (2003) esta organização tinha o intuito de construir “um
espaço de atendimento de mulheres vítimas de violência e também um espaço de
reflexão e de mudança das condições de vida dessas mulheres” (PINTO, 2003, p.
81). Entretanto, segundo a autora, o SOS Mulher entrou em conflito. Pinto relata que
as feministas entraram em conflito ao perceberem que todos os seus esforços em
intervir sobre as mulheres vítimas de violência, não eram capazes de transformar as
atitudes delas, pois segundo o fluxo de atendimento, as vítimas eram acolhidas pela
organização, mas retornavam ao convívio familiar com os agressores, assim, não
havia continuidade dos atendimentos (PINTO, 2003, p. 81).
A crise que se estruturou no SOS Mulher estava relacionada a realidades
sociais diferentes. As integrantes do SOS Mulher eram politizadas, cultas e tinham
uma realidade financeira diferente das mulheres atendidas por elas. As vítimas
atendidas eram mulheres trabalhadoras, vítimas autênticas do proletariado burguês,
que segundo a autora, as militantes não tinham a mesma empatia por não serem
vítimas de violência como elas. Desse modo, Pinto (2003, p. 81) relata que “as
mulheres que formavam o SOS Mulher não eram as vítimas de violência física. A
vítima, isso sim, a outra, aquela que não era feminista, aquela que não tinha cultura,
aquela que não tinha condições econômicas”.
Decerto, as mulheres atendidas no SOS Mulher se sentiam resguardadas e
fortalecidas para lidar com o agressor, segundo a autora, a organização se tornava
mediadora diante do agressor que temia a retaliação.
Entretanto, as mulheres que procuraram acolhimento no SOS Mulher, apenas
não queriam mais sofrer violência, não tinham o intuito de serem feministas. Essa
decisão contribuiu para o distanciamento entre as feministas que realizavam os
atendimentos e as mulheres vítimas que buscavam auxílio. Porém, a criação da
39

organização SOS Mulher foi um diferencial no atendimento às vítimas de violência


no Brasil.
No final da década de 1970, em meio a construção pela redemocratização no
país, os grupos de SOS Mulher foram criados com o movimento feminino
debatendo-se em torno de duas vertentes: declarar a busca pelas questões políticas
e sociais generalizadas ou enfrentar as questões mais problemáticas das mulheres.
Segundo Pinto (2003), o SOS Mulher teve o primeiro contato direto com mulheres
que sofreram violência e com isso, emergiram desafios.
Os debates e as ações do SOS Mulher foram cruciais para designar um
importante campo reflexivo acerca da violência de Gênero e sobre as iniciativas pelo
enfrentamento desse fenômeno. Em Valinhos, 1980, no II Congresso da Mulher
Paulista foi instituída uma Comissão de Violência contra a Mulher, que passou a
desenvolver debates sobre a problemática. Diversas razões como falta de
organização e esteio, a restrição da organização e os princípios feministas, que
eram opostas aos interesses das mulheres vítimas de violência, acarretou no fim do
SOS Mulher (RIBEIRO, 2010).
Com o fim do SOS Mulher houve a necessidade de instituir redes de apoio, no
intuito de alargar o entendimento e tratamento do fenômeno, também reiterar os
serviços de atendimento especializados para estabelecer melhor auxílio e habilidade
no cuidado ao combate da violência contra a mulher. Assim, os SOS Mulher foram
sucedidos por centros de referências, abrigos e delegacias especializadas
(RIBEIRO, 2010).
Conforme Ribeiro (2010), os eventos internacionais foram muito importantes
para intervir no debate e nas políticas de enfrentamento ao fenômeno. Desde
meados da década de 1970, a ONU produziu diversas conferências em diversos
países sobre as mulheres. A Conferência de Viena, em 1993, foi responsável por
classificar diversas formas de violência, conforme Azambuja e Nogueira (2008):

1) Violência praticada por outros membros da família (abrangendo as


agressões físicas e psicológicas, as sevícias sexuais infligidas às crianças
do sexo feminino, violação conjugal, mutilações genitais e outras práticas
tradicionais, bem como exploração econômica);
2) Diversos tipos de violência ocorridos no contexto das comunidades
locais (violação, intimidação sexual e intimidação no local de trabalho,
ensino ou outras instituições, proxenetismo e prostituição forçada);
3) Violência perpetrada ou tolerada pelo próprio Estado (seja por
negligência ou falta de respostas dos serviços institucionais) (AZAMBUJA;
NOGUEIRA, 2008, p. 104).
40

Com o término dos SOS Mulher, o surgimento dos centros de referência se


tornou referencial tático na rede de combate à violência a mulher. Entretanto, na
maioria dos casos, as intervenções eram reduzidas ao acolhimento e orientações
devido à ausência de políticas públicas que disponibilizassem respostas capazes de
atender às vítimas de violência.
As delegacias especiais perderam suas peculiaridades policiais, pois aderiram
com o tempo, características com demandas psicossociais voltadas para mulheres.
Eram realizados atendimentos focados na escuta, sem muita intervenção na
realidade social que era apresentada pelas vítimas de violência. A insuficiência de
infraestrutura limitava a intervenção correta nos casos que eram necessárias as
intervenções de cunho policial, consideradas violências mais graves, ameaças,
violência patrimonial…
A década de 1990, foi um período que contribuiu para elencar o debate sobre
os direitos das mulheres no campo das políticas públicas brasileiras, pois teve como
grande motivação a Conferência Mundial de Direitos Humanos, que ocorreu em
Viena, no ano de 1993 (COIMBRA, 2011). Esse evento declarou que os direitos das
mulheres são direitos humanos e a violência contra a mulher fere estes direitos.
No ano de 1994, foi firmado pelo Brasil, a Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher e também no ano de 1996, a
Convenção Interamericana de Belém do Pará para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra as Mulheres, que teve participação do Comitê Latinoamericano de
Defesa dos Direitos das Mulheres (CLADEM).
De acordo com Coimbra (2011), em Pequim, no ano de 1995, foi realizada a
IV Conferência Mundial sobre a Mulher. No mesmo ano no Brasil, foi criado a Lei
9.100/1995, que decretava 20% de vagas para as mulheres ao cargo de Vereadora,
que posteriormente foi substituída pela Lei 9504/1997, que decretou a partir desse
ano, a reserva de no mínimo 30% de vagas para Mulheres em partidos políticos ou
coligações, conforme informado pelo sítio Gênero, Número, por Danusa Marques
(2018).
No ano de 1998, o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA),
promoveu a campanha “Os Direitos das Mulheres são direitos Humanos” para
propagar os direitos humanos das mulheres.
Observamos que a década de 1990, parece ter sido a “década das mulheres”,
pois grandes acontecimentos marcaram o debate sobre os direitos das mulheres e
41

contribuiu para alertar a sociedade sobre os problemas vivenciados por elas, os


quais implicam na emergência de políticas públicas e sociais.
Esse capítulo buscou desvelar conceitos sobre a categoria gênero através de
estudos de autores clássicos, como gênero foi tratado ao longo da história e suas
principais influências sobre a sociedade. Trouxe importantes apontamentos sobre os
feminismos, suas consolidações e intervenções políticas no cenário brasileiro.
A atuação de militantes tanto dos feminismos brancos quanto dos feminismos
negros e os movimentos sociais nas décadas de 1980 e 1990, escreveram a
construção dos enfrentamentos sofridos ao longo da história para garantir direitos e
inclusão social para as mulheres. Mas somente a partir da década de 1990, foram
criados programas, legislações e serviços de atendimento à mulher em situação de
violência. Todos esses acontecimentos têm grande influência no Serviço Social, pois
compreendemos que o fenômeno social da violência contra a mulher é um problema
que está no cotidiano de vida das pessoas, podendo ser representado num
ambiente interno (seio familiar, relações afetivas, por exemplo), como no ambiente
externo (trabalho, local público, sem vínculo afetivo ou familiar). E o Serviço Social
tem sua história engendrada à questão social, que segundo Iamamoto é objeto de
intervenção profissional:

Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais


variadas expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam
no trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social
pública, etc. Questão social que sendo desigualdade é também rebeldia, por
envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem, se
opõem. É nesta tensão entre produção da desigualdade e produção da
rebeldia e da resistência, que trabalham os assistentes sociais, situados
nesse terreno movido por interesses sociais distintos, aos quais não é
possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade. [….] a
questão social, cujas múltiplas expressões são o objeto do trabalho
cotidiano do assistente social (IAMAMOTO, 1997, p. 14).

Tratando-se da abordagem sobre a violência contra a mulher é indissociável a


intervenção da categoria neste debate. O Serviço Social ao longo de sua trajetória
histórica está enraizado na participação da defesa democrática dos direitos, da
igualdade e equidade social. Não seria diferente no que diz respeito a este problema
social, que desde os primórdios afeta a vida das mulheres em todas as classes
sociais.
42

2 SERVIÇO SOCIAL E A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO CIENTÍFICO: UMA


REFLEXÃO SOBRE A QUESTÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
ATRAVÉS DE ESTUDOS SOBRE OS RESUMOS DO CONGRESSO
BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA DÉCADA DE 1990

Corroborando com Lisboa e Pinheiro (2005) é de extrema relevância a


interlocução do Serviço Social com a questão da violência contra a mulher, pois a
violência de gênero é um fenômeno social que deve ser enfrentado através de
intervenções sociais e estratégias políticas. Para a ONU (Organização das Nações
Unidas – Declaração e Programa de Ação de Viena (1993), a violência contra a
mulher é considerada uma violação dos direitos humanos e como um grave
problema de saúde pública, pois agrava a saúde da mulher (sofrimento psíquico,
hipertensão, angústia, entre outros agravos), do mesmo jeito que esse fenômeno
social é responsável por ser um dos principais retrocessos ao desenvolvimento nos
países em que mais se observa a violência.
Refletindo sobre os princípios norteadores do Código de Ética dos (das)
Assistentes Sociais, busca-se contribuições efetivas junto às mulheres em situação
de violência, seja no âmbito interno (familiar, conjugal) seja no âmbito externo
(trabalho, estudo e outros). No cotidiano de intervenções do Serviço Social, nas suas
competências técnico-operativas, teórico-metodológicas e ético-políticas são
identificados diversos tipos de violências sofridas pelas mulheres (física, psicológica,
institucional, patrimonial e outras).
Através dessa compreensão o Código de Ética Profissional da Assistente
Social (Lei nº 8.662/1993), fundamenta os princípios norteadores da profissão: a
liberdade, democracia, a defesa intransigente dos direitos humanos que direcionam
o fazer profissional, conforme a realidade social que se apresenta.
O fazer profissional está elencado nos princípios que regem a profissão do/
da Assistente Social (BRASIL, CFESS, 1993: 17):

• Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas


políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos
indivíduos sociais;
• Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do
autoritarismo;
• Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de
toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos
das classes trabalhadoras;
43

• Defesa do aprofundamento da democracia enquanto socialização da


participação política e da riqueza socialmente produzida;
• Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure
universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e
políticas sociais, bem como sua gestão democrática;
• Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando
o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente
discriminados e à discussão das diferenças.

Desse modo, busca-se efetivar ações do Serviço Social junto às mulheres


vítimas de violência, que se debruçam com as diversas metamorfoses da questão
social, e exige intervenções capazes de garantir efetivamente a contemplação de
direitos, tendo o (a) Assistente Social que responder à altura, com vigor, por se tratar
do seu objeto de ação profissional, conforme Iamamoto (2011) descreve:

O objeto de trabalho, aqui considerado, é a questão social. É ela, em suas


múltiplas expressões, que provoca a necessidade da ação profissional junto
à criança e ao adolescente, ao idoso, as situações de violência contra a
mulher [...] (IAMAMOTO, 2011, p. 62).

Assim sendo, quando as transformações da questão social são vivenciadas


pelas mulheres, podemos observar que estão relacionadas à negação e exclusão
social, dependência financeira e dependência sentimental, talvez essa seja uma
abertura para o (a) Assistente Social exercer suas habilidades e competência
profissional.
Refletir sobre a violência contra a mulher, sendo uma das representações da
questão social, torna-se algo muito intrincado, pois o enfrentamento do problema é
complexo e de difícil resposta. Desse modo, o Serviço Social necessita estar
engajado, propositivo atuando em projetos, programas, planos e todas as ações que
possam frear essa expressão que viola o direito da mulher de viver, ter autonomia e
ser cidadã.
Para tanto, é necessário refletir sobre a articulação entre o Serviço Social e o
pensamento feminista que tem sido fundamental na produção de visões de mundo e
de relações livres da violência contra as mulheres.

2.1 Serviço Social, marxismo e feminismos

Segundo Veloso (2000), a categoria analítica gênero é bastante promissora


no campo do Serviço Social, pois essa profissão tem uma forte orientação teórica
marxista, além de ser em sua grande maioria, uma profissão feminina, que também
44

atende em seu cotidiano majoritariamente mulheres. Portanto, a inclusão do debate


de gênero é de grande relevância nessa área. Mas é importante refletir como o
marxismo tem digerido o debate de gênero e feminismos na categoria profissional.
É notório quando refletimos sobre diversos textos escritos pela categoria,
principalmente nos eventos de Serviço Social, assim como nos Congressos
Brasileiros de Assistentes Sociais (CBAS) da década de 1990, que foram estudados
nessa dissertação. Observamos que o debate de gênero e feminismos ainda não
atingiram atenção equilibrada com os demais temas que tradicionalmente eram
apresentados como centrais nesses eventos. A citação de Lole, Almeida e Freitas
(2016) clarifica melhor essa discussão:

A adesão a uma visão marxista para desvelamento das contradições


contribui para uma atuação profissional que é permeada de conflitos e
contradições. Porém, a rigidez de um modelo único e impermeável foi o
grande impasse na conturbada relação entre feminismo e marxismo, o que,
de certa maneira, influenciará a profissão (FREITAS et al., 2016, p. 05).

O Serviço Social é caracterizado como uma profissão feminina, que atua no


cerne das relações sociais, mas ainda apresenta subalternidade com relação a
outras áreas do saber. Souza (2014) evidencia que essa subalternidade está
relacionada ao entendimento das relações de gênero como algo natural, mas deixa
evidente que o gênero e a divisão sexual do trabalho são determinantes para moldar
essa característica de feminização da profissão.
Iamamoto (1998) declara que a primeira aproximação do Serviço Social com
a tradição marxista foi no denominado “movimento de reconceituação” do Serviço
Social, que foi um divisor decisivo no processo de revisão crítica da profissão na
América Latina. Desse modo, ainda na década de 1970, a inspiração marxista
emplacou no cenário de discussões no âmbito profissional, gerando marco divisório
com suas produções anteriores. Entretanto, conforme Iamamoto:

Apreciando os caminhos teóricos que moldaram o acercamento da


reconceituação aos múltiplos ‘marxismos’, constata-se que o personagem
mais ausente é o próprio Marx. Em outras palavras: foi a aproximação a um
marxismo sem Marx. O resultado, foi um universo teórico presidido por
fortes traços ecléticos, dando lugar a uma ‘invasão, às ocultas, do
positivismo no discurso marxista do Serviço Social’. Traço eclético
potenciado por uma herança intelectual e política de salientes raízes
conservadoras e positivistas, da qual o Serviço Social é caudatário e contra
a qual se insurgia no movimento de reconceituação (IAMAMOTO, 1998, p.
211).
45

No Brasil, o Serviço Social estava passando por um processo que se


transformou no surgimento de uma maturidade acadêmica e profissional que
contribuiu para a abordagem de questões pertinentes à realidade social. Iamamoto
traz uma nova perspectiva que identificou como pilares do novo perfil da categoria
profissional:
O aprofundamento da expansão monopolista, com as alterações que
provocou no processo de produção (desenvolvendo-o tecnologicamente e
alterando os processos de trabalho), na reorganização do aparelho de
Estado com irradiações no conjunto dos aparelhos de hegemonia da
sociedade civil (em especial a Universidade), criou as condições históricas
que tornaram possível a gestação, no interior do período ditatorial, dos
pilares do novo perfil da categoria profissional. Consolida-se um mercado
efetivamente nacional para os Assistentes Sociais, amplia-se o contingente
numérico dos profissionais e das unidades de ensino públicas e privadas.
Realiza-se a real inserção do Serviço Social nos quadros universitários,
submetendo-se às exigências de ensino, da pesquisa e da extensão.
Instala-se a pós-graduação ‘stricto sensu’ nesta área profissional, criando as
bases para nutrir a produção científica e criar um mercado editorial até
então praticamente inexistente. Renovam-se e qualificam-se os quadros
docentes [...] Expande-se a interlocução do Serviço Social com as ciências
afins, galgando progressivamente, apesar de inúmeras dificuldades, a
condição de parceiro válido no diálogo acadêmico mais tarde reconhecido
pelas entidades oficiais de fomento científico (IAMAMOTO, 1998, p. 216).

Iamamoto considera que a inserção do Serviço Social brasileiro na tradição


marxista contribuiu para diversos avanços, de acordo com temas presentes no
debate a partir da década de 1980 (IAMAMOTO, 1998, p. 236).
É nessa junção entre o Serviço Social, a tradição marxista com a inquietação
com a natureza e orientação da sociedade capitalista como sentido de totalidade,
que a produção profissional no sentido tradicional marxista é fecundada. Desse
modo, o Serviço Social é o seu próprio objeto de estudos nos anos de 1980.
Lisboa (2010, p. 68) aponta que as teorias feministas e estudos sobre gênero
consolidam uma contribuição teórico-metodológico importante para o Serviço Social,
já que emergem para confrontar todos os meios de dominação, evidenciar novos
espaços de conflitos sociais.
Para ela, os estudos de gênero proporcionam uma reflexão sobre diferentes
formas de analisar o contexto histórico e como se originaram as diferenças sociais.
Emerge um pensamento mais flexível capaz de compreender o cotidiano de vida das
pessoas que são atendidas em diversos espaços socio-ocupacionais.
Os estudos de gênero tem avançado significativamente e
contemporaneamente existem estudos que consolidam um elo das relações de
gênero com as relações de classe, ou seja, não é o gênero, ao invés da classe, que
46

proporciona direção para desvelar o lado escondido das relações sociais. É na


análise de gênero com a de classe, entre tantas outras categorias de diferença e
desigualdade social, que se encontram os melhores aportes para esse estudo, como
trabalhado no capítulo 1.
Considerando a relevância dos estudos de gênero no Serviço Social,
particularmente do fenômeno da violência de gênero, é que buscamos identificar na
produção profissional de que modo essa discussão comparece nas abordagens do
Serviço Social.
Do ponto de vista metodológico, elencar subsídios para a realização dessa
pesquisa foi muito trabalhoso, um processo difícil e com muitas limitações. A
limitação de acesso aos cadernos de teses ou de comunicações dos Congressos
Brasileiros de Assistentes Sociais (CBAS) foi uma das maiores dificuldades
enfrentadas para construir a pesquisa. Por outro lado, proporcionou conhecimento,
descobertas e aprendizado no que diz respeito ao debate de gênero, violência de
gênero e feminismos no interior acadêmico e profissional do Serviço Social. Por
esse motivo também, não incluímos na pesquisa o Encontro Nacional de Pesquisa
em Serviço Social (ENPESS) pois além da dificuldade de acesso aos Anais, o
ENPESS tem uma história mais recente que o CBAS.
O CBAS é um evento que mobiliza enormemente a categoria profissional,
sendo um encontro de grande porte realizado no intervalo trianual em diferentes
partes do Brasil. Ao longo do tempo, notam-se mudanças na organização do evento
e na publicação dos Anais.
Uma das dificuldades encontradas na pesquisa dos CBAS dos anos 1990 foi
a ausência de informações mais concisas em vários resumos apresentados,
relacionadas à filiação institucional das/das autoras/es, referências bibliográficas e
outros dados mais gerais do evento, como número de participantes. Mas essa
complexidade trouxe, ao mesmo tempo, entusiasmo para lidar com as dificuldades e
seguir pesquisando com o objetivo de contribuir com os debates da categoria sobre
o tema proposto.
Corroboramos com Ferreira (2002) ao declarar que o que move os
pesquisadores é a falta de aprofundamento sobre a totalidade dos estudos e
pesquisas que apresentam características tanto quantitativa quanto qualitativa.
A pesquisa foi delineada sob a abordagem quantitativa, quando enumeramos
a quantidade de resumos dos CBAS ao longo dos anos e de acordo com eixos
47

temáticos, mas de uma forma geral buscou uma análise qualitativa, pois buscou a
análise dos conteúdos apresentados nos trabalhos.
Mas para pesquisar os resumos dos cadernos de teses ou comunicações dos
CBAS da década de 1990, foi utilizada a técnica de pesquisa denominada o “Estado
da Arte”, que segundo Ferreira (2002) tem por característica um estudo bibliográfico,
que busca mapear e discutir sobre uma determinada produção acadêmica em
diferentes áreas do conhecimento, no nosso caso num mesmo campo disciplinar.
Para a construção dessa dissertação foram utilizados livros, revistas, anais,
resumos, reportagens, sítios eletrônicos, trabalhos acadêmicos, na busca por melhor
alcançar os objetivos apresentados.
O processo de coleta de dados foi dividido em duas partes: a busca por
referência bibliográfica para elencar o debate de gênero, feminismos, violência de
gênero contra a mulher e Serviço Social. A segunda parte foi centrada em pesquisar
os cadernos de teses ou comunicações dos três CBAS ocorridos na década de 1990
(1992, 1995 e 1998).
No período de leitura dos resumos, não foi possível incluir vários documentos,
pois não focavam no debate sobre violência de gênero contra a mulher, embora
apresentassem importantes discussões sobre outros temas como saúde, educação,
previdência social, gênero entre outros. A seguir apresentaremos os resultados da
pesquisa.

2.1 7º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais

O 7º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais ocorreu no Palácio das


Convenções do Parque Anhembi, em São Paulo, no período de 25 a 28 de maio de
1992. O tema central do evento foi “Serviço Social e os desafios da “modernidade”:
os projetos sócio-políticos em confronto na sociedade contemporânea”. Foi
promovido pela Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social (ABESS), Centro
de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e Serviço Social (CEDEPSS),
Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS), Associação Nacional de
Assistentes Sociais (ANAS) e Subsecretaria de Estudantes de Serviço Social na
União Nacional dos Estudantes (SESSUNE).
O evento teve um total de 93 trabalhos apresentados. No 7º CBAS, o livro que
caracteriza os resumos foi denominado “Caderno de Teses”. Percebemos no livro
48

ausência de importantes informações do tipo: se as autoras estão vinculadas a


alguma instituição ou universidade, ou mesma alguma informação, mesmo que
sucinta, sobre as autoras. A única informação dada é relativa a qual estado
pertencem. Os trabalhos estão divididos em 06 eixos temáticos, sendo que o
primeiro – “Serviço Social e Seguridade Social” – está subdividido em 03 subtemas.
Abaixo está o quadro quantitativa sobre o evento:

Quadro 1 – Número de artigos apresentados no 7º CBAS – Segundo Eixo Temático


7º CBAS

EIXOS TEMAS Nº DE ARTIGOS

Ubtema: assistência social pública e


16
privada
Serviço social e seguridade
social Subtema: previdência social 01

Subtema: saúde pública 12

Serviço social e formação


_ 17
profissional

Serviço social e ética _ 06

A atuação do serviço social junto


_ 08
à mulher a à família

O serviço social e o movimento


dos trabalhadores na sociedade _ 21
civil

A questão da criança e do
_ 11
adolescente
Fonte: Elaboração própria, 2020.

Podemos observar que o tema “Serviço Social e Seguridade Social”, com um


total de 29 artigos apresentados, destacou-se dos demais temas abordados, seguido
do tema “O Serviço Social e o movimento dos trabalhadores na sociedade civil”, com
21 trabalhos. Juntos esses dois eixos reuniram mais da metade das
discussões levadas pelos participantes para o evento.
Vale registrar que no 7º CBAS não apareceu o eixo relacionado à categoria
gênero, identificando-se o eixo “A atuação do Serviço Social junto à mulher e a
família”, indicando o tratamento temático pela perspectiva dos estudos de mulher.
Foi, portanto, nesse eixo que buscamos trabalhos que abordassem a temática da
violência contra a mulher. No quadro abaixo delimitamos os artigos apresentados no
eixo temático:
49

Quadro 2 – Número de artigos apresentados no 7º CBAS no eixo temático “A


atuação do Serviço Social junto à mulher e à família”
7º CBAS
EIXO TEMÁTICO - A ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL JUNTO À MULHER E A FAMÍLIA
NÚMERO AUTOR (A) TÍTULO
Encontros e desencontros de famílias
01 Walkíria G. C. Bizzo – SP
de baixa renda
Classe e gênero como conceitos
02 Denise Duarte Bruno – RS
analíticos
Heleieth I. B. Saffiotti – RJ, Marlise Vinagre Vídeo educativo: estratégia para uma
03 Silva – RJ, Maria Elena Cançado – RJ, Suely intervenção políico- científica com
Souza De Almeida – RJ mulheres vítimas de violência
Maria Ângela Figueiredo Queiróz – SP, Maria
04 De Fátima Klanebai Costa – SP E Maria José Mulher mãe na instituição creche
Lucas – SP
Doação de um filho na adolescência
05 Dalva Rossi – SP
somente para uma problemática social?
Serviço social atuando na prevenção
06 Susanne Bial – RJ
toxicomaníaca junto à família
Akemi Murayama – SP, Cláudia Sampaio do
Esterilização feminina: um direito da
07 Nascimento – SP, Ermelinda Maria Bueno –
mulher
SP e Lúcia De Lourdes Ferreira - SP
Ana Cristina Belízia Schlithler – SP,
Família clássica x família do futuro:
Conceição Aparecida Z. P. Pedroso
08 como o assistente social enfrenta este
– SP, Dalva Azevedo Gueiros – SP e Lúcia
dilema
Dos Santos Silva – SP
Fonte: Elaboração própria, 2020.

Dos 08 artigos apresentados, 05 são de São Paulo, 03 do Rio de Janeiro e 01


do Rio Grande do Sul. Uma concentração, portanto, nos estados sudeste/sul do
país. Vale destacar que o nome do eixo indicava uma articulação do debate das
mulheres com o contexto da família, o que restringe a discussão ao ponto de vista
doméstico. Por outro, lado apesar do uso do termo mulher, observa-se pelos títulos
que um artigo indicava a categoria gênero em seu estudo, e outro abordava a
discussão sobre esse prisma, ainda que no título não indicasse o termo gênero.
A partir dessa observação geral do eixo temático, podemos perceber, assim
como em todo o caderno de teses, que não há descrição sobre a filiação institucional
das autoras dos resumos.
Assim podemos observar que dentre os 08 resumos apresentados no quadro
anterior, apenas 02 abordam sobre violência de gênero nesse detalhamento, 01
especificamente a violência contra a mulher.
O primeiro artigo “Encontros e desencontros de família de baixa renda”, da
autora Wakíria G. C. Bizzo, nos chamou atenção, pois a autora ao longo do resumo
fala de violência familiar, mas não delimita diretamente os membros que sofrem
violência, se é o homem, a mulher, filhos ou outros sujeitos que constituem a família.
50

Retrata as dificuldades de comunicação que a família de baixa renda sofre como as


de caráter financeiro, de manutenção de modo geral, da necessidade dos sujeitos que
compõem o seio familiar, mas a questão da violência contra a mulher não ficou clara,
pois não identifica se é violência estrutural ou entre a composição familiar.
O terceiro resumo, “Vídeo educativo: estratégia para uma intervenção
político-científica com mulheres vítimas de violência” é o ponto chave de nossa
pesquisa, quando trata diretamente o tema da violência contra a mulher. Além de
clarificar a urgência sobre o debate, baseando-se no cotidiano de vida das mulheres, na
divisão sexual do trabalho, no machismo impregnado na sociedade brasileira, as
autoras descrevem sobre os tipos mais comuns de violência. Também chamou atenção
a afirmação de que a violência se manifesta de um modo geral, no seio familiar, nas
camadas sociais mais empobrecidas e em mulheres negras. Chamam a atenção para a
importância da discussão sobre violência de gênero, raça/etnia e classe social.
As autoras “contextualizam a violência entre as categorias de gênero” (1992,
p.119). Descrevem que a reprodução das desigualdades de gênero está enraizada
nas relações de gênero através da educação diferenciada, indústria de artigos
infantis, meios de comunicação de massa, cultura, literatura…Citam a autora Joan
Scott, quando falam sobre os conceitos de gênero e relações de poder, sendo essa
manifestação de poder explícita ou simbólica.
O vídeo tem uma proposta educativa, no que descrevem as autoras, sob a
intervenção de Assistentes Sociais na perspectiva feminista, na busca pela
desconstrução da imagem da mulher tratada como objeto, a coisificação da mulher.
Apresentam o que impulsionou as autoras a realizar o vídeo educativo, que foi
idealizado a partir de uma disciplina de pós-graduação da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), que também construiu um vídeo educativo para ser
apresentado para as mulheres visando um debate sobre a violência ocorrida no
interior da família, e para os profissionais que atuavam nos espaços de atendimento
como as Delegacias Especializadas e Distritais. Buscavam alcançar professoras de
ensino primário (4ª série), as quais as autoras chamaram de agentes
multiplicadoras, sendo 100% do sexo feminino, mães e provavelmente provedoras
de suas famílias.
Finalizam relatando a importância de o Serviço Social rever os estudos de
gênero, raça/etnia e classe social, diante do cotidiano prático de intervenção com
mulheres vítimas de violência. Assim, buscando desconstruir a divisão
razão/emoção diante da “racionalidade burocrática” (SCOTT, 1992, p. 121).
51

Fica explícito nesse resumo uma articulação com o debate feminista e de


gênero, lembrando que apesar de não aparecer a filiação institucional das autoras
sabemos que se tratam de professoras da Escola de Serviço Social da UFRJ e,
especificamente, a professora Heleieth Saffiotti, socióloga, uma referência nos
estudos feministas, à época professora visitante na ESS/UFRJ.
Com relação ao referencial teórico utilizado nos dois trabalhos, apresentamos
no quadro abaixo para melhor visualização:

Quadro 3 – Referencial teórico dos artigos sobre violência de gênero apresentados


no 7º CBAS
ARTIGO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ENCONTROS E ANDOLFI. Maurizio. “Terapia Família”. Ed. Vega-Lisboa, 1981.
BATESON, Gregory. “Mente e Natureza”. Ed. Francisco Alves, RJ, 1986.
DESENCONTROS DE
BUBER, Martin. “Eu e Tu”. Editora Cortez e Moraes, 1977.
FAMÍLIA DE BAIXA CHIAVEGATO. José Augusto. “Homem Hoje”. Editora Cortez e Moraes,
1979.
RENDA
DESIDÉRIO. Angelografia M. “Encontros, desencontros e reencontros
família. Ed. Paulinas, São Paulo, 1987.
FROMM. Erich. “o coração do homem”. Ed. Zahar, 1981.
LAING. Ronald David. “A política da família”. Ed. Vozes.
MAY. Rollo. “O homem à procura de si mesmo”. Ed. Vozes, 1973.
MINUCHIN. Salvador. “Famílias, funcionamento e tratamento”. Ed. Artes
Médicas, 1988.
MINUCHIN. Salvador. Families of the slum; an exploration of their
struture and treatment”, New York, Basic Books, 1967.
SAMPAIO. Daniel e CARNEIRO. José. “Terapia Familiar”. Ed.
Afrontamento, 1985.
SATIR. Virginia,” Terapia do grupo familiar”. Ed. Francisco Alves, 1980.
SILVA. Wilma. “Afetividade e violência na família favelada: enfoque
sócio-histórico. Dissertação de mestrado, PUC-SP. 1990.
VÍDEO EDUCATIVO: AFONSO. Lucia. Smigay, KARIN Von. “Enigma Do Feminino, Estigma
Das Mulheres”. In: COSTA. Albertina De O. & BRUSCHINI. Cristina.
ESTRATÉGIA PARA
Rebeldia e Submissão. São Paulo, Vértice, Editora dos Tribunais:
UMA INTERVENÇÃO Fundação Carlos Chagas, 1989.
CHAUÍ. Marilena. “Participando do debate sobre Mulher e Violência”. In:
POLÍICO-
Perspectivas Antropológicas Da Mulher Nº 04, Rio De Janeiro, Zahar,
CIENTÍFICA COM 1985.
SAFFIOTI. Heleieth. I. B. Relações de Gênero: Violência Masculina
MULHERES VÍTIMAS
Contra a Mulher. In: RIBEIRO. H. Mulher e Dignidade: Dos mitos à
DE VIOLÊNCIA libertação. São Paulo: Paulinas, 1989.
SAFFIOTI. Heleieth. I. B. O Poder do Macho. São Paulo: Moderna.
Coleção Polêmica, 1987.
SCOTT. Joan Wallach. Gênero: Uma Categoria útil de análise histórica.
Educação E Realidade, Porto Alegre, N. 2, P. 5-22, Jul.Dez. 1990.
Fonte: Elaboração própria, 2020.

Observamos no quadro acima que o primeiro trabalho apresenta um


referencial teórico que não articula o debate dos estudos de mulheres/gênero em
perspectiva feminista, pois os autores utilizados se referem ao campo da abordagem
da terapia de família. O segundo trabalho, por sua vez, apresenta o debate no
52

campo feminista utilizando autores clássicos na discussão de gênero e violência de


gênero no período.
No 7º CBAS encontramos uma situação em que os estudos de
mulher/gênero, de acordo com a organização do evento, estavam diluídos no campo
da família demonstrando uma compreensão do debate circunscrita a questões do
âmbito doméstico e privado.

2.3 8º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais

Esse evento ocorreu no Centro de Convenções da Bahia, em Salvador, no


período de 02 a 06 de julho de 1995. Seu tema central foi “O Serviço Social frente ao
Projeto Neoliberal: em Defesa das Políticas Públicas e da Democracia”. Foi
promovido e realizado pela Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social
(ABESS), Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e Serviço
Social (CEDEPSS), Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e Executiva
Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESSO).
O evento teve um total de 205 trabalhos apresentados, organizados em 10
eixos, sendo que o primeiro eixo foi estruturado com três subtemas.
A quadro abaixo exemplifica melhor a descrição da organização temática e
quantitativa das produções acadêmicas apresentadas no evento:

Quadro 4 – Número de artigos apresentados no 8º CBAS – Segundo eixo temático


8º CBAS
EIXOS TEMAS Nº DE
ARTIGOS
Serviço Social na Perspectiva Subtema: Assistência Social Pública e 15
Da Seguridade Social Privada
Subtema: Saúde Pública E Privada 44
Subtema: Previdência Social Pública E 06
Privada
Educação,infância e juventude _ 32
O serviço social na esfera das relações de trabalho _ 18
Formação profissional do assistente social _ 19
O serviço social frente as relações de gênero e etnia _ 14
Dimensão ética da prática do assistente social _ 5
Serviço social junto à política de habitação e _ 5
saneamento
Movimentos sociais, urbanos e rurais na atualidade _ 17
A prática do assistente social junto à população idosa _ 9
Desafios teóricos- políticos do serviço social frente _ 12
ao neoliberalismo
Fonte: Elaboração própria, 2020.
53

Observamos uma grande incidência de trabalhos apresentados no eixo


“Serviço Social na Perspectiva da Seguridade Social”, que somando-se os três
subtemas, chegou ao quantitativo de 65 trabalhos, representando 31,7% do total de
apresentações. Outro eixo que se destacou foi “Educação, Infância e Juventude”,
com 32 trabalhos, representando 15,6% do total.
Acreditamos que a predominância dos temas da Seguridade Social e da
Educação, Infância e Juventude tenham relação com o fato de a década de 1990, ter
se caracterizado pela elaboração de um conjunto de Políticas Públicas, rede de
serviços e legislações voltadas para essas áreas, o que certamente mobilizou a
categoria profissional em seus postos de trabalho.
Tendo em vista o objetivo desse estudo que foi analisar a produção teórica de
Assistentes Sociais sobre a temática da violência contra a mulher. Realizamos uma
síntese sobre o quinto eixo temático “O Serviço Social frente as Relações de
Gênero e Etnia” e na sequência nos deteremos nos trabalhos que trataram da
temática da violência.

Quadro 5 – Número de artigos apresentados no 8º CBAS no eixo “O Serviço Social


frente às relações de gênero e etnia”
8º CBAS – EIXO TEMÁTICO
O SERVIÇO SOCIAL FRENTE ÀS RELAÇÕES DE GÊNERO E ETNIA
NÚMERO AUTOR (A)/INSTITUIÇÃO TÍTULO
01 Marlise Vinagre Da Silva Professora E Pesquisadora Serviço social, gênero e
Ess- Ufrj, E Doutoranda Em Ciências Sociais Puc-Sp etnicidade: tecendo as primeiras
proximidades
02 Dayse De Paula Marques Da Silva (Não Informado) Relações de gênero no campo
profissional e práticas públicas
03 Rita De Cassia Santos Freitas Professora Assistente Serviço social e gênero: um
Da Ess-Uff, Mestre Em Serviço Social, Doutoranda No diálogo necessário
Ppgss – Ufrj
04 VITÓRIA GEHTLEN Phd DEVELOPMENT PLANNING Gênero na formação
UNIT UNIVERSITY COLLEGE LONDON, LONDON profissional: um momento de
UNIVERSITY, MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL - reflexão
UFPE
05 Zélia Maria Pereira Professora Do Departamento De Relações de gênero e poder
Serviço Social - Ufpe local: a estratégia de ação dos
movimentos sociais face às
necessidades das mulheres
06 Denise Duarte Bruno Assistente Social (Não Gênero e família na construção
Informado) da cidadania: uma discussão
necessária
54

8º CBAS – EIXO TEMÁTICO


O SERVIÇO SOCIAL FRENTE ÀS RELAÇÕES DE GÊNERO E ETNIA
NÚMERO AUTOR (A)/INSTITUIÇÃO TÍTULO
07 Israild Giacometti Chinali Assistente Social, Professora Trabalho a domicilio e
Do Departamento De Serviço Social Da Faculdade De organização sindical
História, Direito E Serviço Social – Unesp, Franca.
Doutoranda Em Serviço Social – Puc-Sp
08 Elisabete Aparecida Pinto Assistente Social, Mestre Serviço social e a questão
Em Ciências Sociais Aplicadas À Educação – Unicamp étnica/ racial
SP
09 Rosineide Meira Cordeiro Mestranda em Serviço As ambivalências das mulheres
Social - UFPE e Professora Pesquisadora do e a violência de gênero
Departamento De Serviço Social – UFRN
10 Ana Maria Vasconcelos Melo, Maria Helena Santana A mulher no sistema
Cruz, Amy Adelina Coutinho de Faria Alves penitenciário em sergipe: o
Professoras Projetos De Estudos Interdisciplinares imaginário na construção da
Sobre A Mulher e Relações De Gênero, Núcleo De identidade
Pós-Graduação e Pesquisa Em Ciências Sociais.
Departamento de Serviço Social - UFPE
11 Selma Suely L Machado Assistente Social Serviço social e as
(Não Informado) representações de gênero:
reflexões preliminares sobre a
prática na delegacia de
mulheres
12 Glaucia Helena Araújo Russo Graduação - Urrn Em cena: o travesti de mossoró
13 Rosana Mirales Assistente Social Evidências de um território
(Não Informado) negro no vale da ribeira, são
paulo
14 Maria Margarida De Carvalho Rego Professora da Grupos de casais e de famílias:
UCSAL, ABPPG e CPS uma experiência a nível
profilático
Fonte: Elaboração própria, 2020.

Identificamos que dos 14 trabalhos do eixo que congrega temáticas do campo


de gênero e raça-etnia, 09 são oriundos da academia, seja na condição de autoras
professoras seja de alunas de pós-graduação. Vale mencionar que um dos trabalhos
cuja filiação institucional da autora não foi informada sabemos que se trata de
professora da UERJ, elevando, portanto, esse número para 10. Dos 04 artigos
restantes, 03 são de Assistentes Sociais e 01 de graduanda. Há, desse modo, uma
predominância da produção oriunda dos meios universitários.
Do ponto de vista regional, 03 são do Rio de Janeiro, 03 de Pernambuco, 03
de São Paulo, 02 do Rio Grande do Norte, 01 de Salvador, 01 de Segipe e 01 de
Belém. Há uma concentração de trabalhos na região sudeste e nordeste do país.
Observamos que dos 14 artigos apresentados no eixo temático “O Serviço
Social frente as relações de gênero e etnia”, 02 abordavam a questão da violência
55

contra a mulher, que passaremos a tratar mais detidamente segundo os seguintes


eixos de análise: estudos de gênero/mulheres, natureza do estudo
(teórico/sistematização profissional) e autores utilizados.
O primeiro artigo de Rosineide Meira Cordeiro, sob o título “As
ambivalências das mulheres e a violência de Gênero” trata o comportamento de
mulheres vítimas de violência. Através desse estudo a autora relata observações
sobre os sentimentos das vítimas e suas inseguranças.
Faz um levantamento sobre os estudos de gênero, feminismo, o cotidiano de
vida das mulheres no público e privado. Como lidam com a questão da violência,
sejam quais forem os tipos de relacionamentos afetivos.
O artigo está relacionado com o campo de atuação profissional da autora,
embora ela não tenha caracterizado se o levantamento sobre o artigo foi realizado
em projetos de pesquisa ou outros que tenham vínculos diretos com sua prática
profissional, mas caracterizou que a pesquisa foi realizada com um grupo de 18
mulheres, moradoras do município de Abreu e Lima, região metropolitana de Recife.
Identificou que 13 mulheres foram entrevistadas no círculo de pesquisa e 05 foram
entrevistadas fora do círculo de pesquisa, pois pertenciam a movimentos populares
do Conjunto Caetés I (não descreveu o que seria o conjunto).
Foi utilizada como metodologia para a pesquisa a entrevista com mulheres
em situação de violência e o roteiro de perguntas abordava questões como
diferenças entre homem e mulher (biológico e cultural), relacionamento amoroso e
sexual entre os sexos, realidade social familiar, trabalho doméstico e profissional,
violência de gênero e participação em movimentos sociais que tratem o fenômeno.
Para Cordeiro, a pesquisa realizada buscou também incentivar reflexão e partilhar
as vivências junto às entrevistadas.
O segundo artigo foi apresentado por Selma Suely L. Machado, sob o título
“O Serviço Social e as representações de gênero, reflexões preliminares sobre
a prática na Delegacia de Mulheres”. A autora propõe uma reflexão sobre esse
“novo campo” de atuação da Segurança Pública, que eram chamadas de Delegacias
de Mulheres. Relata que esse novo espaço sócio ocupacional inclui o Serviço Social,
que contribui para o enfrentamento do fenômeno da violência contra a mulher.
Desse modo, sendo este campo um desafio para o Serviço Social na sua
ação profissional. Ao longo do resumo, Machado descreve que o Estado “se
56

aproveitou” das demandas trazidas pelos movimentos sociais, se apropriando e


incluindo-as nas políticas públicas, embora a autora destaque que não houve
integralidade de ações voltadas para a intervenção. Descreve que a Delegacia de
Belém funcionava sob regime de plantão diurno, depois das 19h00min, o
atendimento era assumido pela equipe policial.
O que não se configurava como delito era encaminhado para o Serviço
Social, como encaminhamentos para a rede socioassistencial, questões de foro
familiar, abordagem de outros segmentos relacionados à família colateral… Trouxe
questões enfrentadas pelo Serviço Social como identificar, caracterizar a vítima,
compreender o contexto que a levou até a Delegacia, já que seria inviável identificar
essas questões num primeiro contato.
Relatou que a equipe também se reunia para discussão de casos envolvendo
legislação civil e criminal, Lei Orgânica da Assistência, Estatuto da Criança e do
Adolescente e outras legislações que abordavam as demandas. O Serviço Social
também atuava junto à comunidade, levando a temática da violência às escolas,
empresas, organizações e campo acadêmico.
Para a autora, uma das experiências mais relevantes, foi a oportunidade que
o Serviço Social tinha de intervir na realidade dos sujeitos e suas relações. Declara
que as Delegacias ainda são espaços que necessitam de muitas intervenções,
melhorias, investimento na capacitação profissional. Mas reitera que é na
abordagem socioeducativa que se tem uma experiência enriquecedora profissional.
Observamos que as autoras que debatem o tema violência contra a mulher
são assistentes sociais com vínculo na universidade, pois a outra que informou
apenas que era profissional, Rosineide Meira Cordeiro declarou que, naquele
período era mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), professora e pesquisadora do Departamento de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Com relação à abordagem teórica e conceitual, ambas utilizam a categoria
gênero em seus artigos. A seguir apresentamos as referências teóricas utilizadas
pelas autoras.
57

Quadro 6 – Referencial teórico dos artigos sobre violência de gênero apresentados


no 8º CBAS
ARTIGO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANYON. Jean. “Intersecções de Gênero e Classe: Acomodação e resistência
de mulheres e meninas, as ideologias dos papéis, Caderno de Pesquisa
Fundação Carlos Chagas, São Paulo, editora Cortez, 1990.
ABRIN. J. C.” L’organization interne des represéntations sociales: systême
central e systême périfèrique”, in Textes de base em sciences sociales:
Structures et transformations des représentations sociales, Paris, Delachaux
et Nistle, 1994.
GREGORI. Filomena. “Cenas e Queixas”, São Paulo, editora Paz e Terra,
AS Anpocs, 1993.
AMBIVALÊNCIAS JODELET. Denise “La representacion social: fenómenos, concepto y teoria”,
DAS MULHERES E in Moscovici, Serge, Psciologia Social, Buenos Aires, Paidos, 1986.
A VIOLÊNCIA DE LOBO. Elisabete “A classe operária tem dois sexos”, São Paulo, editora
GÊNERO Brasiliense, 1991.
MOSCOVICI. Serge “A representação social da Psicanálise”, Rio de Janeiro,
editora Zahar, 1978.
OLIVEIRA. Maria Coleta “Algumas notas sobre o “ciclo vital” como
perspectiva de análise”, Anais do II encontro ABEP, São Paulo (sem data).
SAFFIOTTI. Heleith. (1994) “Mulher brasileira é assim”, Rio de Janeiro, Rosa
dos Tempos, UNICEF, 1994.
SCOTT. Joan. “Gênero: uma categoria útil para a análise histórica”, Recife,
SOS Corpo, 1991.
ANYON. Jean. “Intersecções de Gênero e Classe: Acomodação e resistência
de mulheres e meninas, as ideologias dos papéis, Caderno de Pesquisa
Fundação Carlos Chagas, São Paulo, editora Cortez, 1990.
ABRIN. J. C.” L’organization interne des represéntations sociales: systême
central e systême périfèrique”, in Textes de base em sciences sociales:
Structures et transformations des représentations sociales, Paris, Delachaux
et Nistle, 1994.
GREGORI. Filomena. “Cenas e Queixas”, São Paulo, editora Paz e Terra,
AS Anpocs, 1993.
AMBIVALÊNCIAS JODELET. Denise “La representacion social: fenómenos, concepto y teoria”,
DAS MULHERES E in Moscovici, Serge, Psciologia Social, Buenos Aires, Paidos, 1986.
A VIOLÊNCIA DE LOBO. Elisabete “A classe operária tem dois sexos”, São Paulo, editora
GÊNERO Brasiliense, 1991.
MOSCOVICI. Serge “A representação social da Psicanálise”, Rio de Janeiro,
editora Zahar, 1978.
OLIVEIRA. Maria Coleta “Algumas notas sobre o “ciclo vital” como
perspectiva de análise”, Anais do II encontro ABEP, São Paulo (sem data).
SAFFIOTTI. Heleith. (1994) “Mulher brasileira é assim”, Rio de Janeiro, Rosa
dos Tempos, UNICEF, 1994.
SCOTT. Joan. “Gênero: uma categoria útil para a análise histórica”, Recife,
SOS Corpo, 1991.
DENHABIBI. S.e CORNELL.B. “Feminismo como crítica da modernidade”,
Rio de Janeiro, editora Rosa dos Ventos, 1987.
O SERVIÇO SOCIAL
LIMA. N. R. B. “Movimento de mulheres: um delineamento das tendências
E AS
ideológicas”, CEAS, nº 121, Salvador, 1985.
REPRESENTAÇÕES
OLIVEIRA. N. Mª. “Corpo Masculino, Corpo Feminino. Suporte simbólico das
DE GÊNERO,
relações desiguais entre os gêneros, Salvador, NEIM-UFBA, 1994.
REFLEXÕES
Projeto (não informado autores) Implantação do Setor de Assistência na
PRELIMINARES
Divisão de Crimes Contra a Integridade da Mulher, Belém, 1988.
SOBRE A PRÁTICA
SAFFIOTTI. H. J. B. “Reminiscência, releituras, reconstruções”, Revista
NA DELEGACIA DE
Estudos Feministas, CIEC, ECO, UFRJ, nº 01, Rio de Janeiro, 1992.
MULHERES
Coordenação “Projeto Violência Doméstica: questão de polícia e da
sociedade”; NIPAS, UFRJ, 1994.
Fonte: Elaboração própria, 2020.
58

Diante da bibliografia apresentada por Cordeiro (1995) e Machado (1995),


podemos observar que ambas trabalham com o conceito de gênero, uma utiliza o
texto central para esse debate de Joan Scott enquanto a outra se vale de artigos de
autoras feministas articuladas a esse debate.
Na referência bibliográfica do primeiro artigo aparecem referenciais da teoria
das representações sociais, indicando que essa foi a base para a análise da autora
sobre as entrevistas realizadas. No segundo artigo, verifica-se a aproximação de
estudos sobre projetos de intervenção em violência contra a mulher, e também
referenciais teóricos de autoras do Serviço Social como Marlise Vinagre e Marilda
Iamamoto. Os textos de Heleith Saffioti foram utilizados por ambas as autoras.
A leitura do caderno de comunicações do 8º CBAS permitiu observar como foi
debatida a questão da violência contra a mulher naquele evento. Como se trata de
resumos, a metodologia de alguns resumos não pode ser bem elucidada. Uma
questão que consideramos importante e que chamou a atenção foi a falta de
detalhamento sobre o evento, como por exemplo, o histórico do CBAS.
Essas são informações de grande relevância para os estudos e no sítio oficial
não há informações satisfatórias que possam subsidiar a pesquisa. De todo modo,
verificamos que a produção apresentada pelas participantes no 8º CBAS sobre o
tema da violência contra a mulher reduziu-se a dois trabalhos, articulados a
experiências de pesquisa e profissional, e utilizavam em seus arcabouços teóricos a
perspectiva dos estudos de gênero.

2.4 9º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais

O 9º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais é o último da década de


1990, ocorreu em Goiânia, de 20 a 24 de julho de 1998. O evento apresentou
características peculiares com relação à organização dos dois anteriores. Dos três
eventos, apenas esse último teve uma exposição dos objetivos do Congresso.
A apresentação, que foi escrita pela comissão organizadora e técnica,
declarou que esse evento era de grande relevância, pois apresentava um “caráter
político em face da crise sócio-econômica, imposta pelo projeto neoliberal” (1998, p.
01). Relatou que devido a esse colapso, o Assistente Social, assim como os
demaistrabalhadores, teve seu cotidiano de vida desestruturado, pois é um
59

trabalhador assalariado, mas também comprometido com a garantia dos direitos


sociais. Desse modo, o 9º CBAS, segundo a comissão organizadora e técnica, foi
um evento que possibilitou reflexões sobre os caminhos trilhados pelo projeto ético-
político profissional, contribuindo para uma construção de “uma pauta programática
nos próximos anos” (1998, p. 01).
Um detalhe que chamou atenção da organização do evento foi o
envolvimento de estudantes e profissionais de Serviço Social, pois teve um total de
422 trabalhos, que foram avaliados com grande qualidade. O caderno de
comunicações trouxe a seguinte organização, 02 blocos: O primeiro bloco
apresentou os eixos temáticos Seguridade, Assistência e Previdência Social;
Seguridade e Saúde; Família e Sociedade; Educação, Criança e Adolescente; Idoso
e Pessoa Portadora de Deficiência; Questão Urbana e Meio Ambiente e Questão
Agrária, Questão Indígena e Meio Ambiente, que segundo a organização do evento,
trouxe “reflexões e proposições sobre as políticas sociais” (1998, p. 01).
O segundo bloco apresentou os eixos temáticos Relações de Trabalho e
Serviço Social; Formação Profissional; Ética, Política e Direitos Humanos; Etnia e
Gênero, e Serviço Social Rumo ao Século XXI, assim possibilitando o debate sobre
mediações cruciais à decifração do ser social e à realização do trabalho profissional
(1998, p. 1).
Segundo a organização do evento, o primeiro caderno de comunicações
apresentou as comunicações orais, de cunho mais teórico e reflexivo e terminaram
relatando experiências significativas com proporções críticas sobre a prática. No
segundo caderno de comunicações foi garantida a apresentação de posters, a
comissão organizadora e técnica do evento expressou grande satisfação com as
contribuições do congresso e desejou que o Serviço Social esteja preparado para
lidar com os desafios presentes e vindouros e que mantenha o compromisso ético,
político e social.
Como o 9º CBAS apresentou uma organização diferenciada dos dois
congressos anteriores, dividindo em blocos, serão apresentadas duas quadros que
caracterizarão cada bloco de forma geral e os temas dos posters no final.
60

Quadro 7 - Número de trabalhos apresentados no 9º CBAS – Segundo eixo temático


– Bloco I
9º CBAS – BLOCO I – VOLUME I

EIXOS TEMAS Nº DE ARTIGOS

Seguridade, assistência e previdência social _ 25

Seguridade e saúde _ 25

Família e sociedade _ 14

Educação, criança e adolescente _ 42

Questão urbana e meio ambiente _ 18

Questão agrária, questão indígena e meio ambiente _ 09


Fonte: Elaboração própria, 2020.

Quadro 8 - Número de artigos apresentados no 9º CBAS – Segundo eixo temático –


Bloco II
9º CBAS – BLOCO II – VOLUME II
EIXOS TEMAS Nº DE ARTIGOS
Relações de trabalho e serviço social _ 28
Formação profissional _ 26
Ética, política e direitos humanos _ 14
Etnia e gênero _ 10
Serviço social rumo ao século XXI _ 10
Fonte: Elaboração própria, 2020.

O primeiro bloco tem uma predominância de trabalhos na área de


Seguridade, totalizando 50, seguidos do eixo Educação, Criança e Adolescente com
42 trabalhos. O segundo bloco reúne trabalhos que versam sobre temáticas ligadas
à formação e exercício profissional, onde se localiza o eixo Etnia e Gênero.
Predomina nesse bloco II os eixos Relações de Trabalho e Serviço Social, e
Formação Profissional, 28 e 26 trabalhos respectivamente. Vale ressaltar que os
temas que organizaram a apresentação em posters foram os mesmos referentes
aos artigos.
A quadro a seguir apresenta o eixo temático “Etnia e Gênero”. Assim como os
dois últimos CBAS, algumas informações não foram clarificadas com relação à
autoria, se ele (ela) era profissional, estudante, professor/a e se estavam vinculados
(as) a alguma instituição. Outro detalhe que nos chamou a atenção nesse CBAS foi
que um tema abordou gênero e/ou violência estando em eixo temático diferente.
Também estará descrito em outro quadro.
61

Quadro 9 - Artigos apresentados no eixo “Etnia e gênero” no 9º CBAS


9º CBAS
EIXO TEMÁTICO – ETNIA E GÊNERO
NÚMERO AUTOR (A)/ INSTITUIÇÃO TÍTULO
01 Sueli G. P. Do Amaral (Não Informado) As relações sociais de gênero e as
profissões da ajuda
02 Israild Giacometti Chinali – UNESP Trabalho feminino e globalização
03 Magali Da Silva Almeida – UERJ O imaginário como criação: o candomblé
como resistência
04 Carla Cristina Lima De Almeida (Não A hierarquia de gênero como importante
Informado) fator na elaboração da política de saúde
reprodutiva
05 Elaine Reis Brandão – UFJF – MG As mulheres e seus direitos:
problematizando o conceito de direitos
Reprodutivos e sexuais
06 Marlene Teixeira Rodrigues – UNB – DF Serviço social, gênero e violência
07 Rosane Mirales – SP (Não Informado) A identidade quilombola das
comunidades pedro cubas e
ivaporunduva
08 Rosineide Meira Cordeiro – UFPE Movimento de mulheres no campo norte e
nordeste
09 Ana Maria V. Melo, Amy Adelina Coutinho F. Memória, trabalho, identidade e gênero
Alves, Ilma Cristina S. Dos Santos E Debora
Ferreira (Não Informado)
10 Maria Elisa Dos Santos Braga Stampacchio Pontuações sobre o processo de
(Não Informado “incorporação” da categoria gênero: uma
pesquisa com profissionais de um centro
de combate à violência contra a mulher e
uma experiência na docência com 4º
anistas do curso de serviço social
Fonte: Elaboração própria, 2020.

Dos trabalhos apresentados nesse eixo, muitos não informaram a filiação


institucional, e entre os que indicaram esse dado, observamos que são provenientes
das regiões do Rio de Janeiro, São Paulo, Juiz de Fora/MG, Pernambuco e Brasília.

Quadro 10 - Artigo sobre gênero apresentado em outro eixo temático do 9º CBAS


9º CBAS - EIXO TEMÁTICO – FORMAÇÃO PROFISSIONAL
NÚMERO AUTOR (A)/ INSTITUIÇÃO TÍTULO
01 José Augusto Bisneto – UFRJ e Questões de Gênero e Formação
Renato Veloso – UFRJ Profissional
Fonte: Elaboração própria, 2020.

Vale destacar o único trabalho sobre Gênero que não integra o eixo Etnia e
Gênero, “Questões de Gênero e Formação Profissional”, de José Augusto Bisneto
(UFRJ) e Renato Veloso (UFRJ). Apresentaremos a seguir o conteúdo do artigo
porque os autores indicam no seu estudo a violência de gênero.
O resumo apresentado por Bisneto e Veloso (1998), que trouxe o título
“Questões de gênero e formação profissional”, abordou a importância do debate de
62

gênero no cotidiano prático do (da) Assistente Social. Descreveu o conceito de


gênero utilizando autoras como Lauretis (1994), Saffiotti (1987, 1988) e Scott (1990),
debateu ainda sobre gênero e relações de poder (FOUCAULT, 1988) e violência de
gênero contra a mulher (SAFFIOTTI; ALMEIDA, 1995) caracterizando concepções
de poder, pois consideram essas concepções de grande relevância nos estudos de
gênero.
Salientando a importância desses estudos na formação profissional do (da)
Assistente Social, relatam que o (a) Assistente Social está inserido numa esfera
social e sexual. Portanto, declaram que o Serviço Social se gesta no “interior dessa
lógica que rege a sociedade e que define sua natureza enquanto profissão” (1998, p.
125).
Os autores assim, concluem que pelo fato de o Serviço Social estar inserido
nessa dinâmica, é primordial que a categoria esteja engajada nos estudos de
Gênero, nos estudos que se referem às relações de gênero, pois a sua
compreensão é de suma importância para a formação profissional, devido ao fato de
pertencerem aos dois sexos, o Serviço Social faz parte da divisão social e sexual do
trabalho, que tem como alicerce a subalternidade do homem sobre a mulher, a qual’
acarreta na violência de gênero. Deixam claro que a discussão de gênero não deve
ser prioridade na formação profissional, mas consideram que o debate merece
aprofundamento por parte da categoria profissional.
Dos trabalhos que compõem o eixo “Etnia e Gênero”, destacamos 05 que
abordam a questão da violência, ainda que dois deles não explicitem no título essa
abordagem. É importante observar que é um número expressivo, se considerarmos
que o eixo teve um total de 10 trabalhos.
O resumo de Brandão (1998, p. 253) “A mulher e seus direitos:
Problematizando o conceito de direitos reprodutivos e sexuais” teve como
proposta elencar a reflexão e a prática dos direitos reprodutivos, sexuais numa
esfera conjugal violenta. Diretamente, a autora buscou uma ligação entre esses
direitos e a violência conjugal.
A autora percebeu em sua pesquisa que a maioria das usuárias que eram
atendidas no campo da saúde e da violência, demonstravam dificuldades em utilizar
os serviços ofertados pelas instituições de atendimento ou não praticavam todas as
orientações técnicas, no que tange à aderência das mesmas. Exemplificou que as
63

mulheres vítimas de violência conjugal “recusam” ou reformulam o encaminhamento


jurídico-policial (1998).
Brandão declara que embora as mulheres vítimas de violência procurem as
Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAM’s), o desfecho dado por essas
instituições, muitas vezes não resolve o problema da violência sofrida por elas.
Também descreveu que as orientações do campo da saúde com relação ao uso de
preservativo para evitar doenças sexualmente transmissíveis ou cuidados
necessários para evitar as mesmas doenças, não tinham ressonância entre a
maioria das mulheres.
Brandão (1998) pontua como uma situação complexa, pois na esfera familiar
e conjugal, onde muitas vezes ocorre a violência é possível identificar a limitação
maior à liberdade da mulher escolher o exercício da sua sexualidade ou questões de
saúde reprodutiva (1998), podendo ocasionar a violência conjugal como uma
situação extrema. Provavelmente nesse contexto ocorra a subordinação da mulher,
pois a manifestação violenta se manifesta como perda da autonomia feminina,
conforme Brandão descreve. A autora relata que pesquisar o entendimento e a
prática desses direitos no seio familiar, conjugal leva ao entendimento da autonomia
das mulheres e materializar meios de conciliação entre os casais.
O resumo de Rodrigues (1998) para o texto “Serviço Social, gênero e
violência” logo no início traz uma observação de que gênero está inserido no
cotidiano do (da) Assistente Social, mas que ainda há uma recusa às abordagens
que permeiam o debate de gênero e a aproximação com o movimento de mulheres.
A autora clarifica que o debate de gênero até aquela época ainda não tinha um
destaque no campo profissional. Mas nas universidades e de um modo geral no
campo das Ciências Sociais, foram criados grupos e núcleos de estudos e
pesquisas relacionados à mulher.
A autora fez uma análise comparativa sobre o CBAS anterior, descrevendo
que de 205 trabalhos apresentados no evento, apenas 14 trabalhos abordaram
relações de gênero, desvelando assim pouca aproximação com o debate. Rodrigues
relata que quando se trata da questão da violência a incidência é bem menor, pois
apenas 02 trabalhos abordaram o tema.
No que tange às políticas públicas relacionadas à mulher, diretamente no que
se refere a gênero, a autora salienta que até a data do evento, era mínima a procura
de mulheres por DEAM’s para “reagirem à situação” de violência (1998). Mas de
64

forma oposta, as mulheres apresentam queixas referentes à violência sofrida para


profissionais da área da saúde e diretamente da assistência social, mas não sendo
esse o motivo de procura ao atendimento de Assistentes Sociais.
Rodrigues salienta que o Serviço Social lida com a escuta sobre queixas de
violência contra a mulher em diversas áreas de atuação, mas ainda não aprofundava
o debate no campo profissional, pois nesses espaços poderiam desenvolver as
políticas de prevenção e enfrentamento ao fenômeno.
A autora levantou hipóteses sobre esse afastamento da categoria no que se
refere à violência contra a mulher. Declarou que talvez por questões de cunho
religioso e relacionada ao tradicionalismo nas relações de gênero, o Serviço Social
não aprofundava o debate, pois convergia com modelo tradicional de gênero, já que
alguns setores (não mencionou quais) eram opostos aos movimentos de mulheres e
diretamente ao movimento feminista.
Rodrigues relata que pesquisas apontam que a invisibilidade sobre a violência
doméstica ainda prevalece e por outro prisma, o Serviço Social tem por desafio,
através de sua “escuta qualificada”, contribuir para o enfrentamento do fenômeno. A
criação do Programa de Prevenção e combate à Violência contra a Mulher (PCPVM)
em 1996, contribuiu significativamente para o avanço no debate e para elencar
possibilidades de intervenção nas políticas públicas. O programa buscou atuar em
diferentes secretarias, como Desenvolvimento Social, Saúde, Assistência e outros. A
autora salienta que na grande maioria dessas secretarias tinham a atuação do
Serviço Social.
Percebemos que Rodrigues ao longo do texto, parece indagar que o Serviço
Social até aquele período, esteve presente em diversos campos de atuação, teve a
oportunidade de abordar o tema da violência contra a mulher, mas ainda não tinha
uma aproximação com o debate. Mas no final de seu resumo declarou que o motivo
da sua pesquisa era “identificar as representações sociais dos Assistentes Sociais
relativas à violência contra a mulher, assim como as queixas apresentadas pelas
usuárias e os enfrentamentos vivenciados pelos profissionais entrevistados” (1998,
p. 258).
Stampacchio (1998), relata em seu resumo “Pontuações sobre o processo
de incorporação da categoria gênero: uma pesquisa com profissionais de um
centro combate à violência contra a mulher e uma experiência na docência
com 4º anistas do curso de Serviço Social”, a importância dos movimentos
65

sociais para a construção do processo histórico, faz uma abordagem do feminismo


utilizando como referencia autoras como Teles (1993) e Scott (1994), que
enriquecem o debate.
Salienta que os movimentos sociais são estímulos para a academia despertar
e pesquisar sobre as teorias existentes e esclarecer sobre as diferenças históricas
entre os sexos. A autora exprime sua preferência sobre o debate da violência contra
a mulher, o qual é importante na sua prática profissional, pois é concursada na
Prefeitura Municipal de São Paulo trabalhando na Casa Eliane de Grammont. Optou
por pesquisar sobre como os profissionais da equipe multiprofissional (psicóloga,
duas assistentes sociais, uma psiquiatra, uma Advogada e uma Filósofa)
compreendem as relações de gênero, no cotidiano de suas atividades. A autora
relata que a partir da reflexão sobre a prática, a equipe se desvinculou da ideia de
conceito de mulheres vítimas de violência, para mulheres em situação de violência,
que foi apresentado através de uma cartilha criada no ano de 1991, com o título
“Violência no Relacionamento Amoroso”, da série nº 1 - Violência de Gênero.
Stampacchio descreve que a nomenclatura violência no relacionamento
amoroso está vinculada à questão da violência de gênero entre casais. Assim como
todas as relações sociais e interpessoais, esta também se liga à questão de poder.
São nesses relacionamentos que o poder se manifesta, desenvolvendo o controle, a
posse sobre o outro.
Para Stampacchio (1998), a mulher não está numa extremidade na qual ela
aceita de forma passiva a violência refletida como representação de poder, mas
demonstra resistência, se articula, instiga, constituindo assimetrias e
dessemelhanças, que por vezes ela própria produz e reproduz. A autora também
relatou que durante o cotidiano de atendimento, percebeu que as usuárias do
atendimento se espantavam com o grande movimento de mulheres que procuravam
a instituição.
As entrevistadas finalizam que para se trabalhar com o entendimento sobre
gênero é importante desagregar os conceitos de gênero enraizados na cultura,
muitas vezes disseminados pela própria orientação acadêmica Propõem uma
supervisão do trabalho desenvolvido por trabalhadoras mulheres, na medida que há
a necessidade de revisão sobre o processo de trabalho com mulheres, na medida
que apresentam dificuldades em lidar com as perspectivas de gênero nos
atendimentos realizados com mulheres em situação de violência.
66

A autora ainda relata sobre a sua experiência docente no campo acadêmico.


Apresentou uma proposta de incorporação de uma disciplina que aborde gênero e
violência. As alunas ficaram muito empolgadas com o conteúdo ofertado, o que
ocasionou no aumento de trabalhos de conclusão de curso com temas pertinentes
ao debate de gênero e violência.
Também observaram através dos tópicos da disciplina, que é de grande
relevância o aprofundamento sobre o debate das relações de gênero entre elas
mesmas (mulheres), refletiram o quanto são “reprodutoras do padrão de gênero”
(1998, p. 269), o quanto oprimem outras mulheres e questionaram as relações
dominantes de gênero. Ainda refletiram sobre a diversidade de profissionais de
Serviço Social e outras áreas, que por não terem essa reflexão sobre o conceito de
gênero e violência, acarretam posicionamentos equivocados sobre o debate.
A autora finaliza que no processo das relações sociais, acredita que a
reflexão das relações de gênero no campo acadêmico favorece o aprofundamento
“interdisciplinar do conhecimento e autoconhecimento” (1998, p. 270). Isto contribui
para trabalhos profissionais, pois reforçam a manutenção das relações sociais, na
construção e reconstrução da pauta no campo acadêmico, buscando uma
“concepção ética, política e de equidade”.
Lendo o resumo pudemos observar que a autora faz um apelo para que tanto
profissionais, quanto alunos e docentes incorporem, como ela mesma cita, o debate
de gênero e violência não somente no curso de Serviço Social, quanto em outros
cursos relacionados ao campo de intervenção. Somente dessa forma, os
profissionais e alunos terão a oportunidade de compreender adequadamente o
fenômeno da violência de gênero e terem participações, intervenções qualificadas
com usuárias que procuram as instituições de atendimento.
Rubia Lorena Rodrigues (1998), relata em seu resumo “Ser ou não ser
Amélia: uma questão de gênero” sobre o cotidiano de vida de mulheres moradoras
de uma comunidade chamada “Morro do Horácio” em Santa Catarina. Em sua
pesquisa apresentou questões relacionadas às condições de trabalho vivenciadas
por essas mulheres, as quais cada vez mais conquistam espaços públicos, no
mercado de trabalho, saindo do universo doméstico, privado. Seu intuito era
conhecer a realidade social daquelas mulheres das comunidades, levantando
diversas questões que observava.
67

A pesquisa se deu através do resgate do projeto Gênero no Morro do Horário,


da Universidade Federal de Santa Catarina, que foi repensado a partir de grupo de
mulheres, que participaram de oficinas de sexualidade em parceria com o Núcleo
Transcriar do Departamento de Enfermagem da UFSC. Ali pode ser observado a
descoberta sobre a sexualidade, comportamentos, desenvolvimento maior de
autoestima, reflexões e interesse nos debates sobre gênero.
Segundo a autora, esses espaços proporcionaram socialização, integração e
lazer entre as mulheres participantes, mas, ao mesmo tempo, foi aprofundada a
discussão sobre a violência de gênero, mas foi identificado pela autora e pela equipe
da universidade, que durante o debate nem todas as mulheres se identificam como
vítimas de violência doméstica, “se identificavam como vítimas deste problema
social”. Rodrigues salienta que esse entendimento ocorre devido a compreensão
que as mulheres ainda tem de que essas experiências são “coisas naturais” entre
homem e mulher e por essa naturalização da violência, consideram uma questão de
cunho privado, íntimo.
A autora reiterou que esse pensamento dificulta muito a conscientização das
mulheres no que diz respeito às conquistas por direitos por integralidade física e
moral. Foi finalizado com um destaque para que o Serviço Social continue a
desenvolver pesquisas que possam ampliar o conhecimento sobre o campo da
violência de gênero que possam construir respostas às emergências postas aos
Assistentes Sociais, descrevendo as mulheres como sujeitos constituintes de suas
próprias histórias.
Esse resumo apresentou inicialmente estatísticas sobre a inserção da mulher
no mercado de trabalho, que não foram problematizadas na observação por não se
tratar do foco deste estudo. Entretanto, foi tratada em dois parágrafos a questão da
violência de gênero, através de importante experiência de projeto e um núcleo da
UFSC numa comunidade da periferia. Observamos que segundo o próprio relato da
autora, essa experiência foi muito edificante para todas as participantes, tanto para
as profissionais quanto para as usuárias, mas o mesmo não foi detalhado,
caracterizado.
Gaspary (1998) traz o resumo “Implantação do Centro Especial de
Orientação à Mulher Zuzu Angel – São Gonçalo – RJ”, fazendo uma
apresentação do Centro Especial de Orientação à Mulher – Zuzu Angel, em São
68

Gonçalo, Rio de Janeiro. Descreve que a unidade foi inaugurada no ano de 1986,
coordenado por uma Assistente Social.
A instituição possui uma equipe multiprofissional composta por Assistentes
Sociais, Psicólogos, Médicos, Enfermeira, Bióloga, Advogados, equipe de apoio
administrativo e acadêmicos de graduação e pós-graduação, que atendem em
horário comercial, mulheres de diversas classes sociais, orientação política e
religiosa que buscam por orientações, assessorias, de forma individual e grupos,
que vivenciavam situações de violência.
A autora descreve que a instituição vai além da exclusividade de
acompanhamento de casos encaminhados pelas Delegacias Especializadas de
Atendimento à Mulher na cidade de São Gonçalo. Trata-se de uma instituição que
estando interligada com outras instituições governamentais e não-governamentais
buscava novas formações nas relações entre homens e mulheres. Além do
acompanhamento individual e de grupo com mulheres ofertam suporte às mulheres
por parte de toda equipe multiprofissional abordando temáticas sobre violência de
gênero, sexualidade, Doenças Sexualmente Transmissíveis, planejamento familiar,
prevenção ao câncer, abuso sexual e outros.
Gaspary descreve que até aquela data de 1986, não existia no Estado uma
instituição como o CEOM Zuzu Angel, pois, segundo a autora, não existia instituição
com esse perfil de atendimento. A princípio o atendimento era ofertado para
mulheres vítimas de violência, mas posteriormente foi estendido ao restante da
família e demais envolvidos, sem perder a centralidade nas questões de gênero.
A autora acredita que tanto as pesquisas realizadas como as vindouras,
contribuirão em propostas de políticas públicas para o Conselho Municipal de
Defesa da Mulher, que foi inaugurado no município em 1997.
No período de 10 meses, a autora apresentou um quantitativo de
atendimentos do CEOM – Zuzu Angel realizado no período de dezembro de 1997 a
maio de 1998.

Quadro 11 – Número de atendimentos no Centro de Orientação à Mulher Zuzu


Angel, 1997 – 1998
Serviço social 466 836 1.302
Psicologia 207 261 468
Jurídico 527 1.269 1.796
Educação e saúde 239 402 641
TOTAL 1.439 2.768 4.207
Fonte: Gaspary, 1998.
69

A autora concluiu o resumo declarando que a criação do CEOM – Zuzu Angel


foi inovador comparado às outras instituições de atendimento à mulher, (1998: 280-
281). A autora acredita que os investimentos em políticas públicas voltadas para as
mulheres reforçam o papel social da mulher no sentindo maternal “como última
instância da existência feminina”.
O CEOM – Zuzu Angel caminha com outra proposta, novas relações de
atendimentos, desenvolvendo debates, tratando questões pertinentes às mulheres,
garantia de direitos, reitera que a metodologia ofertada pela instituição propõe
atividades reflexivas, socioeducativas, que possam contribuir para que as mulheres
refaçam suas histórias.
Os resumos pesquisados no 9º CBAS, assim como a maioria dos já descritos
nos outros CBAS da década de 1990, relacionados às questões de gênero indicam,
que gênero está direcionado, à inserção da mulher no mercado de trabalho e o
papel exercido por elas na sociedade. Nas questões relacionadas à violência de
gênero contra mulheres, observamos um apelo por parte das autoras, no sentido de
chamar a atenção de Assistentes Sociais que estão na prática em diversas áreas
socio- ocupacionais, de estudantes de Serviço Social de graduação e pós-
graduação e docentes. Demonstram uma urgência para que o debate de gênero e
violência contra à mulher sejam incorporados nesses espaços e mostram através de
dados, a procura de mulheres por atendimento do Serviço Social, ou seja, a
categoria tem experiências práticas para aprofundar o debate tanto no meio
acadêmico quanto nos espaços socio-ocupacionais.

Quadro 12 – Referencial teórico dos artigos sobre violência de gênero contra a


mulher apresentados no 9ºCBAS
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Fonte: Elaboração própria, 2020.
73

Do ponto de vista dos referenciais teóricos, observamos que as autoras


demonstram uma articulação com o pensamento feminista na abordagem das suas
discussões e um conceito de gênero identificado com autoras como Joan Scott e
Heleieth Safiotti. Indicam, portanto, uma compreensão dos estudos de
gênero/feministas em seus trabalhos, chamando a atenção para o papel do Serviço
Social em seus artigos.
Refletir sobre os três Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais ocorridos
na década de 1990, nos possibilita a compreensão que tinha a categoria profissional
e estudantes de Serviço Social daquele período acerca da violência contra a mulher.
Cabe ressaltar, uma época em que esperavam pela corporificação do debate de
gênero e violência contra a mulher nos espaços acadêmicos, de pesquisas e
principalmente subsídios para a intervenção profissional com a questão da violência
de gênero.
Podemos observar em vários resumos, que autoras alertavam para a
emergência sobre o enfrentamento da situação de violência em que as mulheres se
encontravam por parte de diversas áreas do saber e em diversas instituições.
Também expressavam que os trabalhos apresentados poderiam abrir portas para
novas discussões, novos olhares, novos aprofundamentos teórico-profissionais
capazes de contribuir para o enfrentamento do problema da violência de gênero
contra as mulheres.
Algumas autoras citaram o movimento feminista e o movimento de mulheres
ao longo de seus trabalhos. Consideramos muito importante resgatar a memória do
movimento feminista na década de 1990, que teve seu apogeu entre as décadas de
1970 e 1980, de acordo com autoras que debatem estudos de gênero, como
Saffiotti, Scott, Almeida, Lisboa.
A discussão sobre a violência contra mulheres ainda apresentava uma
participação pequena nos CBAS do período, talvez pelo fato de também não haver
ainda uma relevante inserção desses estudos no Serviço Social, mas o debate de
gênero caminhava mais avançado nos eventos. Quando as autoras debateram
gênero trouxeram características sobre a mulher na esfera do trabalho, sobre seu
papel na família e na sociedade, observamos que esses assuntos eram unânimes
entre elas. Também despontam algumas reflexões sobre gênero e raça/etnia, mas
não foi identificado o debate sobre violência contra mulheres negras nem sobre o
feminismo negro.
74

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, no século XXI, observamos que o debate sobre a violência contra


a mulher e o debate sobre gênero progrediu no campo do Serviço Social. Porém,
desde a década de 1980, o Serviço Social já construía um elo com o enfrentamento
do fenômeno, por exemplo, no ano de 1985, Suely de Souza Almeida, Assistente
Social e Docente de Serviço Social da UFRJ (In memoriam), foi a primeira Assistente
Social a trabalhar numa delegacia, antes mesmo de serem criadas as Delegacias de
Mulheres, um marco importante para a categoria (MORGADO, 2016).
Observamos que embora o (a) Assistente Social ainda não estava tão
próximo do tema da violência contra a mulher no campo acadêmico, o fenômeno já
fazia parte do seu cotidiano profissional, conforme Lisboa (2005, p. 200):

Portanto, a interlocução do Serviço Social com essa questão se faz


necessária. Uma vez que a violência de gênero é um fenômeno social, deve
ser enfrentada através de um conjunto de estratégias políticas e de
intervenção social direta.

Desse modo, refletimos que o Serviço Social intercede sobre a questão da


violência contra a mulher, sendo essa uma das representações da questão social,
seguindo assim atuando sobre seu objeto de trabalho. Esse é um importante motivo
para que Assistentes Sociais cada vez mais estejam engajados com o conhecimento
sobre a realidade social que intervêm, pois necessitam compreender como as
mulheres vivenciam como vítimas, essa violação de direitos.
Os (as) Assistentes Sociais desde seus primórdios, lidam com o cotidiano de
vida das pessoas, no qual também estão inseridas/os como sujeitos fazendo parte
dessa dinâmica nas relações sociais. Toda forma de violência seja contra a mulher
ou outros tipos de violência contra idosos, crianças, negros... São características das
diversas expressões da questão social, nas quais Assistentes Sociais são
chamados/as a intervir, de acordo com Carvalho e Iamamoto (1983):

A questão social não é senão as expressões do processo de formação e


desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da
sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do
empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da
contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros
tipos de intervenção mais além da caridade e repressão (CARVALHO;
IAMAMOTO,1983, p. 77).
75

Refletindo sobre a violência contra a mulher é indissociável a intervenção do


Serviço Social nesse debate, que é um problema tão grave de violação dos direitos
humanos, violação dos direitos das mulheres. O Serviço Social ao longo de sua
trajetória histórica está enraizado na participação da defesa democrática dos
direitos, da igualdade e equidade social. Não seria diferente no que diz respeito a
esse fenômeno social, que desde os tempos primordiais afeta a vida das mulheres
em todas as classes sociais. O Serviço Social em seu processo histórico apresenta
muita aproximação com o gênero feminino, pois de acordo com Lisboa (2010) a
categoria profissional é quase toda composta por mulheres:

Uma categoria formada por 95% de profissionais do sexo feminino, que em


seu cotidiano de intervenção atende majoritariamente mulheres,
permaneceu distante das lutas mais significativas dos movimentos
feministas, o que configura, do meu ponto de vista, um desencontro entre o
Serviço Social e as questões de gênero (LISBOA, 2010, p. 67).

Lisboa (2010) salienta que as teorias feministas e estudos sobre gênero e


violência consolidam uma contribuição teórico-metodológica importante para o
Serviço Social, já que emergem para confrontar todos os meios de dominação,
evidenciar novos espaços de conflitos sociais.
A pesquisa que realizamos sobre os CBAS da década de 1990, trouxe
importantes dados sobre o contexto o qual a sociedade e o Serviço Social
vivenciavam naquela época. Foi inicialmente muito evidenciado um perfil com temas
voltados para as mulheres e as famílias, mas que ao longo dos congressos, o
debate de gênero e etnia (naquela época se usava o termo raça, não mais utilizado
nos tempos atuais) se corporificaram aos resumos. Observamos através dos
conteúdos apresentados, uma forte sintonia com o debate sobre feminismo, embora
o Serviço Social não ainda não evidenciasse o tema no campo acadêmico.
Os estudos de gênero e feminismos apresentam grande relevância para o
desvelamento de formas de exploração e dominação, o qual a pesquisa específica
do conceito da classe social não está apto a alcançar. Principalmente quando se
trata do fenômeno social da violência sofrida por mulheres. Esse conceito é
essencial para o entendimento e intervenção junto a questão da violação de direitos,
o qual o debate de gênero está enraizado nesse contexto.
Heleieth Saffioti trouxe uma relevante contribuição para os estudos de gênero,
pois desde a propagação desses estudos, o conceito de gênero passou a ser
refletido como representações das relações sociais entre os sexos. A partir dos
76

estudos de gênero, o conceito de patriarcado passou a ser interpelado como uma


forma “universal de relações de gênero” (MOTTA, 2018, p. 153).
Para Motta (2018), Saffioti é uma das autoras que debate gênero e feminismo
e defende que somente o conceito de patriarcado é incapaz de discorrer sobre as
relações entre os sexos. Saffioti segue o raciocínio que a noção de patriarcado não
deve ser colocado em segundo plano, mas deve-se indagar sua “utilização universal
e delimitar seus limites e fronteiras históricas”. Assim, compreendemos que para ela,
o conceito de gênero é muito mais diversificado do que a o conceito de patriarcado,
que é um conceito atual ligado ao capitalismo e gênero existe desde os primórdios.
Desse modo, Saffioti (1985) cita Eisenstein (1979):

O capitalismo usa o patriarcado e o patriarcado está determinado pelas


necessidades do capital. Esta afirmação não solapa o dito anteriormente, ou
seja, que ao mesmo tempo em que um sistema utiliza o outro, deve
organizar-se em função das necessidades deste outro precisamente para
proteger as qualidades específicas do outro. De outra forma, o outro
sistema perderia seu caráter específico e com ele seu valor único. Para
dizê-lo da maneira mais simples possível: o patriarcado (supremacia
masculina) proporciona a ordenação sexual hierárquica da sociedade para o
controle político e como um sistema político não pôde ser reduzido à sua
estrutura econômica; enquanto o capitalismo como sistema econômico de
classes, impulsionado pela busca de lucros, alimenta a ordem patriarcal.
Juntos eles formam a economia política da sociedade, não unicamente um
ou o outro, mas uma combinação particular dos dois (EISENSTEIN, 1979. p.
5 apud SAFFIOTI, 1985, p. 99).

Saffioti faz uma crítica relatando que gênero é um conceito que tem utilidade
para o feminismo, pois é capaz de disfarçar o patriarcado:

Assim, se gênero é um conceito útil, rico e vasto, sua ambiguidade deveria


ser entendida como uma ferramenta para maquiar exatamente aquilo que
interessa ao feminismo: o patriarcado, como um fato inegável para o qual
não cabem as imensas críticas que surgiram. Tratar esta realidade
exclusivamente em termos de gênero distrai a atenção do poder do
patriarca, em especial como homem/marido, ‘neutralizando’ a exploração-
dominação masculina (SAFFIOTI, 2004, p. 136).

Os estudos de gênero e violência contra a mulher proporcionam uma reflexão


sobre diferentes formas de analisar o contexto histórico e como emergiu as
diferenças sociais, que resultam em desigualdades. Através de estudos, trabalhos
apresentados, a corporificação desses temas no campo teórico-prático do Serviço
Social é possível contribuir de forma mais efetiva no cotidiano de vida das mulheres,
intervindo para que elas possam construir confiança, autoestima, tomadas de
decisões que as levem ter autonomia sobre suas próprias vidas, desconstruindo a
subalternidade que tanto as assolam.
77

Acreditamos que o Serviço Social tem um longo caminho a percorrer sobre o


debate e intervenção com mulheres que sofrem violência, tanto no que diz respeito
aos estudos de gênero quanto na produção do conhecimento que interfere na
prática profissional. Mesmo enfrentando dificuldades no cotidiano de suas
intervenções, os (as) Assistentes Sociais têm se interessado pela prática
profissional, a produção do conhecimento e com a atenção dada as mulheres
vítimas de violência. Assim, a propagação do fenômeno da violência contra
mulheres, que é um dos temas abordados pela categoria, necessita de
aprofundamento, produção do conhecimento de forma contínua para que possam
intervir correspondendo às questões éticas que pairam sobre a profissão e outras
demandas que também carecem de conhecimento.
78

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