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Investigação

Qualitativa em
Saúde
conhecimento e aplicabilidade
Organizadores
Ellen Synthia Fernandes de Oliveira
Nelson Filice de Barros
Raimunda Magalhães da Silva
Investigação
Qualitativa em Saúde
conhecimento e aplicabilidade

Ficha Técnica

Título: Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

Organizadores: Ellen Synthia Fernandes de Oliveira, Nelson Filice de Barros e Raimunda Magalhães da Silva

Autores: Ana Maria Fontenelle Catrib; Aline Veras Brilhante; António Pedro Costa; Catarina
Brandão; Christina Cesar Praça Brasil; Cleomar de Sousa Rocha; Dayse Cristine Dantas Brito Neri de
Souza; Ellen Synthia Fernandes de Oliveira; Eliamar Aparecida de Barros Fleury; Helena Gonçalves
Jardim; Jaime Moreira Ribeiro; José Manuel Peixoto Caldas; Juan Carlos Aneiros Fernandez;
Juliana da Fonseca Bezerra; Juliana Luporini do Nascimento; Ligia Moreira de Almeida; Luiza Jane
Eyre de Souza Vieira; Marcelo Castellanos; Maria Alves Barbosa; Mariana Teixeira da Silva; Mário
Silva Approbato; Myrella Silveira Macedo Cançado; Nelson Filice De Barros; Rafael Afonso da Silva;
Raimunda Magalhães da Silva; Renata da Costa Rodrigues; Ricardo Antônio Gonçalves Teixeira;
Rodrigo Carvalho do Rego Barros; Rosendo Freitas de Amorim

Concepção Gráfica: Fábio Freitas | Imagem da capa: Creative_hat - Freepik.com

Edição: Ludomedia
Rua Centro Vidreiro, 405
São Roque
3720-626 Oliveira de Azeméis
Aveiro - PORTUGAL

Revisão: António Pedro Costa e Sónia Mendes

e-mail: info@ludomedia.pt · web: www.ludomedia.pt

Impressão: RealBase

ISBN: 978-972-8914-64-6 ISBN (e-book): 978-972-8914-65-3

1ª Edição: novembro de 2016

Depósito Legal:

Conselho Editorial
Aila Maria Leite Sampaio | Universidade de Fortaleza (Brasil)
Carlos Cardoso Silva | Universidade Federal de Goiás (Brasil)
Emília Coutinho | Escola Superior de Saúde de Viseu (Portugal)
Jorge Alberto Bernstein Iriart | Universidade Federal da Bahia (Brasil)
Maria Zaíra Turchi | Universidade Federal de Goiás (Brasil)
Marília Rua | Universidade de Aveiro (Portugal)
Sandra Rocha do Nascimento | Universidade Federal de Goiás (Brasil)
Editora Ludomedia

Diretor
António Pedro Costa

SubDiretora
Sónia Mendes

Conselho Editorial
Ana Paula Macedo (UM, Portugal) Lia Raquel Oliveira (UM, Portugal)
António Moreira (UA, Portugal) Luís Eduardo Ruano (UCC, Colômbia)
Catarina Brandão (FPCE-UP, Portugal) Luis M. Casas (UNEX, Espanha)
Christina Brasil (UNIFOR, Brasil) Luis Paulo Reis (UM, Portugal)
Cristina Rosa Soares Lavareda Baixinho Marília Rua, (UA, Portugal)
(ESEL, Portugal)
Raimunda Silva (UNIFOR, Brasil)
Dayse Neri de Souza (UA, Portugal)
Ricardo Luengo (UNEX, Espanha)
Ellen Synthia Fernandes de Oliveira (UFG, Brasil)
Emiko Yoshikawa Egry (USP, Brasil) Ricardo Teixeira (UFG, Brasil)

Francislê Neri de Souza (UA, Portugal) Ronaldo Nunes Linhares (UNIT, Brasil)
Isabel Pinho (UA, Portugal) Sandro Dutra (UEG, Brasil)
Jaime Ribeiro (IPL, Portugal) Simone Tuzzo (UFG, Brasil)
João Amado (FPCE-UC, Portugal) Susana Sá (UM, Portugal)

A Ludomedia edita e publica livros e recursos educativos para diferentes


áreas de conhecimento, tais como, Saúde e Educação. O seu catálogo
editorial inclui já um vasto leque de publicações, que focam temáticas
como o processo de desenvolvimento e avaliação de recursos educativos,
a investigação qualitativa, a utilização de software de apoio à análise
qualitativa, entre outros. Cada projeto envolve investigadores e autores com
diferentes backgrounds, explorando variadas metodologias de investigação
e desenvolvimento. As parcerias estabelecidas com Universidades de
referência têm permitido o desenvolvimento de conteúdos e recursos de
excelência, refletindo o que de melhor se faz em termos de investigação
científica a nível internacional.

Copyright © Ludomedia
ÍNDICE

PREFÁCIO
Marcelo E. P. Castellanos ...................................................................................................... 7

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Helena Gonçalves Jardim ..................................................................................................... 11

MUSICOTERAPIA EM MULHERES SUBMETIDAS A FERTILIZAÇÃO IN VITRO


Eliamar Aparecida de Barros Fleury; Maria Alves Barbosa; Mário Silva Approbato .... 15

OS SENTIDOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM SAÚDE COLETIVA PARA


ATUAÇÃO DO SERVIDOR EM SEU LOCAL DE TRABALHO
Ellen de Oliveira; Mariana da Silva; Nelson de Barros .............................................................. 31

UM OLHAR SOBRE A APLICAÇÃO DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO EM


PESQUISAS NA ÁREA DA SAÚDE
Christina Cesar Praça Brasil; Raimunda Magalhães da Silva .......................................... 45

O MÉTODO QUE SE PERFAZ TATEANDO


Juan Carlos Aneiros Fernandez; Rafael Afonso da Silva ................................................. 63

COMO NASCE UM KALUNGA? PRÁTICAS E PERCEPÇÕES DE MULHERES


E PARTEIRAS
Renata Rodrigues; Juliana Nascimento; Juliana Bezerra ............................................... 79

SAÚDE MATERNA E EQUIDADE NOS CUIDADOS DE SAÚDE DAS


MIGRANTES AFRICANAS
Ligia de Almeida; José Caldas; Luiza Vieira; Raimunda da Silva ................................... 93

CUIDADO DA SAÚDE DO PROFESSOR DE CLASSE HOSPITALAR EM GOIÁS:


UMA PESQUISA-AÇÃO EXISTENCIAL
Ricardo Teixeira; Nelson de Barros; Rodrigo Barros; Cleomar Rocha ......................... 109

DETALHES TÃO PEQUENOS DE NÓS DOIS: REVISITANDO A ANÁLISE


DO DISCURSO COM BASE NO PERCURSO METODOLÓGICO DE UMA
PESQUISA SOBRE EDUCAÇÃO SEXUAL E ADOLESCÊNCIA
Aline Brilhante; Ana Catrib; Rosendo Amorim ................................................................ 123
METODOLOGIA DE ESTUDO DE CASO EM SAÚDE: CONTRIBUTOS PARA A
SUA QUALIDADE
Jaime Moreira Ribeiro; Catarina Brandão; António Pedro Costa ................................. 143

A INTERSETORIALIDADE NA VIGILÂNCIA DA DENGUE


Myrella Cançado; Ellen de Oliveira; Dayse de Souza .................................................... 161

NOTAS BIOGRÁFICAS ................................................................................................... 175


Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

PREFÁCIO
Marcelo E. P. Castellanos
Universidade Federal da Bahia

mcastellanos@ufba.br

Perpassando diversas temáticas de interesse para a atuação e reflexão na


área da saúde coletiva, os capítulos deste livro levam o leitor a um mergulho
nas águas da pesquisa qualitativa, em diferentes modalidades, tonalidades,
temperaturas e sabores.

Por vezes, navegamos em direção das terras portuguesas, para descobrir, a partir
de entrevistas semi-estruturadas com mulheres africanas migrantes, residentes
em uma das regiões mais ricas de portugal, como elas vivenciam importantes
processos de vulnerabilização, por ocasião de suas experiências gestacionais e
maternas, enredadas que estão em tramas burocráticas de relações sociais, a
partir das quais o (neo)colonialismo se recoloca, já em um novo contexto social.

Seguindo caminho, somos levados, de volta ao brasil, ao nordeste do estado de


goiás, a partir de uma pergunta bastante inusitada: como nasce um kalunga?
“Tão longe e tão perto”, as comunidades quilombolas estão espalhadas
pelo país, ainda que invisibilizadas nos mapas e, muitas vezes, também em
nossas mentes e corações. O termo Kalunga, se refere genericamente a essas
populações (ou ainda, especialmente, aos quilombolas daquela região). Termo
polissêmico, guarda íntima relação com as divindades africanas das águas,
designando a ideia de grandeza e imensidão (SILVA, 2016). Mas, também,
se relaciona à imagem de homem pequeno, de um boneco antropomorfo
divinizado. Quando grafado com “c”, calunga se aproxima do que se
apequena, do que é insignificante, signo do que é doravante desdenhado.
Entre esses sentidos, transitam e resistem os Kalungas, nascidos pequenos
para tornarem-se grandes, nessa terra de renego e esquecimento, fazendo-se
lembrar, renovando as memórias que significam seu presente. As concepções
e práticas tradicionais sobre o processo gestacional e escolha do tipo de parto
nos são apresentadas a partir de entrevistas e observação participante das
parteiras e mulheres dessa terra sagrada.

Dos “rincões do brasil”, como alguns gostam de esbravejar do alto de suas


hierarquizações rígidas e preconceituosas (no mais das vezes, assentadas no

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PREFÁCIO | Marcelo E. P. Castellanos

sudeste e sul “maravilha”), vamos em direção aos dramas vividos por mulheres
que encontram na fertilização in vitro, uma última opção para viabilizar sua
experiência gestacional. Aí, temos um encontro marcado com a musicoterapia
e sua capacidade de afluir (e influir sobre) sentimentos, percepções, ideias que
conformam o caminhar dessas mulheres em direção ao rebento, tão desejado.

Paramos, então, em uma estação para repousar. Nela, tomamos água, sentamos
em um banco, descansamos os pés e a cabeça. Esta começa a voar longe, solta
em imagens de ir e de vir, voando por nossas andanças. Então, começa a
se concentrar em um pensar com olhar atento, um olhar repousado sobre
esse nosso caminhar. E assim começa a contar uma narrativa do se construir
no caminho. Imbuídos desse espírito, somos levados a “tatear” a construção
metodológica do pesquisador e dos pesquisados, na investigação de práticas
de cuidado à saúde em comunidades de terreiro. Tateando, sentimos o chão
dos terreiros em que pesquisador e pesquisados procuram se sustentar, nesse
encontro propiciado, mais uma vez, pela observação participante. E assim
somos levados a entrar nesse “processo vivo” de reflexão. Também encontramos
interessantes reflexões sobre a construção do percurso metodológico em uma
pesquisa sobre educação sexual e adolescência, em que se empregou a análise
do discurso. Já com um olhar um pouco mais sistemático, somos levados
a refletir sobre as características, possibilidades abertas e pertinências do
interacionismo simbólico e do estudo de caso, como perspectivas de análise
na área da saúde.

Com o fôlego renovado, podemos seguir viagem através de novas terras,


enveredando pelos diversos receptáculos de água que servem de criadouro
para o Aedes aegypti no Estado de Goiás. Nesse caso, a passagem dá direito a
conhecer o modo como os representantes do Comitê de Mobilização Social
contra o Aedes aegypti, naquele estado, avaliam as intervenções que visam seu
controle. O uso de inseticidas, altamente tóxicos e poluentes, e com baixa
efetividade, é criticado; a necessidade premente do manejo ambiental, visando
eliminação dos criadouros é reforçada, seguindo a linha tradicional das
campanhas. A novidade fica por conta da ênfase na estratégia intersetorial,
apontada como extremamente necessária e relevante para o devido
enfrentamento da situação. Permitindo-me alguns acréscimos, quero lembrar
que, entre os determinantes sociais mais distais da dengue e da chikungunya,
encontram-se o consumismo e a sociedade do descartável, os incentivos
fiscais à produção industrial e a inoperância do poder público para garantir
o saneamento básico dos ambientes urbanos, o modelo de desenvolvimento

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

econômico altamente concentrador e desigual que aposta todas as fichas


nas grandes cidades, aumentando em progressão geométrica o tamanho do
desafio encontrado. Portanto, ações intersetoriais são altamente relevantes,
mas devem vir acompanhadas de mudanças mais radicais no modo de vida
que levamos e somos levados a reproduzir, em nosso cotidiano.

Continuando então pelo campo das intervenções em saúde, finalizamos nossa


viagem embarcando em “classes hospitalares” e mestrados profissionais. As
“classes hospitalares” são ofertadas no sentido de garantir a escolarização às
crianças em situação de longa internação. Trata-se de um dispositivo de alta
relevância, especialmente, em situações de adoecimento crônico. Também,
representam grande desafio, não apenas relacionado à mudança no contexto
institucional que envolve tais práticas pedagógicas, mas também relacionado
às especificidades dos quadros clínicos e experiências de adoecimento e
cuidado das crianças envolvidas. A partir da pesquisa-ação, somos levados a
entrar nesse universo “existencial” desafiador e instigante. Finalmente, nos
deparamos com algumas visões de gestores sobre as possíveis contribuições do
mestrado profissional em saúde coletiva para a atuação e progressão funcional
dos seus egressos. Trata-se de uma pesquisa interessante e inovadora, por trazer
tal visão, alertando para alguns alcances e limites que devem ser considerados
nesse tipo de oferta.

Ainda que a “viagem” propiciada por este livro não siga forçosamente o roteiro
traçado neste pequeno texto, vale a dica.

Boa jornada!

REFERÊNCIA
SILVA, M. J. Kalunga: Origens e Significados (final). Acessado em: 19/10/16. Disponível em:
http://www.dm.com.br/opiniao/2015/04/kalunga-origens-e-significados-final.html

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PREFÁCIO | Marcelo E. P. Castellanos

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

Helena Gonçalves Jardim


Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E) – Coimbra; Escola Superior
de Saúde (ESS) ; Universidade da Madeira (UMa)

hjardim@staff.uma.pt

Os seres humanos não interpretam seus comportamentos automaticamente,


pois ideias dominantes, compartilhadas e repetidas, usualmente selecionam,
distorcem e escondem o que os olhos veem e o que não deve ser visto
(SOUZA, 2015). As seleções de visibilidades e invisibilidades sociais têm
sido questionadas desde o Mito da Caverna, mas é com as Ciências do Homem
e a criação do “reino social”, originalmente não classificado na árvore do
conhecimento da Modernidade e, por isso mesmo desclassificado como
conhecimento, que os problemas que afetam “as humanidades” têm sido
refletidos.

Pergunta-se: qual o motivo dos “aparecimentos” dos problemas que afetam


as humanidades? Possivelmente, uma primeira resposta pode ser o fato de
que a linha e a direção do tempo apontam evolução positiva para as espécies
naturais, porém no percurso das Ciências Humanas o espaço futuro, apenas
por ser futuro, não garante maior positividade, outrosim não é raro mostrar
retrocessos ou involuções de várias ordens. Outra possível resposta é o exercício
de apagamento e naturalização dos eventos sociais como se fossem de ordem
universal. Outras explicações, ainda, podem ser dadas para os “aparecimentos”
de problemas sociais que afetam as humanidades, os quais dada suas naturezas
tornaram necessário o desenvolvimento de várias ferramentas de escavação
socio-antropológica de aproximação, abordagem e interpretação.

Contemporaneamente, o campo da investigação qualitativa, na perspetiva


de Denzin; Lincoln (2006), pode ser caracterizado por uma multiplicidade
de opções teóricas, métodos, técnicas e instrumentos, sendo um momento de
descobertas e redescobertas, persistindo um contínuo debate sobre as formas
de observar, compreender, interpretar, argumentar e escrever. Segundo os
mesmos autores, a pesquisa qualitativa passou a não mais poder ser vista a
partir do paradigma positivista da neutralidade, uma vez que a classe, a raça,
o gênero e a etnia condicionam todo processo de investigação, transformando
a pesquisa em um processo multicultural.

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CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS | Helena Gonçalves Jardim

A abordagem das metodologias qualitativas de pesquisa reassume no cotidiano,


como declara Chizzotti (2006), um âmbito interdisciplinar e multidisciplinar,
que percorre não só as Ciências Sociais e Humanas, como também as ciências
da natureza e da saúde. A investigação das humanidades cada vez mais adquire
importância por explicitar riqueza descritiva, interpretativa e compreensiva,
mormente na atualidade onde se vive uma degradação ecológica a todos os
níveis social, ambiental e humano.

Na medida em que valoram a contextualização e a ótica dos agentes sociais,


as metodologias qualitativas assentam em examinar as especificidades dos
contextos investigados, o alcance da ação e as performances dos sujeitos na
construção social da realidade (BERGER; LUCKMAN, 1983). Para Denzin
e Lincoln (2006)

A pesquisa qualitativa, é uma atividade situada que localiza o observador no


mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que
dão visibilidade ao mundo. Essas práticas (…) envolve[m] uma abordagem
naturalística, interpretativa, para mundo, o que significa que seus pesquisadores
estudam as coisas em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar,
os fenômenos em termos dos significados que as pessoas e eles conferem (p.17).

Logo, para o pesquisador das humanidades a realidade é concebida mediante


os sentidos e significados atribuídos pelos sujeitos estudados. Trata-se, por um
lado, da resultante da subjetividade-objetivada pela concretude de cada um
dos eventos históricos soterrados e operantes em toda ação, estratégia, método
e paradigma; e, por outro lado, da objetividade-subjetivada na descoberta e
redescoberta das novas formas (de observar, interpretar, argumentar e escrever)
e condição/posição (de classe, raça, gênero e etinicidade). A autenticidade
intrínseca desse complexo subjetividade-objetividade “desafia o conhecimento”
(MINAYO, 2004) e origina a legitimidade de leituras apreciáveis e renovadas
de intensidade e estilo dos muitos reais.

A investigação qualitativa exige inegável riqueza conceitual, complexidade e


heterogeneidade, uma vez que não se furta de sentimentos, emoções, relatos,
vivências, valores, modos de vida, afetos e afecções. Tudo isso com o propósito
epistemológico e metodológico de reconhecer de maneira constitutiva a
complexidade, a mutabilidade e a irredutibilidade da vida no coletivo.
Desse modo, distingue a necessidade da interferência do sujeito no processo

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

de conhecimento do real e o papel das subjetividades na interpretação das


objetividades. Consequentemnte, a compreensão explicativa intermediada
pelos significados outorgados pelos sujeitos em interação não pode ser aceite
como um sistema de fatos neutros, nem como um dado pré-existente espelho
do positivismo defendido nas pesquisas quantitativas.

Inevitavelmente, pergunta-se, então, de que forma a investigação qualitativa


concorre para responder às exigências de compreensão da realidade social
tendo como alicerce a abordagem interpretativa e crítica? É claro que é
pelo conhecimento das características e dos fundamentos epistemológicos
das metodologias qualitativas, mas é também, e sobretudo, pelo exercício
do distanciamento social, que permite a descoberta daquilo que se
tomava por natural em nós e de fato é cultural e daquilo que era evidente
e é infinitamente problemático; do estranhamento social, que induz o
pesquisador a experimentar a perplexidade do encontro das culturas e que vai
levar a uma modificação do olhar sobre si mesmo; da alteridade, que convida
a ver aquilo que nem se teria conseguido imaginar, dada a dificuldade em fixar
a atenção no que é habitual, familiar, cotidiano e evidente, entendendo as
relações entre o diferente e o semelhante na articulação entre esses dois níveis;
e do descentramento radical , que promove a ruptura com a ideia de que
existe um centro do mundo (LAPLANTINE, 1986).

Estes fundamentos ajudam a estabelecer e a configurar o impacto que as


investigações qualitativas produzem na investigação do social. Também,
sublinham a necessidade da mudança de paradigma, alegando que por ser
o Humano um ser-no-mundo, a metodologia dominante na pesquisa deve
ser plural e implicar na adoção de múltiplas orientações epistêmicas. Nesta
perspetiva, descobre-se uma multiplicidade de contingências de observar a
realidade pela via fenomenológica, interacionista, etnográfica, entre outras,
sustentando a legitimidade de abordagens alternativas à pesquisa quantitativa
de cariz positivista. Esta multiplicidade e a possibilidade permanente de novos
experimentos investigativos no reino social, quem sabe, estão configurando
tendências e tradições de investigação em ciências da saúde como “ciências
das subjetividades”.

Observa-se, assim, que pesquisadores do campo da saúde têm cada vez mais
utilizado metodologias e epistemes da investigação qualitativa com o fim de obter
ganhos relacionais e a efetiva promoção da saúde, pois, dada a globalização,
acompanhada pela calamidade ecológica da contemporaneidade, só deste

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CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS | Helena Gonçalves Jardim

modo compreende-se a complexidade do ser humano no mundo que nos


rodeia. Cada pessoa reage de modo peculiar e dispar perante uma situação
e uma mesma patologia, por isso, a unicidade e singularidade desses eventos
exigem abordagem que contemple a riqueza do discurso e as narrativas acerca
das emoções, sentimentos, atitudes, reações, estilo de vida e, até mesmo, opções
de vida existencial e espiritual (JARDIM, 2016).

Tendo em ponderação todas esses considerandos da investigação qualitativa


pensamos ter salientado a importância, pertinência e interesse da presente obra
que retrata um conjunto de pesquisas com profundidade de análise em diversos
contextos, pessoas e coletividades. Este livro relata temas da atualidade no que
respeita à vigilância da saúde intersetorial, à sexualidade na adolescência, a
formação dos professores em saúde mental, a equidade efetiva dos cuidados
aos cidadãos, entre outros, pretendendo contribuir para o desenvolvimento de
mais estudos em prol de uma cidadania plena, responsável e equitativa, que
contemple efetivamente os direitos humanos na saúde de toda a coletividade.

REFERÊNCIAS
ATKINSON, P.; DELAMONT, S.; HOUSLEY, W. Contours of Culture: Complex Ethnography
and the Ethnography of Complexity. Lanham: Rowman Altamira, 2008.

BERGER, P.L., LUCKMANN, T. A construção social da realidade – tratado de sociologia do


conhecimento. 5 edição; Petrópolis: Vozes; 1983.

CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 2006.

DENZIN, N. K; LINCOLN, I. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens.


Porto Alegre: Artmed, 2006.

JARDIM, H. G. Contemplar o adolescente no 3º Milénio. Funchal: Imprensa Académica, 2016

LAPLANTINE, F. Aprender Antropologia. São Paulo, Editora Brasiliense. 1986.

MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. 8a ed. São Paulo:
Hucitec, 2004.

SOUZA, J. A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela elite. São
Paulo: LeYa, 2015.

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

MUSICOTERAPIA EM MULHERES
SUBMETIDAS A FERTILIZAÇÃO IN VITRO
Eliamar Aparecida de Barros Fleury1; Maria Alves Barbosa2;
Mário Silva Approbato3
1
Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás; 2Faculdade de Enfermagem
da Universidade Federal de Goiás; 3Laboratório de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas da
Universidade Federal de Goiás

elifleuryufg@gmail.com; maria.malves@gmail.com; approbato.m@gmail.com

SINOPSE
A infertilidade pode desencadear alterações psicológicas em pacientes com a doença. A
musicoterapia interativa possibilita a auto-expressão da pessoa. O objeto de interesse desse estudo
foi compreender de que forma a musicoterapia pode auxiliar mulheres inférteis submetidas a
técnicas de alta complexidade. Estudo descritivo-exploratório qualitativo, parte de pesquisa de
doutorado, aprovada em Comitê de Ética em Pesquisa. Participaram 32 mulheres inférteis,
atendidas individualmente e foram realizados registros em áudio. Utilizou-se questionários para
coleta de dados e o Inventário de Sintomas de Stress de Lipp. A análise de conteúdo levou à
criação de categorias. Para análise descritiva utilizou-se o software WebQDA, Statistical Package
for the Social Sciences e Programa Excel. Conclui-se que as composições musicais das mulheres
traduziram dificuldades emocionais decorrentes da infertilidade e, possivelmente, agravadas
durante o tratamento. Musicoterapia, a partir da aplicação de métodos específicos, poderá
amenizar o sofrimento psíquico das pacientes durante o tratamento.

INTRODUÇÃO
Infertilidade é definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como
ausência de gravidez após 12 meses de relações sexuais regulares sem uso de
contracepção (GNOTH et al., 2005), sendo um problema comum em todo
o mundo. Segundo a OMS, a infertilidade afeta, mundialmente, de 8% a
15% dos casais. No Brasil estima-se haver 51 milhões de mulheres em idade
reprodutiva, podendo-se calcular a existência de 4 a 7 milhões de mulheres
inférteis em nosso país, o que torna essa doença um problema de Saúde
Pública (GRADVOHL et al., 2013).

Técnicas de Reprodução Assistida (TRA) compreendem, dentre outras,


relação programada, inseminação artificial intra-uterina e fertilização
extra-corpórea. Esta última se divide em fertilização in-vitro clássica
(FIV) e fertilização in-vitro por meio de Injeção Intracitoplasmática de

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MUSICOTERAPIA EM MULHERES SUBMETIDAS A FERTILIZAÇÃO IN VITRO | Eliamar Fleury; Maria Barbosa; Mário Approbato

Espermatozóide (ICSI– Intracytoplasmic Sperm Injection) (FREITAS, et al.


2008). Atualmente, novas técnicas de tratamento, tecnologias avançadas
empregadas em laboratório e novas medicações favorecem o tratamento de
casais com esta doença (YOVICH, 2011).

A infertilidade feminina possui causas diversas e a impossibilidade de engravidar


pode ser a única queixa de manifestação clínica (APPROBATO, 2016).

No meio médico a infertilidade é reconhecidamente um problema do casal,


entretanto, é relevante compreender as repercussões emocionais sentidas
pela mulher durante o tratamento da doença, bem como, avançar em novas
perspectivas de intervenções que possam amenizar o sofrimento psíquico
dessas pessoas nessa fase. A infertilidade pode desencadear várias alterações
psicológicas e ser entendida como situação ameaçadora e geradora de diferentes
sensações e sentimentos (MELAMED, 2013), acarretando problemas associados
a saúde mental da pessoa com a doença. Pode levar a perda de autoestima,
medo e isolamento social (SOUZA, 2008), com reflexos negativos e extensos
na qualidade de vida de homens e mulheres (CHACHAMOVICH, 2006).
Situações de estresse (MOREIRA, 2006), ansiedade e depressão (PETERSON
et al., 2014) são bastante evidenciadas em estudos de casais inférteis.

O estresse emocional é uma reação complexa e global do organismo,


envolvendo componentes físicos, psicológicos, mentais e hormonais. Pode
atuar ativando o Sistema Nervoso Autônomo (SNA) ou alterando o sistema
endócrino, devido às diversas conexões entre as regiões anatômicas cerebrais,
denominado circuito das emoções, pela integração córtex, hipocampo,
amígdala e hipotálamo. As beta-endorfinas e os corticosteróides adrenais,
hormônios reguladores da adaptação do organismo ao estresse, modulam as
funções reprodutoras, direta ou indiretamente. O estresse geralmente inibe o
ciclo reprodutivo da mulher por meio do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal
(CURY, 2010).

Apesar da afinidade entre estresse e redução da fertilidade, é bastante difícil


estabelecer relações de causa-efeito entre essa doença e o estresse, considerando
a multiplicidade de causas da infertilidade, inclusive causas masculinas
(MOREIRA, 2006).

A experiência da infertilidade deve necessariamente considerar tanto as


expressões coletivas como as repercussões emocionais centradas no indivíduo
(CHACHAMOVICH, 2006). Nesse sentido, a abordagem qualitativa

16
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

possibilita dar atenção às vivências internas da pessoa com infertilidade e seus


enfrentamentos frente ao tratamento.

Atualmente a pesquisa qualitativa é utilizada para ampliação do conhecimento em


diversas áreas da saúde. Utiliza ou não indicadores quantitativos, sendo a análise
de conteúdo (BARDIN, 2007) bastante empregada nas pesquisas. Nessa análise,
a categorização permite o agrupamento por temáticas. A inferência funda-se na
presença do índice (tema, palavra) e não sobre a frequência com que surge. A
abordagem qualitativa é bastante empregada na musicoterapia devido ao fato de
que essa terapêutica abarca as variadas formas expressivas dos sujeitos.

Estudos em diferentes especialidades médicas referem efeito positivo da utilização


da música e da musicoterapia sobre os pacientes. Ambas formas de atuação com
a música nos contextos da saúde são relevantes, entretanto, há diferenças entre a
Música em Medicina e Musicoterapia em Medicina (BRADT et al., 2013).

A primeira é uma intervenção realizada por profissional da saúde sem


formação em musicoterapia e em geral, é realizada pela audição musical, seja
com música gravada ou ao vivo. Entretanto, mesmo não sendo o caso desse
estudo, vale registrar que ao se trabalhar com música nos contextos de saúde
há que se considerar a enorme gama de possibilidades que é o mundo da música.
Dessa forma vale se perguntar qual música está sendo usada junto ao paciente.

O universo musical é imensamente amplo. Ao se propor o trabalho com


músicas com pessoas que requerem cuidado, deve-se considerar a enorme
variedade musical, tais como, o fluxo das notas musicais, gradações de
dinâmica, andamento, tonalidade, timbre e harmonia. Esses são alguns dos
aspectos a serem observados no uso da música no contexto da saúde. A
experiência musical é única para cada pessoa e e os efeitos ansiolíticos da
música estarão determinados pelo gosto musical do sujeito e suas inclinações
individuais (ROJAS, 2011).

A segunda, refere-se a intervenções realizadas por um profissional habilitado


em musicoterapia, graduado ou pós-graduado, sendo o tratamento
realizado por meio de vínculo sonoro-musical (UBAM, 2010) com objetivos
terapêuticos. A habilitação na área proverá ao profissional lidar com os
fundamentos da especialidade e conhecimentos técnicos para selecionar o(s)
método(s) específico(s) mais apropriado(s) ao paciente ou população-alvo na
qual se pretende intervir.

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MUSICOTERAPIA EM MULHERES SUBMETIDAS A FERTILIZAÇÃO IN VITRO | Eliamar Fleury; Maria Barbosa; Mário Approbato

Atualmente há a compreensão de que, ainda que a música seja o principal


elemento de atuação na musicoterapia, considera-se também a importância da
comunicação/expressão verbal durante as intervenções, o que determina igual
valor tanto para a música como para a relação terapêutica (BRUSCIA, 2000).

As intervenções em musicoterapia sempre envolvem o paciente em algum tipo


de experiência musical. Bruscia (2000) cita os métodos ativos (improvisação,
re-criação e composição musical) e os métodos receptivos e Barcellos (1984)
cita a proposta interativa.

Os métodos ativos possibilitam a auto-expressão do sujeito em diversos níveis. Ao


cantar ou tocar instrumentos musicais, há a liberação de energia interna para o
mundo externo, levando o corpo a soar, dando forma aos impulsos, vocalizando o
não-dizível ou as idéias não pronunciáveis e expressando emoções em formas sonoras
descritivas (BRUSCIA, 2000). Além disso, auto-expressão musical não é meramente
exteriorização e liberação de sentimentos, ainda que se considere a importância disso.
Ela é também um conjunto de habilidades sensório-motoras, perceptivas e cognitivas
(BRUSCIA, 2000), favorecendo a comunicação uma vez que ela - a produção musical
- por si mesma, comunica dados do paciente (PELLIZZARI, 1999).

Na musicoterapia interativa a experiência musical é compartilhada pelo


musicoterapeuta e paciente(s), ativos no processo de fazer música, o que
configura uma inter-ação simultânea, facilitada pelo fato de a música acontecer
no tempo, otimizando a interação dos participantes e dificultando o isolamento
(BARCELLOS, 1984). Ela favorece a potencialização dos aspectos saudáveis
do paciente, entre outros, por trabalhar com criação musical no momento do
atendimento, criando espaços musicais de relacionamento com a interioridade
humana (QUEIROZ, 2003) do sujeito. Para sua efetividade, porém, é necessário
articular os aspectos musicais apresentados pelo paciente à sua história de vida,
clínica e/ou ao momento atual vivido. Somente a articulação dessas informações
possibilita a compreensão desse indivíduo por meio do musical e os caminhos
possíveis de cuidado a ser oferecido. A perspectiva interativa é a principal forma
de utilização dessa terapêutica no Brasil (BARCELLOS, 2015).

Desse modo, busca-se nesse estudo relatar contribuições da musicoterapia a


pacientes em RA e apresentar a composição musical como técnica favorável à
expressão de sofrimento psíquico de mulheres submetidas à fertilização in vitro.

O objeto de interesse deste estudo é compreender de que forma a musicoterapia


pode auxiliar mulheres inférteis submetidas a fertilização in vitro.

18
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

OBJETIVOS
Apresentar perfil sociodemográfico e clínico de mulheres em TRA atendidas
em um hospital público universitário.

Descrever repercussões emocionais da infertilidade e do TRA em um grupo


de mulheres atendidas em musicoterapia.

Citar algumas contribuições da musicoterapia a mulheres em RA.

Apresentar a composição musical em atendimentos de musicoterapia como


técnica facilitadora para expressão e minimização de sofrimento psíquico de
mulheres submetidas aos procedimentos de fertilização in vitro.

METODOLOGIA
Estudo descritivo-exploratório qualitativo, recorte de pesquisa de doutorado1,
em andamento, aprovada em Comitê de Ética da instituição onde o estudo
foi realizado. Participaram 32 mulheres inférteis, atendidas no Laboratório
de Reprodução Humana, vinculado ao Departamento de Ginecologia e
Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás
(LabRep/HC/UFG).

Após os procedimentos éticos de apresentação detalhada do estudo às


prováveis participantes e assinatura voluntária do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE) iniciou-se a coleta de dados conforme se segue.

Utilizou-se a musicoterapia interativa, em atendimentos individuais, de


aproximadamente 50 minutos, antes da ultrassonografia basal, coleta de
oócitos e transferência de embrião.

Os recursos instrumentais utilizados foram: um violão acústico clássico Di Giorgio


18; um afinador digital processing Tuner TG-85 Chromatic Tuner; um gravador
Zoom H1 Handy Portable Digital Recorder; a voz (participante e pesquisadora)
como instrumento musical; folhas de papel A-4; caneta e disponibilizados lenços
de papel, considerando a possível presença do choro da participante.

As intervenções musicoterapêuticas (coleta de dados) foram registradas em


áudio conforme autorização prévia das participantes (TCLE), com posterior
transcrição. Letras das composições foram registradas também por escrito.

1 Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde/Faculdade de Medicina/Universidade Federal de Goiás.

19
MUSICOTERAPIA EM MULHERES SUBMETIDAS A FERTILIZAÇÃO IN VITRO | Eliamar Fleury; Maria Barbosa; Mário Approbato

Dentre as técnicas possíveis no âmbito da musicoterapia interativa, a composição


musical assistida foi a eleita nesse estudo. É um tipo de criação musical realizada
pelo paciente na sala de musicoterapia junto com o musicoterapeuta,
diferentemente de outras composições já prontas e apresentadas durante o
atendimento (BARCELLOS, 2015). Essa técnica promove a exploração
de temas terapêuticos por meio das letras das canções criadas durante as
intervenções. Estudo de revisão localizou publicações com amplo histórico
da musicoterapia, entretanto, não foram encontradas publicações sobre
musicoterapia com experiências interativas com mulheres em RA (FLEURY
et al., 2014).

Os dados sociodemográficos e clínicos foram levantados através de questionário


elaborado pelos pesquisadores para o estudo original.

O Questionário de Autopercepção do Sujeito (QAp), composto de seis


questões, com itens de respostas em parâmetros quantitativos e qualitativos, foi
elaborado com base nos estudos de Alcântara-Silva (2012). É um instrumento
autoaplicável e de fácil compreensão. Teve como intuito verificar a percepção
do sujeito sobre o resultado da musicoterapia.

Aplicou-se também o Inventário de Sintomas de Stress de Lipp (ISSL),


buscando avaliar se a participante possui sintomas de estresse, a fase em que
se encontra (alerta, resistência, quase-exaustão e exaustão), e se o sintoma
é de natureza física ou psicológica. Este instrumento é de fácil aplicação,
requerendo tempo breve para resposta. Pode ser marcado mais de um sintoma
(LIPP; GUEVARA, 1994).

Utilizou-se o software de análise webQDA, destinado à investigação qualitativa,


para a transferência dos áudios, organização dos dados e criação de categorias
iniciais. Esse software proporciona ao investigador editar, visualizar, interligar e
organizar documentos, criar categorias, codificar, controlar, filtrar, fazer buscas
e questionar os dados respondendo às questões de investigação, permitindo a
interação online entre pesquisadores num ambiente colaborativo (SOUZA et
al., 2010).

A análise de conteúdo seguiu a metodologia proposta por Bardin (2007), com


leitura flutuante dos registros, seleção de idéias e agrupamento em categorias.
Para análise descritiva dos dados utilizou-se o software Statistical Package for
the Social Sciences (SPSS) e o Programa Excel. A interpretação dos dados do
ISSL foi realizada por psicóloga integrante do projeto. As expressões de

20
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

sentimentos foram verificadas por meio das verbalizações das participantes e


das composições musicais realizadas durante as intervenções.

Os procedimentos éticos foram seguidos em conformidade à Resolução


CNS 466/12, garantindo, dentre outros, o sigilo quanto à identidade das
participantes.

RESULTADOS
Os dados sociodemográficos e clínicos apontam média de idade das
participantes de 33,8 anos (24-41 anos) e distribuição igualitária de pacientes
referente ao grau de escolaridade, ou seja, 46,9% possuem Ensino Superior,
46,9% Ensino Médio e uma minoria (6,3%) tem Ensino Fundamental.

Com a necessidade de construção e consolidação da carreira profissional, a


mulher na atualidade tem se sobressaído no quesito escolaridade, exigência
presente no mercado de trabalho. Em prol do melhor desempenho nesse
campo, há o adiamento da maternidade, uma vez que gerar um filho, seu
sustento e educação também exigem um grande investimento da mulher.
Acredita-se que esse fato justifica a média de idade e o grau de escolaridade
resultantes nesse estudo.

Quanto à religião, também resultou em distribuição igualitária das participantes,


com 46,9% que professam o catolicismo e outros 46,9% a religião Evangélica. O
restante (6,3%), possui seguimento Espírita. O Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE, 2010) registrou forte redução de adeptos do catolicismo e
aumento dos seguidores evangélicos no Brasil nas últimas décadas. Em 1970
os registros eram de 91,8% de católicos, com queda para 64,4% em 2010. O
seguimento evangélico teve um aumento de 5,2% de brasileiros para 22,2%,
nesse mesmo período, o que justifica os resultados do estudo.

Das 32 participantes, 71,9% possuem infertilidade primária e 28,1% secundária.


Referente ao número de tentativas anteriores de tratamento para infertilidade,
65,6% é a primeira vez que realiza este tratamento, 12,5% segunda vez, outras
12,5% realizaram por outras duas vezes, 6,3% com três tentativas anteriores
e 3,1% quatro tentativas de tratamento. Com a postergação da vinda do
primeiro filho em detrimento de outros projetos pessoais, como a carreira
profissional, muitos casais, ao tomarem a decisão de conceber uma criança,
encontram dificuldades para engravidar. Apesar dos avanços tecnológicos da
RA, o organismo vivo, biológico, segue seu curso próprio de envelhecimento,

21
MUSICOTERAPIA EM MULHERES SUBMETIDAS A FERTILIZAÇÃO IN VITRO | Eliamar Fleury; Maria Barbosa; Mário Approbato

de perdas. A fertilidade feminina sofre um declínio acentuado a partir dos 36


anos, levando a dificuldades para engravidar. A literatura médica considera
também as causas advindas de fator masculino. Esses aspectos justificam a
maioria das participantes serem primárias, considerando-se a média de idade
resultante do estudo (33,8 anos).

No que se refere ao método laboratorial do atual tratamento 59,4%


tinham indicação para a FIV, 37,5% fariam ICSI e 3,1% resultou em má
respondedora. A ICSI é uma modificação da FIV e envolve a injeção de um
único espermatozóide vivo no citoplasma do oócito. É uma técnica de destaque
no tratamento clínico de casais inférteis por fator masculino (SANTOS, 2010).

Quanto ao estresse, a análise do ISSL mostrou que 7% das participantes apresentam


sintomas físicos de tensão muscular, 6% excesso de gases; 5% distribuídos entre
insônia (fase de exaustão), mudança de apetite (fase de alerta), mãos e pés frios,
sensação de desgaste físico constante, e 4% referiram a cansaço constante, mudança
de apetite (fases de resistência e quase-exaustão) e nó no estômago. Os sintomas
psicológicos mais evidenciados foram pensar constantemente em um só assunto
(11%), diminuição da libido (9%) e angústia/ansiedade diária, irritabilidade sem
causa aparente e sensibilidade emotiva, 8% cada. A fase do estresse de maior
frequência foi resistência (53%), seguida de alerta (22%). Percentual considerável
(16%) resultou na fase de exaustão. Ainda que esta última não seja a maior parcela
da amostra do estudo, esse percentual (16%) torna-se significativo, por ser a fase
mais negativa do estresse. Nessa fase, se nada for feito, a pessoa pode entrar em
depressão, devido ao grande desequilíbrio interior. Assim, há que se considerar a
emergente necessidade de apoio emocional a essa clientela.

As propostas apresentadas referentes às experiências musicais, apresentam


significativa aceitação, diminuindo possíveis resistências no trato às questões
subjetivas, mostrando-se como elemento facilitador de expressão.

Quanto a intervenção propriamente dita, a musicoterapia, como terapêutica


auto-expressiva, tem favorecido a construção conjunta – paciente/
musicoterapeuta; participante/pesquisadora, de um espaço acolhedor, de
escuta e feedback imediato, por meio da expressão musical das participantes.

Dados parciais analisados sugerem que as contribuições da musicoterapia


às mulheres em TRA, podem ser compreendidas em duas categorias: 1)
Segurança no momento das intervenções médicas e melhoria da autoconfiança;
2) Diminuição do estresse.

22
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

SEGURANÇA NO MOMENTO DOS PROCEDIMENTOS MÉDICOS E MELHORIA DA


AUTOCONFIANÇA

Entre as participantes do estudo, 53,1% referiram que a musicoterapia


trouxe-lhes segurança no momento das intervenções médicas resultando em
autoconfiança. Os registros escritos (QAp) apresentados a seguir exemplificam
esse resultado.

Este momento trouxe confiança e minimizou meu medo. Fiquei mais


tranquila nos procedimentos. (P172)

A musicoterapia … fez com que eu resgatasse o melhor de mim. (P27)

Acalma e tranquiliza antes dos procedimentos médicos. (P143)

Outra situação que ilustra essa categoria é a intervenção realizada a P1


e seu depoimento quanto a terapêutica. No dia agendado para a possível
transferência de embrião, última intervenção realizada às pacientes antes do
procedimento de transferência embrionária, P1 expressa:

(…) eu senti muito conforto. Eu senti que há uma “evasãozinha” de sentimentos


ali [referente ao fazer musical] pra organizar. Há uma evazão prá organizar
sentimentos. Eu me senti assim, e foi de grande valia pra mim. Se todas as
mulheres pudessem passar por isso eu orientaria. (P1)

P1 utiliza a palavra evasãozinha para referir-se à liberação/expressão de


sentimentos possibilitada pela ação de criar, de compor música. Este é um
dado relevante considerando que advém de paciente que ainda não possuía
o resultado referente à formação de embrião, ou seja, o depoimento de P1 se
deu de forma independente ao resultado dessa fase do tratamento, atestando
o valor da terapêutica nesse processo.

Ao responderem ao QAp, na questão referente à autopercepção acerca do


efeito da musicoterapia sobre si, durante o TRA, a maioria das participantes
apresentou respostas positivas da terapêutica em seu estado emocional nesse
período. Os depoimentos a seguir, coletados nesses questionários, ilustram
direta ou indiretamente, a melhora na autoconfiança das participantes:

2 Número criado visando preservar a identidade da participante.

23
MUSICOTERAPIA EM MULHERES SUBMETIDAS A FERTILIZAÇÃO IN VITRO | Eliamar Fleury; Maria Barbosa; Mário Approbato

Posso ser totalmente eu, me expressar de forma livre, sem culpa ou medo (P33).

Trouxe-me confiança ao desconhecido. Desligar é preciso, e por que não se


jogar na música? (P1).

O trecho da composição musical realizada por P7, apresentado a seguir,


também ilustra essa categoria:

Felicidade3

Eu estou feliz .... confiante .... A tranquilidade também vem da família e do


esposo que acompanha a gente. Os médicos também passam tranquilidade. Eu
confio na equipe. E Deus vai fazer o que for melhor. (P7)

A ação de colocar a voz a vibrar em forma de notas musicais (canto), vinculadas


a uma delimitação das palavras (canção), potencializa a força terapêutica do
momento, em especial, se o conteúdo verbal cantado é extraído do âmbito
subjetivo do sujeito, como é o caso da composição de P7. Ao cantar, o sujeito
se envolve emocionalmente com o fazer (musical), colocando sua energia física
e psíquica em funcionamento.

DIMINUIÇÃO DO ESTRESSE
Do total das participantes, 75% referem que a musicoterapia contribuiu na
minimização do estresse experimentado durante a TRA. Este fato pode ser
observado em respostas ao QAp, sobre os atendimentos de musicoterapia,
conforme se segue:

Uma ferramenta para tranquilizar, acalmar. (P20)

Musicoterapia diminui a ansiedade e o estresse. (P9)

Uma forma de ajudar as pessoas no estresse e deixá-las mais tranquilas no


período do tratamento de fertilização assistida. (P67)

3 Os nomes das canções foram dados pelas pacientes.

24
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

Também nos registros em áudio, foi possível observar efeitos benéficos da


terapêutica sobre o estresse autopercebido:

Dá uma luz pra gente ... uma calma [referindo-se aos atendimentos]. Tira a
gente um pouco do stress, da tensão que a gente fica... aí você já entra lá pra
dentro mais tranquila. (P29)

Sempre achei a musicoterapia uma coisa desnecessária, abstrata, a gente vê


muito em UTI .... Mas quando a gente tá aqui sob essa pressão da inseminação,
fertilização .... Na primeira sessão eu já achei que foi muito bom, porque é
como se a gente esvaziasse um pouco da angustia. Você chega aqui igual uma
“panela de pressão”, e de verdade ... a sensação que eu tive é como se tivesse
aberto aquela tampinha da panela e dado uma aliviada, então eu saí daqui,
mais calma, mais segura, mais tranquila. Achei muito bom porque me ajudou
em outros dias em que não tinha atendimento. (P25)

Ilustra-se essa situação apresentando a composição Desabafo, criada por P3. Na


intervenção que antecedeu a possível transferência de embrião, logo ao início, a
paciente se apresenta com desânimo, dúvidas quanto ao tratamento e referindo-
se com dificuldades em concentrar para fazer música (sic, P3). Entretanto, após alguns
instantes, a paciente se engaja na proposta musicoterápica, expressando, através
da composição musical assistida, sentimentos e sensações corporais com relação
à transferência embrionária, conforme o trecho da canção a seguir:

Desabafo

Não estou conseguindo concentrar. Hoje eu não estou. Estava confiante. Agora,
nem tanto. Parece que eu quero correr. Meu corpo não quer ficar aqui. Tô me
sentindo pressionada. Agora resolveu desabar. Queria que esse momento. O da
minha gravidez (do meu tratamento4), tivesse tudo equilibrado. (P3)

Ao cantar a sua própria canção, P3 libera repercussões emocionais da experiência


da infertilidade e do TRA, dando voz à problemática vivida. O processo
de composição favoreceu pontuações por parte da musicoterapeuta-
pesquisadora, clarificando possíveis situações de confusão interna referentes

4 Ao cantar minha gravidez a musicoterapeuta relembra a paciente sobre as informações prestadas


anteriormente pela equipe de saúde. Assim, clarifica sobre as etapas do TRA, inicialmente de forma
verbalizada e em seguida cantada.

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MUSICOTERAPIA EM MULHERES SUBMETIDAS A FERTILIZAÇÃO IN VITRO | Eliamar Fleury; Maria Barbosa; Mário Approbato

ao TRA e expressas no canto de P3. Observa-se que apesar das orientações e


esclarecimentos realizados pela equipe de saúde, algumas pacientes acreditam
que pelo fato de estarem em procedimentos de RA, a gravidez é algo já
conquistado, referindo-se às vezes nos diálogos: “vim aqui só buscar o meu
bebê”(P25). Este fato aponta para a necessidade de consideração da influência
dos mecanismos psíquicos no processamento cognitivo das informações
fornecidas pela equipe médica.

Outros trechos de composições estampam um pouco do sofrimento vinculado


à infertilidade e ao TRA, como cantado por P133:

Tanto, tanto andei. Gastei, chorei, lamentei [choro]…Para realizar meu sonho,
meu sonho de ser mãe de novo… quero e preciso estar preparada pelo que
pode acontecer. (P133)

Em sua composição, ela apresenta as dificuldades econômicas e emocionais


na busca do tratamento e a insegurança quanto ao possível resultado. Logo
há a liberação da tensão pelo choro e elaboração cognitiva da situação vivida.

As composições musicais oportunizaram também a expressão de sentimentos


de medo, angústia, raiva e frustração, sentimentos intimamente associados ao
estresse. Nesse sentido, em outra intervenção P133, expressa seu medo frente
as dificuldades enfrentadas no TRA:

(…) nesse dia que começa já acordei nervosa [choro] com muito medo e muito
pessimista. Acho que não vai dar certo (…). (P133)

Entre soluços de choro e a expressão da palavra cantada, paulatinamente ela


vai se reorganizando e, com maior investimento no canto o conclui.

A liberação da tensão emocional da paciente levou a uma reorganização


interna expressa na continuidade da construção da composição musical. Isto
foi verificado também por meio da comunicação analógica5: apresentando
melhor fluidez e entonação da voz, fala com ritmo mais calmo, melhor controle
natural da respiração, movimentos corporais com menor tensão.

5 Esse tipo de comunicação abrange os aspectos não verbais envolvidos no processo comunicacional, tais como,
postura, gestos, movimentos corporais, inflexões da voz, ritmos e entonações das palavras. (TORMA, 2015).

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

A raiva e frustração experimentadas por P145 decorrentes da infertilidade e


de insucessos de tratamentos anteriores, são desveladas no canto:

Eu to com muita raiva. Raiva de tudo isso. É a terceira vez que isso acontece.
Se hoje formasse embrião, seria um milagre. (p.145)

A música pode ser compreendida como indicadora do estado psicofísico


do sujeito, potencializando a comunicação e facilitando a exteriorização de
elementos internos, tornando manifesto o que estava latente (BRUSCIA, 2000).

Os depoimentos e trechos das canções apresentadas sugerem a musicoterapia


interativa como uma terapêutica que oferece resultados positivos, de suporte
emocional às pacientes em TRA.

CONCLUSÕES
As participantes demonstraram boa aceitação à terapêutica em si, bem como,
um engajamento positivo à proposta apresentada. A musicoterapia se mostra
efetiva às mulheres em TRA, ao favorecer um espaço seguro e acolhedor para
expressão de sentimentos e sensações referentes à infertilidade e ao TRA,
por meio da composição musical assistida. Em nosso estudo as composições
musicais das mulheres em TRA traduziram algumas das dificuldades
emocionais decorrentes da infertilidade e, possivelmente, agravadas durante
o tratamento.

A musicoterapia é uma terapêutica coadjuvante da prática médica em


diferentes especialidades. Na área de RA, acredita-se que essa terapêutica
poderá amenizar o sofrimento psíquico das pacientes durante o TRA, a partir
da aplicação de métodos específicos. Apesar dos avanços em pesquisas na
musicoterapia, em extensa busca de literatura, em artigo de revisão, não foram
encontradas publicações sobre musicoterapia com abordagem interativa com
mulheres em RA (FLEURY et al., 2014), sendo este, provavelmente, o primeiro
estudo brasileiro. Os resultados posteriores advindos do nosso doutorado
poderão oferecer dados quantitativos relevantes ao tema.

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MUSICOTERAPIA EM MULHERES SUBMETIDAS A FERTILIZAÇÃO IN VITRO | Eliamar Fleury; Maria Barbosa; Mário Approbato

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MUSICOTERAPIA EM MULHERES SUBMETIDAS A FERTILIZAÇÃO IN VITRO | Eliamar Fleury; Maria Barbosa; Mário Approbato

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

OS SENTIDOS DO MESTRADO
PROFISSIONAL EM SAÚDE COLETIVA PARA
ATUAÇÃO DO SERVIDOR EM SEU LOCAL
DE TRABALHO

Ellen Synthia Fernandes de Oliveira1; Mariana Teixeira da Silva1;


Nelson Filice de Barros2
1
Universidade Federal de Goiás; 2Universidade Estadual de Campinas

ellen.synthia@gmail.com; maritds@hotmail.com; nelfel@uol.com.br

SINOPSE
O estudo teve como objetivo analisar os sentidos atribuídos pelos gestores dos serviços de saúde
do Estado de Goiás sobre a contribuição do curso de Mestrado Profissional em Saúde Coletiva
na atuação do servidor em seu local de trabalho. Os dados foram coletados por entrevistas
semiestruturadas e submetidos a análise de conteúdo temática. Os sentidos atribuídos são,
em parte, compatíveis com o documento normativo da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior, embora observe-se que ocorrem dificuldades da parte dos gestores
em impulsar o egresso em cargos de gestão e desenvolvimento de projetos de intervenção.
Conclui-se que, com base em generalização analítica, apoiada nos dados pessoais e locais
apresentados, bem como na literatura sobre o assunto no Brasil, que mesmo com importantes
desafios de curto, médio e longo alcance, essa modalidade de produção de conhecimento e
inovação tecnológica é fundamental para o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde.

INTRODUÇÃO
Os mestrados profissionais (MP), modalidade de formação de pós-graduação
stricto sensu, foram concebidos no “Parecer Sucupira” (BRASIL, 1965),
documento que lançou as bases da Pós-Graduação (PG) no Brasil. Entretanto
somente em 1995, por meio da Portaria 47/95 (CAPES, 1995), passaram a
ser praticados e conhecidos, gerando, desde então, discussões dentro e fora da
academia acerca da validade de sua titulação, da sua estrutura curricular, dentre
outros aspectos (FISCHER; WAIANDT, 2012; MACIEL; NOGUEIRA, 2012).
A regulamentação dos MPs (CAPES, 1998) traz como proposta a criação de
cursos de natureza qualitativamente diferente dos mestrados acadêmicos,
tendo como características: articulação com uma base de pesquisa consolidada;

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OS SENTIDOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM SAÚDE COLETIVA PARA ATUAÇÃO DO SERVIDOR EM SEU LOCAL DE TRABALHO
Ellen Synthia Fernandes de Oliveira; Mariana Teixeira da Silva; Nelson Filice de Barros

compromisso com uma produção científica e técnica; corpo docente qualificado


academicamente e com experiência gerencial; desenhos curriculares e estratégias
inovadoras de ensino-aprendizagem claramente articulados às experiências
profissionais dos alunos e às demandas da sociedade.

Para Fischer (2005) e Quelhas, Farias Filho e França (2005), o MP é visto


como importante ferramenta na integração e complementação entre os
problemas provenientes do campo social e profissional e o conhecimento
gerado na universidade. Brandão, Decccahe-Maia e Bomfim (2013, p. 324)
afirmam que o MP seria interessante não somente por conceder àqueles que
estão no cotidiano do trabalho a oportunidade de voltar à academia, mas
também, pelo fato de debruçar-se sobre a própria realidade desse trabalho
refletindo-a, pesquisando-a e devolvendo-lhe “produtos educacionais” que
podem contribuir com sua transformação.

No campo da Saúde o MP tem a especificidade de um processo de formação


voltado para a qualificação de sujeitos capazes de desencadear mudanças no
processo organizacional por meio de introdução de inovações tecnológicas
no planejamento, gestão e avaliação de sistemas e serviços de Saúde.
Priorizando a organização do cuidado à saúde das populações buscando
efetividade, qualidade e humanização da atenção à Saúde e a resolução de
problemas levando em conta dimensões políticas, técnicas e éticas. O MP visa
resultados com relevância social, aprimoramento de técnicas e utilização de
conhecimentos científicos exigindo criatividade em relação aos seus trabalhos
na busca pela aplicabilidade no serviço (MENANDRO, 2010). Além de uma
modificação gerada pelo produto do mestrado profissional, se espera uma
modificação do egresso, uma transformação no sujeito, na sua formação e na
sua atuação profissional (RIBEIRO, 2006).

As experiências do MP em Saúde Coletiva vêm extrapolando o espaço


dos cursos, com articulação entre docentes de vários centros acadêmicos,
profissionais e gestores e demais trabalhadores do SUS. No entanto, sabe-se
pouco sobre as contribuições dos profissionais que finalizam o MP para as
instituições em que trabalham, de forma que há necessidade de se avançar
nesta reflexão, aprofundando conhecimentos sobre a construção da articulação
entre a academia e serviço de saúde. Para tanto, este estudo teve o propósito de
analisar os sentidos atribuídos pelos gestores dos serviços de saúde do Estado
de Goiás sobre a contribuição do curso de Mestrado Profissional em Saúde
Coletiva na atuação do servidor em seu local de trabalho.

32
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório-descritivo, com
chefes imediatos dos profissionais egressos de um curso de MPSC, sobre a
contribuição do servidor egresso em seu local de trabalho.

Foram identificados 12 gestores dos serviços de saúde do Estado de Goiás


que conviveram com egressos que já haviam concluído o curso de MPSC no
período de 2011 e 2012 e que concordaram em participar da pesquisa. Em
seguida foi feito contato telefônico com os gestores e apresentado o projeto,
com detalhamento de informações, relevância e objetivos do estudo, com
posterior agendamento da entrevista de acordo com a disponibilidade do
participante. Antes da coleta dos dados todos os entrevistados assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, conforme preconiza
resolução do CNS 466/2012 (BRASIL, 2013).

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com um roteiro elaborado com


quatro núcleos direcionadores que vão ao encontro da portaria da Capes
(CAPES, 2009a; b), quais sejam: contribuição do MPSC na atuação do
servidor em seu local de trabalho; atuação do profissional em sua equipe após
a qualificação; sugestões de mudança propostas pelo profissional egresso; e
melhorias para a qualificação do MP. As entrevistas, realizadas pela primeira
autora do capítulo, aconteceram no local de trabalho dos participantes, sendo
gravadas em meio eletrônico e posteriormente transcritas.

Os dados foram examinados com o apoio do software webQDA, que é um


programa de apoio à análise qualitativa, permitindo a organização de textos,
vídeos, áudios e imagens num ambiente colaborativo e com base na internet.
Possibilita ao pesquisador criar categorias, codificar, controlar, filtrar, realizar
pesquisas e questionar os dados com o objetivo de responder às suas questões
de investigação, utilizando um conjunto de instrumentos metodológicos que
possibilitam uma interpretação controlada, baseada na inferência (CASTRO;
ABS; SARRIERA, 2011; COSTA; LINHARES; SOUZA, 2012).

A análise temática de conteúdo (BARDIN, 2011) das entrevistas foi realizada


em três etapas, sendo a primeira a pré-análise que consistiu na enumeração,
leitura prévia com transcrição interpretativa no webQDA; a segunda, fase de
exploração, compreendeu uma segunda leitura do material e o agrupamento do
texto em categorias pré-estabelecidas (Contribuições do Mestrado Profissional
na Atuação do Servidor; Atuação Profissional na Equipe de Trabalho;

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OS SENTIDOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM SAÚDE COLETIVA PARA ATUAÇÃO DO SERVIDOR EM SEU LOCAL DE TRABALHO
Ellen Synthia Fernandes de Oliveira; Mariana Teixeira da Silva; Nelson Filice de Barros

Modificação no Trabalho e Sugestões de Melhorias para o MP) e a terceira


etapa, o tratamento e a interpretação dos dados, que permitiu a realização de
inferências, a partir da leitura das entrevistas de forma comparativa.

Cabe ressaltar que este capitulo é parte de uma pesquisa mais ampla sobre
os egressos do MPSC de uma instituição pública da região Centro-Oeste,
que envolveu uma grande quantidade de dados para análise, levantados por
meio de questionário e entrevistas. O estudo foi financiado pela Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) e submetido ao Comitê
de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás (UFG) – Plataforma
Brasil e aprovado com o Parecer nº1.292.381. E, para preservar o sigilo dos
entrevistados, eles foram nomeados por ordem sequencial de E1 a E12.

RESULTADOS
A análise dos sentidos atribuídos pelos gestores dos serviços de saúde sobre
esta modalidade de pós-graduação e a contribuição do servidor egresso em
seu local de trabalho, bem como as transformações e modificações geradas no
cenário de prática identificadas nas entrevistas, é importante para o avanço do
conhecimento sobre esse espaço de articulação entre a academia e o serviço.

A análise das entrevistas permitiu a identificação de 136 referências de contexto


(quadro 1), sendo que as palavras mais frequentes nas falas dos gestores foram
conhecimento (61) e aplicabilidade (51).

Quadro 1. Distribuição de referências de contexto nas entrevistas com


chefes imediatos dos profissionais egressos do MPSC

Categorias Referências
Contribuição do MP na atuação do servidor 32
Atuação profissional na equipe de trabalho 32
Modificação no trabalho 33
Sugestões de melhorias para o MP 39
Total 136

34
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

CONTRIBUIÇÕES DO MESTRADO PROFISSIONAL NA ATUAÇÃO


DO SERVIDOR
A aplicabilidade dos conhecimentos adquiridos no MPSC foi percebida pelos
gestores pelo fato do mestrado estar voltado para prática e os temas trabalhados
estarem integrados com o serviço, em relação: aos conhecimentos em gestão,
aprimoramento profissional, conhecimento e utilização de evidência científica
no local de trabalho.

O sentido prático do MP e de contribuição efetiva no local de atuação do


egresso foi destacado, pois a maioria dos temas trabalhados no mestrado está
alinhado com os problemas prioritários do campo da Saúde Coletiva, tendo
muitos projetos com aplicabilidade nos serviços e no ambiente de trabalho,
com reflexo nas Políticas Públicas de Saúde. Este sentido ganhou expressão,
por exemplo, com afirmações relacionadas ao fato de que “A egressa desenvolveu
projeto na área do ensino a distância, então esse projeto dela foi importante porque foi no
momento em que nós estávamos trabalhando a nossa plataforma... (E6).

Todavia, alguns gestores destacaram sentido negativo da contribuição do


MP para a atuação do servidor, pois relataram não ter conhecimento sobre
os trabalhos desenvolvidos onde são gestores. O discurso que segue é um
exemplar desse sentido negativo, na medida em que afirma não ter tido
retorno do profissional que fez o MP e espera que essa devolutiva seja mais
estimulada pelos próprios programas de MP.

“especificamente falando de profissionais farmacêuticos que sejam egressos eu não conheço o


trabalho de nenhum deles... Eu não tive nenhum feedback ainda, nenhuma proposta, nada
que pudesse transformar, mas a gente espera que eles sejam mais estimulados a isso, né?” E2

ATUAÇÃO PROFISSIONAL NA EQUIPE DE TRABALHO


Os gestores relataram, no geral, que os egressos demonstraram um diferencial
em sua atuação profissional e na forma de articular e desenvolver atribuições.
Houve relatos de aprimoramento e aumento da capacidade de liderança,
ressaltando-se as potencialidades no desenvolvimento de projetos de
intervenção.

O sentido atribuído é o de que os processos de gestão em saúde ficam mais


organizados e com mais fundamentação teórica com a atuação desses

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Ellen Synthia Fernandes de Oliveira; Mariana Teixeira da Silva; Nelson Filice de Barros

profissionais mestres, pois é possível que o cuidado com o rigor metodológico


seja incrementado durante o MP. O extrato que segue é uma evidência
desse sentido, pois o entrevistado afirma que “a coordenadora de Saúde do Idoso,
a coordenadora de Saúde do Homem e do Adolescente, a apoiadora da Saúde da Mulher
todas são mestres, a coordenadora de Saúde da Família também. E a gente vê a diferença em
qualidade nos projetos mesmo.” E5

Uma gestora mencionou que sente falta de servidores qualificados na Atenção


Básica e considera que deveria ser realizada maior qualificação desses
servidores, ao invés de restringir apenas nos profissionais da gestão. Este sentido
é bastante relevante na medida em que a gestão do cuidado tem demandado
muita atenção nos serviços e poucos profissionais estão qualificados para esta
demanda.

MODIFICAÇÃO NO TRABALHO
Os gestores identificaram modificações no trabalho dos egressos, citando
projetos que foram realizados e colocados em prática, não somente referentes
à dissertação, mas também outros construídos durante e depois do mestrado.

O sentido atribuído aos processos de modificação no trabalho relacionaram-se


ao fato de que o MPSC aumenta as potencialidades no desenvolvimento de
projetos de intervenção e na sistematização das ideias, pois os egressos agem
como elaboradores e executores de planos prioritários e soluções de problemas,
atuam na educação em instituições com vocação de ensino, auxiliam na
reestruturação dos processos de trabalho, trabalham com evidências, auxiliam
na tomada de decisões junto a organismos governamentais, Conselhos de
Saúde, Ministério Publico etc., apresentaram uma visão mais ampla dos
processos e programas com os quais trabalhavam e trazem mais contribuições
propositivas com discussões importantes e embasadas. Sumariamente, o
sentido da modificação do trabalho a partir da experiência do MPSC pode ser
identificado no discurso do gestor que afirma que “tem trabalhos que sinalizaram
pra coisas importantes e tem potencial inclusive para mudar a prática” (E10).

MELHORIAS PARA O MP
Muitas sugestões de melhorias para o MP, principalmente voltadas para
aplicabilidade dos produtos e para contemplar os temas prioritários para o
SUS foram declaradas pelos participantes.

36
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

O sentido dos melhoramentos dos programas de MPSC passa pela maior


integração entre os serviços e a universidade, especialmente: I) com a participação
dos gestores na definição de temas prioritários e negociação da liberação de carga
horária do servidor para a realização do MP; II) com a garantia da devolutiva
dos resultados para as equipes dos serviços em que o profissional egresso está
envolvido; III) com a criação de observatório de saúde para acompanhar o
desenvolvimento dos trabalhos realizados nos MPSC, trazendo mais visibilidade
aos projetos, organização do acervo completo das dissertações, facilidade de
acesso, possibilidade de consulta e acompanhamento do egresso após a defesa.

Em relação ao primeiro item, os gestores ressaltaram que para negociar a


liberação da carga horária do servidor é fundamental conhecer o objetivo
da qualificação que será realizada, pois este é um ponto difícil, tanto para
o servidor, quanto para o gestor, pois a reposição da carga horária deve ser
realizada e o retorno dos resultados do trabalho não estão garantidos. Segundo
um entrevistado

Talvez uma proposta que pudesse formalizar um pouco isso, poderia ser o fato da universidade,
já que ela pede a liberação, que também solicitasse um ”rol” de temas que pudessem ser
desenvolvidos por aquele aluno... Uma discussão mesmo.... Não quer dizer que isso amarraria
os projetos, só em termos de sugestão, seria interessante. E11

O segundo item está bastante relacionado ao primeiro e mereceu destaque


por ser uma necessidade fundamental para todos os envolvidos no MP, uma
vez que não é incomum o retorno dos profissionais liberados aos seus postos
de trabalho sem qualquer devolutiva dos resultados do seu mestrado. Assim, o
mesmo gestor que discutiu a questão da liberação de carga horária completa
seu raciocínio sugerindo que se “crie um espaço dentro do serviço para dar as devolutivas.
Essa iniciativa teria que partir do serviço. Um evento e/ou um fórum de discussão e debate
envolvendo as pessoas envolvidas com os temas.E11”

O terceiro item é bastante desafiador e tem o sentido de um trabalho mais


conjunto para a construção da garantia de acesso e acompanhamento por
meio de uma plataforma eletrônica. O primeiro extrato deixa ver a proposição
do que o gestor denominou de observatório e suas potencialidades, enquanto
o segundo apresenta proposta de acompanhamento do egresso bastante
contundente e possivelmente problemática, associada à criação do chamado
“doutorado profissional”, como se pode observar.

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OS SENTIDOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM SAÚDE COLETIVA PARA ATUAÇÃO DO SERVIDOR EM SEU LOCAL DE TRABALHO
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seria a implantação de um observatório de saúde. Ter um repositório para ajudar a alimentar


o observatório e fazer conexão com as demais redes de observatório. Essa seria uma estratégia
para dar visibilidade das pesquisas e do retorno do MP ao serviço. E10

Eu acredito que o MP, assim como todas as outras áreas de ensino precisa de continuidade,
então o que eu acho que falta no MP é o doutorado e o pós-doutorado pra fechar. E4

DISCUSSÃO
O nosso estudo mostra que além da necessidade de qualificação do profissional,
urge uma efetiva integração entre a universidade e a sociedade, bem como
uma valorização da interdisciplinaridade e de projetos que sejam capazes de
transformar a realidade, o processo de trabalho e o conhecimento.

O modelo de educação em saúde predominante, na melhor das hipóteses, treina


técnicos competentes, porém pouco comprometidos com as políticas públicas
de saúde (FEUERWERKER, 2002; AMORETTI, 2005), os quais, em sua
maioria, mostram-se carentes de uma visão crítica da sociedade e da saúde e
consequentemente, muitas vezes, mostram-se resistentes às mudanças e tendem
a defender o status vigente, distanciados do conhecimento crítico em relação
a aspectos políticos, sociais e culturais. Na prática, os sujeitos formados nesse
modelo revelam-se desconhecedores, quando não antagonistas, do SUS, que é a
política estratégica do Estado brasileiro para a superação da imensa dívida social
da saúde para com a população carente (ALMEIDA-FILHO, 2013).

Dentre as demandas-desafios de gestores, dos diferentes cenários de práticas


do campo da saúde entrevistados, à Universidade estão a formação dos
trabalhadores em modelo educativo que forme profissionais tecnologicamente
competentes, capazes de trabalhar em equipe, criativos, autônomos,
resolutivos, engajados na promoção da saúde, abertos à participação social e,
enfim, comprometidos com à saúde (SAUPE; WENDHAUSEN, 2005). Nesse
sentido pergunta-se, será o MP esse novo modelo?

Acreditamos que sim, com base nos sentidos positivos atribuídos pelos
gestores, que se nos apresentaram como importantes evidências. Como
sustenta Ribeiro (2006), os desafios do MP são tão grandes ou ainda maiores
do que os dos programas acadêmicos, pois a implementação de um modelo
de formação profissional ainda é uma aposta baseada nos princípios de que
a pesquisa deve atender à demanda da prática e que o trabalho é a base de
um processo de formação. Sobretudo, na medida em que inclui práticas de

38
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

reflexão nos diferentes cenários e busca equacionamento e proposição de


intervenções para a melhoria das condições de vida (VILELA; BATISTA,
2015; FISCHER, 2005; SAUPE; WENDHAUSEN, 2005; BARATA, 2008;
FISCHER; WAIANDT, 2012; MACIEL; NOGUEIRA, 2012; BARATA;
SANTOS, 2013).

O MP foi criado para atender as demandas sociais, mantendo o viés


científico da formação, instrumentando profissionais que serão produtores
de conhecimento, tanto no mercado quanto no meio acadêmico. Nessa
conjuntura, entretanto, ressalta-se a necessidade de um suporte institucional
para aplicação das pesquisas realizadas no MP, assim como a utilização
de todo o conhecimento adquirido durante o curso. O retorno social da
universidade depende diretamente do interesse governamental em aplicar as
pesquisas e o conhecimento adquirido nos cursos de MP Hortale et al (2010) e
Santos; Hortale (2014). Em nosso estudo, a liberação do servidor para cursar
o mestrado ainda é um entrave e, por isso, concordamos com Hortale et al
(2010) que identificaram baixo compromisso institucional, corroborando na
dificultação de saída e retorno dos profissionais.

Todos os gestores entrevistados nessa pesquisa reclamaram a importância da


necessidade de sua participação mais efetiva na escolha dos temas a serem
desenvolvidos no MPSC. Além disso, propuseram a criação de um espaço
dentro do serviço para receber devolutivas e propiciar mais diálogo antes,
durante e depois do processo de qualificação dos servidores. Outros autores
já identificaram esta demanda e para Negret, Nunes e Bontempo (2012),
Ribeiro (2005) e Scarano e Oliveira (2005) a criação desses espaços nos
serviços pode estimular o profissional capacitado a localizar e reconhecer
espaços para aplicar nas atividades cotidianas o conhecimento produzido
nos programas de MP.

Os gestores destacaram a atuação dos servidores egressos do MPSC na


docência em escolas de saúde, no desenvolvimento de novos conhecimentos
nos serviços do SUS e na transformação dos serviços. Também, nomearam
como uma potencialidade revelada nos egressos dos MPSC a capacidade
de aliar a vivencia profissional com a qualificação recebida. Este sentido
atribuído à qualificação no MP também não é inédito, mas julgamos ser muito
relevante por evidenciar a capacidade adquirida de transformar o processo de
trabalho e produzir conhecimento qualificado em Saúde Coletiva (SAUPE;
WENDHAUSEN, 2005; TAVARES; QUEIROZ, 2014)

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OS SENTIDOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM SAÚDE COLETIVA PARA ATUAÇÃO DO SERVIDOR EM SEU LOCAL DE TRABALHO
Ellen Synthia Fernandes de Oliveira; Mariana Teixeira da Silva; Nelson Filice de Barros

As implicações dos achados dessa pesquisa são importantes para distintos


setores da Saúde Coletiva e para todos os outros campos de conhecimento que
apostaram nesse modelo de formação de pós-graduação. Entre as muitas relações
destaca-se o relativo ineditismo deste estudo sobre os sentidos atribuídos pelos
gestores e chefes diretos ao retorno dos egressos após a conclusão do MP, uma
vez que com isso os temas da liberação dos trabalhadores e da devolutiva dos
resultados alcançados podem ser melhor desenvolvidos. Obviamente os achados
apresentados e discutidos neste texto têm o limite de serem desenvolvidos a
partir de apenas um programa de MPSC, no entanto eles são suficientemente
robustos para evidenciar maior atribuição de sentidos positivos que negativos
pelos entrevistados e sugerir investigações mais amplas sobre a temática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como foco conhecer os sentidos atribuídos pelos gestores
e chefes imediatos dos profissionais egressos do MPSC da Universidade Federal
de Goiás sobre a sua contribuição na transformação de diferentes cenários de
prática do SUS. Foram explorados os sentidos associados a quatro categorias
de análise relacionadas às Contribuições do Mestrado Profissional na Atuação
do Servidor, Atuação Profissional na Equipe de Trabalho, Modificação no
Trabalho e Sugestões de Melhorias para o MP.

Uma das contribuições do MPSC na atuação do profissional egresso é a


atualização e qualificação com teorias e pesquisas aplicadas ao SUS. No entanto,
os gestores assinalaram os fortes limites do modelo educacional vigente, que
impõe extra desafios aos MP no desenvolvimento de seu potencial de inovação
para o SUS e da criação de espaços de trocas entre serviço e academia.

Sobre as especificidades da atuação profissional na equipe de trabalho,


os gestores destacaram transformações da prática promovidas pelo
desenvolvimento de projetos de intervenção no MPSC, porém reafirmam
a necessidade de sua maior participação na escolha dos temas a serem
desenvolvidos nas dissertações. Além disso, sugeriram a criação de espaços
para discussão, chamado “oficina de prioridades”, como uma estratégia de
sustentabilidade e visibilidade dos impactos dos resultados obtidos no MP
para o SUS. Problematizam, ainda, a adequação do regime de trabalho e a
liberação do servidor para o estudo, bem como a compensação ao serviço e
devolutiva dos resultados pelo profissional qualificado no MPSC.

40
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

É preciso considerar que as formas como os campos de conhecimento constroem


seus princípios e afirmam suas tradições constitui-se em um processo histórico
marcado por mudanças nem sempre aceitas de imediato, pois emergem
sempre em meio aos conflitos sociais por posições de prestígio. Esse é o caso
do desenvolvimento dos MPSC, que ainda disputam suas possibilidades.
Assim, os sentidos captados nos discursos dos gestores mostram os desafios
relacionados ao acompanhamento dos egressos com vistas ao aprimoramento
da gestão e implementação de políticas públicas de saúde no Brasil.

Conclusivamente, é possível afirmar que os sentidos atribuídos pelos gestores


e chefes diretos dos egressos do programa de Mestrado Profissional em Saúde
Coletiva da Universidade Federal de Goiás são mais positivos que negativos.
Também é possível afirmar, com base em generalização analítica, apoiada nos
dados pessoais e locais apresentados, bem como na literatura sobre o assunto no
Brasil, que mesmo com importantes desafios de curto, médio e longo alcance,
essa modalidade de produção de conhecimento e inovação tecnológica é
fundamental para o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde.

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OS SENTIDOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM SAÚDE COLETIVA PARA ATUAÇÃO DO SERVIDOR EM SEU LOCAL DE TRABALHO
Ellen Synthia Fernandes de Oliveira; Mariana Teixeira da Silva; Nelson Filice de Barros

44
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

UM OLHAR SOBRE A APLICAÇÃO DO


INTERACIONISMO SIMBÓLICO EM
PESQUISAS NA ÁREA DA SAÚDE

Christina Cesar Praça Brasil; Raimunda Magalhães da Silva


Universidade de Fortaleza

cpraca@unifor.br; rmsilva@unifor.br

SINOPSE
Os estudos qualitativos ampliam-se na área da saúde por possibilitarem a visualização mais
profunda dos problemas e viabilizarem a incorporação do significado e da intencionalidade
dos atos, das relações e das estruturas sociais. Isto posto, torna factível dar ênfase à observação
das qualidades das entidades e dos processos, além da compreensão dos significados que não
são examinados ou medidos experimentalmente. Observa-se que a pesquisa qualitativa envolve
abordagens que procuram entender ou interpretar os fenômenos em termos dos significados que
as pessoas lhes conferem. Para o desenvolvimento desse tipo de estudo, é necessário optar por
um referencial teórico-metodológico que contemple as dimensões que se buscam compreender.
Assim, ao se falar em sentidos, compreensões, ações, interpretações e intencionalidade,
voltaremos, neste capítulo, o olhar para um relato de experiência sobre pesquisas que utilizaram
o Interacionismo Simbólico e a sistematização da metodologia utilizada para facilitar a coleta,
a análise e a interpretação dos dados.

INTRODUÇÃO
A pesquisa qualitativa volta o seu olhar para o estudo de grupos ou
experiências relacionadas à saúde ou à doença, em que o assunto é pouco
conhecido ou o conhecimento que se tem parece insuficiente ou inadequado
(RICHARDS; MORSE, 2007). Além disso, esses estudos também se aplicam
para a concepção de novas ideias sobre fenômenos, grupos, experiências ou
conceitos estudados em momentos anteriores (CRESWELL, 2010).

Assim, os estudos qualitativos ampliam-se na área da saúde por possibilitarem


a visualização mais profunda dos problemas e viabilizarem a incorporação
do significado e da intencionalidade dos atos, das relações e das estruturas
sociais (MINAYO, 2010); o que possibilita enfatizar a qualidade das entidades,
dos processos e os significados que não são examinados ou medidos de
forma experimental. Nesse contexto, a aplicação de pesquisas qualitativas é

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UM OLHAR SOBRE A APLICAÇÃO DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO EM PESQUISAS NA ÁREA DA SAÚDE
Christina Cesar Praça Brasil, Raimunda Magalhães da Silva

bastante pertinentes na área da saúde, uma vez que as diversas classificações


de saúde e doença estão impregnadas por uma carga histórica, cultural,
política e ideológica, o que não se traduz em todas as suas dimensões por meio
exclusivamente de números (GOMES, 2004).

Nesse sentido, Becker (1996) aponta que a pesquisa qualitativa contempla uma
abordagem naturalista e interpretativa do cenário em estudo, ou seja, que seus
pesquisadores estudam as coisas em seus ambientes naturais, na tentativa de
entender ou interpretar os fenômenos de acordo com os significados atribuídos
pelos indivíduos.

Nos estudos qualitativos, não se pode perder de vista alguns conceitos: a


pesquisa, que corresponde à exploração do caminho, ou ainda, à definição
e à redefinição do objeto; a metodologia, que inclui as concepções teóricas
de abordagem, as quais possibilitam a apreensão da realidade e também
valorizam o potencial criativo do pesquisador; o método, que diz respeito à
forma como se procede a exploração do caminho (SAMPIERI; COLLADO;
LUCIO, 2013).

Entretanto, deve-se considerar a existência de uma diversidade de desenhos


de pesquisa qualitativa, entre os quais não existem barreiras fixas, podendo
haver justaposição de desenhos e flexibilidade para o alcance dos objetivos
propostos (MINAYO, 2010). Sampieri, Collado e Lucio (2013) apontam para os
seguintes desenhos de pesquisa qualitativa: Teoria Fundamentada (Grounded
Theory), estudos etnográficos, estudos narrativos, pesquisa-ação, estudos
fenomenológicos, estudos de caso, Interacionismo Simbólico, hermenêutica-
dialética, representações sociais, dentre outros. Os autores apresentam as
características de cada um desses desenhos, bem como as suas potencialidades
e limitações. Assim, cabe ao pesquisador definir o ponto aonde quer chegar
para que a seleção do desenho de pesquisa esteja bem alinhada ao marco
interpretativo ou metodológico escolhido para a análise dos resultados obtidos.

Para exemplificar, apresentamos neste capítulo o relato de uma experiência na


qual utilizamos o Iteracionismo Simbólico (BLUMER, 1969) como desenho
de pesquisa e como referencial teórico e metodológico. Descreveremos a
seguir características do Interacionismo Simbólico para melhor compreensão
da experiência em pauta.

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

1.1 O INTERACIONISMO SIMBÓLICO E AS SUAS POSSIBILIDADES COMO


REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

O Interacionismo Simbólico constitui uma ampla abordagem sociológica,


a qual desenvolve o estudo das relações humanas em grupo e as diversas
condutas humanas. Caracteriza-se por contextualizar essas relações em
conformidade com as experiências individuais e coletivas. Nesse sentido, o
significado corresponde ao seu conceito matricial, defendendo o argumento
de que, por meio das interações das pessoas, as ações são constituídas e
redefinidas (LOPES; JORGE, 2005; SANTOS; NÓBREGA, 2004).

Pesquisadores contemporâneos, ao estudarem diversas correntes e comparar


diferentes teóricos, definem o Interacionismo Simbólico como

[...] uma perspectiva teórica que propicia a compreensão do modo como os


indivíduos interpretam os objetos e as outras pessoas com as quais interagem e
como este processo de interpretação conduz o comportamento individual em
situações específicas. (CARVALHO; BORGES; RÊGO, 2010, p. 148)

Sob este mesmo prisma, essas autoras defendem a ideia de que o Interacionismo
Simbólico possibilita a análise dos processos de socialização e ressocialização,
além de favorecer o estudo da mobilização de mudanças de opinião,
comportamentos, expectativas e exigências.

A literatura mostra uma utilização ainda tímida do Interacionismo Simbólico


nas pesquisas da área da saúde, porém esses estudos mostram que essa
abordagem cria uma imagem mais ativa do ser humano, rejeitando o “rótulo”
de que este age como um organismo passivo, sendo ele membro de uma
sociedade constituída de indivíduos interagindo (ASSUNÇÃO, 2013). Para
Nunes (2013), existe uma valorização epistemológica da situação social, a qual
é evidenciada pelo Interacionismo Simbólico. Outros estudos também foram
verificados, nos quais a abordagem interacionista constitui um método para
que pesquisadores e profissionais da saúde compreendam os juízos de valor
sobre um determinado fenômeno em estudo (ANDRADE; TANAKA, 2000).

George Herbert Mead é uma das principais referências no assunto. Na


sua obra Mind, Self and Society, de 1934, o autor explora as relações entre
a sociedade e o ser humano, expõe a gênese do self, o desenvolvimento de
símbolos significantes e o comportamento da mente.

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UM OLHAR SOBRE A APLICAÇÃO DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO EM PESQUISAS NA ÁREA DA SAÚDE
Christina Cesar Praça Brasil, Raimunda Magalhães da Silva

A palavra society refere-se à ideia de que toda atividade dos grupos


humanos se baseia no comportamento cooperativo, o que deixa as interações
interpessoais em evidência. O self mostra que o indivíduo é também objeto
das suas ações, uma vez que, além de agir em sociedade, ele interage consigo
mesmo. O mind é um processo que acontece quando a pessoa interage
consigo, usando símbolos significantes (gestos compartilhados por assumirem
um sentido comum), sendo este uma ação simbólica para o self, pois é um
recurso social que surge do processo de comunicação interpessoal e da
interação (HAGUETTE, 2007).

Apesar da importância de Mead na concepção interacionista, foi Herbert


Blumer que atribuiu a denominação Interacionismo Simbólico à abordagem
arquitetada por Mead.

Para Blumer (1969), o Interacionismo Simbólico constitui um rótulo para


uma abordagem relativa ao estudo da vida humana em grupo e da conduta
humana. Dessa forma, o autor explica a natureza do interacionismo simbólico
com base em três premissas, como explicita Haguette (2007, p. 35): ação
corresponde ao resultado de um processo de interação social recíproca, a
qual é passível de modificar-se continuamente, com respaldo nas relações
interpessoais e nas peculiaridades dos contextos; o significado é o produto
social da interatividade entre as pessoas, o que possibilita aos pesquisadores
compreenderem os processos e as características interacionais da sociedade e
dos indivíduos; por fim, a interpretação refere-se à capacidade das pessoas
em interação de refrearem as inclinações, impulsos, desejos e sentimentos em
função do outro e do modo como julgam ou ressignificam. Isso corresponde,
portanto, aos acontecimentos que impulsionam a pessoa a uma nova ação, ao
reconsiderar a conduta.

Haguette (2007) e Blumer (1969) ainda chamam a atenção para o fato de que
essas premissas reforçam a ideia de que o sentido (ou significado) das coisas para
o comportamento humano é fundamental para o Interacionismo Simbólico,
o que corresponde a um dos diferenciais dessa teoria. Por isso, é importante
ressaltar que a utilização dos significados envolve uma interpretação, que
passa por duas etapas, quais sejam:

1ª) A pessoa indica a si mesma as coisas em direção às quais está agindo, ou


seja, ela aponta a si mesma as coisas que têm sentido. Assim, o significado é
constituído (ou reconstituído) na interação das pessoas.

48
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

2ª) Após o primeiro processo, a interpretação passa a significar a forma de


manipulação dos sentidos, ou seja, a pessoa seleciona, checa, suspende, reagrupa
e transforma os sentidos à luz da situação em que está e da direção da sua ação.

Diante do exposto, fica evidente que a sociedade existe em contínuo processo


de ação. Para isso, é imprescindível a valorização da comunicação para que a
interação entre as pessoas ocorra de forma a favorecer o estabelecimento de
estruturas e organizações (MORATO, 2004). A interação é fundamental para
elaborar o conhecimento e a dupla natureza da linguagem; assim, pode-se
dizer que mais do que “em ação”, a sociedade existe em contínua “interação”.

1.2 A APLICAÇÃO DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO EM PESQUISA: UM RELATO


DE EXPERIÊNCIA
A experiência, objeto deste capítulo, foi inicialmente implementada durante
o desenvolvimento da tese de doutorado “A voz da professora não pode calar:
sentidos, ações e interpretações na integralidade em saúde”, a qual está
fundamentada no Interacionismo Simbólico, que traz a concepção de Blumer
(1969) quando, com suporte nas suas três premissas, valoriza o significado,
a ação e a interpretação.

A aplicação desse percurso metodológico respaldou todo o estudo sobre a


saúde vocal das professoras. Assim, faremos um preâmbulo sobre a pesquisa
realizada, ressaltando que os dados coletados serviram para ilustrar as etapas
e os alcances da metodologia adotada que valem a pena ser compartilhados
com a comunidade científica para facilitar e ampliar a realização de outros
estudos com a utilização do Interacionismo Simbólico.

1.2.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA


Realizou-se um estudo exploratório qualitativo com o objetivo de compreender
os sentidos da voz para as professoras do Ensino Fundamental, com base nas suas
interpretações e ações ante a ocorrência de alterações vocais e os impactos na vida
pessoal, profissional e social, por meio de questionários e três grupos focais.

A metodologia qualitativa foi aplicada pelo fato de esta ser capaz de


incorporar as questões inerentes ao significado e à intencionalidade dos
atos. Ademais, possibilitou a verificação e a análise das relações e estruturas
sociais, considerando o conhecimento como elemento-chave, uma vez que
corresponde ao processo pelo qual as pessoas intuem, apreendem e expressam
as suas percepções, sem desprezarem a subjetividade.

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UM OLHAR SOBRE A APLICAÇÃO DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO EM PESQUISAS NA ÁREA DA SAÚDE
Christina Cesar Praça Brasil, Raimunda Magalhães da Silva

A amostra da pesquisa foi composta por 26 mulheres extraídas de um grupo


de 361 professoras do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino
de Fortaleza, que responderam preliminarmente a um questionário sobre as
características socioeconômicas, formação e vida profissional, condições de
saúde geral e vocal. Aplicaram-se para a coleta de dados três grupos focais
(GF), cada um deles com diferentes professoras e duração média de 2 horas
e 30 minutos, nos meses de maio e junho de 2014, nos quais se discutiram
temáticas relacionadas à voz e à emoção.

1.2.2 O PERCURSO METODOLÓGICO

Nas pesquisas qualitativas, é importante que o pesquisador leve em


consideração a assunção mútua de papéis que proporciona a compreensão
e a interação de símbolos. Foi nesse sentido que a adoção do Interacionismo
Simbólico favoreceu a compreensão da importância da voz no contexto da
saúde da mulher, a partir do estudo de um grupo de professoras, pois só se pode
cuidar daquilo que se compreende e se entende como importante para a vida
(BRASIL, 2015). Coube à pesquisadora o papel de mediadora do processo
investigativo para que o conhecimento das participantes sobre o assunto fosse
externado, constituído ou reconstituído pelo grupo.

Em todas as etapas da pesquisa, verifica-se a concepção de Blumer (1969),


uma vez que foram seguidos, para o alcance dos objetivos, os seis pontos mais
importantes da investigação científica, considerados indispensáveis pelo autor,
os quais sofreram adequações para viabilizar a realização do estudo. Assim,
verificam-se as seguintes fases:

1. Possessão e uso de uma visão prévia ou esquema do mundo empírico em


estudo, nesse caso, as professoras do Ensino Fundamental. Esta visão orientou
a formulação de problemas, a identificação dos tipos de dados relevantes,
além do conhecimento sobre as características da realidade das professoras.

2. Elaboração de questões sobre o mundo empírico e a conversão destas em


problemas, os quais convergem para o fato de como as professoras lidam com a
sua voz, se elas reconhecem os fatores de risco para as alterações vocais e quais
os maiores impactos destas alterações na vida pessoal, social e profissional.

3. Em seguida, foram determinados os dados a serem coletados e os meios


que seriam utilizados para esse fim. Para isso, utilizou-se um questionário
socioeconômico (primeira etapa), que não será descrito em detalhe neste

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

capítulo, e um roteiro para os grupos focais (segunda etapa). O problema


identificado nas fases exploratórias (1 e 2) facilitou a definição mais
precisa dos dados a serem analisados e sua natureza, bem como os meios
a serem utilizados. Assim, a aplicação do questionário socioeconômico foi
realizada no período de dezembro de 2013 a maio de 2014, incluindo 351
professoras, dos seis distritos de educação, alocadas em 60 escolas, sendo
dez de cada um dos distritos. Em seguida, foram realizados os três grupos
focais mencionados anteriormente.

4. A determinação das relações entre os dados foi feita com origem na


leitura, reflexão e conexões estabelecidas, com o conhecimento prévio da
pesquisadora sobre o cenário e o tema em estudo. Além disso, houve uma
inovação na aplicação da metodologia, quando foram estabelecidas as
interfaces entre os dados coletados e as três premissas do Interacionismo
Simbólico. É sobre este aspecto que voltaremos o olhar neste capítulo.

5. A análise dos dados qualitativos foi feita à luz da Análise de Conteúdo


(BARDIN, 2011), sendo possível a identificação das temáticas de
análise. Nessa fase, examinou-se minuciosamente o referencial teórico,
na tentativa de captar a percepção das professoras sobre a sua saúde
vocal, o entendimento dos riscos à voz impostos pela condição feminina
e os impactos causados pelas alterações de voz na vida profissional e
pessoal.

6. Para a interpretação dos dados, foram empregados os conceitos do


Interacionismo Simbólico, na tentativa de identificar as áreas temáticas e
compreender o objeto de estudo em sua profundidade. Assim, definiu-se
previamente que as temáticas seriam definidas conforme as três premissas
interacionistas – sentidos, ações e interpretações.

1.2.3 A RENOVAÇÃO METODOLÓGICA


As autoras realizaram uma revisão integrativa de literatura na base de
dados Biblioteca Digital de Teses e Dissertações-Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia (BDTD-Ibict), no intuito de verificar
a ocorrência de percursos metodológicos similares adotados em outras
dissertações e teses no período de 2006 a 2016. A palavra chave utilizada foi
o termo exato “interacionismo simbólico”, com o qual se identificaram 201
trabalhos; porém aplicando-se os descritores relacionados à área da saúde –
enfermagem, nursing, ciências da saúde, família e family - a quantidade de

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UM OLHAR SOBRE A APLICAÇÃO DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO EM PESQUISAS NA ÁREA DA SAÚDE
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teses e dissertações reduziu para 66, sendo 46 dissertações e 20 teses. Ressalta-


se que vários trabalhos estavam repetidos na listagem gerada em cada um dos
descritores. Por isso, cada trabalho foi considerado apenas uma vez.

Para a análise dos trabalhos, utilizou-se uma planilha do Excel Standard 2010,
na qual se evidenciaram os seguintes dados: título, descritor utilizado na busca,
categoria (tese ou dissertação), ano, objetivo, referencial teórico-metodológico
adotado, técnica de análise de dados e temáticas.

O resultado dessa busca mostrou que, na maioria dos estudos, os objetivos


voltam-se principalmente para a busca dos significados e que as temáticas de
análise foram definidas sem o estabelecimento prévio de um vínculo com as
três premissas do Interacionismo Simbólico, o que faz com que se evidenciem,
em primeiro lugar, as temáticas que espelham os sentidos/significados; em
segundo lugar, as ações e; de forma menos explícita, as interpretações. Dessa
forma, acredita-se que a preocupação preliminar em fazer a análise do material
coletado com o olhar voltado ao tripé da abordagem interacionista poderá
facilitar a apropriação deste referencial teórico pelos pesquisadores e conferir
maior completude aos estudos realizados com embasamento nesse referencial.

Outrossim, observou-se que vários estudos associaram o Interacionismo


Simbólico a outros referenciais teóricos que auxiliaram a definir as temáticas e
a proceder a análise dos dados, a exemplo da teoria fundamentada nos dados
(grounded theory) e o discurso do sujeito coletivo. Além desses, a análise de
conteúdo na modalidade temática foi a estratégia mais referenciada pelos
autores para a análise dos dados.

Em nossa pesquisa, a aplicação dos grupos focais foi integralmente planejada


com base no Interacionismo Simbólico, da elaboração das questões norteadoras
à interpretação dos dados, tendo respaldado a definição das temáticas de
análise. Esta estratégia facilitou a visualização teórica do Interacionismo, a
sua aplicação nas pesquisas em saúde, além de ter facilitado a articulação dos
achados com outras referências sobre voz, saúde vocal e comportamento.

Morgan (1997) aponta que os grupos focais são uma técnica de pesquisa
que coleta dados com base em interações grupais, ao se debater um assunto
específico proposto pelo pesquisador. Esta interação coaduna-se com o
Interacionismo Simbólico (BLUMER, 1969), o que possibilitou à pesquisadora
obter informações de caráter qualitativo em profundidade, uma vez que a
técnica foi capaz de revelar as percepções das participantes sobre a saúde

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

vocal; funcionando, ainda, como um recurso que possibilitou o entendimento


da elaboração das percepções, atitudes e representações das professoras sobre
o assunto em pauta (VEIGA; GONDIM, 2001).

Para Trad (2009), estabelecer o propósito da sessão é importante no


planejamento de um Grupo Focal. Ademais, outros fatores devem ser levados
em consideração para que se alcancem os objetivos, tais como: recursos
humanos (facilitador e moderadores) e materiais; número de participantes e
de encontros a serem realizados; roteiro de questões norteadoras; perfil dos
participantes; processo de seleção e tempo de duração.

Para a realização dos grupos focais, foi utilizado um roteiro com questões
norteadoras, o qual possibilitou realizar um debate participativo e promover
um aprofundamento relacionado aos sentidos da voz para as professoras do
Ensino Fundamental, suas atitudes perante a ocorrência de alterações vocais
e os impactos destas na vida pessoal, profissional e social (MINAYO, 2010).

Trad (2009, p. 788) aponta que “na formatação do roteiro dos grupos, é
imprescindível não perder de vista a coerência deste processo com o referencial
teórico-metodológico adotado na pesquisa”, o que é confirmado por vários
autores, incluindo Minayo (2010) e Minayo (2013). Assim, no roteiro do GF
elaborado para esta pesquisa, observa-se a relação das questões norteadoras
com as três premissas do Interacionismo Simbólico (BLUMER, 1969),
facilitando a contextualização das respostas das participantes sobre saúde
vocal na perspectiva teórico-metodológica que embasa a discussão, uma vez
que esta teoria configura como método significativo para os pesquisadores e
profissionais de saúde interessados em juízos de valor sobre o assunto estudado
(LOPES; JORGE, 2005). Diante do exposto, as questões elaboradas para o
roteiro do GF foram as seguintes:

1ª. Premissa – O ser humano age com relação às coisas na base dos sentidos
que elas têm para ele.

Em relação a essa premissa, as questões foram elaboradas para a verificação


do conhecimento de como as professoras agem em relação à sua voz e à saúde:

a. Como você usa a sua voz (na vida pessoal, social e profissional)?

b. Você muda a voz (intensidade, frequência, entonação, etc.) de acordo com


a mensagem que quer transmitir? Exemplifique.

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UM OLHAR SOBRE A APLICAÇÃO DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO EM PESQUISAS NA ÁREA DA SAÚDE
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c. Como cuida da sua voz? E da sua saúde?

d. O que você faz quando sua voz está alterada?

2ª. Premissa – O sentido destas coisas é derivado, ou surge, da interação


social que alguém estabelece com seus companheiros.

Nesse âmbito, as seguintes questões foram utilizadas:

a. O que significa voz para você?

b. O que acha da sua voz?

c. O que os outros acham da sua voz?

d. Qual a importância da voz para a sua vida pessoal, social e profissional?

e. O que você acha que prejudica a sua voz (emoções, período pré-menstrual,
envelhecimento, uso excessivo, condições ambientais adversas, etc)?

3ª. Premissa – Estes sentidos são manipulados e modificados por meio de um


processo interpretativo usado pela pessoa ao tratar as coisas que ela encontra.

Assim, utilizaram-se questionamentos em relação ao ato de interpretar as


questões relacionadas à voz:

a. Percebeu alterações na sua voz ao longo da sua carreira como professora?


(Como era sua voz no início e como está agora? O que conseguia fazer
com a voz e não consegue mais?)

b. Apresenta ou já apresentou algum problema vocal? Como se sente ou se


sentiu?

c. Como professora e mulher, acha que tem mais chance de ter problemas
na voz? Por quê?

d. A coleta de dados para constituição da amostra foi finalizada com base no


princípio da saturação (SALGADO, 2012).

A perspectiva do Interacionismo Simbólico sobre este objeto de estudo


ampliou a compreensão dessas questões, uma vez que esta abordagem
preconiza que as pessoas somente consideram para si e para os outros aquilo
que tem sentido para elas, ou seja, que faz parte do seu mundo (BLUMER,
1969; HAGUETTE, 2007).

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

Após a realização dos três grupos focais, os dados foram transcritos. Em


seguida, adotou-se a técnica de Análise de Conteúdo na modalidade temática
(BARDIN, 2011; MINAYO, 2013). A pesquisadora familiarizou-se com o
conteúdo, estabeleceu relações com a literatura pesquisada, observou as
palavras chaves que nortearam a categorização das ideias centrais e verificou
as relações dos depoimentos com as três premissas do Interacionismo
Simbólico (BLUMER, 1969) e de outros referenciais sobre saúde vocal e saúde
da mulher. Assim, emergiram as seguintes temáticas: conhecimentos e sentidos
da voz para as professoras; usos e ações das professoras em relação à voz; e
interpretações e suas influências na mudança de comportamentos relativos
à saúde vocal. Mais uma vez, chama-se a atenção para o alinhamento do
método de pesquisa com o referencial teórico escolhido.

Os sentidos dos objetos surgem para uma pessoa na vivência, no contexto


e nas relações interpessoais. Desse modo, para que se compreenda a ação
dela em relação à sua voz, o que a preserva, o que a prejudica, é necessário
que se identifique o seu mundo de objetos. De acordo com Lopes e Jorge
(2005), o Interacionismo Simbólico guarda estreita relação com a convivência
interpessoal e com a mudança de comportamento que direciona o
conhecimento e a adesão a mudanças no estilo de vida de uma pessoa ou
grupo social.

Nesse percurso metodológico, foi possível elaborar uma representação gráfica


(Figura 1) sobre o que os pesquisadores interpretaram ser o caráter cíclico do
Interacionismo Simbólico, interligando ações, conhecimentos e interpretações.
Assim, demonstrou-se que a perspectiva interacionista possibilita, por meio da
interação social e da mediação de um profissional da saúde, a interpretação,
a ressignificação de contextos, a mudança de condutas e atitudes. Isto guarda,
como evocam alguns pesquisadores (LOPES; JORGE, 2005; SILVA et al.,
2011), estreita relação com a adoção e o redirecionamento de medidas e
cuidados com a saúde, o que inclui a voz das professoras.

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UM OLHAR SOBRE A APLICAÇÃO DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO EM PESQUISAS NA ÁREA DA SAÚDE
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Figura 1 – Representação cíclica do Interacionismo Simbólico

Constituído coletivamente

Conhecimento primário

Redirecionável/Novo conhecimento

INTERAÇÕES SOCIAIS

MEDIAÇÕES

Julgamento Resultado da significação


individual e grupal
Leva à ressignificação
Pode modificar-se
Impulsiona mudanças na continuamente
compreensão e na ação
Interações e contextos

Fonte: Elaboração própria (2014)

RESULTADOS
Blumer (1969) defende a ideia de que os grupos humanos existem em ação e
assim devem ser vistos, num continuum de interação que pode ser modificado
pelo contexto e pela necessidade. As interações sociais geram ações e reações,
as quais podem mudar as interpretações das situações e objetos da vida diária,
o que pode ser verificado pela representação gráfica apresentada na Figura 1.

A aplicação do Interacionismo Simbólico permitiu verificar que as relações da


voz com as questões anatomofisiológicas, emocionais, hormonais, funcionais e
profissionais devem ser elucidadas e discutidas para que tenham significado para
as professoras e possam ser visualizadas pelas políticas de saúde da mulher. Para
isso, a mediação de um fonoaudiólogo pode ser uma ferramenta importante,
pois, em um grupo de orientação vocal para professores, por exemplo, a
interação do fonoaudiólogo com os participantes favorece o surgimento de
significados necessários à conscientização do grupo acerca do uso adequado
da voz. Tais significados são, no entanto, em grande parte, instigados pelo

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

fonoaudiólogo, com substrato no que ele diz, nos seus argumentos, nas suas
interferências, na sua ressignificação das falas dos participantes, ou seja, os
significados constituídos pelos professores não representam meramente um
processo interpretativo individual, mas coletivo, pautado nas interações, como
postula o Interacionismo Simbólico.

Algumas áreas da saúde e da educação tomam o Interacionismo Simbólico


como base teórica em seus estudos ainda muito timidamente, no sentido de
procurar opções resolutivas para problemas de saúde, com origem no olhar
de determinados grupos sociais. Para isso, os pesquisadores e os profissionais
precisam ter uma compreensão bem sedimentada sobre a realidade em que
pretende intervir, pois somente o contexto real poderá trazer orientações e
ações significativas para cada grupo a ser trabalhado (LOPES; JORGE, 2005;
SANTOS; NÓBREGA, 2004).

Nesta seção, será apresentado o resultado final da análise, onde se observam


as interfaces dos núcleos de sentido (NS) e das ideias associadas (IA) com as
três premissas do Interacionismo Simbólico, sendo estas consideradas, pela
pesquisadora, como as três grandes temáticas, nas quais serão albergados os
NS e as IA (Quadro 1).

Quadro 1 - Núcleos de sentido e ideias associadas relacionados às temáticas de


análise

Temáticas Núcleos de sentido Ideias associadas


Instrumento de trabalho, de
Conhecimentos e sentidos da
comunicação e interação social
voz
Meio de expressão das emoções
(Des)conhecimento sobre o uso
Sentimentos e impactos ante as da voz
alterações vocais Sintomas, consequências e
impactos na qualidade de vida
CONHECIMENTOS
Reivindicação por cuidado com
E SENTIDOS DA
a voz e melhores condições de
VOZ PARA AS
Consciência do empregador e trabalho
PROFESSORAS
reivindicação por cuidado Falta de preocupação dos
gestores com a saúde vocal do
professor
Influências das emoções na voz
Comportamentos femininos e voz
Voz e saúde da mulher
Interferência dos hormônios
sobre a voz

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UM OLHAR SOBRE A APLICAÇÃO DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO EM PESQUISAS NA ÁREA DA SAÚDE
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Temáticas Núcleos de sentido Ideias associadas


Uso intensivo da voz,
sobrecarga e papéis femininos
Demanda vocal
USOS E AÇÕES DAS Falar para espantar a solidão
PROFESSORAS EM
RELAÇÃO À VOZ Como cuidam e o que faz bem
à voz
Cuidado
Dificuldades para buscar
cuidado
Infraestrutura da escola
As influências do ambiente sobre
Relações interpessoais, agressões
a voz e a saúde das professoras
e violência no contexto escolar
Microfone
Metodologias ativas de ensino
Pactuações com ações e sinais
Estratégias de enfrentamento para evitar competição com o
para as condições adversas à ruído ambiental
saúde vocal Desabafo e troca de
experiências
Estabelecimento de vínculo com
INTERPRETAÇÕES os alunos
E SUAS INFLUÊNCIAS
Resolutividade e gerenciamento
NA MUDANÇA DE
Trabalho fonoaudiológico da saúde vocal
COMPORTAMENTOS
RELATIVOS À Promoção da saúde vocal
SAÚDE VOCAL Atuação do fonoaudiólogo nas
escolas
Criação de serviços
especializados para a saúde do
professor
Recursos tecnológicos para a
Sugestões
promoção da saúde vocal
Comunicação e educação sobre
saúde vocal
Melhoria da infraestrutura da
escola
Redução de alunos por sala

Ressalta-se, que apesar de os NS perpassarem todas as temáticas, ante o caráter


cíclico do Interacionismo Simbólico, eles foram analisados dentro da temática
com a qual guardam a relação mais próxima, considerando o momento em
que a pesquisa foi realizada.

Outros resultados que podem ser referenciados, a partir desta metodologia,


dizem respeito à reprodução desta forma de analisar os dados em outras
pesquisas que estão em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

Saúde Coletiva da Universidade de Fortaleza: uma tese de doutorado sobre


câncer de mama e duas dissertações de mestrado, sendo uma sobre o combate
ao tabagismo e outra sobre a validação de um aplicativo voltado à saúde vocal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A utilização da estratégia metodológica descrita neste estudo, a qual predefiniu
as temáticas de análise dos dados qualitativos com base nas premissas do
Interacionismo Simbólico, possibilitou estabelecer um perfil detalhado da
saúde vocal das participantes, uma vez que os conhecimentos, os sentimentos,
as ações e as interpretações das professoras sobre a voz permitiram um olhar
contextualizado sobre a questão. Isso favoreceu aos pesquisadores uma
visão ampliada do problema e a captação das três dimensões – sentidos,
ações e interpretações. Tal procedimento impactará de forma mais efetiva
na instrumentalização das docentes e dos gestores escolares e municipais a
redimensionarem os conhecimentos e as ações voltadas à saúde vocal.

Nesse contexto, o Interacionismo Simbólico facilitou a compreensão sobre os


aspectos individuais, sociais e ambientais que levam as professoras a compreender,
agir e interpretar as situações e as condições que envolvem a saúde vocal, fazendo
com que o cuidado com a voz seja moldado dentro dessa tríade.

Verificou-se, ainda, que a relação entre as três premissas do Interacionismo


Simbólico (temáticas) acontece de forma cíclica, influenciando que as condutas
relacionadas à saúde vocal sejam baseadas nas relações interpessoais, nas
reflexões pessoais e nas influências do ambiente. Esse ciclo nos permitiu concluir
que o sentido atribuído à voz pelas professoras, a forma como agem em relação
à sua saúde e como redirecionam seus comportamentos devem ser aprimorados
por meio da mediação de profissionais capacitados em saúde vocal.

Acredita-se que a apresentação da sistematização do planejamento desta


pesquisa, da sua condução metodológica e da forma de análise de dados
poderá ser reproduzida em outros trabalhos, facilitando a utilização do
Interacionismo Simbólico nas investigações qualitativas e/ou mistas nas áreas
da saúde e afins.

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UM OLHAR SOBRE A APLICAÇÃO DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO EM PESQUISAS NA ÁREA DA SAÚDE
Christina Cesar Praça Brasil, Raimunda Magalhães da Silva

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UM OLHAR SOBRE A APLICAÇÃO DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO EM PESQUISAS NA ÁREA DA SAÚDE
Christina Cesar Praça Brasil, Raimunda Magalhães da Silva

62
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

O MÉTODO QUE SE PERFAZ TATEANDO

Juan Carlos Aneiros Fernandez; Rafael Afonso da Silva


Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas

juancaf@fcm.unicamp.br; rafonso@fcm.unicamp.br

SINOPSE
As reflexões que seguem cuidam de um dos processos de pesquisa que compuseram o projeto
“Práticas populares de cuidado à saúde em comunidades de terreiros”. É um projeto com
múltiplos territórios de investigação/produção. Aqui nos concentramos em uma de suas etapas,
a experiência dos estudos de caso em comunidades de terreiros. O objetivo do capítulo é expor
o modo como se operou sua metodologia, como processo vivo, trazendo, ao final, não uma
síntese de seus múltiplos resultados, mas alguns trechos extraídos de estudos de caso em que
seus deslocamentos (a um só tempo, metodológicos, conceituais e ético-políticos) se tornam mais
evidentes, na narrativa singular do pesquisador.

1. CAMINHADAS E NARRATIVAS
Um texto clássico das Ciências Sociais diz que “a metodologia é importante
demais para ser deixada aos metodólogos” (BECKER, 1994, p. 17). O que
subjaz a essa afirmação – à qual nos alinhamos – é a ideia de “um modelo
artesanal de ciência, no qual cada trabalhador produz as teorias e métodos
necessários para o trabalho que está sendo feito” (IDEM, p.12). Segundo esse
autor, mais do que se preocupar com “regras de procedimento”, o pesquisador
social deve ampliar as possibilidades do “julgamento humano”, tornando as
bases deste “tão explícitas quanto possível, de modo que outros possam chegar
a suas conclusões” (IDEM, p. 19-20).

Segundo imaginamos, a metodologia de uma pesquisa particular é uma descrição


a posteriori de um caminho percorrido, o qual, em sua produção, foi, antes de tudo,
“caminhar”, no sentido de Ingold (2015, p.29), ou seja, um processo instituinte em
que “a atenção do caminhante vem não da chegada a uma posição, mas de ser
constantemente apartado dela, do próprio deslocamento”, em uma contínua “ex-
posição”, em um movimento que põe em xeque toda posição, todo ponto de vista
que possa ser assumido. A metodologia é o sentar-se em um banco depois da
caminhada e começar a narrativa das escolhas assumidas no “caminhar”.

63
O MÉTODO QUE SE PERFAZ TATEANDO | Juan Carlos Aneiros Fernandez; Rafael Afonso da Silva

Nessa narrativa, ao refazermos, mentalmente, esse percurso temos como


validar escolhas, encadear eventos, alinhavar ideias, justificar decisões etc.
Podemos também, é claro, ocultar, de modo consciente ou não, igual número
de escolhas, eventos, ideias, decisões... E tudo isso importa, porque o resultado
está impregnado pelas escolhas do “caminhante”, é co-instituído com elas.
Importa porque essa narrativa pode ganhar o valor de uso de um “roteiro de
viagem”, um “mapa”, para outros “caminhantes”, com sugestão de atalhos,
de paisagens a serem visitadas, de vias não desbravadas, com alerta de rotas
frustradas, de perigos, etc. etc.

Também começamos assim, com nossos mapas, bússolas, quadrantes,


esquadros, ou seja, um repertório de experiências, na modalidade de conceitos,
categorias, ideias, pistas, contornos e intensidades. Entretanto, embora
munidos de toda essa parafernália de ambulantes da pesquisa, tivemos de
“abrir caminho”, de descobrir ou fabricar nosso “método”, tateando.

2. MUITOS CAMINHANTES
A nossa não foi uma caminhada solitária, nem sequer foi uma caminhada, mas
caminhadas intercomunicantes de múltiplos sujeitos, um processo em que não
havia apenas uma atenção ativada em deslocamento e em que houve intensa
negociação de rotas.

Esses intercursos comunicantes podem ser entendidos como aqueles campos


problemáticos de interatividade para os quais foram conduzidos certos “objetos” ou
“assuntos” (saúde, doença, cuidado, Medicina, religião, SUS etc.). Esses “assuntos”
não eram os mesmos para os distintos caminhantes, não porque observados a partir
de distintos pontos de vista, mas porque interiores a estes, constitutivos do “mundo
possível” (CASTRO, 2002) que expressam. Esses intercursos são constituídos, é
claro, não somente de fluxos de ideias, mas também de toda variedade de fluxos
materiais e imateriais, de “afetos desprovidos de representação” (FAVRET-SAADA,
2005). Nesses intercursos, cada outro, multiplamente afetado na socialidade gerada
por essa rede particular de comunicação humana (intencional e não intencional)
que é a pesquisa, percorreu o seu caminho, experimentou deslocamentos, sua
própria sucessão de “ex-posições”.

A pesquisa envolveu múltiplos sujeitos. De maneira simplificada, vale referir


três conjuntos de agentes principais:

• o núcleo de pesquisadores acadêmicos desta pesquisa, oriundos de variados

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

campos de saberes acadêmicos (Sociologia, Antropologia, Psicologia), mas


reunidos em torno do campo da “saúde coletiva”;

• os mediadores institucionais, geradores não somente de fluxos de


condicionamentos materiais (financiamento), interacionais (abrindo ou
fechando a possibilidade de inclusão de certos sujeitos) ou temporais
(estipulando prazos), mas igualmente conceituais, como teóricos dos (e
agentes práticos envolvidos com os) “assuntos” focalizados pela pesquisa;

• os pesquisadores não acadêmicos (nesta pesquisa) desnucleados (não


pertencentes a um núcleo pesquisante no contexto desta pesquisa),
lideranças de comunidades de terreiro e membros dessas comunidade
indicados por essas lideranças, sujeitos convidados a atuar como teóricos
em uma reflexão “semi-controlada” – isto é, conduzida para certos
“objetos” ou “assuntos” –, mas também como “anfitriões”, estipulando
até onde e como entrevistas, observações e participações poderiam ser
conduzidas.

O processo envolvia, em cada um de seus intercursos, uma série de negociações


de rotas entre esses agentes. Os “contratos” previamente acordados (eles
mesmos resultantes de negociações) na forma de “Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido”, “Termo de Responsabilidade do Pesquisador”, “Protocolo
geral de pesquisa” etc. possibilitavam o alinhamento da pluralidade de motivos
e interesses dos agentes com aqueles que informavam o projeto, mas havia
sempre uma ambivalência constitutiva, intersemiótica, nas interações, o que
demandava novos “acordos”.

3. MAPAS, ROTEIROS, BÚSSOLAS, QUADRANTES


“On s’engage et puis on voit”. Não foi assim que procedemos. Nossa experiência
com os terreiros seria curta e, dadas as finalidades da investigação, não poderia
transcorrer “no estilo ‘uma coisa leva a outra e tudo leva a tudo mais’”, que,
segundo Geertz (2001, p. 90), caracteriza a socialidade constituida “por longos
períodos” como meio de pesquisa antropológico. Tínhamos, portanto, de nos
apoiar fortemente em experiências com as comunidades de matriz africana
apresentadas na modalidade de textos etnográficos, mesmo que para nos
desembaraçar de certos sentidos instituídos por ela no curso do processo.

Assim, mapeamos conceitos que nos pareciam úteis para as conversas que
pretendíamos iniciar, malgrado sabendo que não poderiam ser assumidas

65
O MÉTODO QUE SE PERFAZ TATEANDO | Juan Carlos Aneiros Fernandez; Rafael Afonso da Silva

como conceitos dos sujeitos que iríamos encontrar. Procuramos pistas de “como
chegar”, de “como se comportar”, estratégias de “civilidade” aprendidas por
pesquisadores em experiências com as comunidades de terreiro ou mesmo
com outras, mas conscientes de que essa sabedoria acadêmica socialmente
acumulada poderia não nos valer em uma série de intercursos específicos.
Levantamos recursos vernaculares que poderiam facilitar a conversa, embora
assumindo o risco, ou melhor, contando otimistamente com a possibilidade de
ver esse glossário mínimo se desfazer. Em suma, reunimos “coisas”, “sentidos
feitos”, para (uma vez colocadas na mesa, como cartas em um jogo) nos
levarem a outras, “sentidos por fazer”, conhecimentos novos produzidos como
interconhecimentos emergentes de nossa própria pesquisa. Com essas “coisas”,
elaboramos nossos mapas, roteiros, bússolas, quadrantes. Aqui delinearemos
algumas dimensões de três “mapas”.

3.1 MODELO LÓGICO DA PESQUISA

No contexto desta pesquisa, havia um dispositivo que visava a estabelecer, de


maneira sistemática e compartilhável, os denominadores comuns (minimais)
do projeto de pesquisa. Sua elaboração comungava de uma perspectiva
participativa, reconhecendo a importância de todos os saberes presentes no
processo. O procedimento incluía a indicação, pelos participantes reunidos em
oficinas organizadas para esse fim, de elementos relativos ao contexto no qual
se inseria a proposta de estudo, seguida da indicação de perspectivas teóricas
e conceituais que fornecessem pistas para a iniciação de suas interações –
articulando “o conhecimento acumulado em torno do tema do ponto de vista
teórico e prático e as expectativas em relação aos resultados que ele [o projeto
de pesquisa] pode oferecer” (FERNANDEZ et al., 2008, p.72). Compreendia
também a indicação de quais seriam os passos e seu encadeamento ao longo
do estudo e os resultados esperados.

O contexto destacado no “modelo lógico” envolvia a “denúncia do racismo


institucional e da intolerância religiosa”, “a valorização da matriz africana e a
importância da diversidade”, e “os desafios ao Sistema Único de Saúde (SUS)
quanto à universalidade e à equidade”. As perspectivas teóricas articuladas
no “modelo” indicavam a necessidade de considerar a potência criadora das
comunidades de terreiro, sua agência na “criação e recriação do mundo e dos
modos de ser, [em] uma combinação de tradição e ação” e de orientar o processo
no sentido de uma “ecologia de saberes”, envolvendo “religião, cultura e saúde”.
Convidavam-nos também a considerar, na perspectiva de “um questionamento

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

de hierarquias de poderes e saberes”, um contexto de colonialidade no campo


da saúde, relacionado ao “monopolismo epistemológico” da Medicina científica
institucionalizada. Os passos incluíram a realização de “estudos de casos em
comunidades de terreiros”, “estudos de casos em Unidades de Saúde”, “estudo
epidemiológico com comunidades de terreiros”, convertido (em decorrência
de “achados” da pesquisa) em uma “epidemiologia de fatores protetores”, e
“produção de materiais informacionais”, reorientada (por motivos explicitados
no tópico “Encruzilhadas e deslocamentos”) para a produção de um “guia para
trabalho em saúde em contextos de diversidade cultural”. Por fim, os resultados
esperados indicaram um “conhecimento sistematizado sobre a produção de
saúde nos terreiros”, “a visibilização de práticas discriminatórias e racistas” e
“aprimoramento das ações do SUS com o desenvolvimento de ferramentas de
trabalho para a produção de saúde e equidade”. O estudo seria operacionalizado
em atenção a três componentes imbricados: posicionamento político, ecologia
de saberes e desenvolvimento do SUS. Elegemos, nesse sentido, parafraseando
Santos (2003), uma asserção: a possibilidade de sermos iguais quando as diferenças nos
agridem e sermos diferentes quando a igualdade nos apaga.

3.2 PROTOCOLO PARA ESTUDOS DE CASO

Este dispositivo visava disponibilizar alguns “sinais de trânsito”, tanto em


sentido positivo, como certas “zonas” de interesse identificadas, quanto em
sentido negativo, como dispositivo de autocontenção para os pesquisadores, no
sentido de conter seus desejos por “etnografar” as comunidades em estudo. De
modo geral, dispunha que o interesse e o aprendizado relativos ao Candomblé
deveria ser redirecionado ou circunscrito ao que isso nos interpelava na
qualidade de pesquisadores da área da saúde coletiva. O “protocolo” previa
a realização de dois campos e, entre eles e depois deles, de um processo de
“triangulação” entre os pesquisadores nucleados.

Para o primeiro campo, estabelecia: os sujeitos a serem convidados a participar


da pesquisa – “Pai/Mãe de santo, Ogã, Equede, e/ou responsável pelas folhas/
plantas”; o princípio ético-metodológico de “A comunidade delimita e acolhe”; o
interesse em associar entrevista com observação e/ou participação em alguma(s)
atividade(s) escolhida(s) pelo “anfitrião”; e “os temas de interesse já identificados
pelo processo de pesquisa” dentro do campo das “práticas de cuidado”, quais
sejam, “os trajetos e itinerários em relação ao terreiro”, “percepção do processo
de aprendizagem”, “tradição/religião/cosmovisão e construção do presente”,
“formas de cuidado”, “relações com o sistema de saúde”.

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O MÉTODO QUE SE PERFAZ TATEANDO | Juan Carlos Aneiros Fernandez; Rafael Afonso da Silva

A “triangulação” entre dois campos propunha uma discussão em torno dos


“achados” de cada campo. A discussão deveria permitir identificar “categorias,
lacunas e diretrizes para a segunda ida a campo”. Foram oportunidades de
expor afetações e compor outros “lugares”, de refazer estratégias (inclusive,
as conceituais) e atitudes, de imaginar vias para conduzir para o campo não
mais os “sentidos feitos”, mas os problemas emergentes na interação viva dos
sujeitos, os “sentidos por fazer”. Malgrado, em geral, tenham sido articulados
com os mesmos agentes, o “protocolo” sugeria a possibilidade de abranger
“outros sujeitos não entrevistados” ou mesmo de conduzir entrevistas grupais.
A única imposição explicitada era a necessidade de que a comunidade fosse
“informada sobre as intenções de nova entrevista neste campo 2”.

Ao longo da realização das atividades previstas no “protocolo”, acrescentamos


o terceiro campo, para leitura dos “estudos de caso” com os sujeitos
entrevistados e incorporação de correções, reparos, emendas, críticas etc. à
interpretação conduzida nesses textos. Foi, mais do que uma validação do
resultado, uma oportunidade de os sujeitos entrevistados se verem (ou não) no
material produzido pelo estudo e intervirem diretamente na própria redação.

3.3 ROTEIRO PARA ENTREVISTA


O roteiro de pesquisa foi constituído como um dispositivo “tateante”, mas
norteado por algumas preocupações, sobretudo, pela necessidade de facear o
que identificamos como leituras que tendiam a suprimir o papel da agência,
da experiência e da inventividade na apropriação da tradição e na feitura
dos sujeitos no curso dos processos socializadores das comunidades de
matriz africana. Essa abertura nos permitiu identificar indícios potentes de
uma relação entre “produção de saúde” e autonomia no modus vivendi das
comunidades de terreiro e, informados por esses “achados”, compor uma
reflexão, orientada para o campo da saúde coletiva, para a qual acessamos uma
literatura antropológica (GOLDMAN, 2005; BASSI, 2012) cujas abordagens
e conceitos são sensíveis a essas dimensões que pretendíamos evidenciar.

O roteiro representa, basicamente, uma tradução, em seu desdobramento


prático, dos “temas de interesse” expressos no “protocolo para estudos de caso”.

Em relação aos “trajetos e itinerários”, o roteiro denota uma preocupação com


produção de sentidos para a aproximação e o pertencimento à comunidade
de terreiro. O roteiro, entretanto, persegue esse cuidado em uma formulação
não indutora, indagando se o ingresso foi motivado por “alguma experiência

68
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

ou acontecimento em sua vida” ou pela “procura de algo”. Isso nos permitiu


captar uma grande diversidade de motivações para o ingresso, inclusive, em
alguns casos, a procura de solução para problemas de saúde.

A intencionalidade do roteiro, relativamente à aprendizagem, vincula-se


igualmente à perspectiva da construção de singularidades e dos processos de
significação. O roteiro esclarece que se deve procurar “apreender a vinculação
dos conhecimentos com a maneira de se colocar na vida e no mundo”, mas
alerta para o interesse em uma focalização na relação entre aprendizagem
e “produção de saúde” ou elaboração de estratégias do “cuidar de si”. Ele
propõe perguntas acerca do modo de “transmissão” de conhecimento e das
temporalidades relacionadas ao “acesso” e acerca da percepção de influências
sobre a vida ou de mudanças na vida a partir dele.

A exploração do material produzido nos campos nos conduziu a uma literatura


que chamava a atenção para a especificidade do modo de aprendizagem nos
terreiros, não somente pela conexão de certas aprendizagens com obrigações
rituais comunitárias, mas também por seu caráter marcadamente convivencial
e “construtivista” (GOLDMAN, 2005), composto (feito) em uma relação
íntima entre práticas socializadas e biografia individual, em um processo
caracterizado pela “variabilidade e a criatividade” (IDEM) e pelas expressões
individualizantes impressas à apropriação do “simbolismo convencional”
(BASSI, 2012). Tudo isso nos mobilizava na qualidade de pesquisadores da área
da saúde coletiva, particularmente, porque parte dessa literatura problematiza
a relação dessa modalidade de aprendizagem com a produção de “meios de
significação do próprio bem-estar” e de “cuidados individuais que podem ser
enxergados como atos que ‘precipitam’ singularidades” (IDEM, p. 181, 176),
o que nos interessava explorar do ponto de vista dos “cuidados à saúde” e da
produção de autonomia no contexto dos cuidados.

O outro “tema de interesse” expressa, já em seu enunciado, certa leitura


do significado da tradição no contexto da matriz africana. O que ele sugere
investigar não é somente a tradição, mas seu papel e seu lugar na “construção do
presente”. O roteiro demanda uma atenção para os dispositivos diferenciadores
na apropriação da tradição em sua ressonância nos modos de ser e viver das
pessoas e comunidades, por meio de perguntas como: “A tradição influencia da
mesma maneira a experiência vivida por todos no terreiro/barracão/roça?”
Essa intenção é ainda diretamente explicitada, quando o roteiro delimita que
“interessa apreender se há a construção de subjetividades e agência a partir

69
O MÉTODO QUE SE PERFAZ TATEANDO | Juan Carlos Aneiros Fernandez; Rafael Afonso da Silva

da tradição”. Aqui o roteiro expõe um exercício de autocontenção, evitando


perguntas antecipadoras de “sentidos” e propondo um exame cauteloso na
apreensão das “diferenciações”: “Verificar se a resposta refere-se ao status do
indivíduo ou do seu grupo, ou à ação singular do indivíduo”.

No contexto dessa discussão, como no anterior, conseguimos estabelecer um


diálogo entre as reflexões coproduzidas na relação entre pesquisadores nucleados
e desnucleados e certa literatura emergente na Antropologia, com a qual
convergíamos na identificação de uma relação, peculiar e constitutiva do modo
de ser do Candomblé, entre “tradição” e “flexibilidade” (GOLDMAN, 2012),
entre “tradição” e “uma vivência que modifica todos os elementos do processo”
(GOLDMAN, 2005, p. 114), em um uso instituinte de saberes/práticas, no contexto
de “modos inventivos de ação, abertos a ajustes contínuos, e que consentem ao
filho de santo ‘se encontrar’ no culto” (BASSI, 2012, p. 170). Algo que importava
considerar não somente em razão do propósito de compreender a especificidade
do modo de produção de saúde nos terreiros, mas igualmente em razão do
modo como essa reflexão nos implicava, como pesquisadores da área da saúde
coletiva preocupados com a relação entre “instituído” e “instituinte” no âmbito da
“tradição” da Medicina científica institucionalizada e, por tabela, do SUS.

Em relação às “formas de cuidado”, há, sobretudo, um interesse de mapear


conceitos – “O que é a saúde no entendimento do Sr(a)? Esse entendimento
está baseado na religião que o Sr(a) pratica?” – e práticas (com suas concepções
etiológicas e terapêuticas inerentes, seus recursos diagnósticos, seus agentes
e “instrumentos” materiais e/ou imateriais, sua logística e formas de
interatividade desencadeada). Para este campo converge, no entanto, toda a
gama de indagações relacionadas aos outros temas, como as perguntas abaixo,
por si mesmas, permitem depreender:

Essas práticas de cuidado são dirigidas a cada pessoa individualmente ou são


dirigidas a todos os membros da casa ou da comunidade?; O que se aprende
como cuidado no terreiro é utilizado pelos adeptos fora do terreiro?; Como a
sua tradição informa sobre os cuidados que devem ser realizados ou praticados?;
Como o Sr(a) e os membros de sua casa/comunidade lidam com esses cuidados?;
Os cuidados praticados pelo Sr(a) mudam ao longo do tempo ou permanecem
sempre os mesmos?; Isso acontece também em relação aos demais membros de
sua casa/comunidade?; Como esses cuidados influenciam a sua vida cotidiana?

70
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

As questões relacionadas ao campo “relações com o sistema de saúde” passam


evidentemente por aqueles elementos do “contexto” exposto no “modelo
lógico”, particularmente pelos temas da intolerância religiosa, do racismo e
da colonialidade médica. Referem-se, também, à possibilidade de explorar
os sentidos das relações entre saberes/práticas dos dois campos (terreiros e
sistema de saúde) e a percepção do sujeito entrevistado das semelhanças e/ou
diferenças e da eficácia específica (limites e possibilidades) dos saberes/práticas de
cada campo, em uma preocupação “ecológica”.

Todo o roteiro estava (positivamente) contaminado pela ideia de que cada


sujeito outro, cada “prática de sentido” outra, podem ser encarados, de
maneira efetivamente implicada, quando “levado a sério” (CASTRO, 2002;
GOLDMAN, 2003), não somente como “alternativas a nós”, mas também
como “alternativas para nós” (GEERTZ, 2001). Para nós (o núcleo pesquisante),
interessava, sim, contextualizar os saberes/práticas/sentidos da produção de
saúde nos terreiros em sua diferença. Interessava, no entanto, também utilizá-
la, quer dizer, analisar suas consequências, os efeitos que ela produz sobre
a nossa diferença, nossos saberes/práticas/sentidos, como agentes envolvidos
com a saúde coletiva e o contexto do SUS. Era, assim, que compreendíamos a
possibilidade de um processo de “ecologização” de saberes.

4. ENCRUZILHADAS E DESLOCAMENTOS: ALGUNS EXEMPLOS


As “aventuras do espírito” desta pesquisa nos estimulam a um diálogo com certas
considerações a respeito do estudo de caso apresentadas por Yin (2001, p. 81):

... é necessário um pesquisador bem-treinado e experiente para conduzir um


estudo de caso de alta qualidade devido à contínua interação entre as questões
teóricas que estão sendo estudadas e os dados que estão sendo coletados.
Durante a fase de coleta de dados, somente um pesquisador mais experiente
será capaz de tirar vantagem de oportunidades inesperadas, em vez de ser
pego por elas – e também para ter cuidado suficiente para se proteger de
procedimentos potencialmente tendenciosos.

Consideramos que tais asserções estão intensivamente marcadas por uma


ingenuidade e/ou idealização relativa à condição de ser de um pesquisador
maduro, sagaz e “neutro”. Talvez ser “experiente” signifique, também, se
reconhecer inesperadamente “pego” pelo interlocutor ou pelo tema, seja em

71
O MÉTODO QUE SE PERFAZ TATEANDO | Juan Carlos Aneiros Fernandez; Rafael Afonso da Silva

ato, seja em reflexão posterior ao ato. Talvez a sagacidade esteja na escuta, e


dela se possa “tirar vantagem” na apreensão de atitudes assimétricas de pesquisa
antes dela ignoradas. E, por fim, talvez devamos não “neutralizar” nosso
lugar como pesquisadores nas interpretações, mas, antes, nos reconhecermos
“potencialmente – e realmente – tendenciosos” em nossas implicações e em
nossas afetações, uma vez que a presunção da “neutralidade” é, ela mesma,
um expediente poderoso de “neutralização” da “diferença” alheia.

Ora, não podemos ir a campo deixando a nós mesmos em nossas casas. A


pesquisa social é também um ato de aprendizagem autobiográfica. É extenso
e complexo o debate acadêmico em torno disso e, de modo mais específico, do
quase dilema de saber o quanto falamos de nós mesmos ou falamos do outro
(pelo outro), mas essa é também uma razão que nos impele a apresentar o
modo singular como essa problemática foi, de fato, enfrentada.

Goldman (2009) atualizou essa discussão quando se deteve no estudo de religiões


afro-brasileiras. Se é que o lemos corretamente, nosso aprendizado poderia
incluir o outro sem apagá-lo. Como disse, “o valor do diálogo com outras formas
de pensar e viver se deve apoiar justamente naquilo que estas têm de diferente
(...); no que elas têm a dizer” (Goldman, 2009, p.119) e a aprendizagem que isso
pode oferecer depende de estendermos ao “máximo possível” nossa “capacidade
de escutar” e “levar a sério” o que escutamos desse diferente.

A solução que encontramos para chegar a esse “máximo possível” foi estimular
os pesquisadores a relatarem experiências subjetivas de interação com o outro.
É algo como ter redirecionado uma convocação de Bachelard (1977, p. 25) aos
cientistas de então: “mostrem-nos, sobretudo, as ideias vagas, as contradições,
as ideias fixas, as convicções sem prova (...), a fuga dos projetos, as intuições
inconfessadas”.

Não podemos falar sobre nossos “objetos de estudo” sem nos referir ao impacto
deles sobre nós mesmos. De fato, quando deparamos a leitura conjunta do
material coletado e transcrito, notamos a dificuldade que seria a produção
dos relatórios parciais que instruiriam a continuidade de cada estudo. Foi
preciso que o primeiro relatório parcial, considerado por parte do grupo como
“excessivamente subjetivo”, criasse a possibilidade de percebermos que, se
pretendíamos uma “ecologia de saberes”, teríamos de aprender, nós mesmos,
a “ecologizar”.

O exercício passou, então, a ser o de “descrever”, que não é “uma abdicação

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

do intelecto, mas (...) buscar a significação de um fenômeno em vez de estar


focalizado sobre a descoberta das explicações causais” (MAFFESOLI, 1998, p.
120). É o caso, segundo esse autor, de suspender uma razão abstrata peculiar aos
modernos que os impelem aos “mundos preconcebidos, diretamente oriundos
de suas construções intelectuais” (IDEM, p. 119). A descrição que os relatos de
casos procuram realizar “se contenta em ser acariciante, em mais acompanhar
do que subjugar uma realidade complexa e aberta” (IDEM, p. 116).

Os relatos finais dos casos foram, por fim, entregues para uma leitura pelos
pesquisadores desnucleados ou conduzida a uma leitura conjunta entre estes
e os pesquisadores nucleados, sendo as modificações necessárias realizadas
nesses contextos. Modificações de pequena monta, caberia dizer. Tivemos
uma recepção satisfatória dos estudos de caso pelos sujeitos entrevistados
e, em alguns casos, um retorno muito positivo e, por isso, estimulante. Esse
resultado, no entanto, foi o produto de uma sinuosa caminhada anterior, com
seus percalços e desvios, encruzilhas e deslocamentos, como ilustrado a seguir
pelos excertos de alguns estudos de caso.

4.1 QUEM FALA E SOBRE O QUÊ?


Em um dos estudos de caso, o pesquisador esteve com o Babalorixá apresentando
o processo de pesquisa, os interesses que ela tinha e as instituições envolvidas,
com vistas a engajar o Babalorixá no estudo. O que segue é um excerto do
relatório de pesquisa redigido por esse pesquisador.

Segundo o Babalorixá, após ouvir-me a respeito da proposta de estudo, eu


estaria “fora do contexto”, mas ele me colocaria no caminho certo. Para isso,
solicitou o conhecimento prévio do roteiro da entrevista, pois, como relatou,
tinha estado com pesquisadores desde os três anos de idade na casa de sua
Mãe de Santo e tendo muita coisa a dizer, pretendia dizer o que fosse mais
pertinente e adequado à situação. Tentei, sutilmente e em vão, demovê-
lo desse interesse prévio sobre os assuntos que seriam abordados. Apenas
retirei do nosso “protocolo de pesquisa” os elementos introdutórios e alguns
comentários que orientavam o entrevistador (...) e entreguei a ele o material.

O Babalorixá que na segunda entrevista estava no mesmo barracão, sentado


na mesma cadeira tendo à sua frente, sobre uma mesa, o jogo de búzios e, do
outro lado da mesa, o entrevistador, parecia outra pessoa. A mesma simpatia,
a mesma receptividade também estava presente, mas era o Babalorixá quem
estava no controle da interlocução.

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O MÉTODO QUE SE PERFAZ TATEANDO | Juan Carlos Aneiros Fernandez; Rafael Afonso da Silva

Ainda que antes dessa segunda entrevista, quando eu o levei, a seu pedido, a um
destino para tratar de um assunto particular e breve, ele tenha me dito que havia
me subestimado, pois a pesquisa parecia muito interessante, o fato é que durante
essa entrevista, por diversas vezes, ele interrompia abruptamente sua resposta e,
de modo gestual discreto, mas também performático, parecia dizer: Próxima!

Desconcertante, por certo, para um entrevistador pouco habituado ao


estabelecimento de relações simétricas, para as quais o formato de uma
entrevista não contribui, mesmo quando esteja interessado em estabelecê-las.

Penso ter praticado certo descentramento, sobretudo, em campo, pois no


transcorrer da entrevista o “tom” passou do desajeitado para o simpático
e empático. Ao final, pareceu satisfeito com o êxito de seu esforço por
“contextualizar-me”, quando disse: “você vai conseguir abranger mais coisas
através do que nós conversamos”. O sujeito do estudo produzia, assim, um
lugar adequado para estar.

O protagonista do estudo é, afinal, o Pai. É ele quem sabe o que os filhos


precisam e quem assume o ônus de tal papel. É a experiência dele que lhe dá a
segurança para desempenhá-lo. São as suas certezas sobre a “primordialidade”
do Candomblé e sobre um conhecimento tradicional que tem respostas para
tudo, o que descentra um pesquisador simpático à brisa pós-moderna. É uma
religiosidade que parece pôr todas as coisas no lugar, algo como a garantia do
sentido, o que caracteriza este caso.

Ao final da terceira entrevista, o Babalorixá repete o que havia feito nas


entrevistas anteriores – sempre ao final – e revela que estava falando de si, é
bem verdade, mas, principalmente, falando para o interlocutor, cumprindo,
assim, seu papel de compreender o que se passa, de ensinar e de aconselhar,
que vivencia como Pai.

4.2 COMO SE FALA E A PARTIR DO QUÊ?


Outro deslocamento apareceria já na conversa, durante o traslado à roça, de
outra liderança.

Sua crítica, nessa ocasião, à concentração de estudos sobre as tradições de


língua yorubana é indiretamente recolocada no início da entrevista, diante de
minha dificuldade em nomear na língua Quimbundo a “divindade” regente
da roça, atendo-me ao texto do protocolo, que reconheci como inadequado ao
caso por referir-se a orixá, um termo yorubano.

74
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

Disse ele: Isso é importante porque vai registrar a diversidade e não tratar
uniformemente as origens das nações, a origem étnica de cada povo que nos
fez essas contribuições. Então, Nkisi.

Estavam, assim, segundo me pareceu, delimitados os campos das línguas


que falariam sobre nós mesmos e o que somos. Ele um candomblecista de
Angola, com o conhecimento das línguas correspondentes a sua tradição;
eu, um pesquisador lusófono. Daí em diante, toda tentativa de compreensão
que eu realizasse a partir da aproximação ao vocabulário yorubano – que
evidentemente me colonizou durante os preparos para o campo – seria
constrangedora e, por isso, tentei evitá-las. Não com muito sucesso, como fica
evidente na passagem da entrevista na qual tentava me certificar de que esse
Tata estivesse falando do termo yorubano “axé”, como segue:

Entrevistador: Vai passando, vai se mantendo a tradição?


Liderança: É, o Ngunzo.
Entrevistador: O Ngunzo. Dizem que é o Axé?
Liderança: É o Ngunzo. (...) É a energia vital, a energia que transpassa todos os seres.

Chama a atenção o episódio, pois já havíamos estado em um encontro com


um grupo de lideranças religiosas no qual um comentário sobre o axé que ali
estava concentrado recebeu como resposta imediata que não era por serem
todos negros e religiosos da matriz africana que falariam a mesma língua.
Parece menos importante que, ao final desse encontro, a mesma liderança que
havia me alertado sobre essa diversidade, tenha reconhecido que talvez não
houvesse, como ela imaginara antes, uma única academia. Assim como não
parece importante termos encontrado no desenrolar do estudo lideranças que
utilizavam, sem se incomodarem e de modo aparentemente aleatório, nomes
ou termos em diferentes línguas. Tampouco parece importante não termos
encontrado entre os estudos que consultamos uma atitude rigorosa com relação
a esse quesito. O que importava era a constatação de que uma desejada postura
não-colonizadora dos pesquisadores ainda demandava deslocamentos.

4.3 (RE) INTERPRETAÇÕES QUE DESLOCAM

Em mais um exemplo, escreveu um dos pesquisadores:

Acrescento a esses relatos minha própria experiência de voltar ao material


coletado (...) bastante tempo depois de ter feito a primeira leitura da primeira

75
O MÉTODO QUE SE PERFAZ TATEANDO | Juan Carlos Aneiros Fernandez; Rafael Afonso da Silva

entrevista concedida. Ambos os entrevistadores que as realizaram, por razões


diversas, deixaram o projeto antes da elaboração de todos os relatórios finais,
quando o grupo de pesquisa lia e discutia os materiais coletados. Na ausência
desses entrevistadores, retomei o material desse caso apenas após concluirmos
os demais relatórios.

Experimentei, por essa razão, também uma surpresa, no caso, com o material.
Na verdade, penso ter me surpreendido comigo mesmo. O bastante para
rejeitar a quase totalidade dos comentários que eu tinha aposto ao texto
transcrito da entrevista para levar à discussão inicial com o grupo.

Eu não havia compreendido, então, as peculiaridades e a potência deste caso-


sujeito, que apenas a vivência de estudo dessa temática poderia produzir
e que penso ter, de fato, produzido. Encontro assim um álibi para tentar a
produção de um relato que, diferentemente dos demais que realizei no âmbito
deste estudo, faço a uma distância do contato direto com a roça e, portanto,
empobrecido.

A entrevista concedida por essa liderança, depois de transcrita, foi a primeira


que o grupo de pesquisa discutiu em conjunto, quando já estávamos
sensibilizados para a abordagem do tema, mas ainda despreparados para
percorrer um trajeto que partiria do estranhamento, passaria por um necessário
descentramento e que, por fim, chegaria a uma desejável ecologia de saberes.

Outro deslocamento interpretativo diz respeito a uma mudança quanto aos


produtos esperados decorrentes desse estudo em sua perspectiva geral. Um
produto dessa proposta original previa a “Elaboração de material instrucional
para comunidades de terreiro sobre o sistema de saúde”, que consistia de uma
cartilha convocando à construção de um “SUS Plural”.

Há um mecanismo ardiloso por trás de tão nobre iniciativa que cabe denunciar.
E o fazemos em uma perspectiva de autocrítica. Tal iniciativa pressupõe que:
as comunidades de terreiros não sabem o que é o SUS; a linguagem para
comunicação com as comunidades de terreiros deve ser simples; é o SUS (e
não os terreiros) quem pode mais adequadamente ensinar sobre a pluralidade.

Ora, estamos absolutamente convencidos que nem os gestores nem nós


partimos, na elaboração da proposta, de uma visão preconceituosa em
relação às comunidades de terreiros, considerando-os como desavisados e
hipossuficientes, mas reconhecemos o quão facilmente podemos nos engajar,

76
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

inadvertidamente, na reprodução de estratégias de discriminação. Tal


reconhecimento é, por si, a expressão de um aprendizado e, por isso, uma
oportunidade que pudemos aproveitar. Entretanto, isso não é o bastante, pois,
como se diz, “isso passa a unha onde não coça”.

O ardil a que nos referimos, ou o que, de fato, coça, reside em outro ponto:
estamos, como sanitaristas e gestores, muito habituados a “falar” do “SUS
ideal” e menos interessados em “ouvir” o que os usuários têm a dizer sobre
o “SUS real” que experimentam no dia a dia. Isso é muito significativo,
sobretudo, em razão da intencionalidade desta proposta de estudo de percorrer
um trajeto investigativo que iria das comunidades de terreiros em direção ao
sistema de saúde e não o inverso, trajeto que chama a atenção para o fato de
que a saúde, sua produção e cuidado, não é exclusividade dos profissionais
do sistema oficial de saúde. A informação sobre saúde de que precisamos
é também aquela que advém das comunidades, se, é claro, escutarmos e
levarmos a sério o que escutamos.

Modificamos, ainda e na mesma direção, outro produto previsto na proposta


original, que focava o desenvolvimento de indicadores para avaliar e monitorar
a produção de equidade em saúde, considerando as particularidades das
necessidades e interesses de grupos e localidades, fundindo-as em um só
produto denominado “guia para o trabalho em saúde em contextos de
diversidade cultural”. Esse guia foi produzido com base em estudos de caso
tanto nas comunidades quanto nas unidades de saúde e expressa várias
questões importantes, como: a denúncia de práticas recorrentes de racismo
institucional e de intolerância religiosa no âmbito da Atenção Básica; um
aprimoramento do SUS decorrente da adequada atenção à diversidade
cultural; e uma convicção de que as comunidades de terreiros têm muito a
dizer sobre a produção de saúde, também no sistema público de saúde.

Para encerrar, lembraremos a diferença que Ingold (2015) estabelece entre


o “vagar atencional do labirinto” e a “navegação intencional no dédalo”:
o primeiro é aberto às emergências e opera com uma “mente imanente
ao próprio movimento”; a segunda preestabelece determinados “mundos
intencionais” de uma cultura como configuração diretora do movimento. O
“vagar atencional”, é claro, depende de dispositivos atencionais e, portanto,
não deixa de ser “intencional” (o que Ingold não considera no texto referido),
mas isso não descarta a possibilidade de operar com dispositivos atencionais
intencionalmente abertos à revisão, à inventividade, ao deslocamento,

77
O MÉTODO QUE SE PERFAZ TATEANDO | Juan Carlos Aneiros Fernandez; Rafael Afonso da Silva

dispositivos atencionais cuja “razão” contenha uma intencionalidade “sensível”


ou “acariciante” (MAFFESOLI, 1998). Nesse sentido, o que pretendemos
deixar com este relato de nosso caminhar metodológico é a importância do
incorporar os deslocamentos, de considerá-los como centrais no movimento
da produção de conhecimento, concordando com Ingold (2015, p. 27) na ideia
de que “seguir o caminho é menos intencional do que atencional”.

REFERÊNCIAS
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Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

YIN, R.K. Estudo de caso: planejamento e métodos.

78
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

COMO NASCE UM KALUNGA? PRÁTICAS E


PERCEPÇÕES DE MULHERES E PARTEIRAS
Renata da Costa Rodrigues; Juliana Luporini do Nascimento;
Juliana da Fonseca Bezerra
Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP

recosta.enf@gmail.com; jluporini10@hotmail.com; ju25fb@hotmail.com

SINOPSE
Este capítulo é um recorte de um estudo que objetivou analisar as percepções das mulheres,
parteiras e famílias da comunidade ‘Kalunga” sobre o processo gestacional vivenciado e as escolhas
relacionadas ao tipo do parto. Localizada no nordeste do Estado de Goiás encontra-se a “Kalunga”,
uma importante comunidade de remanescentes de quilombos do Brasil em razão de sua extensão,
número de habitantes e história. O território é considerado sagrado, no qual a relação com a terra,
o tempo de plantio, as cheias e as secas de seus rios definem seus ciclos. Nele, a mulher desempenha
funções importantes para a manutenção da vida, entre elas, o ofício de parteira. As parteiras
conhecem os ciclos femininos, as plantas medicinais, orações e canções voltadas à parturição criando
um sistema terapêutico peculiar. Para tanto, foi realizada extensa observação participante utilizando-
se de referenciais teóricos concernentes às etapas do trabalho de campo.

Debulhar o trigo, recolher cada bago do trigo


Forjar no trigo o milagre do pão E se fartar de pão
Decepar a cana, recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel, se lambuzar de mel
Afagar a terra, conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação E fecundar o chão

(CHICO BUARQUE E MILTON NASCIMENTO)

A COMUNIDADE KALUNGA
A Comunidade kalunga é uma das mais importantes comunidades de
remanescentes de quilombos no Brasil, em virtude da sua extensão, do número de
habitantes e história. Localiza-se no nordeste do estado de Goiás, na microrregião
da Chapada dos Veadeiros, a 600 km de distância de Goiânia e a 330 km de
Brasília. Ocupa uma área de 253,2 mil hectares, com uma população estimada

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COMO NASCE UM KALUNGA? PRÁTICAS E PERCEPÇÕES DE MULHERES E PARTEIRAS
Renata da Costa Rodrigues; Juliana Luporini do Nascimento; Juliana da Fonseca Bezerra

em mais de seis mil habitantes (ANJOS; CYPRIANO, 2006; BAIOCCHI,1999).


No ano de 1991, foi decretado patrimônio histórico e cultural.

No Brasil, em 2004, foi lançado o Programa Brasil Quilombola com o objetivo


de consolidar os marcos da política de Estado para as áreas quilombolas.
Posteriormente, foi instituída a Agenda Social Quilombola (Decreto
6261/2007), que estabelece ações voltadas às comunidades. As políticas de
proteção à saúde, dentro dos saberes tradicionais, tiveram uma visibilidade
ampliada após a edição de manuais de atenção básica e programas voltados
às comunidades e parteiras tradicionais, sugerindo inúmeras modalidades de
integrar os saberes tradicionais à medicina clássica em seu cuidado em saúde
e manterem sua identidade na relação saúde/doença (BRASIL, 2013).

Para compreender o cuidado gestacional na comunidade, o olhar é direcionado


para as parteiras, que são mulheres que conhecem os ciclos femininos, as
plantas medicinais, canções e orações voltadas à parturição, suas habilidades
foram adquiridas e desenvolvidas por meio da tradição familiar ou como um
“dom” de nascimento conforme elas mesmas definem (BAIOCCHI, 1999;
ATUCCH, 2006), constituindo um sistema terapêutico de práticas tradicionais
voltadas para cuidados gestacionais repletos de significados.

O conceito de identidade étnica está ligado ao sentido de pertença ao grupo,


à ancestralidade e aos valores transmitidos oralmente, responsáveis pela
manutenção e sobrevivência cultural da comunidade (BARRETO, 2006).
Com efeito, as propostas de desenvolvimento local trazem transformações em
ambos os sentidos, em que as pessoas são modificadas pela herança das práticas
estabelecidas pelas gerações anteriores, ao mesmo tempo em que modificam
os processos das atividades socioculturais de suas comunidades (ROGOFF,
2005 apud BARRETO, 2006.)

Identifcou-se, neste trabalho, o fato de que as parteiras Kalunga existem


mas não realizam mais o seu ofício, os partos ocorrem nos hospitais das
três cidades mais próximas ao sítio histórico. Assim, a mulher e seus
acompanhantes se deslocam até a cidade e hospedam-se solidariamente
em casa de parentes e amigos antes de entrar em trabalho de parto, para
permanecerem perto do hospital.

Em tal circunstância, que levanta problemáticas intersetoriais e


interdisciplinares, escolheu-se compreender aspectos das transformações sócio-
históricas, discutindo pontos que possam indicar por via de seus discursos, as

80
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

relações estabelecidas e ações que levaram as parteiras a não exercerem mais


sua função na comunidade, assim como, o deslocamento da referência do
cuidado pelos membros da comunidade.

No ano de 2000, foi lançado o Programa do Ministério da Saúde intitulado,


Trabalhando com Parteiras Tradicionais. Dez anos, após o lançamento do
Programa, o Ministério reuniu em uma publicação as experiências exemplares
com parteiras tradicionais, citando a capacitação realizada no ano de 2001
na comunidade Kalunga como uma delas, além de ter divulgado o material
audiovisual com essa experiência. Esse material é de grande importância para
este estudo, tanto para situarmos a relação tempo e espaço da situação de
parto da comunidade quanto para trazer à tona contradições acerca das ações
voltadas ao incentivo ao parto domiciliar (PD).

No atual modelo de assistência médica, o PD é desaconselhado pelo


Conselho Federal de Medicina (CFM), sendo associado às práticas culturais
de comunidades isoladas, com dificil acesso e falta de recursos econômicos
(MEDEIROS; SANTOS; SILVA, 2008). Assim como, a figura e o trabalho
da parteira se reduz à funcionalidade de minimizar a mortalidade materna e
infantil em regiões escassas em recursos e insumos médicos, desconsiderando
a cultura, ancestralidade e valor das tradições de parto.

Diante da estigmatização das parteiras pela categoria médica e da maneira


como o paradigma obstétrico hospitalocêntrico se constitui como norma nos
dias atuais, muitos foram os pontos suscitados para que se chegasse ao objetivo
desse trabalho, que consiste em analisar as percepções das mulheres, parteiras
e famílias da comunidade Kalunga sobre o processo gestacional vivenciado e
as escolhas relacionadas ao tipo do parto.

A TRAMA DO TEMPO
Compreendendo a complexidade das inter-relações que integram este estudo,
foi possível considerar três “movimentos” essenciais no campo teórico.
Pretende-se conferir uma dinâmica neste trabalho, por isso, a consideração
dos “movimentos”, o primeiro se dirigindo ao passado, o segundo ao presente
e o terceiro reportando-se ao futuro.

Nós/Eles: o primeiro movimento dirige-se ao passado, ao entendimento da


formação de grupos étnicos e de conceitos cabíveis à temática quilombola.

A interpretação da Antropologia sobre o fenômeno quilombola enfatiza a

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COMO NASCE UM KALUNGA? PRÁTICAS E PERCEPÇÕES DE MULHERES E PARTEIRAS
Renata da Costa Rodrigues; Juliana Luporini do Nascimento; Juliana da Fonseca Bezerra

característica organizacional desses grupos e a maneira pela qual eles constituem


os próprios limites sociais com relação a outros grupos, independentemente de
traços de natureza racial ou cultural.

Para Cardoso de Oliveira (2006:136), etnicidade consiste em “espaço social,


interno a um determinado país, onde as etnias existentes mantêm relações
assimétricas; sendo nesse sentido, ‘essencialmente uma forma de interação
entre grupos culturais operando dentro de contextos sociais comuns [...]”.
Etnicidade pode ser reconhecida como um conceito entrelaçado à definição
de grupos étnicos e que se válida na interação social por meio da ativação
de signos culturais socialmente diferenciadores, diferenças que Barth (1976),
nomina dicotomização Nós/Eles.

Tempo/Espaço: o segundo movimento, traz a questão da “modernidade”,


dirigindo-se ao contexto atual, para compreender como as populações
tradicionais se alteram e sua relação com ofertas de consumo e políticas
públicas, especialmente como se relacionam com as ocorrências de parto na
comunidade Kalunga.

Não é possível direcionar a visão para a comunidade Kalunga sem se


alinhar à corrente da modernização como reflexividade, fazendo emergir as
concepções modernas do caráter autorreflexivo da sociedade, na capacidade
de autodestruição criativa e, sobretudo, à “destradicionalização”1.

Segundo Giddens (1991), as transformações dos modos de vida moderno,


ocorrem em extensão e intensidade, estes são conceitos aplicados às rápidas
transformações ocorridas na comunidade em um curto período de tempo,
visto que a visibilidade e o reconhecimento da existência dessa população,
fez com que novas atividades passassem a compor seu cotidiano, como idas
à cidade para consultas médicas e recebimento de auxílios governamentais
e previdenciários. Tais mudanças geraram transformações identitárias,
possibilitaram novas interpretações do sentido de vida e normas e valores
que regem o grupo foram ressignificados causando, sobretudo, conflitos entre
gerações diante das tensões relativas à tradição e modernidade.

A tradição é um meio organizador da memória coletiva e mantê-la não


depende apenas da sua persistência no tempo, mas também de um trabalho

1 A “destradicionalização” não é ausência de tradições, pelo contrário, a destradicionalização trata das


tensões sofridas pelas tradições em contextos pós-modernos e como os grupos ressignificam os sentidos das
suas práticas.

82
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

ativo e continuo de interpretação pelo grupo e identificação dos laços que


unem o presente ao passado (GIDDENS, 1991). Nesse sentido, as parteiras
da comunidade Kalunga, reconhecidas como as “guardiãs” dessa sabedoria
ancestral, passaram a vivenciar, principalmente desde os anos 1990, com o
aumento das intervenções biomédicas e mudanças das relações do cuidado em
saúde, uma intensa mudança no sistema de parturição.

Sobre o contexto de “medicalização” do parto, a mulher Kalunga passa a


ser inserida em sistema de cuidado diferente do sistema tradicional, são
modificadas as relações estabelecidas na maneira de gestar e parir, e o sentido
atribuído ao momento do parto, na medida em que a prática biomédica se
sobrepõe à tradicional embasada no discurso sobre o risco.

“Intermedicalidade” - superando dualidades: Como estratégia


para refletir sobre o processo vivido pela comunidade Kalunga, pretende-se,
através do conceito de “intermedicalidade aprofundar a reflexão dos modelos
de atenção às populações específicas”. Define-se Intermedicalidade como um
espaço ou zona de coexistência de práticas terapêuticas distintas, que devem
ser analisadas por níveis de interação na medida em que englobam confrontos,
oposições e conflitos entre os saberes tradicionais e biomédicos (GREENE,
1998). A “intermedicalidade”, neste trabalho, fundamenta o “movimento”
em direção ao futuro, em que será possível propor ações e modelos de
atenção ao parto da mulher Kalunga em que os sistemas de saúde possam
interagir, objetivando que as tradições do parto sejam recolocadas em prática,
assegurando um nascimento digno e um parto respeitoso.

UMA “TRAMA” CHAMADA METODOLOGIA


A descrição do campo representa um recorte do universo vivido, um lugar de
experiências, trocas, tensões, aberturas e limites. Nele há tantas possibilidades
quanto o número de cavaleiras (estradas estreitas que se percorre a pé ou a
cavalo), dentro dos 253 mil hectares do território do quilombo. Como não
se perder nas trilhas do Kalunga? Quando os horizontes se ampliavam nas
riquezas e possibilidades de abordagens a pergunta âncora se mostrava com
precisão: “Como nasce um Kalunga? ”. Ela é a tônica, dá-se ao título a
regência que conduz a caminhos seguros, ainda que incertos, sendo esta
incerteza o requerido primor qualitativo na valorização da diversidade do
campo vivo em que se busca a apreensão e o desvelamento das relações em
profundidade.

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COMO NASCE UM KALUNGA? PRÁTICAS E PERCEPÇÕES DE MULHERES E PARTEIRAS
Renata da Costa Rodrigues; Juliana Luporini do Nascimento; Juliana da Fonseca Bezerra

Para Bruyne (1977), a metodologia deve auxiliar na explicação não apenas


dos produtos da investigação científica, mas principalmente no “próprio
processo”, o qual, não se submete estritamente a procedimentos rígidos, mas
antes, de fecundidade ao produzir resultados.

A arte de tecer fazia parte das atividades cotidianas da mulher Kalunga, os


flocos de algodão eram recolhidos, descaroçados e manuseados junto com o
“pau de fuso”, surgindo assim, os primeiros fios para costura, confecção de
roupas, tapetes, mantas e redes. Além disso, escolhiam na natureza os corantes
que tingiam suas criações expressando a beleza dessa práxis.

À essa ilustração do trabalho das tecelãs associamos a pesquisa social, qualitativa,


pois, para que se penetre nessa dimensão fecunda da produção dos resultados
é preciso deixar que as “formas e cores” do campo moldem com beleza e
espontaneidade os movimentos dessa trama que se compõe no andamento. É
preciso encontrar a matéria bruta e “descaroçar” os dados, para retirar seus fios.

A metodologia representa a mesa do tear, que conduz e ordena os fios que


se cruzam e se penetram. Neste trabalho, os “próprios processos”, conforme
a citação de Bruyne foram evidenciados na interpenetração do diário de
campo, com a reflexividade teórica e estão representados nos passos do campo
divididos em etapas que serão expressas a seguir.

No que se refere aos instrumentos de coleta de dados, considerou-se como mais


adequado para compreensão não apenas do fenômeno atual, mas também,
da dinâmica das alterações sócio-históricas acerca do nascimento Kalunga, a
utilização da técnica da observação participante e registros em diário de campo.

Sobre a observação participante, há uma tensão própria da técnica, em que


a todo o momento se participa para observar e se observa para participar e
que “envolvimento” e “investigação” não se opõem, mas sim, são faces de um
mesmo conhecimento social (HOLY, 1984 apud GUBER, 2012), rompendo
com o discurso histórico e consensual sobre neutralidade e distanciamento do
pesquisador na sua busca.

O principal instrumento de trabalho é o diário de campo. Nele estão descritas


as vivências diárias do pesquisador. Para Weber (2009), o diário de pesquisa
de campo permite não apenas descrever e analisar os fenômenos estudados e
vivenciados, mas também, compreender os lugares que serão relacionados pelos
agentes ao observador e esclarecer a atitude destes interagindo com aqueles.

84
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

Dentro dessa técnica de obtenção de informações, a “presença” frente aos fatos


da vida cotidiana do grupo pesquisado garante, por si, a confiabilidade dos
dados recolhidos. Entende-se por “presença” a percepção mais a experiência
direta, sendo o testemunho a fonte de conhecimento do pesquisador, pois ele
está ali (GUBER, 2012).

A pesquisa foi realizada, dentro do Sítio Histórico do Patrimônio Cultural


Kalunga - SHPK no Estado de Goiás. O sítio histórico compreende as cidades
de Monte Alegre, Cavalcante e Teresina de Goiás. Várias comunidades, ou
povoados, com nomes e características próprias, compõem o SHPK, sendo
escolhida para este estudo a comunidade “Vão de Almas”, por ser a mais
distante da cidade de Cavalcante e ter o acesso mais difícil.

A anuência para entrada em campo foi solicitada ao presidente da Associação


Kalunga que permitiu a permanência no território do Sítio Histórico e
Patrimônio Kalunga, tendo a ciência de que a pesquisa seria dirigida às gestantes
ou que passaram pela experiência de parto hospitalar, parteiras e moradores
da comunidade envolvidos na temática da pesquisa. Foram realizados todos os
trâmites necessários ao cumprimento das normas do Comitê de Ética.

A sistematização da pesquisa qualitativa nos desafia a todo o momento.


Os dados obtidos nas entradas a campo são volumosos, portanto, seguindo
indicações de Creswell (2014), foram realizados resumos de diários de campo
de cada entrada em campo, divididos por “etapas”.

A) ETAPA 1 PRÉ CAMPO – “DESCAROÇANDO O ALGODÃO”.

Essa consistiu nos primeiros contatos com a comunidade, momento crucial de


chegada e negociação. Destaca-se o da permissão de entrada e permanência
em campo às lideranças comunitárias. Sinteticamente, nessa etapa, foi possível
contemplar o “pólo epistemológico”, em que o pesquisador exerce a função de
filósofo e suscita questionamentos rumo à objetivação do trabalho. Na mesma
etapa, contemplou-se o “pólo teórico”, momento em que é possível determinar
o “movimento da conceitualização” (BRUYNE, 1977, p. 35), que envolve
profunda reflexividade da permanência, descarte ou adição de fundamentos
teóricos que conduzem a pesquisa, destacando-se que a experiência de campo
redefine projetos, hipóteses e abordagens metodológicas (BRANDÃO, 2007).

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COMO NASCE UM KALUNGA? PRÁTICAS E PERCEPÇÕES DE MULHERES E PARTEIRAS
Renata da Costa Rodrigues; Juliana Luporini do Nascimento; Juliana da Fonseca Bezerra

B) ETAPA 2 UM CAMPO PARA DEFINIR O CAMPO - “GIRANDO O PAU DE FUSO”

Na Etapa 2, privilegiou-se, essencialmente, o “pólo técnico”, que consiste


no controle da coleta dos dados, momento crucial de reconhecimento das
limitações tanto de tempo quanto da orientação espacial. O campo foi extenso
e a mobilidade difícil. O acesso para a comunidade se dá no transporte de
pau de arara. Para prosseguir, nas etapas seguintes, considerou-se o campo
não apenas a zona rural limítrofe do Vão de Almas, mas todo o Município
de Cavalcante, pois as famílias mantém, sem incluir suas casas na zona
rural, uma morada na cidade, alternando sua permanência de acordo com
as necessidades. Essa situação nos permitiu perceber a permeabilidade das
fronteiras trazidas pela Modernidade e pensar as fronteiras do território não
como limite estático, mas móvel e dinâmico, simbolizando nessa etapa o Pau
de fuso que é um instrumento feito de vareta e uma roldana de argila. Com
uma das mãos se segura o algodão e na outra o pau de fuso, e ao girá-lo os
fios são formados. O giro é o ponto da transição da matéria bruta para o fio.

C) ETAPA 3 DESCRIÇÃO DO CAMPO – “PRIMEIROS FIOS”

Momento do trabalho em que o conhecimento dos elementos estruturais do


contexto do cidadão Kalunga e o entendimento da dinâmica de vida e necessidades
orientaram a análise. O “pólo morfológico” refere-se à “arquitetura”, como será
exposto, como determinado fato poderá ser considerado pivô de desfechos.
Afloram as aberturas do vínculo entre pesquisador e a comunidade e os efeitos
deste na capacidade de aprofundar a interação e realizar o acercamento
e possíveis diálogos. Foi valorizada na Etapa 3 a descrição da paisagem, dos
deslocamentos realizados pelos moradores, das estruturas e serviços encontrados
na comunidade, roça, alimentação e cotidiano.

D) ETAPA 4 FINALIZANDO O CAMPO – “ARREMATE”

Na Etapa 4, a análise dos dados estava em andamento. Os desfechos do campo


ordenaram não apenas o estabelecimento do método, mas também abriram
condições de revisitar os fundamentos teóricos que, entrelaçados aos registros
de campo, formaram uma estrutura coesa que teve como ponto de partida o
quilombo como grupo étnico e conceitos de etnicidade, costurados com os
movimentos da modernidade e “arrematados” com a constatação de práticas
intermédicas, justificando o uso do conceito de intermedicalidade.

86
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

ANÁLISES
As mulheres Kalunga, na hora do parto, auxiliavam as parturientes a
extravasar suas dores coletivamente. Tradicionalmente, quatro mulheres
conduziam o partejo: a parteira do “buraco”, que tinha a função de amparar
o bebê e a única a ver a genitália feminina; a do “suspiro”, que era quem
segurava a mulher e realizava massagem; a da “banda”, providenciava o
material necessário (água quente, chás, banhos e prepara o caldos) e também,
a do “consolo” que encorajava e acalmava a gestante em períodos avançados
do trabalho de parto (SCHUMAER; VITAL BRASIL, 2007).

Motivadas por encontrar esse sistema de parturição descrito acima,


incentivadas à busca de modelos de gestar e parir que divergem do modelo
biomédico, e por uma expectativa de encontrar um sistema de parturição que
respeite a fisiologia e as representações simbólicas da mulher o campo revelou
algo muito distante.

Nos primeiros diálogos com as mulheres foi possível identificar práticas de


violência institucional e obstétrica, um dos relatos mais marcantes foi do óbito
de três recém-nascidos que tiveram quedas no momento do parto devido à
falta de assistência no período expulsivo. A medida tomada pelo hospital para
evitar que isso acontecesse foi de amarrar a gestante ao leito e não deixar
que ela se movimente, ao invés de tomar providências que realmente estão de
acordo com as políticas de humanização do parto.

Quando a mulher Kalunga se descobre grávida ou desconfia da gravidez


desde a percepção de seus sintomas, contata-se a agente comunitária de saúde
(ACS), que agenda a consulta na unidade de saúde da cidade de Cavalcante,
devendo avisá-la para que não perca a consulta.

O deslocamento é realizado pelo caminhão pau de arara que não tem dia certo
para transitar. Há temporadas em que faz a viagem todos os dias e, em outras,
em dias alternados. Às vezes pode ficar até três dias sem passar. Por isso, a
gestante necessita ir com antecedência para a consulta e permanecer na cidade.

As condições de viagem são precárias, dura-se de quatro a cinco horas, em uma


estrada perigosa e que além, de o veículo balançar intensamente, há trechos
em que os passageiros devem descer do veículo e caminhar pela estrada repleta
de buracos e abismos, pois o tombo do caminhão pode ser fatal.

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COMO NASCE UM KALUNGA? PRÁTICAS E PERCEPÇÕES DE MULHERES E PARTEIRAS
Renata da Costa Rodrigues; Juliana Luporini do Nascimento; Juliana da Fonseca Bezerra

Além disso, o custo do transporte é alto, pois ela gasta metade da sua renda
mensal, já que para a grande maioria das famílias a renda é proveniente do
Bolsa Família, com transporte para utilização de um serviço público que
deveria ser disponibilizado na própria comunidade, sabendo que o transporte
é apenas um dos gastos, pois há também o custo de permanência na cidade.

Durante o período pesquisado, não havia ginecologista nem obstetra na


cidade. A consulta de pré-natal é realizada pelo médico de família. Muitas
vezes não há médicos na unidade e a gestante volta para o Vão de Almas, sem
a realização da consulta. É reencaminhada para o mês seguinte, correndo o
risco de acontecer novamente a ausência do médico. Outra situação que pode
ocorrer é remarcar a consulta para o dia seguinte ou mesmo para a mesma
semana. Em todos os casos, há um prejuízo além do financeiro, pois, muitas
vezes, as mulheres deixam seus outros filhos na comunidade com parentes
para que ela possa se deslocar.

O único equipamento disponível para a realização do pré-natal é o sonar.


Os exames de ultrassonografia são realizados na cidade de referência mais
próxima, que fica a 138 km de distância. Está sujeita à disponibilidade de
dias e horários do transporte oferecido pelo órgão de assistência social. Caso
contrário, deverá arcar com a despesa de transporte público para realização
de exames, correndo o risco de pernoitar em locais desabrigados pela escassez
de horários de ônibus. Outra opção é o pagamento particular do exame, que
custa R$180,00, como relatou um ACS.

O momento do parto é de grande tensão e incerteza para as famílias Kalunga.


O último parto realizado na comunidade foi em dezembro de 2014. No
hospital de Cavalcante há uma sala de parto desativada por falta de recursos e
de obstetra. As gestantes internadas em pródromos, ou seja, com os primeiros
sintomas que a mulher esta entrando em trabalho de parto, são transferidas
para Campos Belos ou até mesmo Brasília.

As mulheres Kalunga perceberam que, ao darem entrada em período


avançado de trabalho de parto no hospital de Cavalcante, o parto é realizado
sem a necessidade de transferência, no entanto, foi relatado pelas próprias
gestantes e profissionais de saúde que é comum as crianças nascerem dentro
dos transportes. Desse modo, para evitar mais um deslocamento e remover
o risco de seus bebês nascerem no trajeto, as mulheres desenvolveram uma
conduta de resistência e repassam essa orientação entre elas, de “chegar
parindo” no hospital de Cavalcante, para não precisarem viajar.

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

Esses relatos trazem subsídios para reflexão acerca da necessidade de se relativizar


o risco, o qual, segundo o modelo biomédico, implica perigo, sendo o antídoto
deste, a segurança, ou seja, são estabelecidas novas relações de confiança prévia
da “segurança” ofertada pelos “sistemas peritos”2, em que a promessa da
manutenção da estabilidade da vida se mostra de maneira a garantir a vida.

Desde o momento em que a figura da parteira é associada ao risco e tensionada


a relação de confiança dentre os membros da comunidade, abre-se um espaço
para disputa entre os saberes e a hegemonia biomédica se impõe a invisibilizar
os que estão do “outro lado”, ou seja, as parteiras e seus saberes.

Umas das parteiras relatou que um de seus partos ocorreu no hospital,


abordou a falta de suporte físico e afetivo, disse que permaneceu sozinha
e quando solicitava a presença dos profissionais era tratada com descaso.
Seu estranhamento com a prática hospitalar decorre do contraste do parto
assistido por parteiras da comunidade, pois as mulheres se organizavam de
modo a oferecer cuidados, suporte físico, afetivo e espiritual para a parturiente,
momento em que todo o conhecimento das plantas, banhos, canções e orações
de nascimentos eram expressos para a chegada de um novo membro.

Segundo a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (2013), a violência


obstétrica configura qualquer ato ou procedimento que incida sobre o corpo
da mulher que não seja por ela consentido e que cause dor ou dano físico, como
por exemplo, exames de toque sucessivos, soro com ocitocina para acelerar
trabalho de parto por conveniência médica, episiotomia e imobilizações
(braços e pernas), assim como toda ação verbal ou comportamental exercida
pela equipe de saúde ou funcionários que cause para a parturiente, sentimento
de inferioridade, medo, acuação, perda da integridade, dignidade e prestígio.

Uma gestante Kalunga relatou que, em seu parto anterior, além de ser deixada
sem acompanhante, amarraram-na com uma borracha na cabeceira da maca,
um braço para cada lado, com infusão intravenosa de ocitocina para acelerar
as contrações. A Lei Nº 12.895 de, 18 de dezembro de 2013, assegura que toda
parturiente tem direito a um acompanhante em seu trabalho de parto, assim
como, no estabelecimento, devem estar visíveis informativos sobre esse direito.

No momento da descida do bebê, o cóccix se movimenta a fim de que o crânio


se encaixe dentre os ossos pélvicos, o corpo grávido pede movimento, mas

2 Entende-se por sistemas peritos: “[...] sistemas de excelência técnica ou competência profissional que
organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje” (GIDDENS, 1997:30).

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COMO NASCE UM KALUNGA? PRÁTICAS E PERCEPÇÕES DE MULHERES E PARTEIRAS
Renata da Costa Rodrigues; Juliana Luporini do Nascimento; Juliana da Fonseca Bezerra

encontra-se deitado e submetido às dores mais intensas que poderiam ser


minimizadas, pois esse corpo em posição horizontal realiza uma resistência
contrária à contração e adversa às forças gravitacionais.

Sozinha e com dores intensas, a gestante chamou a enfermeira, que ao realizar


o exame de toque, disse que não estava na hora ainda de nascer. A gestante
salientou que, quando solicitou a atenção dos profissionais de maneira
desesperada e aos gritos, foi agredida verbalmente, chamada de frouxa e
outros adjetivos que feriram sua dignidade. Relatou ainda, que ao solicitar
atenção da equipe sem apresentar a fisionomia demonstrando dor, era deixada
novamente sozinha por acreditarem que se não estava com fisionomia de
sofrimento, mas de “cara limpa”, não estaria na hora do bebê nascer. Poucos
minutos após o exame de toque, ganhou seu bebê, sozinha, restrita ao leito:
“Eles só vem na hora que a gente gritou que já ganhou”.

Apesar de viver uma situação de enorme violência obstétrica, relatou que em


seu pós-parto as enfermeiras a trataram muito bem, oferecendo suporte na
amamentação, auxiliando quando o bebê chorava. Também relatou que o
bebê permaneceu com ela todo o tempo em que esteve no serviço.

A maior objeção foi com a alimentação oferecida pelo hospital, pois o resguardo
da mulher kalunga, em grande parte, é realizado com restrição de alimentos.
O resguardo é a prática de auto-atenção3 mais preservada pelas mulheres,
corresponde ao período de 40 dias após o parto. Elas aderem à prescrição médica,
mas, quando retornam à comunidade, retomam as práticas de saúde apreendidas
por gerações, se medicam com plantas, tomam garrafadas e fazem a dieta. Esta
situação configura-se como zona de “intermedicalidade” em que os saberes
tradicionais e biomédicos interagem e disputam dentro da mesma arena.

O resguardo influencia a saúde da mulher como um todo, para elas, quebrar o


resguardo pode ocasionar tumores e perturbações, consideram que “as ideias das
mulheres ficam abertas” nesse período e que até aromas podem perturbar. Salientam
que a mulher que quebra o resguardo pode não sentir os efeitos em um curto prazo
de tempo, mas sentirá quando for idosa. Demonstrando uma concepção cíclica de
que as ações do presente influenciam o seu futuro e que o resguardo do parto, está
relacionado com os comportamentos corporais e psicológicos que esta mulher vai
apresentar em todas as etapas da vida, caso a tradição não seja respeitada.

3 Os estudos sobre as práticas de auto-atenção analisam espaços em que diferentes conhecimentos sobre
cura, doença e saúde são articulados e ressignificados pelos sujeitos.

90
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

CONCLUSÕES
O processo de “medicalização” do parto na comunidade se intensificou no
ano de 2010, com um evento denominado “evento desestruturante”, em que
ocorreu o óbito da filha de um dos agentes comunitários de saúde. Após esse
acontecimento, o medo das mulheres da comunidade de terem partos na roça
aumentou. A função do ACS em identificar as gestantes e encaminhá-las para a
cidade se fortaleceu e a responsabilidade recaiu sobre as parteiras, com grande
peso. O medo de serem processadas fez com que se eximissem de suas funções.

O nascimento de um Kalunga, que antes era uma festa e um momento


de fortalecimento comunitário, passou a ser um evento tenso e incerto. O
mesmo sistema de saúde que retirou a autonomia das parteiras não assegurou
condições básicas para acolher e prestar serviços com base nos princípios dos
programas de humanização da saúde, sobretudo do parto.

O discurso biomédico reforça a manutenção de um processo intervencionista;


iniciado nos anos de 1960, com tomadas de decisões verticais. Os ACS se alinham a
essas condutas e alcançam a comunidade. Em razão do seu lugar de representação
e liderança, demonstram o valor afetivo com as parteiras, sugerem parcerias, mas
mantém a parteira e seus saberes como secundárias na prática de cuidado ao parto.

O conflito e a disputa recaem sobre as mulheres que querem realizar seus partos, mas
suas ações se alinham às recomendações biomédicas. O “evento desestruturante”
justifica a ação de se deslocar, mas não altera o sentido de que o parto na comunidade
é melhor, que a mulher é “bem cuidada” e nem “tão queixosa”.

Com base nas observações de campo e diálogo com a comunidade, percebeu-


se, principalmente na fala das parteiras, o reconhecimento de elementos do
passado, de como eram os partos, as relações de cuidado e “apadrinhamento”.
Já na fala das mulheres foi possível reconhecer parte do presente que configura
uma pratica de “medicalização” do parto e um cenário marcado por
experiências que perpassam a violência obstétrica.

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2015.

92
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

SAÚDE MATERNA E EQUIDADE NOS


CUIDADOS DE SAÚDE DAS MIGRANTES
AFRICANAS
Ligia Moreira de Almeida1; José Manuel Peixoto Caldas1;
Luiza Jane Eyre de Souza Vieira2; Raimunda Magalhães da Silva2
1
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; 2Universidade de Fortaleza

ligia_almeida@med.up.pt; drjosemanuelpeixotocaldas@gmail.com;
janeeyre@unifor.br; rmsilva@unifor.br

SINOPSE
Gravidez e maternidade são períodos de maior vulnerabilidade para a mulher, daí a necessidade
de caracterizar a saúde materna e neonatal, considerando fatores como: utilização, acesso
e qualidade dos cuidados recebidos, validados pela perspectiva das usuárias, permitindo a
construção de uma visão holística e integrada. A pesquisa segue uma metodologia qualitativa
para coleta e análise de dados. A recolha de informações foi obtida de mulheres africanas,
independentemente da situação documental, residentes na área metropolitana do Porto.
As queixas referem-se à interpretabilidade da lei e usurpação dos direitos dos imigrantes. A
burocracia associada à supervisão da entrada de imigrantes parece ser extremamente prejudicial,
perpetuando as vulnerabilidades inerentes ao processo de migração. Especial atenção pois, deve
ser prestada às necessidades específicas e à compreensão das imigrantes durante a gravidez e
maternidade, a fim de melhorar a saúde, assegurar o acesso, promover a equidade e qualidade
dos cuidados de saúde para todos.

INTRODUÇÃO
As tendências migratórias representam oportunidades de evolução irrefutáveis
para a União Europeia, atendendo a necessidades específicas do mercado de
trabalho, essenciais à manutenção da sua estrutura social, e para a retomada
do desenvolvimento econômico e cultural. Em Portugal, nos últimos anos, os
censos demonstram que os fluxos migratórios desempenharam um importante
papel, contrariando o envelhecimento demográfico (natalidade decrescente
entre mulheres autóctones, sendo as migrantes que mais contribuem para a
manutenção das taxas de fertilidade, fecundidade e nascimentos) (CALDAS,
2007; PADILLA; MIGUEL, 2009).

93
SAÚDE MATERNA E EQUIDADE NOS CUIDADOS DE SAÚDE DAS MIGRANTES AFRICANAS
Ligia de Almeida; José Caldas; Luiza Vieira; Raimunda da Silva

SAÚDE COMO BARÔMETRO DE INCLUSÃO


Um dos mais nobres desafios acometidos pelos fenômenos migratórios diz respeito
à prestação universal e equitativa de cuidados de saúde, sendo fulcral a acessibilidade
e qualidade de serviços, independentemente do sexo, etnia ou país de origem –
saúde como direito universal (FERNANDES; MIGUEL, 2009. Saúde e garantia
de acesso aos cuidados de saúde são pilares para a inclusão social dos imigrantes,
consistindo uma das principais rotas de ingresso na cidadania participativa e
direitos civis (DIAS; ROCHA, 2009; DIAS; GAMA; ROCHA, 2010, INGLEBY
et al, 2005). Os mais recentes fluxos migratórios (num quadro social anterior à
crise econômica mundial, sendo que não existem dados atualizados que não
puramente empíricos do enquadramento da realidade contemporânea) mostram,
concordantemente, a feminização da migração e a participação crescente das
mulheres migrantes na demografia europeia (FONSECA et al, 2009; DIAS;
ROCHA, 2009; MARTINS; FARIA; LAGE, 2010).

A evidência científica mostra que as populações imigrantes têm um maior


risco de contrair doenças, tais como doença cardiovascular, evidenciando
taxas mais elevadas de prevalência de diabetes e mortalidade associada ao
cancro, em comparação com as populações nativas; os migrantes apresentam
igualmente maior risco de contrair doenças infeciosas como a tuberculose,
HIV/AIDS e hepatite (RUMBOLD et al, 2011). Evidenciam ainda um maior
risco de sofrer de doença mental, incluindo depressão, esquizofrenia e stress
pós-traumático, como resultado da interação de determinantes psicossociais
específicos (BUNEVICIUS et al, 2009).

Linhas de investigação contemporânea em saúde, desenvolvendo ideias


mais ou menos recentes, têm vindo a recuperar tendências de pesquisa ora
desenvolvidas ora estrategicamente abandonadas (e.g. epidemiologia social),
que atribuem um papel preponderante aos aspetos sociais no desenvolvimento
e experiências de doença. Assim, torna-se premente considerar os contextos
onde residem e se movem os contingentes migrantes nos países de acolhimento
a fim de compreender os comportamentos de saúde, as especificidades culturais
e as crenças que os acompanham na demanda pela procura de serviços e as
trajetórias de doença, concebendo a saúde no contexto onde ela se desenvolve,
articulando constructos de pobreza, nível socioeconômico e educação na
determinação do estado de saúde, favorecendo a compreensão de alguns
fenômenos epidemiológicos que se revelam de extrema utilidade nas linhas de
investigação em saúde pública (WHO, 2008).

94
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

A equação explicativa da saúde individual e coletiva é efetivamente complexa,


multivariável e multimodal. Ao domínio biológico, bioquímico da saúde
física há que acrescentar, como verificado, todo um background sociológico e
contextual associado a variáveis sociais, culturais e educativas, mas também
o mundo da experiência psicológica individual inerente à migração, à
experimentação do processo migratório e dos desafios pessoais que daí advêm.
Assim, é impossível conceber a saúde sem considerar características pessoais
como a resiliência, a tolerância à frustração e a gestão do stress mediante um
contexto de frequente isolamento e ausência de suporte social. Investigadores
internacionais começam a debruçar-se sobre os efeitos do stress racial em
mulheres africanas de diferentes gerações migratórias, identificando-o como
um dos fatores causais para as altas taxas de parto prematuro (GUSHULAK;
PACE; WEEKRS, 2010; HARUTYUNYAN, 2008). O stress crônico pode
interferir e deteriorar o funcionamento do sistema hormonal e imunológico,
exacerbando funções inflamatórias e comprometendo a eficiência das ações
metabólicas (HARUTYUNYAN, 2008).

Desse modo, fatores sociais e psicossociais frequentemente induzem uma


vulnerabilidade crescente durante a gravidez (complicações psicopatológicas
antes e/ou após o parto - depressão pós-parto, psicose e depressão
(BUNEVICIUS et al, 2009, RUMBOLD et al, 2011)- exacerbada por stressores
associados ao processo de migração), pelo que os cuidados de saúde materna
e infantil devem ser alvo de especial atenção (BUNEVICIUS et al, 2009).
Numa exploração preliminar dos indicadores gerais de saúde disponibilizados
para a caracterização das populações migrantes, verifica-se tendencialmente
que este contingente apresenta mais complicações sexuais e reprodutivas, os
resultados da gravidez tendem a ser empobrecidos (incidência superior de
bebês prematuros e com baixo peso ao nascer), maior mortalidade materna,
neonatal e infantil, mais abortos espontâneos, uma maior incidência de
depressão pós-parto, seguimento ginecológico irrisório e educação pré-natal
precária (CARBALLO, 2009).

Por fim, para contextualizar o presente estudo, considera-se premente avançar-se


informações básicas sobre o funcionamento do Sistema Nacional de Saúde para
permitir uma melhor compreensão sobre os potenciais desafios que migrantes
(e portuguesas) muitas vezes enfrentam no acesso aos serviços. O conceito
português de cuidados de saúde primários define-se enquanto prestação de
serviços essenciais, universalmente livres e acessíveis a todos; faz-se consistir
genericamente de serviços de proximidade, e estabelece o primeiro contacto

95
SAÚDE MATERNA E EQUIDADE NOS CUIDADOS DE SAÚDE DAS MIGRANTES AFRICANAS
Ligia de Almeida; José Caldas; Luiza Vieira; Raimunda da Silva

obrigatório do indivíduo com o sistema público de saúde (exceto para situações


de emergência, em condições agudas de saúde, que exijam intervenção rápida
e especializada - neste caso, os indivíduos têm uma série de dispositivos que
incluem rede de transporte imediato para Serviços de Urgência no Hospital de
referência, aonde os próprios também se podem autonomamente deslocar). Os
centros de saúde são as principais instituições de cuidados primários, destinados
a facilitar o atendimento por um médico generalista, denominado médico da
família, a quem o usuário deve apelar mediante a necessidade de cuidados
de saúde. Apesar dessas recomendações, este médico não é necessariamente
atribuído a cada paciente, português ou migrante; neste caso, os pacientes têm
recorrer a médicos de recurso. As consultas especializadas devem ser solicitadas
ao médico de família e dependem da sua aprovação e encaminhamento a um
nível de cuidados de saúde secundários (consultas especializadas de pediatria,
ginecologia, psiquiatria, psicologia, entre outros). Os centros de saúde também
desenvolvem ações de promoção da saúde, prevenção, vacinação, assistência
curativa e de reabilitação, prestadas por equipas de enfermagem. A vigilância
da gravidez é realizada primordialmente pelos serviços de saúde primários
(MACHADO et al, 2006).

MÉTODOS
O presente estudo resulta de um Projeto de Investigação financiado pela FCT,
“Saúde e Cidadania: Disparidades e necessidades interculturais na atenção
sanitária às mães imigrantes” (Ref.: PTDC/CS-SOC/113384/2009), ainda
a decorrer. No âmago da investigação encontra-se o estudo e observação da
“cidadania da saúde“ e seus determinantes, visando à saúde das mulheres
imigrantes grávidas e o acesso aos cuidados de saúde materno-infantis como
um elemento fulcral para a promulgação dos direitos da cidadania em Portugal.

OBJETIVOS
Os objetivos da investigação original prendem-se com a análise do papel da
cultura da população imigrante e autóctone com o intuito de perscrutar se
existem desigualdades nos acessos aos cuidados de saúde materna, considerando
todos os atores deste contexto. Pretende-se ainda proporcionar ferramentas
essenciais às boas práticas no domínio dos cuidados da saúde materna, pelo
desenvolvimento de uma avaliação multimétodo das necessidades de saúde
desta população.

96
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

PARTICIPANTES
Este estudo tem como participantes principais mães recentes imigrantes e
portuguesas, residentes na área metropolitana do Porto. As imigrantes são
filhas de pais estrangeiros e nasceram elas próprias fora do território nacional:
países de Leste, Brasil e PALOP (grupos étnicos mais representativos do
contexto imigratório português). Desta conjuntura, destacamos e analisamos
os discursos e experiências das mulheres Africanas, junto das quais se procedeu
à explicação geral do estudo e objetivos, monitorização de autorização para
a realização de gravações áudio das entrevistas, interesse e compliance em
participar desta pesquisa, e recolha de consentimento informado. A aprovação
para a condução do estudo foi obtida a partir dos Conselhos de Administração
e do Comité de Ética de todas as instituições envolvidas.

PROCEDIMENTOS
O protocolo da investigação original segue uma metodologia de recolha e
análise de dados mista (interface quantitativa e qualitativa). A amostra foi
intencional, e respondeu aos seguintes critérios de inclusão: foram recrutadas
mães recentes, com crianças de idade inferior a 36 meses (contemplando todo
o espectro da idade fértil), residentes na área metropolitana do Porto, cujos
pais não tenham nascido em Portugal (no caso das migrantes).

Realizaram-se entrevistas semiestruturadas (num total de 31), atendendo


à nacionalidade/proveniência das mulheres: onze a mulheres PALOPS
(considerando, à partida, a limitação inerente às diferenças culturais entre
países aqui incluídos), sete a mulheres de Leste, sete a brasileiras e sete a
portuguesas, em fases similares de maternidade.

ANÁLISE DE DADOS
Técnicas de análise de conteúdo e categorização das informações emergentes
foram usadas para efetuar uma análise sistemática dos dados coletados, que
envolveu a transcrição de entrevistas e notas de campo. Após a recolha de todos
os dados, uma interpretação ampla da informação resultante foi realizada.
Procurou efetuar-se uma análise sistemática dos dados sobre as informações
recolhidas entre o contingente feminino referido (que envolveu um processo
de busca e organização de transcrição de entrevistas, notas de campo e demais
matérias), com o objetivo de aumentar a compreensão desses mesmos materiais
(BOGDAN; BIKLEN, 2003) por meio de técnicas de análise de conteúdo.

97
SAÚDE MATERNA E EQUIDADE NOS CUIDADOS DE SAÚDE DAS MIGRANTES AFRICANAS
Ligia de Almeida; José Caldas; Luiza Vieira; Raimunda da Silva

Categorias iniciais foram criadas e posteriormente evoluíram com a análise de


novos dados. Dois investigadores independentes codificaram e organizaram
os dados de acordo com essas categorias, e a equipe de pesquisa se reuniu
várias vezes para estabelecer acordo sobre interpretações. Para manter a
confidencialidade, dados sociodemográficos foram inseridos numa folha de
códigos, e o nome do participante substituído por um código alfanumérico.
Cotações foram escolhidas a partir das entrevistas transcritas das mulheres
para melhor exemplificar os principais temas emergentes.

RESULTADOS QUALITATIVOS
Características sociodemográficas das participantes:

As participantes tinham entre 20 e 45 anos de idade. As mulheres africanas


apresentavam níveis de escolaridade entre o básico e o médio (≤ 9 anos: 45%;
9-12 anos: 45%), e quase metade estava ainda em processo de legalização (45%).
As mulheres portuguesas detinham igualmente um nível médio de educação
(9-12 anos: 83%). 45% das mulheres africanas residiam em Portugal há mais
de 12 anos. Salienta-se que 25,8% das participantes estavam desempregadas
no momento da entrevista.

As informações coletadas podem ser agrupadas em oito temas principais:


a) estado de saúde, b) perceções de acesso e de qualidade do atendimento,
em comparação com os do país de origem, c) barreiras e facilitadores para
a utilização de serviços de saúde, d) lacunas percebidas no sistema de saúde
e sugestões de melhoria, e) cuidados de saúde materna e infantil (i. gravidez
e pós-parto; ii. acompanhamento do bebê; iii. planeamento familiar), f)
estratégias para a gestão de dificuldades, g) qualidade e consequências dos
cuidados recebidos, h) contracepção – informação, decisão e utilização.

Tomando este modelo de análise, encontraram-se algumas informações


relevantes que dão conta da necessidade de deslocação do ponto de atenção
e enfoque das políticas de saúde pública da garantia de acessibilidade das
imigrantes grávidas aos cuidados de saúde (preposição relativamente alcançada
a nível nacional) para assegurar a qualidade na prestação destes cuidados
(tendência que se verifica na maioria dos países europeus que partilham da
premissa da saúde como direito universal) (ESSEN et al, 2002; FEDELI et al,
2010; MALIN; GISSLER, 2009).

98
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

ESTADO DE SAÚDE
Relativamente à subcategoria “Estado de Saúde”, observa-se que os conteúdos
emergidos são variáveis. A autoavaliação do estado de saúde foi solicitada
a cada participante, e a maioria das mulheres classificaram-se como muito
saudáveis, apenas reportando problemas de saúde minor ou resolvidos quando
da chegada a Portugal: “O problema de saúde que eu tinha era malária. Parecia uma
maldição, porque eu estava sempre doente!”(Participante Africana).

Apenas algumas diferenças foram identificadas em relação a situações


específicas e perfis epidemiológicos, como anemia, hipertensão, e um caso
de malária entre as mulheres africanas, e depressão pós-parto numa mulher
portuguesa. No geral, o estado de saúde percebido parece ser um pouco mais
empobrecido entre as migrantes, mas não se observaram diferenças substanciais
entre nacionalidades, com exceção das mulheres africanas que relataram mais
infeções de diferentes naturezas (respiratórias, de sangue e infecções vaginais).
Estes dados sugerem uma associação intrínseca entre a perceção de saúde nas
mulheres e fatores culturais, que serão explorados mais adiante.

PERCEÇÕES DE ACESSO E DE QUALIDADE DOS CUIDADOS DE


SAÚDE, EM COMPARAÇÃO COM O PAÍS DE ORIGEM
Informação relevante foi encontrada sugerindo a necessidade de mudar o foco
da acessibilidade das mulheres imigrantes aos cuidados de saúde (em grande
parte alcançado em nível nacional) para garantir a qualidade do atendimento,
uma tendência existente na maioria dos países europeus que compartilham a
suposição de saúde como um direito universal (ESSEN et al, 2002; FEDELI et
al, 2010; MALIN; GISSLER, 2009).

Independentemente da nacionalidade, as entrevistadas reportaram o uso


regular do SNS durante a gravidez e nos primeiros meses de maternidade.
Noutras situações, o uso era geralmente limitado aos serviços de urgência
(especialmente entre as imigrantes) e consultas de especialidades, como
pediatria. A maioria das mulheres estava satisfeita com os serviços de saúde,
em particular os que receberam durante a gravidez.

As mulheres africanas relataram o acesso e utilização de serviços de saúde


primários e secundários. Dado que estas mulheres apresentam estadas mais
prolongadas no país, elas são mais frequentemente contempladas com um
médico de clínica geral, expressando maior facilidade no uso dos centros de

99
SAÚDE MATERNA E EQUIDADE NOS CUIDADOS DE SAÚDE DAS MIGRANTES AFRICANAS
Ligia de Almeida; José Caldas; Luiza Vieira; Raimunda da Silva

cuidados de saúde primários. As mulheres africanas reportam ainda mais


satisfação com o atendimento recebido em Portugal do que no país de origem,
referindo a disponibilidade de mais recursos clínicos e profissionais treinados,
bem como um maior desenvolvimento da medicina.

Todas as mulheres, incluindo as nativas portuguesas, mencionaram dificuldades


de agendamento de consultas e o tempo de espera, tanto nos centros de
cuidados de saúde primários como nos hospitais, como fatores associados com
menor qualidade e desumanização dos serviços.

BARREIRAS E FACILITADORES PARA A UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS


DE SAÚDE
As mulheres migrantes manifestam opiniões variáveis sobre possíveis barreiras
e dificuldades na utilização dos cuidados de saúde, relacionadas com
experiências pessoais e idiossincráticas. Entre os obstáculos mais relevantes
destaca-se o desconhecimento inicial dos serviços que o sistema de saúde
oferece, a dificuldade anteriormente referida no agendamento de consultas,
o tempo de espera pela consulta, e uma indiferença percebida para com os
usuários, especialmente nos serviços de urgência.

As imigrantes africanas associam mais frequentemente barreiras no acesso


aos cuidados de saúde quando os processos de legalização da permanência e
atribuição da documentação estão a decorrer: “Eu acho que a principal barreira foi
não ter cartão de saúde de utente.” (Participante Africana).

Relativamente aos aspectos que facilitam a acessibilidade aos serviços de saúde,


estes são percebidos pelas mulheres africanas como relativamente escassos, e
apenas relacionados mediante a existência de alguns protocolos de saúde e
cooperação entre o Estado Português e o país de origem.

Ter um médico de família (generalista) atribuído e estar grávida são amplamente


reconhecidos como facilitadores para as migrantes e as nativas.

Várias mulheres africanas tendem a identificar aspectos mais burocráticos


e desinformação dos profissionais de saúde e pessoal administrativo como
os principais obstáculos para a abordagem inicial aos serviços de cuidados
especializados: “Estou muito satisfeita com os serviços de saúde. [...] Eu estava grávida
em 2009, e meu bebê morreu no hospital. E eu não sei por que ele morreu”. (Participante
Africana). É de salientar que algumas mulheres portuguesas também relataram
problemas com a qualidade do atendimento recebido, não os identificando

100
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

como abaixo do desejável e não estando conscientes do seu impacto: “A parte


final do parto correu mal, eles quiseram fazer as coisas muito rapidamente, quando tiveram
de remover a placenta alguns restos foram deixados dentro...” (Participante portuguesa).

LACUNAS PERCEBIDAS NO SISTEMA DE SAÚDE E SUGESTÕES DE


MELHORIA
As principais queixas identificadas foram transversais a todas as utilizadoras,
independentemente da nacionalidade. Entre elas estavam, como anteriormente
referido, o tempo de espera para consultas, dificuldades de agendamento de
consultas gerais e especializadas, atenção reduzida de profissionais de saúde,
especialmente em serviços de urgência nos hospitais, e excesso de burocracia.

SAÚDE MATERNA E INFANTIL


As mulheres foram solicitadas a expressar as suas experiências relativas a consultas
médicas recebidas durante a gravidez, bem como aos serviços de monitorização
durante todo o período pós-parto, e posterior acompanhamento do bebê.

I. Gravidez e pós-parto

Observou-se que o acompanhamento da gravidez é um dos serviços a que subjaz


uma maior satisfação generalizada, sendo mais gratificante para as mulheres
portuguesas. No entanto, o contentamento é raramente extensível para o
atendimento médico no pós-parto, quando as mulheres (independentemente
da nacionalidade) massivamente referem falta de apoio social e afetivo,
relatando sentimentos de abandono por parte do sistema nacional de saúde.

As mulheres africanas consistentemente relataram mais complicações durante


a gravidez: mais infeções, distúrbios hipertensivos e diabetes gestacional,
bem como maior prevalência de abortos e morte perinatal e neonatal em
gestações anteriores. No entanto, estão, muitas vezes, satisfeitas com a atenção
médica, demonstrando uma atitude marcadamente passiva na abordagem aos
profissionais de saúde: “(Meu bebê) teve um problema com o sangue ... Eu não sei por
que ele morreu porque ele nasceu assim. Ele esteve no hospital por dois meses e morreu.
Ninguém nunca me explicou.”(Participante Africana).

II) Seguimento do Bebé

No que diz respeito à atenção médica dirigida às crianças, depois de


receberem alta do Hospital após o parto, várias imigrantes relatam

101
SAÚDE MATERNA E EQUIDADE NOS CUIDADOS DE SAÚDE DAS MIGRANTES AFRICANAS
Ligia de Almeida; José Caldas; Luiza Vieira; Raimunda da Silva

dificuldades em sentir-se suficientemente esclarecidas durante as consultas


médicas generalistas, mencionando a falta de especialistas em pediatria
para efetivar o normal seguimento do bebê. Esses discursos não foram
encontrados entre as mulheres africanas nem portuguesas, excetuando casos
de não atribuição de médico de família.

III) Planejamento familiar

Os serviços de planejamento familiar prestam aconselhamento e informação


com foco na prevenção da saúde e proteção contra doenças (explicitamente
através do fornecimento esclarecido e gratuito de métodos contracetivos) e
preparação biofísica da mulher para a gravidez (por exemplo, o consumo
inicial planeado de ácido fólico quando se procura engravidar). Observou-se
que nem todas as mulheres estão conscientes das potencialidades e vantagens
desses serviços mas, independentemente da nacionalidade, as que os utilizam
estão extremamente satisfeitas.

Apenas se identificou um caso de uma mulher africana que relatou uma


atitude coerciva por parte do médico que, alegadamente, lhe tentou impor
a colocação de um implante subcutâneo: “Como eu posso decidir uma coisa, se eu
não sei o que era? Ela nem sequer me perguntou pela minha análise, ela não fez nada, nem
me perguntou se eu queria! A resposta que ela me deu foi: “Oh, é para não engravidares
novamente.”(Participante Africana).

ESTRATÉGIAS PARA GESTÃO DAS DIFICULDADES


Relativamente a potenciais obstáculos identificados, pretendeu-se reunir
informações sobre o nível de proatividade e ação orientada sobre as estratégias
de mulheres migrantes para superar dificuldades, compreendendo se as
mulheres portuguesas tinham esquemas de ação qualitativamente diferentes
e / ou mais vantajosos.

No que concerne aos níveis de ação das mulheres portuguesas para a superação
de dificuldades, observa-se que, apesar de informadas sobre o funcionamento
do SNS, as mulheres portuguesas de baixo nível socioeconômico (NSE)
só efetuam reclamações verbais, reivindicando os seus direitos (reais ou
percebidos) exclusivamente por meio de protesto oral. Em situações muito
graves ou circunstâncias com elevada probabilidade de falha médica, elas
tendem a não prosseguir com as queixas: “A parte final do parto correu mal. Ao
retirar a placenta, os médicos não eliminaram completamente os restos ... E isso me fez

102
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

desenvolver uma infeção que me obrigou a ficar hospitalizada alguns dias. Eu não estava
satisfeita, [...] mas eu não reclamei.” (Participante Portuguesa).

Observou-se também que algumas mulheres africanas são suscetíveis de revelar


barreiras linguísticas no que concerne à utilização dos serviços de saúde e plena
compreensão sobre consultas médicas, anteriormente não autoidentificadas:
“[...]o nosso Português é diferente aqui, e ela (trabalhadora administrativa) falou de uma
maneira que eu não entendia, por isso perguntei de novo [...].” (Participante Africana).

QUALIDADE E CONSEQUÊNCIAS DOS CUIDADOS RECEBIDOS


DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE
Como evidenciado acima, as mulheres africanas tendem a avaliar os cuidados
de saúde recebidos de forma muito positiva, especialmente durante a gravidez,
no âmbito do planeamento familiar e contracepção. No entanto, elas tendem a
não identificar potenciais experiências de sub-qualidade, não as relacionando
com consequências adversas posteriores. Recolheram-se algumas experiências
que comprometem a qualidade dos serviços recebidos, e identificaram-se
obstáculos colocados por alguns profissionais de saúde (especificamente no
que diz respeito ao conteúdo das consultas): “No Centro de Saúde foi-me dito que
eu não poderia fazer o seguimento da minha gravidez lá porque, como eu mudei a minha
residência, eu tinha que ser seguida no Centro de Saúde novo. E eu já estava grávida de três
meses! [...] No novo Centro de Saúde, não fui aceite... Tivemos que ir para o hospital.”
(Participante Africana).

CONTRACEÇÃO - INFORMAÇÃO, DECISÃO E USO


As migrantes e as suas homólogas portuguesas mencionam os serviços de
planeamento familiar como um exemplo de funcionamento, respondendo
totalmente às suas necessidades. As mulheres portuguesas demonstraram um
padrão de escolha da contracepção em colaboração com os profissionais de
saúde (muitas vezes conformando-se com as opções destes profissionais); os
métodos utilizados foram variáveis: “Na maternidade, quando eu tive meu primeiro filho,
eu coloquei o implante (subcutâneo). Quando eu tirei o implante, eu fiz o anel vaginal. Agora
(que o meu bebê nasceu) vou fazer a pílula da amamentação.”(Participante Portuguesa).

As mulheres africanas consideram-se geralmente bem informadas sobre a


contracepção. A escolha do método resulta frequentemente de uma parceria
entre as mulheres e os profissionais de saúde, sendo, por vezes, mediada
pela opinião dos maridos (ou sujeita à sua permissão, particularmente entre

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SAÚDE MATERNA E EQUIDADE NOS CUIDADOS DE SAÚDE DAS MIGRANTES AFRICANAS
Ligia de Almeida; José Caldas; Luiza Vieira; Raimunda da Silva

as mulheres guineenses muçulmanas). A seleção dos contraceptivos tende a


ser conservadora, e os mais frequentes são as pílulas anticoncepcionais e o
dispositivo intrauterino. No entanto, entre o conteúdo emergente dos seus
discursos, percebeu-se que o uso de contraceção não é regularmente mantido,
nem o método preferido é o mais adequado, uma vez que as mulheres relatam
omissões frequentes na ingestão (por exemplo, da pílula) e consequentemente
gravidezes não planejadas: “Para solicitar contraceptivos eu nunca tive problemas...
Mas eu geralmente não os uso. Eu vou lá (Centro de Saúde) pedir para eles quando eu quiser.
Eu escolho com o meu marido.”(Participante Africana).

DISCUSSÃO E REFLEXÕES FINAIS


As mulheres africanas enfrentam, muitas vezes, dificuldades de integração
precoce (devido a barreiras intrínsecas e externas), mas ao longo do tempo e
entre as gerações, o processo de integração é geralmente bem-sucedido. Os
principais mecanismos identificados como facilitadores deste processo foram
a aquisição da nacionalidade (tempo de permanência em Portugal), e adoção
gradual da cultura e costumes da sociedade de acolhimento (também da
Língua, no caso de não ser o Português). Estes permitem o desenvolvimento
de uma participação social ativa e cada vez mais adaptada.

Portugal tem demonstrado um forte compromisso para melhorar a integração


dos imigrantes por meio de uma legislação abrangente, potencialmente
favorecendo a legalização e aquisição de nacionalidade dupla (quando os
países de origem o permitem) e de reagrupamento familiar. As políticas de
integração nacionais são bastante abrangentes comparativamente com
a União Europeia, em particular no que diz respeito ao livre acesso aos
cuidados de saúde para as mulheres grávidas e mães recentes (no primeiro
ano de maternidade). No entanto, das leis à prática, há uma série de lacunas
que sistematicamente contribuem para o empobrecimento dos indicadores de
saúde e integração da população imigrante, nomeadamente da Africana.

A investigação em curso revela que a maioria dos motivos de insatisfação diz respeito
a aspectos não contemplados na legislação, facilitadores da interpretabilidade
da lei e sua invasão por parte dos que primeiramente recebem os migrantes. A
burocratização crescente associada às instituições que o Governo Português oferece
para supervisionar e regular a entrada e integração de imigrantes no país tem
sido extremamente prejudicial, exponenciando dificuldades e vulnerabilidades
decorrentes da migração nas suas trajetórias de vida.

104
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

As estratégias metodológicas utilizadas permitiram observar problemas


específicos no sistema de saúde que necessitam de ser abordados.
Tradicionalmente, a literatura científica demonstra uma predominância de
baixa escolaridade em imigrantes africanos, mas a nossa amostra sugere um
padrão ligeiramente diferente, provavelmente devido à inclusão de estudantes
de pré e pós-graduação que estudam em Portugal. É provável que este aspecto
tenha interferido com a perceção das mulheres africanas sobre a qualidade
dos cuidados de saúde: apesar de um termo de comparação inegavelmente
mais pobre no país de origem, as mulheres africanas estão a tornar-se mais
conscientes sobre sua saúde, desenvolvendo uma postura progressivamente
ativa no âmbito dos cuidados de saúde.

No entanto, foram as mulheres africanas as que consistentemente relataram mais


complicações durante a gravidez; detectou-se que duas mulheres da nossa amostra
haviam perdido uma criança nos primeiros três meses de vida (já em Portugal) e
uma mulher relatou uma morte fetal prévia aos sete meses de gravidez, em Cabo
Verde, evidenciando um perfil de risco inquestionavelmente mais elevado. Mesmo
assim, tal como anteriormente referido, elas definem-se como satisfeitas com a
atenção médica recebida, demonstrando uma atitude ainda bastante passiva
na abordagem aos profissionais de saúde. Esta inação tende a resultar numa
perpetuação de desconhecimento e de irresponsabilidade para com a sua saúde, a
menos que sensivelmente contrariada pelo profissional de saúde.

O gradiente social em saúde é um desafio crucial em que as desigualdades


se fundamentam. A presente pesquisa tem demonstrado que o risco social
é amplamente associado com as condições de privação socio-material e
tende a refletir-se em exclusão social a bens e serviços, incluindo saúde e
educação (MARMOT, 2005; IOM, 2011). Assim, é fundamental considerar
o papel preponderante que a pobreza desempenha nas disparidades raciais
no que diz respeito aos resultados em saúde (MARMOT; BELL, 2011). As
desigualdades em saúde não podem ser tomadas separadamente do acesso
à educação, riscos físicos e psicossociais no trabalho, condições de vida,
desemprego ou precaridade laboral, rendimentos e outros determinantes
sociais da saúde. A epidemiologia social alerta para alguns destes fatos:
pessoas com menor nível socioeconômico tendem a necessitar de maior
utilização dos serviços de saúde. As políticas de saúde pública devem
compensar essas desigualdades, oferecendo oportunidades para uma boa
saúde para todos (EASTWOOD; PHUNG, 2011).

105
SAÚDE MATERNA E EQUIDADE NOS CUIDADOS DE SAÚDE DAS MIGRANTES AFRICANAS
Ligia de Almeida; José Caldas; Luiza Vieira; Raimunda da Silva

Cuidados de saúde adequados necessitam de um equilíbrio entrecompetências


clínicas e estratégias de comunicação adequadas, e não apenas do acesso
gratuito aos serviços. As perspetivas dos utentes são um elemento essencial
para avaliar a qualidade dos cuidados de saúde, e devem ser levadas em conta
pelos decisores políticos (JONKERS et al, 2011).

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SAÚDE MATERNA E EQUIDADE NOS CUIDADOS DE SAÚDE DAS MIGRANTES AFRICANAS
Ligia de Almeida; José Caldas; Luiza Vieira; Raimunda da Silva

108
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

CUIDADO DA SAÚDE DO PROFESSOR DE


CLASSE HOSPITALAR EM GOIÁS: UMA
PESQUISA-AÇÃO EXISTENCIAL
Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira1; Nelson Filice de Barros2;
Rodrigo Carvalho do Rego Barros1; Cleomar de Sousa Rocha³
Universidade Federal de Goiás (UFG); 2Universidade de Campinas (Unicamp); ³Programa de
1

Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual da Universidade Federal de Goiás (UFG).

professorricardoteixeira@gmail.com; filice@fcm.unicamp.br;
rodrigokarvalho@yahoo.com.br; cleomarrocha@gmail.com

SINOPSE
Este capítulo apresenta uma pesquisa sobre o cuidado da saúde do professor no contexto
hospitalar. Objetiva analisar a proposta de formação de professores da rede estadual de
educação de Goiás em saúde mental, utilizando-se de mídias interativas enquanto recurso de
apoio e o Problem-Based Learning (PBL) enquanto proposta pedagógica. Fundamenta as bases
teóricas no contexto político da classe hospitalar e os aspectos da saúde do professor. Apresenta,
enquanto recorte metodológico, uma pesquisa-ação em uma perspectiva existencial, proposta
de Barbier (2002). Partindo da do diálogo, do trabalho coletivo e colaborativo, a formação
contemplou 150 profissionais da educação. A formação proporcionou, aos participantes, uma
ressignificação da representação de “loucura”, superação da insegurança em lidar com os casos
envolvendo transtorno mental, o que permitiu a atribuição de novos sentidos à sua prática.

INTRODUÇÃO
Este texto é parte dos resultados da pesquisa realizada com professores de classe
hospitalar vinculados ao Núcleo de Atendimento Educacional Hospitalar do
Estado de Goiás (NAEH), órgão vinculado à Gerência de Ensino Especial
(GEEE), da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (SEDUCE).
Propôs-se, enquanto objetivo, analisar a formação de professores em saúde
mental, desenvolvido, em parte, por um curso de formação com uso de mídias
interativas e metodologia pedagógica do Problem-Based Learning (PBL). A
pesquisa, de base exploratória e de dimensão qualitativa, se valeu da pesquisa-
ação em uma perspectiva existencial, proposta por Barbier (2002).

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CUIDADO DA SAÚDE DO PROFESSOR DE CLASSE HOSPITALAR EM GOIÁS: UMA PESQUISA-AÇÃO EXISTENCIAL
Ricardo Teixeira; Nelson de Barros; Rodrigo Barros; Cleomar Rocha

ATENDIMENTO PEDAGÓGICO HOSPITALAR E DOMICILIAR


As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica,
instituídas pela Resolução n. 2, de 11 de setembro de 2001, no artigo 3°, define
educação especial como uma modalidade da educação escolar. A compreensão
da ampla dimensão da terminologia necessidades educacionais especiais proposta
na política de educação especial do Brasil, intitulada “Política Nacional de
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência”, Decreto n. 3.298/1999,
(Brasil, 1999) é reforçada pela Resolução n. 2/2001 (Brasil, 2001a). Como
forma de estruturar e organizar a política de atendimento preconizado pela
Resolução n. 2/2001, o Ministério da Educação (MEC) publica, em 2002,
o documento “Classe Hospitalar e Atendimento Pedagógico Domiciliar:
estratégias e orientações” com o objetivo de aprofundar conhecimentos
e orientações acerca do atendimento educacional nas classes hospitalares
e domiciliares (BRASIL, 2002). O documento contempla os serviços de
atenção integral à saúde mental como um dos alvos da classe hospitalar e
atendimento educacional domiciliar, levando em consideração o princípio
da intersetorialidade, entendida como ações conjuntas e pactuadas, a partir
de propostas, políticas, programas, projetos integrados destinados a alcançar
objetivos mais amplos (INOJOSA, 2011).

O direito ao acesso à educação mesmo quando afastado da escola para


tratamento de saúde, também pode ser verificado no campo da saúde. Os
preceitos constitucionais, art. 198, da Constituição Federal, sobre ações
de serviços de saúde, são aprofundados pela Lei n. 8.080/90, que institui
o Sistema Único de Saúde (SUS), que traz o princípio de “integralidade
de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e
serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada
caso em todos os níveis de complexidade do sistema” (BRASIL, 1990). A
partir dessa noção ampliada de saúde, ao se retirar uma criança do convívio
social e da escola para tratá-la, seja em uma internação hospitalar ou
domiciliar, surge um paradoxo: estaria o sistema ofertando saúde curativa
com a internação e ao mesmo tempo tirando saúde ao impossibilitarmos o
acesso à escola. Esta seria mais uma justificativa para as classes hospitalares,
dessa vez não baseada em razões educacionais, mas em considerações da
área da saúde. Princípios e diretrizes da educação e da saúde se entrelaçam
nessa modalidade de ensino fazendo dela uma área de alta complexidade. A
classe hospitalar poder ser percebida como materialização dos conceitos de
intersetorialidade e integralidade.

110
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

Na atuação do professor o vínculo com o aluno é essencial para a realização


do seu trabalho, o que faz do ato pedagógico uma atividade humanizada em
sua essência. Vygotsky (1994; 1996) destaca a diversidade e a riqueza das
interações sociais para o desenvolvimento. A integração de dois setores no
espaço hospitalar, por exemplo, amplia esta riqueza, introduzindo novas formas
de serviços antes não existente. Provoca ruptura com uma representação do
espaço hospitalar de domínio exclusivo de práticas curativas de profissionais
exclusivamente do setor saúde.

O departamento responsável pelas classes hospitalares em Goiás pertence à


Gerência de Ensino Especial (GEEE) da Secretaria do Estado de Educação,
Cultura e Esporte de Goiás (SEDUCE). Nos seus dez primeiros anos de
existência, o então chamado Projeto Hoje, já havia atendido a 19.958 educandos,
na capital e no interior do Estado, sendo 45 classes hospitalares instaladas em
18 instituições hospitalares e 732 alunos atendidos em domicílio, envolvendo
358 educadoras (RODRIGUES NETO, 2010). O Projeto Hoje tornou-se, mais
tarde, um núcleo dentro da GEEE, passando a ser denominado de Núcleo de
Atendimento Educacional Hospitalar (NAEH). Atualmente, o NAEH tem uma
equipe formada por coordenador administrativo e pedagógico, assistente social,
psicólogo e professores de classe hospitalar e atendimento educacional domiciliar.
O psicólogo trabalha dando apoio psicológico aos professores; a assistente social
apoia as famílias dos alunos; e os coordenadores pedagógicos apoiam o trabalho
das professoras, que atuam diretamente junto aos alunos em tratamento de saúde.

SAÚDE DO PROFESSOR DE CLASSE HOSPITALAR


A saúde psíquica do professor de classe hospitalar é afetada pelo que Dejours
(2007) denomina de psicodinâmica do trabalho. Uma revisão da literatura
realizada por Mendes, Araújo e Facas (2014), sobre a agenda de compromissos
do Ministério da Saúde e estudos mais recentes sobre saúde do trabalhador,
observou uma tendência de aumento de políticas públicas em favor da
melhoria das condições de trabalho e saúde, tirando o foco da doença para a
promoção da saúde do trabalhador.

Um parâmetro muito utilizado para o estudo da saúde mental do trabalhador é


a síndrome de burnout, ou síndrome do esgotamento profissional, como usada
no Brasil. Geralmente, estão presentes sintomas inespecíficos associados, como
insônia, fadiga, irritabilidade, tristeza, desinteresse, apatia, angústia, tremores e
inquietação, caracterizando síndrome depressiva e/ou ansiosa (BRASIL, 2001b).

111
CUIDADO DA SAÚDE DO PROFESSOR DE CLASSE HOSPITALAR EM GOIÁS: UMA PESQUISA-AÇÃO EXISTENCIAL
Ricardo Teixeira; Nelson de Barros; Rodrigo Barros; Cleomar Rocha

Uma das consequências do adoecimento no trabalho é o afastamento


do profissional para tratamento de saúde (KOGA, 2015; GASPARINI;
BARRETO; ASSUNÇÃO, 2005). Além da síndrome de burnout, outros
parâmetros são usados nas pesquisas para avaliar a saúde do professor, um
deles é o uso de medicamentos psiquiátricos pelos profissionais, uma forma
indireta de avaliar a ocorrência de transtorno mental entre os pesquisados.
(SEGAT; DIEFENTHAELER, 2013; STRIEDER, 2009).

Os professores de classe hospitalar convivem com dois dos fatores de risco para
síndrome de burnout, pois seu trabalho abarca, ao mesmo tempo, questões
de educação e saúde. A pesquisa de Branco (2008) constatou um índice
significativo de burnout entre as professoras de classe hospitalar, com 25 dos
27 professores, que participaram do estudo, apresentando sintomas.

Observa-se que a falta de um treinamento mais consistente que prepare esses professores
para o ingresso na realidade hospitalar – esclarecendo suas rotinas, dinâmicas de
funcionamento e especificidades dos quadros de adoecimento das crianças – é um
fator que concorre negativamente para a permanência ou desempenho satisfatório
desses professores. (BARROS, 2007). Concebendo o caráter multidisciplinar
necessário à formação de um professor de classe hospitalar, a autora considera
fundamental aproximá-los do conhecimento produzido por todas as disciplinas
envolvidas no cuidado com o aluno. Observa, também, que a educação profissional
em saúde, tradicionalmente destinada à formação de médicos, enfermeiros, dentistas,
psicólogos, assim como de técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde,
entre outros, tem muito a oferecer à formação dos professores de classe hospitalar,
tomando-se o devido cuidado com os cursos tradicionais de educação profissional em
saúde, recheados de termos técnicos de difícil alcance para os profissionais da área da
educação. Ressalta, ainda, a necessidade de uma capacitação voltada para o trabalho
intersetorial, destacando como proposta para essa qualificação o uso das “narrativas
em medicina”, evocando sua característica como ferramenta de ensino da arte da
comunicação médico-paciente (BARROS, 2007).

Assim, existe a necessidade de qualificação do professor de classe hospitalar


e atendimento educacional hospitalar em outras áreas de conhecimento
como o da saúde. Além disso, fica claro que essa qualificação tem que ter
uma característica de formação relativista/relacional, que proporcione ao
trabalhador uma capacitação, que se aproxime da realidade que ele vivencia
no trabalho, de forma a prepará-lo para as questões práticas concernentes à sua
atuação profissional de forma que elas gerem menos sofrimento e mais prazer.

112
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO
Os profissionais da educação estudados estavam lotados no Núcleo de
Atendimento Educacional Hospitalar (NAEH), órgão da Gerência de Ensino
Especial da Secretaria de Estado da Educação, Cultura e Esporte de Goiás
(SEDUCE). Participaram da pesquisa a coordenadora geral do NAEH, o
psicólogo institucional deste órgão, bem como as 68 professoras que realizam
atendimento educacional hospitalar ou domiciliar. O estudo foi realizado no
período de março de 2015 a maio de 2016.

Foi realizada uma pesquisa-ação existencial, proposta por Barbier (2002),


por ser um modelo de pesquisa que trata de temas existenciais. A pesquisa-
ação existencial “expressar-se-á antes como uma arte de rigor clínico,
desenvolvida coletivamente, com o objetivo de uma adaptação relativa de si
ao mundo” (BARBIER, 2002, p. 67). Assim sendo, a pesquisa-ação existencial
se aproxima da clínica psicológica que propõe a transformação psíquica do
sujeito, trabalhando as problemáticas subjetivas.

A definição de pesquisa-ação utilizada por Thiollent (1988) mostra o engajamento


que o pesquisador tem com as transformações, visando à resolução de problemáticas
dentro de grupos. Para Barbier (2002) “A pesquisa-ação torna-se a ciência da
práxis exercida pelos técnicos no âmago do seu local de investimento” (p. 59). Por
isso, buscou-se aproximações plenas e constantes entre os sujeitos da investigação
com o tema em discussão e pesquisadores no sentido de uma compreensão mais
ampla e produção de conhecimentos.

A implicação do pesquisador e dos participantes na pesquisa e na problemática


abordada é o que, segundo Barbier (2002), permite estudar dinamicamente os
problemas, decisões, ações, negociações, conflitos e tomadas de consciência
que ocorrem entre as pessoas no campo de pesquisa, durante os processos
de transformação. Na pesquisa convencional, no entanto, perde-se esse
conhecimento dinâmico das relações, pois o distanciamento e a neutralidade
propostos vão investigar somente os aspectos individuais e superficiais como
opiniões, atitudes, motivações e comportamentos (THIOLLENT, 1988).

O método de pesquisa-ação é dividido em quatro temáticas: as técnicas


em pesquisa-ação; a identificação do problema e a contratualização; o
planejamento e a realização em espiral; a teorização, a avaliação e a publicação
dos resultados (BARBIER, 2002).

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CUIDADO DA SAÚDE DO PROFESSOR DE CLASSE HOSPITALAR EM GOIÁS: UMA PESQUISA-AÇÃO EXISTENCIAL
Ricardo Teixeira; Nelson de Barros; Rodrigo Barros; Cleomar Rocha

AS TÉCNICAS DA PESQUISA-AÇÃO
O primeiro quesito para realizar uma pesquisa-ação existencial é ser aceito
pelo grupo pesquisado. No caso desta pesquisa, a aceitação ocorreu de forma
gradual. A noção de campo de pesquisa não tem sua delimitação rigidamente
estipulada. Todos os lugares ou situações, desde os oficiais e formais (reuniões,
conselhos de administração, assembleias e etc.) até os informais (cafés, lugares
recreativos, de culto, reuniões familiares, encontros de confraternização) se
constituíram como fontes de dados para pesquisa.

Buscamos, enquanto pesquisadores, captar as questões existenciais do grupo


pesquisado, como angústias e sofrimentos que afligem seus imaginários, assim
como as transformações que ocorrem nesse imaginário. Desenvolvemos a
técnica da escuta sensível Barbier (2002) que se apoia na empatia e que marca
a peculiaridade que distingue a pesquisa-ação predominantemente existencial
dos outros tipos de pesquisa-ação. O olhar sobre o objeto, que a escuta sensível
requer, é o que permite um conhecimento que se aproxima do que há de essencial
na dinâmica dos indivíduos e do grupo pesquisado; é o que apreende a relação
conflituosa com o objeto estudado, no caso a angústia existencial, ou sofrimento.

A dialética negativa foi utilizada para explicar a escuta sensível multirreferencial,


para que os pesquisadores não ficassem presos a uma forma de ação estereotipada
e rígida, que não se adaptasse às diferentes demandas do campo de pesquisa.

A principal técnica para registro dos dados coletados a partir da observação


participante e da escuta sensível multirreferencial foi o diário de itinerância.
No diário de itinerância buscamos registrar as vicissitudes do cotidiano, como
as afetividades e as reações em relação aos fatos circundantes. Afetividades e
reações essas não somente dos participantes da pesquisa como também do
próprio pesquisador.

Outras fontes de coleta de dados utilizado na pesquisa foram os questionários,


que se fizeram úteis no sentido de compreender e aprofundar elementos
macros e de relações com o grande volume de professores envolvidos.

Segundo Barbier (2002), todos os tipos de pesquisa-ação possuem em


comum uma abordagem em espiral, uma descrição estética da prática usual
na pesquisa-ação de refletir, após a ação, sobre as mudanças ocorridas,
elevando, a cada ação, a compreensão do objeto para um patamar de maior
entendimento. Cada novo olhar sobre o mesmo objeto nunca vai ser igual
ao olhar anterior. Nesse movimento circular, a cada nova passagem sobre a

114
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

problemática abordada, após uma reflexão prévia e uma ação planejada, uma
elevação de consciência é acrescentada ao entendimento desse objeto. Por
mais que o problema não tenha se resolvido por completo, podemos dizer que
o conhecimento sobre ele mudou e, com isso, a forma de se relacionar com
esse problema também irá mudar.

PLANEJAMENTO, REALIZAÇÃO EM ESPIRAL E CONTRATUALIZAÇÃO


Por não ter um problema a priori, a pesquisa-ação carece de uma pesquisa
de base, que possibilite aos pesquisadores ter informações gerais acerca do
campo a ser estudado e aprofundado. Em campo, o cenário encontrado no
NAEH era diferente daquele encontrado por Branco (2008), em que havia
muitas professoras adoecidas e sem nenhum apoio psicoterápico. Apesar de
não encontrarmos indícios de síndrome de burnout, percebemos angústias
e sofrimentos expressos nas ações, diálogos e pedido de ajuda à equipe
coordenadora do NAEH e pesquisadores em campo.

Nos processos de interação com o coletivo de professores, sob apoio do


psicólogo institucional e coordenação geral, com atendimentos individuais
e coletivos, buscamos participar do cotidiano do trabalho dos professores e
demais profissionais. Uma das queixas iniciais tomadas como desafio de
enfrentamento era fazer atendimento educacional com educandos com
transtornos mentais. Da mesma forma que as professoras se sentiam inseguras
com relação a uma atuação no campo da saúde mental, um integrante da
equipe de pesquisa também se sentia bastante inseguro no estudo, por ser
da área da saúde e se encontrar atuando no campo da educação. A classe
hospitalar e atendimento educacional domiciliar, como visto, é uma área de
muitos saberes, mas que suscita angústias por nos colocar em contato com
saberes que, muitas vezes, não dominamos.

Ao compartilharmos com os professores nossas angústias, inseguranças,


desconhecimentos, inexperiências com alguns fatores, percebemos maior
aproximação e abertura por parte dos profissionais da educação. Por se tratar de
profissionais da área de educação lidando com situações do campo da saúde, dentre
as muitas discussões, temas aprofundados e demandas apresentadas, suscitou-
se o desejo de uma capacitação que pudesse proporcionar aprofundamento
no conhecimento acerca do trabalho com educandos com transtorno mental.
Os docentes queriam entender mais sobre o mundo da saúde mental e como
poderiam tais conhecimentos melhorar suas relações com esses alunos.

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CUIDADO DA SAÚDE DO PROFESSOR DE CLASSE HOSPITALAR EM GOIÁS: UMA PESQUISA-AÇÃO EXISTENCIAL
Ricardo Teixeira; Nelson de Barros; Rodrigo Barros; Cleomar Rocha

Assim, uma vez confirmadas as hipóteses junto ao público-alvo, em reunião


com toda equipe, ficou decidido, em conjunto, que, para a primeira hipótese de
esclarecimento levantada (falta de capacitação dos profissionais do NAEH para
lidar com alunos com transtorno mental), a ação adequada seria a realização
de um curso de capacitação em saúde mental. Uma segunda hipótese de
esclarecimento (falta de apoio da equipe de saúde mental, gerando angústia
na equipe do NAEH), a ação adequada seria capacitar a equipe coordenadora
do NAEH para trabalhar na rede de atenção psicossocial. Ficou acordado,
também, nessa reunião, que a primeira ação a ser desenvolvida seria o curso
de capacitação em saúde mental.

Embora o estudo tenha provocado uma diversidade de ações no campo do


trabalhador de educação atuando na interface com o campo da saúde, neste
texto, nos propomos apresentar a experiência do curso de formação sobre
saúde mental ofertado aos professores do NAEH.

A PROPOSTA DE FORMAÇÃO
A formação foi elaborada com uma adaptação do método Problem-Based
Learning (PBL), uma metodologia de aprendizagem baseada em problemas
e que elege como foco o aprendizado centrado no aluno (BERBEL, 1998). A
construção da autonomia na aprendizagem, pressuposto do PBL, perpassa pela
orientação, discussão e resolução de problemas formulados pelos educadores
(PERRENOUD, 2002). No PBL, a aprendizagem não está ligada direta e
exclusivamente nas atividades de ensino, como ocorre nos moldes tradicionais.
Compete aos alunos assumirem o papel ativo de buscar o conhecimento
(CABRAL; ALMEIDA, 2014).

A autonomia na construção do conhecimento é uma das bases da filosofia


do PBL. O processo de problematização foi realizado por meio do estudo
de casos, com diferentes níveis de complexidade, com temáticas próximas da
realidade do trabalho das professoras. As professoras do NAEH discutiam o
caso e elaboravam soluções por meio de estudos de aprofundamento a partir
do trabalho coletivo e colaborativo, segundo a perspectiva e expectativa de
aprendizagem de cada um.

Tomamos como referência para elaboração dos casos de estudo as narrativas


literárias proposta por Barros (2007). O uso dessa técnica, segundo propõe, facilita
o estudo de situações complexas em que ocorre a influência de diversos setores
profissionais. Por serem histórias criadas com base em experiências reais vividas

116
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

pelas professoras, as narrativas literárias se aproximavam da matriz relativista/


relacional para qualificação no trabalho, que propõe a formação como algo
complexo; reconhece a importância da teoria, mas se propõe ir além dela; entende
a formação com algo que ocorre dentro de seu contexto histórico-cultural e durante
a prática do saber que se pretende dominar (ALVES; SOARES JÚNIOR, 2015).

A partir dos pontos críticos levantados durante a vivência de campo, escuta


sensível, questionário aplicado e da experiência do psicólogo do NAEH,
começamos a elaborar as primeiras ideias. Foram vários rascunhos até
chegarmos ao ponto de, coletivamente, aprovarmos dois casos que foram
utilizados no curso de formação1: o “Caso da professora Marilda”, abordando
o tema de transtorno mental e o “Caso da professora Mileide”, abordando o
tema adoecimento psíquico do professor.

Como material de apoio ao estudo do caso da professora Marilda foi indicada


às docentes em curso a linha-guia em saúde mental da Secretaria de Estado
de Saúde de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2006). Entre muitos materiais
avaliados para apoio aos estudos, esse foi o escolhido por ser um material
didático, construído para não especialistas, que lidam com saúde mental,
entenderem a forma como se faz saúde mental atualmente. Também, como
material de apoio ao estudo do primeiro caso, disponibilizamos dois trechos
da dissertação e três da tese de Branco (2001, 2008), materiais escolhidos por
conter definições dos conceitos psicológicos para trabalhar a relação médico/
paciente, mas com possibilidade de adaptação na relação professor/aluno.

O curso, em formato semipresencial, foi estruturado em módulos. A


cada módulo era apresentado um caso em encontro presencial seguido
de aprofundamentos teórico-metodológico e discussões acerca dos temas
propostos. Em ambiente virtual, a distância, os grupos de trabalho, formados
de forma democrática, aprofundavam sobre os casos utilizando-se de várias
mídias interativas como blogs, chats, e-mails, redes sociais, dentre outros, em
conformidade com o objetivo de aprendizagem.

Cada grupo, a partir do caso, levantava as palavras-chave, estudava os conceitos,


levantava hipóteses de solução, definia os objetivos de aprendizagem e propunha
as propostas de solução. Inicialmente cada educando, individualmente, fazia
a construção de tais elementos, compartilhando, no ambiente virtual, suas

1 Todo material desenvolvido, discutido, trabalhado, bem como as filmagens dos encontros presenciais
realizados na UFG encontram-se disponíveis no blog do NAEH, com acesso pelo endereço eletrônico:
http://naehgoias.blogspot.com.br/p/formacao-continuada.html

117
CUIDADO DA SAÚDE DO PROFESSOR DE CLASSE HOSPITALAR EM GOIÁS: UMA PESQUISA-AÇÃO EXISTENCIAL
Ricardo Teixeira; Nelson de Barros; Rodrigo Barros; Cleomar Rocha

ideias com os colegas do grupo. Ao discutir sobre o caso, apresentava uma


síntese, contendo os pontos de convergência (aproximações dos resultados) e os
pontos de divergência (discordância do grupo). As sínteses eram apresentadas
de forma expositiva, nos encontros presenciais seguintes, aos formadores e aos
demais grupos.

O curso ocorreu com o apoio e suporte do Laboratório de Pesquisa,


Desenvolvimento e Inovação em Mídias Interativas da UFG (Media Lab/
UFG), com o título de “Curso de Formação de Professores para Classes
Hospitalares (FPCH)”, o curso, com carga de 120 horas-aula, forneceu
certificação de curso de extensão, emitido pelo Media Lab/UFG. O curso foi
realizado no período de 04 de maio a 30 de junho de 2015, com seis encontros
presenciais (04/05; 18/05; 01/06; 15/06; 29/06 e 30/06).

Os encontros presenciais foram gravados e transmitidos ao vivo (online),


para que os professores do interior do Estado de Goiás, que não pudessem
comparecer ao curso, na capital, tivessem a oportunidade de acompanhar as
discussões, palestras e apresentações. Essa foi mais uma das oportunidades
criadas pela formatação do curso em mídias interativas. Participaram do
curso, professoras da rede que atuam em outras escolas, mas com extensão de
carga-horária no NAEH; gestores do NAEH; professores formadores lotados
no departamento pedagógico da SEDUCE; mediadores da inclusão da
Gerência de Ensino Especial; profissionais dos hospitais onde são realizados
os atendimentos pedagógicos; e alunos do curso de Biologia do PetBIO,
totalizando 150 profissionais da educação.

O formato do curso proporcionou, além da interação entre os participantes,


todo o material, desde os encontros presenciais, passando pelas palestras,
estudos de casos, o material de apoio, até a produção dos grupos, ficou
disponível para acesso no sítio do Media Lab da UFG, de forma que, mesmo
após o término do curso, os interessados poderiam acessar os casos e os vídeos
dos encontros presenciais, possibilitando uma formação continuada também
para futuros professores do NAEH.

Além da elaboração dos casos, tivemos oportunidades de proferir uma palestra


sobre a temática de transtorno mental, relatando a história da loucura, a partir
de Foucault (1987), sobre a reforma psiquiátrica no mundo e no Brasil e a nova
política de saúde mental brasileira. Os principais transtornos, também, foram
abordados como depressão, transtornos de humor, transtornos de ansiedade,
esquizofrenia e transtorno obsessivo compulsivo (TOC).

118
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

Após o término do curso fizemos uma avaliação coletiva da proposta, passo


importante e previsto na pesquisa-ação existencial, momento quando fazemos
a reflexão sobre as ações empreendidas. Em termos avaliativos do coletivo, era
perceptível que o cenário inicial já havia mudado bastante em relação à questão
da saúde mental. Ao questionar sobre como encarava os atendimentos a alunos
com transtorno mental após as ações desenvolvidas, um dos membros respondeu:

Mudou bastante coisa, porque antes nós tínhamos a questão da insegurança.


Chegava um caso de aluno com transtorno mental e, muitas vezes, nós
ficávamos em dúvida se era caso para ser atendido no NAEH ou não. Mas
tinha um laudo médico e acabávamos atendendo, pois não tínhamos elementos
suficientes e argumentos para discutir com as famílias se aquele era ou não um
caso de atendimento no NAEH. [...] Isso foi bastante positivo para fortalecer
o trabalho do NAEH, para instrumentalizar na questão de conhecimentos
teóricos e práticos. (Relato 1)

Outro participante da pesquisa expôs sua avaliação sobre as mudanças


ocorridas:

O olhar diferenciado de pesquisador e clínico que você[s] trouxe[ram] contribuiu


bastante. Mesmo que as professoras sejam pessoas esclarecidas em vários aspectos,
às vezes, até sobre transtorno mental, esse conhecimento é superficial e, às vezes,
até arraigado em algum tipo de preconceito ou medo. Então, quando tem um
olhar diferenciado de um profissional da área, isso contribui muito. Tenho
certeza que nós conseguimos ajudar a diminuir o medo e o preconceito com
relação a algum tipo de transtorno. [...] Antes, havia uma ressalva das professoras
com relação aos alunos com transtorno. Hoje, a dificuldade dos alunos fica em
segundo plano, a gente vê a preocupação com o aluno, como ser humano, a
preocupação com ele, como aluno, de que vai vencer a dificuldade que está
passando e que vai voltar para a escola. (Relato 3).

Apesar de satisfeitos com a formação, alguns docentes ainda se sentiam


angustiados no enfrentamento desses casos. Assim, foi preciso nos debruçarmos
novamente sobre o problema, naquilo que Barbier (2002) chamou de realização
em espiral, quando voltamos ao problema e o reavaliamos após cada ação.
Foram necessárias outras proposições de trabalho coletivo no sentido de
avançarmos na espiral da pesquisa-ação proposta, que não serão tratadas

119
CUIDADO DA SAÚDE DO PROFESSOR DE CLASSE HOSPITALAR EM GOIÁS: UMA PESQUISA-AÇÃO EXISTENCIAL
Ricardo Teixeira; Nelson de Barros; Rodrigo Barros; Cleomar Rocha

neste texto, mas que foram fundamentais para a ação refletida em espiral
(ação-reflexão-ação), aumentando o nível de consciência dos pesquisadores
sobre o problema, permitindo que um novo planejamento ocorresse para
realização de nova abordagem mais madura e mais próxima do objetivo de
co-construção do objeto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As professoras das classes hospitalares e do atendimento educacional domiciliar
encontram-se mais expostas aos riscos da saúde, por atuarem na interseção
das áreas da saúde e da educação. O sofrimento envolvido no atendimento a
alunos com transtorno mental se revelou o tema mais emergente, entre os que
afetavam a saúde das professoras do NAEH.

No coletivo, a partir da participação efetiva, colaborativa e engajada de autores


a atores na pesquisa, uma importante etapa do estudo foi direcionada para a
abordagem das dificuldades no atendimento de casos envolvendo transtorno
mental. Assim, um dos propósitos da pesquisa-ação existencial de se tornar
uma pesquisa com a participação ativa dos atores interessados diretamente em
seu resultado foi alcançado.

A proposta de um curso de formação de professores atuantes com alunos


em processo de adoecimento foi, do ponto de vista pedagógico, bastante
inovadora e, em nossa avaliação, trouxe resultados satisfatórios, segundo seus
propósitos. Houve uma ressignificação da representação de “loucura” nos
atores da pesquisa, que passou, então, a ter um novo sentido no imaginário
dos professores e da equipe coordenadora do NAEH, um sentido mais positivo
e menos paralisante. Na avaliação final, identificamos, por meio dos relatos
ocorridos, uma superação da insegurança em lidar com os casos envolvendo
transtorno mental, devido ao aporte de informação teórica e prática
esclarecedora sobre o tema, o que permitiu a atribuição de novos sentidos à
sua prática.

É certo que um curso de formação apresenta seus limites, devido a


característica conceitual, embora se tenha tentado aproximar de situações
reais. Os resultados positivos alcançados com relação à saúde das professoras
demonstram a importância do cuidado que os gestores devem dispensar
aos trabalhadores na gestão dos recursos humanos para dar vida à Política
Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (BRASIL, 2012).

120
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

Tendo em vista que a realidade de cada serviço e os fatores que incidem sobre
a saúde dos trabalhadores são inúmeros e diferenciados em cada situação
concreta, a ação proposta não é replicável diretamente em outras realidades,
sem as devidas ressalvas, cuidados e adaptações. Apesar disso, a pesquisa-ação
demonstrou ser uma ferramenta útil aos gestores na promoção da saúde dos
seus trabalhadores e na qualidade dos serviços prestados à população.

REFERÊNCIAS
ALVES, Wanderson Ferreira; SOARES JÚNIOR, Néri Emílio. A noção de qualificação do
trabalho nas pesquisas em educação: uma análise da produção acadêmica do GT
Trabalho e Educação / ANPEd. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 24, n. 1,
p. 67-83, jan-abr, 2015.

BARBIER, René. A pesquisa-ação. Brasília: Liber Livro Editora, 2002.

BARROS, Alessandra Santana Soares. Contribuições da educação profissional em saúde à


formação para o trabalho em classes hospitalares. Cad. CEDES, Campinas, v. 27, n.
73, p. 257-278, Dez. 2007.

BERBEL, Neusi Aparecida Navas. A problematização e a aprendizagem baseada em problemas:


diferentes termos ou diferentes caminhos? Interface: Comunicação, Saúde, Educação,
v.2, n.2, 1998.

BRANCO, Rita Francis Gonzalez y Rodrigues. Capacitação de professores de Classe Hospitalar


em relação professor-aluno/paciente na perspectiva balintiana. 2008. 180 f. Tese
(Programa de Pós-Graduação em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade
Federal de Goiás, Goiânia, 2008.

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122
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

DETALHES TÃO PEQUENOS DE NÓS


DOIS: REVISITANDO A ANÁLISE DO
DISCURSO COM BASE NO PERCURSO
METODOLÓGICO DE UMA PESQUISA
SOBRE EDUCAÇÃO SEXUAL E
ADOLESCÊNCIA
Aline Veras Brilhante; Ana Maria Fontenelle Catrib;
Rosendo Freitas de Amorim
Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

alineveras01@yahoo.com.br; catrib@unifor.br; rosendo@unifor.br

SINOPSE
Este capítulo apresenta um recorte de uma pesquisa que se propunha na análise das percepções
de docentes do Ensino Médio sobre a Sexualidade na adolescência e sobre a Educação Sexual
nas escolas. Considerando o poder social oriundo do discurso e o papel da linguagem como
máquina simbólico-ideológica, a pesquisa buscou analisar os discursos dos professores, situados
pelas mudanças sócio-históricas em processamento sem ignorar os processos ideológicos em
meio ao qual os discursos sociais são formados. Nosso estudo demonstra de forma minuciosa
o valor e a pertinência da pesquisa qualitativa, destacando o emprego da Análise do Discurso
como ferramenta privilegiada para investigação de temas como a sexualidade, porquanto há
uma exigência de compreensão e interpretação de aspectos da subjetividade humana possível
apenas nesse horizonte metodológico.

INTRODUÇÃO
Nas três últimas décadas assistiu-se no Brasil um recrudescimento dos
problemas relacionados à sexualidade, com destaque para contaminação por
doenças sexualmente transmissíveis (DST), gravidez na adolescência, aborto e
início de práticas sexuais cada vez mais precoces (BRASIL, 2010).

A sociedade e o Estado brasileiro reconheceram a necessidade de tentar


implementar Políticas Públicas capazes de enfrentar os desafios relacionados
à sexualidade. Não à toa, a partir de 1996, o estudo da sexualidade humana
passou a constar como tema transversal nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) (Brasil, 1998).

No entanto os PCN entendem a educação sexual como sendo de caráter


informativo e a sexualidade como algo estático. Mesmo nos momentos em

123
DETALHES TÃO PEQUENOS DE NÓS DOIS | Aline Brilhante; Ana Catrib; Rosendo Amorim

que são mencionados aspectos históricos da sexualidade, esta dimensão


histórica é pensada como sendo construída em cima de algo naturalmente
dado (ALTMANN, 2001).

Neste contexto, o capítulo que ora se apresenta contém um recorte de uma


pesquisa que se propunha analisar as percepções de docentes do Ensino Médio
sobre a Sexualidade na adolescência e sobre a Educação Sexual nas escolas.
Considerando o poder social oriundo do discurso (SCOTT, 1995) e o papel
da linguagem como máquina simbólico-ideológica (DEPECHE, 2008), a
pesquisa buscou analisar os discursos dos professores, situados pelas mudanças
sócio-históricas em processamento e sem ignorar os processos ideológicos em
meio ao qual os discursos sociais são formados (ALTHUSSER, 1980).

O estudo que apresentamos a seguir demonstra de forma minuciosa o valor


e a pertinência da pesquisa qualitativa, destacando o emprego da Análise do
Discurso (AD) como ferramenta privilegiada para investigação de temas como
a sexualidade, porquanto há uma exigência de compreensão e interpretação de
aspectos da subjetividade humana possível apenas nesse horizonte metodológico.

PERCURSO METODOLÓGICO
Considerando que a natureza do objeto de estudo é fator determinante para
a escolha do método a ser empregado, optamos por realizar essa pesquisa
mediante um desenho compreensivo, intencionando apreender os sentidos
atribuídos à mulher, à sexualidade e às relações de gênero na cultura nordestina
e sua relação com as vulnerabilidades às quais as mulheres estão expostas.

Para a atingirmos os objetivos delineados, utilizamos a abordagem qualitativa,


que possibilita compreender um fenômeno complexo na sua totalidade.
Segundo Minayo (2004), a pesquisa qualitativa,

Se preocupa, com um nível de realidade que não pode ser quantificado.


Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não
podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (p. 21).

Uma pesquisa que pretende analisar textos e discursos seguindo uma


abordagem compreensiva não pode negligenciar o fato de que estes se

124
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

encontram na exterioridade, no seio da vida social. Assim o analista precisa


ultrapassar a fronteira das estruturas linguísticas para chegar à “verdade”
do discurso. É preciso sair do especificamente linguístico, dirigir-se a outros
espaços, para procurar descobrir, descortinar, o que está entre a língua e a fala
(FERNANDES, 2005).

O estudo foi realizado em escolas públicas da Secretaria Regional VI (SERVI)


de Fortaleza, Ceará, Brasil, considerada a maior em população e em ofertas de
serviços públicos de saúde entre as regionais do município de Fortaleza.

Os discursos foram obtidos com o uso de entrevistas semi-estruturadas, técnica


que oferece aos participantes certa flexibilidade e liberdade, proporcionando
uma natureza de conversação e encorajando os respondentes a definir as
dimensões importantes de um fenômeno e elaborar o que é relevante (POLIT;
BECK; HUNGLER, 2004).

Entrevistas são fundamentais quando se precisa/deseja mapear práticas,


crenças, valores e sistemas classificatórios de universos sociais específicos, mais
ou menos bem delimitados, em que os conflitos e contradições não estejam
claramente explicitados. Nesse caso, elas permitirão ao pesquisador fazer uma
espécie de mergulho em profundidade, coletando indícios dos modos como
cada um daqueles sujeitos percebe e significa sua realidade (DUARTE, 2004).
No caso desta pesquisa optou-se pela entrevista semiestruturada como forma
de coleta de dados por possibilitar o levantamento de informações consistentes
que permitam ao entrevistado descrever e compreender a lógica que preside
as relações que se estabelecem no interior daquele grupo, o que, em geral, é
mais difícil obter com outros instrumentos de coleta de dados.

Os participantes foram selecionados durante as visitas preliminares a escola.


Nesses momentos buscamos identificar participantes acessíveis, dispostos a
colaborar com a investigação. Essas pessoas foram convidadas, pessoalmente
pelo entrevistador, a participar das entrevistas. Foi realizada uma entrevista “não
válida” com o roteiro com o objetivo de se obter a introjeção do roteiro e evitar
hesitações ou equívocos no momento da realização das entrevistas válidas.

O instrumento de registro foi o gravador. Após o consentimento do entrevistado,


ocorreu a transcrição na integra das falas, logo depois das entrevistas. Depois
de transcritas, as entrevistas passaram por uma conferência de fidedignidade:
as gravações foram ouvidas tendo o texto transcrito em mãos, acompanhando
e conferindo cada frase, mudanças de entonação, interjeições e interrupções.

125
DETALHES TÃO PEQUENOS DE NÓS DOIS | Aline Brilhante; Ana Catrib; Rosendo Amorim

Para Duarte (2004), transcrever e ler cada entrevista realizada, antes de partir
para a seguinte ajuda a corrigir erros, a evitar respostas induzidas e a reavaliar
os rumos da investigação. As entrevistas não forma editadas, tendo em vista
que foi utilizada a análise do discurso.

Participaram da pesquisa oito professores com idades que variam de 29 a 39


anos, sendo quatro homens e quatro mulheres. Foram entrevistados quatro
professores de cada escola. O professor com menos tempo de ensino, leciona
há dois anos e o com maior tempo, há 12 anos. Foram entrevistados dois
professores de física, dois de português, dois de biologia, um de informática, um
química e um de história. Dos oito professores, cinco se declararam católicos,
dos quais três afirmaram não participar regularmente de práticas religiosas,
dois se declararam evangélicos e afirmaram participar regularmente de práticas
religiosas e um declarou não ter crenças religiosas. Três dos entrevistados
eram solteiros, cinco, casados e um, divorciado. Cinco dos entrevistados tem
filhos, quatro deles, filhos na faixa etária correspondente a adolescência.

ANÁLISE DOS DADOS


Após a realização das entrevistas, transcrições das falas e organização dos
registros, passamos à interpretação qualitativa dos dados. Analisar entrevistas é
tarefa que exige muito cuidado com a interpretação, a construção de categorias
e, principalmente, com uma tendência bastante comum entre pesquisadores
de debruçar-se sobre o material empírico procurando “extrair” dali elementos
que confirmem suas hipóteses de trabalho e/ou os pressupostos de suas teorias
de referência (DUARTE, 2004).

Precisamos estar muito atentos à interferência de nossa subjetividade, ter


consciência dela e assumi-la como parte do processo de investigação. Como
diz Geraldo Romanelli (1998):

A subjetividade, elemento constitutivo da alteridade presente na relação entre


sujeitos, não pode ser expulsa, nem evitada, mas deve ser admitida e explicitada e,
assim, controlada pelos recursos teóricos e metodológicos do pesquisador, vale dizer,
da experiência que ele, lentamente, vai adquirindo no trabalho de campo. (p.128)

Muito do que nos é dito é profundamente subjetivo, pois se trata do modo como
aquele sujeito observa, vivencia e analisa seu tempo histórico, seu momento
e seu meio social; é sempre um, entre muitos pontos de vista possíveis. Assim,

126
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

tomar depoimentos como fonte de investigação implica extrair daquilo que é


subjetivo e pessoal neles o que nos permite pensar a dimensão coletiva, isto é,
que nos permite compreender a lógica das relações que se estabelecem ou se
estabeleceram no interior dos grupos sociais dos quais o entrevistado participa
ou participou, em um determinado tempo e lugar. A garantia de confiabilidade
das pesquisas passa, necessariamente, pela explicitação das relações existentes
entre os procedimentos adotados na coleta de material empírico, a literatura
científica, o objeto de pesquisa e os resultados obtidos a partir dessas relações
(DUARTE, 2004).

A análise nesta pesquisa foi operacionalizada segundo os princípios da Análise


de Discurso. Entende-se o discurso como efeito de sentido entre locutores.
Essa é uma definição de discurso em seu sentido amplo e nos introduz em um
campo disciplinar que trata da linguagem em seu funcionamento. Ou seja, se
pensamos o discurso como efeito de sentidos entre locutores, temos de pensar
a linguagem de uma maneira muito particular: aquela que implica considerá-
la necessariamente em relação à constituição dos sujeitos e à produção dos
sentidos (ORLANDI, 1994).

Ressaltamos a necessidade de se observar que a incompletude é constitutiva


de qualquer signo - qualquer ato de nomeação é um ato falho, um mero efeito
discursivo. O discurso diz muito mais do que seu enunciador pretendia: “A
multiplicidade de sentido é inerente à linguagem” (ORLANDI, 2006, p. 20).

A unidade do discurso é um efeito de sentido, como Orlandi (2009) explica, “a


palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de
correr por, de movimento”(p. 15). Os discursos se movem em direção a outros.
Nunca está só, sempre está atravessado por vozes que o antecederam e que
mantêm com ele constante duelo, ora o legitimando, ora o confrontando. A
formação de um discurso está baseada nesse princípio constitutivo – o dialogismo.

Os discursos vêm ao mundo povoado por outros discursos, com os quais


dialogam. Esses discursos podem estar dispersos pelo tempo e pelo espaço,
mas se unem por que são atravessadas por uma mesma regra de aparição:
uma mesma escolha temática, mesmos conceitos, objetos, modalidades ou um
acontecimento. Por isso que o discurso é uma unidade na dispersão.

Como o discurso encontra-se na exterioridade, no seio da vida social, o


analista/estudioso necessita romper as estruturas linguísticas para chegar a
ele. É preciso sair do especificamente linguístico, dirigir-se a outros espaços,

127
DETALHES TÃO PEQUENOS DE NÓS DOIS | Aline Brilhante; Ana Catrib; Rosendo Amorim

para procurar descobrir, descortinar, o que está entre a língua e a fala


(FERNANDES, 2005). Para tanto, é preciso enfrentar a “ferida narcísica”
no amor-próprio da humanidade e reconhecer que, ao contrário do
homem cartesiano, centrado em seu próprio eixo e senhor de sua vontade e
determinação, estamos mais próximos da concepção de sujeito da psicanálise
– um sujeito clivado, assujeitado, submetido tanto ao próprio inconsciente,
quanto às circunstâncias histórico-sociais que o moldam. Como diz Jorge
(2000), “O sujeito é esse entre significantes uns aos outros”(p. 99). Jorge nos
lembra também de Lacan, para quem “o sujeito é aquilo que um significante
representa para outro significante”

Para Pêcheux (1988), havia uma analogia entre ideologia e inconsciente, que
embora distintos, estariam interligados: o inconsciente no sentido freudiano e a
ideologia na acepção marxista; inconsciente como lugar do desejo e ideologia
como lugar do assujeitamento.

O discurso supõe um sistema significante, mas supõe também a relação deste


sistema com sua exterioridade já que sem história não há sentido, ou seja,
é a inscrição da história na língua que faz com que ela signifique. Daí os
efeitos entre locutores e, em contrapartida, a dimensão simbólica dos fatos.
(ORLANDI, 1994).

Para Marx e Engels a linguagem é essencialmente, e não apenas


contingentemente ou secundariamente, um fenômeno social (RADICS;
KELEMEN, 1988). Abordada pela primeira vez em A Ideologia Alemã
(MARX; ENGELS, 2007), a concepção de linguagem de Marx é inseparável
de sua concepção materialista da história. A teoria marxista pensa o mundo
como uma totalidade concreta, parte do conceito de que o complexo social (a
formação socioeconômica) é formado e constituído pela estrutura econômica.
Ela forma a unidade e a conexão de todas as esferas da vida social, daí não
poder ser o fenômeno linguístico investigado fora dessa unidade.

As palavras só adquirem função e sentido através de seu uso, inexistindo uma


linguagem separada de situações interativas linguísticas e extralinguísticas.
Assim, a sua concepção de linguagem se apoia em três pilares. Em primeiro
lugar, no plano da relação linguagem-pensamento, para o qual a compreensão
do significado de uma palavra é inseparável do processo de socialização onde
se dá a internalização de normas e papéis. Em segundo lugar, no plano da
relação linguagem-realidade, a ideia é a de que o significado de uma expressão
não é função de uma convenção arbitrária ou daquilo que cada um de nós

128
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

pode pensar individualmente, mas função de um aprendizado, ou seja,


a significação é o resultado de uma prática social aprendida dentro de um
determinado contexto sócio-histórico. Em terceiro lugar, no plano da relação
linguagem-usuários, tem-se que a linguagem faz parte de uma “forma de
vida”, isto é, falar é um meio de realizar um ato regrado socialmente, é uma
maneira de estabelecer interações entre sujeitos e, portanto, uma maneira de
viver em sociedade (ALMEIDA, 1978).

Porém não são os sujeitos falantes que livremente, através do uso que delas
fazem, instituem o seu sentido. Este é, no entender de Pêcheux, determinado
pelas posições ideológicas colocadas em jogo nos processos sócio históricos em
que as palavras, expressões e proposições são produzidas (PÊCHEUX, 1988).
Noutras palavras, o que o sujeito diz é determinado pelas condições sócio
históricas nas quais ele o diz. Portanto, uma palavra terá um sentido a ou b
conforme seja dita de tais ou quais lugares no interior de uma formação social.

O que fica claro em Pêcheux é que em nenhum momento os campos teóricos


– o da linguística, do materialismo histórico e o da psicanálise se superpõe ou
coincidem. É precisamente essa intimidade, entremeada de particularidades e
especificidade, mais do que de afinidades que despertam o desejo do analista
em ultrapassar essas fronteiras. É preciso entender que nenhum dos campos
teóricos “domina” a análise. A Análise de Discurso produz sim conhecimento
com seu objeto próprio, que é o discurso. Este, por sua vez, se apresenta como
o lugar específico em que podemos observar a relação entre linguagem, o
inconsciente e a ideologia.

Segundo Sartre (1984), a investigação científica é um movimento repleto de


conteúdos, desenvolvido entre o campo dos possíveis, ou o próprio objeto-
sujeito, contendo não só a história datada de significações como também a
época do vivido, a totalização dos campos dos possíveis, do objeto-sujeito, as
suas singularidades, as suas especificidades, aquilo que lhe é próprio. Quando o
objeto-sujeito é reencontrado, pensado, analisado, caminha para a perspectiva
de uma nova totalização. Daí o movimento ser regressivo-progressivo e
analítico-sintético, onde é necessário, de início, chegarmos tão longe quanto
nos for possível da sua singularidade histórica.

Orlandi (1994) traz alguns métodos para ordenar o processo de análise de


discurso e organizar as aplicações feitas no objeto de análise. O primeiro passo
é o levantamento dos elementos do contexto de produção como o papel social
do produtor e interlocutor, lugar social, momento da produção. Feito isso,

129
DETALHES TÃO PEQUENOS DE NÓS DOIS | Aline Brilhante; Ana Catrib; Rosendo Amorim

o próximo passo é o trabalho com as paráfrases, polissemias, metáforas e a


relação dizer/não dizer. Neste último, deve-se construir uma nova versão do
objeto de análise, dizendo de outra forma o que é dito, isto para demonstrar
que, ao contrário do que parece, o dizer pode sim ser dito de outro modo, sem
alterar sua definição semântica, mas podendo alterar a forma como significa
dentro do discurso.

Após isso, é preciso identificar relações do discurso com formações discursivas


que estejam agindo sobre ele, e assim relacioná-lo à ideologia do sujeito para,
enfim, poder tirar conclusões a partir dos sentidos de discurso já realizados,
imaginados ou possíveis. Tanto a fundamentação dos conceitos, quanto a
orientação de como aplicá-los em um objeto de análise descritos pela autora
demonstram de forma clara os pontos que devem ser considerados na Análise
do Discurso.

A interpretação das impressões causadas pelos dados colhidos durante a


pesquisa aponta para uma interação entre o pesquisador e os sujeitos, portanto
refere-se tanto às impressões manifestadas pelo pesquisador e percebidas pelos
entrevistados, quanto às manifestadas pelos entrevistados e percebidas pelo
pesquisador (ALMEIDA, 1978). Configura-se, portanto, como uma relação
recíproca onde a minha compreensão, como pesquisadora, foi construída
através das minhas observações e induções e das próprias observações e
induções dos sujeitos.

A partir dessa interação, foi possível estabelecer relações, buscando uma


coerência com aquilo captado nas observações e anotações, e construir uma
interpretação dos discursos. É importante estar atento para a possibilidade
de o sujeito transmitir em seus relatos um componente compatível com o
desejado para si, e a possibilidade de minha interpretação conter precisamente
o comportamento e a atitude apresentados pelo sujeito. As estruturas ou
esquema de conhecimento, a teoria, as leituras prévias, evidentemente,
orientaram-me na busca dos dados, assim como novos dados surgidos durante
a pesquisa reorientaram-me e produziram novas informações ampliando a
abrangência a minha investigação e redirecionando o trabalho de campo.

Uma maneira de analisar é fragmentar o todo e reorganizar os fragmentos


a partir de novos pressupostos. Trata-se, nesse caso, de segmentar a fala
dos entrevistados em unidades de significação e iniciar um procedimento
minucioso de interpretação de cada uma dessas unidades, articulando-as entre
si, tendo por objetivo a formulação de hipóteses explicativas do problema ou

130
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

do universo estudado. Nessa perspectiva, a interpretação exige que as unidades


de significação (oriundas da fragmentação das entrevistas) sejam articuladas
umas às outras a partir de categorias de análise (DUARTE, 2004).

As categorias de análise foram eleitas integrando os objetivos da pesquisa com


referências teórico/conceituais e um conhecimento prévio do campo empírico.
Algumas emergiram no momento da análise, pela identificação por parte do
pesquisador de conteúdos recorrentes no discurso de seus entrevistados.

Os discursos foram tratados não como dados enquanto produto de um


sujeito determinado, mas como uma construção, intrinsecamente relacionada
às formações ideológicas, um acontecimento ou forma histórico-politica
e, portanto, variável, podendo contrariar a tentativa de uma verbalização
inequívoca. Com a compreensão de que é no complexo das formações
ideológicas que se constitui a “realidade” do sujeito enquanto evidências e
significações, fica claro que a noção de dado já é um efeito ideológico. Nesse
sentido é impossível captar a totalidade inequívoca do discurso; o que pude
atingir foram as totalizações produzidas a partir de uma ideologia.

ASPECTOS ÉTICOS
Conforme as recomendações da resolução n° 196/96, do CNS/MS – Brasil,
aprovada na 59ª Reunião Ordinária, em 10 de outubro de 1996, os critérios
éticos foram obedecidos para se proceder com a investigação junto a estes
informantes, estando assim baseada em diretrizes e normas regulamentares de
pesquisas que envolvem seres humanos no território brasileiro (BRASIL,1996).

Vale ressaltar, também, que todos os envolvidos foram consultados


previamente sobre o interesse em tomar parte na pesquisa, quando solicitamos
a participação deles, após o esclarecimento sobre os objetivos da pesquisa e os
seus benefícios. A fase de coleta de dados teve início após terem sido prestados
estes esclarecimentos.

Para resguardar a privacidade e o anonimato dos informantes, pedimos que


assinem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE (APÊNDICE
F). Para os menores de 18 anos a autorização para a participação no estudo
foi concedida pelos pais ou responsáveis, através de um TCLE a eles dirigido
(APÊNDICE G). Só então, consideraremos como reais os sujeitos da pesquisa.
Os resultados do estudo estarão à disposição para que a comunidade tenha
acesso à totalidade de informação, resguardando o anonimato dos participantes.

131
DETALHES TÃO PEQUENOS DE NÓS DOIS | Aline Brilhante; Ana Catrib; Rosendo Amorim

Atendendo as solicitações do Mestrado em Saúde Coletiva, o Projeto de


Pesquisa foi apreciado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Núcleo de Pesquisa
da Universidade de Fortaleza, tendo recebido parecer favorável, sob o número
435/2011, bem como da direção das escolas escolhidas para a realização desta
proposta.

RESULTADO E DISCUSSÃO
• Educação em Saúde e Educação Sexual

No relato dos professores, a categoria conceitual educação em Saúde e


o guia para análise educação sexual são denominados por qualificativos
substantivados:

Tá...promoção da saúde, eu acho que é um trabalho que é desenvolvido, certo, eh,


preventivamente, eh, na escola, na comunidade eh pra... prevenir mesmo.
Eu acho que são esses trabalhos que o governo faz, sempre fazendo campanha,
campanha da AIDS, da dengue... Até aqui na escola tem trabalho desse tipo.
Vários projetos de promoção da saúde na escola do professor para o aluno. Eu
acho que é isso, que é um projeto preventivo. (Docente 2)

Promoção da saúde é promover, pra...pra prevenir...pra evitar...é


prevenir mesmo, pra prevenção...evitar gravidez, doenças sexualmente
transmissíveis...e educação em saúde é educar... ensinando o certo e o errado
pros meninos poderem ter saúde.” (Docente 4)

Promoção de saúde é quando, eh, seja uma entidade feito uma ONG, seja
uma entidade mantida pelo governo, ela promove palestras, promove, eh,
eventos, promove, eh, divulgações sobre a saúde, sobre os vários aspectos da
saúde em si, pra evitar, pra prevenir a transmissão de doenças, essas
coisas. Pra mim é isso. (Docente 5)

Promoção da saúde, eu acho que é um trabalho que é desenvolvido pra... prevenir


mesmo. É um trabalho importante, por que as pessoas precisam ser lembradas de
que tem que usar camisinha, tem que fazer o autoexame das mamas, essas coisas.
Os trabalhos preventivos, ficam lembrando as pessoas pra se cuidar. Por isso
tem que tá fazendo sempre, todo ano esse trabalho. (Docente 6)

Assim, promoção de saúde é ensinar a se prevenir, se cuidar, a...evitar


doenças. Assim é isso tipo...tipo as campanhas da dengue...que ensinam
a não deixar água parada, a importância do veneno. (Docente 7)

132
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

Promoção de saúde são as campanhas de vacinação, campanha pro uso


do preservativo, campanha da AIDS. Esse tipo de ação que é feita pelo
governo pra orientar, pra direcionar pra que as pessoas saibam como
não adoecer, como evitar de pegar alguma coisa. Por que hoje em dia tem
varias doenças e muitas não tem cura e as campanhas são pra prevenir isso.
(Docente 8)

Os qualificativos nomeados pelos entrevistados:

Projeto preventivo, campanha da AIDS, da dengue, trabalhos


preventivos, prevenir, cuidar, evitar doenças, campanhas, AIDS,
orientar, direcionar, não adoecer, evitar, prevenir, ONG, governo

Organizados em séries de outros qualificativos de igual teor:

Prevenção, campanhas, doenças, governo.

As falas dos docentes nos remetem a Durkheim e ao discurso positivista. É


marcante a referência ao binômio saúde–doença, assim como ao ideal de
verticalização das medidas preventivas, que viriam ‘de cima’ - do governo -
direcionada ‘para baixo’ - para a população. De um modo geral, percebemos
que o conceito de saúde presente no discurso desses professores não conseguiu
transcender a visão preventivista e o enfoque está baseado nas ações
desenvolvidas nos moldes das ‘campanhas’, onde, apesar do objetivo ser a
transmissão do conhecimento, esta ocorre de forma desvinculada do contexto
individual e coletivo dos sujeitos.

Para esses mesmos professores, a educação em saúde também assume


caráter verticalizado, refletindo uma percepção sanitarista de saúde. A única
diferença passa a ser o ambiente onde as ações são desenvolvidas, neste caso,
em ambiente acadêmico:

Tá, educação...em saúde eu acho que é você tá direcionando, você dá uma


direção pra saúde aluno. Ensinar o jeito certo de se cuidar, de se prevenir
das doenças. Eu acho que isso é educação pra saúde. (Docente 2)

Educação em saúde... pois é, creio que está mais relacionada ao âmbito


escolar, seja escola, curso, vestibular, ô, desculpa, faculdade. É você ensinar,
nesses locais, a se cuidar, se prevenir. (Docente 4)

133
DETALHES TÃO PEQUENOS DE NÓS DOIS | Aline Brilhante; Ana Catrib; Rosendo Amorim

A educação em saúde seria justamente, eh, como se diz, o ato dessas promoções,
por que esses eventos, a meu ver, tem cunho educativo, certo, é quando você
está educando alguém, falando de cuidado, explicando sobre as doenças e
sobre a prevenção, seria justamente a prática dessa promoção em saúde.
Quando acontece na escola, aí essa informação passa do palestrante, do
divulgador em direção ao público alvo, que são os alunos. (Docente 5)

Assim, e educação em saúde é fazer isso na escola, com os alunos, é ensinar


a se prevenir, a se cuidar. É eu acho que é isso, sim. (Docente 6)

Educação são as campanhas, mas diferente, feitas na escola ensinando os


alunos a se prevenir. (Docente 7)

Educação em saúde pra mim é a mesma coisa só que na escola. (Docente 8)

Apenas dois professores não relacionaram promoção de saúde aos princípios


sanitaristas. Ao contrário, caracterizaram-na como um processo de construção
de conhecimento, cujo objetivo é tornar cada indivíduo capaz de participar
ativamente da construção de sua saúde.

É educar as pessoas pra saúde, né, por que tem pessoas que falam em
promoção da saúde e na verdade não ensinam o básico pra ter essa promoção.
Quando você fala em promoção da saúde, o pessoal pensa logo em distribuir
remédio, em aplicar...eh...em...aplicar medicamento...nos locais e isso não é
promoção de saúde, é ensinar as pessoas a não pegar doença! Pra mim promoção de
saúde basicamente seria isso, seria essa conscientização das pessoas de cuidarem
da saúde delas e não ficar esperando que alguém faça isso por elas. (Docente 1)

Promoção de saúde eu posso definir que seja aquilo que se faz pra promover a
saúde, pra espalhar, pra disseminar a saúde, para levar a informação
pra pessoa que você quer atingir, seja na escola, seja em outro lugar, uma rua,
um bairro, enfim. Tendo conhecimento é mais fácil das pessoas terem saúde,
não só a física, mas de tudo. E educação em saúde seria associado a tudo isso,
seria exatamente esse processo de levar essa informação. (Docente 3)

Os qualificativos substantivados obtidos do discurso desses professores:

Educar pra saúde, disseminar a informação, conhecimento,


conscientização,

134
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

Contrastam com os obtidos dos discursos anteriores:

Prevenção, campanhas, doenças, governo

Esse contraste fica claro na interjeição “isso não é promoção de saúde, é ensinar
as pessoas a não pegar doença!”. Tal expressão de ideias antagonistas reflete a
falta de consenso entre os próprios profissionais da saúde diante do tema.

Sob o patrocínio da Organização Mundial da Saúde e com o embasamento


teórico fornecido pelas conferências internacionais, a Promoção de Saúde
vem, desde suas origens nos anos 70, tendo uma crescente influência nas
políticas públicas de distintos países. Entretanto como definir promoção de
saúde? Carvalho (2004) detecta a existência de uma miríade de opiniões sobre
o assunto. O autor descreve dois posicionamentos centrais.

O primeiro tende a afirmar o caráter progressista da Promoção da Saúde,


considerando que esse projeto representa um esforço de atualização dos
compromissos com o bem comum, a equidade social e os princípios democráticos
da “tradição” da Saúde Pública. Este modo de ver é compartilhado, por Buss
(2000) quando considera que a promoção à saúde procura articular o tema
da saúde com os temas da condição e qualidade de vida. Sobre esse ideário, o
autor afirma ser:

Uma estratégia promissora para enfrentar os múltiplos problemas de saúde que


afetam as populações humanas e seus entornos, estando associada a valores
como qualidade de vida, saúde, solidariedade, equidade, democracia, cidadania,
desenvolvimento, participação e parceria, entre outros. (BUSS, 2000)

O segundo grupo de opiniões descrito por Carvalho (2004) pode ser


representado por Castiel (2003) que, sem deixar de reconhecer contribuições
pontuais deste projeto, considera que:

Os discursos da promoção da saúde e da evitação de riscos parecem


implicitamente refletir a ótica das formações neoliberais, individualistas,
que gera grupos de indivíduos entregues a si próprios e à preocupação com
o desempenho baseado em condições individuais... que sustentem uma
identidade frágil, povoada cada vez mais por um imaginário composto por
elementos vinculados a questões de saúde. (CASTIEL, 2003)

135
DETALHES TÃO PEQUENOS DE NÓS DOIS | Aline Brilhante; Ana Catrib; Rosendo Amorim

Visões tão díspares expressam o caráter ambíguo das premissas e estratégias


de implantação de medidas de promoção da saúde. O ideário da promoção
de saúde surgiu com a finalidade de superar os novos desafios sociais, políticos
e culturais, o esgotamento do paradigma biomédico e a mudança do perfil
epidemiológico da população nas últimas décadas. A promoção à saúde
abrange mais do que fatores de risco; ela é chamada a tratar de situações
complexas onde o risco não é mais externo ao indivíduo, mas se inscreve, com
ele, num complexo único de múltiplas dimensões – biológica, social e cultural.

Entretanto, o conceito de risco também é estruturante do ideário da promoção


à saúde contemporânea. É a base, por exemplo, de estratégias como as Políticas
Públicas Saudáveis e múltiplas ações que têm como objetivo contribuir para as
escolhas de hábitos de vida saudáveis. A crescente atenção à forma física, aos
exercícios e dietas constitui a manifestação mais óbvia desse ideário, acrescida
por uma “nova consciência” sobre riscos resultantes da atividade humana
(poluição, aquecimento global, biodiversidade, dentre outros).

Além disso, a definição e a priorização de riscos por parte de “expertos” não


são neutras e objetivas como costuma ser retratado na literatura científica, pois
são, à semelhança do julgamento dos leigos, construídas através de processos
sociais e culturais implícitos (CARVALHO, 2004). Daí a dificuldade real em se
abandonar os modelos meramente organicistas em prol da adoção de modelos
holísticos, que em algumas descrições apaixonadas, ganham certo ar utópico.

Desta forma, é compreensível que, apesar das novas proposições, haja dificuldade
de se evitar os discursos tradicionais da saúde pública na prática contemporânea
da educação em saúde. Nesse contexto, tem havido confusão entre as posições
ideológicas (a antiga e a nova frequentemente entrando em conflito entre si) e as
definições técnicas do que seja instruir as pessoas sobre a saúde.

Para Oliveira (2005), embora seja possível agrupar a diversidade de taxonomias


de educação em saúde em duas abordagens principais - o ‘modelo preventivo’ e
o ‘modelo radical’ - não se pode afirmar que suas diferenças estejam claramente
definidas. O ‘modelo preventivo’ de educação em saúde, também chamado de
educação em saúde tradicional, é baseado nos princípios da ‘velha’ saúde pública.
Fundamentalmente informado pelas tradições da biomedicina, o modelo preventivo
de educação em saúde objetiva prevenir doenças. Entre os críticos do modelo
preventivo de educação em saúde há um consenso de que, considerando os princípios
holísticos da ‘nova’ saúde pública, fica difícil identificar um empreendimento com tal
viés individualista como estratégia de promoção da saúde.

136
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

Em resposta às premissas da promoção da saúde, uma nova abordagem de


educação em saúde - o modelo radical de educação em saúde - se propõe atender
as complexidades da nova saúde pública e a trabalhar desde uma perspectiva mais
moderna de educação. Em termos educacionais, o modelo radical está centrado
num incremento da consciência crítica das pessoas, meta que está diretamente
relacionada à noção de ‘conscientização’. O principal objetivo do modelo radical
de educação em saúde é promover a saúde no seu sentido positivo, ou seja, saúde
como recurso para uma vida vivida com qualidade (OLIVEIRA, 2005).

Entretanto, na teoria, assim como na prática, os objetivos de ambos os modelos


se sobrepõem aos do outro. Do mesmo modo, a percepção dos professores
sobre promoção de saúde e educação em saúde reflete a interseção entre os
dois posicionamentos aparentemente opostos, estando imersa em conteúdo
preventivista, em uma época em que os teóricos do assunto tendem para a
teoria progressista.

Ao falarem mais diretamente sobre educação sexual percebemos que o


discurso permanece repleto de dicotomias: saúde x doença, certo x errado,
“o que pode” x “o que não pode”. A importância da educação sexual é quase
sempre justificada com base nas doenças de transmissão sexual e no risco de
uma gravidez, também encarada como uma patologia, dadas as suas prováveis
consequências na vida de um(a) adolescente.

Educação sexual é isso. É orientar o que é certo, o que é errado, o que pode o
que não pode, explicar as consequências, por que tem consequências, diretas e
indiretas. Uma menina dessas engravida...acabou a vida dela...vai só cuidar de
menino. Então tem que orientar...pra vida, mesmo. (Docente 4)

A gente sabe que hoje muitas das doenças que atingem mais severamente,
principalmente os nossos adolescentes, estão ligados a questão sexual, desde
doenças como a AIDS ate doenças mais simples como uma simples...eh...uma
simples candidíase...uma...uma dermatite...e...e isso tá muito ligado. (Docente 5)

O sexo está relacionado com várias doenças, não é? Então eu acho que você
tem que educar, tem que direcionar pra prevenir essas doenças. (Docente 6)

Educação sexual é a informação, em sala de aula, pra informar aqueles jovens


no caso pra informar a prevenção, o que é certo e o que é errado, o que é
mito e o que não é, e eles serem educados, a fazer o que tá sendo proposto
pela pessoa que está ali. (Docente 7)

137
DETALHES TÃO PEQUENOS DE NÓS DOIS | Aline Brilhante; Ana Catrib; Rosendo Amorim

A informação vai entrar em vários aspectos e é uma coisa importante, pra


saber a prevenção, pra saber o que fazer, diante da realidade que se encontra
com as disciplinas, com as doenças. (Docente 8)

Entretanto, para alguns docentes, a educação sexual possui abrangência que


extrapola o binômio saúde/doença, embora o contenha:

Educação sexual é saber o que é, é o ato de conhecer as consequências


diretas e indiretas disso, eles terem consciência do que eles tão fazendo
e o que pode acarretar, por que muitos deles estão fazendo, achando que é
uma coisa de uma forma que não é, não só a questão da gravidez que eu
acho que pra eles é muito severa até as outras consequências, até a
própria questão do envolvimento, que muitas vezes, muitas vezes pela
própria abertura que eles tem, eles se envolverem com pessoas que acabam
atrapalhando a vida deles...até socialmente. (Docente 1)

Tá...educação sexual...eh...eu orientar, né, eu dar uma orientação sobre


prática sexual e sobre as consequências que isso pode trazer, pra vida tanto
positivamente como negativamente. (Docente 2)

Educação sexual tá justamente nisso que eu falei anteriormente, né? As


mudanças que esses adolescentes passam nessa passagem de criança
pra adolescente. Envolve também cuidados, né? Tanto cuidado pra evitar
doenças como gravidez na adolescência. Caso ocorra a doença, saber como
lidar com esse tipo de doença...acho que basicamente isso. (Docente 3)

É inegável que a vida sexual na adolescência está sujeita a múltiplas consequências


negativas, sendo as mais evidentes a gravidez indesejada e a ocorrência de DST.
Obviamente esses aspectos não devem ser negligenciados. Entretanto, as questões
da sexualidade na adolescência não se resumem a eles. Desde as “mudanças
que esses adolescentes passam” até “a própria questão do envolvimento”, são
inúmeros os aspectos que compõe a sexualidade de um adolescente.

Quando nos atemos apenas às doenças e às consequências negativas do


ato sexual, estamos indo de encontro às informações que esses adolescentes
assimilam diariamente através de filmes, novelas e programas de televisão: a de
que o ato sexual é uma atividade de prazer. Quando impomos ao adolescente

138
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

“a fazer o que tá sendo proposto pela pessoa que está ali”, ao invés de estimular
o seu posicionamento crítico, estamos reproduzindo o modelo de ‘educação
bancária’, criticado por Freire (2005). Dessa forma, as advertências transmitidas
aos jovens perdem em credibilidade, diminuindo o seu poder de conscientização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Método por excelência de pesquisa associado ao campo da linguagem e
da linguística, a Análise do Discurso (AD) chegou à Saúde Coletiva
por intermédio das Ciências Sociais e Humanas em Saúde. A Análise do
Discurso permite trazer à lume os recônditos e ignorados significados e
sentidos que ficam perdidos quando utilizamos exclusivamente metodologias
quantitativas em pesquisas da Saúde.

Restringir-se às evidências quantitativas em determinadas temáticas da saúde,


resulta muitas vezes num empobrecimento de uma constelação de problemas
que são da ordem da compreensão, do universo dos significados. Podemos
perceber pelo resultado e discussão da pesquisa sobre a sexualidade de
adolescentes, que a utilização da Análise do Discurso foi fundamental para
que pudéssemos auferir resultados substanciosos.

O desafio de empregar a Análise de Discurso às investigações no campo da


Saúde reside na exigência de que o pesquisador se aproprie de forma segura
de um aporte teórico-metodológico complexo e de caráter interdisciplinar.
No caso da pesquisa em questão, o emprego da AD, além de possibilitar uma
compreensão profunda do fenômeno estudado, contribuiu para consolidar uma
postura Ética e mais efetiva dos profissionais que atuam na Saúde Coletiva, na
medida em que empregou uma metodologia que pressupõe um respeito e um
reconhecimento das vivências e dos contextos sócioculturais dos informantes.

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uma aproximação entre filosofia e ciência da linguagem. Cadernos da Seaf vol.1, p.
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DETALHES TÃO PEQUENOS DE NÓS DOIS | Aline Brilhante; Ana Catrib; Rosendo Amorim

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140
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

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141
DETALHES TÃO PEQUENOS DE NÓS DOIS | Aline Brilhante; Ana Catrib; Rosendo Amorim

142
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

METODOLOGIA DE ESTUDO DE CASO


EM SAÚDE: CONTRIBUTOS PARA A SUA
QUALIDADE
Jaime Moreira Ribeiro1,3; Catarina Brandão2 e António Pedro Costa3
Instituto Politécnico de Leiria, 2Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da
1

Universidade do Porto, 3Universidade de Aveiro

jaime.ribeiro@ipleiria.pt; catarina@fpce.up.pt; apcosta@ua.pt

SINOPSE
Este capítulo debruça-se sobre a utilização da metodologia do estudo de caso no campo da
saúde, apresentando perspectivas diferenciadas e justificando a sua aplicabilidade. Procura
contribuir para a sistematização dos critérios de qualidade que o investigador que adota esta
metodologia deve respeitar, de forma a aumentar a qualidade das inferências a realizar a partir
da sua investigação. O capítulo demonstra ainda o papel dos pacotes de software de análise de
dados qualitativos (QDAS) no processo de assegurar a qualidade de investigações que adotem a
desafiante metodologia do estudo de caso, o que se torna particularmente relevante, dado que
esta é por vezes operacionalizada sem que se observe o devido rigor.

INTRODUÇÃO
A progressão académica conduziu a uma corrida desenfreada pela produção
e disseminação de trabalhos académicos e científicos em revistas e eventos
científicos. Todos querem investigar, dar-se a conhecer e ao seu trabalho,
muitas vezes desprovidos do rigor que deve pautar a investigação científica.

O que fazer, como fazer e tempo para o fazer são talvez as questões que mais
assolam os investigadores dos nossos dias. A necessidade de rápida, oportuna e
confortável produção leva a que muitos considerem a investigação qualitativa
e, em particular a metodologia de estudo de caso, como uma saída mais fácil.

A metodologia qualitativa é muitas vezes considerada como uma abordagem


alternativa que procura responder a perguntas que não podem ser respondidas
através da quantificação, amostragem aleatória, teste de probabilidades e outras
medidas, que visam controlar o ambiente do participante. Vista como uma
abordagem complementar à investigação, a metodologia qualitativa, em particular
no que concerne ao estudo de caso, pode ser utilizada em conjunto com métodos
quantitativos, trazendo uma nova profundidade e riqueza para a análise de dados.

143
METODOLOGIA DE ESTUDO DE CASO EM SAÚDE: CONTRIBUTOS PARA O SEU DESENVOLVIMENTO
Jaime Moreira Ribeiro; Catarina Brandão; António Pedro Costa

Deturpado por falsos valores, o estudo de caso é, como se diz na gíria portuguesa
“pau para toda a obra”; desde curtos trabalhos de investigação a trabalhos
finais de curso, podemos vê-lo em diversificadas formas de apresentação.
Contudo, muitos dos estudos que se apresentam como estudos de caso na
realidade não o são, baseando-se única e exclusivamente no facto de serem
desenvolvidos com apenas uma unidade ou por incluírem um número muito
reduzido de sujeitos (ALVES-MAZZOTTI, 2006). Aqui convém alertar que
um estudo de caso ultrapassa a noção de se trabalhar apenas com “um caso”,
é toda uma panóplia de procedimentos assente num arquétipo que almeja
entendimento aprofundado e consubstanciado em dados que emergem de
métodos e técnicas rigorosamente conduzidos.

O estudo de caso será porventura o maior e mais frequente representante


da abordagem qualitativa. Minayo (2016) dissertando sobre a abordagem
qualitativa, caracteriza-a como “...um tipo de investigação orientado para
análise de casos concretos em sua temporalidade e localização, por meio de
expressões e significados que as pessoas dão a seus pensamentos, atitudes,
comportamentos e práticas” (p. 18), aludindo para a intrincada relação entre
a metodologia de estudo de caso e a abordagem qualitativa.

Oriundo das ciências sociais, para muitos será bizarro a utilização do estudo
de caso na área da saúde, embora haja já uma longa história de convivência.
A título de exemplo invoca-se a abordagem médica que, para compreender a
doença se tem tradicionalmente sustentado fortemente em dados qualitativos,
e em particular em estudos de caso, para ilustrar fenómenos importantes ou
interessantes. Além disso, não é descabido mencionar que grande parte do
trabalho diário de médicos e outros profissionais de saúde ainda envolve (e sempre
envolverá) decisões que são mais de natureza qualitativa do que quantitativa.

Os procedimentos da metodologia de estudo de caso podem ser difíceis de


compreender porque muitas das suas características são encontradas em outros
métodos e desenhos de investigação: usa frequentemente múltiplos métodos de
obtenção e triangulação de dados, complexificando o seu entendimento a par com
os seus diferentes significados em diferentes áreas do conhecimento; pode ainda
servir-se das diferentes abordagens (qualitativas, quantitativas ou mistas); podem ser
prospetivos, retrospectivos, dedutivos ou indutivos na sua abordagem à teoria, únicos
ou múltiplos; e, quanto ao seu objetivo, descrever, explicar, explorar ou avaliar.
Pelo que não será surpreendente que haja ambiguidade na sua caracterização e
compreensão (WALSHE; CARESS; CHEW-GRAHAM; TODD, 2004).

144
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

Mas afinal em que consiste um estudo de caso? Qual a sua pertinência na área da
saúde? Como conduzir um estudo de caso? Como processar e interpretar os dados
que dele resultam? Estas são algumas das questões a que tentaremos dar resposta
neste capítulo. Tentaremos apresentar uma súmula das características essenciais de
um estudo de caso com enfoque no campo da saúde, as questões da qualidade das
inferências e a forma como a utilização de QDAS contribuiu para essa qualidade.

1. QUE ENTENDIMENTO E UTILIZAÇÃO DE ESTUDO DE CASO NO


CAMPO DA SAÚDE?
A compreensão do que é o estudo de caso implica que se defina o que se
entende por esta metodologia de investigação e se descreva o seu potencial de
utilização no campo da saúde.

1.1 EM QUE CONSISTE A METODOLOGIA DE ESTUDO DE CASO?


Um estudo de caso é uma investigação particularística que é usada para
gerar uma compreensão multifacetada e em profundidade de uma questão
complexa no seu contexto de vida real. Na busca de maior consenso, os autores
concordaram que o estudo de caso não era um método em si, mas sim uma
família ou paleta de métodos (STAKE, 1995), não sendo intrinsecamente de
natureza qualitativa ou quantitativa.

Existem variadas definições de estudo de caso, todavia é comumente aceite


que o estudo de caso é particularmente útil quando há uma necessidade de
obter uma apreciação aprofundada de um problema, evento ou fenómeno
de interesse, num meio natural e contexto da vida real. A exploração
aprofundada do fenómeno no contexto em que ocorre assume-se como o
seu princípio principal. É por esta razão que é por vezes referido como um
projeto “naturalista”, levado a cabo no contexto onde os fenómenos ocorrem,
o qual contrasta com o design “experimental” em que o investigador pretende
exercer controlo sobre e manipular a variável ou variáveis de interesse.

Neste âmbito, são várias as menções na literatura, na senda de Yin (2001,


2015), a par com Stake (1995), os autores mais referenciados, onde se refere que
quase tudo pode ser um “caso”: um indivíduo, um personagem, um pequeno
grupo, uma organização, uma comunidade, uma nação, uma decisão, uma
política, um processo, um incidente ou acontecimento imprevisto.

Um vasto número de autores, entre os quais destacamos Yin (2015) e Stake


(1995), salientam que o objetivo de um estudo de caso é aprofundar a

145
METODOLOGIA DE ESTUDO DE CASO EM SAÚDE: CONTRIBUTOS PARA O SEU DESENVOLVIMENTO
Jaime Moreira Ribeiro; Catarina Brandão; António Pedro Costa

compreensão acerca do “como” e dos “porquês” do mesmo, evidenciando


a sua identidade e características próprias, nomeadamente nos aspetos que
interessam ao investigador.

Com um estudo de caso pretende-se capturar a particularidade e a complexidade


do(s) caso(s), compreendendo as suas atividades dentro de circunstâncias
importantes. Estudamos um caso que é de interesse muito especial, olhamos
para o detalhe da interação com os seus contextos. O caso é um entre outros.
Podemos focar o caso durante um dia ou um ano, mas enquanto estamos
concentrados, estamos empenhados num estudo de caso (STAKE, 1995).

Então, quando se deve usar uma abordagem de estudo de caso? Um desenho de


estudo de caso deve ser considerado quando: (a) o foco do estudo é responder a
perguntas “como” e “porquê”; (b) não é possível manipular o comportamento
das pessoas envolvidas no estudo; (c) pretende-se cobrir condições contextuais
relevantes para o fenómeno em estudo; ou (d) os limites entre o fenómeno e
o contexto não são claros (YIN, 2015). Como consequência, o estudo de caso
pode fazer uso de várias fontes de dados, devendo os dados convergir entre si
(triangulação), beneficiando assim do desenvolvimento prévio de proposições
teóricas que conduzam a recolha e a análise de dados.

1.2 PORQUÊ E PARA QUÊ A METODOLOGIA DE ESTUDO DE CASO EM SAÚDE?


Tradicionalmente a metodologia de estudo de caso enquadra-se na abordagem
qualitativa, partilhando da necessidade do conhecimento do fenómeno na
perspectiva dos seus atores. Sendo a saúde incontornável para o indivíduo e
a qualidade dos serviços uma preocupação crescente dos stakeholders, observa-
se uma também progressiva necessidade de humanizar e de conhecer as
vivências e opiniões daqueles que necessitam e prestam cuidados de saúde.
Neste âmbito, Ribeiro, Souza e Costa (2016) mencionam que

“Conhecer as significações dos fenómenos do processo saúde-doença pode


contribuir de sobremaneira para melhorar a qualidade da relação entre
consumidores e fornecedores de serviços de saúde; fomentar maior adesão em
ações de saúde implementadas individual e coletivamente; e, entender mais
profundamente emoções e comportamentos dos doentes, famílias e profissionais
de saúde. Indubitavelmente, a saúde é das pessoas, para as pessoas e pelas
pessoas, pelo que, uma auscultação profunda da “subjetividade” permite um
maior conhecimento e, consequentemente, respostas ajustadas às pessoas,
usuários e profissionais de saúde.” (p. 2324)

146
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

Uma abordagem concetualmente relacionada com o estudo de caso pode ser


usada, por exemplo, para descrever em detalhe a determinação de diagnósticos e
episódios de cuidados; avaliar prioridades, resultados e processos de intervenção
terapêutica; explorar atitudes profissionais, relações prestadores-clientes,
relações entre profissionais, experiências de uma nova iniciativa ou serviço,
política de desenvolvimento ou, de forma mais geral, para investigar fenómenos
contemporâneos dentro do seu contexto. Observa-se que o cuidado ao indivíduo
e a qualidade do serviço prestado estão entre as mais prementes, sendo também as
que se revestem de maior complexidade e particularidade, pelo que é facilmente
constatável a aplicabilidade da metodologia de estudos de caso.

Assim, a criação de um cuidado mais eficaz, baseada em evidências não


assenta apenas no desenvolvimento e divulgação das evidências, mas também
na construção de conhecimento das maneiras em que as inovações podem
ser incorporadas na prática. A compreensão das estruturas e processos de
mudança é tão crítica quanto o conhecimento do que o que funciona. Décadas
de investigação em ciências organizacionais e sociais sugerem que a natureza
da inovação e os contextos organizacionais, profissionais e sistema de saúde
em que são introduzidas, influenciam a sua adoção (BAKER, 2011).

As políticas e sistemas de saúde são reportadas por Gilson (2012) como um


campo de excelência para utilização do estudo de caso, na medida em que
fortemente influenciados, e muitas vezes incorporados em fatores contextuais,
se tornam eles próprios parte do foco de inquérito. A autora apresenta como
exemplos o desenvolvimento de políticas de saúde, a interdependência das
motivações e relações dos trabalhadores de saúde, bem como as experiências
anteriores e a compreensão sobre a doença dos utilizadores de cuidados
de saúde e, consequentemente, a sua adesão a tratamentos, como aspetos
complexos e intrinsecamente relacionados à provisão de serviços de saúde,
subjacentemente, com uma elevada carga contextual. Sobre qualquer questão
política e sistemas de saúde existem também múltiplas interpretações da
mesma experiência, que pessoas com diferentes papéis que levam para os seus
próprios contextos (GILSON, 2012).

Os estudos de caso também são adequados para o estudo da iniciativa e


inovação no contexto de saúde, nomeadamente para compreender e explicar
relações causais e caminhos resultantes de iniciativas ou serviços e políticas de
desenvolvimento (CROWE et al., 2011) e a implementação de inovação em
serviços de saúde (BAKER, 2011). Num estudo onde fez uso de entrevistas,

147
METODOLOGIA DE ESTUDO DE CASO EM SAÚDE: CONTRIBUTOS PARA O SEU DESENVOLVIMENTO
Jaime Moreira Ribeiro; Catarina Brandão; António Pedro Costa

dados clínicos e documentos, na análise de indivíduos ou equipas em contexto,


Baker realça que os estudos de caso detalham experiências específicas em
contextos particulares, permitindo a aprendizagem acerca de processos
organizacionais.

Mas nem só de sistemas se observa a utilização de estudos de caso. Crowe


et al. (2011) apresentam um conjunto de investigações com base no mesmo
método, focando, por exemplo, o processo de aprendizagem formal e informal
de estudantes acerca da segurança do cliente; a implementação e a adoção de
registos de saúde eletrónicos por parte dos profissionais de saúde; o processo de
planeamento e implementação de um serviço em cuidados primários baseado
na experiência dos clientes; e por último a identificação das razões para as
diferenças no recrutamento de minorias étnicas para a investigação da Asma.

Numa abordagem mais relacionada com a vivência individual observamos os


estudos de Carson e Polman (2008), que focam a experiência na reabilitação
de um jogador de Rugby após uma cirurgia reconstrutiva do ligamento
cruzado anterior. Foram utilizados questionários, entrevistas e auto-relatórios
para aferir a resposta emocional, “enfrentamento/ajustamento”, o apoio
social e a percepção de autonomia. Um estudo de caso realizado por Heil
(2012) investigou como as percepções de dor são influenciadas pela alteração
dos ambientes e os comportamentos dos outros durante o período de lesão
inicial até à estabilização. Ambos os estudos contribuem para o espectro do
conhecimento da influência dos contextos, mormente no que concerne ao
contributo psicológico ao processo de recuperação. Outros estudos dignos de
atenção pelo seu foco na intervenção e experiência do consumidor de serviços
de saúde e, consequentemente, a adoção de medidas terapêuticas ajustadas,
são por exemplo o estudo das mudanças nos papéis de vida após a lesão na
mão por Schier e Chan (2007), o estudo realizado por Soli (2015) de como a
musicoterapia pode proporcionar possibilidades de recuperação social a um
homem com psicose internado numa unidade de terapia intensiva psiquiátrica
e, por último, o estudo por Ribeiro, Rodrigues, Marques, Firmino e Lavos
(2017), onde são estudadas as percepções de clientes e terapeutas acerca das
prioridades de intervenção definidas.

Apesar de muitos outros estudos poderem ser mencionados, os aqui


apresentados correm o espectro de contributo útil do estudo de caso para o
conhecimento coletivo na área da saúde.

148
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

2. COMO GARANTIR A QUALIDADE DA METODOLOGIA DE


ESTUDO DE CASO?
Um desafio para qualquer investigador, talvez mais ainda para aqueles no
campo da saúde, é alcançar a melhor qualidade possível na condução de uma
investigação. Guba e Lincoln (1989) olham para a validade enquanto um estado
de confiança bem fundamentado e que exige responder à questão: como pode
o investigador qualitativo convencer a sua audiência e a ele próprio que os
resultados/descobertas de uma investigação são merecedores de serem tidos em
conta? Esta secção do capítulo procura explicitar critérios e estratégias que o
investigador deve considerar ao realizar um estudo de caso, especificamente no
âmbito da saúde. Explicitamos alguns dos critérios de qualidade (ou validade) que
têm sido considerados pela comunidade científica, associando-os a estratégias
ou procedimentos específicos que permitem garantir a sua presença.

Note-se, contudo, que a aplicação de conceitos como validade e confiabilidade


ao estudo de caso não é consensual. Alguns autores (e.g., THOMAS, 2011)
consideram que estes conceitos foram importados do paradigma positivista, não
se aplicando por isso ao estudo de caso. Guba e Lincoln (1989) defendem que
crenças diferentes conduzem a diferentes exigências e critérios, avançando com
uma proposta integradora, que apresenta os critérios que consideram aplicar-se
à investigação qualitativa, estabelecendo um paralelismo entre estes e o conceito
de validade, que é adoptado por Yin (2001, 2015), sendo que partilham diversos
aspetos entre si. Thomas (2011) chama ainda a atenção para a importância da ética
ao avaliar-se a qualidade do estudo de caso. Nesta secção do capítulo baseamo-nos
essencialmente na abordagem de Yin, conjugando-a com a de outros autores. A
abordagem desse autor revela-se particularmente pertinente dado o seu nível de
sistematização e rigor científico e referir-se especificamente ao estudo de caso.

2.1 COMO CONSEGUIR VALIDADE DE CONSTRUCTO?


A validade de constructo é conseguida com a identificação das medidas
operacionais corretas para os conceitos estudados (YIN, 2015). Isso requer
que o investigador defina de forma clara os conceitos focados no estudo
(THOMAS, 2011; YIN, 2015) e a relação entre esses conceitos e os objetivos
do estudo, garantindo que não permanecem dúvidas ao leitor a este nível (YIN,
2015). Importa ainda identificar as medidas operacionais que combinam os
conceitos abordados. Yin sublinha, a este propósito, que é particularmente
pertinente que o investigador evoque estudos anteriores que tenham feito a
mesma associação de medidas operacionais e conceitos.

149
METODOLOGIA DE ESTUDO DE CASO EM SAÚDE: CONTRIBUTOS PARA O SEU DESENVOLVIMENTO
Jaime Moreira Ribeiro; Catarina Brandão; António Pedro Costa

Três táticas que podem ser adotadas no sentido de se aumentar a validade


de constructo num estudo de caso (YIN, 2015) são: usar fontes múltiplas de
evidências; estabelecer uma cadeia de evidências; e submeter o rascunho do
relatório a revisão.

2.1.1 USAR FONTES MÚLTIPLAS DE EVIDÊNCIAS

Alguns autores entendem a triangulação enquanto um pré-requisito de


um estudo de caso (i.e., THOMAS, 2011). Apesar de haver várias formas
de triangulação, Yin (2015) privilegia a triangulação de fontes de evidência,
que se refere ao cruzamento de dados com origem distinta (e.g., documentos,
entrevistas, observações) em relação a um mesmo conjunto de questões de
investigação «visando corroborar a mesma descoberta» (p.125). O recurso a
esta estratégia, demonstrando que as descobertas são apoiadas por mais do
que uma fonte, aumenta a certeza que o investigador apresenta o fenómeno
de forma precisa.

Os dois principais propósitos da triangulação são a confirmação ou o encontro


dos dados inter-fontes ou inter-métodos, assim como assegurar que os dados
são completos, quase como num processo de saturação, isto é, que completam
o nível de informação almejada abrangendo as diferentes perspectivas dos
fenómenos estudados. A confirmação é o processo de comparar os dados
recolhidos a partir de várias fontes para explorar a medida em que as
conclusões podem ser verificadas (CASEY; MURPHY, 2009). Se os dados
recolhidos através de métodos diferentes são consistentes, isso pode aumentar
a confiança na credibilidade dos resultados (KNAFL; BREITMAYER, 1991).

A assunção de integralidade dos dados está relacionada principalmente com


a recolha de múltiplas perspectivas a partir de uma variedade de fontes, de
modo a retratar os fenómenos de forma mais completa possível (SHIH, 1998;
CASEY; MURPHY, 2009).

No que toca ao campo da saúde é frequente a conjunção de dados qualitativos


com dados quantitativos. Por isso não será de estranhar triangularem-se dados
oriundos de questionários, processos clínicos, entrevistas e observações, mas
também a interligação com escalas de avaliação com carácter quantitativo
(e.g., uma escala de ansiedade).

150
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

2.1.2 ESTABELECER UMA CADEIA DE EVIDÊNCIAS

Esta estratégia refere-se à ligação clara entre os diferentes elementos do


estudo. Isso significa que o leitor deve conseguir associar as conclusões do
estudo (as “descobertas”) aos resultados, associar estes aos procedimentos
seguidos, os procedimentos aos instrumentos adotados e os instrumentos
às questões de investigação. A garantia desta cadeia de evidências passa
por assegurar que existe coerência entre o protocolo de estudo de caso (ver
2.4.1) e os procedimentos seguidos no terreno. Deve-se igualmente incluir na
secção de resultados citações que remetam directamente para os dados e que
consubstanciem as análises (YIN, 2015).

2.1.3 SUBMETER O RASCUNHO DO RELATÓRIO DO ESTUDO DE CASO A


REVISÃO DE INFORMANTES

O relatório do estudo de caso é a forma de comunicar a investigação realizada,


podendo assumir diferentes formatos, consoante o público (ou públicos) ao
qual se dirige. Após identificar esse público, o investigador deve elaborar
um primeiro rascunho do relatório, submetendo-o a colegas investigadores
e a participantes e informantes do estudo (YIN, 2015). No que se refere aos
participantes e informantes do estudo, ao mostrar-lhes a sua interpretação dos
dados, o investigador cria uma oportunidade de observar o nível de exatidão
do estudo, identificando visões distintas dos participantes, para além de poder
ainda obter novos dados, que os participantes possam partilhar neste momento
e que anteriormente não haviam referido. É um modo de assegurar a validação
dos dados. O investigador deve considerar a forma como irá solicitar esse
feedback (e.g., através de um questionário com questões abertas e fechadas, um
grupo de discussão ou uma nova entrevista) e a forma como esse feedback será
tratado. Importa não só explicitar o procedimento seguido a nível da submissão
do rascunho do protocolo, como também prever a forma de partilhar eventuais
dados novos e discordâncias em relação às descobertas do estudo.

2.2 COMO ASSEGURAR A VALIDADE INTERNA?

As questões da validade interna colocam-se quando o estudo de caso é


correlacional e causal, encontrando-se ausentes quando é exploratório e
descritivo. Assim, quando o investigador se baseia nos dados recolhidos para
inferir que um dado evento está associado a uma ocorrência anterior, importa
adoptar estratégias que assegurem a confiança dessa inferência. Yin (2015)
fala-nos de quatro táticas que podem ser adotadas, a saber: combinação de

151
METODOLOGIA DE ESTUDO DE CASO EM SAÚDE: CONTRIBUTOS PARA O SEU DESENVOLVIMENTO
Jaime Moreira Ribeiro; Catarina Brandão; António Pedro Costa

padrão, construção de explicações, tratamento de explicações rivais; e uso de


modelos lógicos. Conforme se irá perceber, as táticas apresentadas podem (e
quando possível devem) ser combinadas entre si.

2.2.1 COMBINAÇÃO DE PADRÃO

A combinação de padrão implica olhar para os resultados do estudo (as


nossas descobertas) e combiná-los com as previsões teóricas inicialmente
definidas. O investigador realiza uma comparação entre o padrão empírico
(i.e., os resultados encontrados no terreno) e o padrão previsto (i.e., a teoria
ou proposições iniciais), observando se os resultados vão ao encontro da teoria
(YIN, 2015).

2.2.2 CONSTRUÇÃO DE EXPLICAÇÕES

Esta tática traduz a elaboração de uma teoria que explique as descobertas


do caso. Isso passa pela identificação de ligações causais no fenómeno,
explicitando a cadeia de evidências observada no(s) caso(s) e que sustentam a
explicação elaborada (i.e., a teoria) (YIN, 2015).

2.2.3 TRATAMENTO DE EXPLICAÇÕES RIVAIS

As explicações rivais referem-se a diferentes histórias/interpretações que


se podem aplicar aos dados (STEWART, 2014). Esta tática implica que o
investigador defina várias proposições ou padrões iniciais (i.e., descobertas
distintas sob a forma de proposições), que associa a variáveis independentes
específicas e que estão presentes no caso estudado. Se uma explicação se
revelar válida, as explicações rivais não o poderão ser também (YIN, 2015).
No estudo de caso único isto implica que devemos ser capazes de demonstrar
que há uma explicação que se aplica, identificando e invalidando explicações
alternativas. No estudo de caso múltiplo podemos ter selecionado vários casos
na procura da replicação literal; aqui o investigador pretende observar que a
mesma explicação se aplica a todos os casos. Se o investigador selecionou os
casos na procura da replicação teórica, a variável independente deverá variar
nesses mesmos casos. A explicação aplicada a um dos casos não se deverá
aplicar aos restantes, por condições previsíveis, ou seja, a presença da variável
independente em condições distintas nos restantes casos (idem).

152
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

2.2.4 USO DE MODELOS LÓGICOS

O modelo lógico representa uma teoria inicial sobre o(s) caso(s), definindo
uma sequência temporal de eventos considerando a variável independente
e a dependente. O investigador define esse modelo sequencial teórico e vai
observar se este se verifica, comparando a sequência observada de eventos
no terreno com o modelo definido. Assim, por exemplo, poderá definir que
um programa de intervenção no grupo de cuidadores de um centro de saúde
(i.e., médicos, enfermeiros e secretários clínicos) focando o relacionamento
com os utentes centrado no cliente, será seguido de uma nova forma de
comunicação entre os profissionais (i.e., na forma de reflexões partilhadas
acerca da intervenção, novos canais de comunicação) e que a esta nova forma
de comunicação se seguirá uma nova forma de relacionamento com os utentes,
por exemplo, centrada no cliente vs centrada no médico. Assim, o investigador
procura defender a relação entre a variável independente (i.e., a intervenção)
e o efeito causal ou variável dependente (i.e., a forma de relacionamento com
os utentes). Importa que o recurso aos modelos lógicos não descure o contexto,
que é central no estudo de caso, e que se considere igualmente as transições
entre os eventos no caso.

2.3 PODEMOS FALAR DE VALIDADE EXTERNA NA METODOLOGIA DE ESTUDO


DE CASO?

A validade externa trata de saber se os resultados de um dado estudo são


ou não “generalizáveis além do estudo imediato, independentemente do
método de pesquisa utilizado” (YIN, 2015, p.51). Guba e Lincoln (1989)
propõem a noção de transferabilidade, que surge como próxima a validade
externa, sublinhando que, na medida em que a investigação qualitativa está
preocupada em compreender o que é único, os significados, importa descrever
profundamente o contexto, os seus detalhes e cultura, fornecendo informação
suficiente que permita ao leitor ajuizar acerca da possível transferência dos
resultados para outros contextos.

O investigador pode contribuir para a validade externa do estudo de caso


ao considerar: a formulação das questões de investigação, a generalização
analítica e a replicação (YIN, 2001; 2015). Ao definir as questões iniciais
do estudo deve-se privilegiar formulações do tipo “como” e “porquê”, que
permitem a generalização analítica. O momento da definição da teoria e das
questões iniciais e proposições teóricas é fundamental para a qualidade das
inferências a nível da validade externa.

153
METODOLOGIA DE ESTUDO DE CASO EM SAÚDE: CONTRIBUTOS PARA O SEU DESENVOLVIMENTO
Jaime Moreira Ribeiro; Catarina Brandão; António Pedro Costa

2.3.1 GENERALIZAÇÃO ANALÍTICA

Os estudos de caso (à semelhança de uma experiência) são generalizáveis


a proposições teóricas e não às populações ou aos universos (YIN, 2001).
Conforme refere Yin (2015, p.22) o investigador que realiza um estudo de caso
procura «expandir e generalizar teorias (generalização analítica) e não inferir
probabilidades (generalização estatística)». Importa, por isso, não entender os
casos como unidades de amostragem.

A generalização analítica implica que o investigador construa teoria a partir


das suas descobertas e explicite em que contextos/situações é que essa teoria
se aplica (YIN, 2015), devendo igualmente referir aquilo que o caso mostra
de novo (STEWART, 2014). Retomando o exemplo da intervenção num
centro de saúde, o investigador poderia propor que as proposições resultantes
da análise dos dados (i.e., a teoria elaborada) se aplicam a centros de saúde
onde os profissionais recebam formação em relacionamento com os utentes
segundo a abordagem centrada no cliente.

2.3.2 REPLICAÇÃO

Conforme referido, o estudo de caso pode diferenciar-se em função do número


de casos, sendo que o formato “clássico” remete para o caso único (ou simples).
O recurso ao formato do caso múltiplo, apesar dos seus desafios, contribui
para a generalização dos resultados da investigação, através da replicação.
Segundo Yin (2001) essa replicação pode assumir duas formas: replicação
teórica e replicação literal.

Vários autores chamam a atenção para a importância do investigador considerar


os critérios subjacentes à seleção do caso (i.e., THOMAS, 2011). No momento
de selecionar os casos o investigador deve considerar a possibilidade de se prever
resultados semelhantes entre casos, o que permitirá assegurar a replicação
literal; e/ou a possibilidade dos casos selecionados produzirem resultados
contrastantes por razões previsíveis, o que nos remete para a replicação teórica
(YIN, 2015). A possibilidade de generalização a partir de um único caso
depende, segundo Flyvbjerb (2006), do caso e da forma como este é escolhido.
O autor defende uma “escolha estratégica”, ou seja, selecionar um caso que
seja favorável à tese que se pretende estudar. Isto significa que é esperado que
a tese se verifique no caso selecionado, dadas as suas características. Se essa
tese não se observar no caso que tem condições consideradas favoráveis à sua
observação, segundo a teoria (por exemplo), a tese revela-se falsa. Então, é de

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

esperar que a tese seja falsa em casos “intermédios”, no sentido em que estes
não reunirão à partida as condições entendidas como sendo favoráveis para
que a tese seja observada. Concretizando esta ideia, Flyvbjerb refere que o
estudo de caso único pode ser ideal para se realizar o teste de “falsificação”
proposto por Karl Popper (1959, in Flyvbjerb, 2006), que traduz “one of the
most rigorous test to which a scientific proposition can be subjected: If just one
observation does not fit the proposition, it is considered not valid generally and
must therefore be either revised” (FLYVBJERB, 2006, p. 227-228).

2.4 COMO GARANTIR A CONFIABILIDADE NA NOSSA INVESTIGAÇÃO COM


ESTUDO DE CASO?

O objectivo do investigador a nível da confiabilidade é demonstrar que foram


minimizados possíveis erros e parcialidades (YIN, 2001; 2015). Isto implica
que se procure operacionalizar ao máximo todas as etapas do processo de
investigação, para que outros investigadores (ou o próprio) possam realizar
o mesmo estudo de caso (com o mesmo caso), operacionalizando os mesmos
procedimentos, e obter os mesmos resultados. Duas táticas que podem ser
adotadas no sentido de se aumentar a confiabilidade: o protocolo do estudo de
caso; e a base de dados do estudo de caso.

2.4.1 PROTOCOLO DE ESTUDO DE CASO

O protocolo do estudo de caso é um documento que sistematiza toda a


investigação, orientando o investigador ao longo do tempo. A elaboração deste
documento deve ser um dos primeiros passos do investigador, particularmente
antes de avançar para a recolha de dados, guiando-o ao longo de todo o
processo. Vai permitir-lhe ainda verificar se conduziu a investigação de forma
sistemática, cumprindo assim com um dos elementos que Maylor e Blackmon
(2005, apud STEWART, 2014) sugerem para se avaliar a qualidade de um
estudo de caso.

Um dos primeiros elementos do Protocolo é uma síntese do projeto de estudo


de caso, que resume os objetivos e a bibliografia relevante sobre o tópico.
Este elemento é frequentemente utilizado pelo investigador para apresentar o
estudo às entidades a quem solicita a colaboração, por exemplo, ao Conselho
de Administração de um Hospital.

Um segundo elemento do Protocolo consiste na sistematização dos


procedimentos de campo. Isto engloba a apresentação de credenciais, os

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METODOLOGIA DE ESTUDO DE CASO EM SAÚDE: CONTRIBUTOS PARA O SEU DESENVOLVIMENTO
Jaime Moreira Ribeiro; Catarina Brandão; António Pedro Costa

procedimentos necessários para aceder a pessoas ou a organizações (e.g.,


“gatekeepers”), o cronograma para a recolha de dados, e a forma como os
problemas logísticos no terreno serão geridos pelo investigador.

Um terceiro elemento do Protocolo serão as questões do estudo de caso.


Enumeram-se as questões centrais, decompondo-as nas questões que serão
colocadas a informantes, assim como as questões que são colocadas ao próprio
caso, ao padrão de resultados e questões normativas sobre recomendações.
Identifica-se ainda as possíveis fontes de informação para obter respostas às
mesmas.

O protocolo de estudo de caso deve conter ainda um guia para o relatório do


estudo, que se traduz num esboço da estrutura que será adotada para apresentar
o caso. Yin (2001; 2015) sugere que o investigador identifique o formato que
prevê adotar na apresentação dos dados, indicando o eventual uso e apresentação
de outra documentação, e prevendo ainda espaço para a bibliografia. Este
elemento é frequentemente negligenciado, o que se torna particularmente
problemático quando se constata que há ainda pouco consenso na literatura
quanto à forma de relatar um estudo de caso (STEWART, 2014; YIN, 2015).
Ao definir a estrutura deste relatório é fundamental que o investigador considere
as potenciais audiências do seu trabalho. Ou seja, quem irá ler o relatório
produzido? A resposta a esta questão pode implicar a produção de, pelo menos,
dois relatórios: um com formato de artigo científico e um com formato de
“sumário executivo”, a entregar ao caso(s) que integra o estudo.

2.4.2 BASE DE DADOS DO ESTUDO DE CASO


A base de dados refere-se a uma “compilação separada e ordenada de todos os
dados de um estudo de caso” (YIN, 2015, p.128). O investigador deve garantir
que os dados recolhidos ao longo do trabalho vão sendo armazenados de forma
que sejam facilmente acedidos ao longo do processo. A base de dados agrega
os dados brutos, que o relatório do estudo de caso não conseguirá apresentar
na íntegra, permitindo que o investigador possa aceder aos dados originais em
qualquer momento. Permite, de igual modo, que os dados sejam auditados
ou consultados por investigadores interessados na investigação realizada (e.g.,
um investigador que queira replicar o estudo). Yin (2015) diferencia quatro
componentes que devem integrar essa base de dados: as notas de campo1;
documentos consultados (e.g., registos clínicos de clientes), tabelas (i.e., taxa

1 Um recurso importante quando se faz investigação qualitativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994)

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

de turnover de profissionais). Refere ainda as novas formas narrativas. Estas


incluem materiais como bibliografia e referências, assim como reflexões que o
investigador vai produzindo ao longo da investigação. Essas reflexões podem
traduzir-se em memorandos (i.e., uma proposição que o investigador desenvolve
no contato com o terreno) e em relações que ele vai identificando ao longo do
contato com o terreno e com os dados recolhidos (Yin, 2001; 2015).

2.4.3 O ESTUDO DE CASO PILOTO

O objetivo do estudo de caso piloto (teste-piloto) situa-se principalmente a nível


da formação do(s) investigador(es) numa fase inicial do estudo, diferenciando-
se de um pré-teste (YIN, 2001; 2015). Podendo realizar-se um ou mais estudos
piloto, simultaneamente ou numa lógica sequencial, o estudo de caso piloto
visa identificar variáveis que importa considerar no estudo de caso. Considere-
se um investigador que pretende estudar a satisfação em equipas médicas. O
estudo piloto pode permitir-lhe identificar que as formas de comunicação
em equipas médicas variam em função do serviço em questão (i.e., equipa
de medicina interna vs equipa cirúrgica) e isto informará que importa
considerar a natureza da equipa médica no momento da seleção do caso.
Esta primeira experiência permite ainda identificar procedimentos a seguir
no terreno, nomeadamente quando o estudo envolve vários investigadores e
importa definir procedimentos que reduzam a parcialidade dos investigadores
ao longo do estudo. As aprendizagens decorrentes deste teste piloto deverão
ser traduzidas num relatório, que não terá de assumir a mesma estrutura ou
formalidade que o relatório do estudo de caso (YIN, 2015).

3. COMO PODEM OS QDAS CONTRIBUIR PARA A QUALIDADE DA


ANÁLISE QUALITATIVA DE DADOS?
A investigação qualitativa pode produzir grandes quantidades de dados. O estudo
de caso não é exceção e, normalmente, gera grandes quantidades de dados, o que
torna a análise crítica, mais complexa. Os dados podem incluir notas textuais ou
transcritas de entrevistas ou grupos focais, anotações e “notas de campo” mais
detalhadas de observações, um diário ou relato cronológico e notas reflexivas
do investigador. Estes dados podem atingir grandes proporções: a transcrição de
uma entrevista típica leva várias horas e pode gerar 20-40 páginas de texto com
espaçamento simples. As transcrições e notas são os dados brutos da investigação.
Fornecem um registo descritivo da investigação, mas não podem fornecer
explicações. O investigador tem que organizar os dados, filtrá-los e interpretá-los.

157
METODOLOGIA DE ESTUDO DE CASO EM SAÚDE: CONTRIBUTOS PARA O SEU DESENVOLVIMENTO
Jaime Moreira Ribeiro; Catarina Brandão; António Pedro Costa

Esta quantidade de dados, que muitas vezes se revela abismal, carece de


organização, estruturação e redução sem prejuízo da qualidade das inferências
que se procura produzir. O rigor deve pautar o momento de tratamento e
interpretação de dados, devendo o investigador qualitativo socorrer-se de todas
ferramentas disponíveis para assegurar a qualidade do seu trabalho, como o
uso de software dedicado, tal como fazem aqueles que recorrem à estatística
inferencial para a comprovação de hipóteses.

O uso de codificação, categorização e a identificação de temas são importantes, até


mesmo indispensáveis, partes do processo da investigação qualitativa, que é
usualmente muito laborioso, e frequentemente um obstáculo antecipado que pesa
nas opções metodológicas, por vezes com grave prejuízo do processo de investigação.
Atualmente, os pacotes de software de análise de dados qualitativos auxiliam o
investigador desde a fase de planeamento da investigação, sendo extremamente úteis
na organização dos dados (YIN, 2015). No caso do software webQDA (www.webqda.
net) (SOUZA; COSTA; MOREIRA, 2016) o mesmo permite ao investigador um
“importante contributo na organização e sistematização dos dados, possibilitando
questionar os dados e obter resultados pertinentes acerca do estudo” (SOUZA;
COSTA; SOUZA, 2015, p.158). Este software (ver Figura 1) assente em cloud
computing, possibilita a colaboração entre investigadores, analisar dados em
diferentes formatos (texto, áudio vídeo e imagem), organizar e sistematizar a análise
através de uma árvore de categorias (com fácil acesso às unidades codificadas na sua
fonte), manter o registo detalhado de todo o contexto de investigação, e ainda,
questionar os dados, classificar relações e construir modelos (SOUZA; COSTA;
SOUZA, 2015). Os mesmos autores referem que “levando em consideração a
profundidade, complexidade contextual, diversificação e cruzamento dos dados”
(p.158) que o estudo de caso “exige” ainda mais o uso dos QDAS.
Figura 1 - Ambiente de trabalho do software webQDA (exemplo de edição de uma imagem)

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

CONCLUSÃO
A complexidade das questões que os profissionais de saúde têm de enfrentar
e o crescente reconhecimento pelos responsáveis políticos, académicos e
profissionais acerca do valor dos estudos de caso na avaliação das intervenções
dos serviços de saúde, sugerem que o uso destes estudos é susceptível de aumentar
no futuro. Esta estratégia possibilita, entre outras coisas, o desenvolvimento de
intervenções, procedimentos e políticas que carecem de um estudo detalhado
de ações e interações num contexto de vida real. Por conseguinte, deve ser
considerado quando as metodologias de cariz experimental são inadequadas
para responder às questões de investigação ou impossíveis de realizar.

Ponderando a crescente atenção e pressão sobre a prestação de serviços de


saúde e, dado o aprofundamento de conhecimento necessário, acreditamos
que esta metodologia deve ser mais amplamente considerada. Embora
inerentemente difícil, o estudo de caso, se rigorosamente realizado e
descrito, pode proporcionar insights válidos em muitos aspetos importantes
da área da saúde. Contudo, existe efetivamente um abuso desta metodologia
subvalorizada, numa senda de facilitismo científico, com a ablação de etapas
e processos preponderantes. Torna-se importante a divulgação e formação
científica de modo a colmatar a negligência de fatores simplificadores e
otimizadores, tão simples como o apoio de software dedicado.

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160
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

A INTERSETORIALIDADE NA VIGILÂNCIA
DA DENGUE
Myrella Silveira Macedo Cançado1, Ellen Synthia Fernandes de
Oliveira1 e Dayse Cristine Dantas Brito Neri de Souza2
Universidade Federal de Goiás (UFG-Brasil) e 2Universidade de Aveiro (UA-Portugal)
1

myrella82@hotmail.com; ellen.synthia@gmail.com; dayneri@ua.pt

SINOPSE
Os comitês de mobilização contra dengue são fundamentais para o planejamento e a execução
de medidas de prevenção da doença. Analisar a atuação dos representantes do Comitê de
Mobilização Social contra o Aedes aegypti do Estado de Goiás, Brasil, nas ações intersetoriais
de vigilância em saúde, foi o alvo deste capítulo. Estudo descritivo-analítico e transversal de
abordagem qualitativa, com aplicação de questionários aos membros do comitê. A análise dos
relatos se deu por meio da técnica de Análise de Conteúdo, e auxílio do programa webQDA, que
suscitou três categorias: 1) manejo do vetor: indicando uso de inseticidas; 2) manejo ambiental:
expressando a necessidade de realização frequente de supervisão e limpeza de calhas e ralos e 3)
intersetorialidade: com relatos de participação de diferentes setores. Observou-se a dificuldade
dos participantes em realizarem ações intersetoriais.

INTRODUÇÃO
No Brasil, durante a maior parte do século XX, as ações de vigilância,
prevenção e combate às doenças transmissíveis, sobretudo a Dengue, foram
estruturadas como programas centralizados, através da formulação e execução
realizadas diretamente pelo Governo Federal (BRASIL, 2009).

Diante da dificuldade de controlar a Dengue, novas estratégias de prevenção


e combate foram propostas, que culminaram com a elaboração das Diretrizes
Nacionais para a Prevenção e Controle de Epidemias de Dengue e da Portaria
n° 1378/13 de 9 de Julho, pelo Ministério da Saúde (MS) (BRASIL, 2009; 2013).

Nestes documentos, o conceito de vigilância tornou-se mais amplo e complexo,


uma vez que acrescentou, além da epidemiologia, promoção da saúde,
vigilância da situação da saúde, da saúde ambiental, do trabalhador e sanitária
(BRASIL, 2009; 2013).

A Vigilância em Saúde foi definida como a análise e a observação permanentes


da situação de saúde da população, articulando-se em ações que influenciam

161
A INTERSETORIALIDADE NA VIGILÂNCIA DA DENGUE | Myrella Cançado, Ellen de Oliveira e Dayse de Souza

tanto os determinantes, os riscos e os danos à saúde quanto à abordagem


individual e coletiva (BRASIL, 2013).

Esta articulação é fundamental e, partindo dessa premissa, o planejamento


da vigilância em saúde requer ações mais complexas que visem integrar os
diversos segmentos sociais, as quais conhecemos por intersetorialidade, que
compreende a articulação dos diferentes atores (Saúde, Sociedade, Governo,
Setor Privado, Trabalhador, Educação, Segurança Pública, Meio Ambiente,
entre outros), saberes e experiências para alcançar o efeito sinérgico em
situações complexas e dinamizar as relações (GÓES; MACHADO, 2013).

A incorporação da intersetorialidade nas políticas públicas possibilitou a


articulação entre os diferentes conhecimentos técnicos, uma vez que os
especialistas passaram a compartilhar objetivos comuns (GÓES; MACHADO,
2013; NASCIMENTO, 2010). Esta perspectiva traz ganhos para a população
e para a logística dos serviços públicos de saúde, superando a fragmentação e
a desarticulação dos programas de saúde (NASCIMENTO, 2010).

Nesse contexto, a Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SES-GO) instituiu


o Comitê Estadual de Mobilização Social contra o Aedes aegypti, o qual é
composto por representantes de instituições públicas, privadas e pela sociedade
civil de Goiás; e uma de suas finalidades é a integração de ações de promoção,
prevenção e combate à Dengue, desenvolvidas por meio de grupos de trabalho
intersetoriais (BRASIL, 2016).

Sendo assim, a importância dos comitês de combate à Dengue para a


discussão, o planejamento e a execução de ações intersetoriais para a
prevenção da doença foi o fator norteador do objeto de estudo desta pesquisa
(BRASIL, 2016).

Realizou-se um estudo com o Comitê com o objetivo de investigar a atuação de


seus representantes nas ações de vigilância intersetoriais para a prevenção e o
combate à Dengue. O referido estudo orienta-se pelo seguinte questionamento:
Os participantes do Comitê de Mobilização Social contra o Aedes aegypti do
Estado de Goiás realizam ações de vigilância em saúde intersetoriais para a
prevenção da Dengue?

162
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

METODOLOGIA
Estudo do tipo descritivo-analítico e transversal com representantes do Comitê
de Mobilização Social contra o Aedes aegypti do Estado de Goiás no período de
agosto de 2012 a agosto de 2014. O Comitê situa-se no município de Goiânia
e compõe-se de representantes de Instituições públicas, privadas e sociedade
civil do Estado de Goiás.

Participaram deste trabalho 84 (100%) representantes do Comitê, do qual 44


(52,38%) devolveram o questionário respondido. Foram incluídos na pesquisa
representantes, de ambos os gêneros, de instituições públicas, privadas e da
sociedade civil integrantes do Comitê e que concordaram em participar do
estudo, ficando excluídos os demais.

A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário semiestruturado


no período compreendido entre maio e junho de 2014, elaborado pelos
autores, composto de 24 perguntas objetivas e duas subjetivas. Sendo que
neste capítulo, apresentaremos os resultados da seguinte pergunta subjetiva:
“Relate, resumidamente, as principais ações de prevenção e combate à Dengue realizadas por
você entre 2011 e 2013”.

Em relação aos demais questionamentos do instrumento de coleta de dados,


emergiram outros dois estudos, a saber: 1) “Percepções de representantes de
um comitê contra dengue nas ações de educação em saúde, Goiás, Brasil” o
qual foi publicado na Revista de Enfermagem da Universidade de São Paulo
no ano de 2014 (CANÇADO et al., 2014); 2) “A Gestão e o planejamento
no plano de vigilância da dengue” o qual foi publicado em 2015, como
capítulo do livro “Planejamento, Gestão e Avaliação nas Práticas de Saúde”
(CANÇADO; OLIVEIRA; NERI DE SOUZA, 2015).

Dentre as respostas dos participantes sobre as ações de prevenção e combate


à Dengue realizadas entre 2011 e 2013, foram selecionadas para este estudo
as que se referiram às ações de Vigilância em Saúde. E, dentre as ações
de vigilância elencadas, foi observado se os respondentes praticaram a
intersetorialidade.

Após a anuência do Comitê de Mobilização Social contra o Aedes aegypti


do Estado de Goiás e da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa/Pró-
Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação - COEP/PRPPG da UFG (parecer N°
629.396) (BRASIL, 2012), o instrumento de coleta de dados foi aplicado no
local de trabalho do participante, mediante agendamento prévio por telefone

163
A INTERSETORIALIDADE NA VIGILÂNCIA DA DENGUE | Myrella Cançado, Ellen de Oliveira e Dayse de Souza

ou e-mail; sendo que o tempo estipulado para o preenchimento foi de 40


minutos. O respondente foi orientado sobre os objetivos da pesquisa, os seus
direitos, bem como benefícios e riscos por meio do Termo de Consentimento
Livre Esclarecido (TCLE).

Os dados obtidos a partir da questão subjetiva foram analisados por meio


do método Análise de Conteúdo do tipo categorial temática com auxílio
do programa webQDA, que é um software de apoio à análise qualitativa,
permitindo a análise de textos, vídeos, áudios e imagens num ambiente
colaborativo e com base na internet (BARDIN, 2011; COSTA; LINHARES;
NERI DE SOUZA, 2012).

A análise de conteúdo foi realizada em três etapas, a saber: a) pré-análise


(leitura e enumeração dos questionários), b) exploração (recorte das respostas
e formação dos núcleos de sentido) e c) tratamento (categorias analíticas)
(BARDIN, 2011; COSTA; LINHARES; NERI DE SOUZA, 2012).

A categorização emergiu a partir do objetivo da pesquisa e buscou identificar


as ações de vigilância em saúde intersetoriais para a prevenção da Dengue
(BARDIN, 2011; COSTA; LINHARES; NERI DE SOUZA, 2012).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise dos discursos dos participantes suscitou em dez categorias, sendo que
dessas, três foram objeto de estudo desta pesquisa: manejo do vetor, manejo
ambiental e intersetorialidade. Estas categorias foram definidas porque se
remetiam à Dimensão Vigilância em Saúde e as demais faziam referência a
outras ideias não estudadas neste capítulo (Quadro 1).

Quadro 1 - Categorias identificadas nos discursos dos respondentes, Goiás, 2016

QUESTÃO CATEGORIAS DO
CATEGORIAS
NORTEADORA OBJETO DE ESTUDO
(1) palestras, (2) outras
práticas, (3) capacitação,
Relate, resumidamente, as (5) manejo do vetor (6)
(4) equipes de educação
principais ações de prevenção manejo ambiental, (7)
em saúde, (5) manejo do
e combate à Dengue intersetorialidade
vetor, (6) manejo ambiental,
realizadas por você, entre
(7) intersetorialidade, (8)
2011 e 2013.
assessoria, (9) supervisão, (10)
avaliação.

Fonte: Autor

164
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

As categorias do objeto de estudo foram agrupadas na Dimensão Vigilância


em Saúde e os aspectos abordados por cada uma foram definidos a fim de
padronizar a análise (Quadro 2).

Quadro 2 - Aspectos abordados nas categorias identificadas nos discursos dos


respondentes, Goiás, 2016

DIMENSÃO CATEGORIAS ASPECTOS ABORDADOS

Atividades que visem


controlar o Aedes aegypti
Manejo do vetor
(controle mecânico, biológico
e/ou legal) (BRASIL, 2009).
Medidas e intervenções nos
VIGILÂNCIA EM SAÚDE fatores de risco ambientais
Manejo Ambiental que minimizem a propagação
do Aedes aegypti (BRASIL,
2009).
Articulação entre diferentes
Intersetorialidade atores, segmentos sociais
(BRASIL, 2013).

Fonte: Autor

Salienta-se que uma mesma ação pode ter sido citada por mais de um
participante e um mesmo participante pode ter mencionado, na mesma
resposta, ações diferentes. Portanto as ideias são descritas conforme a
quantidade de vezes que foram mencionadas pelos participantes.

As categorias identificadas nos discursos dos representantes do Comitê foram


descritas a seguir.

1.1 MANEJO DO VETOR

Dentre os respondentes (n=44), três (6,82%) destacaram a atuação no manejo


do vetor Aedes aegypti por meio da “formação de equipes do município para atuação na
UBV pesada (fumacê) ” (P2) e dos “bloqueios com ultra-baixo volume, manejos ambientais
e o uso de larvicida e inseticida” (P40).

Apesar da vacina contra a Dengue estar disponível no Brasil, esta situação é recente
e o seu acesso ainda está restrito à Rede Privada, o que dificulta a imunização da
maioria da população, já que seu custo é, relativamente, alto (PORTAL BRASIL,

165
A INTERSETORIALIDADE NA VIGILÂNCIA DA DENGUE | Myrella Cançado, Ellen de Oliveira e Dayse de Souza

2016). Sendo assim, o controle químico do Aedes aegypti ainda é a principal medida
de controle (GOMES, 2014; GONÇALVES et al., 2015).

Os representantes do comitê consideraram o uso de inseticidas ainda como


a principal medida de controle do mosquito. Contudo, estudos têm criticado
este modelo tradicional de gestão, comprovando os malefícios do uso de
organofosforados à saúde humana e ao meio ambiente (GOMES, 2014;
LASNEAUX, 2013). Esses inseticidas são nocivos à saúde, devido ao seu
potencial tóxico/carcinogênico e contaminante do ecossistema, uma vez que
se acumulam nos animais, água e solo (GOMES, 2014; JÚNIOR; TORRES;
SILVA, 2015; LASNEAUX, 2013).

Além disso, o uso de inseticidas é limitado, devendo ser adotado mediante uso
racional e seguro devido à possibilidade de desenvolvimento de resistência dos
vetores aos produtos, possibilidade de gerar impactos ambientais e ocasionar
a intoxicação do agente de combate a endemias (GUZMAN et al., 2010;
JÚNIOR; TORRES; SILVA, 2015).

Diante da dificuldade em controlar a arbovirose Dengue, novas estratégias e


tecnologias de prevenção e combate têm sido apoiadas pelo Grupo Consultivo
sobre Controle de Vetores, dirigido pela Organização Pan-Americana de
Saúde (OPAS) (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE, 2016).

Para a eliminação do vetor estão em desenvolvimento estudos sobre a efetividade


do uso de telas impregnadas com inseticidas para proteção residencial, novos
compostos larvicidas, a potencial infecção das populações de Aedes aegypti pela
bactéria Wolbachia e mosquitos transgênicos OX513A (GUISSONI et al.,
2013; HOFFMAN et al., 2011; ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE
SAÚDE, 2016; ZARA et al., 2016).

Guissoni et al. (2013) testaram a atividade larvicida do líquido da castanha do


cajueiro e obtiveram resultados significativos contra o Aedes aegypti. Nesse contexto,
Pinto et al. (2016) complementam as novas descobertas comprovando a excelente
ação larvicida da espécie Croton jacobinensis, uma planta típica do semi-árido
brasileiro conhecida popularmente como velame-roxo ou velame-preto.

O uso da bactéria Wolbachia, inofensiva ao homem e aos animais domésticos,


é encontrada naturalmente em mais de 70% dos insetos, sendo uma estratégia
inovadora cujo objetivo é reduzir a transmissão do vírus da Dengue pelo
mosquito vetor de forma natural e autossustentável (INSTITUTO OSWALDO

166
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

CRUZ, 2016). Estudos estão sendo realizados no sentido de desenvolver modelos


experimentais que possam ser utilizados em larga escala na prática (DUTRA et
al., 2015; HOFFMAN et al., 2011; MOREIRA et al., 2009).

O mosquito OX513A é uma cepa geneticamente modificada do Aedes aegypti, que


ao acasalar com as fêmeas selvagens (sem modificação genética) resultam em larvas
que morrem antes da idade adulta (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE
SAÚDE, 2016). Esta tecnologia demonstrou a capacidade de reduzir as populações
de Aedes aegypti em regiões do Brasil (ANDRADE et al., 2016)

1.2 MANEJO AMBIENTAL

Em relação ao manejo ambiental, 22 (50%) representantes mencionaram

coleta de pneumáticos, mutirão limpeza de combate à dengue envolvendo agentes de endemias,


comunidade e sociedade organizada (P2); monitoramento nas áreas da instituição com objetivo
de evitar possíveis focos de criadouros de transmissor da dengue (P15) e revisão dos ralos,
calhas e quintais (P24).

O crescimento urbano desordenado associado ao saneamento básico


precário, à moradia inadequada e a fatores socioculturais contribuem para a
sobrevivência do mosquito Aedes aegypti o qual se adapta facilmente a este meio
(FLAUZINO; SOUZA-SANTOS; OLIVEIRA, 2011).

O manejo inadequado do lixo e a irregularidade no abastecimento de água


foram fatores considerados responsáveis pela manutenção da Dengue no
Brasil (FLAUZINO; SOUZA-SANTOS; OLIVEIRA, 2011; TAUIL, 2001).
O saneamento básico, sobretudo a coleta de lixo e o abastecimento de água,
mostram-se insuficientes nas periferias das grandes cidades, acarretando o
aumento dos criadouros do Aedes aegypti (FAPPI, 2014; TAUIL, 2001).

A reprodução do inseto transmissor ocorre intradomiciliar ou peridomiciliar,


em qualquer depósito de água, como caixas d’água, reservatórios, pneus,
cisternas, vasos de plantas, latas, cacos de vidro, dentre outros (FAPPI,
2014). Em virtude disso, é importante a incorporação de hábitos no
cotidiano do cidadão, como limpeza dos quintais, troca periódica da
água das plantas aquáticas, aplicação de larvicida em depósitos de água,
manutenção de piscinas, além de outras ações que eliminem os criadouros
do inseto (TAUIL, 2001).

167
A INTERSETORIALIDADE NA VIGILÂNCIA DA DENGUE | Myrella Cançado, Ellen de Oliveira e Dayse de Souza

Observa-se que o investimento no manejo ambiental e nas campanhas


de saneamento promovidos pela gestão pública têm interferido na cadeia
de transmissão do vetor, evitando ou destruindo os criadouros potenciais
(ROCHA; CANDIDO; DANTAS, 2014). Essa conduta faz parte da gestão
ambiental que é o método mais eficaz para o controle do mosquito no meio
ambiente e inclui o planejamento e a organização de atividades que visem
modificar ou manipular os fatores ambientais, prevenindo o desenvolvimento
do Aedes aeqypti (FAPPI, 2014).

A coleta de pneumáticos e o mutirão de limpezas nos bairros citados pelos


respondentes são exemplos de ações de manejo ambiental que favorecem
à redução e à eliminação de criadouros do vetor da Dengue, bem como
transformam a comunidade em protagonista desse cenário, assumindo as suas
responsabilidades (ROCHA; CANDIDO; DANTAS, 2014).

Freitas, Rodrigues e Almeida (2011) descreveram ações de combate à Dengue


realizadas pelo Grupo Executivo da Dengue de Belo Horizonte por meio da
realização de mutirões de limpeza nos bairros, o que resultou no recolhimento,
em 2007, de 489 toneladas de lixo. Já o acúmulo e lixo detectado em domicílios
de Primavera do Leste, no Mato Grosso, foram fatores condicionantes para o
aumento do número de casos de Dengue nessa região, entre os anos de 2010
a 2012 (PELLISSARI et al., 2016).

1.3 INTERSETORIALIDADE
Em relação à intersetorialidade, identificou-se que dos 44 participantes, sete
(15,9%) realizaram algum tipo de ação com essa perspectiva. Foram citados

mutirão de combate à dengue envolvendo agentes de endemias, comunidade e sociedade


organizada; combate à dengue conjuntamente com municípios da região metropolitana
(Aparecida de Goiânia, Senador Canedo, Trindade, Bela Vista, Caldazinha); ação conjunta
com Exército (P2) e acompanhamento e monitoramento de ações de prevenção da dengue nas
escolas públicas do Estado (P16).

Apesar de essas atividades contarem com a integração de outros segmentos da


sociedade, por meio de parcerias, elas não foram planejadas durante as reuniões
do Comitê de Goiás. Pelo contrário, foram executadas de forma isolada e
desarticulada, sem uma prévia organização ou definição de responsabilidades
numa agenda de trabalho.

168
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

Esse planejamento também não foi possível ao Comitê Estadual de Mobilização


Social de Prevenção e Controle da Dengue na Bahia, conforme estudo de Lima
e Vilasbôas (2011). A maior parte das ações realizadas pelos representantes,
como “faxinaços” e caminhadas com distribuição de material educativo,
não foram planejadas no espaço de discussão do Comitê, sendo organizadas
individualmente por cada instituição (LIMA; VILASBÔAS, 2011).

Nessa lógica, a soma de esforços que ocorrem sem interação e reciprocidade


não pode ser considerada ação intersetorial. A intersetorialidade significa
coparticipação ativa dos diversos segmentos sociais (segurança pública, educação,
gestão, meio ambiente, dentre outros) com aproveitamento compartilhado dos
saberes (NASCIMENTO; RODRIGUES-JÚNIOR, 2016).

No entanto, Freitas, Rodrigues e Almeida (2011) mostraram que é possível


trabalhar de forma integrada, coordenada e coparticipativa no campo da
intersetorialidade. A Prefeitura de Belo Horizonte aderiu às estratégias
intersetoriais para o enfrentamento da Dengue no município.

Como exemplo da forma integrada e coparticipativa, no município de


Uberaba, Minas Gerais, teve uma queda no número de casos de Dengue. Este
resultado deveu-se à articulação do poder público com a comunidade, gerando
corresponsabilidade no processo de transformação de comportamentos
(PEREIRA; FERREIRA; BORGES, 2013). Dentre as ações elencadas,
houve a parceria entre a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e a Secretaria
Municipal de Educação e Cultura (SEMEC) no desenvolvimento do projeto
“Prevenção à Dengue”.

Outro achado no discurso dos respondentes foi a participação do segmento


escolar nesse processo de combate à Dengue. Os escolares, principalmente
na infância, representam um público-alvo bastante promissor para o
desenvolvimento de ações educativas, observando-se o grande interesse pelo
assunto e a possibilidade de compartilharem as informações em casa, com
suas famílias (TORRES; ORDOÑEZ; VÁZQUEZ-MARTINÉZ, 2014).

Terra, Guimarães e França-Botelho (2011) constataram em um estudo com


escolares de Araxá, Minas Gerais, que a educação em saúde sobre Dengue
apresentou resultados mais significativos em alunos da 4ª série, pois nessa
fase as crianças estão mais favoráveis a responderem estímulos criativos,
compartilhando seus saberes com as famílias e os amigos.

169
A INTERSETORIALIDADE NA VIGILÂNCIA DA DENGUE | Myrella Cançado, Ellen de Oliveira e Dayse de Souza

A intersetorialidade surgiu como uma nova lógica norteadora das políticas públicas,
sobretudo as de combate à Dengue, uma vez que possibilita a articulação entre os
diversos saberes e experiências. Ademais, cria espaços onde as relações de poder
são compartilhadas e os interesses individuais são coletivizados (GASPERIN,
2012; NASCIMENTO; RODRIGUES-JÚNIOR, 2016).

Essas discussões fortaleceram ainda mais a reflexão em relação à importância


da intersetorialidade para o combate à Dengue, uma vez que promove espaços
coletivos para troca de informações e para o planejamento, valorizando
a tomada compartilhada de decisões entre diferentes níveis de gestão
(GASPERIN, 2012).

CONCLUSÕES
No sentido de responder a pergunta inspiradora do estudo, os representantes
do Comitê de Mobilização Social contra o Aedes aegypti do Estado de Goiás
realizam ações de vigilância em saúde, sendo o manejo ambiental a atividade
predominante entre os participantes, o que evidencia a insistência em
continuar com o modelo tradicional de combate à Dengue pautado no uso de
inseticidas, tão nocivos para a comunidade e para o meio ambiente.

Diante desse cenário, revela-se a dificuldade dos participantes em praticarem


a intersetorialidade entre os diferentes níveis de gestão, uma vez que as ações
dos diferentes atores são pontuais, desarticuladas e não planejadas, resultantes
de políticas públicas verticalizadas. Assim, há a necessidade de se rever essas
práticas a fim de fortalecer o trabalho coletivo e multiprofissional.

Por fim, do ponto de vista do planejamento estratégico e contínuo, estudos


inéditos como este, que buscam fortalecer ações integradas entre os diversos
setores da sociedade e ainda valorizar a atuação do Comitê de Mobilização
Social contra o Aedes aegypti do Estado de Goiás, são de grande relevância no
âmbito nacional, pois contribuem para amenizar o cenário de epidemia de
Dengue no qual o Brasil se encontra. E por isso, contribui com saberes que
favorecem uma maior reflexão sobre as políticas públicas e programas que
visem o combate à doença.

Agradecimentos: Este estudo foi financiado com resursos da Fundação de


Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG).

170
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

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Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

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174
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

NOTA BIOGRÁFICA DOS AUTORES

175
NOTAS BIOGRÁFICAS

ANA MARIA FONTENELLE CATRIB


Graduação em Pedagogia pela Universidade de Fortaleza-UNIFOR (1978).
especialização em Administração Universitária pela Universidade Estadual
do Ceará-UECE (1993), especialização em Metodologia do Ensino Superior
pela Universidade Estadual do Ceará-UECE (1989) e doutorado em Educação
pela Universidade Federal da Bahia-UFBA, mestrado em Educação pela
Universidade Federal do Ceará-UFC. Pós-doutorado em Saúde Coletiva pela
Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP. Professora titular do Mestrado
e Doutorado em Saúde Coletiva e coordenadora do Observatório de Avaliação.

ALINE VERAS BRILHANTE


Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará, Residência Médica
em Ginecologia e Obstetrícia pela Escola de Saúde Pública-CE, Especialização
em Psicoterapia Psicanalítica pela Escola de Psicoterapia Psicanalítica de
Fortaleza, Especialização em Sexualidade pela Universidade Cândido Mendes
(RJ), Mestrado em Saúde Coletiva pela Universidade de Fortaleza e Doutorado
em Saúde Coletiva pela Associação Ampla - UECE - UFC - UNIFOR. Professora
do Curso de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da
Universidade de Fortaleza e desenvolve pesquisas nas áreas de Saúde da Mulher,
Sexualidade Humana e Estudos de Gênero.

ANTÓNIO PEDRO COSTA


António Pedro Costa é um dos investigadores/autor do software de apoio à
análise qualitativa webQDA (www.webqda.net), área em que tem publicados, em
co-autoria, diversos artigos em congressos nacionais e internacionais, artigos em
revistas e capítulos de livros. É o Coordenador do Congresso Ibero-Americano em
Investigação Qualitativa e do International Symposium on Qualitative Research
(www.ciaiq.org). É membro do working group 1: “Theory, analysis and models of
peer review” da acção COST “New Frontiers of Peer Review” (http://www.peere.
org/). Paralelamente, é Professor Auxiliar no ISLA e na ULP, em que lecciona
Unidades Curriculares de Metodologias de Investigação (1º, 2º e 3º Ciclos).

CATARINA BRANDÃO
Licenciada e doutorada pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da
Educação da Universidade do Porto, onde é docente desde 2001. Desenvolve
investigação qualitativa acerca dos desafios da liderança, dinâmicas

176
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

supervisores-subordinados, vivência de processos de gestão e avaliação de


desempenho e desenvolvimento organizacional. Tem-se debruçado em
particular sobre esses fenómenos no contexto da Administração Pública.
Uma outra área de interesse é o uso e aprendizagem de QDA (Qualitative
Data Software). Desenvolve ainda processos de intervenção organizacional,
procurando aliar a teoria à prática.

CHRISTINA CESAR PRAÇA BRASIL


Graduação em Fonoaudiologia pela Universidade de Fortaleza, especialista
em Linguagem pela Universidade de Fortaleza, especialista em Ativação de
Processos de Mudança na Formação Superior de Profissionais de Saúde pela
Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/ FIOCRUZ e mestrado em
Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo/
Escola Paulista de Medicina. Doutorado em Saúde Coletiva pelo Programa
de Pós-Graduação em Saúde Coletiva associação ampla entre a Universidade
Estadual do Ceará/ Universidade Federal do Ceará/ Universidade de Fortaleza.

CLEOMAR DE SOUSA ROCHA


Graduação em Letras pela Faculdade de Educação Ciências e Letras de Iporá,
mestrado em Arte e Tecnologia da Imagem pela Universidade de Brasília,
doutorado em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade
Federal da Bahia, pós-doutorado em Tecnologias da Inteligência e Design Digital
pela PUC-SP, pós-doutorado em Estudos Culturais pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro, pós-doutorado em Poéticas Interdisciplinares pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Professor Associado da Universidade Federal de Goiás.

DAYSE CRISTINE DANTAS BRITO NERI DE SOUZA


Graduação em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia do Recife
FAFIRE/Universidade Federal de Pernambuco UFPE. Pós-doutoramento e
Doutoramento em Ciências da Educação (2006) pela Universidade de Aveiro
- Portugal. Professora Auxiliar Convidada do Departamento de Educação da
Universidade de Aveiro (UA). É docente da Unidade Curricular Metodologia
de Investigação em Educação no Mestrado em Didática e no Programa
Doutoral em Educação, autora do Software IARS (Isabel Arlcão Research
Software), formadora do curso sobre o uso do software webQDA para análise
qualitativa de dados.

177
NOTAS BIOGRÁFICAS

ELLEN SYNTHIA FERNANDES DE OLIVEIRA


Graduação em Ciências Biológicas modalidade médica pela Universidade
Federal de Goiás (UFG), mestrado em Biologia pela Universidade Federal de
Goiás, doutorado em Patologia Molecular e Saúde pela Faculdade de Medicina
da Universidade de Brasília, cursa pós-doutorado em Saúde Coletiva pela
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, São
Paulo. Líder no Diretório de Pesquisa CNPq do Grupo Integrado de Ações
contra Dengue e outras Endemias. Professora associada da UFG do Instituto
de Ciências Biológicas e docente do Programa de Pós-Graduação, Mestrado
Profissional em Saúde Coletiva da Pró-reitoria de Pós-graduação da UFG.

ELIAMAR APARECIDA DE BARROS FLEURY


Graduação em Instrumento Piano e Licenciatura em Música - Universidade
Federal de Goiás (UFG). Mestre em Música na Contemporaneidade/UFG.
Especialista em Musicoterapia na Educação Especial e Saúde Mental.
Doutoranda em Ciências da Saúde - UFG. Pesquisadora e professora do
Curso de Musicoterapia da Escola de Musica e Artes Cênicas/UFG.

HELENA GONÇALVES JARDIM


Doutorado em Desarrollo e Intervención Psicológica pela Universidade de
Extremadura(2002). Atualmente é Professora Coordenadora da Universidade
da Madeira. Atuando principalmente nos seguintes temas: Ansiedade,
Adolescente, EMAS, ENDLER.

JAIME MOREIRA RIBEIRO


É doutorado pela Universidade de Aveiro e licenciado pela Escola Superior
de Tecnologia da Saúde do Porto. É Professor do Politécnico de Leiria e
formador/docente na área da Terapia Ocupacional, Reabilitação, Educação
Especial, Tecnologias de Apoio e Investigação Aplicada. Integra os seguintes
centros/unidades de investigação: CIDTFF-UA, a UIS-IPLEIRIA e o
iACT-IPLEIRIA. A sua investigação incide sobre saúde, reabilitação,
Funcionalidade/incapacidade, formação e ensino superior, tecnologias de
apoio. É autor de várias publicações e comunicações científicas na área das
TIC, TIC em Educação Especial, RED, formação de professores, Saúde,
Investigação Qualitativa, Envelhecimento, Terapia Ocupacional, Reabilitação,
Acessibilidade e Usabilidade.

178
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

JOSÉ MANUEL PEIXOTO CALDAS


Professor Titular da Universidade de Fortaleza - UNIFOR, Investigador
Coordenador do CINTESIS - Center for Health Technology and Services
Research, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Professor
Colaborador do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo, Pesquisador Senior da FAPESP - Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Professor Associado do College
of the Americas - Inter-American Organization for Higher Education, Ex-
Pesquisador Doutor do CIIE - Centro de Investigação e Intervenção Educativas,
da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.

JUAN CARLOS ANEIROS FERNANDEZ


Professor do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências
Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp), na área
de concentração de Ciências Sociais em Saúde. Credenciado no Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva FCM/Unicamp. Desenvolve projetos de
pesquisa e extensão nas áreas de Diversidade Cultural e Saúde, de Ciências
Sociais e Saúde e de Promoção da Saúde, e é colaborador do CEPEDOC
Cidades Saudáveis (WHO Collaborating Centre).

JULIANA DA FONSECA BEZERRA


Graduação em Enfermagem pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
Especialista em enfermagem do trabalho pela Universidade Católica Dom
Bosco - MS. Mestrado em Saúde Coletiva pela Universidade de Fortaleza
- UNIFOR Doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual
de Campinas - UNICAMP. Experiência profissional como enfermeira do
Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e do hospital Otoclínica durante o ano de
2011 e 2012. Vinculada ao grupo de pesquisa: Grupo de Pesquisa e Estudo
Saúde da Mulher (GRUPESM) da UNIFOR.

JULIANA LUPORINI DO NASCIMENTO


Graduação em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas,
mestrado em Ciências pelo Instituto de Saúde e doutorado em Saúde
Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é docente
do Departamento de Saúde Coletiva da FC/Unicamp. Tem experiência
na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Sociologia da Saúde, atuando

179
NOTAS BIOGRÁFICAS

principalmente nos seguintes temas: cientistas sociais e saúde; gênero e


processo de nascimento e violência e gênero.

LIGIA MOREIRA DE ALMEIDA


Graduação em Psicologia e mestrado em Psicologia da Saúde, ambos pela
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, e
doutorado em Saúde Pública pela Faculdade de Medicina da Universidade do
Porto. Atualmente colabora com o Departamento de Educação e Simulação
Médica, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Participa em
vários projetos, é membro suplente da Action COST IS1211 - Cancer & Work
- European Research Area (CityNet) - European Union. Tem experiência
clínica e de investigação na área da Saúde, com ênfase em Saúde Pública,
Psicologia da Saúde e Promoção da Saúde.

LUIZA JANE EYRE DE SOUZA VIEIRA


Graduação em Enfermagem pela Universidade Católica do Salvador,
graduação em Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza,
mestrado em Enfermagem Comunitária pela Universidade Federal do Ceará,
doutorado em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará e atualmente
cursando estágio Pós-Doutoral em Saúde Coletiva no Programa de Pós-
Graduação do Instituto em Saúde Coletiva-ISC/UFBA. Professora titular do
curso de Enfermagem e do Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade de
Fortaleza e do Doutorado em Saúde Coletiva em Associação Ampla entre a
UFC-UECE-UNIFOR.

MARCELO CASTELLANOS
Graduação em Ciências Sociais pela UNICAMP, mestrado e doutorado em
Saúde Coletiva pela mesma universidade. Pós-doutorado em sociologia na
Université Pierre-Mendès-France, com o apoio da CAPES, desenvolvendo
estudos sobre adoecimento crônico, vulnerabilidade e desigualdades em saúde.
Professor adjunto no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da
Bahia. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em sociologia
do adoecimento crônico, formação em saúde coletiva, pesquisa qualitativa e
estudos narrativos e atenção primária em saúde.

180
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

MARIA ALVES BARBOSA

Graduação em Enfermagem e Obstetrícia pela Pontifícia Universidade


Católica de Goiás (1977), Mestrado em Enfermagem pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro e Doutorado em Enfermagem pela Universidade de
São Paulo. Professora Associada, Faculdade de Enfermagem da Universidade
Federal de Goiás. Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências
da Saúde da Faculdade de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem, ambos da Universidade Federal de Goiás.

MARIANA TEIXEIRA DA SILVA


Graduação em Enfermagem pela Universidade Federal de Goiás (UFG), mestrado
em Saúde Coletiva pela UFG. Enfermeira no Governo do Distrito Federal, atua
no Hospital Regional de Santa Maria na Equipe de Atenção Domiciliar. Tem
experiência em Gerência – Chefe do Núcleo de Apoio e Remoção de Pacientes.
Atua em projetos de pesquisa na área de gestão e processos gerenciais nos Serviços
de Saúde junto a Universidade Federal de Goiás.

MÁRIO SILVA APPROBATO


Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Goiás, mestrado em
Tocoginecologia pela Universidade de São Paulo-FMRP e doutorado em
Tocoginecologia pela Universidade de São Paulo-FMRP. Professor Visitante
da Universidade de Michigan, Ann Arbor. Professor titular da Universidade
Federal de Goiás. Professor Orientador Mestrado e Doutorado UFG. Membro
da ASRM (American Society for Reproductive Medicine). Ampla experiência
em medicina reprodutiva.

MYRELLA SILVEIRA MACEDO CANÇADO


Graduação em Farmácia - Bioquímica pela Universidade Federal de
Goiás. Especialista em Saúde da Família. Mestre em Saúde Coletiva pela
Universidade Federal de Goiás. Doutoranda do Curso de Pós-Graduação
em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Goiás. Farmacêutica da
Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia. Atua em projetos de extensão e
pesquisa na área de vigilância e promoção de Saúde junto a Universidade
Federal de Goiás.

181
NOTAS BIOGRÁFICAS

NELSON FILICE DE BARROS


Graduação em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, mestrado em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de
Campinas, doutorado em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de
Campinas e Pós-Doutorado pela Universidade de Leeds/UK. Atualmente
é Professor da Área de Concentração de Ciências Sociais Aplicadas á Saúde
e coordenador do Laboratório de Práticas Alternativas, Complementares e
Integrativas em Saúde (LAPACIS), do Departamento de Saúde Coletiva, da
Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

RAFAEL AFONSO DA SILVA


Graduação em Licenciatura em Ciências Sociais Geral pela Universidade
Estadual de Campinas, mestrado em Sociologia pela Universidade Estadual
de Campinas e doutorado em Sociologia pela Universidade Estadual de
Campinas. Foi professor no Centro Universitário Fundação Santo André
(Santo André - SP), em 2013. Atualmente trabalha na Faculdade de Ciências
Médicas da Unicamp (Campinas - SP) como Profissional de Apoio a Ensino,
Pesquisa e Extensão em Sociologia.

RAIMUNDA MAGALHÃES DA SILVA


Graduação em Enfermagem com mestrado e doutorado em Enfermagem
e pós-doutorado em Saúde Coletiva. Professora titular na Universidade de
Fortaleza (UNIFOR), coordenadora do grupo de extensão em saúde da mulher
e adolescente, bolsista de produtividade em pesquisa 1C - CNPq. Líder de grupo
de pesquisa no diretório do CNPq Políticas e práticas na promoção da saúde da
mulher. Leciona disciplinas na graduação e pós-graduação. Orienta alunos de
doutorado, mestrado, especialização, iniciação a pesquisa (bolsista e voluntários),
trabalho de término de curso (TCC) e alunos do ensino médio bolsista (CNPq).

RENATA DA COSTA RODRIGUES


Graduação em Enfermagem pela Universidade do Vale do Paraíba. Mestrado
em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência
na área de Saúde Coletiva e Práticas Integrativas, com ênfase em Saberes
Tradicionais e Parto Humanizado, atuando principalmente nos seguintes
temas: Comunidade Kalunga, Parto Humanizado, Metodologias Qualitativas
em Ciências Sociais em Saúde.

182
Investigação Qualitativa em Saúde: conhecimento e aplicabilidade

RICARDO ANTÔNIO GONÇALVES TEIXEIRA


Licenciado em Matemática e Pedagogia e Bacharel em Administração. Mestrado
e Doutorado na área de Educação. Tem pós-doutorado em Tecnologias de
Investigação pelo Departamento de Educação da Universidade de Aveiro
- Portugal, pós-doutorado em Tecnologias Assistivas pelo Programa de Pós-
Graduação de Engenharia da Universidade Federal de Uberlândia - UFU e
é pós-doutorando pelo Programa Avançado de Cultura Contemporânea da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - PACC/UFRJ. Atualmente é professor
adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás e docente
permanente do Programa de Mestrado em Saúde Coletiva da UFG.

RODRIGO CARVALHO DO REGO BARROS


Graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo (2004), mestrado
em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na
área de Psicologia, com ênfase em Clínica, Processos de terapias de Grupos e
de Comunicação.

ROSENDO FREITAS DE AMORIM


Possui doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará
(2001), mestrado em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (1995).
Especialista em Lógica Dialética pela Universidade Estadual do Ceará (1989).
Licenciado em Filosofia e História pela Universidade Estadual do Ceará
(1983). Atualmente é professor titular da Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
e assessor técnico da Secretaria de Educação do Estado do Ceará (SEDUC).
Professor efetivo do mestrado em Saúde Coletiva da Universidade de
Fortaleza (UNIFOR) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação
(mestrado e doutorado) em Direito da Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
Tem experiência na área de Direito, com ênfase no ensino e pesquisa jurídica,
direitos humanos e política. No campo da saúde tem experiência com a
socioantropologia relacionada à saúde, ao corpo, ao gênero à etnia.

183
NOTAS

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