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REVISTA CEFOP FAPAZ DE EDUCAÇÃO, CULTURA, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Ano X - nº 11 - fev. 2024 - Natal/RN - ISSN 2317-8841


REVISTA CEFOP FAPAZ DE EDUCAÇÃO, CULTURA, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Ano X - nº 11 - fev. 2024 - Natal/RN - ISSN 2317-8841

Prof. Dr. José Flávio da Paz


Universidade Federal de Rondônia-UNIR/Brasil e Logos University International-Unilogos/USA
Editor Chefe

Conselho Editorial:
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Logos University International-Unilogos/USA e Universidade Federal de Minas Gerais-
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Universidade Federal de São Paulo- Universidad San Carlos-USC/Paraguai
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Universidade de Brasília-UnB/Brasil Equipo Terapéutico Villa Urquiza/Argentina e
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Espírito Santo-SEDU-ES/Brasil

Projeto gráfico, diagramação e mediação linguística:


Profa. Esp. Lidiane Silva dos Santos - Universidade Federal de Rondônia-UNIR/Brasil

Capa:
Prof. Dr. José Flávio da Paz - Universidade Federal de Rondônia-UNIR/Brasil e Logos University International-
Unilogos/USA
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FICHA CATALOGRÁFICA:

REVISTA CEFOP/FAPAZ DE EDUCAÇÃO, CULTURA, CIÊNCIA E


TECNOLOGIA/publicação do CEFOP/FAPAZ.

– Vol. 1 – Ano 10 - Número 11 - (fevereiro 2024). José Flávio da


Paz (org.) – Natal: FAPAZ: 2024.

ISSN 2317-8841

1.Letras; 2.Educação; 3.Pedagogia; 4.Transversalidade; 5.Linguística; 6.Meio


Ambiente; 7.Ensino Superior; 8.Língua Brasileira de Sinais 9.Educação de
Surdos 10.Didática 11.Semiótica 12.Ética.
CDU – 372.83

Correspondência:

REVISTA CEFOP/FAPAZ DE EDUCAÇÃO, CULTURA, CIÊNCIA E TECNOLOGIA


Editor Responsável: Prof. Dr. José Flávio da Paz
Caixa Postal 11 – Ag. Princesa Isabel
Natal - RN
CEP 59025-400

Tel. (84) 99129 1096

As opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores não
expressando necessariamente as ideias do CEFOP/FAPAZ nem de seus Colaboradores.
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ÍNDICE

EDUCAÇÃO POSITIVA: A AFETIVIDADE COMO NORMA ............................................ 05


Elga Santos Marinho
Lucineide Melo de Paulo Leão
Luiz Gonzaga Lapa Junior

METODOLOGIAS ATIVAS NO ENSINO-APRENDIZAGEM: DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA


EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA ................................................................................... 14
Kênia José da Rocha
Ludmila Meneses da Silva
Luiz Gonzaga Lapa Junior

IMPORTÂNCIA DO LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL .................................... 28


Luiz Gonzaga Lapa Junior
Maria Aparecida Alves Oliveira
Marinalva Maniçoba de Lira

A PESQUISA INTERDISCIPLINAR E A INTERVENÇÃO SOCIAL NO ENSINO MÉDIO -


ITINERÁRIOS FORMATIVOS: RELATO DE EXPERIÊNCIA ............................................... 36
Roseli Trevisan Marques de Souza
José Francisco Garreta do Nascimento

A MARCA “PERO” SOB O ENFOQUE DA TEORIA DAS OPERAÇÕES PREDICATIVAS E


ENUNCIATIVAS ............................................................................................................. 47
Sergio José Terlizzi
Maíra Brás Costa Terlizzi

MOVIMENTO NACIONAL DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS — MNCR: DA


FUNDAÇÃO À CAPITULAÇÃO ...................................................................................... 69
Uilmer Rodrigues Xavier da Cruz

R E S E N H A:
TRAUMA E MEMÓRIA EM BATISMO DE SANGUE, DE HELVÉCIO RATTON ................ 97
Willian Barbosa Caetano
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EDUCAÇÃO POSITIVA: A AFETIVIDADE COMO NORMA

Elga Santos Marinho 1


Lucineide Melo de Paulo Leão 2
Luiz Gonzaga Lapa Junior 3

Resumo Abstract
A educação positiva é um campo do Positive education is a field of knowledge of
conhecimento da Psicologia Positiva que ganha Positive Psychology that is gaining space in
espaço na sociedade, bem como nas instituições society, as well as in educational institutions. It
de ensino. Ela prima pela autonomia da criança, strives for the child's autonomy, affection,
no afeto, na compreensão e no respeito. Ela understanding and respect. It can be defined, in
pode ser definida, de modo geral, como a a general way, as Positive Psychology applied to
Psicologia Positiva aplicada à educação nas education in schools. It represents an innovative
escolas. Representa uma abordagem inovadora approach in the school environment,
no ambiente escolar, superando o tradicional overcoming the traditional focus on academic
foco no desempenho acadêmico. Na Educação achievement. In Positive Education, we seek to
Positiva, busca-se aplicar modelos e estratégias apply models and strategies that promote
que promovam sentimentos positivos, positive feelings, engagement and positive social
engajamento e relações sociais positivas, visando relationships, aiming primarily at the emotional
prioritariamente o bem-estar emocional, o well-being, socio-emotional development and
desenvolvimento socioemocional e as individual skills of students. Through the
habilidades individuais dos estudantes. Por meio qualitative method of bibliographic research, the
do método qualitativo de pesquisa de cunho work sought to reflect on the practice of positive
bibliográfico, o trabalho procurou refletir sobre education in the school environment as a
a prática da educação positiva no ambiente contribution to the good coexistence of
escolar como contribuição à boa convivência educational agents. From the research, it is
dos agentes educacionais. Pela pesquisa, conclui- concluded that the relationship between teacher
se que a relação do bem-estar docente interfere well-being interferes in the learning and
no aprendizado e nos resultados acadêmicos dos academic results of students.
estudantes.

Palavras-Chave: Educação positiva. Escola. Keywords: Positive education. School.


Educação. Education.

1 Graduada em Pedagogia, Faculdade Jesus Maria José (FAJESU). Lattes: http://lattes.cnpq.br/1389553306519581 E-mail:
elga.s.marinho@gmail.com
2 Mestrado em Psicologia, Universidade de Fortaleza. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2975493240003228 E-mail:
lucineide_melo@yahoo.com.br
3Pós-doutor em Educação, Universidade de Brasília. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1579964066856457, E-mail: lapalipe@gmail.com
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INTRODUÇÃO

Atualmente, vivenciamos ações violentas em todas as facetas da sociedade,


incluindo a família e a escola. Atos e práticas de bem-estar e respeito devem ser
transmitidos tanto aos nossos filhos quanto aos estudantes nas escolas.
Por vezes chamada de educação não-violenta ou educação para a paz, a educação
positiva é uma visão de formação do ser humano que tem se destacado entre famílias e nas
escolas.
A visão não punitivista de educação transmitida pela educação positiva, permite
que a criança pense nos seus atos diários, ao invés de castigá-la. Em vez de punir o mau
comportamento, ela busca estimular as boas ações. Em vez de impor regras arbitrárias, ela
procura construir acordos e fazer cumpri-los. Isto não significa que, por exemplo, regras e
normas escolares devam ser esquecidas ou abrandadas.
A educação positiva prima pela autonomia da criança, no afeto, na compreensão e
no respeito. Ela pode ser definida, de modo geral, como a Psicologia Positiva aplicada à
educação nas instituições educacionais (Cintra; Guerra, 2017), preconizando que as
habilidades para o bem-estar podem e devem ensinadas nas escolas junto às tradicionais
habilidades para a qualificação e realização profissional dos jovens (Green; Oades;
Robinson, 2011; Norrish et al., 2013).
Desse modo, além de bem-estar, resiliência e florescimento, a Educação Positiva
propicia caminhos para o que talvez seja um dos mais importantes aprendizados – o de
conhecer a si mesmo (Norrish, 2015)
No contexto educacional, a educação positiva deve ocorrer por meio de projetos
interventivos com atividades relacionadas ao cooperativismo no coletivo. É fundamental
que professores e funcionários participem de formação e programas na temática positivista,
para sentir s efeitos da experiência no trabalho como nas próprias vidas (Cintra; Guerra,
2017). Além disso, Waters (2011, p. 85) comenta que “quando professores e funcionários da
escola têm níveis elevados de bem-estar social e emocional, isso tem uma influência positiva
nos estudantes”.
Estudos apontam (Bajorek; Gulliford; Taskila, 2014) que a relação do bem-estar
docente interfere no aprendizado e nos resultados acadêmicos dos estudantes (Bricheno;
Brown; Lubansky, 2009).
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Este trabalho de método qualitativo e bibliográfico procurou refletir sobre a
temática da educação positiva, evidenciando o seu papel crucial na sociedade e nas
instituições educacionais que são considerados espaços privilegiados para promover o bem-
estar, tanto na comunidade escolar como na sociedade em geral.

EDUCAÇÃO POSITIVA E OS POSSÍVEIS BENEFÍCIOS NO CONTEXTO ESCOLAR

As instituições de ensino desempenham um papel crucial na promoção do bem-


estar não apenas dentro da comunidade escolar, mas também no âmbito mais amplo da
sociedade. Esse entendimento tem motivado estudiosos e pesquisadores a buscar métodos e
inovações que possam contribuir para uma educação que auxilie no desenvolvimento
holístico do aluno.
A Educação Positiva, fundamentada na interseção entre Educação e Psicologia
Positiva, representa uma abordagem inovadora no ambiente escolar, superando o
tradicional foco no desempenho acadêmico. Borges (2017, p.33) afirma que o principal
critério para a mensuração do bem-estar é o florescimento. Segundo Seligman (2011),
fundador dessa abordagem, há cinco elementos que compõem a base da teoria do bem-
estar: emoções positivas, engajamento, relacionamentos, significado/propósito e realização.
O objetivo da Psicologia Positiva é aumentar esse florescimento.
Na Educação Positiva, busca-se aplicar modelos e estratégias que promovam
sentimentos positivos, engajamento e relações sociais positivas, visando prioritariamente o
bem-estar emocional, o desenvolvimento socioemocional e as habilidades individuais dos
estudantes.
Nesse paradigma, um exemplo de modelo contemporâneo com bons resultados é o
Programa de Resiliência Penn (PRP) conduzido pela equipe de pesquisa de Seligman (2011)
e visa ensinar o bem-estar nas escolas. Sua meta é ampliar a habilidade dos alunos para lidar
com os desafios típicos da adolescência, promovendo o otimismo ao orientá-los a abordar
os problemas de maneira mais realista e flexível. Adicionalmente, o PRP aborda
competências como assertividade, brainstorming criativo, tomada de decisão e
relaxamento.
Apesar de, atualmente, haver escassez de obras que abordam a Educação Positiva
nas escolas brasileiras, a importância de realizar mais pesquisas nesse campo é ressaltada,
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especialmente à luz de estudos com bons resultados realizados nas escolas em outros países,
como na Austrália (Norrish, 2015).
Ao adotar a Educação Positiva, as escolas podem ter como objetivo buscar formar
indivíduos mais conscientes de seu papel na sociedade, incentivando o diálogo e
promovendo a importância dos acordos de boa convivência e da gentileza (Cohen, 2006).
Essa abordagem representa um novo paradigma educacional, pois aplica o objetivo
principal da Psicologia Positiva para criar um ambiente propício ao desenvolvimento
integral dos alunos.
Nesse contexto, a priorização do bem-estar emocional dos alunos nas escolas
estabelece as bases para um ambiente escolar mais saudável e acolhedor e que segundo
Nelsen (2015, p.28),

As crianças não desenvolvem responsabilidade quando pais e professores são


muito rígidos e controladores, mas também não se tornam responsáveis
quando pais e professores são permissivos. Crianças adquirem
responsabilidade quando têm a oportunidade de aprender habilidades
sociais e de vida valiosas para desenvolver um bom caráter em um ambiente
de gentileza, firmeza, dignidade e respeito.

Nesse cenário, o desenvolvimento socioemocional e as habilidades individuais


assumem um papel central no processo de ensino-aprendizagem, capacitando os alunos não
apenas para alcançar êxito acadêmico, mas para enfrentar os desafios da vida.
Cita-se, por exemplo, que a abordagem positiva na resolução de problemas não
apenas ensina os alunos a enfrentar desafios de forma construtiva, mas também fomenta a
resiliência e a capacidade de aprendizado contínuo, valorizando o processo de crescimento
pessoal.
Importante observar que a parceria efetiva entre escola e famílias fortalece a rede
de apoio aos alunos, permitindo aos pais compreender melhor as necessidades de seus
filhos e contribuir de maneira mais eficaz para o desenvolvimento positivo.
Neste sentido, cultivar relacionamentos positivos em um ambiente escolar
diversificado culturalmente representa um desafio, porém é essencial para estabelecer uma
comunidade educacional inclusiva e acolhedora, onde cada indivíduo contribui para que
todos se sintam apoiados e valorizados.
Em síntese, considerando alguns dos limites teóricos, bibliográficos e experimentais
desse campo, ainda insipiente de estudos, é possível afirmar que existem razões de que a
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Educação Positiva representa uma abordagem promissora para promover o bem-estar e o
florescimento dos alunos nas escolas.

EDUCAÇÃO POSITIVA: APLICAÇÕES E PRÁTICAS

De acordo com o Ministério da Saúde, aspectos como a realidade social,


econômica, política, cultural e ambiental impactam diretamente na saúde mental da
população. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, quase um
bilhão de pessoas, sendo 14% dos adolescentes do mundo, estavam sofrendo com um
transtorno mental. Constatou-se que a cada 100 mortes, o suicídio foi responsável por
uma dessas mortes e 58% dos suicídios ocorreram antes dos 50 anos de idade.
O Plano de Ação Integral de Saúde Mental, período 2013 a 2030, do governo
federal, aponta três “caminhos para a transformação”, na melhoria da saúde mental da
população. A primeira delas é intensificar o compromisso com a saúde mental; o segundo,
reestruturar os entornos que interferem na saúde mental e por último, fortalecer a atenção
à saúde mental modificando lugares, modalidades e pessoas que oferecem e recebem
serviços. Estudos reforçam a importância da educação positiva, na medida em que esta
aborda os riscos e fortalece os sistemas de atenção.
Mas, afinal, como colocar em prática a educação positiva? A exigência de uma
experiência prática advém da corrente filosófica do empirismo, palavra grega empeiria,
que significa experiência. A Educação Positiva como grandes representantes os filósofos
Thomas Hobbes, John Locke e David Hume.
Dialogando o termo empirismo em nosso tema, temos:

a) Na educação básica
Entre crianças em idade escolar (06 a 12 anos), as intervenções mais
frequentemente utilizadas (Reppold; Hutz, 2021) em contextos educacionais são:
1. Técnicas que trabalhem a atenção plena: a prática de escaneamento corporal
e exercícios de respiração consciente;
2. Técnicas de exercício de gratidão: identificar fatos que aconteceram no dia
pelo qual é grato;
3. Técnicas de difusão de relacionamentos positivos: aprendizagem
cooperativa;
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4. Técnicas de identificação e promoção de forças de caráter: atividades para
fortalecer forças pessoais.
Como aplicação e prática de atividades em Educação Positiva, cita-se a pesquisa
de mestrado, Parentalidade e Educação Positiva, Santos (2012) avaliou os impactos no
bem-estar, regulação emocional, comportamento e desempenho académico dos alunos a
partir da implementação do programa de Educação Positiva com alunos de 2.º e 3.º ciclos
e cinco mães. Por meio do programa de Educação Parental foi oferecida a oportunidade
de aperfeiçoamento nas competências educativas dos participantes. Os resultados
apontaram melhorias em vários aspectos. Os alunos demonstraram emoções mais
positivas, aquisição de maior clareza dos seus sentimentos, emoções e reparação
emocional. No grupo de mães, foi observado um exercício maior de relações mais
positivas com os filhos.
Portanto, indica-se que práticas em Educação Positiva são processos pró-ativos no
sistema escolar.
b) Com os profissionais da educação
A autocompaixão é uma das técnicas trabalhadas para reforçar a sua autoestima e
crença de autoeficácia (Souza; Hutz, 2021). Refere-se a uma atitude direcionada a si,
quando se vivencia situações de sofrimento. Segundo Neff (2003), os exercícios envolvem
seis práticas inter-relacionadas diante de experiências de sofrimento, erros e fracassos
como: ser amoroso consigo; evitar ser muito severo consigo mesmo; ter clareza dos
próprios pensamentos e sentimentos; não se identificar com, nem negar o sofrimento; não
se afastar do convívio com outras pessoas; e entender que o sofrimento faz parte da
condição humana.
Estudos de Damásio, Melo e Silva (2013) é um bom exemplo para entender como
aplicarmos os exercícios que envolvem as seis práticas inter-relacionadas (Neff, 2003). A
pesquisa avaliou os índices de sentido de vida (SV), de bem-estar psicológico (BEP) e de
qualidade de vida (QV) de 517 professores, de 57 escolas públicas e privadas da cidade de
Campina Grande (PB), Brasil. Os resultados demonstraram que um número significativo
de profissionais da educação apresentaram índices negativos de SV, BEP e QV.
Na pesquisa de Cintra (2016), com 115 professores de Ensino Fundamental e
Médio, das redes de ensino público e privado do Brasil foram utilizados os instrumentos:
Questionário Sociodemográfico e Profissional, Escala de Prosperidade Psicológica,
Questionário de Satisfação do Professor com o Trabalho, Escala de Importância e
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Percepção das Forças de Caráter para Professores, WHOQoL-Abreviado e Escala de
Bem□estar Afetivo no Trabalho. Foram encontrados resultados que evidenciam a
importância de investimentos que promovam bem-estar e satisfação dos professores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora estudos em educação positiva têm aumentado, no Brasil percebe-se uma


lacuna nos sistemas de ensino. Poucas são as instituições educacionais que abarcam a ideia
de promover, verdadeiramente, um ambiente escolar propício à convivência harmoniosa
de todos.
É certo que muitos projetos escolares tentam almejar uma educação mais
humanista, porém, são projetos pontuais que, por vezes, ocorrem após os docentes e
discentes vivenciarem situações de violência.
Este trabalho procurou mostrar a eficácia e os bons resultados quando nos
empreitamos na construção de uma comunidade voltada ao bem-estar de seus agentes. A
educação positiva se apresenta como uma possível estratégia de bom relacionamento para
manter o espaço escolar, bem como os demais ambientes (familiar, trabalho, social),
respeitoso e harmônico.
Os princípios da educação positiva indicam que o sucesso educacional não pode ser
medido apenas pelo desempenho acadêmico dos estudantes. Uma educação bem sucedida
passa a ser assim considerada quando também promove o crescimento pessoal e o
desenvolvimento positivo dos estudantes, como indivíduos e como cidadãos do mundo,
abordando a existência humana de forma integral.

REFERÊNCIAS

BAJOREK, Z.; GULLIFORD, J.; TASKILA, T. Healthy teachers, higher marks? Establishing a
link between teacher health & wellbeing and student outcomes. London: The Work
Foundation. 2014.
BORGES, E. Psicologia positiva: uma mudança de perspectiva [recurso eletrônico]: Evandro
Borges. 1ª ed. Série Positiva Psicologia, v.1. Joinville: Clube de Autores, 2017.
BRICHENO, P.; BROWN, S.; LUBANSKY, R. Teacher well-being: A review of the evidence.
London: Teacher Support Network. 2009.
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CINTRA, C. L. Educação Positiva: Satisfação com o trabalho, forças de caráter e bem-estar
psicológico de professores escolares. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Universidade
Federal do Espírito Santo. Vitória, Espírito Santo. 2016.
CINTRA, C. L.; GUERRA, V. M. Educação Positiva: A aplicação da Psicologia Positiva a
instituições educacionais. Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, v. 21, n. 3, set./dez.,
p. 505-514, 2017. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/pee/a/Y8Z7fc66J5nsG8Wn49zty6B/?format=pdf Acesso em: 19
fev. 2024.
COHEN, J. Social, Emotional, Ethical, and Academic Education: Creating a Climate for
Learning, Participation in Democracy, and Well-Being. Harvard Educational Review, v. 76,
v. 2, 2006, p. 201-237. President and Fellows of Harvard College. Disponível no endereço
eletrônico:
https://www.researchgate.net/publication/237624139_Social_Emotional_Ethical_and_Acade
mic_Education_Creating_a_Climate_for_Learning_Participation_in_Democracy_and_Well-
Being. Acesso em: 19 fev. 2024.
DAMÁSIO, B.F.; MELO, R.L.P.; SILVA, J.P. Sentido de vida, bem□estar psicológico e
qualidade de vida em professores escolares. Paidéia, São Paulo: Ribeirão Preto, v. 23, n.
54, p. 73-82, 2013.
GREEN, S.; OADES, L.; ROBINSON, P. Positive education: Creating flourishing students,
staff and schools. Psychology, v. 33, n. 2, 2011. Disponível em:
http://www.psychology.org.au/publications/inpsych/2011/april/Green Acesso em: 18 fev.
2024.
NEFF, K. Self-Compassion: An alternative conceptualization of a healthy attitude toward
oneself. Self and Identity, v. 2, n. 2, p. 85–101. 2003. Disponível em:
https://doi.org/10.1080/15298860309032 Acesso em: 17 fev. 2024.
NELSEN, J.. Disciplina positiva: O guia clássico para pais e professores que desejam ajudar
as crianças a desenvolver autodisciplina, responsabilidade, cooperação e habilidades para
resolver problemas. Rodrigues, Bernadette Pereira (Tradutor), Susyn, Samantha Schreier
(Tradutor), 3. ed., revisada e atualizada, Editora Manole, 2015.

NORRISH, J. Positive education: The Geelong Grammar School journey Oxford: Oxford
University Press. 2015.
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Ano X - nº 11 - fev. 2024 - Natal/RN - ISSN 2317-8841
NORRISH, J. et al. An applied framework for positive education. International Journal of
Wellbeing, v. 3, n. 2, p. 147-161, 2013.
REPPOLD, C. T.; HUTZ, C. S. Intervenções em psicologia positiva no contexto escolar e
educacional. São Paulo: Vetor. 2021.
SANTOS, A. F. O. C. V. Parentalidade e Educação Positiva. Dissertação (Mestrado em
Psicologia da Educação). 79f. Universidade da Madeira, PT. 2012.

SELIGMAN, M. E. P. Florescer: Uma nova compreensão sobre a natureza da felicidade e do


bem-estar. Lopes C. P. (Trad.). Rio de Janeiro: Objetiva. 2011.

SOUZA, L. K.; HUTZ, C. S. Intervenções positivas para a valorização e o bem-estar de


professores. In: REPPOLD, C. T.; HUTZ, C. S. (Org.). Intervenções em psicologia positiva
no contexto escolar e educacional. São Paulo: Vetor. 2021.
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METODOLOGIAS ATIVAS NO ENSINO-APRENDIZAGEM: DESAFIOS E


PERSPECTIVAS NA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

Kênia José da Rocha 4


Ludmila Meneses da Silva 5
Luiz Gonzaga Lapa Junior 6

Resumo Abstract
Este texto tem por objetivo apresentar os This text aims to present the concepts and
conceitos e princípios das metodologias ativas, principles of active methodologies, in order to
de modo a descrever suas características e como describe their characteristics and how they can
podem ser conduzidos no ambiente escolar. be conducted in the school environment. Thus, a
Assim, realizou-se pesquisa bibliográfica sobre bibliographic research on active methodology
metodologia ativa em livros e produções was carried out in books and scientific
científicas a respeito de alguns métodos productions regarding some methods classified
classificados dentro da proposta ativa. Concluiu- within the active proposal. It was concluded that
se que independentemente dos métodos, regardless of the methods, when it comes to
quando se trata de metodologias ativas, o active methodologies, the teacher needs to
docente necessita conhecê-los e buscar o que know them and seek the one that best fits within
melhor se enquadra dentro de sua prática their pedagogical practice, the curricular units
pedagógica, das unidades curriculares que they teach, the students they serve and the
ministra, dos estudantes que atende e dos objectives they intend to achieve. In addition,
objetivos que pretende alcançar. Além disso, both actors (teacher and students) need to
ambos os atores (docente e estudantes) precisam internalize their new roles, in order to constitute
internalizar seus novos papéis, de modo a participatory and autonomous subjects in their
constituírem sujeitos partícipes e autônomos no learning construction process.
seu processo de construção das aprendizagens.

Palavras-Chave: Metodologias ativas. Ensino e


aprendizagem. Educação. Keywords: Active Methodologies. Teaching.
Apprenticeship. Education.

4 Graduada em Letras, Universidade Católica de Brasília. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6563756737668186 E-mail:


Keniaatham@gmail.com
5 Graduada em Pedagogia, Faculdade de Ciências de Wenceslau Braz Lattes: http://lattes.cnpq.br/8441594348280327 E-mail:

ludmsfit@gmail.com
6Pós-doutor em Educação, Universidade de Brasília. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1579964066856457, E-mail: lapalipe@gmail.com
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INTRODUÇÃO

A construção do saber através de incentivos sobre o conhecimento adquirido nas


escolas permite que os estudantes compreendam o processo de aprendizagem com
segurança e leveza.
Nesse intuito, encontramos estratégias de ensino como as metodologias ativas que
têm por objetivo incentivar os estudantes a aprenderem de forma autônoma e
participativa, por meio de problemas e situações reais, realizando tarefas que os estimulem
a pensar, ou seja, tornando-se responsáveis pela construção do conhecimento.
As metodologias ativas consistem em diferentes formas de desenvolver o processo
de aprender, usando conhecimentos reais ou produzidos, visando esclarecer os desafios da
realidade social, em diversos contextos (Berbel, 2011).
Nas práticas pedagógicas podemos encontrar modelos de metodologia ativa como
aprendizagem baseada em problema, aprendizagem em projeto, sala de aula invertida,
aprendizagem baseada em times, gamificação e outros.
Pelo exposto, variados métodos de ensino podem ser considerados como métodos
ativos desde que conduzam o aluno a pensar sobre sua própria aprendizagem durante
todas as etapas do processo (Santos; Castaman, 2022). Dessa forma, Santos e Castaman
(2022) comentam que qualquer prática pedagógica planejada e contextualizada para guiar
o estudante em seu papel de ator ativo pode ser considerada uma metodologia ativa, ou
seja, “Neste caso, as metodologias ativas podem ser usadas com as metas para
complementar e estimular o estudante na resolução de problemas, ressignificando suas
descobertas no cenário educacional” (Inocente; Tommasini; Castaman, 2018, p. 06).
Por meio da abordagem qualitativa, o presente artigo adota diversos estudiosos em
metodologia ativa objetivando construir pontes ricas e criativas que contribuem para a
minimização das dificuldades existentes no processo de ensino-aprendizagem de estudantes.

METODOLOGIAS DE APRENDIZAGEM ATIVA

Ao longo da história, os métodos tradicionais de ensino conferiram ao professor o


papel de sujeito no processo de ensino-aprendizagem. Entretanto mudanças sociais levaram
a novas percepções no contexto educacional. Diante disso, desenvolver um estudo sobre
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abordagens inovadoras para o trabalho com o estudante inserido na sociedade
contemporânea torna-se essencial.
É imperativo considerar que os níveis de conhecimento exigidos pela sociedade
atual se elevaram. Enquanto, em épocas anteriores, a assinatura do próprio nome ou a
decodificação de um sistema linguístico escrito atendiam, de forma prática, às necessidades
dos cidadãos, a contemporaneidade impõe uma ampliação substancial das aptidões exigidas
do indivíduo.
A sociedade atual tem à sua disposição um volume exponencial de informações, o
que demanda que as pessoas desenvolvam novas e diversificadas habilidades. Sendo assim,
para o exercício pleno das potencialidades, torna-se essencial que os estudantes sejam
capazes de compreender e produzir conteúdos em formatos diversos, dentro de um
contexto global e de forma crítica. Buscar recursos metodológicos que contribuam para um
ensino eficaz que propicie o desenvolvimento das competências necessárias à inserção dos
alunos nessa sociedade é uma motivação relevante para os docentes.
Visando atender a essa demanda, os estudiosos e profissionais da educação têm
buscado práticas que promovam o interesse dos alunos pelo estudo. Holden (2009),
aborda o quão complexo é o ensino de qualquer disciplina. Despertar no discente uma
perspectiva otimista do conhecimento, bem como criar um ambiente de aprendizagem
estimulante onde se mantenha o interesse e a aprendizagem seja alcançada pode facilitar o
processo.
Para auxiliar a escola nesse papel, torna-se importante buscar atividades e elaborar
materiais que contribuam com o trabalho docente a fim de melhorar a eficácia do processo
educacional para que seja capaz de formar estudantes com habilidades e competências
necessárias e requeridas para seu grau de instrução e sua vida prática. Desse modo, a
educação pode cumprir seu propósito fundamental: assegurar que todos os estudantes se
beneficiem da aprendizagem de modo que lhes permita participar de forma plena da vida
pública, econômica e social (Grupo de Nova Londres, 2000).
A escola deve oferecer o que os estudantes precisam aprender na
contemporaneidade para o exercício dessa vida plena. Para isso, é necessário buscar práticas
que interessem aos estudantes, que estejam inseridas em seus contextos sociais e culturais,
atividades bem planejadas, participativas, ricas, criativas e, de preferência, inovadoras. Essas
práticas caracterizam eventos significativos de aprendizagem, envolvendo uma análise e
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reflexão deliberada a respeito de avaliações e métodos empregados, considerando os
interesses e necessidades dos alunos.
A identificação de métodos que estimulem a aprendizagem ativa dos estudantes por
meio de materiais interessantes a esse público contribui para a democratização do ensino e
o desenvolvimento apropriado de capacidades necessárias para a plena participação na
sociedade, na economia e na vida pública.
Nesse sentido, o emprego de metodologias de aprendizagem ativa representa uma
estratégia importante para a otimização do ambiente de aprendizagem, uma vez que o
torna mais dinâmico e enriquecedor, capaz de auxiliar os alunos a se tornarem aprendizes
ativos e autônomos ao longo da vida.
Nessa perspectiva, o estudante participa do processo não apenas ouvindo, mas
questionando, fazendo e ensinado. O trabalho é baseado no estímulo à construção do
próprio conhecimento pelo estudante, que, dessa forma, terá muito mais clareza dos
conteúdos estudados e se apropriará deles de modo significativo e permanente.O professor,
por sua vez, deixa de ser o detentor e transmissor de conhecimento para mediar, orientar e
facilitar o processo de ensino e aprendizagem. (Barbosa; Moura, 2013).
As primeiras apresentações dessa perspectiva de ensino foram realizadas pelo
filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859-1952). Conhecida como Escola
Nova ou Escola progressista, essa teoria pedagógica concebe a educação como um caminho
em que o estudante busca ativamente seu conhecimento exercendo sua liberdade. Nessa
perspectiva, o propósito da educação é o desenvolvimento de estudantes habilidosos e
criativos, com capacidade para autogerenciamento de sua vida. Dewey, (1979).
No século XX, a educação foi pensada e discutida por vários outros estudiosos que
continuaram a destacar a importância da autonomia e do protagonismo do estudante no
processo de ensino-aprendizagem, ampliando a utilização de estratégias de metodologias de
aprendizagem ativa. Além da educação básica, essas metodologias têm sido amplamente
divulgadas em universidades do exterior e implantadas em instituições do Brasil (Pereira,
2012).
Segundo Barbosa e Moura (2013), a aprendizagem ativa ocorre por meio da
interação do aluno com o assunto estudado. Ao engajar-se em atividades como audição
dinâmica, expressão verbal, inquirição, intercâmbio de ideias, prática e instrução, indivíduos
são incentivados a construir conhecimento de forma ativa, em vez de meramente absorvê-
lo passivamente.
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Alguns dos aspectos positivos ressaltados na aprendizagem ativa incluem a
capacidade de iniciar ações de forma independente, criatividade, pensamento reflexivo
crítico, habilidade de avaliar a própria performance, colaboração eficaz em equipe, senso
de responsabilidade e ética, além da sensibilidade no cuidado e na colaboração na
aprendizagem.
Essa metodologia também concede aos estudantes com necessidades especiais, bem
como aos seus pares considerados típicos, a oportunidade de interagir e se integrar em salas
de aula convencionais, resultando na melhoria do desempenho acadêmico de todos os
envolvidos. (Torres; Irala, 2007).

TIPOS DE METODOLOGIAS ATIVAS NA APRENDIZAGEM

1 Aprendizagem Baseada em Problemas (Problem-Based Learning - PBL)


Surgiu no final dos anos 60, na Mc Master University Medical School, no Canadá,
inspirado no método de estudos de caso da escola de Direito da Universidade de Harvard,
nos Estados Unidos (Schmidt, 1993).
Nessa metodologia, os alunos enfrentam problemas do mundo real e trabalham em
grupos para, por meio de pensamento, discussões, organização de ideias e planejamento,
encontrar soluções. Essa estratégia possibilita que o estudante utilize conhecimentos prévios,
construa novos caminhos, além de promover o pensamento crítico e a colaboração,
competências necessárias para uma aprendizagem autônoma.

2 Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP)


Desenvolvida por John Dewey em meados dos anos 1900. É uma estratégia
considerada capaz de proporcionar ao estudante a aquisição de conhecimentos por meio de
desafios práticos contextualizados em projetos que integram o conteúdo curricular. Por
meio dessa metodologia, busca-se promover o desenvolvimento holístico dos alunos,
abrangendo aspectos físicos, emocionais e intelectuais. (Dewey, 1958, 1959.
Nessa estratégia, os alunos trabalham em projetos longos e complexos para buscar
o conhecimento, o que exige pesquisa, planejamento e execução, permitindo uma
abordagem prática e contextualizada dos conteúdos.
Consiste em uma abordagem educacional que coloca os alunos no centro do
processo de aprendizagem, envolvendo-os em projetos significativos e do mundo real. Os
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estudantes devem trabalhar em projetos multifacetados que demandam a aplicação de
conhecimentos e habilidades em contextos autênticos. A ABP enfatiza a aprendizagem ativa,
a resolução de problemas e o desenvolvimento de habilidades de pensamento crítico e
criativo.

3 Aprendizagem Baseada em Times (Team-Based Learning – TBL)


É uma metodologia que enfatiza a colaboração e o trabalho em equipe como parte
essencial do processo de aprendizagem. Nesse modelo, os alunos são organizados em
equipes ou grupos pequenos, onde colaboram para alcançar objetivos comuns de
aprendizagem. A abordagem visa a promover habilidades de comunicação, resolução de
problemas, liderança e trabalho em equipe, além de proporcionar uma experiência de
aprendizagem mais social e interativa.

4 Instrução por Pares (Peer-Instruction)


Desenvolvida pelo professor Eric Mazur, da Universidade de Harvard, essa
abordagem tem a finalidade de promover atividades que estimulem os estudantes a
atuarem como mediadores durante a aula para construírem o conhecimento dos colegas.
(Crouch; Mazur, 2001).
Também conhecida como aprendizagem colaborativa, é uma abordagem
educacional em que os alunos trabalham em conjunto para alcançar objetivos de
aprendizagem compartilhados. Nesse método, os estudantes são divididos em pares ou
pequenos grupos e são responsáveis por ensinar e aprender uns com os outros, em vez de
dependerem exclusivamente do professor como fonte de conhecimento.

5 Jigsaw
Desenvolvida pelo psicólogo Elliot Aronson, no Texas, em 1978, essa estratégia
propõe que os estudantes sejam divididos em equipes reduzidas, compostas por 5 a 6
membros, onde cada um deve se tornar um “especialista” num assunto. Os “especialistas”
num mesmo assunto devem então se reunir para consolidarem as informações e finalmente
voltarem aos grupos originais para compartilhar com os demais colegas o conhecimento
adquirido. (Aronson, 1978).
Essa estratégia cria uma interdependência positiva, onde cada aluno é responsável
por contribuir com seu conhecimento para o sucesso do grupo como um todo.
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6 Sala de Aula Invertida (Flipped Classroom)


Embora essa nomenclatura não tenha sido empregada, a literatura costuma associar
essa metodologia a Alison King, que, em 1993, publicou o artigo “From Sage on the Stage
to Guide on the Side”, onde defende a ideia de que o tempo em sala de aula deve ser
usado para reconfigurar as informações de forma original e com significado pessoal, em vez
de simplesmente transmiti-las (King, 1993).
É um modelo educacional que inverte a tradicional estrutura da sala de aula. Nesse
formato, os alunos aprendem o conteúdo fora da sala de aula, tipicamente por meio de
vídeos, leituras ou outros recursos disponíveis online, antes de virem para a aula. Dentro da
sala de aula, o tempo é dedicado principalmente a atividades práticas, discussões em grupo,
resolução de problemas e outras formas de aplicação do conhecimento.

7 Divisão dos Alunos em Equipes para o Sucesso (Student-Teams Achievement Divisions –


STAD)
Desenvolvido por Robert Slavin e seus associados na Universidade Johns Hopkins
nos anos de 1970. Consiste em uma abordagem de ensino cooperativa (Slavin, 1994).É um
método de agrupamento de alunos desenvolvido para promover o aprendizado
colaborativo e a responsabilidade mútua dentro da sala de aula.
Envolve dividir os alunos em equipes heterogêneas de quatro a seis membros. Essas
equipes são construídas com base na diversidade de habilidades, níveis de desempenho
acadêmico e características individuais dos alunos.
Dentro dessas equipes, os alunos colaboram em projetos, atividades e tarefas
acadêmicas. Promove o desenvolvimento de habilidades sociais, como trabalho em equipe,
comunicação e resolução de problemas, além de melhorar o desempenho acadêmico dos
alunos.
Também é considerada uma abordagem eficaz para atender às necessidades
individuais dos alunos, uma vez que permite que cada aluno trabalhe em seu próprio ritmo,
ao mesmo tempo em que recebe apoio dos colegas de equipe e do professor.

8 Torneios de Jogos em Equipes (Teams-Games-Tournament – TGT)


Desenvolvido por David Devries e Keith Edwards, na Universidade Johns Hopkins,
em 1972, esse método propõe a formação de equipes heterogêneas que competirão entre si
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e serão recompensadas por alcançarem o melhor desempenho (Salam, Hossain; Rahman,
2015). É uma estratégia educacional projetada para envolver os alunos em aprendizado
ativo e colaborativo. Essa abordagem é frequentemente utilizada em sala de aula para
incentivar a cooperação, a competição saudável e o engajamento dos alunos.
Na perspectiva das metodologias de aprendizagem ativa, o professor deve
considerar o conhecimento prévio dos alunos como um ponto fundamental no processo de
ensino e aprendizagem. Isso permite a adaptação do conteúdo de acordo com as
necessidades individuais, promovendo um ambiente de aprendizagem mais significativo.
Conhecer as habilidades, interesses e experiências dos alunos facilita a escolha de materiais e
abordagens pedagógicas apropriadas, tornando as aulas mais envolventes e eficazes. Além
disso, ao valorizar o conhecimento prévio, o professor fortalece a autoestima dos
estudantes.
O método da aprendizagem ativa é considerado realmente benéfico para os alunos,
contribui para o engajamento dos mesmos, constituindo uma estratégia adequada para
tornar o aprendizado mais significativo e eficiente.
Nesse sentido, torna-se imprescindível que os professores coloquem em foco a
busca de soluções possíveis para auxiliar a reestruturação das práticas docentes e,
consequentemente, a formação de ambientes mais propícios à aquisição do conhecimento.
Despertar o interesse dos discentes pelos estudos é um desafio que requer a utilização de
práticas de ensino que os motivem e engajem. Portanto é fundamental que os educadores
busquem constantemente formas de tornar o processo de aprendizagem mais atrativo e
estimulante.
As metodologias de aprendizagem ativa quando empregadas em atividades bem
planejadas, participativas, ricas e criativas contribuem para a minimização das dificuldades
existentes no processo de ensino-aprendizagem, pois estimulam o prazer pelo estudo e
oportunizam a aprendizagem ativa por meio da manipulação, exploração e investigação
que levam o educando a aprender a comunicar-se, raciocinar e resolver questões de forma
natural e clara.
A identificação de métodos que estimulem a aprendizagem ativa dos estudantes por
meio de materiais interessantes a esse público contribui para a democratização do ensino e
o desenvolvimento apropriado de capacidades linguísticas necessárias à sociedade
contemporânea para o exercício pleno da vida pública, econômica e social.
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METODOLOGIAS ATIVAS: FACILIDADES E DIFICULDADES DE IMPLEMENTAÇÃO

Os desafios escolares contemporâneos enfrentados pelos alunos refletem um


cenário complexo e multifacetado, influenciado por uma série de fatores sociais, culturais e
tecnológicos. Silva (2018) destaca que questões como a globalização, o avanço tecnológico
e as mudanças nas relações familiares têm impacto direto no ambiente escolar e no processo
de ensino-aprendizagem.
Além disso, compreender o perfil e os interesses dos estudantes de hoje é vital para
promover uma educação mais alinhada com suas necessidades, expectativas e características
individuais. O interesse dos estudantes de hoje está, muitas vezes, voltado para temas
relacionados à atualidade, como questões ambientais, direitos humanos e tecnologia
(Ferreira, 2019).
Diante desse contexto, é imperioso que educadores estejam preparados para
enfrentar esses desafios, promovendo práticas pedagógicas inovadoras e adaptáveis às
necessidades e realidades dos alunos (Tardif, 2000). Como ressaltado por Freire (1996), a
inovação pedagógica vai além da simples transmissão de conhecimento, envolvendo uma
abordagem participativa que estimula o pensamento crítico e a autonomia dos estudantes.
A introdução de metodologias e estratégias transformadoras no contexto
educacional pode proporcionar experiências de aprendizagem mais significativas e
envolventes, contribuindo para a construção ativa do conhecimento pelos alunos (Gardner,
1993). Nesse sentido, os educadores têm a oportunidade de adaptar-se às necessidades e
interesses dos alunos, promovendo um ambiente de aprendizagem mais inclusivo e
estimulante ao adotar práticas pedagógicas inovadoras (Morin, 1999).
Valente, Almeida e Geraldini (2017) apresentam um conceito de metodologias
ativas (MAs) como:

[...] estratégias pedagógicas para criar oportunidades de ensino nas quais os


alunos passam a ter um comportamento mais ativo, envolvendo-os de
modo que eles sejam mais engajados, realizando atividades que possam
auxiliar o estabelecimento de relações com o contexto, o desenvolvimento
de estratégias cognitivas e o processo de construção de conhecimento.
(Valente; Almeida; Geraldini, 2017, p. 464).

As MAs têm ganhado crescente destaque no contexto educacional moderno,


ofertando abordagens dinâmicas e participativas que estimulam o protagonismo dos alunos
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no processo de aprendizagem, diferentemente do modelo tradicional de ensino, que é
centrado no professor e na transmissão de conteúdo.

Nesse sentido, a (re)significação da sala de aula, enquanto espaço de


interações entre os sujeitos históricos e o conhecimento, o debate, a
curiosidade, o questionamento, a dúvida, a proposição e a assunção de
posição resultam, sem dúvida, em protagonismo e em desenvolvimento da
autonomia (Diesel; Baldez; Martins, 2017, p. 285).

Não obstante, o termo MAs seja frequentemente associado a abordagens


contemporâneas de ensino, é importante destacar que práticas pedagógicas centradas na
participação ativa dos alunos têm raízes antigas na história da educação. Um exemplo
notável é a abordagem socrática, desenvolvida pelo filósofo grego Sócrates por volta do
século V a.C.
De acordo com Costa (2011), Sócrates acreditava que a verdadeira educação
ocorria por meio do diálogo e da investigação crítica, em vez da mera transmissão de
conhecimento pelo professor. Através de questionamentos hábeis e provocativos, Sócrates
incentivava seus alunos a refletir sobre suas crenças e ideias, promovendo assim a
construção ativa do conhecimento.
Outro exemplo de metodologia ativa antiga é o método de ensino utilizado por
pedagogos como Comenius, no século XVII. Segundo De Groof (2009), Comenius
enfatizava a importância da experiência prática e da observação direta como formas
eficazes de aprendizagem. Ele sugeria a utilização de recursos educacionais tangíveis e
incentivava a participação ativa dos estudantes em atividades práticas, como a observação
da natureza e a realização de experimentos, visando aprofundar a compreensão dos
conceitos.
A abordagem jesuítica de ensino, desenvolvida pelos jesuítas no século XVI,
também incorporava elementos de MAs. Conforme destaca Barbosa (2015), os jesuítas
defendiam, uma abordagem centrada no aluno, incentivando a participação ativa, o debate
e a aplicação prática do conhecimento por meio de exercícios e disputas intelectuais.
Esses exemplos ilustram que as MAs não são uma novidade na educação, mas sim
uma tradição pedagógica que remonta à antiguidade. Nessa seara, ao reconhecer e
valorizar essas práticas antigas, é possível enriquecer o repertório de estratégias pedagógicas
e promover uma aprendizagem mais significativa e envolvente para os alunos.
Um exemplo amplamente utilizado na educação brasileira atual é a Aprendizagem
Baseada em Problemas (ABP), que desafia os alunos a resolverem problemas complexos e
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interdisciplinares, estimulando o pensamento crítico e a busca por soluções criativas
(Tavares; Almeida, 2017). Preparar os alunos para os desafios e demandas do século XXI é
um grande desafio. Como citado por Bacich e Moran (2018, p.59):

A aprendizagem baseada em problemas, de forma mais ampla, propõe uma


matriz não disciplinar ou transdisciplinar, organizada por temas,
competências e problemas diferentes, em níveis de complexidade crescentes,
que os alunos deverão compreender e equacionar com atividades
individuais e em grupo. Cada um dos temas de estudo é transformado em
um problema a ser discutido em um grupo tutorial que funciona como
apoio para os estudos.

Citada anteriormente, a metodologia ativa contemporânea que vem sendo aderida


em várias instituições de ensino no Brasil é a Aprendizagem Baseada em Projetos ou Project-
Based Learning (PBL). Surgiu em 1919 a partir da comprovação da ideia de John Dewey, o
“aprender mediante o fazer”:

Valorizando, questionando e contextualizando a capacidade de pensar dos


alunos numa forma gradativa de aquisição de um conhecimento relativo
para resolver situações reais em projetos referentes aos conteúdos na área de
estudos, que tinha como meta o desenvolvimento dos mesmos no aspecto
físico, emocional e intelectual, por meio de métodos experimentais.
(Masson, 2012, p. 2)

Vasconcelos (2015) menciona que, nessa abordagem baseada em projetos, os


estudantes se envolvem em projetos de pesquisa ou intervenção, que exploram temas que
despertam seu interesse e são relevantes para eles. Durante esse processo, eles aplicam os
conhecimentos adquiridos em situações práticas do mundo real.
Segundo Libâneo (2013), uma das primeiras etapas para implementar essas
metodologias é criar um ambiente de aprendizagem que estimule a colaboração, a
experimentação e a reflexão. Outro aspecto importante na implementação de MAs é a
utilização de tecnologia como ferramenta de apoio ao ensino e à aprendizagem. De acordo
com Santos e Freire (2018), recursos como plataformas on-line, aplicativos educacionais e
ferramentas de colaboração podem enriquecer o processo de ensino-aprendizagem,
oferecendo novas possibilidades de interação e engajamento dos alunos.
Seguramente, a aplicação das MAs é um processo complexo que demanda tempo e
dedicação por parte de todos os participantes para que seus objetivos sejam atingidos e
para que as vantagens de sua adoção se tornem claras. É comumente observado que parte
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dos desafios está ligada à inexperiência tanto dos professores quanto dos alunos, ao
assumirem os novos papéis requeridos por essas metodologias.
Por fim, é necessário investir na formação dos professores, na adaptação do
currículo e na disponibilização de recursos adequados para garantir o sucesso dessas
abordagens pedagógicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este texto objetivou refletir sobre os princípios e conceitos das metodologias ativas,
de modo a fomentar práticas educativas diferenciadas e, possivelmente, inovadoras nos
processos de ensino e aprendizagem.
Constata-se que, independentemente dos métodos a serem utilizados na educação,
o docente necessita conhecer as metodologias ativas e buscar a que melhor se enquadra em
suas práticas pedagógicas.
Contudo, docentes e estudantes precisam reestruturar seus novos papéis no
processo educativo, de modo a constituir sujeitos autônomos e participantes na construção
das aprendizagens. A implementação das metodologias ativas não é simples e exige tempo,
dedicação e esforço dos envolvidos para que seus propósitos sejam alcançados.
Porém, verifica-se que há uma necessidade de mudança e/ou adaptação dos
métodos de ensino, diante das modificações no contexto social vigente, introduzidas pela
inserção das tecnologias. As reflexões sobre o uso das metodologias ativas não se limitam a
este trabalho, mas damos um passo para que novas discussões e estudos possam ser
realizados.

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IMPORTÂNCIA DO LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Luiz Gonzaga Lapa Junior 7


Maria Aparecida Alves Oliveira 8
Marinalva Maniçoba de Lira 9

Resumo Abstract
O presente artigo de caráter bibliográfico tem This bibliographic article aims to reflect on the
por objetivo refletir sobre o processo de literacy process in literacy, as well as its concepts
letramento na alfabetização, assim como seus and differences between them. It is indicated
conceitos e diferenças entre eles. Indica-se que that literacy and literacy are different processes,
letramento e alfabetização são processos but they must be worked on concomitantly, as
diferentes mas, devem ser trabalhados one is complementary to the other. Among
concomitantemente, pois um é complementar other specialists on the subject, the work
ao outro. Entre outros especialistas na temática, welcomed the studies of Magda Soares, Roxane
o trabalho acolheu os estudos de Magda Soares, Rojo and Ângela Kleiman that make us reflect on
Roxane Rojo e Ângela Kleiman que nos fazem the educational practices of literacy and literacy
refletir sobre as práticas educacionais de in early childhood education. There is a
letramento e alfabetização na educação infantil. consensus that the two themes are gateways to
É consenso que os dois temas são portas de the world of reading and writing, and can
entrada para o mundo da leitura e da escrita, transform the way of seeing the world and living
podendo transformar a forma de ver o mundo e better in society. For children, the premise of a
de conviver melhor em sociedade. Para as better coexistence with everyone is based on
crianças, a premissa de melhor convivência com knowing how to read what happens in our
todos, perpassa pelo fato de saber ler o que surroundings, supporting early childhood
acontece no nosso entorno, embasando o ensino education with playful activities of collective
infantil com atividades lúdicas e de interesse interest.
coletivo.

Palavras-Chave: Letramento. Educação infantil. Keywords: Literacy. Early Childhood Education.


Aprendizagem. Apprenticeship.

7 Pós-doutor em Educação, Universidade de Brasília. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1579964066856457, E-mail: lapalipe@gmail.com


8 Graduada em Letras; Faculdade de Formação de Professores de Arcoverde. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3419032261735532 E-
mail: mariaaparecidaal@gmail.com
9 Graduada em Letras (Português/espanhol); Faculdade Michelangelo. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1321496579461835, E-mail:

nalvamanicoba@yahoo.com.br
REVISTA CEFOP FAPAZ DE EDUCAÇÃO, CULTURA, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Ano X - nº 11 - fev. 2024 - Natal/RN - ISSN 2317-8841

INTRODUÇÃO

As temáticas alfabetização e letramento têm se expandido como alerta aos


processos de aprendizagem e práticas docentes em todas as etapas de ensino,
especialmente nas primeiras séries da educação infantil.
É consenso geral que alfabetização e letramento possuem conceitos distintos,
porém são indissociáveis. A alfabetização é o processo de aprendizado de leitura e da
escrita. Letramento é o uso competente da leitura e escrita nas práticas sociais.
A alfabetização e o letramento são temas preocupantes no Brasil, pois atualmente,
segundo o IBGE, mais de 11 milhões de brasileiros não sabem ler nem escrever, e 29% da
população brasileira com mais de 15 anos possui dificuldades para interpretar textos. Para
minimizar esse panorama diversos estudos têm voltado atenção para o ensino infantil,
creditando que um bom ensino e aprendizagem das crianças possa corrigir o fluxo de
indivíduos alfabetizados no país.
Entre os estudiosos especialistas em alfabetização e letramento, citam-se Magda
Soares, Roxane Rojo e Ângela Kleiman como pesquisadores âncoras que forneceram
aporte literário para este estudo.
Segundo Rojo (2004), a prática do letramento implica no uso da escrita e da
leitura como prática social. Portanto, a aprendizagem inicial da língua escrita não deve
ocorrer somente no ato de aprender a ler e a escrever, ou seja, não se reduz apenas na
decodificação e escrita de palavras.
Para Kleiman (2007), a escola é o espaço para práticas de letramento por
excelência na sociedade e permite construir formas de participação nas práticas sociais
letradas.
O processo de alfabetização é bem mais complexo e requer atenção e zelo desde a
educação infantil. Por isso, na escola a criança deve interagir de forma diferenciada com o
caráter social da escrita e ler e escrever textos significativos e, buscar incentivá-los em
atividades interpretativas e imaginativas como ler histórias, cantar, participar de teatros,
caminhar pela natureza e dialogar em rodas de conversa para saber ouvir os demais
colegas. Dessa forma, as práticas de ensino da leitura e da escrita sofreram transformações
radicais no início da escolarização Ciríaco (2020.
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O presente trabalho de cunho bibliográfico tem por objetivo refletir sobre o
processo de letramento na alfabetização, assim como seus conceitos e diferenças entre eles.
Apresenta olhares de estudiosos especialistas, permitindo “sonhar” com novas ações
interventivas para a melhoria da leitura e escrita de nossas crianças, visando, no presente e
futuro, um país com cidadãos mais críticos.

IMPORTÂNCIA DO LETRAMENTO NA ALFABETIZAÇÃO

A autora Magda Soares (2017, p. 16) conceitua alfabetização como “em seu
sentido próprio, específico: processo de aquisição do código escrito, das habilidades de
leitura e escrita”. Ela trata alfabetização como um rol de habilidades análogas a um
fenômeno complexo e cujos estudos e pesquisas se dão geralmente e, erroneamente, em
áreas isoladas, sendo que deveriam ser mencionadas com suas observações e inseridas nas
diferentes facetas que constituem esse processo tão profundo. Na obra Letramento e
alfabetização de Soares (2017, p. 20), as facetas se referem “fundamentalmente, às
perspectivas psicológicas, psicolinguística, sociolinguística, e propriamente linguística do
processo”.
Dialogando com a autora sobre a perspectiva psicológica, entende-se que é essa a
perspectiva que os pesquisadores dão ênfase quando vão discorrer sobre a necessidade de
quais processos devam ocorrer para que se aprenda a ler e a escrever.

Mais recentemente, o foco da análise psicológica da alfabetização voltou-se


para abordagens cognitivas, sobretudo no quadro da Psicologia Genética
de Piaget. Embora Piaget não tenha, ele mesmo realizado pesquisas ou
reflexões sobre a aprendizagem da leitura e da escrita, vários pesquisadores
têm estudado a alfabetização à luz de sua teoria dos processos de aquisição
de conhecimento. Destaca-se entre eles, Emília Ferreiro, que vem
realizando investigações sobre os estágios de conceitualização da escrita e o
desenvolvimento da “lecto-escrita” na criança (Soares, 2017, p.21).

Ainda em Soares (2017), percebe-se que o estudo psicolinguístico está voltado ao


cognitivo em direção da leitura e da escrita, porém os estudos psicolinguísticos não
possuem produções em larga escala quando relacionados à estudos e pesquisas em geral,
bem como a perspectiva sociolinguística que faz o elo da alfabetização com os usos sociais
da língua. “Portanto, a alfabetização é um processo de natureza não só psicológica e
psicolinguística, como também de natureza sociolinguística” (Soares, 2017, p.23).
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Segundo Rojo (2004), infelizmente a maior parte da população não consegue


aprender a ler com eficácia, mesmo em processo de ensino-aprendizagem. Segundo a
autora, isso acontece quando as escolas não desenvolvem práticas de letramento com seus
alunos, tornando-os assim, incapazes de desenvolverem as práticas sociais de leitura. A
autora retrata os procedimentos envolvidos na leitura com práticas de letramento.

Podemos chamar de procedimentos um conjunto mais amplo de fazeres e


de rituais que envolvem as práticas de leitura, que vão desde ler da
esquerda para a direita e de cima para baixo no ocidente, folhear o livro
da direita para a esquerda e de maneira seqüencial e não salteada; escanear
as manchetes de jornal para encontrar a editoria e os textos de interesse;
usar caneta marca texto para iluminar informações relevantes numa leitura
de estudo ou de trabalho, por exemplo. Embora esses procedimentos
requeiram (perceptuais, práticas etc.) não constituem diretamente o que é
normalmente denominado, nas teorias, capacidades (cognitivas, linguístico-
discursivas) (Rojo, 2004, p.1).

Segundo a autora, letramento é o uso da escrita e da leitura como prática social.


Portanto, a aprendizagem inicial da língua escrita não deve ocorrer somente no ato de
aprender a ler e a escrever, ou seja, não se reduz apenas na decodificação e escrita de
palavras. No processo de alfabetização da criança é promordial que ela conheça e se
aproprie de diversos gêneros textuais. O fato torna-se importante para que a criança tenha
conhecimento e entendimento cada vez mais amplo e eficaz a respeito do que se ler e do
que se escreve.
Semelhante olhar é retratado por Kleiman (1995) cujos estudos do letramento têm
como objeto de conhecimento os aspectos e os impactos sociais do uso da língua escrita,
principalmente, a língua escrita no cotidiano.
Nesse panorama, Kleiman (2007) comenta:

Acredito que é na escola, agência de letramento por excelência de nossa


sociedade, que devem ser criados espaços para experimentar formas de
participação nas práticas sociais letradas e, portanto, acredito também na
pertinência de assumir o letramento, ou melhor, os múltiplos letramentos
da vida social, como o objetivo estruturante do trabalho escolar em todos
os ciclos (Kleiman, 2007, p. 4).

De acordo com Kleiman (2007), assumir o letramento como objetivo do ensino


no contexto dos níveis escolares implica adotar uma concepção social da escrita, em
contraste com uma concepção de cunho tradicional que considera a aprendizagem de
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leitura e produção textual como a aprendizagem de competências e habilidades
individuais. Por outro lado, para a autora, os estudos do letramento “partem de uma
concepção de leitura e de escrita como práticas discursivas, com múltiplas funções e
inseparáveis dos contextos em que se desenvolvem (Kleiman, 2007, p. 4).
Pelo exposto, nas atividades escolares, é evidente que o papel do professor muda
na perspectiva de ensino da alfabetização e da língua materna voltada para a prática social
(Kleiman, 2007). Conforme Kleiman (2007, p. 17), “Um enfoque socialmente
contextualizado pode conceder ao professor autonomia no planejamento das unidades de
ensino e na escolha de materiais didáticos”.
É consenso que alfabetização e letramento são portas de entrada para o mundo da
leitura e da escrita, mesmo sendo processos distintos (Silva; Santos, 2020), eles são
indissociáveis. Portanto, é necessário trabalhá-los concomitantemente.

LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Pensar em Alfabetização e Letramento para muitos é somente aquisição de leitura.


Sendo estes com conceitos sem consenso formal na literatura, sabe-se que alfabetização e
letramento são processos de grande importância para o aprendizado da língua escrita e o
desenvolvimento de crianças. Assim, temos dois processos distintos na formação acadêmica
desses pequenos estudantes: a alfabetização se associa ao aprendizado, exemplificando que
os sons da nossa fala são transformados em códigos letrados, bem como o uso de
ferramentas didáticas; e o letramento como capacidade do estudante utilizar o que
aprendeu com a alfabetização dentro de um contexto mais amplo.
É possível observá-lo com leitura, produção e compreensão de textos. Por isso, é
fundamental que os dois processos andem juntos para inserir social e culturalmente a
criança em seu meio e permitir que ela descubra mais sobre o mundo (Batista; Gomes,
2018).
Segundo a Política Nacional de Alfabetização – PNA (Brasil, 2019), a
alfabetização se caracteriza como ensino das habilidades de leitura e escrita em um sistema
alfabético. Para a UNESCO (2005), o processo de alfabetização nos mostra etapas graduais
e sistemáticas.
Podemos vislumbrar que o processo de alfabetização é a aquisição de habilidades
específicas que são trabalhadas dentro de um contexto que explica e compreende seu
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dinamismo, com feedback para aplicar com eficácia o aprendizado através das atividades
vivenciadas.
Ao longo da história da alfabetização percebe-se uma complexidade estrutural,
comentada por Facchini (2023)

Na Antiguidade, saber escrever supunha saber ler. Na Idade Média, ter


determinada posição social, possuir livros e responder a perguntas simples
derivadas da memorização de um texto foram considerados critérios para
determinar se uma pessoa sabia ler. Isso se tratando apenas do fator de
sucessão cronológica, porque, relativizando-se esses dados com as realidades
culturais, há defasagens imensas. Apenas para citar um exemplo, assinar o
nome próprio foi um critério válido para Inglaterra, Estados Unidos e França
a partir de 1660. No Brasil, trezentos anos mais tarde, foi criado o
Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), que adotou o mesmo
critério (Facchini, 2023, p.2).

Pelo exposto, observa-se que o processo de alfabetização é bem mais complexo e


requer atenção e zelo desde muito cedo. Por isso, na escola a criança deve interagir de
forma diferenciada com o caráter social da escrita e ler e escrever textos significativos e,
buscar incentivá-los em atividades interpretativas e imaginativas (Ciríaco, 2020). Para
Ciríaco (2020), as práticas de ensino da leitura e da escrita sofreram transformações radicais
no início da escolarização, pois

não é mais possível desconsiderar os saberes que as crianças constroem antes


de aprender formalmente a ler, já não é possível fechar os olhos para as
consequências provocadas pela diferença de oportunidades que marca as
crianças de diferentes classes sociais (Ciríaco, 2020, s.n.).

Nesse panorama de cuidado e atenção ao ensino infantil, corroboramos o


pensamento de Vigotsky (2007, p. 157) que a criança “deve ver a escrita como momento
natural de seu desenvolvimento e não como treinamento imposto de fora para dentro: "o
que se deve fazer é ensinar às crianças a linguagem escrita, e não apenas a escrita das letras".
A educação infantil é a primícia da construção da base educativa, assim sendo, é
nessa etapa que se constrói a alfabetização e atrelada ao letramento alcança bons resultados
na aquisição do domínio destas práticas. Logo que o indivíduo se apropria deste saber, a
alfabetização, ele é direcionado a dominar a leitura e escrita.
Em seus escritos Magda Soares diz:

(...) alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao
contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever
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no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o
indivíduo se torne, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado. (Soares, 1998,
p. 47).

Convém enfatizar que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018)
trouxe uma nova forma de pensar a Educação Infantil colocando as crianças no centro do
processo de ensino e aprendizagem, propondo seis direitos de aprendizagem (conviver,
brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se) considerados fundamentais.
A ênfase em “alfabetizar letrando”, mesmo não explicitado, destaca-se pelo
conhecimento de mundo que as crianças trazem consigo independente do universo familiar.
Exemplifica-se, com a realidade encontrada na ludicidade pelas práticas de gamificação,
permitindo que a criança alcance níveis avançados de estudos com apropriação do saber ler
e escrever com determinada maturidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar que, na educação infantil, as


práticas de letramento para o processo de alfabetização se complementam e são
importantes para a transformação de crianças em cidadãos melhores.
A melhoria na cidadania ocorre quando podemos interpretar o mundo, ou seja, o
saber ler e escrever o que acontece no cotidiano.
Crianças que sabem ler e escrever melhor utilizando textos significativos e que
reforçam o interesse por temas do dia a dia, têm perspectivas de serem adultos mais críticos.
Trabalhar com atividades lúdicas para a alfabetização e o letramento de crianças, traz
benefícios para todo o processo educativo nos níveis posteriores de ensino.
Indicam-se novos estudos fora do país para auxiliar as escolas internas com ideias,
reflexões e práticas de letramento na alfabetização para crianças brasileiras.

REFERÊNCIAS

BATISTA, M. G. S.; GOMES, P. D. A importância do letramento no processo de


alfabetização: um olhar crítico sobre as metodologias de ensino. In: ENCONTRO
NACIONAL DAS LICENCIATURAS. 7. Fortaleza/CE, Anais [...], dez., 2018.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Alfabetização. PNA: Política Nacional de
Alfabetização. Decreto nº 9.765. Brasília: MEC, SEALF, 2019.
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BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular - BNCC. Brasília: MEC,
2018.
CIRÍACO, F. L. A leitura e a escrita no professo de alfabetização. Revista Educação Pública,
v. 20, n. 4, jan., 2020.
FACCHINI, L. A educação infantil e a formação do leitor. 135 pp. Dissertação (Mestrado
em Educação) - Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul. Porto Alegre, 1996.
KLEIMAN, A. B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In:
KLEIMAN, A. B. (Org.). Os significados do letramento. Campinas, S.P.: Mercado de Letras,
1995. 294 p. p. 15-61.
KLEIMAN, A. B. Letramento e suas implicações para o ensino de língua materna. Signo.
Santa Cruz do Sul, v. 32 n 53, p. 1-25, dez, 2007.
ROJO, R. Letramento e capacidades de leitura para a cidadania. SãoPaulo: SEE: CENP,
2004.
SILVA, P. G. F.; SANTOS, M. R. B. Alfabetização e letramento: conceitos e diferenças. In:
CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO - CONEDU. 7. Anais [...]. Maceió, AL, out.,
2020.
SOARES, M. Letramento um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
SOARES, M. Alfabetização e letramento. 7ed. São Paulo: Contexto, 2017.
UNESCO. Towards knowledge societies. UNESCO World Report. Paris, 2005

VYGOTSKY. L. S. Formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psíquicos


superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
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A PESQUISA INTERDISCIPLINAR E A INTERVENÇÃO SOCIAL NO ENSINO


MÉDIO - ITINERÁRIOS FORMATIVOS: RELATO DE EXPERIÊNCIA
Roseli Trevisan Marques de Souza 10
José Francisco Garreta do Nascimento 11
José Flávio da Paz 12

Resumo Abstract
Trata-se de um relato de experiência de dois This is an experience report by two teachers who
professores que atuam em parceria em uma work in partnership at a technical school in
escola técnica do Centro Paula Souza - SP - Centro Paula Souza - SP - Brazil. The report does
Brasil. O relato não representa a regra do not represent the rule of work developed in the
trabalho desenvolvido nas unidades , por isso a units[1], hence the importance of this record. It
importância desse registro. Observou-se que os was observed that the school actors who
atores escolares que planejaram a ação planned the pedagogical action were based on
pedagógica estavam embasados nos teóricos das critical pedagogy theorists, highlighting Libâneo
pedagogias críticas, destacando Libâneo (2013) e (2013) and Saviani (2009) and focused on the
Saviani (2009) e focados no desenvolvimento de development of a scientific project for High
um projeto científico para o Ensino Médio com School with field research and the use of new
pesquisa de campo e a utilização das novas learning technologies. Given the above, the
tecnologias de aprendizagem. Diante do objective of this article is to report an
descrito, o objetivo desse artigo é relatar uma educational experience, in 2023, based on
experiência educativa, em 2023, embasada nas critical pedagogies and the development of
pedagogias críticas e no desenvolvimento de scientific projects in a neotechnical school
projetos científicos em um cenário escolar scenario (SAVIANI 2009), reporting how the
neotecnicista (SAVIANI 2009), retratando como process ocorred.
ocorreu o processo.

Palavras-Chave: Letramento degital. Gênero Keywords: Digital literacy. Discursive textual


textual discursivo. Aprendizagem. Pedagogia de genre. Learning. Project pedagogy.
projetos.

10 Doutora em Educação – Faculdade de Educação da USP. Integrante do grupo de pesquisa NAI – FE-USP e da UNILOGOS
University Internacional. Atua como professora determinada em uma das unidades de Ensino Médio do Centro Paula Souza.
11 Graduado em Ciências Sociais – Faculdade Don Domênico e Licenciado em Geografia. Atuou como Diretor de Turismo no

município de Mongaguá-SP - Brasil e atua como Professor indeterminado em uma das unidades educativas de Ensino Médio do
Centro Paula Souza.
12 Pós-doutor em Psicologia-UFLO/Argentina; Pós-doutorando em Educação-UniLogos/USA; Doutor em estudos Literários-

UNEMAT; Mestre em Letras-UNIMAR; Mestre em Estudos Literários-UNIR; Professor do Magistério Superior, lotado no
Departamento Acadêmico de Letras Vernáculas-DALV e Vice-Coordenador do Programa de Pós-graduação em Educação-PPGE,
ambos da Universidade federal de Rondônia-UNIR. CV Lattes: https://lattes.cnpq.br/5717227670514288. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-6600-9548. E-mail: jfpaz@unir.br.
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INTRODUÇÃO

Trata-se de um relato de experiência de dois professores que atuam em parceria em


uma escola técnica do Centro Paula Souza - SP - Brasil. O relato não representa a regra do
trabalho desenvolvido nas unidades13, por isso a importância desse registro. Observou-se
que os atores escolares que planejaram a ação pedagógica estavam embasados nos teóricos
das pedagogias críticas, destacando Libâneo (2013) e Saviani (2009) e focados no
desenvolvimento de um projeto científico para o Ensino Médio com pesquisa de campo e a
utilização das novas tecnologias de aprendizagem. Diante do descrito, o objetivo desse
artigo é relatar uma experiência educativa, em 2023, embasada nas pedagogias críticas e no
desenvolvimento de projetos científicos em um cenário escolar neotecnicista (SAVIANI
2009).
Os professores partiram da ideia de interdisciplinaridade para refletir acerca dessa
proposta. Quando pesquisado projetos pedagógicos interdisciplinares desenvolvidos no
Ensino Médio-Itinerários Formativos, nas áreas de Linguagens, de Matemática e de Ciências
Humanas, no sentido de promover em sala de aula um processo didático pensando a
localidade e a intervenção social e utilizando as metodologias ativas, identificaram uma
tímida incidência de experiências escolares inseridas na área de Ciências Humanas.
Diante desta constatação, foi considerada a importância de apresentar um trajeto
educativo nesse sentido, vivenciado, em 2023, na unidade citada. Serão apresentados os
primeiros passos dos professores para efetivação da proposta em pauta, o olhar que
tiveram para a BNCC (BRASIL, 2019), subvertendo-o, parcialmente, na medida em que os
teóricos das Pedagogias Críticas entram em cena, para finalmente descrever a prática que foi
possível, se pensada a interdisciplinaridade e os passos de uma pesquisa de cunho científico.

O PRIMEIRO PASSO

Como descrito anteriormente, a proposta foi desenvolvida por dois professores,


que atuaram em parceria ao longo do ano letivo, ambos com formação em Humanas, mas
um deles, com formação em Letras também. Essa dupla entendeu que caberia, no sentido
de contribuir com os estudos acadêmicos, aplicar a prática interdisciplinar para o

13 Não representar a regra não significa dizer que não existam outras experiências similares sendo desenvolvidas.
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desenvolvimento de projetos científicos com mediação tecnológica e embasada nos
princípios norteadores da BNCC (BRASIL, 2018) e, posteriormente, descrever os passos
trilhados.
Com efeito, nesse registro, nos cabe trazer as competências que sustentaram o
processo de ensino e de aprendizagem dos educadores, assim como, contraditoriamente ao
ideário posto, o pensamento de alguns estudiosos das Pedagogias Críticas, como por
exemplo José Carlos Libâneo (2013), e Saviani (2009) quando apresenta uma crítica ao
ideário neotecnicista (SAVIANI, 2009). Demonstrando que uma estrutura sedimentada não
poda a liberdade de planejamento e de ação educativa, se o alvo é refutar discursos que
inserem a educação em um espaço limitado.
Ressalta-se como primeiro indicador, que os docentes olharam para as
competências e as habilidades pré-determinadas tentando visualizar possibilidades de ir
além do produtivismo e da eficiência, se configurando no primeiro desafio deles. Apesar
dessa variável, o que mais importava era a possibilidade, não negada, de subverter o
processo linear de estudos, a partir de uma tendência pedagógica mais adequada à ideia de
intervenção e transformação social. Como organizar o processo? Essa então será a questão a
ser respondida nesse registro.

A BNCC E OS PROJETOS INTERDISCIPLINARES

Segundo a BNCC (BRASIL, 2018) as Ciências Humanas têm competências a serem


desenvolvidas no Ensino Médio. Elencaremos três que ampararam o processo educativo:

Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos


âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir da
pluralidade de procedimentos epistemológicos, científicos e tecnológicos, de
modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a eles,
considerando diferentes pontos de vista e tomando decisões baseadas em
argumentos e fontes de natureza científica. (...) Analisar e avaliar
criticamente as relações de diferentes grupos, povos e sociedades com a
natureza (produção, distribuição e consumo) e seus impactos econômicos e
socioambientais, com vistas à proposição de alternativas que respeitem e
promovam a consciência, a ética socioambiental e o consumo responsável
em âmbito local, regional, nacional e global. (...) Participar do debate
público de forma crítica, respeitando diferentes posições e fazendo escolhas
alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade,
autonomia, consciência crítica e responsabilidade. (BNCC, 2018)14

14 Base Nacional Comum Curricular: ensino médio. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2018.
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Ocorre, que as propostas de trabalho pedagógico aplicadas com base nessa bússola,
tendo em vista o planejamento inicial, não poderiam estar desvinculadas das Linguagens e
da Matemática, se configurando, dessa forma, em uma proposta interdisciplinar. De acordo
com os PCN, “a interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que pode ser o objeto de
conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção. (...) algo que desafia
uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários.” (BRASIL, 2002,
p. 88-89). No caso, tinham um projeto de pesquisa de interesse comum. O coletivo
representa o histórico em ação, por isso lembramos Severino quando destaca que “(...) é
relevante “(...) se colocar o problema [da interdisciplinaridade] de um ponto de vista
puramente epistemológico, com desdobramento no curricular. Mas entendo que é preciso
colocá-lo sob o ponto de vista da prática efetiva, concreta, histórica.” (SEVERINO, 1998, p.
33).
Dentre as competências específicas de Linguagens e suas tecnologias para o Ensino
Médio, elencaram as seguintes:

Compreender os processos identitários, conflitos e relações de poder que


permeiam as práticas sociais de linguagem, respeitando as diversidades e a
pluralidade de ideias e posições, e atuar socialmente com base em princípios e
valores assentados na democracia, na igualdade e nos Direitos Humanos,
exercitando o autoconhecimento, a empatia, o diálogo, a resolução de
conflitos e a cooperação e combatendo preconceitos de qualquer natureza.
Utilizar diferentes linguagens (artísticas, corporais e verbais) para exercer, com
autonomia e colaboração, protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva,
de forma crítica, criativa, ética e solidária, defendendo pontos de vista que
respeitem o outro e promovam os Direitos Humanos, a consciência
socioambiental e o consumo responsável, em âmbito local, regional e global.
(...) Mobilizar práticas de linguagem no universo digital, considerando as
dimensões técnicas, críticas, criativas, éticas e estéticas, para expandir as
formas de produzir sentidos, de engajar-se em práticas autorais e coletivas e
de aprender a aprender nos campos da ciência, cultura, trabalho, informação
e vida pessoal e coletiva. (BNCC, 2019)

No que concerne às competências da Matemática e suas Tecnologias, destacaram:

Utilizar estratégias, conceitos, definições e procedimentos matemáticos para


interpretar, construir modelos e resolver problemas em diversos
contextos, analisando a plausibilidade dos resultados e a adequação das
soluções propostas, de modo a construir argumentação consistente.
Compreender e utilizar, com flexibilidade e precisão, diferentes registros de
representação matemáticos (algébrico, geométrico, estatístico, computacional
etc.), na busca de solução e comunicação de resultados de problemas. (BNCC,
2019)
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A priori, tiveram como hipótese que o desenvolvimento, em sala de aula, das
competências elencadas os levariam a resultados favoráveis, quando pensada uma formação
crítico-reflexiva e uma estrutura educativa para o avanço do conhecimento acerca de
pesquisa científica, tendo como uma das ferramentas as metodologias ativas, que atraem os
estudantes, por integrarem o uso de recursos tecnológicos, imprescindíveis para o século
XXI.
Na verdade, englobar todos esses aspectos seria organizar didaticamente a aula, sob
a perspectiva de Libâneo (2013), quando ressalta sobre a importância de (...)”um processo
de ensino visando o desenvolvimento das características cognoscitivas e operativas
mediante a relação docente e discente para a assimilação consciente e ativa de
conhecimentos e habilidades(...)” em prol da aprendizagem.
Planejar para cumprir essa tarefa, como citamos, foi o passo inicial dos professores,
no entanto, conscientes da necessidade de promover a aprendizagem significativa para os
estudantes e, de forma consequente, a atuação deles na sociedade. Com tais escopos
seguiram a trajetória amparados na reflexão sobre o entorno e seus pontos vulneráveis que
afetavam a coletividade.
Sendo assim, diante das fragilidades evidenciadas, os educadores procuraram
responder as questões: é possível pensar uma prática pedagógica que agrupe as
competências escolhidas? como uni-las em um projeto de pesquisa que promova reflexão e
intervenção social? E, finalmente, como utilizar as metodologias ativas para essa finalidade?
O primeiro questionamento já tinha parecer favorável, coube, então, a dupla,
refletir sobre a segunda questão: como uni-las em um projeto de cunho científico,
destacando uma didática histórico-crítica (GASPARIN, 2012) no Ensino Médio? Para
respondê-la, partiram do método a ser utilizado. Sabe-se que no trajeto investigativo os
pesquisadores podem utilizar os conceitos de dedução e de indução (SEVERINO, 2007,
p.100) em todas as áreas de conhecimento e que as pesquisas de campo são efetivas para
estabelecer vínculo entre conceito e prática, ou vice-versa.
Compreende-se ainda que as pesquisas empíricas de abordagem qualitativa,
embasadas em aspectos quantitativos que, em geral, compõem a práxis no Ensino Superior
e na Pós-Graduação, são passíveis de serem adequadas para os educandos do Ensino Médio.
Sob tal perspectiva, consideraram que seria possível subir os degraus da pesquisa no
cotidiano escolar, no entanto, a metodologia partiria do empírico para o teórico.
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Isso se deu porque, apesar de considerarmos que os estudantes do Ensino Médio
são capazes de atender as expectativas, seria pedagogicamente relevante considerar que os
caminhantes/discentes estão em uma fase específica de desenvolvimento, demandando
algumas ações de intervenção docente mais aproximadas, isto é um processo muito voltado
à dialogicidade. Freire diz que “(...) o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura
com seu gesto a relação dialógica em que confirma como inquietação a curiosidade, com
inconclusão em permanente movimento da história (FREIRE, 2015, p. 133).
Além disso, em cada curso, precisariam conhecer e reconhecer os interesses dos
jovens diante dos aspectos observáveis da localidade. O entorno trazia muitos estímulos
que inquietavam os estudantes. Ademais, as diferentes personalidades (perfis psicológicos)
interferiam na busca por algo que fosse comum ao grupo, por isso cada equipe se organizou
para a apresentação de propostas de estudo, reflexão e intervenção e as considerações das
equipes foram apresentadas em seminários.
Após os seminários e as intervenções que apontariam o alvo das pesquisas,
passariam para uma nova etapa que tinha como diferencial, a resposta para a terceira
questão apresentada acima, os professores utilizariam aspectos das metodologias ativas de
ensino, em particular o PBL (BOROCHOVICIUS & TORTELLA, 2014) que implica o
contexto motivador, que compreende o trabalho em equipe (GIL, 2010), possibilitando
definir os problemas e interagir para que pudessem encontrar soluções. Isto é, estavam na
etapa em que o objeto de estudo era comum e passível de problematização. O grande
tema era o lixo nas praias e o subtema classificação e descarte com alvo na sustentabilidade
planetária. Denominaram-no de Projeto EOCOI e seguiram para as pesquisas bibliográficas
e para o trabalho de campo, a partir do observado, trouxeram à baila as primeiras
impressões de forma autônoma e consciente, propondo diálogo com representantes do
poder público, para que houvesse intervenções e a possível transformação do que lhes
parecia não estar adequado ao cenário em estudo.

A PESQUISA COMO ELEMENTO DE SUBVERSÃO DA PRÁTICA NEOTECNICISTA

Destarte, se para a graduação e pós-graduação um processo de pesquisa se


configura complexo, devido à ampla reflexão temática, às formas de registros e às reduzidas
possibilidades de intervenções, o que poderíamos esperar nesse caminho dos estudantes que
estão matriculados no Ensino Médio – Itinerários Formativos?
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Essa nova questão nos levou à reflexão sobre como garantir o desenvolvimento
criterioso de cada fase da pesquisa em um grupo cognitivamente heterogêneo, bem como,
quais seriam as formas de manter vivo o interesse de tais educandos, no sentido de que
construíssem um projeto de pesquisa de olhar interdisciplinar, considerando necessário o
trânsito por cada uma das etapas do pensamento científico e considerando também que
não seriam capazes de alterar o que foi observado, pois o imediatismo, característica dessa
fase de desenvolvimento, não dialoga com os processos morosos de ordem política para
solucionar os problemas da população.
Com efeito, o plausível seria, portanto, elaborar um planejamento que
demonstrasse os pontos de sustentação de um projeto interdisciplinar: a imagem do todo,
sem desqualificar as partes que o compõe e a ampliação do olhar para o objeto de estudo,
entendendo-o como parte da vida de vários sujeitos, que precisam dialogar em prol do
ganho coletivo. No sentido de esclarecer esses pontos, promover a leitura do plano em
sala de aula, submetendo-o à apreciação dos alunos. Seria, portanto, um movimento
interativo que permitiria aos educandos a continuidade das ações, entendendo-as como
subida de degraus, para a construção do novo social, que demanda persistência e
reavaliações constantes.
Conhecer criticamente é o alvo, que se insere nas tendências progressistas. Ainda
que estejamos diante de perspectivas pedagógicas limitadoras, o trabalho com o projeto de
pesquisa a temática ressaltada propiciou o desenvolvimento do Projeto EOCOI. Os
estudantes se relacionaram com o entorno, compreendendo a relevância de olhar para os
problemas locais. Na sequência, eles entraram em contato com reportagens, artigos, teses;
textos que permitiram aos educandos o ato de conhecer, com mais propriedade o objeto
de estudo e o ato de pensar sobre as possíveis intervenções. O alvo estava claro, a limpeza
das praias, consequentemente, esse foco acenava à globalidade, promovendo consciência
ambiental e debates sobre a sustentabilidade do planeta.

O ENSINO MÉDIO E A PESQUISA

Quando comparamos os estudantes do Ensino Médio e do Ensino Superior, não


tivemos como objetivo estigmatizar o alunado dos itinerários formativos, mas de
reconhecer as limitações inerentes ao estágio de maturidade que se encontram. Reconhecer
os impasses de cada etapa do desenvolvimento não significaria deixar a elaboração de
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projetos de pesquisa para um outro momento, mas planejar um trabalho, que fosse ao
encontro das expectativas e possibilidades reflexivas desse estudante.
Como dissemos, o conceito de interdisciplinaridade, inerente ao projeto de
pesquisa, foi o apoio inicial na jornada, mas nem sempre é simples um planejamento e uma
prática interdisciplinar, tendo em vista que as áreas do conhecimento têm suas
especificidades, em geral, de complexa visualização entre os atores do universo docente, o
trabalho conjunto entre os educadores, no mesmo espaço de sala de aula, permitiu a
solução dessa problemática. Os professores atuando em duplas, compartilhando saberes
com os educandos, fortaleceram os passos de cada um na jornada. Ademais, a pesquisa de
campo com suas características foi a mola mestra para que os sujeitos desse processo fossem
inseridos em uma didática histórico-crítica. (GASPARIN, 2012).
Outro aspecto relevante observado durante as investigações/pesquisas, os alunos se
depararam com inúmeras informações sobre a temática em pauta na internet e nas redes
sociais. Em geral, havia informes destituídos de significado profundo, caracterizados pela
rapidez e fugacidade com pouco ou nenhum teor científico. Como, então, auxiliá-los na
identificação de informações fidedignas? A apresentação de sites confiáveis, que trouxessem
dados resultantes de pesquisas anteriores foi então o segundo papel dos professores. Aliás,
cabe ressaltar que sob tal perspectiva, obtivera resultados significativos quanto à observação
e à análise crítica do objeto de estudo. Os dados iniciais foram obtidos no campo e pela
utilização de ferramentas tecnológicas, ou seja, pelo uso das novas tecnologias houve
aprofundamento teórico.
Em uma nova etapa, produziram relatórios e um roteiro de questões para que
fossem ouvidos pelos representantes da prefeitura da localidade. Essa reunião ocorreu e eles
apresentaram os apontamentos do projeto e as possíveis soluções. Uma outra reunião foi
agendada com os membros da comunidade que atuam em comércios, tendo em vista que o
projeto envolvia a responsabilidade conjunta desse segmento, mas ela somente ocorrerá no
início de 2024.
Retomando a utilização da internet, como descartar essa ferramenta? como pensar
em propostas pedagógicas que não envolvam a utilização das novas tecnologias? Conforme
dizem os professores, a utilização desses recursos foi essencial para a agilidade do processo.
Eles resumem da seguinte forma o que vivenciaram com os alunos, ‘as pesquisas
teóricas/leitura, fortaleceram o que eles viram, anteriormente, no campo. Isto é, o
pensamento foi, de fato, estruturado para as possíveis transformações.’ Entende-se que o
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transformar ganhou sentido quando a práxis foi exercitada. Percebeu-se que o interesse dos
educandos em face da proposta permaneceu vivo, por meio desse movimento, pois eles se
enxergavam capazes de intervir, porque no processo de organização de saberes
encontravam caminhos, que os faziam acreditar ser capazes de atuar numa perspectiva
cidadã.
Diante do exposto, pensaríamos mais uma vez em Libâneo (2013, p. 60) quando
ressalta que “(...) as manifestações educativas têm sentido se embasadas e explicadas em
função de objetivos sociopolíticos e de condições concretas.” A concepção pedagógica que
ele defende dialoga perfeitamente com o vivenciado nessa prática, porque permitiu o
observar, o pensar, o fazer e o transformar, esse último significando a intervenção
sociopolítica. A ideia dos educadores, enfim, foi tornar a aprendizagem parte da existência
concreta dos educandos. A priori, promovendo breves rupturas com o mundo virtual,
inserindo-os no campo real e, a posteriori, com a utilização de recursos de investigação por
meio da internet e na sequência, levando-os para o mundo da política da cidadania
(NOGUEIRA, 2001). Com efeito, a proposta foi promover diálogo e conexão entre os
universos: do real, do virtual, da pesquisa e da participação por meio do fortalecimento da
reflexão, da sistematização do conhecimento, do registro do observado da exposição em
sala de aula e da interação com os problemas do entrono e com os sujeitos políticos da
localidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi descrito, os estudantes foram a campo, mas também entraram em


contato com diversos registros que fortaleceram o conhecimento acerca do objeto de
estudo. Ou seja, o processo de ensino e de aprendizagem envolveu o método científico,
que necessariamente implicou a práxis, elemento fundamental das teorias críticas,
subvertendo o modelo curricular neotecnicista.
A pesquisa de campo estabeleceu relação direta com o mundo que os rodeia, a
teoria fortaleceu a reflexão sobre a realidade observada. A investigação e a leitura via
internet, e o trabalho em equipe, foram os momentos de âmbito virtual, com significado
para além da permanência nas redes sociais.
As vertentes relacionais possibilitaram elaboração de discursos, apresentação de
imagens, de gráficos e de escrita de relatos, em um Diário de Bordo. A direção da unidade
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educativa apoiou as decisões, agendando as reuniões com as lideranças políticas da região e
com os membros do comércio local.
Houve, portanto, um movimento educativo conjunto, com base discursiva e crítico-
reflexiva, direcionando os estudantes para uma aprendizagem voltada à solução de
problemas que afetam o todo social, principalmente da localidade na qual os estudantes
estão inseridos, sem relegar a globalidade.
Tal processo resgatou no educando o interesse pelo real sem desvinculá-lo do
virtual. Como virtual a pesquisa/teoria e como real a intervenção/prática (pesquisa de
campo – reuniões para debater os problemas identificados), para finalmente, ainda sob a
perspectiva interventora, acompanhar ativamente a transformação da sociedade da qual
fazem parte, valorizando o interesse coletivo, considerando a responsabilidade conjunta e
mantendo uma agenda participativa.
Apesar da atuação estar amparada em concepções progressistas, não foram
excluídas a utilização de didáticas que destacam a aplicação das metodologias em voga para
o século XXI, como o PBL e a utilização de ferramentas tecnológicas. As duas vertentes se
agregaram para um propósito formativo, cada uma das etapas garantindo, por meio de
suas peculiaridades, a construção do saber integral dos estudantes para a redução das
desigualdades históricas no país e para que haja consciência de todos sobre o papel a
desempenhar em prol da humanização.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: ensino médio. Brasília: MEC/Secretaria de


Educação Básica, 2018.
_______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros
Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação , 2002a.
_______. PCN + Ensino Médio: Orientações educacionais complementares aos Parâmetros
Curriculares Nacionais. Ciências humanas e suas tecnologias . Brasília: Ministério da
Educação, 2002b.
BOROCHOVICIUS, E. & TORTELLA, J. C. B. “Aprendizagem Baseada em Problemas: um
Método de Ensino-Aprendizagem e suas Práticas Educativas”. Ensaio: Avaliação e Políticas
Públicas em Educação, vol. 22, n. 38, 2014, pp. 263-294.
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FAZENDA, Ivani C. A. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa . 4. ed. Campinas:
Papirus, 1994.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 59. ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2015.
GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. Campinas – SP:
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https://gepel.furg.br/images/Gasparin_2012.pdf> Acesso em 18 Fev. de 2024.
GIL, A. C. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010
NOGUEIRA, Marco Aurélio, Em defesa da Política, disponível em: <
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GRADUACAO/MARCO%20AURELIO%20NOGUEIRA/EM%20DEFESA%20DA%20POLIT
ICA.pdf> Acesso em: 18 fev. 2024.
SAVIANI, Demerval. O neoprodutivismo e as variantes: neoescolanivismo,
neoconstrutuvismo e neotecnicismo (1991-2001). In: SAVIANI, Demerval. História das Ideias
Pedagógicas no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2009. Capítulo XIV (p.423-449).
SEVERINO, Antônio Joaquim. O conhecimento pedagógico e a interdisciplinaridade: o
saber como intencionalização da prática. In: Fazenda, Ivani C. Arantes (org.). Didática e
interdisciplinaridade. Campinas – SP: Papirus, 1998. p. 31-44.
_______. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo – SP: Cortez 2007. Disponível
em:<
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3480016/mod_label/intro/SEVERINO_Metodologi
a_do_Trabalho_Cientifico_2007.pdf> Acesso em: 18 Fev. 2024.
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A MARCA “PERO” SOB O ENFOQUE DA TEORIA DAS OPERAÇÕES


PREDICATIVAS E ENUNCIATIVAS
Sergio José Terlizzi 15
Maíra Brás Costa Terlizzi 16

Resumo Resumen
O objetivo precípuo deste artigo é realizar uma El objetivo primordial de este artículo es realizar
análise da palavra pero sob a ótica da Teoria un análisis de la palabra, pero desde la óptica de
das Operações Predicativas e Enunciativas la Teoría de las Operaciones Predicativas y
(TOPE) formulada pelo linguista francês Antonie Enunciativas (TOPE) formulada por el lingüista
Culioli, ou seja, como marcador de operações francés Antoine Culioli, o sea, como marcador
enunciativas. Utilizamos como metodologia a de operaciones enunciativas. Utilizamos como
atividade de reformulação de enunciados, metodología la actividad de reformulación de
chamada nessa teoria de glosagem ou enunciados, llamada en esa teoría de glosas o
parafrasagem (FRANCKEL, 2011; FUCHS, 1985). paráfrasis (FRACKEL, 2011; FUCHS, 1985). Por
Por meio desta atividade analisamos o medio de esa actividad analisamos el enunciado
enunciado selecionado e observamos que a seleccionado y observamos que la marca no
marca nem sempre apresenta valor adversativo siempre presenta valor adversativo.

Palavras-Chave: Conjunção adversativa, TOPE, Palabras-clave: análisis, pero, TOPE, Escritos.


Língua Espanhola.

15 Mestrando em Estudos Literários do Programa de Pós-graduação em Estudos Literários (PPGEL/UNEMAT). E-mail:


sergio.terlizzi@unemat.br.
16 Doutoranda em Linguística do Programa de Pós-graduação em Linguística.(PPGL/UNEMAT). E-mail: maira.bras@unemat.br.
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INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo analisar o vocábulo pero da língua espanhola sob o
enfoque da Teoria das Operações Predicativas e Enunciativas. Dita teoria tem sua origem no
pensamento do linguista francês Antoine Culioli (1924-2018) que defende em suas bases
epistemológicas que o conhecimento teórico se relaciona com o conhecimento prático e
que ambos estão envolvidos na construção de sentidos nas situações de enunciação. Como
base teórica de nossos estudos, nos apoiaremos nos estudos de Antoine Culioli e seus
colaboradores no desenvolvimento da Teoria das Operações Predicativas e Enunciativas,
mas principalmente faremos uso do livro “Escritos”, que reúne diversos textos de Culioli
discutindo sua proposta de análise teórica. Nosso arcabouço teórico está inserido na área da
semântica, mais exatamente nos estudos da enunciação. A TOPE faz uso de ferramentas
próprias baseando-se na parafrasagem e na glosa para demonstrar a variação e/ou
invariância de determinada palavra, que a teoria chama de marca, no caso deste trabalho
optou-se por uma marca adversativa, a conjunção pero, que usualmente se traduz ao
português por mas.
Quando pensamos em analisar palavras como a marca que escolhemos é comum
que nosso primeiro olhar seja o da gramática tradicional, isso se deve à nossa própria
vivência como professores de línguas seja a materna, seja estrangeira, em nosso caso ambos
professores de língua espanhola. Um dos nossos objetivos com esse artigo é justamente
demostrar que a gramática tradicional, embora seja importante, não consegue dar conta de
todas as possibilidades de sentidos construídos pelos sujeitos nas situações reais de
enunciação.
O fato de a teoria ser nova traz amplas possibilidades de discussão e descobertas, é
por isso que o artigo que apresentamos tem como objetivo geral fazer uma reflexão sobre a
articulação da linguagem com as línguas naturais conforme a proposta investigativa da
Teoria das Operações Predicativas e Enunciativas desenvolvidas pelo linguista Antoine
Culioli. Mais especificamente pretendemos buscar caracterizar o marcador pero da língua
espanhola, ele é a nossa materialidade linguística, o produto visível e, por isso, analisável de
um complexo processo de produção de sentidos numa determinada situação de
enunciação. Além da análise do marcador articularemos nossas análises com questões
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relativas ao ensino de espanhol como língua estrangeira e como a parafrasagem pode
contribuir para o entendimento dos sentidos dos enunciados nessa língua.
É importante esclarecer que este artigo parte do pressuposto de que os manuais de
gramática tradicional não conseguem abarcar todas as possibilidades semânticas passíveis de
serem assumidas pela marca pero da língua espanhola é por isso que neste artigo
buscaremos apontar quais são as variações de sentido possíveis para o enunciado que
selecionamos.

A TOPE E A GRAMÁTICA TRADICIONAL

Tradicionalmente os livros didáticos, dicionários e gramáticas normativas de língua


espanhola trazem para o marcador pero a definição de conjunção adversativa, ou seja, um
nexo que introduz uma oração que se opõe ao expressado anteriormente, geralmente uma
oração coordenada.
O Manual da Nueva Gramática de la Lengua Española, editado pela Real Academia
Española, a mais importante instituição de normatização dessa língua traz sobre o vocabulo
pero:

… Con la conjunción, pero se contraponen dos ideas, una de


ellas no formulada de manera explicita, sino inferida. Así, en
Estoy muy ocupado, pero lo atenderé se contrapone Lo
atenderé, idea expresada en la segunda parte de la oración, a
No lo atenderé, que se infere o se deduce de la primera parte.
[…] En algunos casos, la oposición tiene lugar entre dos
inferencias, cada una de las cuales se deduce de unos de los
seguimentos coordinados. Así, si en el debate sobre la
contratación de un jugador de fútbol alguien dice Es muy
habilidoso, pero tiene muchas lesiones, estará contraponiendo
dos inferencias o deducciones contrárias de Es muy habilidoso
se infiere Deberíamos contratarlo; pero tiene muchas lesiones
se infiere No deberíamos contratarlo. La coordinación
adversativa fuerza, pues, al oyente a establecer relaciones
<<causa-efecto>> mediante mecanismos discursivos que no
pueden basarse únicamente en el contenido de las palabras …
(RAE, p.616, 2014)17

17 Com a conjunção pero se contrapõe duas ideias, uma delas não formulada de maneira explícita, mas inferida. Assim em Estoy
muy ocupado, pero lo atenderé se contrapõem a Lo atenderé, ideia expressada na segunda parte da oração, a Não o atenderei, em
que se infere ou se deduz da primeira parte. […] Em alguns casos, a oposição acontece entre duas inferências, cada uma das quais
se deduz de um dos seguimentos coordenados. Assim, se no debate sobre a contratação de um jogador de futebol alguém diz Es
muy habilidoso, pero tiene muchas lesiones, estará contrapondo duas inferências ou deduções contrárias de Es muy habilidoso se
infere Deberíamos contratarlo; pero tiene muchas lesiones se infere Não deveríamos contratá-lo. A coordenação adversativa força,
então, ao ouvinte a establecer relações <<causa-efeito>> mediante mecanismos discursivos que não podem basear-se únicamente
no conteúdo das palavras.
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Essa definição de sentido e uso da marca pero repete-se nas diversas gramáticas e
manuais de estudo da língua espanhola. Sabemos que a gramática normativa é uma
importante ferramenta no estudo de uma língua, mas também que ela nunca dá conta de
todas as possibilidades de construção de sentidos, uma vez que a língua é plástica, volúvel,
um organismo vivo que está sempre em movimento e por isso qualquer pretensão de
cristalizá-la mostra-se inútil. Levando em consideração essa maleabilidade da língua nos
abrimos para os seguintes questionamentos: pero assume sempre um valor adversativo?
Qual o papel dos sujeitos na construção desse valor? Há outros valores possíveis?
A Teoria das Operações Predicativas e Enunciativas trabalha com a ideia de
indeterminação da linguagem, o sujeito como elemento a ser considerado nas situações de
enunciação e o sentido como algo construído no momento da enunciação e não como algo
pré-existente. Nesse sentido o objeto de estudo da linguística é a atividade de linguagem
apreendida através da diversidade das línguas naturais, tanto em textos orais, como escritos;
a linguagem mesma pode ser definida como um processo em que estão implicadas as
operações de representação, referenciação e regulação. Dito o que é linguagem passemos a
outro conceito fundamental: o enunciado. A teoria culioliana define o enunciado como
sendo uma sequência de representações resultantes de um conjunto de operações mentais
que um sujeito enunciador mobiliza para construir sentido.
O que a teoria analisa é o trajeto da construção do sentido entre os sujeitos
implicados na situação de enunciação. Partimos do princípio de que não existe um
significado dado, pré-existente e cristalizado, mas sim que ele é construído. No entanto, a
teoria considera a intencionalidade dos sujeitos envolvidos, logo todo enunciado produzido
carrega em si uma intenção de significação que poderá concretizar-se ou não. O desvio da
intenção de significação é uma possibilidade que deve ser levada em conta. Para tanto,
utilizando as ferramentas da TOPE, partimos dos observáveis, glosas e paráfrases que
evidenciam o movimento realizado pelos sujeitos, seja esse o pesquisador, o professor ou o
aluno.

AS FERRAMENTAS DA TOPE

O ser humano é constituído pela linguagem, sem a linguagem não há uma


possibilidade de existência daquilo que conhecemos como humano. A definição do que´é
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linguagem é um ponto fundamental de qualquer teoria linguística. Nos valemos de Costa
para afirmar que a linguagem, na teoria culioliana, é:

...um processo em que estão implicados um conjunto de


operações que se realizam na construção do sentido entre dois
sujeitos. É a capacidade humana de construção de
representação, referenciação e regulação que pode ser
apreendida por meio das línguas porque é regulada e
relativamente estável... (COSTA, 2017,p. 21 )

Por isso podemos afirmar que a TOPE não é “uma teoria dos sujeitos enunciadores,
mas uma teoria das operações abstratas” (FRANCKEL; PAILLARD, 2011). Operações essas
que são inatas a todo ser humano. Então entendendo a linguagem como a construção de
sentidos entre dois sujeitos é o que nos leva à reflexão de qual seria o processo de
construção de ditos sentidos.
Uma resposta esclarecedora pode ser encontrada nas ferramentas da TOPE, pois a
mesma nutre-se de dois analisadores de sentido: glosa e paráfrase, as mesmas são as
ferramentas que possibilitam a realização das análises dos enunciados. A respeito das duas
podemos dizer que elas são:

...uma (re) elaboração espontânea do enunciado de partida e a


segunda como (re) elaboração orientada por intuições teóricas
e segundo conceitos operatórios definidos pela teoria...
(COSTA, 2017).

Devem entender-se os conceitos anteriores como ferramentas da praxis, mas a


teoria também conta com elementos mais estáticos, conceitos que podem ser caraterizados
de operatórios no plano teórico que são três: léxis, relação predicativa e relação
enunciativa.
A léxis é uma certa forma de esquema que estabelece que todo ato de linguagem
seja colocado em forma, é dizer afiança as relações entre as coisas pondo atributo e lhes
colocando em movimento. A relação predicativa trata de como é feita a organização do
enunciado pelo sujeito enunciador. Para tanto o sujeito leva em consideração não só sua
intenção de produção de sentido, mas também a situação de enunciação e o seu co-
enunciador. Imerso nessa situação de enunciação ele então elegerá os arranjos possíveis e
desejáveis para a léxis naquela situação de enunciação. A léxis é aquilo que é possível ser
dito, tanto em relação ao sistema sintático de uma língua natural, quanto em relação às
possibilidades de construção semântica de um determinado sistema linguístico. Nesse
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processo o sujeito decidirá qual será o termo de partida, essa escolha afetará o enunciado
pois a partir dele é que se construirá as possibilidades de efeito semântico para o enunciado
o que nos levará à localização e à identificação. A localização ocorre quando elegemos um
termo de origem que será o primeiro ponto de referência para a relação semântica
construída, é dizer a localização é em efeito um ponto de partida para entender a posterior
construção.
Esse localizador é chamado pela teoria culioliana de centro atrator da léxis. Se
pensamos no enunciado “Extrañar no tiene brazos, pero aprieta fuerte”, que poderia ser
traduzido ao português por “Sentir saudade não tem braços, mas aperta forte” o ponto de
partida do enunciado é o verbo extrañar, todo o enunciado se constrói a partir da escolha
desse elemento iniciador, é ele o ponto de partida da construção de sentido numa
determinada situação de enunciação. É preciso ressaltar que não há uma correspondência
entre a organização das léxis e a organização do enunciado. Mas é a léxis que gerará as
relações predicativas que, por sua vez, formarão uma família de relações predicativas, é essa
organização que constitui a família parafrástica do enunciado que é uma das ferramentas da
TOPE.
Ainda pensando na construção de sentidos e tendo em conta que o artigo aqui
apresentado busca articular relações entre duas línguas, português e espanhol, lembramos
que nem tudo que pode ser dito em uma língua, pode ser reproduzido fielmente em outra.
Verdadeiramente “extrañar no tiene brazos, pero aprieta fuerte” é intraduzível, já que além
de ser um jogo de palavras também o vocábulo extrañar não é sinônimo de saudades, é
simplesmente um equivalente.
Não existe em espanhol uma palavra completamente correspondente ao sentido de
saudade em língua portuguesa. O termo extrañar poderia ser substituído por añorar ou pela
expressão echar de menos, todos eles aproximam-se de saudade, mas nenhum deles
expressa exatamente a mesma coisa, basta pensar que em português trata-se de substantivo
feminino e em espanhol a ideia é transmitida através de formas verbais.
Mesmo sendo os sentimentos os mesmos em português, espanhol ou inglês a
expressão deles faz que tenham diferentes nuances dependendo da língua em que é
expresso, ou seja, o que se constrói são sentidos aproximados que permitem a
comunicação, mas é impossível a exata tradução literal de tudo. Existem mesmos sentidos
que são construídos com uma única palavra em uma língua e requerem uma explicação
muito mais longa em outra para aproximar-se do que se quer expressar. Seria o caso, por
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exemplo, do termo Gestalt da língua alemã, o mesmo é usado para designar uma escola de
psicologia, mas por ser intraduzível são utilizadas as seguintes equivalências: “forma, figura,
configuração, estrutura ou criação”. Pensando na responsabilidade do tradutor que não se
pretende “um traidor” como prevê o provérbio italiano “Traduttore, Traditore”, mas
também levando em consideração as dificuldades subjacentes no processo de tradução nos
fazemos a seguinte pergunta: como dever ser feita uma tradução adequada de uma língua
para outra? Como é preciso que um tradutor pense? Quando um texto é traduzido de uma
língua para outra o mesmo sofre mudanças significativas, seja quando o tradutor não tem
habilidade suficiente no exercício de tradução, seja pelas impossibilidades existentes nas
línguas envolvidas nesse processo. Pois traduzir não é só transcrever as palavras de uma
língua para outra e sim interpretá-las num contexto determinado, tendo pleno
conhecimento da cultura na qual o autor está submerso.
Para ilustrar isto podemos citar o seguinte extrato de tradução ao espanhol a partir
do inglês das obras completas de Edgar Allan Poe, realizado por Júlio Cortázar18 um
destacado autor que era um fanático da obra de Poe, pelo qual podemos estabelecer que
umas das melhores traduções feitas ao espanhol do autor norte-americano vem de
Cortázar, por exemplo, no sumamente conhecido conto Berenice, no segundo parágrafo do
original podemos ler:

...My baptismal name is Egaeus; that of my family I will not


mention. Yet there are no towers in the land more time-
honored than my gloomy, gray, hereditary halls. Our line has
been called a race of visionaries; and in many striking
particulars —in the character of the family mansion —in the
frescos of the chief saloon —in the tapestries of the dormitories
—in the chiselling of some buttresses in the armory —but more
especially in the gallery of antique paintings —in the fashion of
the library chamber —and, lastly, in the very peculiar nature of
the library’s contents, there is more than sufficient evidence to
warrant the belief... (POE)

Cortázar traduz este parágrafo para o espanhol da seguinte forma:

...Mi nombre de pila es Egaeus, no mencionaré mi apellido. Sin


embargo, no hay en mi país torres más venerables que mi
melancólica y gris heredad. Nuesto linaje ha sido llamado raza
de visionarios, y en muchos detalles sorprendentes, en el
carácter de la mansión familiar, en los frescos del salón

18Ao contrário do comumente acreditado ele foi de nacionalidade argentina até 1981, quando optou pela cidadania francesa em
protesto ao regime militar que tinha se estabelecido na Argentina desde 1976.
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principal, en las colgaduras de los dormitorios, en los relieves
de algunos pilares de la sala de armas, pero especialmente en la
galería de cuadros antiguos, en el estilo de la biblioteca y por
último, en la peculiarísima naturaleza de sus libros, hay
elementos más que suficientes para justificar esta creencia…
(POE, 2014)

Seguindo esta linha de raciocínio podemos citar o livro chamado “The Martian
Chronicles” do Ray Bradbury que foi traduzido ao espanhol pelo famoso escritor Jorge Luís
Borges, a respeito dessa tradução Bradbury afirma:

... Mi editor me manda el libro, yo leo allí el nombre de


Borges y, por supuesto no me dice nada. Guardo el libro en la
biblioteca y me olvido del asunto. Quince años después todo el
mundo empieza a hablar de Borges, todo el mundo se
enamora de él. Entonces voy corriendo a la biblioteca y,
gracias a Dios, el libro estaba allí. Volví a leer el prólogo y me
gustó muchísimo, como la primera vez, pero en esta
oportunidad me emocionó hasta las lágrimas…” (BRADBURY,
2012)

De todo modo em qualquer língua natural o enunciador vai organizar seu


pensamento a partir do termo de partida que ele escolhe para uma dada situação de
enunciação. A relação predicativa é uma espécie de introdução à relação enunciativa.
Na relação enunciativa é que se construirá o enunciado realizado por um
determinado enunciador, numa determinada situação de enunciação e envolvendo um co-
enunciador que também assume o papel de enunciador durante a interação. Para tanto é
colocado em funcionamento o sistema geral da língua em que se formam ideias gerais das
coisas, baseadas na relação empírica do homem com o mundo das ideias e com o mundo
físico.
À respeito destes dois mundos é importante esclarecer de onde vem essa referência,
esta é uma dicotomia que marcou o pensamento ocidental. A teoria culioliana está
fortemente arraigada em bases teóricas que têm sua origem no pensamento do filósofo
grego Arístocles, melhor conhecido como Platão, dito raciocínio alicerça-se na existência de
dois mundos um chamado mundo dos sentidos e outro de mundo das ideias à esse respeito
compartilhamos a seguinte explicação:

...No mundo das ideias existem todas as ideias primordiais,


sendo que essas ideias são perfeitas e eternas. Uma cadeira, por
exemplo, pode mudar o formato (redonda, quadrada, 3 ou 4
pés), mas ideia cadeira sempre será a mesma: um objeto para
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sentar. Só podemos alcançar essa realidade por meio da nossa
razão. O mundo dos sentidos para Platão é o mundo em que
habitamos, o mundo material. Este mundo seria uma cópia do
mundo das ideias de acordo com o pensamento de Platão. No
entanto, por ser uma cópia, ela estaria sujeita ao erro e não
seria eterna, e tem um tempo de duração... (ENEM, S/D)

Por basear-se nessas relações, em certa medida gerais porque o sujeito está envolto
em uma determinada sociedade, com determinados valores culturais e língua, também
variam porque implicam a experiência individual do sujeito imerso nesse mundo físico e
linguístico.
É a partir dessas variáveis que haverá a construção de significados, sobre isso
podemos dizer que:

...A significação é construída em um jogo constante entre os


sujeitos enunciador e co-enunciador. Resulta de ajustamentos
produzidos entre esses sujeitos. Sua estabilidade é transitória na
produção e no reconhecimento de enunciados... (COSTA,
2017)

Para entendermos melhor como a TOPE entende os conceitos de enunciado e


enunciação passaremos à conceituação da atividade de linguagem.
A atividade de linguagem
A teoria culioliana compreende a linguagem como a atividade significativa que
resulta de um complexo de operações de representação mental, referenciação linguística e
regulação que ocorre entre os sujeitos no momento da produção do enunciado, dito
linguagem separa-se teoricamente em 3 níveis.
Nessa perspectiva, as marcas linguísticas são vestígios dessas operações e é a partir
delas que o linguista poderá investigar o processo de produção e significação de um
determinado enunciado. Para maiores esclarecimentos podemos observar o quadro feito
pela Prof. Dra. Ivete Maria Martel da Silva para sua tese de doutorado, no mesmo explica-
se e resume-se os diferentes níveis linguísticos para a TOPE:
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Cada nível pode ser representado com um círculo concêntrico envolvendo o nível
que é mais afastado da observação direta, para uma melhor apreciação elaboramos o
seguinte gráfico:
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A representação
A atividade de representação envolve três níveis: 1 - o nível das representações
mentais; 2 - o nível das representações linguísticas e 3 - o nível das representações
metalinguísticas, baseando-nos no quadro anteriormente referido podemos dizer que as
representações mentais no primeiro nível têm a característica na teoria culioliana de serem
noúmeno do estilo kantiano em quanto no segundo e terceiro nível são fenomenológicas.
As representações mentais
As representações mentais pertencem ao nível 1, podemos entender esse nível como
sendo a nossa atividade cognitiva, um conjunto de processos mentais aos quais o sujeito
não tem acesso e que implicam não só um processo racional de estruturação de
pensamento, mas algo mais complexo que envolve também o aspecto afetivo e a
experiência empírica do sujeito. É por isso que este nível tem a caraterística de ser
incognoscível, só podemos observar ele indiretamente a traves das representações
linguísticas do nível dos e metalinguísticas do nível três.
As representações linguísticas
É no nível 2 que ocorrem as representações linguísticas. Nele encontraremos os
vestígios da atividade de representação do nível 1 a partir dos arranjos léxico-gramaticais
presentes na atividade de enunciação. Os níveis 1 e 2 estão relacionados, mas não indicam
uma relação de total equivalência. Sobre esse aspecto, Culioli afirma:

“...não há relação termo a termo entre as representações de


nível 1 e as representações de nível 2. Aí reside a dificuldade. Se
houvesse uma relação termo a termo, teríamos uma
nomenclatura no caso mais tosco e, de maneira mais geral,
uma codificação. Mas não se dá a relação um marcador um
valor...” (CULIOLI, 2010, p. 84)19.

As representações metalinguísticas
O nível das representações metalinguística é chamado de nível 3, é nele que os
níveis 1 e 2 se relacionam. A esse respeito, Culioli afirma:

...A esperança é que o nível 3 esteja em uma relação de


adequação (de correspondência) com o nível 2, tal que, por

19No original: […]no hay relación término a término entre las representaciones de nivel 1 y las representaciones de nivel 2. Ahí
reside la dificultad. Si hubiera una relación término a término, tendríamos una nomenclatura en el caso más tosco y, de manera más
general, una codificación. Pero no se da la relación un marcador un valor (CULIOLI, 2010, p. 84)
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via desta relação explícita entre 2 e 3, possamos simular a
correspondência entre 1 e 2. Mas não há relação de
univocidade: se a relação fosse unívoca, não seria preciso mais
que remontar de nível a nível. Então é preciso contemplar a
possibilidade de uma perda, um desvio, algo extra que seja
preciso explicar. Portanto, não podemos obter uma validação
de hipóteses que se efetivaram de uma vez por todas. As
representações de nível 3 devem estar em uma relação de
exterioridade com respeito ao nível 2, mas uma exterioridade
“comprometida”, de modo que o formal seja o empírico
formalizado, e o empírico, a medida que se generaliza, venha a
colocar em evidência o formal... (CULIOLI, 2010, p.85-86)

A referenciação
A atividade de referenciação não é algo que está já de antemão estabelecido, mas
sim é algo construído entre os sujeitos numa determinada situação de enunciação,
relacionando o linguístico com o extralinguístico. Como coloca Joana Darc Rodrigues da
Costa:

Logo, podemos concluir que a atividade de referenciação é a


construção da relação entre o domínio linguístico e o domínio
extralinguístico (mediada) pelos sujeitos enunciadores. Ou seja,
trata-se de um conjunto de localizações entre o enunciado, a
situação enunciativa (levando-se em conta parâmetros
relacionados ao tempo, ao espaço, aos sujeitos e aos eventos
implicados na enunciação) e a relação predicativa que resultam
na construção de valores referenciais das marcas enunciativas.
(COSTA, 2013, p7)

O que percebemos é que a referência não pode ser entendida como algo apenas
externo à língua o que daria a relação um objeto = uma referência, mas como esse lugar
híbrido entre o mundo material e a experiência empírica de cada sujeito. Como explicita
Rezende:

... É preciso compreender que “carro” não é um objeto ingenuamente bem


delimitado no espaço e que como lingüistas trabalhamos com problemas
ligados à atividade simbólica e não com problemas ligados diretamente à
realidade física, pois quando produzimos/reconhecemos enunciados
podemos associar ao objeto “carro” outras experiências vividas. A referência
dos objetos lingüísticos não deve ser buscada de modo direto nos objetos do
mundo físico e mental... (REZENDE, 1983, p.111).
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Cada sujeito terá um experiência pessoal com o objeto “carro” logo suas referências
não são exatamente as mesmas (um carro velho, um carro novo, grande, pequeno, etc),
mas numa situação de enunciação os sujeitos envolvidos buscarão uma estabilização dessa
referência, ainda que de modo temporário, para que ocorra a construção de um sentido
possível de ser apreendido e compartilhado por todos os envolvidos na situação de
enunciação.

A regulação
Para a Teoria das Operações Predicativas e Enunciativas não existe sentido original
ou primitivo, ele é construído na relação dialógica entre os sujeitos. Nessa atividade
dialógica enunciador e co-enunciador farão os ajustes necessários para que um sentido
partilhado seja construído. Esse processo é o que chamamos de regulação.

O enunciado
Culioli assim define enunciado:

El enunciado es una configuración de marcadores, que son a su


vez la huella de operaciones, es decir, que es la materialización
de fenómenos mentales a los cuales no tenemos acceso, y de
que nosotros los linguistas sólo podemos dar uma
representación metalinguística, es decir, abstracta. (2010, p. 24)

Então podemos dizer que o enunciado se constitui a partir de um arranjo regulado


dos marcadores e que

um enunciado é somente interpretável mediante um contexto


ou situação que escapa dos contornos dados pelas teorias
pragmáticas para se imbricar no ponto de vista enunciativista,
o qual confirma que o sentido se determina pela matéria
verbal, pois é ela que o constrói e o dá estatuto. No ponto de
vista em questão, contexto e situação não são externos ao
enunciado, mas gerados por ele. O extralinguístico e o mundo
fenomenológico não atribuem sentidos, eles fornecem valores
referencias afins para a determinação do sentido dentro dos
contornos materiais de cada enunciado. (CUMPRI, 2013)

A construção do significado em um enunciado está atrelado à intencionalidade do


sujeito, mas também à contextualização tempo-espaço e físico-cultural.
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Nesse sentido estamos em condições de dizer que um enunciado nesta teoria não é
um produto e sim uma construção, pois o mesmo forma-se através da relação do
enunciador com o co-enunciador, do metalinguístico com o extralinguístico, do mundo
cognitivo e o mundo material. Enfim enunciado constitui o objeto de estudo da teoria
culioliana, pelo qual podemos considera-la uma teoria da enunciação.

Os processos constitutivos do enunciado


Na teoria culioliana o enunciado é entendido não como algo pronto, mas como
um processo de construção de significação. Nesse processo estão envolvidas: a relação
primitiva; s relação predicativa e a relação enunciativa.
A relação primitiva
A relação primitiva é uma tríade semântica que se compõe de: um relator, um
termo de origem e um termo – objetivo, ao respeito Rezende, citado no ensaio de Lucas
Nascimento, “O predicado no discurso jurídico: estabilidades e instabilidades enunciativas”
estabelece:

...É uma relação semântica entre três termos: um relator (r), um termo-
origem (x), geralmente animado ou com propriedades agentivas, outro
termo-objetivo (y), geralmente inanimado ou com propriedades não-
agentivas. Essa relação semântica também pode ser chamada de relação
primitiva. Quando instanciamos a relação primitiva por noções, que
possuem propriedades físico-culturais, construímos uma léxis. A léxis possui:
um potencial de orientação a partir do qual os termos da relação primitiva
podem ser orientados... (NASCIMENTO, S/D, S/P)

Pode se dizer que a relação primitiva então é a forma que adota o enunciado antes
de que aconteça o ato de enunciação ou que como anteriormente argumenta Nascimento
se parte de uma ordenação de termos X ORIGEM R Relator e Y objetivo. O diferencial
desta teoria radica em que mesmo tendo uma origem os termos não têm uma ordem a
priori. Mesmo assim é importante esclarecer que este é um dos supostos básicos
indemonstráveis da teoria culioliana.

A relação predicativa
A relação predicativa é um processo no qual:

... O sujeito enunciador organiza seu pensamento levando


em consideração a situação de enunciação e o seu co-
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enunciador... ele... escolhe os...termos da léxis... (COSTA,
2017, P.28)

É dizer que a relação predicativa é a escolha efetiva do que vai ser dito, se na relação
primitiva temos possibilidades para escolher os termos, na predicativa esses termos já foram
escolhidos.

A relação enunciativa
É neste nível que se constrói a noção de enunciado em si mesma, é dizer a relação
enunciativa é a ensamblagem dos estágios anteriores a relação primitiva e predicativa que
resulta na síntese que da gênese a relação enunciativa, enquanto os dois estágios anteriores
são estáticos de possibilidade primeiro e de escolha no segundo, neste terceiro se apresenta
o dinamismo da fala em si mesma, já que a construção do enunciado vai precisar de
alternância entre um enunciador e um co-enuciador que por ves também é enunciador.

A noção e o domínio nocional


A noção é a construção de significado particular do enunciador, do co-enunciador
que negociam o valor de noção e que resulta finalmente nas sínteses de uma noção
compartilhada. Sobre o conceito de noção Culioli afirma:

... A noção se situa na articulação do (meta) lingüístico e o não


linguístico, em um nível de representação híbrido:
- Por um lado, se trata de uma forma de representação não
linguística, ligada ao estado de conhecimento e à atividade de
elaboração de experiências próprias de cada pessoa. Neste
nível ocorrem cadeias de associações semânticas onde temos
“feixes” de propriedades estabelecidas pela experiência,
armazenadas e elaboradas em formas diversas (especialmente,
em relação com processos de memorização: imagens, atividade
onírica ou emblemática, etc.) É uma propriedade essencial da
atividade simbólica, na qual se baseia, em particular, o trabalho
metafórico e o trabalho de ajustes intersubjetivos que supõe ao
mesmo tempo estabilidade e deformabilidade. Esta ramificação
de propriedades que se organizam umas em relação a outras
em função de fatores físicos, culturais, antropológicos,
estabelecem o que eu chamo um domínio nocional. É uma
representação sem materialidade, é inacessível para o linguista.
Portanto, as noções não correspondem diretamente com ítens
léxicos.

- Por outro lado, se trata da primeira etapa de uma


representação metalinguística. A notação que utilizo é QLF. A
noção se apresenta neste nível:
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a) como indivisível, ou seja, como não fragmentada, tomada
em bloco (característica do trabalho intencionado);
b) como não saturada remetendo assim a um esquema
predicativo à espera de uma instanciação que traría consigo
necessariamente a construção de uma ocorrência-de-P.
Podemos designá-la mediante a expressão ter a propriedade P
Culioli (2010, p.121)... 20.

Isto indubitavelmente remete a teoria hegeliana das teses vs antíteses que tem como
resultado algo novo e compartilhado pelas partes que são as sínteses. Portanto, trata-se de
um elemento híbrido entre o linguístico e o extra-linguístico. Algo que existe, mas que não
pode ser dito.
O domínio nocional faz referência a abstrações que os indivíduos fazem ao respeito
de um objeto linguístico, são as propriedades comuns aos mesmos, ou seja, o que os
constitui como objeto em si mesmo. São as noções que constroem um campo de referências
a que chamamos domínio nocional. A esse respeito Costa diz:

...O domínio nocional compreende um domínio abstrato de


representações metalinguísticas que estruturam ocorrências de
noção... (2017, p.36)

A MARCA PERO NA LINGUA ESPANHOLA

É importante começar mostrando a definição do vocábulo “pero” a seguir:

...Pero es una conjunción adversativa que produce


una contraposición entre dos proposiciones. Como todas las
conjunciones, su finalidad es actuar como nexo, enlazando
oraciones, palabras… (JULIÁN PÉREZ PORTO, 2013)

20 La noción se sitúa en la articulación de lo (meta) lingüístico y lo no lingüístico, en un nivel de representación híbrido:


- Por un lado, se trata de una forma de representación no linguística, ligada al estado de conocimiento y a la actividad de
elaboración de experiencias propia de cada persona. En este nivel hay lugar para cadenas de asociaciones semánticas donde
tenemos “racimos” de propiedades establecidas por la experiencia, almacenadas y elaboradas en formas diversas (especialmente,
en relación con procesos de memorización: imágenes, actividad onírica o emblemática, etc.) Es una propiedad esencial de la
actividad simbólica, en la cual se basa en particular el trabajo metafórico y el trabajo de ajustes intersubjetivo que supone a la vez
estabilidad y deformabilidad. Esta ramificación de propiedades que se organizan unas en relación a otras en función de factores
físicos, culturales, antropológicos, establecen lo que yo llamo un domínio nocional. Es una representación sin materialidad, es
inaccesible para el lingüista. Por consiguiente, las nociones no se corresponden directamente con ítems léxicos.
- Por otro lado, se trata de la primera etapa de una representación metalingüística. La notación que utilizo es Clf. La noción se
presenta en este nivel:
a) como insecable es decir, como no fragmentada, tomada en bloque (característica del trabajo en intensión);
b) como no saturada remitiendo así a un esquema predicativo a la espera de una instanciación que traería aparejada
necesariamente la construcción de una ocurrencia-de-P.
Podemos designarla mediante la expresión tener la propiedad
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No dicionário da importante filóloga espanhola María Moliner temos o seguinte
verbete:

pero do latim << per hoc >>, por isto; tomu significado
adversativo través de seu uso em frases negativas; […] 1. conj.
é uma conjunção una adversativa que expressa que o que diz
a oração a que afeta impede, justifica, compensa, contesta ou
atenúa o dito na oração principal: ‘Quería haber ido a verte
esta tarde, pero he tenido visitas. La casa es vieja, pero es
céntrica. Yo le pegué, pero él me había insultado. Me gusta el
café pero no me conviene. Es rico, pero tiene muchos hijos.’ 2.
Também pode ter valor concessivo, expressando que o que diz
la oração afetada por <<pero>> se realiza apesar de que
sería natural outra coisa dado o dito na oração principal:
‘Está en Madrid, pero (sin embargo) no lo he visto. La casa es
pequeña, pero cómoda. 3. Às vezes tem sentido restritivo:
‘Hacerlo si queréis; pero no contéis con mi ayuda. Te lo daré,
pero no se lo digas a nadie. 4. É uma partícula expletiva ou
enfática usadíssima: ‘¡Pero qué chiquillo más hermoso! ¿Pero
cómo te vas a marchar con lo que llueve? […] (MOLINER,
1998, p. 325).21

Como observamos há posibilidades diferentes para o emprego de pero, neste artigo


optamos por analizar apenas um enunciado em que ele apareça como nexo em orações que
tradicionalmente seriam classificadas como adversativas. Sobre essa função adversativa de a
Nueva Gramática Básica de la Lengua Española afirma sobre pero que:

Mediante ela se contrapoem duas ideias, uma das quais – e às


vezes as duas – não se formula de maneira expressa, mas que
se infere a partir do que se diz. Deste modo, se aproxima da
eventual contratação de um jogador de futebol se diz Es muy
bueno, pero tiene muchas lesiones, se deducen dos ideas
contrarias: de Es muy bueno se infiere ‘Deberíamos
contratarlo’, y de tiene muchas lesiones ‘No deberíamos
contratarlo. (RAE, p. 169, 2011).22

21 pero del latín << per hoc >>, por esto; tomó significado adversativo a través de su uso en frases negativas; […] 1. conj. es una
conjunción adversativa que expresa que lo que dice la oración a que afecta impide, justifica, compensa, contrarresta o atenúa lo
dicho en la oración principal: ‘Quería haber ido a verte esta tarde, pero he tenido visitas. La casa es vieja, pero es céntrica. Yo le
pegué, pero él me había insultado. Me gusta el café pero no me conviene. Es rico, pero tiene muchos hijos.’ 2. También puede tener
valor concesivo, expresando que lo que dice la oración afectada por <<pero>> se realiza a pesar de que sería natural otra cosa
dado lo dicho en la oración principal: ‘Está en Madrid, pero (sin embargo) no lo he visto. La casa es pequeña, pero cómoda. 3. A
veces tiene sentido restrictivo: ‘Hacerlo si queréis; pero no contéis con mi ayuda. Te lo daré, pero no se lo digas a nadie. 4. Es una
partícula expletiva o enfática usadísima: ‘¡Pero qué chiquillo más hermoso! ¿Pero cómo te vas a marchar con lo que llueve? […]
(MOLINER, 1998, p. 325).
22Mediante ella se contraponen dos ideas, una de la cuales – y a veces las dos – no se formula de manera expresa, sino que se

infiere de lo que se dice. De este modo, si acerca de la eventual contratación de un jugador de fútbol se dice Es muy bueno, pero
tiene muchas lesiones, se deducen dos ideas contrarias: de Es muy bueno se infiere ‘Deberíamos contratarlo’, y de tiene muchas
lesiones ‘No deberíamos contratarlo’”.
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Como podemos observar a conjunção pero faz o papel de conector entre duas
orações, em que o valor adversativo aparece em uma ou em ambas, ainda que de maneira
implícita. Na língua espanhola o termo pero é usado comumente para confrontar dois
conceitos diferentes mesmo assim também pode ser usado para enfatizar o que é
pretendido de expressar, vejamos um exemplo de cada um:

 No voy a ir a pasar Navidad con mis padres, pero igual les comprare un
regalo.
 Pero, ¿Qué habrá querido decir?
No caso do uso dele como substantivo pode ser utilizado para objetar ou por um
defeito por exemplo:
 Hizo toda la tarea, pero como tenía errores gramaticales no se sacó un diez.
Finalmente é importante adicionar que pero também é uma classe de maçã, mas
também é preciso esclarecer que neste artigo não faremos uso dele como substantivo
próprio senão que será um introdutor de orações adversativas tal qual no primeiro
exemplo.

ANÁLISE DE ENUNCIADO

Para uma melhor compreensão decidimos que o vocábulo pero apareça na análise
sublinhado e em negrito, faremos uso da paráfrase, a mesma se baseia no processo mental
da glosa, essa ferramenta tem um feedback constante entre o sensível e o abstrato,
podemos dizer que:

...Podemos considerar a glosa de um enunciado como


proveniente de um nível intermediário no vai-e-vém entre o
empírico e o formal. Essa abstração não impede sua ancoragem
na interpretação empírica do enunciado que ela formula, mas,
ao permitir escapar à evidência ofuscante da compreensão
imediata, ela visa a estabelecer uma desintricação do papel
desempenhado na construção do sentido desse enunciado pelas
unidades que o constituem... (FRANCKEL, 2002)

Escolhemos para a análise uma oração proveniente de um jornal, em sua edição


eletrônica, onde está presente a marca pero, vejamos abaixo::
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A) “Macron ratificó su apoyo a Macri pero volvió a poner en duda el
acuerdo entre la Unión Europea y el Mercosur” (DINATALE, 2018)

A – Macron ratificó su apoyo a Macri pero volvió a poner en duda el acuerdo


entre la Unión Europea y el Mercosur.

Podemos produzir as seguintes glosas:


1. Macron ratificó su apoyo a Macri mientras volvió a poner en duda el acuerdo
entre la Unión Europea y el Mercosur.
2. Macron ratificó su apoyo a Macri aunque volvió a poner en duda el acuerdo
entre la Unión Europea y el Mercosur.
3. Macron ratifico su apoyo a Macri sin embargo volvió a poner em duda el
acuerdo entre la Unión Europea y el Mercosur.
A atividade de glosa que aqui propomos visa observar as possibilidades de
mobilidade léxica e os graus de adversidade que podemos encontrar no enunciado
selecionado. Segundo a gramática tradicional as sentenças aqui apresentadas são termos
independentes sintáticamente, mas que são relacionados através da conjunção adversativa
pero. Tratam-se portanto de orações coordenadas adversativas.
Este conjunto de orações é uma família de enunciados, que apresentam, a priori,
sentidos semelhantes, mas que não são completamente equivalentes. Podemos mesmo
partir da gramática normativa para afirmá-lo pois pero é uma conjunção adversativa,
aunque é concessivo e asimismo é um advérbio.
A Teoria das Operações Predicativas e Enunciativas entende que essas classificações
cristalizadoras não conseguem abarcar toda a plasticidade das línguas naturais porque, por
exemplo, um valor adversativo pode facilmente variar para um valor concessivo como
vimos nessa família parafrástica. Seguindo o raciocínio tradicional pero deveria ser o
introdutor de uma ideia contraria presente na oração anterior, seja de maneira explícita,
seja implícita. Mas quando observamos o enunciado A em suas versões encontradas nas
glosas que fizemos com uso de pero e mientras o que temos não é uma expressão contrária
ao dito na primeira oração. Tampouco a conjunção adversativa sin embargo apresenta um
forte valor adversativo, uma vez que ela limita o sentido da primeira oração, mas não o
nega totalmente.
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“Macron ratificó su apoyo a Macri” não é contrário ou adversativo a “volvió a
poner en duda el acuerdo entre la Unión Europea y el Mercosur.” Neste caso a segunda
oração funciona como uma concessiva: “Macron apoia a Macri, a pesar de no garantizar el
acuerdo entre la Unión Europea y el Mercosur.” Ou seja, a noção desloca-se do valor
adversativo para o concessivo, o que demonstra que os sentidos não são estabilizados pelas
gramáticas normativas e estão passíveis de variar por conta da plasticidade da língua.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabemos que o artigo aqui apresentado não esgota as possibilidades de análise da


marca pero, mas podemos fazer algumas afirmações quanto ao que observamos. A TOPE se
vale de ferramentas diferentes daquelas da gramática tradicional para efetuar análises de
enunciados. Os estudos gramaticais seguem cristalizados na ideia de língua como código,
em que toda variação, todo desvio, é inadequado ou não encontra seu lugar nas diversas
“caixas” classificatórias. Já a Teoria das Operações Predicativas e Enunciativas vê essas
variações e desvios, como fatos da língua, consequências de sua maleabilidade e
plasticidade. Não existe valor semântico pronto e acabado o sentido é sempre construído.
Para a teoria culioliana o valor não está na palavra em si mesma e sim nela
associada a um sentido, que é construído na relação entre enunciador e co-enunciador
numa dada situação de enunciação. Para a TOPE a palavra não encerra em si um sentido
único e indiscutível, mas tem um sentido variável, que pode chegar a ser estabilizado pelos
sujeitos participantes da situação de enunciação. Sendo assim o que pudemos observar no
enunciado que escolhemos analisar foi, exatamente, um movimento de variação de sentido
da marca pero. Ainda que a ótica estruturalista classifique pero com valor adversativo,
pudemos observar que esse valor varia entre o adversativo e o concessivo, mesmo que isso
não seja contemplado nas gramáticas normativas.
Ou seja, não existe sentido pré-construído ou anterior ao momento da situação de
enunciação. É possível afirmar que embora a marca realmente tenha um sentido subjacente
de valor adversativo, esse valor é fluído e hora se desloca para um valor mais adversativo e
hora para um menos adversativo. Observamos também que o sujeito busca demonstrar
duas ações diferentes, porém não contraditórias ou excludentes. Neste ponto nos parece
importante afirmar que o sujeito na teoria culioliana ao produzir um enunciado está
imbuído de uma intencionalidade, de um “querer dizer” ou “querer que o co-enunciador
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entenda X”, contudo por não existir um sentido primitivo compartilhado por todos é que
no contexto enunciativo ele precisa negociar os arranjos lexicais e as noções para chegar a
essa construção de sentido intermediária entre o “querer dizer” do enunciador e o possível
de ser dito e entendido pelo co-enunciador.

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MOVIMENTO NACIONAL DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS —


MNCR: DA FUNDAÇÃO À CAPITULAÇÃO

Uilmer Rodrigues Xavier da Cruz 23

Resumo Abstract
O sistema capitalista de produção configura-se a The capitalist system of production is shaped by
partir do acúmulo de capital constante the accumulation of constant capital (HARVEY,
(HARVEY, 2011) e, por sua vez, através da 2011) and, in turn, by exploiting labor power
exploração de força de trabalho (e do trabalho (and unpaid surplus labor) and generating profit.
excedente não pago) e pela geração de lucro. One of the sectors of the economy that
Um dos setores da economia que corresponde à corresponds to the logic of capital stands out
lógica do capital se destaca a partir do trabalho from the work of subjects who, given the
de sujeitos que, dada condição de extrema condition of extreme poverty, seek in informal
pobreza, buscam no trabalho informal uma work a survival strategy: Recyclers. In Brazil, in
estratégia de sobrevivência: Os(as) catadores(as) 1999, the National Movement of Collectors of
de materiais recicláveis. No Brasil, no ano de Recyclable Materials (MNCR) was set up, which,
1999, fora instituído o Movimento Nacional de based on the guidelines of the workers of this
Catadores(as) de Materiais Recicláveis (MNCR) sector, sought through dialogue and tension (and
que, a partir das pautas dos trabalhadores deste sometimes alliance) with the State, public
setor buscou, através do diálogo e policies aimed at this part of the population. It is
tensionamento (e por vezes aliança) com Estado, a fact that organizations are constituted from
construir políticas públicas voltadas para esta subjects and from their social relations which, in
parcela da população. Fato é que as turn, are pervaded by power. According to
organizações são constituídas a partir de sujeitos Foucault (1995), the concept of 'power' can be
e de suas relações sociais que, por sua vez, são defined from the practices and actions that
perpassadas pelo poder. Segundo Foucault depart from different poles to different
(1995), o conceito de ‘poder’ pode ser definido directions, corresponding to the interests of the
a partir das práticas e ações que partem de subjects. In other words, where there are social
diferentes polos para diferentes direções, relations, there is power and, of course, interests.
correspondendo aos interesses dos sujeitos. Em Given the changing character of the historical
outras palavras, onde há relações sociais, há course of the MNCR, its organization has
poder e, por suposto, interesses. Dada gradually altered so as to often deviate from the
característica mutável do curso histórico do standards of the workers and approach the
MNCR, aos poucos sua organização se alterou capitalist logic of labor exploitation and the
de modo a, por muitas vezes, afastar-se das marginalization of these subjects. In this way, this
pautas dos trabalhadores e se aproximar da article presents a reading of the history of this
lógica capitalista de exploração de força de movement, its changes over time and a brief
trabalho e de marginalização destes sujeitos. discussion about these changes. I seek with this,
Deste modo, este artigo apresenta uma leitura to collaborate to the looks on this phenomenon
da história deste movimento, suas alterações ao from the position of the collectors of recyclable
longo do tempo e uma breve discussão a materials that work in national territory.
respeito destas alterações. Busco, com isso,
colaborar para os olhares a respeito deste

23
Palavras iniciais, Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis — MNCR: da fundação à
capitulação. O presente artigo faz parte da pesquisa A produção social e tecnológica do trabalho (in)formal
na rede de reciclagem no estado do Rio de Janeiro, em andamento no curso de Doutorado em Geografia —
Programa de Doutorado em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas
Gerais, na linha de pesquisa de Produção do Espaço, Ecologia, Política, Cultura e Educação em Geografia.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4334866544841521 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2489-7655. E-mail:
uilmer@ufmg.br. À FAPEMIG pela concessão da bolsa de pesquisa.
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fenômeno, a partir da posição dos catadores(as)
de materiais recicláveis que atuam em território
nacional.

Palavras-Chave: Movimento Nacional de Keywords: National Movement of Collectors of


Catadores(as) de Materiais Recicláveis (MNCR); Recyclable Materials (MNCR); Public policy;
Políticas Públicas; Relações de Poder; Power relations; Capitalism.
Capitalismo.

INTRODUÇÃO

A presente proposta tem como objetivo traçar um histórico a respeito da


fundação e o desenvolvimento do Movimento Nacional dos Catadores(as) de
Materiais Recicláveis (MNCR), dentro de seus objetivos iniciais e a relação direta com
os interesses dos catadores(as) de materiais recicláveis, até a verticalização das
maneiras organizacionais destes trabalhadores.
É necessário destacar que o Brasil configura-se como um país marcado pelas
desigualdades sociais que, nesta reflexão, trata-se especificamente da desigualdade
relativa às classes de renda. Segundo Harvey (2011), o espaço se constitui através das
relações capitalistas e do acúmulo de capital constante. Um ponto chave para que
possamos compreender a respeito deste acúmulo, diz respeito ao fato de que,
segundo o autor, a propriedade privada e a posse de bens configuram a permanência
ou não na centralidade das relações de poder. No entanto, apenas uma pequena
parcela da população mundial acumula capital e tal condição está diretamente
relacionada à exploração da força de trabalho e ao trabalho não pago (mais-valia) do
restante da população (que não possui capital monetário).
A desigualdade de classes, marcada pelo acúmulo e não acúmulo de capital
constante, como destaquei acima, acaba por intensificar os processos de estratificação
e segregação social nas cidades. Ainda segundo Harvey (2011), uma das garantias da
manutenção deste acúmulo de capital constante é a lógica do desemprego, ou seja, a
necessidade de se manter parte da população sem acesso ao labor (ao menos formal),
para que a outra parcela que se encontra empregada, localize-se em situação de
necessidade de corresponder à lógica de exploração (e de seus exploradores), para
que não cedam lugar a outrem em situação de reserva.
É uma via de duas mãos; a situação de desemprego colabora para que as
pessoas exerçam atividades informais e, ao mesmo tempo, tal situação colabora para a
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manutenção da lógica do capital, que necessita de um exército industrial de reserva,


da exploração de trabalho e de seu excedente não pago.
Os trabalhadores que constituem este recorte exercem uma atividade
considerada pertencente ao setor informal da economia ou, como afirma Santos
(2006), ao circuito inferior da economia. Vale uma rápida explicação a respeito dos
circuitos superior e inferior da economia, pois corrobora ao brevemente discutido
acúmulo de capital constante (HARVEY, 2011).
Para Santos (2006), a economia capitalista se configura segundo dois circuitos
que se retroalimentam. O circuito superior corresponde ao sistema de produção e ao
acúmulo de capital de uma pequena parcela da população. Estão as indústrias, o
comércio, dentre outros instrumentos de geração de lucro (riqueza) concentrado sob
o capitalista. Para a existência deste setor, é necessária a alimentação do mesmo com a
força de trabalho e materiais provenientes do segundo setor. Tal setor corresponde à
força de trabalho explorada, à matéria-prima mal paga e, por suposto, à camada da
população mais pobre, que busca, através do trabalho, sob a condição de explorados,
sobrevivência.
Em outras palavras, a prática de catação de materiais recicláveis, que representa
uma estratégia de sobrevivência financeira para a camada da população que se
encontra em situação de desemprego do setor formal e de pobreza, é uma das formas
de trabalho e fornecimento de matéria-prima para a alimentação do circuito superior
da economia capitalista.
As situações de superexploração sofrida pelos catadores(as) de materiais
recicláveis colaboraram então para a criação de um Movimento Nacional de
Catadores(as) de Materiais Recicláveis, em meados de 1999, conforme veremos na
primeira seção deste trabalho. As necessidades apresentadas por estes trabalhadores
são bastante relacionadas às suas situações de trabalho, porém também de moradia,
pois, em seu início, concentrava muitas pessoas em situação de rua e de extrema
pobreza.
Posteriormente, em 2001, devido à expansão deste movimento pelo Brasil, em
seu 1.º congresso, foram identificadas pautas que não correspondiam a todos os
catadores(as), pois muitos não viviam em situação de rua, norteando então as pautas
deste movimento tão somente a prática da catação, baseando-se em princípios
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voltados para a organização destes trabalhadores e de suas reivindicações. Na ocasião,


foram criados fóruns para discussão de pautas e a aproximação com ONGs e outras
instituições de cunho técnico.
Para além, este texto trará, em ordem cronológica, a (re)configuração do
MNCR, suas mudanças, avanços, fronteiras e fragilidades. Ainda pontuo a necessidade
de olharmos para este fenômeno com a compreensão de que a estruturação deste
movimento é mutável, assim como as relações sociais e seus interesses. Longe de
apresentar um ponto de vista que busca apoiar ou discordar das práticas assumidas
por este movimento, como de suas ramificações, busco aqui estabelecer um panorama
a fim de colaborar com a compreensão deste fenômeno que se relaciona à economia
do país de forma bastante específica, porém importante.

ORIGEM DO MNCR

O Movimento Nacional dos Catadores(as) de Materiais Recicláveis (MNCR)


surgiu em meados de 1999 com o 1.º Encontro Nacional de Catadores de Papel, sendo
fundado em junho de 2001, no 1.º Congresso Nacional dos Catadores(as) de Materiais
Recicláveis em Brasília, evento que reuniu mais de 1.700 catadores e catadoras. No
congresso, foi lançada a Carta de Brasília24, documento que expressava as demandas
deste segmento que sobrevivia da coleta de materiais recicláveis.
A origem do MNCR ocorre a partir de uma matriz de movimentos católicos e
protestantes sediados em áreas urbanas representadas por instituições como a
CARITAS, a Fundação Luterana, a Organização de Auxilio Fraterno (OAF), o Instituto
INSEA, a Pastoral de Rua, entre outros que trabalhavam com foco na população de
rua das grandes metrópoles brasileiras.
A população de rua, em sua maior parte, sobrevive da coleta de materiais
recicláveis que se encontram dispostos nas ruas das cidades, misturados com o lixo
comum. Os materiais recicláveis oriundos da coleta são facilmente comercializáveis,
em qualquer quantidade, para qualquer depósito, dos inúmeros que existem pelas
cidades brasileiras. Estes depósitos, geralmente, adquirem estes materiais a preços

24
O documento denominado Carta de Brasília pode ser consultado através do seguinte link:
http://www.mncr.org.br/sobre-o-mncr/principios-e-objetivos/carta-de-brasilia.
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irrisórios, porém, através de pagamento à vista, o que confere para a população de


rua uma possibilidade concreta de sobrevivência diária.
Nenhuma outra atividade na economia urbana é tão inclusiva do ponto de
vista de não oferecer qualquer barreira à entrada deste contingente populacional, seja
ele inserido na condição de rua ou não, seja ele submetido ao alcoolismo e uso de
drogas, como crack, entre outros. De fato, não há barreiras para coletar e vender
material reciclável, o que significa que, na pirâmide laboral, esta atividade é a que
mais assimila contingentes da rua.
Se por um lado a atividade é acessível a indivíduos na escala mais elevada de
vulnerabilidade, sempre foi comum a repressão das prefeituras municipais, visando
construir políticas voltadas à higiene nos centros urbanos, combatendo os carrinhos de
coleta dos catadores que circulavam entre os veículos nas ruas e o acúmulo de
materiais guardados pelos catadores em becos e vielas dos centros urbanos e a própria
circulação dos moradores de rua pelos centros das cidades.
Assim, quando os movimentos religiosos começaram a trabalhar com a
população de rua, por consequência, depararam-se também com a problemática da
coleta de materiais recicláveis e de suas implicações econômicas de política urbana.
Nesse contexto, a necessidade de organizar as demandas da população de rua
frente às políticas repressivas das prefeituras municipais e de fortalecer as estratégias de
sobrevivência deste segmento, sempre refém das estruturas de intermediação e
exploração representadas pelos inúmeros depósitos clandestinos, fez com que
surgissem as primeiras associações e cooperativas de catadores, como a COOPAMARE,
em São Paulo, e a ASMARE, em Belo Horizonte.
O processo de intercâmbio entre estes sujeitos, cujas práticas concentram-se sob
matriz religiosa, muito facilitada pelo compartilhamento de uma visão comum do
mundo, influenciada pela Teoria da Libertação, e pela necessidade de enfrentar a
exploração dos intermediários. Ao mesmo tempo, a repressão das prefeituras leva
estes sujeitos a uma convergência política, voltada para a necessidade de articular a
luta nacionalmente, o que se desdobra na construção do Movimento Nacional de
Catadores e População de Rua.
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1.º CONGRESSO NACIONAL DO MNCR

Os participantes do 1.º Congresso, realizado em Brasília, nos dias 4, 5 e 6 de


junho de 2001, contou com a participação de 1.700 congressistas, entre catadores,
técnicos e agentes sociais de dezessete estados brasileiros, e os 3.000
participantes da 1.ª Marcha Nacional da População de Rua, no dia 7 de junho do
mesmo ano. Apresentaram toda a sociedade e as autoridades responsáveis pela
implantação e efetivação das políticas públicas em benefício dos segmentos, a
denominada Carta de Brasília.
Muito significativo que a Carta de Brasília una as reivindicações dos dois
segmentos: catadores e população de rua, que integravam um único movimento
social, mas, tudo que é sólido se desmancharia no ar, parafraseando Marx (1848) e,
progressivamente, foi se delineando claramente neste seio, pois, embora toda a
população de rua exerça a atividade de catação, nem todos os catadores e catadoras
se inserem sob o aspecto de população de rua.
De fato, no processo de organização do movimento, progressivamente ficou
claro que, no bojo das organizações de catadores que começavam a se espalhar pelo
país, havia uma preponderância de pessoas inseridas em situação de pobreza crítica,
mas que, no entanto, tinham residência fixa, mesmo que informal e em assentamentos
clandestinos, e que estavam inseridos na questão da catação como estratégia de
sobrevivência frente ao desemprego, porém conviviam em núcleos familiares, ainda
que não necessariamente estáveis.
Para, além disso, este segmento era a maior parte dentro da população de
catadores e, em decorrência disso, não se identificavam com demandas de políticas
públicas de caráter assistencial e emergencial, como a necessidade de albergues e
abrigos noturnos — que, diga-se de passagem, configuram-se não só enquanto pautas
legítimas e essenciais para a população de rua —, mas também há, ainda, a
necessidade da inserção de pautas relacionadas ao fomento ao cooperativismo,
necessidade de equipamentos e infraestrutura, aumento da escala produtiva, dentre
outras.
Paralelamente a este processo, outras organizações não governamentais de
matriz mais socioambiental, além de incubadoras universitárias, também entraram
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nessa temática, percebendo que a mesma detinha um forte potencial inclusivo e


apontava para uma matriz de sustentabilidade ambiental. Deste modo, estas
organizações passam a propor e implantar projetos de coleta seletiva, baseados no
fomento à organização de associações e cooperativas, além da educação ambiental.
Esta convergência política, que antes abrigava essencialmente organizações
religiosas, passa também a envolver ONGs típicas da sociedade civil que, naquele
momento, consolidava-se como um importante instrumento de construção de
políticas públicas no Brasil, haja vista, alguns anos antes, por exemplo, a grande
campanha Ação pela Cidadania, que tinha como objetivo a mobilização de todos os
segmentos da sociedade brasileira na busca de soluções para as questões da fome e
da miséria.
De fato, é nesse contexto que surgem em todo o país os Fóruns Lixo e
Cidadania, que passam a articular no mesmo ambiente segmentos do poder público,
bancos públicos com forte ênfase nos funcionários da Caixa Econômica Federal, ONGs
e organizações dos catadores.
Esta maior densidade do tecido social que envolvia a questão dos catadores
acelera e aprofunda a separação e distinção das pautas entre os catadores e a
população de rua e começa um progressivo e irreversível descolamento das pautas e
da dinâmica de organização desses dois segmentos — população de rua e catadores —
, que culmina na constituição de movimentos separados com pautas e mecanismos de
organização muito distintos.
Esse descolamento vai representar, também, uma distinção da agenda
econômica dos catadores daquela nitidamente assistencial, necessária à população de
rua, o que repercute numa perda de influência progressiva das organizações de base
religiosa para aquelas de base não governamental da sociedade civil, como as ONGs:
Pangea Centro de Estudos Socioambientais, INSEA (que, apesar de originalmente ter
matriz religiosa, passa a construir uma atuação eminentemente técnica), Associação
Pernambucana de Defesa da Natureza (ASPAN), Fundação Avina, Instituto Polis, entre
outras. Observa-se, assim, um primeiro nível de descolamento do MNCR das ONGs
de base religiosa, para as ONGs de base socioambiental com forte base técnica-
projetual.
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PRINCÍPIOS, OBJETIVOS E ESTRUTURAÇÃO POLÍTICA DO MNCR

É ainda sob a influência dos demais movimentos sociais existentes no Brasil,


principalmente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que o
MNCR vai elaborar sua carta de princípios e objetivos.
Tal carta contém forte conteúdo ideológico, tendo um forte caráter
emancipatório, cujos princípios se baseiam em conceitos como o de autogestão, base
orgânica, democracia direta, ação direta e independência de classe. Estes conceitos
juntos fortalecem uma perspectiva de uma construção do poder do MNCR,
marcadamente de baixo para cima, tudo sendo gerado a partir das células de base do
MNCR que seriam as associações e cooperativas de catadores.
De fato, logo em seu primeiro artigo, a carta de princípios afirma que:

O Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis —


MNCR, trabalha pela auto-gestão e organização dos catadores através
da constituição de Bases Orgânicas, em que a participação de todos
os(as) catadores(as) que querem ajudar a construir a luta de seus
direitos, seja um direito internamente garantido, mas também um
dever do catador com o Base Orgânica, com um critério
de democracia direta em que todos têm voz e voto nas decisões,
conforme critérios constituídos nas bases de acordo. (MOVIMENTO
NACIONAL DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS, 2007)

O conceito de Ação Direta é logo mencionado no artigo segundo da Carta de


Princípios e é considerado um método que norteia a ação do MNCR, “que rompe
com a apatia, a indiferença e a acomodação [...] não esperando que caia tudo pronto
do céu [...]. A Ação Direta pode ser da pessoa para o grupo, do grupo para a base, da
base para o movimento, e do movimento para a sociedade” (MOVIMENTO
NACIONAL DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS, 2007). Ou seja, o artigo
segundo não só qualifica o que é a ação direta, como ressalta que a mesma pode
partir da base para a coordenação do movimento, ou seja de baixo para cima.
O conceito de independência de classe é assinalado no artigo 3.º, que, a partir
de seu presente texto, corresponde ao:

[...] princípio histórico que orienta a luta do povo na busca pela nossa
verdadeira emancipação das estruturas que nos dominam. Significa
que a união do povo, nossa luta e organização, não podem ser
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divididas por diferenças partidárias, nem se deixar manipular ou


corromper pelas ofertas que vêm das classes dominantes, governos e
dos ricos. Não significa ignorar as diferenças, sabemos que elas existem
e são saudáveis, porém estas não podem ficar acima do movimento a
ponto de dividi-lo. O acordo com este princípio é o que pode
contribuir para que não soframos manipulações futuras.
(MOVIMENTO NACIONAL DOS CATADORES DE MATERIAIS
RECICLÁVEIS, 2007)

O conceito de independência de classe aqui é colocado claramente no sentido


de garantir sempre que o MNCR e suas bases não possam ser cooptados pelas classes
dominantes ou governos. No que se refere ao Documento Bases de Acordo do
MNCR, também editado no início do processo de organização do MNCR, algumas
cláusulas são importantes mencionar e analisar. O artigo 2.º, da Base de Acordo, o
MNCR propõe “participar de atos e ações que promovam a inclusão social de
catadores(as) que vivem do trabalho nas ruas e lixões”. Posteriormente, este ponto
passa a não ser inserido na agenda de prioridades do MNCR, de acordo com o que
demonstrei acima acerca da não correspondência de todos os trabalhadores
envolvidos na catação, em relação aos moradores de rua (que também constituem
esse segmento).
Ainda, no terceiro artigo, ponto 8, consta que as bases do MNCR devem
“promover o protagonismo dos catadores de materiais recicláveis por via da ação
direta na luta para conquistar direitos [...]”. Este é outro ponto que, ao longo do
processo histórico de desenvolvimento do MNCR, deixa de ser inteligível, não
correspondendo mais a um instrumento de luta de classes, passando por um processo
de burocratização e cooptação em relação à classe hegemônica em relação à
economia.
A partir do parágrafo supracitado, pode-se justificar a burocratização do
movimento a partir da organização interna entre as bases e as coordenações estaduais,
regionais e nacional. Segundo o organograma abaixo, pode-se observar uma estrutura
claramente hierarquizada. Não há nesses gráficos abaixo, a previsão da assembleia
geral, sendo então possível afirmar que os processos de discussão entre as bases e
coordenações são inexistentes, sendo as decisões estabelecidas sempre de maneira
vertical.
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Figura 1 – Organização interna.

Fonte: Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, 2008.

Ainda que hierarquizado, o processo de decisão, segundo o organograma do


MNCR, era atribuído a uma Coordenação Nacional, que era composta por
representações dos estados da federação. No entanto, o processo de decisão de fato
se dá em outra instância e, assim, tornou-se muito mais concentrada, conforme o
mesmo documento assinala: “Para a execução de tarefas em nível Nacional, criou-se a
Equipe de Articulação Nacional, sua tarefa é agilizar a execução de ações e
articulações, criando um laço Nacional entre o movimento” (Movimento Nacional
dos Catadores de Materiais Recicláveis, 2005).
A equipe de articulação, composta por não mais do que cinco pessoas, que
havia sido planejada apenas para agilizar o processo de articulação, progressivamente
passou a dirigir de fato o MNCR, desestruturando o processo democrático real.

CRESCIMENTO E CONSOLIDAÇÃO: O ESPRAIAMENTO DO MOVIMENTO


NACIONAL DOS CATADORES EM ÂMBITO NACIONAL

A eleição do Presidente Lula, em 2003, coloca imediatamente na agenda a


questão da inclusão dos catadores, tornando-os um dos públicos-alvo de políticas de
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combate à fome e à miséria no país. Ainda no mesmo ano, surge o Comitê


Interministerial de Inclusão dos Catadores de Lixo que, posteriormente, tem sua
nominação alterada para Comitê Interministerial para Inclusão Social e Econômica dos
Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis (CIISC).
Sob a coordenação da Secretaria Geral da Presidência da República, o CIISC
atualmente é composto por 12 ministérios, três secretarias federais, quatro fundações,
além da Caixa Econômica Federal e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA). O principal projeto sob responsabilidade do CIISC é o Programa Pró-Catador.
O objetivo deste Programa é orquestrar as ações do Governo Federal com as
necessidades e demandas dos catadores, promovendo organização produtiva e
melhorias de trabalho em geral para este segmento.
É nesse novo contexto político, com a ascensão de um Governo Federal
voltado para construir políticas de inclusão social e econômica que o MNCR se vê
colocado ante a necessidade de apresentar propostas de política pública mais
substantivas do ponto de vista técnico.

Pesquisa de postos de trabalho e a marcha de Brasília e os congressos latino-


americanos

Em 2006, através de um projeto apresentado ao Ministério do


Desenvolvimento Social e Combate à Fome, por uma rede de entidades de
assessoramento do MNCR, surge aquela que viria a ser uma ação emblemática do
MNCR. Esta ação configurou-se em um estudo para quantificar o custo de geração de
postos de trabalho para catadores na economia urbana. O estudo propôs um primeiro
investimento piloto em infraestrutura, equipamentos e assistência técnica na ordem de
200 milhões de reais para as cooperativas e associações de catadores, com a criação
de 40 mil novos postos de trabalho para catadores de todo o Brasil.
Os resultados do estudo foram apresentados ao Presidente Lula, na marcha de
1.200 lideranças em Brasília, levando suas demandas para o Governo Federal,
exigindo a criação de postos de trabalho em cooperativas e associações de bases
orgânicas do movimento. Esse evento se tornou um marco histórico da luta dos
catadores no Brasil.
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Ainda no ano de 2003, aconteceu o 1.º Congresso Latino-Americano de


Catadores em Caxias do Sul/RS, que reuniu catadores(as) de diversos países. O
Congresso então divulgou a Carta de Caxias25, que difunde a situação dos catadores
da América Latina, unificando a luta entre os países. Nesse momento, o MNCR
começou a mostrar sua força nacionalmente com as articulações regionais e,
principalmente, articulou a questão dos catadores ao cenário dos demais
trabalhadores latino-americanos que trabalhavam no mesmo segmento. O intercâmbio
com outras realidades reforça a percepção de que a situação dos catadores brasileiros
não era muito diferente dos demais catadores das periferias da América Latina, fruto
do mesmo processo de desenvolvimento desigual.
A partir deste processo (em constante construção) de desenvolvimento
desigual, o caso do Brasil concentra-se em uma geração de deserdados urbanos, cuja
razão desta exclusão de moradia digna ou até mesmo de qualquer forma de moradia
é significada pelo processo de concentração fundiária que, segundo o IBGE, destaca-se
fortemente a partir da década de 1950. Tal processo, fruto da migração permanente
do rural para o urbano, colaborou para a condição marginal de determinados sujeitos
que não possuíam (e não possuem) condições alçadas no capital e, a partir da
compreensão de que, se o espaço é um resulto das relações sociais intersubjetivas,
porém também é elemento fundamental para a manutenção destas mesmas relações
(CASTRO; COSTA GOMES; CORRÊA, 2000).
Assim, o espaço urbano das cidades tem em suas entranhas configurações
específicas às características que constantemente se constroem baseadas nestas
condições de desigualdade. Assim, a atividade de coleta, além de uma das poucas
possibilidades de geração de renda (muitas vezes a única), se estabelece como inclusiva
e de resistência à exclusão/marginalização social.
Em 2005, ocorreu o 2.º Congresso Latino-Americano de Catadores(as), uma
continuidade da articulação latina, que abre novas frentes de luta na busca de direitos
para os catadores de outros países do mesmo continente. A partir deste contexto, a
rede latino-americana de catadores se organiza e, posteriormente, tem articulação
para a criação de uma rede mundial de catadores de materiais recicláveis. Como
afirmei acima, uma das cartas fruto destes dois congressos foi a denominada Carta de
25
O conteúdo da Carta de Caxias do Sul pode ser consultado através do seguinte link:
http://www.mncr.org.br/sobre-o-mncr/principios-e-objetivos/carta-de-caxias-do-sul.
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Caxias do Sul. Já do segundo, outra carta é escrita, denominada Carta de São


Leopoldo26.
Na primeira carta, o que em um momento anterior destaquei a respeito da
alteração da agenda do MNCR sobre a disparidade entre as pautas dos(as)
catadores(as) de materiais recicláveis e as pautas presentes no MNCR, em decorrência
do alinhamento anterior com pautas dos moradores de rua, fica destacado.
Observa-se então, já na Carta de Caxias do Sul, o desligamento completo das
pautas da população de rua, sendo o principal motivo da carta o alinhamento entre as
pautas dos trabalhadores do segmento de toda a América Latina. Ainda, a primeira
carta apresenta um elevado teor ideológico, colocando em pauta as demandas de
políticas públicas de enfrentamento para com o capitalismo, conforme se pode
observar nos anexos desta reflexão.
Por outro lado, a Carta de São Leopoldo, a aliança entre os catadores e o
governo federal fica bastante demarcada. O teor ideológico que até então se
apresentava combativo aos sintomas do sistema capitalista desaparece, apresentando
em seu conteúdo como único objetivo pautas de política públicas voltadas para o
segmento.

Encontros estaduais e nacionais: debate sem eleição

No período entre 2003 e 2012, a maioria dos estados federativos passa a


realizar pelo menos um encontro estadual de bases do MNCR. Estes encontros, em
geral, tinham como pauta a discussão da agenda nacional e estadual de resíduos e de
inclusão dos catadores. Porém, o processo de eleição das representações dos estados
raramente ocorreu, consolidando, assim, representantes únicos, ao longo destes anos
nos estados. Contribui, para isso, a inexistência na própria constituição da Carta de
Princípios e do Acordo com as Bases do MNCR, a possibilidade de eleição para os
cargos de representação.
Também, seguiram-se progressivamente a realização dos Encontros Nacionais,
denominados EXPOCATADORES, tendo a primeira edição realizada em 2009 e a

26
O conteúdo da Carta de São Leopoldo pode ser consultado através do seguinte link:
http://www.mncr.org.br/sobre-o-mncr/principios-e-objetivos/ii-congresso-latino-americano-de-
catadores-as.
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última no ano de 2017. A primeira EXPOCATADORES consolidou o deslocamento das


pautas baseadas em organizações de matriz religiosa que constituíam a primeira onda
organizacional do MNCR.
Progressivamente, a alteração dos eixos temáticos da EXPOCATADORES foi se
configurando, voltada à questão do business, afastando-se das discussões conjunturais
e de formação política de seus associados. Ainda, é válido destacar acerca da distância
teórica e prática entre o I Encontro Latino-Americano de Catadores e a última edição
da EXPOCATADORES (nacional), ocorrida em 2017, conforme destacado pela página
virtual do evento:

Em sua oitava edição, a EXPOCATADORES 2017 é um dos principais


eventos realizados na temática de resíduos sólidos urbanos e educação
ambiental do Brasil. Um importante veículo de disseminação de
conhecimentos, exposição de projetos sociais, iniciativas empresariais e
tecnologias que visam fortalecer a presença qualificada dos catadores
de materiais recicláveis na cadeia da reciclagem. Voltada para todos os
profissionais e interessados pela reciclagem, a Expo Catadores tem
como público principal as cooperativas e associações de catadores de
materiais recicláveis. (EXPOCATADORES, 2017)

Segundo o trecho apresentado acima, é válido o destaque para a afirmação de


que o evento é um dos principais acerca da temática e, deste modo, justifica a
ausência das pautas acerca da luta de classes e construção de base política nos
trabalhadores do segmento, instrumento de compreensão da situação social dos
mesmos, da falta de espaço para estas discussões, em detrimento de outras.
Continuando, a questão social é tratada na circunscrição do projeto, entram com força
novos elementos, como a questão empresarial e tecnológica, vistas, estas sim, como as
novas categorias de inserção dos catadores na cadeia da reciclagem.

CONSTITUIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS CATADORES (ANCAT)

A Associação Nacional dos Catadores (ANCAT) foi fundada por lideranças


próximas ao MNCR, que em determinado momento do processo de organização e
espraiamento do MNCR durante o Governo Lula, passou a ser utilizada como
organização legal do MNCR.
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Essa ONG, progressivamente assume um protagonismo maior no processo de


ampliação do MNCR na esfera das políticas públicas federais e com a iniciativa
privada. De fato, na medida em que os desdobramentos da política pública para
catadores começam a tomar corpo e, sendo o MNCR uma organização sem
constituição jurídica, a ANCAT passou a ser utilizada como a organização de
referência para operar recursos de convênios públicos e privados do Movimento.
Como veremos mais adiante, ao passo que o MNCR começa a focalizar sua
ação nas políticas públicas governamentais, dá-se um segundo nível de deslocamento
do processo de estruturação do MNCR, que é o distanciamento das ONGs de caráter
socioambiental de base técnica, para organizações controladas pela direção do
MNCR.
Em decorrência da luta pelo controle de verbas oriundas do setor público
durante o Governo Lula, a ANCAT sofre uma reorganização e daí a fundação da
UNICATADOR. O fato é que ambas se constituem de maneira vertical, excetuando a
posição dos trabalhadores que se localizam na base das organizações ou pelas
coordenações estaduais. Este ponto pode se relacionar a uma estratégia da direção do
MNCR, senão da coordenação nacional, para a concentração de recursos, que em tese
se destinam aos catadores.
É importante afirmar que as organizações, até aqui demonstradas, embora se
configurem de maneira vertical, constituem-se de relações de poder que fortalecem
determinadas práticas em detrimento de outras. Isso significa que o controle destas
organizações por determinados sujeitos visa corresponder aos interesses destes em
uma relação de tensão (embora muitas vezes mascarada) entre estes e outros
trabalhadores, que constituem de maneira não hegemônica estas organizações.
O que se compreende aqui por poder e, por suposto, relações de poder, parte
da noção de Foucault (1995), que afirma que o poder não deve ser compreendido de
uma ação de um sobre outro ou algo, porém de uma relação que parte de diferentes
polos e que se estabelece na tensão ou na aliança entre os polos. Assim, embora haja
uma desigualdade na tomada de decisões e, deste modo, pontos resultantes destas
decisões, as organizações são formadas em favor de determinada camada em relação à
outra.
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O PROCESSO DE MUDANÇA NA TOMADA DE DECISÃO

As mudanças de tomada de decisão no seio do MNCR foram progressivamente


se consolidando, no sentido de manter velhas lideranças que não se submetem ao
escrutínio das bases e encontros nacionais e estaduais. Mais grave ainda, mesmo no
âmbito da direção nacional, consolidou-se o processo de decisão no denominado
Grupo de Articulação, formado por não mais de 5 membros. Esse processo fez com
que um grupo de lideranças se distanciasse progressivamente da base e passasse a ter
como foco as suas condições de sobrevivência pessoal, contradizendo frontalmente o
Artigo 1.º das Bases de Acordo e a Carta de Princípio do MNCR, que assinalava a
democracia direta, “em que todos têm voz e voto nas decisões”, como o elemento
fundamental do processe de decisão.
Esse processo de substituição, ao invés de convivência, da pauta da luta social
junto às bases pelo das políticas públicas governamentais nos corredores dos
Ministérios de Brasília, fortaleceu o processo de burocratização das instâncias do
MNCR. O que passa a preponderar é a capacidade de a ANCAT estar preparada para
responder tecnicamente e burocraticamente às demandas de captação de recursos,
elaboração de projetos e prestação de contas, tornando absolutamente periférico o
Artigo 2.º das Bases de Acordo, que é o conceito da Ação Direta.
Para além, o processo de cooptação do MNCR à política pública
governamental vai se defrontar com a perda artigo 3.º, voltado para a independência
de classe, já que, progressivamente, a perda da pauta da luta nas ruas é substituída
pela do Governo e depois em grande medida pela iniciativa privada, com a assinatura
do Acordo Setorial das Embalagens. Assim, assiste-se exatamente ao inverso do que é
preconizado pelo Artigo 3.º, que buscava “a emancipação das estruturas que nos
dominam [...], nem se deixar manipular ou corromper pelas ofertas que vem das
classes dominantes, governos e dos ricos” (MOVIMENTO NACIONAL DOS
CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS, 2007).
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A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS, O ACORDO SETORIAL DAS


EMBALAGENS E A CAPITULAÇÃO FINAL

A Lei 12.305/10, denominada Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS),


sancionada em 2010, representou um divisor de águas na agenda dos catadores.
Como desdobramento desta lei, a partir de 2010, foram criados outros dois comitês,
pelo Decreto n. 7.404/10, com o objetivo de levar a cabo as diretrizes da PNRS. O
Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos tem a

[...] finalidade de apoiar a estruturação e implementação da Política


Nacional de Resíduos Sólidos, por meio da articulação dos órgãos e
entidades governamentais, de modo a possibilitar o cumprimento das
determinações e das metas previstas na Lei nº 12.305, de 2010.
(BRASIL, 2010a)

Já o Comitê Orientador para Implementação de Sistemas de Logística Reversa é


formado pelos ministérios do Meio Ambiente, da Saúde, da Fazenda, da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Sua
finalidade é definir regras de logística reversa e orientar os agentes responsáveis para
efetuarem a devolução dos resíduos com valor econômico e passível de reciclagem ou
reuso, encaminhando-o à indústria, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros
ciclos produtivos.
O Grupo Técnico de Assessoramento do Comitê Orientador para
Implementação de Sistemas de Logística Reversa divide a logística reversa em cinco
cadeias prioritárias, quais sejam: I. Descarte de medicamentos; II. Embalagens em
geral; III. Embalagens de óleos lubrificantes e seus resíduos; IV. Lâmpadas
fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; e V. Eletroeletrônicos. Vale
afirmar que, para este momento de reflexão, apenas a cadeia de embalagens em geral
será analisada de forma mais detalhada, pois compõe grande parcela dos RSU.
O Grupo Técnico Temático n. 2 (GTT2) do Comitê Orientador para
Implementação de Sistemas de Logística Reversa é responsável pela logística reversa de
embalagens em geral. Segundo a descrição do GTT2, “o setor de embalagens é objeto
de implementação de logística reversa de forma prioritária, seja pela previsão legal,
seja pelo fato de que se trata de um dos maiores geradores, em volume, de resíduos
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que são dispostos de forma inadequada no país” (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE,


2011).
A preocupação do GTT2 com as embalagens em geral diz respeito ao retorno
do RSU ao ciclo produtivo. É o grupo de resíduos que tem maior participação no
volume gerado e que tem sido disposto de forma ambientalmente inadequada pelos
municípios.
Na perspectiva dos princípios da PNRS, foram elaborados instrumentos legais
de incentivo econômico para o desenvolvimento da cadeia de comercialização e
produção da reciclagem. Deste modo, a PNRS define gestão integrada de resíduos
sólidos como “[...] conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os
resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental,
cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento
sustentável” (BRASIL, 2010b).
Por sua vez, o gerenciamento de resíduos sólidos é composto por um conjunto
de ações realizadas de forma direta e indireta nas etapas de coleta, transporte,
transbordo tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos
sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. Estas ações são
normatizadas pelo plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos ou pelo
plano de gerenciamento de resíduos sólidos das empresas, exigidos pela PNRS.
Dentro deste contexto institucional, os principais pontos positivos a serem
destacados da PNRS são: a normatização da gestão integrada dos resíduos sólidos; a
erradicação de lixões até 2014; a obrigatoriedade da elaboração de planos de gestão
integrada por parte de estados e municípios, como requisito para a obtenção de
recursos federais para o saneamento. Por fim, destaca-se a normatização da
responsabilidade compartilhada entre os geradores e o Serviço de Limpeza Urbana
(SLU), em relação à logística reversa dos resíduos sólidos, com a inclusão preferencial
dos catadores de materiais recicláveis.
Para além da simples participação das cooperativas e associações na gestão dos
resíduos, é necessário promover a efetiva integração dos catadores nos sistemas de
gestão, evitando arranjos em que estas organizações sejam tuteladas pelo poder
público municipal ou que impeçam sua progressiva autonomia e expansão de suas
atividades. Ademais, é preciso reconhecer o valor do trabalho executado pelos
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catadores. Caso contrário, o caráter socioambiental da gestão de resíduos será posto


em segundo plano, face à estrita viabilidade econômico-financeira do manejo de
resíduos. Não é redundante observar que as externalidades sociais e ambientais da
ação dos catadores, em regra, estão ausentes da contabilidade padrão de custos e
benefícios que fundamenta quase a totalidade dos estudos de viabilidade econômica.
Outro ponto importante diz respeito à remuneração do serviço de coleta
seletiva e outros serviços executados pelas cooperativas e associações. Até hoje os
catadores retiram seu sustento somente da triagem e comercialização dos materiais
recicláveis, sem qualquer rendimento gerado pelo serviço de coleta de resíduos, que,
entretanto, significa a maior parte dos custos da atividade de catação.
Assim como as empresas de limpeza são recompensadas pela coleta e
destinação final dos resíduos, os catadores também deveriam sê-lo. O julgamento da
viabilidade econômica que não considere também este aspecto deve ser rejeitado. A
sustentabilidade das associações e cooperativas como empreendimentos econômicos
não pode prescindir da valorização de todos os serviços prestados, ao menos no limite
do custo de oportunidade da coleta seletiva realizada por empresas, somada aos
benefícios sociais da catação, de modo que o custo para o sistema de gerenciamento
não seja aumentado.
Dos artigos 42.º ao 46.º, a referida lei trata dos incentivos econômicos que
podem ser dados para este setor. Destaca-se as medidas indutoras e linhas de
financiamento para prevenção e redução da geração dos RSU no processo produtivo,
desenvolvimento de produtos com menores impactos, pesquisas voltadas às
tecnologias limpas, e desenvolvimento de sistema de gestão ambiental e empresarial
voltados para melhoria de processos, nesses pontos voltados diretamente ao setor
produtivo para inovação de seus produtos. Seguindo nessa mesma linha a implantação
de infraestrutura física e aquisição de equipamentos para cooperativas e catadores de
materiais recicláveis.
No âmbito das instituições financeiras, as mesmas podem abrir linhas de
créditos diferenciadas para investimentos produtivos. No Artigo 44, a União, Estados
e Municípios podem instituir normas com o objetivo de conceder incentivos ficais
financeiros ou creditícios para cadeia produtiva, de forma que atenda aos pré-
requisitos da Lei 12.305. Vale ressaltar o inciso II do mesmo artigo que para
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[...] projetos relacionados à responsabilidade pelo ciclo de vida


dos produtos, prioritariamente em parceria com cooperativas ou
outras formas de associação de catadores de materiais
reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa
renda. (BRASIL, 2010b)

Para a operacionalização da PNRS, foi estimulada a realização de acordos


setoriais entre empresas e governo que definissem o modelo de logística reversa a ser
realizado para a recuperação destes materiais e as metas a serem atingidas.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente (2018), a logística reversa é definida
como

[...] um instrumento de desenvolvimento econômico e social


caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios,
destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao
setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros
ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada.
Por meio deste instrumento, fabricantes, importadores, comerciantes
e distribuidores de embalagens e de produtos comercializados em
embalagens se comprometem a trabalhar de forma conjunta para
garantir a destinação final ambientalmente das embalagens que
colocam no mercado. (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2018)

Nesse âmbito, abriu-se a mais significativa oportunidade histórica de conseguir


incluir os milhares de catadores na operação de logística reversa, mediante a prestação
de serviços de coleta seletiva para a iniciativa privada, um processo que então se
apresentava como sustentável a longo prazo, independente da política
governamental.
O Acordo Setorial para Implantação do Sistema de Logística Reversa de
Embalagens em Geral foi assinado no dia 25 de novembro de 2015 e tinha como
objetivo garantir a destinação final ambientalmente adequada das embalagens. As
embalagens, objeto do acordo setorial, eram compostas de papel e papelão, plástico,
alumínio, aço, vidro, ou ainda pela combinação destes materiais, como as embalagens
cartonadas longa vida.
A primeira fase de implementação do sistema de logística reversa, que estava
prevista para durar 24 meses, deveria garantir a destinação final ambientalmente
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adequada de, pelo menos, 3.815,081 toneladas de embalagens por dia. Havia duas
propostas em jogo para a realização do acordo setorial, que serão destacadas nas duas
seguintes subseções.

Modelo 1: Não remuneração do serviço de coleta seletiva pelos catadores: Coalizão


de Embalagens/MNCR/ANCAT

A primeira proposta, capitaneada pela Coalizão das Embalagens, buscou atrelar


os índices de recuperação dos materiais recicláveis no meio ambiente à coleta dos
materiais realizados pelas cooperativas de catadores. Esta prestação de serviço de
coleta e recuperação de embalagens realizada pelos catadores seria paga mediante
investimentos em equipamentos, capacitação e assistência técnica.
É importante ressaltar que tal proposta foi muito oportuna para o segmento
empresarial incluído na Coalizão das Embalagens, na medida em que os resultados
produtivos dos materiais recicláveis coletados e comercializados pelas cooperativas de
catadores foram contabilizados pela Coalizão para fins de cumprimento das metas
acordadas no Acordo Setorial. Em contrapartida o volume de investimento em
infraestrutura física e de assistência técnica realizado nas cooperativas de catadores
nem de longe foi o equivalente aos custos reais da prestação do serviço de coleta para
recuperação dos materiais recicláveis dispersados no meio ambiente, realizado por
estas organizações.
Tal modelagem do acordo contou com o apoio decisivo do Movimento
Nacional dos Catadores que, através da ANCAT, assinou tal acordo, descartando uma
oportunidade histórica única para a sustentabilidade das organizações dos catadores a
médio e longo prazo. Esta traição de classe realizada pela coordenação do MNCR
envolveu o recebimento de recursos por parte da ANCAT pelas empresas da Coalizão
para que fossem executados projetos cosméticos de apoio a poucas organizações de
catadores com investimentos absolutamente pífios, que, depois de mais de dois anos,
não significaram qualquer mudança na sustentabilidade das cooperativas e nas
condições de vida dos catadores.
Evidentemente, um determinado segmento de lideranças foi contemplado com
o recebimento de remunerações pessoais, algumas delas absolutamente acima de
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qualquer referência no mercado. Conclui-se assim, um processo progressivo de


capitulação que tornou este movimento numa caricata representação de um
movimento social, quando comparado ao MST e ao MSTS.
Nesse sentido, todo esse processo descrito se reproduziu no esfacelamento
econômico das bases do MNCR, na perda progressiva da capacidade de mobilização
popular das bases e na constituição de oposições ao MNCR, protagonizadas pelos
catadores em todos os estados brasileiros, culminando com a constituição do
Movimento Eu Sou Catador, mas não somente este, na organização em cada estado
de federações ou associações de cooperativas de catadores que, descolados da
orientação do MNCR, resolveram contestar o Acordo Setorial Nacional e organizar a
pauta estadual do acordo, impondo novos formatos jurídicos, aproveitando a
estrutura federativa do pais.
Assim, o Setor Empresarial de Embalagens (Coalizão) negociou com o Governo
Federal, com o apoio do MNCR, um Acordo Setorial que não inclui a remuneração
dos catadores pelo serviço de triagem. De fato,

[...] as doações de equipamentos (ex., prensas, caminhões, etc.) e


ações de capacitação de uma Cooperativa não são remuneração pelo
serviço de triagem. As Cooperativas devem verificar se os Convênios
ou Acordos que assinaram com as Empresas incluem a venda dos
serviços de triagem, ou a proibição de venda de Créditos de Logística
Reversa, e devem estar atentas para não assinarem contratos ou
convênios que não remuneram por este trabalho de forma
apropriada. Recomenda-se que as Cooperativas procurem assistência
jurídica antes de assinar Convênios que possam limitar suas
possibilidades de remuneração justa por seus serviços prestados a
sociedade [...]. (BVRIO, 2014)

Ainda, cabe a afirmação de que, além desta proposta, havia outra forma de
Acordo Setorial, rejeitada pelo setor empresarial, além de também pela ANCAT e
MNCR, pautada em um modelo de remuneração dos serviços de coleta realizados
pelos catadores, como será visto no próximo ponto.

Modelo 2: Remuneração de serviços de coleta seletiva das cooperativas mediante


sistema de créditos de logística reversa

O modelo idealizado pela ONG BVRIO assinalava que,


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[...] através da compra de Créditos, as empresas utilizam e remuneram


os serviços de logística reversa realizados pelas cooperativas de
catadores. Para as empresas, o uso de Créditos oferece uma solução
eficiente e econômica para adequação à lei. Para os catadores, a venda
de créditos oferece uma importante fonte adicional de renda,
agregando valor a suas atividades e trazendo um impacto social
positivo. Do ponto de vista ambiental, o valor adicional gerado pela
venda de Créditos torna vantajoso aos catadores coletar mesmo os
resíduos sólidos que tenham baixo valor de venda como matéria
prima, ampliando a gama de produtos coletados. O sistema, além de
promover a inclusão produtiva de catadores, é rastreável e auditável,
mapeando o fluxo de resíduos através de documentos fiscais.
Considerando-se que, em países em desenvolvimento, as atividades de
manejo de resíduos são geralmente conduzidas por catadores
informais e de baixa renda, este sistema tem o potencial de criar
impactos sociais, econômicos e ambientais positivos em muitos países
em desenvolvimento. (BVRIO, 2014)

O modelo a seguir apresentava como elemento fundamental a monetarização


pelo serviço prestado:

Figura 2 – Modelo de remuneração aos serviços prestados pelos catadores.

Fonte: BVRIO, 2014.


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Cada quilo de reciclável coletado corresponderia a um determinado Real pago.


Como característica, portanto, haveria a descentralização dos recursos para cada
cooperativa ou rede de cooperativas, sem intermediários como a ANCAT e,
principalmente, haveria uma correspondência real entre serviço prestado de coleta e
remuneração do mesmo. Ainda que o modelo supracitado previsse uma taxa em cada
transação para a ONG BVRIO, pela gestão e operação da plataforma digital, este seria
um elemento facilmente absorvível, por exemplo, através de uma parceria, em que a
ONG ficasse como prestadora do serviço para a ANCAT/MNCR, que seria a real
gestora da operação.
A negativa por esta possibilidade tolheu das cooperativas de catadores a
possibilidade da remuneração pela prestação de serviço, significando a não garantia de
autonomia financeira e, destarte, política — o que não interessava propriamente ao
MNCR —, e a descentralização dos recursos do Acordo Setorial, o que implicaria
certamente em um grau muito menor de recursos de remuneração de pessoal no
âmbito da ANCAT e de determinadas lideranças nacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou apresentar um panorama histórico e social a respeito do


surgimento do MNCR e, por seguinte, de suas rupturas e (re)organizações. Como
centro dessa proposta, destacamos os trabalhadores da catação de materiais recicláveis
que, com suas práticas laborais, constituem um importante papel da Cadeia de
Reciclagem e, por suposto, na manutenção da economia capitalista correspondente ao
recorte nacional.
As relações de poder que ocorrem através do espaço e, deste modo, constituem
o mesmo e suas configurações, correspondem aos sujeitos que constituem este mesmo
espaço e, deste modo, aos seus interesses. Destacamos, a partir da introdução,
segundo Harvey (2011), que a relações sociais (de poder), são perpassadas pela lógica
do capitalismo e de sua manutenção. A organização da MNCR e o trabalho de
catação são assim localizados sob a égide do Sistema Capitalista de Produção.
Inicialmente, como destacamos em ordem linear neste texto, embora não
possamos desconsiderar a dinamicidade das relações sociais e da constituição do
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MNCR, bem como, de outras organizações correspondente aos catadores(as) de


materiais recicláveis, os trabalhadores se organizaram com um propósito político e
representativo. Suas pautas estavam relacionadas substancialmente a partir da
necessidade de políticas públicas voltadas para a esta prática laboral e à dignidade dos
trabalhadores desta categoria.
Para além, era um fato bastante importante a correlação entre pessoas em
situação de rua que realizavam o trabalho de catação e, portanto, muitas das pautas
também estavam relacionadas às estratégias de sobrevivência desta parcela da
população. Com o crescimento do movimento e a sua expansão, em 2001, fora
identificado que as pautas relacionadas aos trabalhadores cuja moradia não estava
garantida e, portanto, encontravam-se em situação de rua, não correspondiam mais à
maioria dos trabalhadores, destacando então uma carta de princípios, elaborada a
partir de fóruns de discussão e grupos de trabalho no 1.º congresso do Movimento,
ocorrido em Brasília.
Os avanços relacionados à luta constante do MNCR, bem como às alianças
com frentes religiosas, apoiadas na teologia da libertação, além de ONGs que
representavam uma perspectiva técnica ao movimento, somaram-se as políticas
públicas elaboradas durante os primeiros anos de governo do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva que, em meio a projetos de irradicação de fome e pobreza, inseria os
trabalhadores de material reciclável à luz dos debates por melhores condições de
trabalho.
No entanto, como destacamos a partir de Foucault (1995), as relações sociais
que ocorrem e se organizam através de movimentos sociais, ONGs, Governo e outras
instituições estão diretamente relacionadas aos interesses dos sujeitos que compõem
essas esferas e, por suposto, ao poder. Como se pode compreender, o conceito de
poder aqui elencado diz respeito a uma ação ou um conjunto de ações que partem de
diferentes polos, para diferentes sentidos, estabelecendo tensões e alianças entre
sujeitos. Deste modo, os fatos que constituem o histórico do MNCR e, por suposto,
suas mudanças ao longo do tempo, estão relacionados aos interesses dos sujeitos que
constituem o movimento nas mais diversas escalas.
Um ponto chave que apontei durante o texto trata-se da verticalidade
construída no decorrer da história do MNCR. Tal verticalidade representa um
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distanciamento dos trabalhadores da base do movimento e, destarte, constitui-se com


sujeitos cuja centralidade nas relações de poder espaciais é definida também por suas
posições sociais em um espaço capitalista. Demonstrei que o distanciamento das
pautas ligadas ao acesso a políticas públicas e à evidência destes trabalhadores em
espaços centrais esteve então relacionada à apropriação de sujeitos que compõem a
centralidade do MNCR e a aproximação do movimento com a lógica capitalista de
exploração de mais-valia e geração de capital constante.
Considero, finalmente que, muito embora o MNCR tenha germes nas pautas
dos catadores(as) de materiais recicláveis, constitui-se de um movimento cujas relações
são marcadas pela tensão entre sujeitos que, ora visam pelas pautas dos trabalhadores
da base e, outrora, pela correspondência à lógica capitalista de superexploração de
sujeitos por outros sujeitos (que possuem maior posse de capital).
Torno ao destaque de que esse é apenas um breve recorte a respeito de um
histórico movimento que muito colaborou para o desenvolvimento de políticas
públicas voltadas à prática de catação de materiais recicláveis e, por sua vez, aos
catadores de materiais recicláveis.
Os destaques a respeito das alterações do MNCR constituem-se de fatos que
ocorreram ao longo dos anos e da (re)configuração de relações sociais e, por sua vez,
pela modificação de interesses e de posições de poder. Assim, este artigo tratou de
uma das possíveis análises a respeito deste fenômeno, visando colaborar para a
compreensão a respeito deste recorte, como também para a evidência da importância
de se discutir este assunto através de uma perspectiva que traça olhares dos sujeitos
que constituem a base da prática de catação de materiais recicláveis como estratégia
de sobrevivência financeira.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto n. 7.404, de 23 de dezembro de 2010. Regulamenta a Lei n. 12.305,


de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, cria o
Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Comitê
Orientador para a Implantação dos Sistemas de Logística Reversa, e dá outras
providências. Brasília: Presidência da República, 2010a. Disponível em:
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Acesso em: 1 mar. 2020.
BRASIL. Lei n. 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos
Sólidos; altera a Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências.
Brasília: Presidência da República, 2010b. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm>.
Acesso em: 20 mar. 2020.
BVRIO. Créditos de Logística Reversa: uma inovação socioambiental para gestão de
resíduos sólidos urbanos. Rio de Janeiro: BVRio, 2014. Disponível em:
<http://www.bvrio.org/view?type=publicacao&key=publicacoes/446c1a3b-3740-
46d6-8c14-98bbd8593836.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2020.
CASTRO, Iná Elias de; COSTA GOMES, Paulo Cesar da; CORRÊA; Roberto Lobato.
Geografia: conceitos e temas. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
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FOUCAULT, Michel. Sujeito e poder. In: DREYFUS, H.; RABINOW, P. Michel
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HARVEY, David. O Enigma do Capital: e as crises do capitalismo. São Paulo:
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SANTOS, Milton. Por uma Geografia das redes. In: SANTOS, Milton. A Natureza do
Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EdUSP, 2006, p. 176–189.
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RESENHA
TRAUMA E MEMÓRIA EM BATISMO DE SANGUE, DE HELVÉCIO RATTON

Willian Barbosa Caetano

CALEGARI, Lizandro Carlos. Trauma e memória em" Batismo de sangue", de Helvécio


Ratton. Literatura crítica comparada. Pelotas: Ed. Universitária PREC/UFPEL, p. 183-
200, 2011.
O século XX foi marcado por inúmeros eventos nos quais transformou a
maneira de pensar e viver e ainda hoje encontramos resquícios resultados das
transformações que ocorreram em outrora. Assim, provocando uma reflexão a
respeito dos traumas e memória presente na sociedade e no indivíduo a qual passou
por diversas situações o artigo, “Trauma e Memória em Batismo de Sangue, de
Helvécio Ratton” sob autoria do professor doutor em Estudos Literários pela
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), Lizandro Carlos Calegari, esse por
sua vez é autor e pesquisador de Crítica e Cultura, Crítica e Modernidade e Ensaios, os
temas recorrentes de suas pesquisa dão-se pela resistências e suas inflexões. Atualmente
é professor do Colégio Politécnico da UFSM e do PPGEL (Programa de Pós Graduação
em Estudos Literários), da mesma instituição.
Continuando, nesta resenha abordaremos o trauma em suas diferentes
perspectivas abordadas no artigo escrito pelo professor Calegari, buscando evidenciar
as múltiplas abordagens do “Trauma e Memória” nos Estudos Literários, como a
manifestação dá-se nos estudos a partir do século XX. Que por sua vez, teve intensa
manifestação artística e cultural, fazendo assim com que novas formas de retratar a
realidade social que estava em intensa movimentação e transformação, dada aos
inúmeros conflitos políticos que nasceram e cresceram nesta época. Ressaltamos
também alguns apontamentos que o pesquisador faz sobre algumas obras, bem como:
Tropa de Elite e Zuzu Angel.
Dessa forma, o autor ressalta a problemática que o trauma ocasiona nos
indivíduos que vivenciaram a Primeira e Segunda Guerra Mundial, Auschwitz na
Alemanha e Hiroshima no Japão. Neste sentido, buscou-se evidenciar o quanto o
trauma estava presente na vida das pessoas que viveram determinadas situações, que
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por vezes a literatura teve um papel fundamental de denúncia e de externalização dos


problemas causados pelo silenciamento ocorrido após evento traumático. Pois, como
engendrado para que ocorra o fim deste e que a pessoa consiga viver de forma
saudável na sociedade, ela precisa falar sobre o que viveu e como isso tem afetado sua
saúde mental, o autor evidencia. Nesse sentido, utiliza pensadores como Freud e
Seligmann.
Conseguinte, assim como o autor recorre à afirmação de Elie Wiesel (1977, p 9
apud FELMAN, 2000:18), se os gregos inventaram a tragédia; os romanos, as
epístolas; a Renascença, o soneto; então a geração do século XX criou a literatura,
“aquela do testemunho”. Nisto, podemos começar a delimitar aqui a discussão
principal desta resenha, a literatura como denúncia, aquela que nos mostra o passado
e suas consequências no modo de viver, através da arte, que por sua vez atenuou
diversos acontecimentos para que nós como ouvintes das testemunhas possamos
lançar o olhar para o futuro e entender o modo de vida e a influência do passado tem
no cotidiano atual.
Dessa forma, vale ressaltar que a literatura ou arte literária, não é somente
analisar de forma crítica através da disciplina de Estudos Literários como ciência- é
também toda manifestação artística que pode ser registrada a sua narrativa, seja ela
escrita e documentadas em livros ou até mesmo em filmes, como ocorre a primeira
provocação entre os filmes: Tropa de Elite e Zuzu Angel. Que por sua vez tem
narrativas semelhantes, porém o modo com que a narrativa foi construída podemos
ter diferentes reflexões sobre um mesmo segmento, que aqui podemos destacar o
papel da polícia, ou em outros termos da segurança pública, que ora no filme dirigido
por José Padilha, que narra o ponto de vista do Capitão Nascimento, a respeito da
criminalidade nos morros cariocas, como ele podia conter o intenso avanço dessa e
como proteger a sociedade do Rio de Janeiro ( aqui não entraremos no mérito de
justiça social, que por vezes deve ser discutida para que possamos ter uma sociedade
cada vez mais equânime, assim termos equidade de oportunidades para que todos
possam alcançar seus objetivos de vida sem precisar desviar do caminho da justiça e
moral.), Ao voltarmos nosso olhar para as narrativas aqui discutidas, da mesma forma
que foi construída em Tropa de Elite, e que vemos através dos olhos do capitão
Nascimento, interpretado por Wagner Moura, em Zuzu Angel, do diretor Sérgio
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Resende, onde visualiza-se através de Zuzu- Patrícia Pillar e Stuart Edgar-Daniel de


Oliveira. Onde esse, era um militante comunista que buscava a liberdade de seu país e
sociedade da ditadura militar instaurada no Brasil. A morte de Zuzu foi declarada
acidental e somente anos mais tarde foi concluída que foi morta por agentes da
segurança pública, e diferentemente do filme Tropa de Elite, que faz nos acreditar no
verdadeiro papel da polícia, aqui ficamos indignados com a truculência do estado e da
forma com que eram tratados civis que pensavam diferente do sistema que era vigente
na época.
Outrossim, visualizamos em Batismo de Sangue, filme esse que narra baseado
em fatos reais homônimo de Frei Betto, a obra fílmica narra entre outros personagens
Frei Ivo e Frei Fernando, que foram surpreendidos e torturados por forças oficiais
brasileiras e acusados de trair a pátria, os frades foram torturados até dizer onde eram
realizadas as reuniões com Carlos Marighella, inimigo primeiro do Estado de Ditadura
do Brasil e com isso é torturado e executado pelos policiais do DOPS paulista, após
esse momento, os frades são julgados, condenados e sentenciados a quatro anos de
reclusão com exceção de frei Tito, que, por um processo de negociação entre
governos é a libertação do embaixador suiço sequestrado pela ALN, Assim, o frade
exila-se na frança e o estado de traumático resultado das intensas torturas levaram-no
a um estado retorno a infantilidade e assim ele não consegue superar e externalizar os
traumas e acaba suicidando-se, fazendo assim com que os espectadores tenham repulsa
aos desmandos no período ditatorial ocorrido no Brasil do século XX .
Em última análise, sem entrar nos pormenores das narrativas aqui delineada de
forma superficial e que posteriormente em momento propício estudaremos de forma
profunda no que diz respeito à análise literária. Percebe-se que mesmo as narrativas
sendo similares, ao assumir diferentes pontos de vista o leitor que aqui assume o papel
também de espectador, pode ao assumir diferentes posicionamentos através das
diferentes abordagens da narrativa, ora ele apoia a ação do Estado em Tropa de Elite,
ora indigna-se com esse em Zuzu Angel e Batismo de Sangue, vale ressaltar que mesmo
em situações distintas o espectador/leitor não é conduzido a uma imparcialidade a
respeito de qual lado estará, pois como trata-se de temas polêmicos a carga ideológica
que cada um trás consigo irá influenciar a maneira com que visualiza a narrativa ora
apresentada. Assim, o Trauma e Memória, transpassam as barreiras das estruturas
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psicológicas e com a ajuda da literatura de denúncia pode-se quebrar as correntes que


aprisionam causadas pelo trauma ocorrido nas distintas situações que foram
apresentadas, assim podemos perceber tanto na literatura como na psicanálise a
importância do registro do que nos afeta como indivíduos e como sociedade, para
que possamos pensar e construir o futuro de forma harmônica.

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