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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-graduação em Psicologia

O LUGAR DA ESPIRITUALIDADE/RELIGIOSIDADE PARA PSICÓLOGOS(AS) QUE

ATUAM EM CUIDADOS PALIATIVOS NA PROXIMIDADE DA MORTE

Ingrid Raíssa dos Anjos Rocha

Natal/RN

2019
ii

Ingrid Raíssa dos Anjos Rocha

O LUGAR DA ESPIRITUALIDADE/RELIGIOSIDADE PARA PSICÓLOGOS(AS) QUE

ATUAM EM CUIDADOS PALIATIVOS NA PROXIMIDADE DA MORTE

Dissertação elaborada sob a orientação da Profa. Dra. Geórgia

Sibele Nogueira da Silva e apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do título

de Mestre em Psicologia.

Natal/RN

2019
iii

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN


Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes - CCHLA

Rocha, Ingrid Raíssa dos Anjos.


O lugar da espiritualidade/religiosidade para psicólogos(as)
que atuam em contextos de Cuidados Paliativos na proximidade da
morte / Ingrid Raíssa dos Anjos Rocha. - 2019.
175f.: il.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e


Artes, Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, 2020. Natal, RN, 2020.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Geórgia Sibele Nogueira da Silva.

1. Espiritualidade - Dissertação. 2. Cuidados Paliativos na


Terminalidade da Vida - Dissertação. 3. Humanização da
Assistência - Dissertação. 4. Psicologia - Dissertação. 5. Morte
- Dissertação. I. Silva, Geórgia Sibele Nogueira da. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 159.923.32

Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-15/748


iv

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A dissertação “O lugar da Espiritualidade/Religiosidade para psicólogos(as) que atuam em

Cuidados Paliativos na proximidade da Morte”, elaborada por Ingrid Raíssa dos Anjos Rocha,

foi considerada aprovada por todos os membros da Banca examinadora e aceita pelo Programa

de Pós-graduação em Psicologia como requisito parcial para obtenção do título de MESTRE

EM PSICOLOGIA.

Natal-RN, 29 de outubro de 2019.

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________________

Profa. Dra. Geórgia Sibele Nogueira da Silva

__________________________________________

Profa. Dra. Annatália Meneses de Amorim Gomes

__________________________________________

Prof. Dr. João Bosco Filho


v

“Não há lugar na Terra onde a morte não nos encontre – mesmo que voltemos a cabeça uma

e outra vez olhando em todas as direções”

(O livro tibetano do viver e do morrer – Sogyal Riponche)

“a história de cada homem é essencial, eterna e divina, e cada homem, ao viver em alguma

parte e cumprir os ditames da Natureza, é algo maravilhoso e digno de toda a atenção”

(Demian - Hermann Hesse)


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Dedico este trabalho ao Tempo, que tanto me ensina sobre ciclos, sobre

a vida e a morte.

À minha avó Madeleine (in memoriam), a primeira pessoa a quem

lembro de amar e que partiu.

E ao meu bisavô Pedro (in memoriam), que me fez sentir ainda criança

frente aos mistérios que a morte pode causar.


vii

Agradecimentos

Agradeço ao Tempo e ao Universo por sua generosidade e vastidão, que sempre me

incentivam a seguir e a recomeçar.

Agradeço aos meus pais, Derocy e Mônica, por toda a vida e cuidado, por serem solo

firme e amoroso em que posso fincar minhas raízes e crescer. Os seus modos de estar no mundo

me inspiram e estão presentes em minha vida e nesta dissertação, desde a responsabilidade e

dedicação que aprendi com meu pai à sensibilidade e criatividade que tanto admiro em minha

mãe, e tantas outras coisas. Para vocês minhas palavras sempre serão poucas.

Ao meu irmão Thiago, pela leveza que me traz com sua presença, e por me lembrar

através de seu bom humor quase que diariamente que a alegria e o riso também são “armas

quentes” diante do mundo.

À minha irmã de coração Laura por sua presença sempre incentivadora e amorosa.

À minha vovó Ceiça, que no seu abraço cuidou de tantos dos meus desesperos, e que na

sua escuta atenta me faz recordar que há lugar no mundo para as minhas sensibilidades.

No afeto destes cinco descubro que há sempre terra para onde voltar. E por isso e por

serem cada um aos seus modos os maiores incentivadores dos meus voos agradeço

imensamente.

Ao meu avô Canindé e ao meu avô Derocy (in memoriam) por todo cuidado,

aprendizados e amor, é sempre com gratidão e afeto que me lembro de vocês.

À Netinha por seu cuidado comigo e minha família.

À minha tia Cecília por me lembrar junto com minha avó, minha tia Tetê, minha mãe e

tantas outras a força – que tanto admiro e na qual me recarrego – das mulheres de minha família.
viii

À minha prima Ádila e à minha tia Nilma pela presença e trocas nestes últimos anos.

À Janaína por sua atenção e cuidado.

Às minhas amigas Gabi e Thaíza, por toda escuta, suporte e incentivo, fundamentais

nessa trajetória.

À Brisa, Letícia, Luana, Larisse, Jaris e Ana Flávia por toda torcida, conversas e afeto.

À Tallita por ser uma amiga tão querida.

À Danielle por ser uma referência de cuidado, que há tanto me auxilia e acompanha

pelos caminhos do meu coração.

À professora Annatália Meneses de Amorim Gomes e ao professor João Bosco Filho,

pelos seus olhares atentos e contribuições cuidadosas a mim e ao meu trabalho, desde a

qualificação, momento para mim muito importante, até a defesa, quando compuseram a banca

e mais uma vez trouxeram valiosas pontuações.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo

investimento que também tornou esta pesquisa possível.

Às colaboradoras deste estudo por me permitirem ser escuta de suas práticas e de seus

mundos.

E à Geórgia Sibele, por acolher a mim e à minha pesquisa. E por me ensinar tanto, pelo

seu rigor, conhecimentos e exigências, mas principalmente pela sua sensibilidade, cuidado e

amorosidade, serei sempre grata pelas “trilhas de encantamento” a que você me inspira e a que

me permitiu percorrer.
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Sumário

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 17

1.1 Como nasce este projeto ................................................................................................. 17

1.2 Morte, cuidados paliativos e espiritualidade: das afetações às leituras .......................... 19

2. OBJETIVOS ......................................................................................................................... 33

2.1 Geral ............................................................................................................................... 33

2.1 Específicos ...................................................................................................................... 33

3. PERCURSO METODOLÓGICO ........................................................................................ 34

3.1 Quadro teórico ................................................................................................................ 35

3.1.1 Hermenêutica Gadameriana .................................................................................... 35

3.2 Estratégias Operacionais da Pesquisa ............................................................................. 40

3.2.1 Colaboradoras do estudo ......................................................................................... 40

3.2.2 Instrumentos de acesso as narrativas ....................................................................... 42

3.2.3 Tratamento e compreensão das narrativas ............................................................... 47

3.2.4 Análise de Riscos e Medidas de Proteção ............................................................... 51

3.2.5 Aspectos Éticos ....................................................................................................... 52

3.2.6 Estudo Piloto ........................................................................................................... 52

3.2.7 A continuidade do campo ........................................................................................ 55

3.3 Apresentando nossas colaboradoras ............................................................................... 55

4. CUIDADOS PALIATIVOS E A MORTE: CONSTRUINDO UMA HISTÓRIA DE

AFIRMAR O CUIDAR DA VIDA ATÉ O FIM ..................................................................... 65


x

4.1 Morte: os retratos da interdição à humanização do cuidado diante do morrer ............... 65

4.2 Cuidados Paliativos uma história que desde o início é um convite à espiritualidade .... 73

4.2.1 Os Cuidados Paliativos e a motivação para incluir o cuidado espiritual ................. 84

5. A ESPIRITUALIDADE/RELIGIOSIDADE NOS PROCESSOS SAÚDE-DOENÇA-

MORTE E NAS CONCEPÇÕES DE PSICÓLOGAS ............................................................. 89

5.1 Espiritualidade e Religiosidade nos processos saúde, doença e morte........................... 89

5.2 Religiosidade, Espiritualidade e Psicologia: quando algo maior conforta! .................... 97

5.2.1 Espiritualidade, algo maior: entre o sagrado e o mundano ..................................... 98

5.2.2 Da estruturação da religião à prática da religiosidade: crenças que confortam .... 105

6. ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE NO CUIDAR ESPIRITUAL DA

PSICOLOGIA DIANTE DA MORTE ................................................................................... 110

6.1 Psicologia e Espiritualidade: alguns apontamentos ...................................................... 111

6.2. Eu torço para que o paciente tenha algo: como incluir a espiritualidade? ................. 116

6.3 Religião e a Espiritualidade no cuidado na prática psi: um campo de delicadezas,

desafios e dificuldades ........................................................................................................ 123

6.3.1 A Restrição Formativa ........................................................................................... 124

6.3.2 Os diferentes modos de estar diante da morte ....................................................... 131

6.3.3 Os desafios éticos: uma questão de delicadezas .................................................... 135

6.4 A Espiritualidade e a Religiosidade como potência: o lugar para os psicólogos e no

cuidado ao outro na proximidade da morte ........................................................................ 139

6.4.1 Para além do cuidado do outro: o lugar da espiritualidade para os psicólogos/as 143

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 150


xi

8. REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 153

APÊNDICES .......................................................................................................................... 167

Apêndice A – Roteiro da entrevista .................................................................................... 167

Apêndice B – Roteiro da oficina com uso de cena ............................................................. 170

Apêndice C – Termos de Consentimento e Autorização .................................................... 171

Apêndice C1 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ...................................... 171

Apêndice C2 – Termo de autorização para gravação de voz ......................................... 174


xii

Lista de figuras

Figura 1. Quartzo Rosa

Figura 2. Ônix

Figura 3. Ametrino

Figura 4. Olho-de-tigre

Figura 5. Tanzanita

Figura 6. Berilo

Figura 7. Cornalina
xiii

Lista de tabelas

Tabela 1. Perfil das colaboradoras

Tabela 2. Construção das categorias temáticas


xiv

Lista de Siglas

ACP – Abordagem Centrada na Pessoa

ADEC – Association for Death Education

ANCP – Academia Nacional de Cuidados Paliativos

CP – Cuidados Paliativos

CRE – Coping Religioso-Espiritual

IAHPC – Internacional Association for Hospice and Palliative Care

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LETHS – Laboratório de Estudo em Tanatologia e Humanização das Práticas de Saúde

OMS – Organização Mundial de Saúde

SUS – Sistema Único de Saúde

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte


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RESUMO

A vivência do adoecimento e da morte, desvela a fragilidade humana e impõe consideráveis


desafios a quem a vivencia e aos que dela cuidam e acompanham, sobretudo quando se fala em
processos de adoecer em que não há terapêutica curativa. Na década de 1960 nascem os
Cuidados Paliativos (CP), destinados à pacientes e familiares em processos de adoecimento que
ameaçam a continuidade da vida, trazendo desde sua gênese a preocupação com o cuidado
integral e multidimensional das pessoas, isto é, não apenas com sua dimensão física, mas
igualmente com seus aspectos emocionais, sociais e espirituais. Nas últimas décadas as
pesquisas na temática da espiritualidade têm crescido exponencialmente, os estudos
demonstram seu impacto na saúde física e mental das pessoas, relacionando-a com qualidade
de vida, bem-estar, prevenção de doenças e seu enfrentamento, situando-a ainda como uma
relevante dimensão humana, fundamental para pensar estratégias de cuidado, saúde-doença e
morte, sendo assim também importante ao olhar da psicologia. O objetivo deste estudo é
compreender o lugar da espiritualidade/religiosidade na atuação de psicólogos/as de Natal-RN
que atuem em contextos de cuidados paliativos diante da morte. Colaboraram com esta
investigação sete psicólogas, com diferentes tempos de formatura e prática em CP, distintas
experiências espirituais e religiosas e diferentes abordagens de atuação na psicologia -
selecionadas por indicação e conveniência. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que adota a
Hermenêutica Gadameriana como aporte teórico-metodológico, para sua construção, análise e
compreensão das narrativas. O acesso às narrativas deu-se a partir da entrevista narrativa com
uso de cenas projetivas. As entrevistas foram gravadas e transcritas. Utilizou-se o diário de
campo para registro de impressões pessoais da pesquisadora. O diálogo com as narrativas
originou os seguintes capítulos: “Cuidados Paliativos e a morte: construindo uma história de
cuidar da vida até o fim”, que traz diferentes posturas da humanidade diante da morte e do
morrer e uma breve história dos cuidados paliativos, desde seu princípio marcado pelo convite
à integração da espiritualidade no cuidado, aspecto ilustrado também pelas falas das
colaboradoras; “A Espiritualidade/Religiosidade nos processos saúde-doença-morte e o olhar
da psicologia” tratando da espiritualidade, religiosidade e religião nos processos de saúde-
doença e morte e abordando as concepções das psicólogas sobre os conceitos de religiosidade
e espiritualidade; “A espiritualidade e religiosidade no cuidar espiritual da psicologia diante da
morte”, que se debruça sobre aspectos da relação entre espiritualidade e psicologia, trazendo a
atuação da psicologia no contexto dos cuidados paliativos diante da morte, destacando as
dificuldades e desafios na inclusão da espiritualidade neste processo, e o lugar potente que pode
ter a espiritualidade no cuidado da psicologia na proximidade da morte, no que se refere ao
cuidado do outro, mas também a um cuidado que seja de si (profissional de saúde). Assim, a
partir da compreensão da prática destas profissionais e do lugar que a espiritualidade ocupa
nesta, conclui-se a importância de considerar a espiritualidade/religiosidade nas práticas de
saúde e cuidado, sobretudo no cuidado diante da morte, em resgate à humanização e a
integralidade.

Palavras-Chave: Espiritualidade; Cuidados Paliativos na Terminalidade da Vida; Humanização


da Assistência; Morte; Psicologia.
xvi

ABSTRACT
The illness and death experience’s reveal the human fragility in the face of life and impose on
those who experience illness and those who care and attend them considerable challenges,
especially in illnesses where there is no curative therapy. In the 1960s, Palliative Care emerged
as a field of care, which belongs to patients and families living an illness process that threaten
life itself. Thereby, since the beginning of this process, there was a concern about people’s
integral and multidimensional care, which was not only about their physical dimensions, but
also about emotional, social, and spiritual aspects, considering spirituality as an important
resource in care near death. In the last few decades, studies about spirituality has grown
exponentially, and had shown its relevance on both physical and mental health, quality of life,
well-being, diseases prevention, and coping, showing itself as relevant human dimension,
which is fundamental to develop care strategies, regarding to the processes of health, disease
and death, and thus also important to psychology. The aim of this study was to understand the
place of spirituality / religiosity in the work of psychologists in Natal-RN who work in palliative
care near death. There were seven psychologists participants in this study, with different
experience time in palliative care, different spiritual and religious experiences, and different
approaches to acting in psychology – who were selected by indication and convenience. It is a
qualitative research grounded on Gadamer’s Hermeneutics as a theoretical basis for its
construction, analysis and narratives comprehension. It was accomplished a narrative interview
using projective scenes. The interviews were recorded and transcribed. The research field diary
was used to record the researcher's personal impressions during the study. The dialogue with
the participants narratives originated the following chapters: (1) “Palliative Care and death:
building a history of caring for life until the end”, which brings different human attitudes
towards death and dying and a brief history of palliative care, which since the beginning it has
been marked by the inclusion spirituality in care, an aspect also illustrated by participants’
words; (2) “Spirituality / Religiosity: the concepts of health-illness-death and the psychologists’
conceptions” that exposes spirituality, religiosity and religion in health, illness and death
process and the reveal the psychologists’ concepts of religiosity and spirituality; (3)
“Spirituality and religiosity in the psychology spiritual care near death” which was focused on
the relationship between spirituality and psychology, mainly in a palliative care context near
death, highlighting the difficulties and challenges to include spirituality in care, although detach
the power that spirituality has above psychology care near death, both for patient and their
families care and for the health professional's own care. Thus, from the understanding of these
professionals practice and the place that spirituality occupies in it, it is defended the importance
of considering and including spirituality / religiosity in health care practices, especially when
dealing with care near death, in rescue to humanization and integrality of care.

Key-words: Spirituality; Palliative Care; Death; Spirituality; Psychology


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1. INTRODUÇÃO

1.1 Como nasce este projeto

“Papai, quando você morrer, você vai


sentir saudades?” Ante o meu espanto, sem
palavras, ela acrescentou: “Mas não
chore não. Eu vou te abraçar.

Rubem Alves

Da necessidade do abraço e do desejo de abraçar nasce este projeto. O abraço aqui, no

entanto, não está como ato que objetiva parar o choro, mas sim como metáfora para o

acolhimento, alusão ao cuidar e ao estar junto, tal qual a fala de Raquel, filha do poeta

supracitado, a qual me inspira. Desde o princípio de meu não muito longo trajeto de construir-

me psicóloga e pesquisadora, fiz escolhas que me aproximaram quase sempre das questões

referentes ao cuidado, aos que o recebem e aos que o oferecem. Muitas dessas escolhas foram

decorrentes do impacto que a temática da finitude e o interesse pela tônica da espiritualidade

tinham e têm sobre mim, mas não somente, visto que a esse campo de interesse e de afetação

também se integrava o contexto oncológico.

Assim sendo, fui buscando contato com os temas e campos que tanto ressoavam em

mim. No terceiro ano de meu curso, fui surpreendida com uma disciplina que estava disponível

na grade curricular optativa: chamava-se Psicologia da Morte. Os temas então propostos e

discutidos foram os primeiros impulsos que me levaram a defrontar-me conscientemente com

temática da morte, que, para mim, já naquele momento, trazia um imenso atravessamento da

oncologia.

No final do mesmo ano em que isso aconteceu, fiz uma escolha: adotar como foco, na

minha formação, o contexto oncológico. Desse modo, logo no ano seguinte, iniciei um curso

formativo em psico-oncologia, além do estágio curricular em um hospital exclusivamente

oncológico, onde meu contato com o câncer, com o cuidado, com a espiritualidade e com a
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morte se adensaram. A vivência foi rica – em leituras, experiências e trocas – e o contato com

a morte “viva”, durante a minha atuação naquele momento vivenciado enquanto parte da equipe

de saúde, mesmo que na condição de estagiária, muito me inquietou e me pôs defronte com

questões que ainda hoje me são caras e que muito deslocaram meu olhar, a priori focado nos

pacientes e em suas famílias, para os profissionais de saúde. Surgiam-me, assim,

questionamentos como: quem cuida de quem cuida? Como a equipe de saúde lida com a morte?

De que estratégias se utiliza para lidar com a dor e com o sofrimento?

Diante disso, criou-se em mim uma dificuldade em reocupar o hospital, que, por um

tempo, tornou-se o retrato da dor, do sofrimento e da morte, que à partida não eram meus, mas

com os quais, ainda sem perceber, eu não conseguia lidar internamente. Com isso, aquilo com

que me deparava deixava de ser a dor, o sofrimento e a morte do outro e passava, em certa

medida, a ser também a minha dor, o meu sofrimento, a minha morte e a de todos a quem eu

amava. Era a minha dor, ao reconhecer os limites de minha atuação; o meu sofrimento, por me

dar conta de que, mesmo sendo possível “estar com”, não se pode blindar o outro ou evitar o

sofrimento das perdas; e a minha morte, a morte da crença ingênua, embora complexa, de que

nós, profissionais de saúde, detemos a morte.

Diante de tantas descobertas, logo as perguntas que eu tanto ansiava responder

pessoalmente embasaram o primeiro projeto de pesquisa, na graduação, no qual estive

intimamente implicada, da escolha ao delineamento do tema. A proposta consistia na busca por

compreender como a espiritualidade surgia para os profissionais de saúde no contexto

oncológico. Apesar do distanciamento, em minha prática, da oncologia e da morte, permanecer

pesquisando o tema foi importante no processo de elaborar minhas inquietações e de discutir

possibilidades e potencialidades neste campo, que não se esgota na batalha contra a morte, a

qual muitas vezes acreditamos que precisamos travar incansavelmente, mas que se reinventa na

vida que permanece e se reproduz.


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Assim, o interesse pelos temas que agora fortemente atravessam esta dissertação

permaneceu mesmo quando o “querer” pedia deles afastamento, de modo que o tempo foi um

grande aliado no processo de dar lugar às experiências que haviam sido difíceis e inquietantes,

no entanto que não precisavam ser estanques. Com isso, converteram-se em propulsoras do

desejo de ampliar os horizontes de compreensão acerca da temática da finitude e do lugar da

espiritualidade/religiosidade no cuidado – aqui personificados na figura de psicólogas de Natal-

RN que tem em sua atuação o contato direto com pacientes, famílias, cuidadoras e cuidadores

em cuidados paliativos, em especial na proximidade da morte.

1.2 Morte, cuidados paliativos e espiritualidade: das afetações às leituras

A segunda metade do século XX marca um período de substancial desenvolvimento do

campo técnico-científico em diversas searas do conhecimento. Isso não passa despercebido no

âmbito da saúde, que incorpora novas tecnologias, materiais, equipamentos e conhecimentos

que favoreceram e favorecem diagnósticos mais acurados e novas terapêuticas, as quais

oportunizaram a ampliação da expectativa de vida e de envelhecimento da população em geral,

mas também o aumento da prevalência de câncer e de outras doenças crônicas (Monteiro, 1997).

Nesse sentido, o progresso técnico-científico-informacional beneficiou o

desenvolvimento do campo da saúde, de maneira a contribuir para o prolongamento da vida e

seu suposto favorecimento – aparelhos cada vez mais modernos e sofisticados trouxeram

benefícios e agilidade ao processo de identificação, de diagnóstico e de tratamento das doenças,

o que tem contribuído fortemente para a solução de problemas antes considerados insolúveis

(Paim, 2005).

Diante desse novo cenário, a luta contra doenças fatais e contra a própria morte tem se

prorrogado cada vez mais, todavia, isso, por vezes, também amplifica o sofrimento dos que já
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não apresentam possibilidade de cura (Ferreira, Lopes, & Melo, 2011). Em outras palavras, o

progresso no setor da saúde, fortemente marcado pelo paradigma da ciência positivista, que tem

sido bastante sensível à incorporação de tecnologia do tipo material, por vezes contrasta com a

adoção discreta das tecnologias não-materiais, que nos remetem justamente às questões

referentes à organização do trabalho, ao cuidado e ao fazer humano e relacional (Lorenzetti,

Trindade, Pires, & Ramos, 2012).

A nova realidade de crescente envelhecimento populacional, de acordo com Ferreira et

al. (2011), relaciona-se com o aumento dos quadros de doenças crônicas. Isso impõe um amplo

desafio aos profissionais e ao ramo da saúde, demandando busca de novas práticas de atuação

com intuito de melhorar o maneio do período final de vida das pessoas que estão vivenciando

processos de adoecimento, sendo importante que a equipe tenha uma prática que leve em

consideração essas especificidades e que seja permeável a ações que favoreçam o cuidado em

adoecimentos crônicos e/ou fora de possibilidade de cura.

Afora as diversas e variadas concepções filosóficas referentes às discussões sobre a

condição humana, os homens e mulheres, em geral, estão vivendo mais. Entretanto, os mesmos

avanços responsáveis pela redução da taxa de mortalidade no planeta e pelo aumento da

expectativa de vida não conseguem ainda beneficiar integralmente a maioria das pessoas em

processos de adoecimento de alta gravidade, como em doenças crônico-degenerativas, não

estando ainda disponíveis a esses os recursos mais modernos disponíveis à medicina, que inclui

não apenas aparatos concretos, mas também elementos imateriais contidos nos cuidados em

saúde (Gomes & Othero, 2016).

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada ano ocorrem 58 milhões

de mortes no mundo, das quais 34 milhões decorrem de doenças crônico-

degenerativas incapacitantes e incuráveis, ou seja, mais de 58% das mortes registradas são
21

decorrentes de processos de adoecimento em que caberia a atuação em Cuidados Paliativos. Já

no Brasil, transcorrem um milhão de mortes por ano, sendo também mais da metade delas, 650

mil, relacionadas a doenças crônico-degenerativas. Esse cenário, ratifique-se, possui relação

direta com o processo de envelhecimento da população mundial.

A medicina ocidental foi significativamente marcada e afetada pelos avanços

alcançados no fim do século passado. Aumentou, assim, a especialização do conhecimento e da

prática, foram criados novos tratamentos e expandiu-se a ênfase na cura e na reabilitação. De

modo que, os momentos finais da vida, que ocorriam predominantemente no seio do ambiente

familiar, passaram a ocorrer no ambiente hospitalar, sendo os pacientes em terminalidade e sem

possibilidade curativa considerados, com frequência, atestados da ineficiência da prática

médica e de seus profissionais (Pessini & Bertachini, 2006), já que, em seu cerne, além da

tecnologia e da institucionalização do cuidado, havia a promessa de prolongamento da vida

(Bifulco & Iochida, 2009). Não obstante, sobretudo nas duas últimas décadas, uma conjunção

de fatores – como o aumento da expectativa de vida e o desenvolvimento tecnológico –

favoreceram o deslocamento do processo de tratamento do adoecimento e da proximidade da

morte para o contexto hospitalar, como já mencionado, de modo que cerca de 70% das mortes

ocorridas nos Brasil, segundo Gomes & Othero (2016), dão-se em hospitais, em sua maioria

nas unidades de terapia intensiva.

Nesse sentido, a partir da segunda metade do século XIX, é possível identificar uma

espécie de revolução das ideias e dos sentimentos tradicionais, no que se refere à morte e ao

morrer, o que consiste em um fenômeno complexo, implicado pelo contexto social, histórico e

cultural (Combinato & Queiroz, 2006). Assim, a morte passa de fenômeno presente, familiar e

explícito na cotidianidade à inaudita, torna-se vergonhosa e objeto, agora, de interdição (Ariès,

2017). É imprescindível destacar, ainda, que, assim como aspectos culturais e históricos

interferem na relação com a morte e com o morrer, também interferem na forma como se lida
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com o processo de saúde-doença e de cuidado, de modo que se estrutura, a partir também desses

elementos, uma racionalidade que orienta as práticas médicas e a dinâmica equipe-paciente,

bem como a relação do profissional com as questões associadas à saúde, ao adoecer e à morte,

chamada nesse âmbito de isso racionalidade médica e se refere a um sistema lógico e

teoricamente estruturado que guia o saber e o fazer em saúde, fortemente concatenada a

dimensões que se inter-relacionam, como: a doutrina médica, a morfologia, a dinâmica vital, o

sistema de diagnose e o sistema de terapêutica, os quais se baseiam em uma cosmologia

específica (Tesser & Luz, 2008).

O paradigma biomédico, que orienta a racionalidade médica hegemônica, é

substancialmente identificado com o positivismo, marcado por um imaginário mecanicista,

analítico e reducionista. Impera nessa lógica – produto da modernidade – uma espécie de

causalidade linear, isto é, a ideia do todo como soma das partes e da realidade como algo dado,

que apenas necessita de uma agente cognitivo para ser aprendida. De modo a favorecer a

fragmentação e o afunilamento do conhecimento em especialidades, assim como um radical

aprofundamento do uso da tecnologia na medicina ocidental, trazendo um olhar fortemente

direcionado à doença, enquanto processo que precisa ser vencido pela equipe. Essa perspectiva,

no entanto, constitui um problema apenas quando em sua radicalidade, isto é, quando a cura

passa a ser a maior prioridade, inclusive em detrimento do cuidado, uma vez que, por vezes,

falha, ao abordar a complexidade do adoecimento humano, quando o trata a doença como uma

espécie de entidade, quase como se independesse do sujeito que adoece.

Nesse sentido, a permanência ou não cura da doença assinala o fracasso da equipe em

ganhar da doença, e mesmo da morte. Centrada nos procedimentos padronizados em relação às

doenças, a atenção em saúde embasada na biomedicina tende a se tecnificar e a se desumanizar

(Tesser & Luz, 2008), aprofundando, consequentemente, a dificuldade e a repulsa ao lidar com
23

questões referentes à morte e ao morrer, já que, na racionalidade dominante, remetem à falha e

ao fracasso dos profissionais em “destruir” a doença e em manter a vida.

Por conseguinte, a morte, outrora marcada por sua familiaridade, reclusa-se na solidão

do hospital. Com isso, desloca-se o lugar simbólico e concreto do morrer – algo que marca a

dificuldade contemporânea de reconhecer a morte e de fitá-la – e se constrói, então, um

imaginário para o qual é preciso se poupar da morte, poupar o moribundo, poupar a família e

os entes queridos. Esse olhar acerca da morte, tão marcado em nossos tempos, acentua a

necessidade de olhá-la, tendo em vista também os desdobramentos que essa postura traz ao

processo de cuidado, às concepções que se têm sobre a morte e sobre o morrer e,

consequentemente, ao ofício dos profissionais de saúde.

A postura de interdição diante da morte adensa mais ainda a necessidade de olharmos

para a qualidade do morrer, sendo necessário dirigi-lo de maneira contextual, compreendendo

o cenário de nosso país. Em 2010, foi publicado o primeiro relatório da Economist Intelligence

Unit comissionado pela Lien Foundation, que elaborou um índice de qualidade de morte,

avaliando a assistência e os cuidados ao final da vida em 40 países, sendo avaliados elementos

tanto qualitativos como quantitativos, a partir de quatro categorias: (1) ambiente da assistência

em saúde, (2) disponibilidade de cuidados, (3) qualidade e (4) custos. Um dos cuidados

consistiu em garantir que o exame não perdesse de vista aspectos éticos e culturais.

O resultado do índice colocou o Brasil na 38ª posição, ressaltando a importância do

engajamento como algo necessário para melhorar nossa qualidade de morte. Não obstante, é

necessário destacar que se levou em consideração uma quantidade limitada de países

participantes, o que pode ter implicado no desempenho do país, cuja posição o coloca entre os

três piores. Já em 2015, o The Economist divulgou um novo relatório a respeito da qualidade

de morte, envolvendo 80 países. Dessa vez, o Brasil ficou na 42ª posição.


24

Reino Unido e Austrália ocuparam os dois primeiros lugares em ambos os estudos, o de

2010 e o de 2015, representando os melhores índices de qualidade de morte no mundo, de

acordo com a pesquisa (Gomes & Othero, 2016).

É fato que, dentro da lógica da racionalidade biomédica hegemônica, os sentimentos de

impotência, de fracasso e de vergonha diante da morte, tão característicos dos homens e das

mulheres ocidentais modernos, intensificam-se (Combinato & Queiroz, 2006). A atuação em

saúde, por vezes centrada nos procedimentos padronizados em relação às doenças, quando toma

como alvo quase exclusivamente a cura, submete os profissionais a um racionalismo e a um

objetivismo excessivos, afetando diretamente o processo de cuidar (Tesser & Luz, 2008).

Destarte, diante da impossibilidade de curar, o profissional sente-se frustrado e incapaz,

podendo, inclusive, questionar sua utilidade, o que pode levar a dor e sofrimento, bem como

interferir de modo limitante na qualidade do tratamento e do cuidado oferecidos. Outrossim,

As dificuldades para enfrentar a dor de não salvar, de não saber dar a notícia ruim, de
não saber confortar, nem ficar ao lado do paciente à morte, muitas vezes são etapas
solitariamente vivenciadas que, se não forem acolhidas, enfrentam um percurso de
grande vulnerabilidade ao desenvolvimento de mecanismos rígidos de defesa e de
distanciamento do outro e de si mesmos e precisam de um espaço de acolhimento e
cuidado para serem resignificados (Nogueira da Silva & Ayres, 2010, p. 84).

Assim, a partir do questionamento das formas de cuidado disponíveis vigentes, a priori,

nos contextos de proximidade da morte, surgem os cuidados paliativos, enquanto forma

inovadora de assistência na área da saúde, trazendo em seu cerne a proposta de um cuidado

integral, focado na prevenção e no controle de sintomas, o qual não restringe sua atuação apenas

ao paciente, mas também à família que, junto ao paciente, compõe a unidade de cuidado. Nessa

perspectiva, o foco não está voltado exclusivamente à doença, nem tampouco à cura, tão

buscada por outras abordagens em saúde, dentro do paradigma hegemônico (Gomes & Othero,

2016).
25

O cuidado diante da morte, é preciso destacar, diferencia-se em alguns pontos do

cuidado de modo geral, tendo em vista as especificidades referentes ao trato com a morte na

contemporaneidade ocidental, ainda tão atravessada por interditos e negação. Porém, ao

acolhermos essa temática, isso pode nos conduzir a um novo ethos, bem como a práticas de

saúde mais cuidadosas e humanizadas. Assim sendo, é imprescindível um olhar sensível a essa

temática que seja dirigido às necessidades de cuidado, evitando, por um lado, reforçar o modelo

cartesiano e, por outro, considerar exclusivamente a racionalidade científica que tão fortemente

atingiu o Ocidente (Nogueira da Silva, 2014).

Dito isso, cabe-nos observar o quanto o entrelaçamento entre o trabalho em saúde e as

práticas religiosas é bastante marcante ao longo da história, tanto nas tradições orientais quanto

nas ocidentais, havendo centros destinados ao tratamento e à cura de pessoas enfermas que eram

também espaços religiosos (Pereira, 2018), algo que inclui também o cuidado diante da morte

(Custódio, 2013). Exceções multiplicaram-se no ínterim da modernidade, em que essa visão foi

rechaçada – apesar de não excluída de todo – pela lógica hegemônica da tecnociência, até que,

nos fins do século XX, passou a ser retomada, gradativamente, no campo das pesquisas em

saúde (Moreira-Almeida, 2007), emergindo, inclusive, como uma potente estratégia de

enfrentamento nos processos de adoecimento e de sofrimento (Pargament, Koenig,

Tarakeshwar, & Hahn, 2004).

O movimento dos Hospices, precursor do desenvolvimento do que hoje denominamos

Cuidados Paliativos (Matsumoto, 2012), teve, em algumas de suas iniciativas, vínculo religioso

ou referências religiosas, influência importante, mas que não implica na caracterização do

movimento como religioso. Outrossim, a temática da religiosidade e/ou da espiritualidade tem

estado substancialmente presente nesse contexto, de modo que olhar e considerar essas

dimensões de forma cuidadosa e acurada tem sido um desafio necessário à equipe de saúde que,

usualmente, não tem esses aspectos contemplados em sua formação (Arrieira et al., 2018).
26

Ademais, no ano de 1988, a Organização Mundial de Saúde incluiu o aspecto espiritual

no conceito multidimensional de saúde, de modo que a perspectiva biopsicossocial e espiritual

é adotada por vários autores e estudiosos, os quais, mais explicitamente, passam a valorizar as

experiências espirituais e religiosas (Miranda, Lanna, & Felippe, 2015). Assim, a

espiritualidade, na condição de tema, ganha relevância no âmbito da pesquisa, sobretudo no

final da primeira década do século XXI, em contrapartida a um longo período em que a temática

era vinculada majoritariamente ao campo da religião e considerada como parte deste. Sua

presença havia sido cindida do campo da ciência durante a modernidade, como já referenciado

(Santos, 1988), mas, atualmente, a teologia e as ciências da religião são apenas uma parcela dos

domínios nos quais o assunto tem sido estudado e discutido (Belzen, 2012).

A área da saúde é a esfera em que o tema encontra maior representatividade, abarcando-

o em distintos aspectos, desde seu lugar nos processos de subjetivação, de enfrentamento a

adversidades, de saúde-doença (tanto física quanto mental) e de qualidade de vida até

discussões acerca de sua presença, ou não, na formação dos profissionais de saúde. Moreira-

Almeida (2007) salienta o crescimento exponencial dos estudos referentes à espiritualidade na

saúde, acentuando, assim, a importância de serem consideradas a dimensão espiritual e/ou

religiosa no contexto e nos processos de saúde-doença, sejam eles relacionados à terminalidade

ou não, embora o tema parece surgir com mais recorrência no primeiro caso (Koenig, 2012c).

Porém, apesar do destacado desenvolvimento da temática nos últimos anos, como

veremos em detalhes mais adiante, não é unânime o conceito de espiritualidade, a qual, por

vezes, é confundida com religião e/ou religiosidade, o que se justifica também pelas possíveis

intersecções que podem haver entre os temas ou mesmo pelo não aprofundamento teórico

marcado pelo senso comum. É preciso, no entanto, ter discernimento acerca disso, pois tais

incompreensões podem dificultar o trabalho com o tema.


27

Não obstante, apesar das muitas definições evidenciadas na literatura, pode-se dizer que,

em geral, a espiritualidade é delineada como uma busca pessoal de respostas acerca do

significado da vida e da relação com o sagrado e/ou transcendente, distinguindo-se de religião,

que é marcada por ser um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos que

auxiliam o indivíduo na aproximação com o sagrado/transcendente (Koenig, 2004). Já a

religiosidade, de acordo com Vasconcelos (2006), refere-se ao movimento em que a

espiritualidade assume a transcendência como elemento divino, revelando, assim, a presença

de um Outro, mas que não se identifica, necessariamente, com nenhuma tradição religiosa

particular, embora isso possa acontecer.

O interesse pela espiritualidade, no entanto, não se restringe ao campo da ciência, sendo

alvo de interesse de diferentes segmentos da sociedade (Pessini, 2007), fato que potencializa os

desafios na construção de conhecimento sobre o tema, tendo em vista que as pessoas já têm,

usualmente, opiniões formadas a esse respeito, havendo sedimentação de preconceitos

favoráveis ou contrários à espiritualidade. Estes raramente se constituem a partir de uma análise

aprofundada das evidências acerca do tópico, sendo fácil cometer deslizes, “por um lado, para

um ceticismo intolerante e uma negação dogmática ou, por outro, para uma aceitação ingênua

de afirmações pouco fundamentadas” (Moreira-Almeida, 2007).

Os estudos referentes às relações entre religiosidade, espiritualidade e saúde

expandiram-se e continuam em expansão na literatura médica e psicológica, na qual se

evidencia, principalmente, a faceta da espiritualidade que contribui positivamente para o

bem-estar psicológico e para a qualidade de vida (Melo, Sampaio, Souza, & Pinto, 2015). Além

disso, há o lugar dado pelas pessoas à dimensão espiritual em suas vidas, sendo algo importante

e mesmo central na vivência delas (Borges, Santos, & Pinheiro, 2015). Logo, dentro das áreas

de cuidado, com intuito de promover saúde a partir de um prisma integral e humanizado, é


28

valoroso que se considere a dimensão espiritual, pois esta pode trazer indicativos relevantes à

conduta de cuidado dos profissionais de saúde (Pessini, 2007).

Além da relevância atual do tema, destacam-se as potencialidades de sua inclusão nas

práticas de cuidado, de modo que é interessante que levemos em consideração o contexto em

que estamos inseridos. O último Censo do IBGE (2010) revela que 89,1% da população

brasileira se identifica com alguma religião, índice que ainda não engloba quem não se

identifica especificamente com uma única religião. Esse dado aponta para o fato de que a grande

maioria da população brasileira é religiosa. Consideremos também que o contexto brasileiro é,

desde os tempos coloniais, marcado pela predominância da religiosidade e pela presença do

sincretismo entre diferentes matrizes religiosas, mesmo quando o catolicismo era obrigatório e

oficialmente a única religião (Negrão, 2008). Dessa forma, ainda hoje, mesmo dentro de

religiões específicas, reverbera certa fusão cultural entre diferentes crenças, forjando, em nosso

país, religiões e sistema de crenças marcados por sincretismos e pluralismos tipicamente

brasileiros (Camurça, 2009). Esses aspectos podem e devem ser levados em consideração no

que se refere às práticas de cuidado.

Sendo assim, considerar a religião e/ou espiritualidade como parte da estratégia de

cuidado, dentro de uma perspectiva de saúde integral, parece um caminho coerente, já que: (1)

muitos pacientes são religiosos ou trazem crenças que os auxiliam a lidar com muitos aspectos

da vida. Além desse fator, Koenig (2012) destaca outros quatro, os quais podem motivar o

trabalho com a dimensão da espiritualidade no cuidado em saúde do médico; neste trabalho,

abranjo dentro dessas dimensões os profissionais de saúde de forma geral, assim, é preciso

considerar que: (2) as crenças religiosas influenciam as decisões médicas, principalmente nas

situações em que os pacientes estão seriamente doentes; (3) atividades e crenças religiosas

relacionam-se à melhor saúde e à melhor qualidade de vida; (4) muitos pacientes gostariam que

os médicos/equipe de saúde comentassem suas necessidades espirituais; além disso, (5)


29

médicos que falam e que levam em consideração as necessidades espirituais não são novidade,

posto que esse liame tem raízes na longa história da relação entre religião, medicina e

assistência à saúde (Koenig, 2012).

A ciência moderna hipertrofiou e ainda hipertrofia, entretanto, os aspectos instrumentais

e racionais empregados no campo da saúde, negando a subjetividade e, consequentemente,

aspectos da espiritualidade. Todavia, desde o final do século XX, intensifica-se a valorização

das dimensões não racionais presente na produção do conhecimento e nas ações humanas

(Gomes & Merhy, 2014), o que se conecta com a necessidade de que os trabalhadores da saúde

aprendam e compreendam a importância das dimensões não restritas às racionalidades

biomédicas para um cuidado integral (Tesser & Luz, 2008).

A pauta da humanização do cuidado em saúde e da ampliação da interface

saúde-doença traz a atenção para aspectos que transcendem a dimensão biológica dos pacientes;

desse modo, passa-se a levar em consideração a espiritualidade, assim como outras experiências

e vivências do humano (Espinha, Camargo, Silva, Pavelqueires, & Lucchetti, 2013). No campo

da medicina e da enfermagem, há estudos acerca da formação de profissionais tendo em vista

a tendência atual de atenção à temática na formação em saúde (Aguiar, Cazella, & Costa, 2017;

Coscrato & Bueno, 2015; Espinha et al., 2013; Fonseca, Bueno, Schliemann, Kitanishi, &

Floriam Junior, 2014; Reginato, Benedetto, & Gallian, 2016). Isso sinaliza a necessidade de se

incluir essa tônica na formação profissional – tendo em vista a dificuldade que a lida com o

tema usualmente ocasiona nos profissionais em formação e mesmo nos já formados – como

alternativa à tendência anterior, a qual negligenciava a espiritualidade dos sujeitos de cuidado,

já que, supostamente, não se tratava de uma questão relevante para o exercício profissional

dentro do modelo biomecânico.


30

A identificação das potencialidades do tema não cessa os desafios nem as dificuldades

que, em geral, a equipe de saúde tem em sua abordagem, apontando para a necessidade de

investigar e de compreender como essa temática tem sido tratada na formação profissional e

em sua atuação. Desse modo, é preciso considerar os estudos que indicam a complexidade de

incluir a espiritualidade nas práticas em saúde, tendo em vista a preocupação de que a

abordagem do tema não tenha finalidade doutrinária, mas, sim, intuito de promover o cuidar do

modo mais integral possível, dentro das possibilidades de cada profissional (Espinha et al.,

2013; Reginato et al., 2016).

Anteriormente à década de 1990 e à virada para o século XXI, as transições

paradigmáticas reverberaram em uma intensa dicotomia entre ciência e religião, em variados

momentos, de modo que, durante muito tempo, os estudos científicos sobre espiritualidade,

religião e religiosidade tornaram-se escassos em diversas áreas do conhecimento, em especial

na psicologia (Cavalheiro & Falcke, 2014). É importante, ainda, não perder de vista que ciência

e religião, apesar de não precisarem ser encaradas necessariamente como antagônicas,

consistem em formas distintas de ordenação da realidade (Heisenberg, 2009).

Todavia, apesar do aumento significativo da produção sobre espiritualidade no âmbito

da saúde, ainda se observa que, quando voltada aos profissionais de saúde ou à formação deles,

os estudos sobre a psicologia são menos numerosos do que os realizados nas áreas da

enfermagem e da medicina. Outrossim, as investigações sobre espiritualidade voltadas

exclusivamente para os profissionais de saúde, de uma forma geral, são também menos usuais

do que aqueles voltados ao paciente e/ou a seus familiares, apontando para a necessidade de se

aprofundar o conhecimento e as ações nesse campo (De La Longuiniere, Yarid, & Silva, 2018;

Oliveira, 2017).
31

Diante de tudo o que foi exposto até aqui, este trabalho se propõe a dirigir um olhar

cuidadoso para o tema espiritualidade e religiosidade no contexto da prática profissional de

psicólogos e psicólogas, sobretudo quando diretamente em contato com a temática da morte,

da finitude da vida e de seus processos, como os cuidados paliativos.

Em termos de organização, na sequência da introdução, tratamos da problemática e da

justificativa das escolhas que envolveram o presente estudo. Em seguida, apresenta-se a seção

com os objetivos da pesquisa. No capítulo posterior, elucida-se o percurso metodológico desta

investigação, que possui um delineamento qualitativo e que se ancora na Hermenêutica

Gadameriana como referencial teórico-metodológico para compreensão das narrativas, obtidas

a partir de entrevista narrativa e do uso de cenas projetivas.

Na sequência, o capítulo “4. CUIDADOS PALIATIVOS E A MORTE:

CONSTRUINDO UMA HISTÓRIA DE AFIRMAR O CUIDAR DA VIDA ATÉ O FIM”

consiste numa breve discussão teórica acerca da tanatologia e dos diferentes retratos da morte

e do morrer no Ocidente, da morte interdita à humanização do morrer. A isso se segue a

apresentação da propositura dos Cuidados Paliativos (CP) como alternativa ao modelo

biomédico hegemônico e também como possibilidade de melhoria às práticas de saúde

dominantes, sem negar ou rejeitar seus avanços, mas em busca de uma re-humanização do

cuidado e do olhar para a integralidade das pessoas; e, para tanto, dialoga-se com as

colaboradoras acerca da importância da inclusão da espiritualidade nesse processo, exibindo a

aproximação que parece haver, desde o prelúdio dos CP, com o que se associa ao campo do

espiritual.

No capítulo subsequente, intitulado “5. A ESPIRITUALIDADE/RELIGIOSIDADE

NOS PROCESSOS SAÚDE-DOENÇA-MORTE E O OLHAR DA PSICOLOGIA”, a

literatura na área dialoga com as nossas colaboradoras, apresentando aos leitores e leitoras
32

aspectos da espiritualidade e da religião nos processos de saúde-doença e morte. Além de trazer

a discussão das diferentes compreensões e concepções que têm as psicólogas participantes deste

estudo, sobre religião, religiosidade e espiritualidade.

O capítulo seguinte “6. A ESPIRITUALIDADE E A RELIGIOSIDADE NO CUIDAR

ESPIRITUAL DA PSICOLOGIA DIANTE DO MORTE” dedicado à relação da psicologia

com a espiritualidade e seus desdobramentos no cuidar diante da morte, bem como suas

motivações, dificuldades, desafios e potências.

Ao fim dos capítulos que discutem e dialogam as narrativas com os achados presentes

na literatura, apresentamos as “Considerações Finais” deste estudo, seguidas pelas

“Referências” e os “Apêndices”.
33

2. OBJETIVOS

2.1 Geral

Compreender o lugar da espiritualidade/religiosidade na atuação de psicólogas/os de

Natal-RN em contextos de cuidados paliativos na proximidade da morte.

2.1 Específicos

(a) identificar o conceito de espiritualidade e religiosidade;

(b) investigar se e como a religião/espiritualidade é abordada no contexto de sua atuação

diante de pacientes em situação de proximidade da morte em cuidados paliativos;

(c) investigar se e como as vivências pessoais dos profissionais no campo da

espiritualidade/religiosidade dos profissionais psicólogos interferem na experiência de

cuidado dos pacientes;

(d) identificar qual a compreensão ética que os psicólogos possuem sobre a relação deles

com a questão religiosa ou espiritual de seus clientes/pacientes;

(e) identificar as potencialidades e dificuldades para abordarem

espiritualidade/religiosidade diante dos processos de terminalidade da vida de seus

pacientes;
34

3. PERCURSO METODOLÓGICO

Ao processo de pesquisar, é necessária uma metodologia associada que abarque os

métodos e técnicas que orientam e que o balizam, bem como a criatividade do pesquisador

(Minayo, 2008), de modo que os aspectos metodológicos envolvidos no decurso da pesquisa

estejam alinhados com os objetivos da investigação.

Logo, com o intuito de alcançar os objetivos anteriormente propostos, cuja natureza é

compreensiva, será adotado nesta investigação um delineamento qualitativo, o qual trabalha

com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças e das atitudes, ou

seja, com o universo das produções humanas (Minayo, Assis, & Sousa, 2010), sendo a

abordagem qualitativa aquela que se propõe esclarecer e conhecer os processos relacionados à

subjetividade (Holanda, 2006). Destaca-se ainda que as pesquisas qualitativas, com

depoimentos, histórias de vida e outros elementos, podem oferecer melhores retratos da

realidade das pessoas em contato com o fim da vida e/ou vivendo com sua proximidade

(Kovács, 2003a).

Soma-se ao paradigma metodológico citado a Hermenêutica Gadameriana, a qual será

tomada como referência teórica e também analítica, por consistir numa disciplina que se

encarrega da compreensão de textos, corroborando o princípio de que o conhecimento é

permeado e também construído a partir da linguagem. Diante disso, faz parte da hermenêutica

esclarecê-la e compreendê-la a partir da busca de sentido, do esforço a fim de aprofundar o

entendimento de seu significado (Nogueira da Silva, 2006).


35

3.1 Quadro teórico

3.1.1 Hermenêutica Gadameriana

Etimologicamente, a palavra hermenêutica está ligada ao deus grego Hermes, o qual,

dentre outras atribuições, era considerado emissário dos deuses: responsável por traduzir e

comunicar as mensagens e desejos das deidades aos humanos (Domingues, 2016).

A hermenêutica consiste em uma importante linha de pensamento filosófico das ciências

sociais (Araújo, Paz, & Moreira, 2012), que se ocupa da arte de compreender textos, que podem

ser biografias, narrativas, entrevistas, documentos, artigos, livros e tantas outras expressões, já

que é bastante abrangente o que é considerado texto pela hermenêutica (Minayo, 2002). Há

nesta abordagem o intuito de interpretar, o que, de modo geral, a associou à interpretação

(Schmidt, 2014), todavia, sua principal tarefa e esforço consistem em compreender, ou seja, é

uma teoria para compreensão.

Todavia, a compreensão só alcança sua verdadeira possibilidade quando se busca

esclarecer as condições sob as quais surge a fala, de modo que não se inicie o processo

interpretativo já com opiniões prévias e/ou arbitrárias (Minayo, 2002). Desse modo, o

entendimento é perpassado por todo processo da experiência de vida, em que a linguagem

escrita, falada ou simbólica demonstra aspectos da realidade humana (Araújo et al., 2012).

É recorrente associar a hermenêutica à interpretação de certo tipo de texto, de modo que

é comum o equívoco de compreendê-la como um sinônimo de interpretação; são, pois,

conceitos diferentes, cujas diferenças devem ser compreendidas (Lawn, 2011). Na antiguidade

clássica, com Platão (427 a. C.), está a matriz filosófica da hermenêutica, enquanto doutrina da

arte da compreensão e da interpretação, porém, medrou-se por múltiplos caminhos,

relacionados sobretudo à filosofia e à teologia, adotada nesta última como instrumento de defesa

da compreensão reformista da Bíblia e, na primeira, como recurso para redescoberta da


36

literatura clássica com o intento de desvelar o sentido original dos textos. Na modernidade,

entretanto, sob a influência do iluminismo e diante do nascimento da ciência moderna, a

hermenêutica terminou por se desvencilhar de todos seus enquadramentos dogmáticos. Com a

“liberação da interpretação do dogma”, a partir de Dilthey (1833-1911), e com o

desaparecimento da diferença entra a interpretação de escritos sagrados e profanos, desapareceu

a dualidade hermenêutica, emergindo, assim, uma nova hermeneuta, como arte da interpretação

correta de todas as fontes escritas (Brito et al., 2007).

Schleiermacher (1768-1834), filósofo e teólogo alemão, é quem se coloca como o

preponente de uma nova hermenêutica geral, com intuito de unificar e de apoiar as disciplinas

particulares da hermenêutica legal, bíblica e filológica. Porém, apesar do grande impacto que

provocou nesse campo de saber, não foi o primeiro a se propor desenvolver uma teoria universal

(Schmidt, 2014), embora seja a partir dessa figura que a compreensão, junto com a

interpretação, passa a ser o centro da preocupação hermenêutica, propondo que a compreensão

e que aquilo que deve ser compreendido não estão apenas na literalidade das palavras ou em

seu sentido objetivo, mas também na singularidade de quem comunica (Brito et al., 2007).

Schleiermacher e Dilthey contribuem significativamente para o desenvolvimento das

hermenêuticas históricas, apontando que o entendimento hermenêutico se conecta, em algum

nível, também com passado, já que o processo de compreensão carrega necessariamente uma

dimensão histórica. Essa virada, que ressalta a íntima relação entre passado e presente, no que

se refere à compreensão, foi de substancial importância para Heidegger, com suas contribuições

na história das hermenêuticas, tendo em vista que, ao invés de enfatizar uma concepção

puramente metodológica da interpretação, ele salientava a constituição ontológica do entender,

de modo que todo entendimento atingido é interpretativo, independente de se tratar de um

evento ordinário ou de caráter científico (Pereira, 2018).


37

Martin Heidegger (1889-1970) inaugura a percepção de que a filosofia precisa começar

com uma descrição fenomenológica da experiência real e ressalta que a experiência não possui

apenas um prisma por meio do qual pode ser vista. Com isso, propõe uma hermenêutica que

comunica não exclusivamente o aspecto teórico, mas também outros aspectos do ser humano,

tratando da verdade, daquilo que é, sendo a verdade, ou o não encoberto como verdade,

encontrada na própria experiência vivida (Schmidt, 2014).

Heidegger, em seu primeiro momento, compreende a história da hermenêutica como um

afastamento do significado verdadeiro e original dessa filosofia; propõe, então, a hermenêutica

da facticidade, que não indica o sentido moderno de “uma doutrina sobre a interpretação”, mas

sim de uma “autointerpretação da facticidade”, em que esta vai sendo encontrada, vista, contida

e expressa em conceitos, sendo a hermenêutica utilizada para trazer à tona diversos aspectos da

facticidade. A tarefa da hermenêutica é, pois, interpretar Dasein para si mesmo; na

hermenêutica da facticidade, Dasein tem a possibilidade de se autocompreender, subvertendo,

de certo modo, a lógica sujeito-objeto: a interpretação não envolve uma lógica sujeito/objeto,

já que o suposto “objeto” é também capaz de se auto-interpretar. Desse modo, o método pelo

qual acessamos Dasein, a fenomenologia e a compreensão sempre interpretativa, dispensa

pressuposições.

Em um segundo momento, Heidegger não se refere mais à hermenêutica e há um giro

em seu pensamento. Porém, sua práxis interpretativa segue a hermenêutica tradicional, mas

substituindo a interpretação psicológica pela escuta do dizer do texto, pontuando a linguagem

como meio, como casa do Ser e como acesso a ele (Schmidt, 2014).

Gadamer, que fora aluno de Heidegger, por marcada influência deste, assim como

também das ideias de Husserl e Dilthey, ampliou e transformou a hermenêutica, defendendo

que esta vai muito além dos limites da interpretação textual, sendo atravessada por aspectos
38

históricos e dando-se a partir da apropriação e da negociação diária do mundo (Lawn, 2011).

Distancia-se de seu mestre, ainda, na reflexão sobre os fundamentos das ciências do espírito,

tema central de sua filosofia (Maza, 2005).

Hans-Georg Gadamer (1900-2002) parte do princípio de que todo conhecimento é

mediado pela linguagem, sendo assim, o esforço para conhecer e compreender é mediado

também por ela, a qual está sempre atravessada por espaço e tempo, de modo que cada situação

tem sua historicidade e seu horizonte próprio (Gadamer, 2002). Assim, o exercício

compreensivo se dá no processo de entender-se com o outro a respeito de algo (Nogueira da

Silva, 2006), o que ocorre por meio de uma espécie de encontro dialógico em que o pesquisador

se abre para o risco e para o teste de suas ideias prévias em relação ao colaborador. Assim,

reforça-se que a compreensão é participativa, conversacional e dialógica (Melo & Caldas,

2013).

Nesse sentido, a interpretação do significado se dá no que se chama círculo

hermenêutico, isto é, o entendimento do que é texto se dá a partir de um processo em que o

significado das partes separadas é determinado pela acepção global, o que, por sua vez, pode

alterar o significado das partes, e assim consecutivamente. Porém, na tradição hermenêutica,

essa circularidade não é tomada como um ciclo vicioso, mas, sim, enquanto uma espécie de

espiral frutífera que propícia a possibilidade de aprofundamento e de entendimento do

significado contínuo (Nogueira da Silva, 2006).

Desse modo, o acesso ao outro não consiste em um resgate de seu horizonte, nem numa

apreensão completa de sua realidade, mas se dá a partir da fusão de horizontes. Isso se

aprofunda e se expande à medida que percorre a espiral hermenêutica, processo que vai

suscitando também questões ao intérprete, fazendo com que o texto fale novamente no

horizonte expandido do intérprete a partir do contato com o horizonte expandido surgido da


39

fusão com um outro horizonte (Schmidt, 2014). Nesse sentido, a perspectiva narrativa é

dialética (Nogueira da Silva, 2006).

Do ponto de vista da hermenêutica, o esforço de compreensão caracteriza-se como

projeção arremessada, ou seja, para Gadamer, isso significa que sempre já compreendemos de

alguma forma, de modo que qualquer ato de compreensão inicia-se a partir de estruturas prévias

das quais se interpreta como alguma coisa, que há uma tradição herdada que é ponto de partida

para todos os atos de compreensão, chamados “preconceitos”, os quais, nesse caso, devem ter

intencionalmente uma conotação neutra. “Toda compreensão parte de nossos preconceitos”

(Schmidt, 2014, p. 147).

Disso, destacamos a iniciativa de Gadamer para reabilitar a autoridade da tradição,

apontando que nela há também preconceitos legítimos, cabendo a ressalva de que, certamente,

nem tudo o que se ancora em uma tradição é verdadeiro. Nesse sentido, a tarefa da compreensão

hermenêutica é justamente diferenciar os preconceitos legítimos dos ilegítimos, que precisam

ser criticados e abandonados; de nossos preconceitos herdados e legítimos deve partir a

compreensão, a qual acontece dentro do círculo hermenêutico, em que o intérprete se move de

um significado projetado do todo para as partes e logo volta-se para o todo (Schmidt, 2014).

Assim, a operacionalização da pesquisa se dá por meio de leituras exaustivas e repetidas, com

intuito de ampliar a unidade do sentido a partir da concordância de todas as partes singulares

com a totalidade compreensiva (Gadamer, 2002). Ademais, a centralidade da investigação

hermenêutica está na compreensão do discurso (Nogueira da Silva, 2006).

Em síntese, o processo de interpretação/compreensão conduzido pela hermenêutica

gadameriana parte dos preconceitos do intérprete – representados pelo horizonte deste, o que

engloba sua própria história, cultura e circunstâncias – e de sua consequente entrada em um

círculo que transita do texto ao intérprete e ao texto regressa, enriquecendo sua interpretação e
40

favorecendo o aprofundamento de sua compreensão à medida em que há uma fusão de

horizontes, na qual o intérprete assimila o conteúdo do texto, tomando-o, em certo modo, como

parte de si mesmo, porém sem fazer com que o texto perca sua própria autonomia (Wermuth,

2015). Isso demonstra ser vital que os preconceitos e opiniões do intérprete interajam com o

texto, mas que a ele não se misturem, para que não se perca a expressão de seu sentido literal,

isto é, o texto, em sua leitura, mesmo que leve em consideração a linguagem e as tradições,

precisa falar por si (Souza, 2018).

3.2 Estratégias Operacionais da Pesquisa

3.2.1 Colaboradoras do estudo

Esta pesquisa contou com a colaboração de profissionais de psicologia que atuam no

contexto de Cuidados Paliativos na proximidade da morte. São critérios de inclusão

estabelecidos para este estudo: psicólogas e/ou psicólogos que trabalhem em instituições

públicas ou privadas ou em equipes particulares ou mesmo profissionais que atuem

individualmente, contanto que cuidem de pacientes em cuidados paliativos em situações de

terminalidade.

Estabeleceu-se que o número de entrevistados seria definido no decorrer da pesquisa,

com intuito de que a quantidade de participantes se delimitasse a partir da possibilidade de

promover aprofundamento e amplitude de compreensão da situação referente ao estudo

(Minayo, 2010). Não havia pretensão de se formar um grande grupo, haja vista a natureza

qualitativa desta investigação, que privilegia o aprofundamento das informações mais pelas

estratégias de obtenção das narrativas do que pela quantidade de participantes (Barbalho, 2015).

Dito isso, foram entrevistadas sete psicólogas, sendo necessária a interrupção do processo com
41

uma delas, o que trouxe como consequência a obtenção apenas de parte da entrevista narrativa

e sua abstenção na realização das cenas projetivas.

Buscou-se entrevistar e convidar à participação profissionais com diferentes tempos de

formatura e de atuação, bem como representantes de distintas abordagens. No entanto, apesar

deste esforço e da diversidade que foi possível garantir, houve características que se

expressaram mais de que outras, como os tempos de formatura superiores a quinze anos e a

abordagem em Gestalt-terapia.

O acesso às colaboradoras foi ensejado pela rede de contatos da sua orientadora, que

também tem uma trajetória na prática em cuidados paliativos, no Laboratório de Estudos em

Tanatologia e Humanização das Práticas de Saúde (LETHS). Esse é um laboratório de pesquisa

e extensão em que há, dentro de suas articulações, contato com profissionais de cuidados

paliativos de Natal-RN e do qual este projeto – bem como esta pesquisadora e sua orientadora

– fazem parte. Houve a indicação de profissionais umas pelas outras, à semelhança do método

bola de neve (Vinuto, 2014), todavia sem tomá-lo como forma exclusiva de formar o grupo de

colaboradoras. Foi, desse modo, formado um grupo exclusivamente composto por mulheres,

mesmo não havendo restrição alguma na pesquisa no que se referia ao gênero dos participantes.

A proposta da pesquisa foi explicitada às participantes: suas etapas, isto é, a entrevista

narrativa e a participação em oficina com as cenas, além da média de duração de cada uma das

atividades. Após isso ser feito, o convite para participar da pesquisa foi realizado. A data e o

local da entrevista foram deliberados junto às colaboradoras, de modo a contemplar questões

referentes à comodidade e à privacidade delas.

Feitos esses esclarecimentos, a seguir encontra-se um quadro síntese a fim de explicitar

dados específicos de cada colaboradora, como idade, religião, escolaridade, tempo de formatura

e de atuação em cuidados paliativos. Houve, para cada uma delas, a adoção de nomes fictícios
42

com o intuito de preservar suas identidades. Os nomes adotados correspondem a pedras

escolhidas a partir das afetações produzidas na pesquisadora durante a entrevista e o contato e

com base na qualidade a que cada pedra a remete, tendo em vista os aspectos simbólicos que

áreas espiritualistas de estudo atribuem a pedras/minerais

Nome Idade Religião Praticante? Escolaridade Tempo Tempo Abordagem


de de
formada atuação
em CP

Quartzo 44 Católica Sim Pós-graduada 17 anos 9 anos Gestalt-terapia


Rosa

Ônix 29 Católica Sim Graduada 3 anos 3 anos Psicodinâmica

Ametrino 36 Não Não Pós-graduada 15 anos 5 anos Terapia


Cognitivo
Comportamenta
l

Olho-de- 42 Espírita Sim Pós-graduada 17 anos 17 anos Gestalt-terapia


tigre

Tanzanita 42 Espírita Sim Pós-graduada 17 anos 3 anos Gestalt-terapia

Berilo 30 Católica Não Pós-graduada 8 anos 8 anos Abordagem


centrada na
pessoa (ACP)

Cornalina 41 Católica Sim Graduada 17 anos 10 anos Gestalt-terapia

Tabela 1 – Perfil das colaboradoras

3.2.2 Instrumentos de acesso as narrativas

Foram realizadas entrevistas narrativas (Apêndice A) aliadas à realização de oficinas

com as profissionais para construção de cenas (Apêndice B). Após a entrevista, houve um

momento coletivo com as cenas projetivas entre as colaboradoras. No entanto, não foi viável
43

que todas as profissionais entrevistadas participassem deste encontro coletivo, de modo que

com estas as cenas projetivas foram realizadas individualmente, a partir da disponibilidade de

cada participante. As colaboradoras receberam e assinaram o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE) (Apêndice C1) e o Termo para Gravação de Voz (Apêndice C2). As

entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas.

3.2.2.1 A Entrevista Narrativa

A entrevista narrativa apresenta-se como uma metodologia favorável à abordagem de

questões de natureza qualitativa, tem caráter descritivo e atende ao intuito de interpretar e de

compreender as histórias e as narrativas trazidas por colaboradores e colaboradoras do estudo,

sendo utilizada na investigação de acontecimentos que gerem controvérsias, em que há várias

perspectivas em análise, bem como em estudos que combinam histórias de vida e contextos

sócio-históricos (Jovchelovitch & Bauer por Martins & Ferreira, 2016). Esse é um instrumento

que conduz o entrevistado a recorrer à sua memória para que, assim, narre e rememore

acontecimentos, experiência e histórias, de modo que haja se estabeleçam conexões, bem como

uma lógica temporal específica (princípio-meio-fim), localizada no tempo e no espaço, a partir

de uma linguagem própria que leve em conta as perspectivas e representações do colaborador

(Martins & Ferreira, 2016).

A entrevista, de acordo com Jovchelovitch e Bauer (2002), consiste em uma forma de

interação social em que os atores sociais constroem e procuram dar sentido a sua realidade a

partir do uso de palavras, símbolos e signos. Além disso, na condição de técnica, a entrevista

tem como vantagem favorecer a relação intersubjetiva entre entrevistador/a e entrevistado/a,

isso se dá com base em trocas verbais e não verbais, as quais se estabelecem no contexto da

interação, favorecendo uma melhor compreensão dos significados, dos valores e das opiniões
44

de entrevistados acerca de suas vivências pessoais e das situações vivenciadas (Fraser &

Gondim, 2004).

Além disso, esse tipo de entrevista permite o aprofundamento nas questões trazidas

pelos sujeitos em suas narrativas, permitindo acessar suas histórias de vida e seus contextos

sócio-históricos, favorecendo a compreensão dos sentidos das crenças, dos valores, das ações e

de outros aspectos dos informantes, produzindo conteúdo e narrativas a partir das experiências

subjetivas dos colaboradores que podem ser transmitidas (Muylaert, Sarubbi Jr, Gallo, & Rolim

Neto, 2014). Ademais, o processo de entrevista permite correções, esclarecimentos e

adaptações, favorecendo seu uso com vistas a maior eficácia no alcance das informações

almejadas (Nogueira da Silva, 2006).

Diferentemente de outros modelos de entrevista, não há esquema de pergunta e resposta,

mas um conjunto de perguntas abertas e de tópicos de investigação que instigam os

colaboradores entrevistados a narrarem suas histórias, a seu próprio modo, a partir de suas

linguagens e de seus recursos (Martins & Ferreira, 2016). Sendo assim, a partir dos objetivos

específicos, a fim de explorá-los, foram pensadas as balizas para a entrevista – as quais possuem

caráter aberto, não-estruturado e de profundidade (Jovchelovitch & Bauer, 2002) –, a fim de

acessar a narratividade própria das colaboradoras, buscando compreender os conteúdos

transmitidos e as experiências subjetivas compartilhadas.

Desse modo, a entrevista inicia-se a partir de uma questão disparadora (Apêndice

A.2.1), construída a partir do objetivo geral da pesquisa – “Como você percebe as questões

relacionadas a religiosidade e espiritualidade no campo dos cuidados paliativos?” –, e seguiu

com as questões exmanentes ou complementares (Apêndice A.2.2), que objetivam o

aprofundamento da fala (Lira, Catrib, & Nations, 2003) e cujo intuito é também permitir que
45

sejam tiradas dúvidas ou que sejam tornadas mais clara algumas outras informações

compartilhadas a partir da questão disparadora.

Para tanto, é importante que haja – e houve – prévia preparação da pesquisadora,

devendo haver ampla compreensão do fenômeno que se busca olhar, além da construção de um

ambiente de confiança para que as pessoas possam narrar suas histórias, bem como o uso de

linguagem acessível para uma melhor comunicação (Martins & Ferreira, 2016).

3.2.2.2 Oficina com uso de cenas projetivas

Objetivando aprofundar as informações obtidas na entrevista, realizou-se uma oficina

com as profissionais participantes da pesquisa, com intento de, a partir do uso de cenas,

favorecer não só a compreensão dos conteúdos vinculados à entrevista, mas também beneficiar

insights e novos repertórios acerca da temática de pesquisa (Nogueira da Silva, 2006). Trata-

se, pois, de uma ferramenta que favorece o diálogo, a criatividade, a imaginação e a

possibilidade de ressignificação para os grupos e para os indivíduos através da reflexão e do

discurso.

No trânsito do campo da pesquisa, houve colaboradoras que não puderam participar da

oficina coletiva em razão de sua disponibilidade. Em razão disso, foi dada a elas a alternativa

de construírem as cenas em um momento individual, após a entrevista, agendado e acordado de

acordo as possibilidades de cada participante.

As oficinas, de acordo com Spink, Menegon e Medrado (2014), promovem um exercício

ético e político, já que, ao mesmo tempo em que se gera material para análise, cria-se um espaço,

a partir da discussão em grupo, para que haja trocas simbólicas potentes, gerando conflitos

construtivos, engajamento e possível transformação. Em outras palavras, os efeitos da oficina

não se limitam ao registro de informações para a pesquisa, favorecendo a criação de espaços


46

dialógicos de trocas simbólicas e de co-construção de outras possibilidades e sentidos. Desse

modo, reforça-se, então, a ideia de que não há separação de fato entre o que se convenciona

chamar coleta de informações e a produção de informações, evidenciando a possibilidade de se

tratar de um único processo.

Nesse sentido, as oficinas foram realizadas para aprofundar as narrativas, para

confrontar percepções e valores e como uma alterativa para favorecer discursos menos

racionais, aspectos conhecidamente relevantes para as abordagens de pesquisa qualitativa

(Nogueira da Silva, 2006). Assim, paralelamente colaboram para a ressignificação e para a

elaboração simbólica de vivências que possam ter carga emocional densa.

Tanto na oficina quanto nos momentos individuais, houve duas cenas, partindo-se de

uma situação hipotética enunciada, a partir da qual se indicou que cada entrevistada criasse uma

“cena” fictícia e a escrevesse (ver Apêndice B.1). No momento seguinte da oficina, cada

participante expõe e comunica oralmente para o grupo sua “cena”, criada a partir das instruções

dadas pela pesquisadora (ver Apêndice B.2), sendo assegurado um tempo para que pudessem

ser feitos comentários por todas. Esse momento coletivo durou pouco mais de duas horas.

3.2.2.3 Diário de Campo

O analista qualitativo, no esforço de compreensão, contempla o dito e também o não

dito e isso engloba “os gestos, o olhar, o balanço, o maneio do corpo, o vaivém das mãos, a cara

de quem fala ou deixa de falar, porque tudo pode estar imbuído de sentido” (Demo, 2012, p.

33), tendo em vista que a comunicação humana é feita de sutilezas e expressa mais do que a

própria fala. Desse modo, o recurso do diário de campo possibilitou registrar essas sutilezas,

bem como outras percepções e afetações da pesquisadora que se deram no processo (Oliveira,

2014).
47

O diário consiste em uma importante tecnologia para registro e memória dos

acontecimentos, conferindo maior riqueza à pesquisa, que vai tomando forma e adensando-se à

medida em que é realizada (Araújo et al., 2013), favorecendo ainda a reflexividade de quem

pesquisa. Trata-se, ainda, de um instrumento pessoal e intransferível, que pode trazer registros

desde a primeira ida ao campo até sua fase final. Ademais, Minayo (2012) ressalta que quanto

mais ricas forem as anotações do diário, maior será o auxílio por ele oferecido no processo

descritivo da pesquisa, bem como na análise dos conteúdos produzidos no estudo.

3.2.3 Tratamento e compreensão das narrativas

A compreensão e o tratamento das narrativas deu-se a partir de um olhar hermenêutico,

sendo imprescindível à compreensão que o intérprete pressuponha que o conteúdo textual a ser

interpretado é coerente (Schmidt, 2014). Isso implica considerar que o discurso dos sujeitos é

autônomo, sendo fundamental a esse processo o cuidado para que a interpretação não seja um

pressuposto e para que o conhecimento, as inovações, a criatividade e os preconceitos acerca

do tema estudado possam ser identificados, diferenciando-se aqueles que são legítimos dos

ilegítimos (Schmidt, 2014), tendo em vista, ainda, que a compreensão só alcança sua verdadeira

possibilidade quando as opiniões prévias não são arbitrárias (Minayo, 2002).

No processo de interpretação, é necessário ter em vista que a compreensão se dá dentro

do que se chama círculo hermenêutico. Desse modo, é preciso que o intérprete se mova entre o

todo e as partes, que se movimente de um significado projetado do todo para as partes e, então,

volte para o todo, sendo essa circularidade um elemento potente para a compreensão, uma

espécie de círculo frutífero que implica no possível aprofundamento e entendimento dos

significados (Nogueira da Silva, 2006).


48

Após a realização das entrevistas, que foram gravadas e transcritas posteriormente,

debruçou-se sobre o material produzido nas entrevistas, considerando os pontos supracitados.

Com isso, pôde-se realizar uma leitura compreensiva e exaustiva do material, organizando os

relatos e os confrontando com os objetivos e com as questões teóricas discutidas no estudo e

nas narrativas dos colaboradores, de modo a se construírem os eixos temáticos.

Para tanto, adotou-se o seguinte caminho (Pereira, 2018):

(a) leitura compreensiva, com o objetivo de apreender as particularidades do material de

pesquisa, impregnando-se dele e desenvolvendo a visão do conjunto;

(b) reconhecimento do recorte temático dos discursos;

(c) identificação e problematização das ideias implícitas e explícitas presentes nos depoimentos;

(d) procura de sentidos mais amplos latentes nas falas dos sujeitos de pesquisa, como elementos

referentes a aspectos sociais, políticos, culturais etc.;

(e) diálogo entre as ideias problematizadas;

(f) elaboração e síntese interpretativa.

A seguir, encontra-se um esquema analítico facilitador da construção dos eixos temáticos

e da estrutura do desenho analítico para a dissertação.

Objetivos Questões do roteiro Unidades de Eixos Capítulos


sentido
Temáticos

(a) Identificar o - Como você compreende Algo maior Espiritualida 5.2 Espiritualidade,
conceito de os conceitos de de como algo religiosidade e
Busca de sentido
espiritualidade e espiritualidade? E maior psicologia: quando
Encontro com o
religiosidade religiosidade? algo maior
sagrado
conforta!
49

- Que aproximações Transcende o rito 5.2.1


distanciamentos Espiritualidade,
identifica entre os dois? algo maior: entre o
sagrado e o
Prática religiosas mundano

Liga a crenças e Crenças que 5.2.2 Religião:


ritos específicos confortam crenças que
confortam
Cosmologia

(b) investigar se e - Como você trabalha A partir do outro Abertura ao 6.2. Eu torço para
como a com esses aspectos na que o outro que o paciente tenha
Demanda
espiritualidade/reli prática (exemplifique)? traz algo: Como incluir a
espontânea
giosidade é espiritualidade ?
- Qual a motivação para
Compreender
abordada na
abordar?
atuação dos Entrevistas iniciais
psicólogos em
contexto de
cuidados paliativos
na proximidade da Psicologia
Favorecer rituais
morte; favorece o
Integrar crenças
que é
4.2.1 Os Cuidados
Paciente e família importante
Paliativos e a
motivação para
incluir o cuidado
espiritual
Recurso de Recurso
enfrentamento importante
nos CP
Cuidados paliativos

Proximidade da
morte

Hospitalização

(c) Investigar se e - Qual o significado da Recurso Espiritualida 6.4 A


como as vivências espiritualidade e/ou de importante Espiritualidade e a
Ajuda
pessoais dos religiosidade em sua vida para estar e Religiosidade como
Presença
psicólogos pessoal? executar o potência: o lugar
interferem na Tranquilidade trabalho para os psicólogos e
- Você acha que a
no cuidado ao outro
religiosidade/espiritualid Segurança
50

experiência do e ade na sua vida interfere Cuidar da dor Morte como na proximidade da
com o cuidado na ssua prática? Ajuda no convite à morte
cuidado diante da morte? espiritualidad
6.4.1 Para além do
Se sim, como? e
cuidado do outro: o
- Sua prática lugar da
religiosa/espiritual te espiritualidade para
ajuda no cuidado pessoal os psicólogos/as
para lidar com a
proximidade da morte de
seus pacientes? Se sim,
como?

(d) Identificar qual - Quais as dificuldades Confusão entre Importância 6.3.3 Os desafios
a compreensão ética éticas que podem surgir religião e do éticos uma questão
que os psicólogos quando se lida com as espiritualidade conheciment de delicadezas
possuem sobre a questões da o e abertura
Imposição de
relação deles com a espiritualidade/religiosid para
crenças
questão religiosa ou ade diante da morte. Você fundamentar
Despreparo
espiritual de seus poderia exemplificar práticas
clientes/paciente alguma situação (pessoal éticas
ou de outro profissional)

(e) identificar as - Quais seriam, então, as Crença como Os modos de 6.3 Religiosidade e
potencialidades e dificuldades para abordar negação enfrentament Espiritualidade no
dificuldades em espiritual/religiosidade o cuidado na prática
Conspiração do
abordar a nos cuidados no fim da psi: um campo de
silêncio
espiritualidade/reli vida? Exemplifique. delicadezas,
Fechamento para a
giosidade diante desafios e
psicologia
dos processos de dificuldades
terminalidade da
6.3.2 Os diferentes
vida de seus
modos de estar
pacientes.
diante da morte

Graduação não
Restrição
preparou 6.3.1 A restrição
formativa
formativa
Professores/Orienta
dores

Disciplinas de
Sibele
51

Atuação
profissional

Extraclasse como
processo formativo

Cuidado diante da
Espiritualida
morte
de como
6.4 A
Recurso de
potência no
espiritualidade e a
enfrentamento
cuidado
religiosidade como
um lugar de
potência para o
cuidado espiritual
da psicologia na
proximidade da
morte

Tabela 2- Construção das Categorias Temáticas

3.2.4 Análise de Riscos e Medidas de Proteção

As pesquisas com seres humanos apresentam o risco de desencadear desconfortos e

mobilizações de ordem emocional, de modo que, no curso deste estudo, foi garantido o

encaminhamento devido das participantes a algum serviço especializado de escuta psicológica.

Ademais, a pesquisadora responsável possui formação em psicologia clínica, de modo que

também poderia oferecer acolhimento e escuta inicial a possíveis demandas que pudessem

surgir. No entanto, nenhuma dessas condutas foi necessária.

Além disso, as participantes poderiam cansar-se em decorrência do tempo dedicado às

diferentes etapas da pesquisa, bem como em razão dos conteúdos abordados. Levando isso em

consideração, era possível interromper/pausar o processo caso a participante sentisse que era

necessário, estando a pesquisadora comprometida com a atenção a esse aspecto com vistas a

buscar minimizá-lo, se possível.


52

3.2.5 Aspectos Éticos

Tendo em vista a importância dos cuidados éticos no que tange ao processo de pesquisa,

foram tomadas as precauções necessárias para garantir e respeitar os direitos e a liberdade das

colaboradoras da pesquisa. Sendo assim, as participantes foram comunicadas acerca dos

objetivos e do desenvolvimento da pesquisa, podendo dela participar ou não. Ademais, foram

informadas da possibilidade de desistência mesmo após darem o consentimento de sua

participação. Foi ainda respeitado o tempo necessário à reflexão individual e garantido o

anonimato das participantes com relação a suas identidades e aos depoimentos e informações

fornecidos.

Manteve-se, igualmente, o compromisso com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras

de pesquisa envolvendo seres humanos, do Conselho Nacional de Saúde (2012), em todos seus

aspectos e, sobretudo, o compromisso com as pessoas colaboradoras, o qual deve ser anterior a

qualquer diretriz. Garante-se, ainda, a publicação dos resultados e o uso exclusivo dos dados

para se atingir a finalidade desta pesquisa.

Outrossim, o presente estudo foi submetido à Plataforma Brasil e apreciado pelo Comitê

de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), tendo sido aprovado sob

parecer de número 3.476.906.

3.2.6 Estudo Piloto

Objetivando a avaliação do instrumento previamente desenvolvido a fim de atender aos

objetivos do estudo em questão, foi realizado um projeto piloto, de modo que o roteiro da

entrevista narrativa e a cena projetiva foram submetidos à averiguação de sua adaptação,

verificando se eram necessários ajustes. Havia o intuito de buscar acesso às narrativas da


53

maneira mais coerente possível, processo que se manteve, de certo modo, durante toda a

pesquisa, considerando, assim, sua natureza qualitativa e mantendo-se a possibilidade de ajuste,

caso se identificasse necessidade. Além disso, o piloto também serviu para que a pesquisadora

avaliasse sua própria conduta no processo, o aprimorando (Yin, 2016).

A pesquisadora e sua orientadora são, respectivamente, membro e coordenadora do

Laboratório de Estudos em Tanatologia e Humanização das Práticas de Saúde (LETHS), como

já sinalizado, o que possibilitou o contato com diversos profissionais da área de saúde que se

interessam pelas temáticas abordadas no LETHS. Foi por meio dessa rede que se deu o contato

com a primeira entrevistada, a qual participou do piloto da pesquisa, aceitando prontamente

nosso convite. A pesquisadora informou que poderia ir ao encontro da convidada, a qual teria

respeitada sua disponibilidade de horário e de local. Desse modo, o encontro foi agendado para

local de trabalho da entrevistada, localidade possível naquele momento e que trouxe algumas

especificidades, como a recorrente interrupção durante a entrevista, apesar de ser algo que não

comprometeu sua realização.

O piloto foi realizado obedecendo aos critérios de inclusão. A entrevista e as cenas

tiveram seu áudio gravado e foram transcritas. A participante assinou tanto o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) quanto o Termo de Autorização para Gravação de

Voz. Ademais, cabe mencionar que o estudo piloto se mostrou indispensável para revelar a

adequação e a necessidade de alguns pequenos ajustes, como a importância de atenção a

algumas perguntas do roteiro, o uso de alguns verbos e o cuidado reforçado na colocação de

algumas questões, gerando pequenas modificações nos instrumentos – entrevista e cenas –, mas

também na atuação da pesquisadora.

A colaboradora do estudo piloto é psicóloga há 18 anos, formou-se em 2001, tem 43

anos, é solteira e sem filhos. Considera-se católica praticante, frequenta missas e participa de
54

outros projetos vinculados a sua comunidade religiosa. Atua há 9 anos em uma instituição

hospitalar e também é psicóloga clínica, atuando com o aporte da Gestalt-terapia; além disso, é

especialista em intervenção familiar sistêmica e cursa pós-graduação em Cuidados Paliativos.

O nosso encontro durou cerca de 1 hora e 50 minutos, entre diálogos, interrupções,

entrevista propriamente dita e realização das cenas. A entrevista e as cenas revelaram-se à

medida em que a colaboradora realizava importante momento de reflexão sobre sua prática e

sobre as questões relacionadas à espiritualidade, o que a fez se lembrar de situações das quais

não mais se recordava ou mesmo resgatar situações marcantes em sua trajetória. Além disso,

durante o processo pôde tomar consciência de alguns aspectos referentes a sua atuação, como

habilidades para lidar com o tema.

Levando isso em conta, realizou-se a cena projetiva individualmente, a fim de checar se

sua eficácia, nessa circunstância, dependeria de ajustes ou não para que houvesse a futura

aplicação desse instrumento na oficina coletiva. Apesar da potencial perda por não realizar a

cena em coletivo – situação que suscitaria a possibilidade de troca com outros profissionais, de

projeções e de partilha de experiências –, as cenas individuais tiveram adesão da colaboradora.

Esta concentrou-se no processo, relatando, inclusive, sensações corporais durante a realização

da cena, projetando sua realidade e trazendo aspectos interessantes desta ao enredo já elucidado

na entrevista.

Desse modo, na oportunidade foi possível identificar a adequação da entrevista narrativa

e exercitar como utilizá-la, além de aprimorar possíveis perguntas para o aprofundamento (pré-

roteiro). Ademais, a história contada no exercício das cenas também se mostrou adequada, posto

que propiciou aproximação com a vivência de uma maneira mais autêntica.


55

3.2.7 A continuidade do campo

Após a realização da etapa piloto, e feitos alguns pequenos ajustes, considerados

necessários aos instrumentos, foi feito contato com os demais profissionais indicados à

pesquisadora. Desse modo, formou-se um grupo constituído exclusivamente por mulheres que

trabalhavam em cuidados paliativos. Os contatos foram realizados a partir de um aplicativo de

mensagens e os encontros foram planejados e agendados a partir da disponibilidade das

colaboradoras, tanto de horários quanto de localidade.

Assim, o campo foi realizado a partir da adequação da pesquisadora à disponibilidade

das colaboradoras.

3.3 Apresentando nossas colaboradoras

No processo de desenvolvimento deste estudo, decidiu-se adotar pseudônimos em

substituição do nome de cada uma das colaboradoras. Como o campo dos CP na cidade de

Natal-RN é bastante restrito, é comum que os profissionais conheçam uns aos outros, sendo

preferível, pelas colaboradoras, a não identificação. Assim optou-se por chamá-las por nomes

de Pedras e de Cristais.

Desde tempos imemoriais, em diferentes culturas e crenças, as pedras e os cristais

naturais despertam o interesse humano, seja por sua estética – formatos, cores, brilho – seja por

seus mistérios, sendo valorizadas e até mesmo cultuadas em variadas tradições: tidas como

elementos terapêuticos, de proteção energética, de elevação espiritual ou faculdades que

permitiriam despertar capacidades superiores, além de possuírem propriedades mágicas e de

cura; logo, é também comum que pedras e cristais sejam vinculados a concepções específicas

a respeito de processos de saúde-doença.


56

Em razão do universo simbólico que circunda essas formações minerais e o campo de

afetações produzidos neste processo de pesquisar, de ouvir, e que está presente nas narrações

das colaboradoras, foram escolhidas pedras para representá-las, mas sem a pretensão de

oferecer profundo conhecimento teórico sobre esse campo de saber. A isso junta-se o fato de

que suas distintas qualidades e aspectos tornam-nas únicas e belas em sua diversidade, vide

exemplo a seguir.

Quartzo Rosa e o cuidado amoroso

Figura 1. Quartzo Rosa

Essa é uma pedra usualmente relacionada ao amor e à paz, vinculada ao coração, tanto

em aspectos simbólicos quanto em concretos. Diz-se que sua energia propicia a vivência dos

diferentes tipos de amor, relacionando-se à empatia, reconciliação, perdão, diminuição do

estresse e de tensões do coração, podendo aliviar a raiva, a inveja, o ressentimento, bem como

auxiliando a harmonização dos relacionamentos, acalmando emoções e sentimentos e

despertando o amor pela vida.

A ideia de usar nomes de pedras para representar as colaboradoras veio justamente do

contato com Quartzo Rosa e com as sensações que o encontro com ela me despertaram. Ao

encontrá-la, logo pensei: se essa experiência fosse uma pedra, seria um Quartzo Rosa.

Era como se estivesse um coração pulsando naquela sala, vibrante e visceral, que podia
ser sentido e visto a cada história contada, a cada lembrança rememorada diante da
57

simples e complexa questão disparadora proposta, que não demorou para se tornar um
compartir de experiências belas, emocionantes, difíceis, por vezes inquietantes, mas
sobretudo amorosas. Talvez não houvesse melhor ponto por onde começar, Quartzo
Rosa com sua preocupação e cuidado, acolheu profundamente a pesquisa, talvez mesmo
sem intenção ofereceu-lhe um lugar seguro por onde começar, um lugar onde a gestação
amorosa desse estudo pôde se dar, fazendo-me, depois de tanto tempo lembrar da paixão
que esse tema de pesquisa produz em mim, ecoando assim sob sua voz, com cuidado,
encantamento, afeto, conhecimento e ética, lembrando-me que a amorosidade não
precisa estar cindida do rigor das boas práticas e junto com ela fez meu coração também
pulsar e desejar mais de que nunca escutar as outras coisas mais que cada uma das
colaboradoras poderiam me dizer e comigo compartilhar. Eu fique grata e saí mais viva
e com o coração mais forte de que entrei (fragmento de Diário de Campo da
pesquisadora).

Quartzo Rosa formou-se há mais de quinze anos, atua em cuidados paliativos no hospital

e, esporadicamente, na clínica, outro campo de sua atuação, junto ao atendimento domiciliar

que fez durante um período. Há aproximadamente 9 anos, atua em cuidados paliativos, mas nos

últimos 4 anos essa prática se tornou mais clara e evidente, o que se deu a partir da constituição

de uma equipe específica para a paliação no seu local de trabalho. Quartzo Rosa adota a

perspectiva da Gestalt-Terapia e tem formação em cuidados paliativos. Trata-se de alguém

muito vinculada às questões religiosas, principalmente às temáticas da espiritualidade, trazendo

a sua própria e os conhecimentos sobre a religião como facilitadores de seu trânsito pelo tema,

junto do saber psi, o que lhe confere conforto e gratidão.

Ônix e o cuidado que é uma preocupação ética


58

Figura 2. Pedra Ônix

O contato com Ônix remeteu a muitas das inseguranças, do acolher à espiritualidade, do

reconhecimento da importância e do cuidado para não produzir práticas distorcidas, trazendo

marcada a ideia de que há coisas importantes que precisam ser protegidas para uma boa atuação.

Ônix trouxe o tempo todo o esforço, e mesmo importância, em integrar a espiritualidade


às práticas da psicologia e do cuidado, no entanto, com demasiada preocupação em sair
do que é campo da psicologia, em não reproduzir práticas distorcidas, ou entrar num
campo teológico e/ou doutrinário. Sinalizando sempre que oportuno que gostaria muito
de ver como responderia as questões feitas na entrevista mais adiante, quando estivesse
a mais tempo no serviço e na prática, palpitando que suas falas poderiam ser bem
diferentes. Ônix me convidou, mesmo que não expressamente, para ver as dificuldades
e desafios que podem surgir no processo de integrar a espiritualidade no cuidado,
sobretudo quando se tem uma preocupação ética em não distorcer as práticas e quando
pouco de nossa formação nos instrumentaliza nesse sentido (fragmento do Diário de
Campo da pesquisadora).

O codinome Ônix foi adotado devido a essa ideia de necessidade de proteção e de

legítima preocupação: a colaboradora, por vezes, apresentava insegurança diante dos desafios

do olhar para as questões relacionadas à religião e mostrava-se apreensiva ao abarcar a

espiritualidade, havendo cuidado legítimo para que isso não se convertesse em proselitismo.

Ônix, nas tradições, é considerada uma poderosa pedra de proteção, do corpo e da mente, tida

como potente transformadora de energia negativa, auxiliando na melancolia, na depressão e no

acalmar dos medos, favorecendo segurança e estabilidade.


59

Ônix formou-se há três anos, tendo sua trajetória à semelhança da maior parte das

colaboradoras relacionada a finitude e à psicologia hospitalar, logo também em cuidados

paliativos.

Ametrino e o cuidado sensível e transforma-dor

Figura 3. Ametrino

O encontro com Ametrino foi transformador. Logo após a entrevista, antes mesmo de

transcrevê-la, uma das frases colocadas ante um dos relatos que ela gentilmente compartilhou

ficou ecoando na lembrança: dizia sobre a dor de um dos pacientes, que marcou muito a equipe,

a qual não só era decorrente estrita da biologia da doença, mas que incluía também a de estar

doente, que era também uma dor da existência, relacionada ao existir e, como tal, não podia ser

cuidada exclusivamente por analgésicos.

[...] após a sensibilidade com que narrou essa situação e que relacionava a uma dor
também espiritual eu coloquei “a mofina não abarca todas as dores, né?” ela respondeu:
‘e então’. Depois disso ficamos um tempo em silêncio, pra mim como que digerindo a
densidade e complexidade do que havia acabado de ser comunicado, e conectando-nos
de uma maneira diferente, era como se esse recorte de diálogo promovesse em nós um
giro: a partir dali algo naquele espaço mudou, e a conversa parecia agora ter menos véus,
mais autêntica e com uma potência que me permitiu aproximar das dores e porque não
delícias, de ser profissional de psicologia na proximidade da morte, lembrando-me a
letra de Caetano ‘cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é’ em um contexto
totalmente distinto (fragmento de Diário de Campo da pesquisadora).
60

Ametrino, em diferentes momentos, destacou para si a espiritualidade como algo

importante, embora sentisse falta de exercitá-la mais ativamente, considerando, de certo modo,

que pouco a exercia. Todavia, em sua forma de se colocar, fez com que a pesquisadora se

conectasse com uma espiritualidade imanente, numa espécie de radicalidade que se ancora no

sentido da vida para cada sujeito. Por essa razão, além das afetações todas que foram produzidas

e de outros aspectos contidos nas suas narrativas, foi denominada Ametrino, uma combinação

das pedras Ametista e Citrino, a qual, de certo modo, compartilha propriedades dessas duas

formações minerais: uma muitíssimo ligada à espiritualidade, à intuição, à proteção; a outra, à

vida, à felicidade/prosperidade, à força pessoal e ao corpo. A Ametrino é considerada uma pedra

poderosa, que promove inspiração, transformação; é tida como a pedra para os que buscam dar

sentido à vida e à existência.

Ametrino data cinco anos desde o início de sua atuação em Cuidados Paliativos, prática,

conforme narra, mais clara, coesa e em equipe nos últimos dois. Formou-se há mais de 15 anos

e, atualmente, faz uso do referencial da Terapia Cognitivo Comportamental nas suas práticas,

que, em cuidados paliativos, têm se dado exclusivamente no hospital, apesar de sua atuação

também na clínica.

Olho-de-tigre e o cuidado sábio e assertivo

Figura 4. Olho-de-tigre
61

O Olho-de-tigre é uma pedra apreciada e difundida em diferentes tradições e está

associada à terra e à coragem, dentre outras simbologias. Diz-se que incentiva a resolução de

conflitos, que favorece a autoestima e que gera discernimento, auxiliando, assim, a tomada de

decisões importantes, a superação de limitações e a abertura; aumenta a assertividade e apura o

instinto de atuar no momento certo, vinculando-se também à sabedoria. Consiste em uma pedra

relacionada ao poder, impulsionando o enfrentamento de desafios, o foco e a materialização de

objetivos, aspectos com os quais a colaboradora fez a pesquisadora se vincular fortemente na

entrevista

[...] era direta, assertiva de um cuidado que se fundamenta na melhor prática –


consistente e ética. Nosso encontro foi breve, entretanto completo em seu tempo
(fragmento de Diário de Campo da pesquisadora).

Olho-de-tigre estava formada há mais de quinze anos e considera que esse é também o

tempo que faz em que trabalha com cuidados paliativos. Ela se utiliza da Gestalt-terapia como

abordagem e atua no hospital e na clínica.

Tanzanita e o cuidado profundo, reconectivo

Figura 5. Tanzanita

Nos estudos sobre pedras e cristais, a Tanzanita é considerada um cristal de elevação

espiritual. Em algumas tradições, é vista como facilitadora do contato com fraternidades de luz
62

e como suposta neutralizadora de energias negativas, estimulando capacidades metafísicas,

meditação profunda e reconexão consigo. Esses aspectos relacionados à Tanzanita fizeram com

que a ela essa colabora fosse associada, uma vez que

[...] em suas narrações e inquietações trouxe a vista a seara da metafísica, não como algo
que excetua outros campos, mas como modo também particular de ver o mundo e as
experiências de seu campo de trabalho e de sua espiritualidade, Tanzanita me remeteu
ao misticismo e olhar para dimensões não-materiais, de um modo que pouco consigo
dizer (Fragmento de Diário de Campo da pesquisadora).

Tanzanita está formada há mais de quinze anos, atualmente atua em hospital e na clínica,

fazendo, ainda, atendimento domiciliar. Em seu percurso, atuou em diferentes momentos com

cuidados paliativos, retomando sua prática nesse campo no último ano. Utiliza-se da Gestalt-

terapia e da Sistêmica Familiar em sua atuação.

Berilo e o cuidado que conforta

Figura 6. Berilo

Berilo é uma pedra associada à compaixão, ao recomeço, à reconciliação e à autocura,

ameniza a ansiedade e fortalece os bons sentimentos. Referenciada por favorecer o foco nas

ações importantes, é uma pedra recomendada para amenizar a ansiedade e atua aumentando a

coragem, acalmando a mente e aliviando o estresse. O relato a seguir apresenta indícios do

porquê de essa colaboradora receber o nome dessa pedra.


63

Eu cheguei agitada para a entrevista, tinha me atrasado por um problema na impressão


e isso me irritou em alguns sentidos, já que a pontualidade é algo importante para mim.
Nos instantes que antecederam meu encontro com Berilo fui respirando e tentando
chegar o mais tranquila possível e a encontrei tranquilíssima a minha espera, como se
nem houvesse atraso, paciente e compassiva... e este foi também o tom com que a
entrevista se sucedeu, mesmo na densidade de alguns temas (fragmento de Diário de
Campo da pesquisadora).

Berilo atua a partir da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), formou-se há quase dez

anos e trabalha a cerca de um ano com cuidados paliativos no hospital, sendo essa uma demanda

que recebe desde a formatura no contexto clínico.

Cornalina e o cuidado seguro

Figura 7. Cornalina

A energia da cornalina inspira ação, movimento, eloquência e coragem. Ela é uma pedra

relacionada ao elemento terra e auxilia o aumento da sensação de segurança, de vitalidade no

corpo e de poder pessoal, auxilia na transposição de desafios e na promoção de mudanças

significativas e positivas para si, estando vinculada à carreira e às realizações pessoais.

O encontro com Coralina em alguns sentidos me lembrou o encontro com Olho-de-


Tigre, direto, assertivo, seguro e sobretudo eticamente comprometido. Obviamente ao
seu próprio jeito e a partir de seus próprios modos e características. Nosso encontro teve
64

um ar de pressa, daqueles que por vezes se instaura nos espaços do hospital diante de
todas as atividades e demandas que aquele lugar presentificava naquele dia, mas ainda
assim havia uma presença e engajamento em responder cada questão, e nessas horas
podia haver ligeireza, mas não havia pressa. Deixei, então, nosso encontro pensando
neste paradoxo (Fragmento de Diário de Campo da pesquisadora).

Em virtude desses aspectos, remeti essa colaboradora a uma pedra ligada à ação, à

coragem, à segurança e ao poder pessoal. Coralina, assim como quatro das outras

colaboradoras, está formada há mais de quinze anos. Utiliza-se da Gestalt-terapia e faz

atendimentos domiciliares, na clínica e no hospital, atuando em cuidados paliativos há cerca de

dez anos.
65

4. CUIDADOS PALIATIVOS E A MORTE: CONSTRUINDO UMA HISTÓRIA DE

AFIRMAR O CUIDAR DA VIDA ATÉ O FIM

A morte é um vasto mistério, mas há duas


coisas que é possível dizer a seu respeito:
é absolutamente certo que morreremos um
dia, e é incerto quando e onde essa hora
vai chegar

Sogyal Rinpoche

Neste capítulo situamos as leitoras e leitores brevemente sobre o que se trata a

tanatologia, transitando pelas principais e diferentes posturas assumidas diante da morte e do

morrer no Ocidente, bem como sua relação com a racionalidade médica hegemônica e seus

desdobramentos para os processos de cuidar da vida e da morte. Apresentando ainda, a proposta

dos Cuidados Paliativos (CP) como modelo capaz de se opor ao modelo hegemônico em saúde,

sem negar seus avanços e progressos técnico-científicos, partindo de um olhar humanizado e

integral às pessoas, consistindo, em nossa compreensão, desde o início, em especial com o

trabalho de suas percussoras – Cicely Saunders e Elisabeth Kübler-Ross – em um convite a

integração da espiritualidade no cuidado. Nessa direção começamos a trazer o diálogo com

nossas colaboradoras revelando sobre o lugar da atuação em CP enquanto motivador para a

inclusão do cuidado espiritual na assistência.

4.1 Morte: os retratos da interdição à humanização do cuidado diante do morrer

Três dias de sofrimentos terríveis, depois a


morte. Bem que isto pode acontecer
66

comigo também, agora, a qualquer


momento” – pensou, e assustou-se por um
instante. Mas imediatamente, ele mesmo
não sabia como, acudiu em seu auxílio a
ideia costumeira de que aquilo se sucedera
a Ivan Ilitch e não a ele, e que não devia
nem podia acontecer-lhe.

A morte de Ivan Ilitch – Lev Tolstói

A relação humana com a morte se altera a partir dos tempos e contextos. De modo que,

não há uma forma exclusiva de olhar e tratar a morte e o morrer que se perdure através das

distintas épocas, mas sim modelos de morte dissemelhantes que dizem respeito a um dado

cenário e período. Desta maneira, há múltiplas posturas diante da morte através dos séculos,

que se sucedem ou coexistem. Dentre as áreas e ciências que estudam a morte e o processo de

morrer está a Tanatologia, cujo étimo é proveniente do grego Thánatos, alusivo à figura

mitológica grega que é personificação da morte e Logia, que tem seu significado derivado de

logos, que quer dizer estudo.

A Tanatologia inclui em seus estudos a morte e o morrer, suas representações e os

conceitos de morte, luto e consequências da perda (Silva & Melo, 2018). Trata-se de uma área

de conhecimento e de aplicação que pode envolver cuidados a pessoas que vivem diferentes

processos de morte: pela morte de pessoas significativas, por processos de adoecimento, em

decorrência de comportamentos autodestrutivos, suicídio ou mesmo por causas externas, pela

violência e outros (Kovács, 2008). Logo, consiste em um campo de investigação científica, nas

Ciências Humanas e Sociais, que contempla a morte e o morrer, assim como o ser humano

quanto a esses aspectos, na sua relação consigo, com os outros e com o meio (Färber, 2013).
67

De acordo com Golden (1897-1998), é atribuído a Maeterlinck (1862-1949),

dramaturgo e poeta, o primeiro uso do termo “tanatologia”. No entanto, no que se refere ao

desenvolvimento da área, William Osler (18490-1919) é considerado um dos pioneiros, em

razão dos estudos que desenvolveu, que foram retomados por outras figuras importantes para o

campo como Golden (1897-1998), como A study of death, publicado em 1904. Osler tinha como

meta de seu trabalho amenizar o sofrimento de pessoas no fim da vida, argumentando que

nenhuma morte deveria ser dolorosa. Para tanto, defendia a utilização de drogas para facilitar o

processo, não apenas para alívio da dor física, alegava que as pessoas deveriam morrer

dignamente, sem sofrimento e sem intervenções despropositadas – elementos basilares do

movimento de cuidados paliativos que veio a se desenvolver mais tarde (Kovács, 2003a),

aspectos que destacam o vanguardismo e relevância de suas contribuições.

Juntam-se a Osler e Golden outros nomes importantes ao campo da tanatologia como

Gustav Theodor Fechner (1801-1887) que publicou em 1836 Little Book of Life, e mesmo

William James (1842-1910) que escreveu Human Imortality em 1898 e Stanley Hall (1846-

1924) que também conduziu pesquisas na área sobre o medo da morte em 1915. Houve ainda

as contribuições de Sigmund Freud (1856-1939) que escreveu clássicos no campo como Luto

e Melancolia (1917), destacando a tristeza e a melancolia da perda de alguém significativo, e

Além do Princípio do Prazer (1920) em que traz pela primeira vez a hipótese da existência de

uma pulsão de morte; e Émile Durkheim (1858-1917) que publicou O Suicídio (1897),

desenvolvendo esta temática e sendo ponto de fundamentação para muitos autores que

trabalham com o tema (Kovács, 2003a).

O amplo desenvolvimento da tanatologia se deu, entretanto, após a primeira e segunda

guerras mundiais, que com o grande número de pessoas mortas trouxe implicações para a

mentalidade e relação com a morte em nossa sociedade ocidental. Em 1976, Kastenbaum e

Aisenber escrevem Psychology of Death, uma das primeiras obras traduzidas e direcionadas ao
68

campo da psicologia. Ainda na década de 1970 criou-se o períodico especializado: Omega –

Journal of Death and Dying, bem como a Association for Death Education (ADEC), outro

marco nesta área de estudos (Silva & Melo, 2018).

Conectar-se com o campo da tanatologia é também trazer atenção para as posturas da

humanidade diante da morte e do morrer, que deve levar em consideração o recorte de tempo e

espaço, assim como aspectos coletivos e referentes a cada sujeito. De modo que os sentidos e

relações com a morte se alteram através da história. A este respeito são considerados expoentes,

os estudos de Philippe Ariès (1914-1984), Nobert Elias (1897-1900) e mais recentemente Allan

Kellehear (2016).

A partir de registros históricos, documentos, literatura, pintura, arquitetura e outros,

Ariès (2017) busca acompanhar a lida com a morte através dos séculos, postulando assim,

diferentes posturas humanas diante desta e do morrer. Na antiguidade destaca a morte como

evento intensamente familiar e remetido ao coletivo “todos nós morremos”, não se

identificando medo ou desespero – um meio-termo entre a resignação passiva e a confiança

mística, a esta chama-se Morte domada, caracterizada principalmente pela familiaridade com

que era vivenciada, costumando ser esperada no leito e ocorrendo majoritariamente na casa do

moribundo, em uma cerimônia pública e organizada e usualmente por ele planejada e marcada

pela simplicidade com que os ritos de passagem pareciam ser aceitos e cumpridos, não se

dispensando a presença de ninguém, sendo habitual a assiduidade de crianças.

Não havia na Morte Domada empenho em retardá-la, de modo que, a preparação para

tal parecia dar-se antecipadamente, de maneira que o morrer parecia se dar com uma espécie de

alívio e naturalidade. Postura que não nos parece muito familiar na atualidade, haja vista não

só o movimento iniciado no final XVIII em defesa das primeiras regras de higiene que se

queixava do excesso de pessoas no quarto dos que estavam na iminência de morrer, como o
69

aprofundamento da racionalidade biomédica em saúde que desloca o morrer sobremaneira para

o hospital, não mais ocorrendo entre os seus, mas muitas vezes solitário, assinalando ainda a

dificuldade contemporânea de lidar com a morte e os processos de finitude (Ariès, 2017).

No século XII inicia-se, de acordo com Ariès (2017), o processo que gradativamente

parece adicionar o sentido dramático e pessoal à familiaridade tradicional adotada pelas pessoas

com a morte: chamada a Morte de si mesmo. Inaugura-se ainda no século XVIII um novo

sentido: a Morte do outro. De modo que a morte, com a qual as pessoas estavam tão

familiarizadas no passado vai gradativamente tornando-se mais distante, tornando-se

vergonhosa e objeto de interdição, a que o autor denomina Morte Interdita, em que se passa a

evitar o moribundo, a consciência da própria mortalidade e de seus entes queridos. A morte

torna-se, ainda, objeto de comércio e lucro; o luto um estado mórbido que deve ser tratado,

abreviado e apagado, suprimindo quase radicalmente tudo o que lembra a morte. É, sobretudo,

a este modelo de morte e morrer que vão surgindo antagonistas, em busca de uma morte mais

humana e cuidadosa.

No século XXI, no entanto, mesmo esta interdição permanecendo, a morte parece estar

cada vez mais próxima das pessoas, especialmente, com advento do desenvolvimento das

telecomunicações. De modo que a TV introduz corriqueiramente cenas de morte, violência,

acidentes e doenças, por exemplo, sem que haja, todavia, possibilidade de elaboração,

sobressaindo-se assim uma aceleração nesse veículo de comunicação. Sendo assim, ao mesmo

tempo que a morte é interdita, torna-se também escancarada, companheira cotidiana, invasiva

e sem limites, tão próxima – real ou simbolicamente – mas ainda assim silenciada, interditada.

(Kovács, 2005). Esse tipo de representação em torno da morte, foi cunhada por Kovács (2008)

como morte escancarada.

Trata-se de uma morte também inesperada, produto do significativo crescimento da

violência, dos acidentes de trânsito e do abuso de drogas nos centros urbanos que leva ao
70

aumento das mortes violentas e traumáticas. É o retrato da chamada morte indigna no século

XXI, dentre as quais estão o assassinato, o suicídio e os acidentes - mortes coletivas, anônimas

e de corpos mutilados (Kovács, 2014), fenômeno que decorre também da relação instaurada

com o morrer após as grandes guerras do século passado, a morte é ostensiva, no entanto

negada, havendo substancial distanciamento deste fenômeno, mecanismo que desumaniza e

dessensibiliza, já que ao não referir a morte age-se como se ela não existisse concretamente. No

entanto, apesar da presença e usual familiaridade da morte interdita e escancarada, esses não

são os únicos retratos dos últimos dois séculos, em que também desponta, apesar de ainda

distante de ser um modelo dominante, temos também um modelo que busca a humanização do

morrer.

Elias (2001), figura importante e também crítica de Ariès, sobretudo pelo conceito de

Morte Domada, por considera-la favorável à romantização da relação com a morte no passado,

destaca na atualidade uma forte tendência em afastar a ideia da morte, quando comparada a

outros momentos históricos, que passa, de certo modo, a ocupar os bastidores da vida social,

ocultada quanto possível em seus sentimentos e expressões, distintamente de tempos anteriores

(Menezes, 2004).

Aspecto que em certo nível também dialoga com o argumento de Allan Kellerhear

(2016) de que o morrer no período moderno atual, a que chama Idade Cosmopolita, produz cada

vez mais mortes “que não são boas nem bem administradas para ninguém” (p. 25). Tendo em

vista que, com frequência, mesmo com as tentativas das pessoas em se preparar para a morte –

como se faziam nas comunidades agrícolas a milênios – ou de domesticá-la através do cuidado

médico ou de outras formas de atendimento profissional – como aconteciam a milhares de anos

nas cidades– estas tentativas terminam não raro frustradas, distorcidas ou simplesmente

negadas (Kellehear, 2016).


71

Fato que se pode associar a lógica biomédica – racionalidade hegemônica em saúde –

que ante a morte e sua aproximação, bem como diante dos processos de adoecimento não

curáveis, vê-se atada e mesmo fracassada em seu empreendimento de curar doenças e

restabelecer a saúde que está atrelada principalmente à biologia (Tesser & Luz, 2008).

Substituindo, no ocidente, a arte de curar doentes pela ciência das patologias. De modo que se

assiste a uma medicina mecanicista, especializada e tecnológica, porém que pouco admite o

erro, o medo e sobretudo a morte, e isto termina por gerar desdobramentos no cuidado aos

pacientes (Nogueira da Silva, 2012a).

O desenvolvimento do capitalismo, a partir do século XVIII, marca na relação com a

morte o início de uma preocupação constante em isolar, separar e impor um conhecimento

especializado acerca dela, sendo a separação dos mortos dos vivos um empreendimento

fundamental, havendo uma importante preocupação na modernidade, inclusive, em colocar os

mortos cada vez mais distantes do meio urbano e do convívio social (Combinato & Queiroz,

2006).

A partir do século XIX, com o desenvolvimento das sociedades industriais e o

desenvolvimento técnico e científico da medicina, houve uma radical transformação na visão

da morte e na interação com o paciente, a partir da revolução higienista a relação entre os vivos

e os mortos, passou a ser vista como importante fonte de perigo, contaminação e doença. Além

disso, neste período também houve uma relevante alteração no modo como as pessoas passaram

a ser compreendidas, emergindo um ser humano individualizado, condição que segundo

Habermas (1984) por Combinato & Queiroz (2006), não esteve presente em qualquer outro

contexto pré-capitalista. Havendo inclusive um sentido social e político na maneira com o que

a sociedade industrial encara e lida com a morte, que neste período evidencia-se como tabu

(Oigman, 2007).
72

O morrer passou a ser um assunto vergonhoso, rotulado negativamente e inerentemente

humilhante para os seus alvos humanos. Sendo irônico que na experiência cosmopolita de

morrer, apesar das incontáveis realizações modernas e expansão da saúde pública, de

tecnologias, da expectativa de vida e de outros substanciais avanços, a lida com a morte parece

dar-se ainda como uma experiência oculta e inoportuna (Kellehear, 2016).

O desenvolvimento tecnológico junto aos esforços dos profissionais de saúde

possibilitaram e possibilitam o prolongamento da vida, todavia, nem sempre favorecem,

concomitantemente, melhorias e auxílio ao morrer - que se torna muito mais um ato solitário,

impessoal, “desumano”, contribuindo, desta maneira, para sua negação, como se não se tratasse

de uma fase inerente da existência (Gomes & Ruiz, 2006).

Portanto, junto aos avanços biomédicos, não raro a morte se torna um ato solitário,

mecânico, desumano e impessoal. “Quanto mais avançamos na ciência, mais parece que

tememos e negamos a realidade da morte. Como é possível?” (Kübler-Ross, 2017, p. 11). E

reflete:

O fato de nos concentrarmos em equipamentos e em pressão sanguínea não será uma


tentativa desesperada de rejeitar a morte iminente, tão apavorante e incômoda, que nos
faz concentrar nossas atenções nas máquinas, já que elas estão menos próximas de nós
do que o rosto amargurado de outro ser humano a nos lembrar, uma vez mais, nossa
falta de onipotência, nossas limitações, nossas falhas e, por último mas não menos
importante, nossa própria mortalidade? (Kübler-Ross, 2017, p. 13).

Ergue-se, o movimento da “boa” morte ou de re-humanização do morrer que busca

cuidar das dores não só físicas deste processo e defende que as pessoas possam ser sujeitos

ativos em seu processo de morrer, que possam ser sujeitos em sua morte, na medida em que

possam ter a autonomia possível nesta hora, decidindo-se por si, sempre que cabível – assim,

re-humaniza-se o morrer.
73

De acordo com Nogueira da Silva (2006), para reverter a lógica biomédica é preciso

reencontrar o ser esquecido, sendo urgente ouvir o outro em sua alteridade e voltar-se para o

contato com o humano que há em nós. “Humanizar diante da saúde e da morte relaciona-se a

“dar voz à palavra, à dor, ao riso, garantir à palavra a dignidade ética” (Nogueira da Silva, 2006,

p. 24), trata-se de possibilitar que a dor e o sofrimento possam ser reconhecidos e expressos

tanto quanto o prazer. No cuidado humanizado “não há salvadores, e sim, a possibilidade de

reinventar a vida, o adoecer e o morrer, com o outro”, e este é um relevante desafio pois os

profissionais de saúde não foram preparados para não salvar (Nogueira da Silva, 2014, p. 20).

É, então, nesta linha e em resposta a essas práticas limitadas ao tecnicismo, que surge a

medicina paliativa e os programas de Cuidado Paliativo (CP), retomando o cuidado humanizado

e a cultura de respeito a autonomia do paciente, que a medicina puramente tecnológica

abandonou. De modo que os CP não são necessariamente um combate ao chamado positivismo

médico, mas sim uma prática que busca uma maior humanização das práticas e do cuidado

(Schramm, 2002). Sendo o enfrentamento do tabu da morte condição para que se desenvolvam

atitudes solidárias e humanas diante da morte e do morrer. Afinal,

A mesma medicina que se apoiou na morte biológica para fundamentar sua prática em
conhecimentos científicos, pode se apoiar no enfrentamento dos conteúdos simbólicos
e existenciais da morte para se re-humanizar e recuperar a dimensão do cuidado em sua
prática (Nogueira da Silva, 2006, p. 273).

4.2 Cuidados Paliativos uma história que desde o início é um convite à espiritualidade

Não tens de estar sozinha. Só sentir. Sentir,


sim. Estar, não. Até não te sentires sozinha.
74

Para urgências da cabeça e do corpo era


essencial que houvesse gente de ouvidos e
abraços.

A Desumanização – Valter Hugo Mãe

Historicamente, o que se conhece como Cuidados Paliativos (CP) usualmente é

associado com o movimento hospice anterior à Idade Média (Figueiredo, 2008). Há, porém,

também quem relacione seus princípios a culturas mais primitivas (Gonzalez & Ruiz, 2012).

Entretanto, é mais comum sua relação com a Idade Antiga e Média, estando vinculado no

passado às hospedarias e abrigos destinados a peregrinos e viajantes, muitos dos quais morriam

ante cuidados leigos e carinhosos, em contextos muitas vezes de recursos reduzidos, em que

nem sempre o sucesso e manutenção da vida era garantido, sendo o apoio espiritual enfatizado

nestes casos (Cremesp, 2008). Fato que sinaliza para a suposta relação dos CP e da lida com a

finitude com as questões relacionadas à religião, religiosidade e/ou espiritualidade, aspecto que

dialoga inclusive com o que parte das colaboradoras deste estudo compartilham no que se refere

a proposta dos CP e sua proximidade com cuidados e demandas de ordem espiritual e mesmo

religiosa.

De acordo com a Academia Nacional de Cuidados Paliativos - ANCP (2019), outro

evento importante para a história dos CP foi a fundação, no século XVII da Ordem das Irmãs

de Caridade em Paris, destinado a órfãos, pobres, doentes e moribundos, pelo padre francês São

Vicente de Paula. Além do St. Joseph’s Convent em Londres, cindo das Irmãs da Caridade

irlandesas, que a partir de sua fundação em 1900 visitavam doentes em suas casas, inaugurando

em 1902 o St. Joseph’s Hospice com 30 camas para moribundos pobres.

Além disso, o termo Paliativo está etimologicamente ligado à palavra pallium do latim

“manto”, “capa”, que além de trazer a ideia de cobertura, cuidado e atenção, também expressa
75

a noção de “cobertura” do humano em suas múltiplas dimensões, logo, considerando-o a partir

de uma perspectiva de cuidado holístico/integral (Ferreira, Lopes, & Melo, 2011). Outrossim,

o termo pallium faz alusão as vestimentas utilizadas pelo Papa, reafirmando a ligação, pelo

menos histórica do termo com a espiritualidade (Andrade, Costa, & Lopes, 2013).

Apesar da alusão a relação dos CP com os hospices na antiguidade e no período

medieval, sua base radica-se principalmente a partir do século XX, na década de 60. O

Movimento Hospice Moderno, tem seu nascimento relacionado a Cicely Saunders (1918-2005),

inglesa com formação humanista e médica, que fundou o St. Christopher’s Hospice em Londres,

um centro não só de assistência a pessoas enfermas, mas também um campo de ensino e de

desenvolvimento de pesquisa na área, que recebeu bolsistas de diversos países, muitos dos quais

a posteriori levaram suas experiências para suas localidades de origem ou outros países,

auxiliando na dispersão dos CP pelo mundo, mas principalmente nos Estados Unidos e no

Canadá (Matsumoto, 2012).

A partir de suas experiências Cicely Saunders iniciou um movimento que mudaria para

sempre a forma como parte do mundo cuidaria das pessoas que estão em fim de vida, a partir

da busca em compreender profunda e compassivamente as pessoas que necessitavam de seus

cuidados, fazendo uso de sua fé como importante subsídio às suas práticas, não em um sentido

impositivo ao outro ou proselitista, mas sim em equilíbrio com as técnicas científicas,

“extraindo de ambas o melhor” (F. S. Santos, 2018, p. 7), criando um novo modelo de

diagnóstico que contemplava não apenas a dimensão física, mas também psicológica, social e

espiritual, valorizando todas as áreas e criando a partir disto o conceito de Dor Total, que é

justamente o reconhecimento da dor como um estado complexo, que incluiu todas estas

dimensões, que devem ser contempladas no cuidado, inclusive da dor (Carvalho, 2009), entre

as quais está o âmbito espiritual, que ocupa em sua perspectiva um lugar significativo, junto

também às questões religiosas nos processos de cuidado (Saunders, 1991).


76

Saunders, preocupada em conferir dignidade, qualidade de vida e de morte àqueles que

enfrentam o fim da vida, desenvolveu uma abordagem sistemática no controle e alívio da dor

em pacientes terminais, dando atenção às suas necessidades sociais, emocionais e espirituais,

alegando, entre outras coisas, que os pacientes queriam “não apenas eficiência, mas também

compaixão” (Saunders, 2018, p. 23), lançando mão de uma proposta de CP fortemente

conectada com a re-humanização do processo de morrer (Nogueira da Silva, 2006).

Outra figura revolucionária para as significativas mudanças no campo da saúde no trato

com a morte e o morrer, seu cuidado, seus modos e posturas diante dela foi Elisabeth Kübler-

Ross (1926-2004). Esta psiquiatra suíça foi pioneira em escutar a voz de seus pacientes sobre

as suas experiências na proximidade da morte. Enquanto nos anos 1960 a maioria esmagadora

dos médicos e médicas estavam preocupados exclusivamente com a vida, Kübler-Ross

revolucionou o cuidado, lançando olhar para a morte (Luz & Bastos, 2019), trazendo luz ao

entendimento de que mesmo quando se parece dentro da racionalidade médica instrumental

“não haver mais nada a fazer”, há ainda muito o que se pode fazer.

Klüber-Ross é expoente no movimento de busca da “boa morte”, que em suma rejeita a

morte exageradamente medicalizada e considera a possibilidade de que as pessoas se preparem

para o morrer, tanto quem morre quanto quem fica (Kovács, 2003b). Mas, ficou sobremaneira

famosa pelos cinco estágios sobre a morte: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e

aceitação (Kübler-Ross, 2017). Estes, entretanto, apesar de serem os mais difundidos não são

os únicos estágios a que Kübler-Ross faz referência, havendo em seu esquema conceitual outras

reações como o choque, esperança, negação parcial, luto antecipatório e decatexia como

possíveis nuances dos cinco grandes estágios (Luz & Bastos, 2019).

Porém, a sofisticação de seu trabalho está bem mais no reconhecimento da singularidade

de cada paciente, e seu olhar humanizado para cada sujeito, de que pelos estágios por ela

propostos. Talvez uma de suas substanciais contribuição tenha sido pioneiramente ter escutado
77

a voz dos pacientes que estavam vivenciando a proximidade da morte, possibilitando que, a

partir desta voz, se pudesse compreender que há sempre o que ser feito no campo do cuidado,

que mesmo quando a racionalidade médica instrumental categoriza “não há mais nada a se

fazer”, há sim ainda o que fazer, e para tanto é preciso escutar os moribundos, apreender a ouvir

suas necessidades na proximidade do fim, da negação à aceitação, sem desconsiderar os

estágios emocionais em que se encontram (Nogueira da Silva, 2014).

Elisabeth Kublër-Ross (2017), com seus apontamentos lúcidos e provocativos,

presenteia a nós todos com a possibilidade de olhar a morte por outros prismas e principalmente

com a alternativa de não só ver, mas também estar com as pessoas que estão na proximidade

do fim da vida de outra forma, aliando ciência e tecnologia e a arte e a ciência do inter-

relacionamento humano, do cuidado humano e total ao paciente.

A prática anunciada por Kübler-Ross é fortemente fundamente na escuta ao outro, e

nesta era comum que a espiritualidade surgisse, o que acrescenta em seus trabalhos a

preocupação em acolher e cuidar desta dimensão (Kovács, 2003). De acordo com Luz & Bastos

(2019), sem seu trabalho vanguardista a difusão dos cuidados paliativos e da tanatologia teriam

sofrido grande atraso.

No decênio de 1960 houve significativas mudanças no trato com o tema da morte e seu

cuidado, que reverberam até a atualidade. Como podemos evidenciar pelas contribuições de

Saunders e Kübler-Rosss, que, entre outras coisas, revolucionaram a lida com pessoas em

estágio terminal de doença “trazendo o tema da morte a público, desafiando uma mentalidade

que propunha a morte como interdito” (Kóvacs, 2003, p. 151) e empunhando a necessidade de

considerar cada pessoa em sua multidimensionalidade e singularidade (Macedo, 2011;

Saunders, 2018).

Apesar de suas importantes contribuições ao campo dos CP é comum que a figura de

Elisabeth Kübler-Ross seja muito mais associada aos estágios da morte e a área da tanatologia,
78

havendo nos CP um reconhecimento, quando há, aquém de suas contribuições. Cicely

Saunders, reconhecidamente matrona dos CP, no entanto reconhece a imprescindibilidade de

seu trabalho à área dos CP e em uma carta à Kübler-Ross, intitulada “Uma saudação à nossa

humanidade compartilhada” escreve:

A notável capacidade de Elisabeth para inspirar aceitação pública e sua habilidade para
fundamentar o desenvolvimento da filosofia hospice e, posteriormente, o
desenvolvimento dos cuidados paliativos, poderia ser comparada a duas lâminas de uma
tesoura, capazes de cortar simultaneamente, os laços do isolamento e a dor entre os
pacientes e suas famílias. Nosso trabalho foi complementar, pois construímos as nossas
ideias com base em poderosos insights de nossos antecessores (Saunders, n.d.).

A partir do legado dessas duas percussoras, Elisabeth Kübler-Ross e Cicely Saunders,

foi possível que nas décadas de 1970 e 1980 a área dos CP se consolidou, seguida de uma certa

estagnação, haja vista o movimento extremo de exigência de rigor metodológico, que terminou

por estreitar a criatividade e favorecer certo conservadorismo na necessidade de comprovação

de tudo o quanto se dizia, com forte tendência à quantificação, de modo a restringir a área bem

como potencial distanciamento do tema em suas dimensões mais profundas. Ainda assim, no

início dos anos 1990, publicou-se a primeira definição dos CP, descritos como: “cuidado ativo

e total para pacientes cuja doença não é responsiva a tratamento de cura. O controle da dor, de

outros sintomas e de problemas psicossociais e espirituais é primordial. O objetivo do CP é

proporcionar melhor qualidade de vida possível para pacientes e familiares” (OMS, 2012),

trazendo já em sua primeira definição referência à espiritualidade.

Esta definição, porém, foi revisada e redefinida em 2002, delineando-os como

abordagem que tem o intuito e aprimora a qualidade de vida dos pacientes e famílias que

enfrentam problemas associados com doenças crônico-degenerativas e/ou fora de possibilidade

de cura, a partir da prevenção e alívio do sofrimento, através do diagnóstico/identificação

precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas tanto de ordem física,
79

psicossocial, quanto espiritual (Hermes & Lamarca, 2013), mantendo, mesmo entre algumas

mudanças, a alusão ao cuidado às questões do campo espiritual.

O foco na definição atualizada em 2002 passa a ser a qualidade de vida do paciente e

sua família, não sendo restrita apenas ao paciente. Além disso, o termo deixa de se referir a esta

modalidade de assistência como exclusivamente oferecida na proximidade da morte, mas sim

enquanto cuidado que deve ser aplicado desde o diagnóstico da doença (Braga & Queiroz,

2013).

Tendo em vista o intuito de promover cuidado que considera os pacientes enquanto

sujeitos integrais, as equipes de CP devem conter, de acordo com Nunes (2015) médicos,

enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, farmacêuticos, nutricionistas, assistentes

sociais, dentistas, orientadores espirituais e psicólogos, a fim de compreender o paciente em

toda a sua complexidade, visando proporcionar possibilidade para que se viva a vida que há

para ser vivida (R. C. N. Santos, 2018).

O CP, todavia, não baseia sua prática em protocolos estritos, mas sim em princípios, que

são: (1) promover o alívio da dor e de outros sintomas desagradáveis; (2) afirmar a vida e

considerar a morte um processo normal desta; (3) não acelerar nem adiar a morte; (4) integrar

os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente; (5) oferecer um sistema de

suporte que possibilite ao paciente viver tão ativamente quanto possível até o momento de sua

morte; (6) oferecer sistema de suporte para auxiliar os familiares durante a doença do paciente

e o luto; (7) oferecer abordagem multiprofissional para focar as necessidades dos pacientes e

de seus familiares, incluindo acompanhamento no luto; (8) melhorar a qualidade de vida e

influenciar positivamente o curso da doença; (9) iniciar o mais precocemente possível o

Cuidado Paliativo, juntamente com outras medidas de prolongamento da vida, como

quimioterapia e radioterapia (nos casos oncológicos), e incluir todas as investigações

necessárias para melhor compreender e controlar situações clínicas estressantes.


80

O fato de haver princípios e não protocolos potencializa a importância das reflexões no

campo da bioética para os CP, tendo em vista que não há conduta pré-estabelecida que seja boa

em si, sendo imprescindível que se leve em consideração o contexto e circunstância em que

será executada, e que reforça o CP, à semelhança do que firmam Saunders e Kübler-Ross, como

um cuidado que se constrói a partir da escuta do que é importante para cada sujeito, logo

humanizado. Afinal, como enuncia a clássica frase atribuída a Saunders: “o sofrimento humano

só é intolerável quando ninguém cuida”.

A aplicação dos princípios dos CP objetiva afirmar a vida e considerar a morte um

processo natural, não a apressando nem a retardando; integrando os aspectos psicossociais e

espirituais ao cuidado do paciente, oferecendo sistema de apoio e auxiliando que o paciente

viva ativamente tanto quanto possível até a morte, além de oferecer sistema de apoio para

colaborar com a família a lidar com a doença do paciente (Langaro, 2017).

No final de 2018, a Internacional Association for Hospice and Palliative Care (IAHPC)

planejou, desenvolveu e implementou um projeto para revisar e adotar uma nova definição de

CP que melhor contemplasse o público e as demandas a quem deveria ser destinado, já que a

definição corrente da OMS, de 2002, limita os CP a problemas associados a doenças

potencialmente fatais, e não às necessidades de pacientes com condições severas, crônicas e

complexas, sendo a definição para crianças ainda mais antiga (1998) e com desafios

semelhantes (Knaul et al., 2018). Assim propôs: os Cuidados Paliativos são cuidados

holísticos ativos, ofertados a pessoas de todas as idades que se encontram em intenso

sofrimento relacionados à sua saúde, proveniente de doença grave, especialmente aquelas que

estão no final da vida. O objetivo dos CP é, portanto, melhorar a qualidade de vida dos

pacientes, de suas famílias e de seus cuidadores (IAHPC, 2018).

Ainda em 2018, publicou-se no Diário Oficial da União a primeira normativa do SUS

que reconhece e organiza a oferta de CP no Brasil. A Resolução nº 41, de 31 de outubro de


81

2018 dispõe sobre as diretrizes para a organização dos CP à luz dos cuidados continuados

integrados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Portanto, a partir da publicação dessa resolução será possível definir diretrizes que

aprimorem o cuidado e sua oferta. A normativa aponta para o entendimento do SUS de que os

Cuidados Paliativos devem ser oferecidos o mais cedo possível, quando necessário, juntamente

com o tratamento da doença que devem englobar a promoção do alívio da dor, com o uso de

medicações analgésicas, e de outros sintomas físicos, porém não se restringir a eles,

contemplando também o sofrimento psicossocial com apoio psicológico e incluindo o cuidado

apropriado também a familiares e cuidadores a lidar com a doença do paciente e o luto

(Valadares, 2018).

A Resolução nº 41/2018 do Ministério da Saúde orienta ainda que essa assistência deve

ser prestada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, cabendo aos profissionais a

comunicação empática e sensível, com respeito à verdade e à honestidade em todas as questões

que envolvam pacientes, familiares e profissionais. Outrossim, aponta que devem estar

disponíveis em todos os pontos da rede, desde a atenção básica, domiciliar, ambulatorial,

hospitalar, urgência e emergência. Assim, a publicação desta Resolução é um marco para os

Cuidados Paliativos no Brasil.

Todavia, não devemos perder de vista que mesmo com as iniciativas necessárias há os

obstáculos que se interpõem no desenvolvimento deste campo e que precisam ser considerados.

Hermes & Lamarca (2013) destacam como consideráveis dificuldades a evolução e ampliação

deste: a inclusão dos Cuidados Paliativos na atenção básica; o atestado de óbito em domicílio;

o valor dos medicamentos; o armazenamento, distribuição e descarte dos remédios opiáceos

que aliviam a dor. De modo que é importante identificar para tencionar e refletir as dificuldades

que se apresentam neste campo e então estruturar estratégias que propiciem a continuidade e

aprofundamento do desenvolvimento nesta área.


82

Ainda sobre a proposta de conceito de CP, feito pela IAHPC, que retira o cuidado

espiritual presente nas usuais definições anteriores em detrimento dos cuidados ativos

holísticos, Nogueira da Silva (2019) aborda o receio de que, retirando-se a ênfase ao conceito

de Dor Total, no qual se evidencia o cuidado à dor espiritual, permita-se uma minimização

quanto a importância do cuidar deste aspecto. Uma vez que, o termo holístico ao longo da

tradição do cuidado em saúde não explicitava o cuidado com a dor espiritual, tendo sido

negligenciada e não reconhecida, favorecendo e permitindo, de certo modo, que os profissionais

de saúde não se sentissem autorizados a lidarem com essa dimensão do existir.

Entretanto, a dimensão espiritual revela-se imprescindível na assistência a pessoas sem

possibilidade de cura de seus processos de adoecimento (Evangelista et al., 2016), não apenas

com a finalidade de minimizar ou tratar da dor, ou minimizar outros sintomas, mas

sobremaneira em razão da espiritualidade ser um potencial componente de melhoria do bem-

estar de pacientes com doenças graves e/ou terminais (Bertachini & Pessini, 2010; Higuera,

González, Durbán, & Vela, 2013; Redondo-Elvira, Ibañez-del-Prado, & Barbas-Abad, 2017),

tornando-se ainda mais urgente para pacientes com doenças potencialmente fatais, haja vista a

fragilidade que se desvela ante a proximidade da morte, a consciência da finitude e o medo do

desconhecido, que abre espaço para questionamentos, dúvidas e mistérios no que diz respeito a

morte e o morrer. Sendo, inclusive, a atenção aos aspectos espirituais indicador de boa

assistência em CP no final da vida (Williams, 2006).

Afinal, exercer a espiritualidade diante de situações que promulguem a finitude do ser

humano, parece tornar-se essencial para o seguimento da vida das pessoas em CP, sendo este

exercício uma espécie de força motriz à busca de respostas aos ensejos dessas pessoas em

relação a sua própria existencial (Arrieira et al., 2018), favorecendo lhes melhores desfechos

ou pelo menos mais toleráveis ou menos sofríveis.


83

E é, justamente, também nesta seara que se apresenta a importância das religiões, das

crenças e de aspectos espirituais, que desde tempos imemoriais tem sido utilizados como meios

na busca da compreensão do significado da vida e da morte, principalmente quando em

situações de fragilidade, de modo que, as pessoas que estão em processos de adoecimentos

graves, progressivos e incuráveis, e aqui acrescento também suas famílias, tendem a sentir

necessidade de apoio espiritual ou religioso (Cervelin & Kruse, 2015). Como bem constaram e

trouxeram desde o início Cicely Saunders (2018) e Elisabeth Kübler-Ross (2017) em suas

práticas, posicionamentos e publicações.

Com isso, faz-se cada vez mais relevante a reflexão acerca das práticas de saúde, como

atenta Nogueira da Silva (2014), compreender que para se aproximar da realidade é necessário

abrir também mão das claras, lineares e distintas ideias do pensar cartesiano e acatar também

no fazer em saúde a incerteza, o indeterminado, o que nos coloca em um lugar de busca e

construção e exige o enfrentamento das dificuldades que se interpõem ao cuidado humanizado,

para tanto é preciso dialogar e escutar, e no contexto do morrer não fechar os olhos a finitude

- rejeitá-la não a elimina, nem tampouco seus efeitos, mas desumaniza quem morre.

O movimento de re-humanização da morte, luta contra a morte roubada por excesso de

medicação ou por intenso sofrimento; busca cuidar da dor total (física, emocional e espiritual)

e destina-se a humanizar o morrer a morte quando ressitua o paciente enquanto sujeito de seu

processo de vida-saúde-adoecimento e morte.

Significa, como colocou Saunders “dar mais vida aos dias do que acrescentar dias à

vida”. Comumente as pessoas e famílias que estão em CP lidando com questões profundamente

existenciais, acerca da terminalidade, do sentido da vida e do que ocorre após a morte,

vivenciam sofrimentos intimamente relacionados a dimensão espiritual (Santos et al., 2019), de

modo que o cuidado humanizado nesta circunstância também se ancora no contemplar e buscar

alívio a estas questões espirituais (Silva & Sudigursky, 2008).


84

4.2.1 Os Cuidados Paliativos e a motivação para incluir o cuidado espiritual

Tudo em ti era uma ausência que se


demorava: uma despedida pronta a
cumprir-se.

Cecília Meireles

Os Cuidados Paliativos (CP) enunciam a busca, quanto possível, de qualidade de vida,

autonomia e bem-estar dos pacientes e das famílias que enfrentam problemas associados com

doenças crônico-degenerativas e/ou fora de possibilidade de cura, a partir da prevenção e alívio

de sofrimento, diagnóstico/identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outras

problemáticas tanto de ordem física, psicossocial e espiritual. Os CP utilizam-se de uma

abordagem humanista de valorização da vida que objetiva promover cuidado integral e

dignidade no processo de morrer (Barbosa, Ferreira, Melo, & Costa, 2017).

De acordo com Peres, Arantes, Lessa, & Caous (2007) a natureza humana

essencialmente se direciona em busca de significado para as experiências e isto se torna ainda

mais evidente à medida que a vida se aproxima do fim, de modo que nos contextos de cuidados

paliativos e de fim de vida a dimensão da espiritualidade torna-se realmente de grande

importância, sendo as abordagens que a ignoram incompletas.

Nossas colaboradoras ilustram essa relação

Termina assim, que no contexto de hospitalização a maioria dos pacientes eles


terminam se voltando mais pra o aspecto espiritual ou aspecto religioso [...] a gente vê
que há uma conexão ou uma reconexão no processo de adoecimento naturalmente [...]
quando a gente lida com paciente em fim de vida isso fica muito mais evidente

(Tanzanita – recorte da entrevista).


85

Eu acho que na aproximação da morte a espiritualidade tá mais... a-flo-ra-da...

(Quartzo Rosa – recorte da entrevista).

Elas sinalizam para o quanto os contextos de dor, sofrimento e contato com a finitude

parecem acionar ou conectar-se em algum nível com a seara da espiritualidade.

As narrativas de Quartzo Rosa e Tanzanita muito se assemelham ao que pontua Koenig

(2012), de que especialmente na proximidade da morte ou frente a adoecimentos graves a

espiritualidade parece se tonificar.

Já Ametrino e Olho de Tigre, apontam para o fato de que na prática em CP, mais de que

a própria espiritualidade, o que geralmente aparece é a religião e a religiosidade.

Sobre essas diferenças e polissemia de sentidos trabalharemos em outros capítulos, mas

cabe nesse momento a pontuação de nossas colaboradoras:

Acho que 90% dos pacientes indicam a religiosidade, muito mais do que a
espiritualidade [...] então, muito da leitura que eles fazem dessa experiência de
adoecimento, do tratamento oncológico é pela via religiosas, e é assim que aparece nos
meus atendimentos
(Ametrino – recorte da entrevista).

Os pacientes I.[pesquisadora], de uma forma geral, eles estão lidando com muito
sofrimento, é muito comum eles se apegarem a questões religiosas espirituais, eu vejo
muito que vai fluindo [...] é muito comum, muito muito muito comum mesmo diante do
sofrimento as pessoas buscarem a religião e/ou a espiritualidade [...] isso é bem
evidente na fala deles
(Olho-de-tigre – recorte da entrevista).

Esses registros de nossas colaboradoras também revelam que para as pessoas que

cultivam uma fé religiosa, é possível que o reconforto para suas questões existenciais esteja
86

justamente orientado por essa fé (Bertachini & Pessini, 2010), todavia, isto não excetua o

cuidado aos que não possuem um sistema de crenças religiosas, pois há ouras vias provedoras

de conforto e assistência.

De acordo com Saporetti (2009) é somente a partir da morte que as pessoas se defrontam

com a irremediável realidade da vida: tudo termina, de modo que é a finitude humana que o/a

convida à transcender. Transcendência esta que não está necessariamente na matriz religiosa,

mas que se refere aos limites de si.

Assim, apesar das nuances e distinções no dizer, todas as colaboradoras trouxeram em

algum nível a intimidade que observam entre suas atuações em CP na proximidade da morte e

a dimensão da espiritualidade presente na vivência dos pacientes, em especial nas situações de

muita dor e sofrimento.

Nessa mesma direção Okon (2005) aponta que ao deparar-se com a fragilidade da vida

e o sofrimento, geralmente os pacientes articulam queixas de ordem espiritual, sendo de fato

imperativo que a assistência à saúde contemple este aspecto, compreendendo suas

problemáticas e facilitando o suporte espiritual necessário.

Foi possível percebemos movimento semelhante na prática das nossas pedras preciosas

– as psicólogas colaboradoras. Também para elas a motivação e inclusão da abordagem da

dimensão espiritual no cuidado, vem sendo demandada a partir dos pacientes em CP,

especialmente próximos à morte, e autorizada pela filosofia desse modelo de cuidar,

transformando assim, mesmo que ainda discretamente a lógica biomédica hegemônica, que

deixa a espiritualidade, e a multidimensionalidade humana de fora do cuidado.

Eu acho que ela [espiritualidade] tá chegando de uma forma muito muito... ela tá
chegando porque os paliativos tão chegando, objetivamente falando, ela tem chegado
porque os paliativos tem chegado e tem trazido junto com ele o a necessidade de olhar
87

para o paciente de uma forma integral, pra dor do paciente de uma forma integral, de
dar o conforto maior ao paciente, ela tá chegando assim.

(Quartzo Rosa – recorte da entrevista)

Mas eu acho que a própria prática, assim, vai trazendo uma demanda, paciente que
tá em cuidados paliativos, que tá se aproximando das morte, é um tema que vai
surgindo, que vai chegando né. Por mais que ele não traga no primeiro atendimento
isso vai surgir, em algum momento vai surgir. Então acho que a própria prática com a
demanda espontânea.

(Cornalina – recorte da entrevista)

Na proximidade da morte é comum que despontem aspectos como medo, apego e dor,

que precisam ser abordados e olhados em seus aspectos psicológicos e emocionais, junto a

emergência de aspectos de natureza espiritual, que aparecem na forma de questionamentos

acerca da vida, do sentido, da morte, do que a sucede ou não etc, sendo importante que o

processo de atuação profissional na proximidade da morte avalie as peculiaridades contextuais

e emocionais e não deixe de fora as particularidades do campo espiritual de cada sujeito

(Gimenes, 2017).

Nessa direção Coralina e Quartzo Rosa abordaram sobre a proximidade da morte

trazendo a temática da espiritualidade em CP, e o quanto pode ser uma fonte de conforto para

as dores do paciente

Como já sinalizado, nos CP desde sua gênese é proposta a inclusão a dimensão espiritual

no cuidado (Evangelista, Lopes, Costa, Batista, et al., 2016; Saporetti, 2009). E esta não se trata

apenas de uma aproximação teórica, mas é sobretudo prática, como sinalizou Cornalina.

Pessini destacava que “o último capítulo da vida é a derradeira oportunidade de viver

toda sua potencialidade” (Pessini, 2018, p. 58), que pode se dar através da conexão com

aspectos transcendentes de si, que não se condiciona necessariamente a aspectos religiosos.


88

O fato é que os cuidados paliativos enunciam a importância do olhar integral para os

moribundos com finalidade de preservar sua dignidade e integridade, mesmo no final da vida,

de modo que a espiritualidade não poderia ficar de fora deste processo, sendo importante a

atenção às necessidades de apoio familiar, de perdão, de amor, de crenças, de fé, de esperança

e tantas outras que se circunscrevem no cuidado espiritual (Evangelista, Lopes, Costa, Abrão,

et al., 2016), o qual favorece a maximização das potencialidades das pessoas, valorizando suas

capacidades, renovando suas esperanças e lhes permitindo lidar com suas problemáticas de

forma mais saudável (Dal-Farra & Geremia, 2010; Koenig, 2002).

A atenção à espiritualidade faz parte do projeto de preservar e olhar para o que é

importante para o paciente, produzindo e favorecendo cuidados humanizados, facilitando seu

relacionamento com pessoas queridas, focando nas questões existenciais que precisam ser

finalizadas e cuidando do legado deixado pela pessoa, no intuito de preservar e cuidar da vida

enquanto ela existe e não de obstinadamente a prolongar (Pessini, 2018a).

Assim, ao profissional de psicologia, como aos demais, cabe o cuidado espiritual, o que

não implica em atendimento religioso, que pode e deve ser incentivado pela equipe se assim

fizer sentido para o paciente, mas que deve ser realizado em seus ritos e sacramentos por um

sacerdote habilitado (Saporetti, 2009). Assim, também para que sejam feitas essas distinções:

do que cabe ou não a cada profissional, é importante compreender o que estes entendem por

espiritualidade e religiosidade, e como orientam suas práticas a partir disto. Deste modo, o

capítulo subsequente se lança a compartilhar as concepções de saúde-doença e morte e suas

aproximações e interfaces com a temática da espiritualidade e religiosidade, bem como as

concepções das profissionais de psicologia neste estudo entrevistadas.


89

5. A ESPIRITUALIDADE/RELIGIOSIDADE NOS PROCESSOS SAÚDE-DOENÇA-

MORTE E O OLHAR DA PSICOLOGIA

A espiritualidade e a mística são os


grandes gestores da esperança, dos
grandes sonhos (...). Reafirmam o futuro
da vida, contra a violência cruel da morte

Leonardo Boff

A proposta deste capítulo é trazer a presença de elementos vinculados à espiritualidade,

religiosidade e religião em algumas concepções de saúde-doença-morte, trazendo modelos que

os levam em consideração e outros que às excetuam ou as põe em plano secundário. Ademais,

discute-se as concepções que as profissionais de psicologia, que atuam em Cuidados Paliativos

(CP) na proximidade da morte, têm de espiritualidade, religiosidade e religião, demarcando a

diferença entre cada um dos conceitos, mas também elucidando algumas de suas proximidades,

decorrente do processo de que por muito tempo foram tidas como sinônimos.

5.1 Espiritualidade e Religiosidade nos processos saúde-doença-morte

O processo de saúde e doença é atravessado por uma série de complexidades, tendo em

vista que o que se considera saúde e doença reflete diferentes aspectos, de modo que a saúde

não representa a mesma coisa para todas as pessoas, estando condicionada pela época, pelo

lugar, pela classe social e dependendo de valores individuais, concepções científicas, religiosas,

filosóficas (Scliar, 2007).

O conceito de saúde, e o mesmo se dá com o de doença, varia de acordo com os

contextos e tempos. Ao longo da história a humanidade busca-se compreender os processos e

fatores determinantes do adoecimento e da morte, no esforço e intuito de adiá-los ou evita-los

pelo máximo tempo possível. Para tanto, criam-se modelos que auxiliem na explicação desses
90

fenômenos, que buscam dilucidar a que diz respeito a doença e mesmo a morte (Ceballos,

2015). Compreensão esta que parte de um conceito ou modelo de saúde, pois é a partir dele que

se significa o que é doença e por qual razão ocorre a morte.

Por conseguinte, na trajetória das concepções e da prática sobre a saúde e a doença

estruturam-se paradigmas, que são modelos que objetivam explicar esses fenômenos (Barros,

2002). Para tanto, cada modelo agrega na sua concepção saberes referentes a diferentes fases

da história, no entanto, aos modelos não há limites temporais precisos, posto que por vezes

diferentes paradigmas se sobrepõem e coexistem (Ceballos, 2015).

Almeida Filho & Rouquayrol, (2006) destacam cinco principais modelos explicativos,

dentre os quais está o modelo mágico-religioso, junto ao modelo biomédico, ao modelo

processual, ao modelo sistêmico e ao modelo de determinação social da doença. Acrescentamos

no âmbito dessa discussão a concepção hermenêutica de saúde para pensarmos uma

contraposição ao modelo biomédico, e a compreensão do conceito de cuidado humanizado, uma

vez que em nosso entendimento ele se aplica aos princípios filosóficos e práticos dos CP até a

proximidade da morte (Ayres, 2004; Gadamer, 1997; Nogueira da Silva, 2014).

No que diz respeito a concepção mágico-religiosa, predominante na antiguidade,

podemos dizer que se partia, e parte, do princípio de que a saúde resulta da ação de forças

alheias ao organismo, decorrentes do pecado ou de maldição e que a doença se instaura quando

essas forças se introduzem nos corpos (Scliar, 2007). Nesta, o adoecimento resulta de

transgressões de natureza individual ou coletiva, produzidas pelo distanciamento do ser com o

divino, sendo requeridos rituais para que se reatasse o enlace com as divindades (Barros, 2002)

e consequentemente se restaurasse a saúde. Tendo em vista que, o modelo mágico-religioso é

marcado pela noção de pecado-doença e redenção-cura (Ceballos, 2015).


91

Outro aspecto desta perspectiva é que as relações com o mundo natural se operam a

partir de uma cosmologia que inclui deuses caprichosos e espíritos tanto bons quanto maus

(Barros, 2002).

Para os hebreus antigos, entretanto, a doença não era necessariamente decorrente da

ação de demônios ou de maus espíritos, mas representava um sinal de cólera divina frente aos

pecados humanos, a doença era então um sinal de desobediência, a enfermidade proclamava o

pecado. Com isso, Deus era o Grande Médico: “Eu sou o Senhor e é saúde que te trago” (Êxodo

15,26), “De Deus vem toda a cura” (Eclesiastes, 38, 1-9) (Scliar, 2007).

Em outras culturas, quem se encarregava da expulsão dos maus espíritos e da cura das

doenças eram os xamãs ou feiticeiros tribais, que mediante rituais buscavam restaurar e

reintegrar o doente ao universo total, do qual ele é parte, universo este não considerado inerte,

mas sim que “vive” e “fala” – uma espécie de macrocorpo do qual o Sol e a Lua são olhos, os

ventos a respiração, as pedras os ossos, a que Scliar (2007) chama homologação

antropocósmica.

Entre os índios Sarrumá, que vivem na fronteira entre Brasil e Venezuela, o conceito de

morte natural ou mesmo por acidente praticamente inexiste, sendo o morrer resultado da

maldição de um inimigo, ou então decorrente de alguma conduta imprudente, como comer um

animal tabu. De modo que é incumbência do xamã convocar espíritos capazes de erradicar o

mal, fazendo uso de canções xamanísticas e utilizando plantas com substâncias alucinógenas

que são atrativos para os espíritos capazes de combater a doença, e que para ocupar este

importante lugar passa por um rigoroso e longo treinamento (Scliar, 2007).

A medicina e a perspectiva de saúde/doença do modelo mágico-religioso coexistem e

em algumas localidades vão mais tarde perdendo lugar para uma outra concepção,

fundamentada em um viés empírico-racional, que retira a sacralidade, do plano primário, dos

processos de saúde, doença e cura, portanto, também do enfrentamento da morte. Este modelo,
92

parece nascer nas grandes civilizações do Oriente Médio, como a tradição egípcia, sendo esta

concepção pré-científica encontrada também nas medicinas empíricas da Índia e da China (3000

a. C.), a medicina ayurveda e chinesa, respectivamente, em que os elementos mágico-religiosos

não estão mais em um primeiro plano e sim em uma posição secundária.

Esta concepção empírico-racional e pré-científica também esteve presente na medicina

da Grécia clássica, a qual tinha como referencial de saúde e doença o equilíbrio dinâmico ou o

desequilíbrio de elementos que compunham o organismo. Apesar de haver na mitologia grega

várias divindades vinculadas à saúde, a medicina na Grécia Antiga vincula-se principalmente a

métodos empíricos, e não apenas a procedimentos ritualísticos, sobretudo a partir das

contribuições de Hipócrates (460-370 a.C.) (Balestrin & Barros, 2009), substituindo a crença

na superstição pela crença racional sobre as causas das doenças (Branco, 2003).

Embora não mais dominante, o modelo mágico-religioso permanece presente em algum

nível em alguns modelos de saúde que presentes na atualidade, embora estes não se enquadrem

nas práticas de saúde hegemônicas. Havendo registros de segmentos religiosos de diferentes

culturas que mantêm práticas de proteção ou de cura de doenças (Bobsin, 2003; Cerqueira-

Santos, Koller, & Pereira, 2003).

No Brasil, entre os exemplos consideravelmente comuns estão as benzedeiras, as

cerimônias de cura, as cirurgias espirituais, o fluxo de energias, o uso de patuás ou amuletos, o

“pagamento” de promessas e outros ritos relacionados à saúde (Ceballos, 2015). Práticas que

nos remetem à religiosidade enquanto expressão de determinada religião e que são

marcadamente dissidentes do logos iluminista newtoniano, dominante na atualidade, mas que

se perduram através do tempo sendo redescobertas de época em época pelo olhar civilizador do

Ocidente (Luz, 2005).

O modelo biomédico, produto da modernidade e consequente da lógica positivista

cartesiana, desbanca, então, o modelo mágico-religioso, diminuído sua força, porém sem nunca
93

o erradicar. Assim, é com advento da modernidade que se distancia radicalmente desta

concepção e deste olhar mágico-religioso nos processos de saúde, doença e morte no ocidente.

De modo que este passa a ser vigorosamente questionado, haja vista a tendência à separação do

que é da ordem espiritual-subjetiva-contextual da medicina, que no paradigma biomecânico

deveria ser exclusivamente baseada na biologia, na física e na química orgânica (Santos, 2009).

O século XX inaugurou um olhar predominantemente crítico e negativo às questões

vinculadas a religião e a espiritualidade, em decorrência do desenvolvimento da ciência

moderna, em que a princípio não parecia ter espaço para o tema, que parecia fadado a

desaparecer com o avanço da ciência e da razão (Moreira-Almeida & Lucchetti, 2016),

subestimando e desqualificando, no campo da saúde, que inclui a saúde mental, as crenças e as

práticas religiosas de pacientes (Koenig, 2007).

Tendo em vista que estas estavam associadas, como pode-se identificar nos estudos de

Sigmund Freud (1856-1936) à neurose e, portanto, atuava como aspecto limitante dos sujeitos

(Freud, 2010; Pereira & Chaves, 2016). Tínhamos nesse raciocínio mais elementos para a

desqualificação da religião em sua ligação com o cuidado e cura, e uma associação ao

adoecimento. Stanley Hall (1846-1924), por sua vez, coloca o campo da psicologia e das teorias

psicológicas, enquanto ciência como espécie de substituto das religiões. De modo que, o que

escapava ou buscava articulação entre o mundo da “matéria” e do “espírito”, à revelia do

modelo dualista cartesiano, foi marginalizado e tido como ruído para a ciência (Pereira, 2018).

Entretanto, apesar da ode à ciência e a racionalidade que supostamente antagonizava a

religião, as atitudes negativas relacionadas à religião não eram, tampouco, embasadas em

pesquisas científicas nem em estudos sistemáticos (Koenig, 2007).

Ademais, mesmo ante a proclamação histórica da racionalidade e da dessacralização das

sociedades modernas, o espiritual sempre buscou e encontrou, mesmo que silenciosamente,

novas formas de se manter vivo (Costa Catré, Ferreira, Pessoa, Catré, & Catré, 2016).
94

O alinhamento no ocidente ao modelo cartesiano deslocou o saber e o olhar do doente

para a doença (Nogueira da Silva, 2014), favorecendo práticas de saúde que se afastavam das

dimensões da subjetividade e excluíam a questão da espiritualidade e religiosidade no cuidar.

Fato passível de duras críticas no contexto contemporâneo, mas que também nos permitiu

consideráveis progressos, derivando de necessidades concretas de desenvolvimento de novos

estratégias e meios de cuidado, trazendo sem dúvidas não só retrocessos para o campo da saúde

(Santos & Incontri, 2010), assim, não negamos a importância fundamental e os avanços que o

modelo de ciência moderna favoreceram.

Todavia, não negligenciamos as limitações deste modelo, por ser ele insuficiente quando

se pretende retirar o foco exclusivista da doença, e intenta-se um debruçar para a saúde e o

cuidado que podem ser produzidos, para além de uma perspectiva biologicista e sem restrição

apenas aos mecanismos biológicos. E sim, enquanto forma de andar a vida, e possibilidade de

realização de um cuidar humanizado (Alves, 2010; Nogueira da Silva, 2014).

Com o aumento das doenças crônico-degenerativas fica-se cada vez mais claras as

limitações de ações curativas isoladas, de modo que é imprescindível repensar os modos da

educação em saúde tradicional, já que este novo cenário exige transformações nas formas de

cuidado, bem como, por vezes, nos modos de vida dos pacientes e grupos. Sendo assim, diante

desta problemática a espiritualidade surge como um elemento de promoção de saúde,

trabalhando justamente com as dimensões pouco palpáveis do ser, como suas motivações

profundas e sentidos últimos da existência. Resgata-se também o uso da espiritualidade no

enfrentamento dos problemas de saúde, tradição inclusive milenar, porém olvidada na

modernidade (Vasconcelos, 2006) e revista na contemporaneidade.

O modelo biopsicossocial, resultado do cansaço da medicina reducionista que abrevia o

humano à dimensão biológica (Pessini & Bertachini, 2010), têm ganhado cada vez mais força

nos cuidados em saúde, trazendo ao campo a compreensão de que o cuidado, bem como o alívio
95

do sofrimento não se restringe apenas à dimensão física, mas que se amplia para incluir aspectos

mentais e espirituais, aproximando-se e promovendo assim integralidade no cuidado (Oliveira

et al., 2013).

Porém, o modelo biopsicossocial não é o único que fornece outra perspectiva à

racionalidade científica presente no modelo biomédico de saúde. A recusa à visão segmentada

das pessoas, de seus processos de adoecimento e contextos é também questionada a partir de

um prisma hermenêutico de saúde, que nos chama atenção para a necessidade de uma ruptura

paradigmática, que não propõe negar ou “satanizar” o modelo anterior e suas contribuições,

mas superá-lo em função da busca do que representa saúde para cada sujeito, não a trazendo

como usual oposição à doença, mas sim como um experiência de caráter contrafático,

caracterizada como conceito dinâmico, a ser “(re)conhecida a cada vez, enquanto e porquanto

se vive”, de feitio existencial e intersubjetivo, associando-se as ideias compartilhadas e de cada

um de bem-viver (Ayres, 2007, p. 48). Neste modelo, a saúde é tomada não como ausência de

doença ou polaridade desta, mas sim como uma experiência de busca contínua e socialmente

compartilhada de meios, para evitar, manejar ou superar os processos de adoecimento, na sua

condição de indicadores de obstáculos entre indivíduos e coletividades à realização de seus

projetos de felicidade que são de certo modo a referência do que é importante para os sujeitos

cuidados – enquanto totalidade compreensiva na qual se adquire sentido concreto para suas

demandas (Ayres, 2007), que diz de uma expansão do horizonte normativo (Ayres, 2005)a.

No remate do século XX e início do século XXI cresceram consideravelmente os

estudos acerca da espiritualidade/religião e saúde em todo mundo (Koenig, 2007; Moreira-

Almeida, 2007, 2012), sendo o Brasil um dos países que mais significativamente tem

contribuído para esta expansão (Damiano et al., 2016; Giancarlo; Lucchetti & Lucchetti, 2014).

Neste ínterim o envolvimento religioso e espiritual surge como uma variável que vem ganhando
96

cada vez mais relevância e reconhecimento como indicador de saúde, na busca de promoção e

de cuidado integral (Borges et al., 2015).

A medicina atual vive, pois, uma transição à procura de novas fronteiras e caminhos

para seu aperfeiçoamento e evolução do conhecimento (Peres et al., 2007), havendo para tanto

contribuições de diferentes áreas, com a reconhecida tendência para o estudo da espiritualidade,

mas que se junta às colaborações científicas da biologia molecular, da genética, da farmacologia

e acupuntura (Koenig, 2004).

Gadamer (1997) também se referindo à medicina nesse contexto de disseminar um

cuidado instrumental dissociado do universo subjetivo do paciente, nos alerta para a

necessidade de se aprender a estabelecer pontes e conexões entre o saber teórico, que é da ordem

das generalidades e o saber prático, que diz da situação sempre única de cada paciente, não

devendo haver menosprezo pelos recursos tecnológicos existentes, porém de um modo que

estes não sejam utilizados como finalidades em si mesmos, mas sim enquanto recursos ao

cuidado, sendo importante abertura e atenção nas práticas, inclusive às falhas, em direção a uma

atuação aberta a se tornar cada vez mais humana (Remião, 2010). Logo, senão opõe, sugere

transformação e reconstrução prática das bases normativas da racionalidade hegemônica. E é

também no encontro, na fusão de horizontes que se pode conhecer os projetos de felicidade que

envolvem a construção da saúde.

Para tal, é preciso entender o “cuidado como designação de uma atenção à saúde

imediatamente interessada no sentido existencial da experiência do adoecimento físico e

mental, e por conseguinte, também das práticas de promoção ou recuperação da saúde” (Ayres,

2004, p. 22), bem como, esse cuidar implica na atenção existencial às práticas relacionadas ao

acompanhamento do processo de morte dos pacientes (Nogueira da Silva, 2012b). Conceito

este alinhado aos princípios dos Cuidados Paliativos.


97

Deste modo, o lugar das crenças religiosas e espirituais, enquanto aspecto individual e

pertencente a subjetividade e história de cada sujeito, têm recebido cada vez mais atenção na

assistência à saúde e nos processos de morte, considerando-se inclusive que a religiosidade

pode também atuar de forma preventiva nos desfechos em saúde, estabelecendo um claro e

novo paradigma a ser efetivado na prática diária dos profissionais que se estrutura nessas

justamente na relação entre essas duas dimensões – espiritualidade e saúde (Peres et al., 2007).

Todavia, há uma infinidade de formas de incluir a espiritualidade nos cuidados.

Ancorando-se na Hermenêutica Gadameriana, entendemos que para tal inclusão é preciso que

não se crie um outro horizonte normativo restritivo, que vise regulação da vida social (Ayres,

2005), ou mesmo restrição das práticas de saúde. Ou seja, trata-se de defender que não se inclua

uma dada abordagem da espiritualidade como regra estrita, entretanto, é preciso estarmos

atentos a fim de não se fixar em um abstracionismo excessivo, que nos subtrairia a possibilidade

de aprender com as experiências já vividas.

Por conseguinte, a preocupação dos profissionais de saúde deve ser de que as pessoas

enfermas sejam atendidas e compreendidas em suas singularidades, incluindo o olhar aos

significados e formas com que cada sujeito lida com a doença (Oliveira et al., 2013),

recuperação da saúde e morte. Sendo assim, faz-se também importante compreender os lugares

possíveis da religião, religiosidade e espiritualidade no cuidado, no entanto, para tanto, é

importante também o entendimento do que se trata quando se referencia espiritualidade e

religiosidade nos cuidados, assim, compartilha-se a seguir as concepções trazidas pelas

psicólogas colaboradoras deste estudo.

5.2 Religiosidade, Espiritualidade e Psicologia: quando algo maior conforta!


98

A religião era uma forma de teimosia. As


preces nos faziam perserverar...

A Desumanização – Valter Hugo Mãe

A trajetória histórica percorrida pela temática da espiritualidade, desde a antiguidade ao

mundo contemporâneo foi marcada por diferentes momentos, desde um lugar indistinto da

religião, a um movimento de recusa do tema à sua reintegração, ou esforço para tal, na

atualidade no campo das investigações científicas e da saúde, com aumento significativo na

produção científica nas últimas décadas (Koenig, 2007).

Neste momento de nosso escrito dialogaremos com as narrativas das colaboradoras,

acerca de como conceituam a espiritualidade, a religiosidade e a religião, as quais independente

de suas distinções e possíveis proximidades conceituais, foram sinalizadas como elementos que

auxiliam no processo de enfrentamento no contexto de proximidade da morte nos Cuidados

Paliativos (CP).

5.2.1 Espiritualidade, algo maior: entre o sagrado e o mundano

As falas das colaboradoras, apesar de suas diferenças trouxeram algo em comum: a

espiritualidade como algo abrangente, amplo e que toma a religião ou mesmo a religiosidade

como referência, embora dissemelhantes entre si. Dialogando, assim, com o fato de que

historicamente, religião, religiosidade e espiritualidade são conceitos que estiveram em um

campo de substancial aproximação, tendo sido inclusive tomados como correspondentes

durante muito tempo, o que favorece a usual confusão e até indistinção entre ambos,

principalmente no senso comum, sobretudo quando se fala em espiritualidade e religião, afinal,

o uso dos dois termos como independentes ou destacados um do outro, de acordo com Koenig

(2012), deu-se apenas em torno da década de 60 e 70 do século XX.


99

A espiritualidade se trata de um conceito historicamente recente, e portanto ainda em

construção (Calvani, 2014). Fato que acentua ainda mais a necessidade e importância de

compreender o que se quer dizer quando se fala sobre espiritualidade, religiosidade e religião,

já que a utilização destes termos inapropriadamente e sem consistência pode ocasionar

problemas a este campo de pesquisas, quanto a validade e coerência de suas produções (Borges

et al., 2015).

Porém, mesmo ante a proximidade com que por muito tempo foram entendidas religião

e espiritualidade, todas as colaboradoras deste estudo as diferenciou, concebendo a

espiritualidade como algo mais amplo de que a religião – maior, mais abrangente. Neste sentido

algumas falas ilustram este primeiro eixo temático:

Compreendo a espiritualidade como algo muito maior do que uma crença, do que
algo que é... específico... [...] não sei como colocar em palavras, como é que eu poderia
tá... mas eu acho que é isso mesmo, é algo que é muito maior de que uma crença, do
que algo que uma religião diz..

(Berilo – recorte da entrevista)

... Eu acho que é sentido, é algo maior que não diz de uma prática em si, de uma
oração que está escrita... [...] eu acho que a espiritualidade é o sentir, é algo muito
maior do que o rito em si

(Quartzo Rosa – recorte da entrevista).

Foi comum, entretanto, a menção à religião, à sua prática, aos ritos e às crenças, ao se

definir espiritualidade, destacando o que a literatura na área associa à espiritualidade no

ocidente a princípio estar não só associada a religião e a religiosidade, mas se trata mais de que

isso de uma construção a princípio propriamente teológica (Calvani, 2014).

Todavia, apesar dos desacordos acerca do conceito de espiritualidade, que parece ter

diferentes facetas e nuances, há convergência na fala das psicólogas entrevistadas e na literatura


100

convergindo na ideia da espiritualidade se tratar de um conceito mais abrangente de que a

religião e a religiosidade (Castro Filho, 2017), que pode ou não incluir em seu escopo a religião.

Compreendo como a crença que a gente tem numa força maior, de que tem algo além
da gente [...] eu acho que tem forças maiores que algumas pessoas chamam de Deus,
outras chamam de força da natureza ou sistema solar... sei lá como que cada um dá um
nome, mas eu acredito que espiritualidade ela tem a ver como eu vivencio essa minha
conexão com esse todo maior. Eu entendo que algumas pessoas vivenciam isso através
de uma religião e outras não tem religião e vivenciam da mesma forma.

(Tanzanita – recorte da entrevista)

Têm pacientes que tem uma religião, mas ele não é praticante, mas a espiritualidade
dele é bem desenvolvida, ele tem um contato com aquilo que dá sentido a vida dele, que
transcende a vida dele, de uma forma bem autêntica

(Olho-de-tigre – recorte da entrevista)

Já a fala de Berilo, anuncia ainda uma certa dificuldade em colocar em palavras o que

entende por espiritualidade, a qual de certo modo se associa à de Cornalina quando fala de

espiritualidade como algo que está para além do que se objetiva.

Seria algo que vai além do material, seria algo que vai além do que a gente poderia
objetivar, seria é... é algo que os pacientes possam tá trazendo diante do que eles
acreditam independente de religiosidade, de religião, mas que envolve fé deles em algo,
que é deles e isso é muito particular, singular de cada um, então, é... eu diria algo
mais... algo mais subjetivo de que uma religião em si.

(Cornalina – recorte da entrevista)

Hufford (2010) diferencia espiritualidade e religiosidade definindo a primeira

objetivamente a partir de sua etimologia, como dimensão relacionada ao não material,

extrafísica da existência e que usualmente se refere ao invisível e intangível (Borges et al.,

2015), aspecto que também surge na fala de algumas colaboradoras, como por exemplo quando

Berilo traz “não sei colocar em palavras” ou quando Cornalina coloca “seria algo que vai
101

além do material, seria algo que vai além do que a gente poderia objetivar”. Aspectos estes

que podemos encontrar presente ainda em alguns dos apontamentos de Ken Wilber (2009) sobre

a espiritualidade, quando a associa, dentro de sua teoria de linhas e níveis de desenvolvimento,

aos níveis pós-pós-convencionais, tidos como dificilmente explicitados pela linguagem

objetiva.

Outro ponto importante que parece interseccionar-se com a espiritualidade é a questão

da fé, como destacado na fala de Cornalina, e que de fato muito se aproxima até de diferentes

conceitos de espiritualidade. De modo que, Breitbart (2003) descreve a fé como a crença em

uma força transcendente superior, que não é identificada diretamente com Deus, nem se

relaciona necessariamente com a participação em rituais ou crenças de uma religião específica,

podendo a fé ser identificada como uma força tanto interna quanto externa à psique humana,

tratando-se do relacionamento e da ligação com essa força, ou esse espírito, que é o componente

essencial da experiência espiritual, vinculando-se com o conceito de sentido. O sentido aqui

envolve a ideia de propósito, de uma vida que traz consigo a responsabilidade de realizar o

pleno potencial que cada ser humano têm, e que ao fazê-lo, é capaz de alcançar algum sentido

de paz, alegria ou mesmo transcendência, a partir do vínculo com alguma coisa maior do que o

próprio eu (Pessini, 2007).

Sobre a espiritualidade Ametrino compartilha:

A espiritualidade como essa dimensão maior que contempla a busca do sentido e esse
sentido pode estar sim vinculado a uma religião, a uma figura divina, mas também
pode tá ligada a um outras questões, a própria história de vida, a a própria, as relações
que foram estabelecidas ao longo da vida, a doença e os novos sentidos que advém da
experiência de adoecer, entre outras, então eu acredito que a espiritualidade, pelo
menos pelo que eu tenho lido né ela é uma dimensão maior, que também contempla a
religiosidade, mas que de modo geral, em linhas gerais fala sobre a busca do sentido
e e a gente tá o tempo todo nessa busca, e talvez para os nossos pacientes com
adoecimento grave essa busca ela fique mais... pulsante né, na experiência deles.
102

(Ametrino – recorte da entrevista)

E sinaliza assim para um outro ponto que muito tem se relacionado com as questões

tomadas como espirituais ou referentes ao campo da espiritualidade: a busca de sentido, do

sentido da vida e que também está para o quê faz sentido para cada pessoa, na direção de uma

dimensão espiritual que dialoga com o que propõe a Logoterapia proposta por Viktor Frankl

(2010), que se vincula não apenas à busca e sentido, mas também à capacidade humana de

ultrapassar a si mesmo na procura e em direção ao sentido que dê a sua vida (Carrara, 2016), a

que Frankl denominou autotranscendência (Frankl, 2003).

Uma das colaboradoras pontua:

A espiritualidade é aquilo que o paciente reconhece como algo transcendental e que


dá sentido à vida dele...

(Olho-de-tigre – recorte da entrevista)

Nesse momento da narrativa de Olho de tigre, surge o olhar para a espiritualidade

relacionado com o que é da ordem do transcendente e também do sentido.

O conceito ou a ideia de transcendência relacionada à espiritualidade, entretanto, não

está circunscrita apenas na perspectiva da Logoterapia. No processo de definir espiritualidade,

religião e religiosidade é comum que se faça referência aos conceitos de transcendência e

sagrado, e isto dar-se não só na literatura:

Eu acho que a espiritualidade é o que transcende, é o sagrado também, porque a prática


é um encontro com o sagrado, né... e a espiritualidade também é um encontro com o
sagrado, só que é algo maior, que transcende o tempo, que transcende o rito... eu acho
que é assim

(Quartzo Rosa – recorte da entrevista).

Nesta direção, Hill & Pargament (2003), importantes pesquisadores do campo,

compreendem a espiritualidade como um processo de busca pelo sagrado, no qual as pessoas


103

aspiram descobrir o que concebem como sacro em suas vidas, o que remete o conceito a um

campo de singularidade.

De acordo com Ferreira (2012) a interpretação mais antiga acerca do conceito de

transcendência é proveniente da relação humana com a ideia de divindade – em sentido

teológico, sendo neste o divino inacessível às coisas terrenas, pois se trataria de esferas

totalmente distintas, manifestando uma relação dialética permanente. Nas tradições religiosas,

a transcendência costuma surgir como algo a parte da realidade concreta, como a noção de Céu,

acima, em oposição a ideia de imanência, embaixo, que se destina ao humano que só acessa o

transcendente através de orações, meditações e outros recursos (Boff, 2000), mas que não o é

ou compõe. Porém, quando tomamos a transcendência como exclusivamente divina estamos a

colocando no campo da religiosidade.

Já Vasconcelos (2006) a considera a como uma experiência de contato com dimensões

que transcendem aquilo que é da ordem da normalidade e da cotidianidade na vida humana,

estando cercada de sentidos existenciais potentes, capazes de modificar e reorientar as

trajetórias de vida das pessoas.

Ainda no que se refere a relação entre espiritualidade e transcendência Silva, Ferreira,

& Silva (2016), quando sustentam a tese de uma espiritualidade que se relaciona radicalmente

com a natureza da subjetividade a colocam como próprio elemento vinculado a transformação

e a possibilidade de autotranscendência de si, enquanto conceito que os limites de um “eu” fixo

e essencialista, abrindo espaço para infinitas construções de si e do outro, ideia que possibilita

olhar a espiritualidade também como movimento de transformação, que está para um processo

de tornar-se cada vez mais humano, o qual pode se vincular diretamente com a forma como as

pessoas se relacionam com a vida e o mundo. Tanzanita traz em sua fala a associação que faz

entre espiritualidade e uma espécie de concretude e imanência, que se expressa a partir da

relação como o mundo, que pode ser expressa a partir de atitudes diante da vida:
104

Princípios que norteiam o que eu acredito que seja espiritualidade: de você estar nesse
mundo, de você ser generoso, de você ser bom com as pessoas que estão ao seu redor,
de você ser grato por tá com saúde, de você poder fazer por outras pessoas o que já
puderam fazer por você, ou o que você puder colaborar de alguma maneira... você
poder colaborar... eu acho que isso é um meio da gente vivenciar a espiritualidade.
Eu acho que a espiritualidade ela fala da forma como eu estou no mundo
(Tanzanita – recorte da entrevista).

A espiritualidade pode ser tomada como uma busca do ser humano por um sentido e

significado transcendente da vida, que se relaciona ao que pode ser concebido como qualidades

do espírito humano, como amor, compaixão, tolerância e noções de responsabilidade e

harmonia, que estariam voltadas para si, mas também para o outro (Pessini, 2010), visão que se

aproxima de Wilber (2009) quando ele exprime que a espiritualidade pode ser como que uma

atitude humana, com a sinceridade, o amor, a compaixão (Ferreira, Silva, & Silva, 2016b).

Murakami & Campos (2012), em consonância com o já pontuado, refere que a diferença

entre religião e espiritualidade está justamente no significado mais amplo desta última, ademais,

acentua-a como um sentimento pessoal, que estimula um interesse pelos outros e por si, além

de um sentido de significado da vida capaz de fazer suportar sentimentos debilitantes, como

raiva, culpa e ansiedade.

As falas trazidas pelas colaboradoras, de modo geral, alinham-se com um principais

conceitos utilizados no campo da saúde para espiritualidade, proposto por Harold Koenig, que

a enfatiza como uma busca pessoal relacionada às questões últimas acerca da vida, de seu

significado e da relação com o sagrado e o transcendente, que independe da religião, já que

pode ou não conduzir ou originar rituais religiosos (Koenig & McCullough, 2001) bem como

aponta, a partir das diferentes falas, concepções e visões para a polissemia do termo e sua

ausência de consenso, haja vista a complexidade do mesmo (Costa Catré et al., 2016).

Desta forma, a partir do trazido por nossas colaboradoras em diálogo com a literatura,

nos encontramos no trânsito deste estudo com um conceito de espiritualidade que independe da
105

religião, podendo ou não se relacionar a ela, mas que é fundamentalmente mais amplo de que

qualquer concepção, crença ou perspectiva religiosa, relacionando-se assim não só com o

conceito de fé, transcendência e sagrado, mas vinculando-se ainda busca de sentido na

existência, como algo que tem em seu âmago vínculo com o campo da espiritualidade, que se

contextualiza e ancora na relação com as pessoas e com o mundo, mas que é também

essencialmente subjetivo e singular.

5.2.2 Da estruturação da religião à prática da religiosidade: crenças que confortam

Como já elucidado anteriormente, religião, religiosidade e espiritualidade são conceitos

que historicamente têm uma importante aproximação no ocidente, de modo que também no

processo de conceber religiosidade houve marcante referência à religião na fala de nossas

entrevistadas, de modo que para conceber religiosidade muitas delas fizeram referência à

religião, assinalando a religiosidade principalmente como uma prática da religião, mas ainda

assim mais ampla. As colaboradoras conceituam religiosidade com íntimo vínculo com a

religião, neste sentido traz-se aqui algumas falas nesta direção, no que se refere a religião dizem:

Religião eu nomeio mesmo, é católica, espírita, evangélica... candomblé... eu falo


todas [...] religiosidade eu vejo mais focado pra questão de acreditar nas crenças de
determinada religião, por exemplo, o católico, que tem a questão dos santos, a questão
de maria, já tem toda uma questão de crença, vamos dizer assim, e aí cada um vai tendo
a sua. O espiritismo eu já vai ter a crença no pós morte...

(Ônix – recorte da entrevista)

A religião é como eu falei, é a crença que a pessoa tem em um determinado conceito


religioso

(Olho-de-tigre – recorte da entrevista)


106

Trata-se, assim, a religião como conjunto de crenças, práticas específicas e cosmologia

estruturadas a que podemos dar nome, pode ser católica, espírita ou quaisquer outras, sendo a

religião a crença em um dado conceito religioso. Cornalina, acrescenta:

Ah já é algo mais estruturado, dentro de dogmas, dentro de princípios que delimitam


e que diferencia uma da outra, com uma visão de homem, de mundo particular de cada
uma, com suas crenças e restrições e limitações e possibilidade também né.

(Cornalina – recorte da entrevista)

A religião em algumas das falas e na literatura surge como um sistema que fornece o

conteúdo simbólico, moral e ritual das crenças (Franco, 2013). O clássico conceito de Harold

Koenig também aponta nesta direção, quando a refere como sistema de crenças práticas, rituais

e símbolos que facilitam a proximidade com o sagrado e o transcendente (Koenig &

McCullough, 2001). No entanto, as falas das entrevistadas não fizeram menção expressa ao

aspecto sagrado e transcendente que pode haver nesta relação com a religião.

Ainda sobre esta, e seu aspecto estruturado e delineado, Vasconcelos (2005) pontua

“refere-se à organização institucional e doutrinária de determinada forma de vivência religiosa”

(Vasconcelos, 2005, p. 29). A religião é, então, apontada como conjunto de crenças, práticas

rituais e linguagem litúrgica que qualifica uma comunidade que está em busca de dar

significado transcendente às fundamentais da vida, do nascimento à morte (Pessini, 2018a),

trazendo a ideia de comunidade que também surge nas falas, porém, principalmente no que se

refere a religiosidade, como veremos adiante.

Moreira-Almeida & Stroppa (2008) traz ainda que a religião pode ser uma espécie de

aspecto institucional da espiritualidade, como também coloca Tanzanita:

A religião é a espiritualidade formatada em algum dogma ou em alguma crença


específica, como tudo que advém daquela formatação [...] eu entendo que a formatação
da religião é o que organiza a vivência dessa espiritualidade, mas aí eu entendo que na
religião essa vivência dessa espiritualidade ela ficou muito restrita a um recorte... a
107

uma crença. Não que a religião ela se restrinja, mas eu acho que as pessoas vivenciam
dessa forma”

(Tanzanita – recorte da entrevista)

Apesar de não ser incluída explicitamente a concepção de sagrado e transcendente no

movimento de elucidar a religião, as colaboradoras na referência à religiosidade incluíram a

concepção de sagrado:

A prática religiosa eu vejo ligada eu vejo ligada a uma crença específica [...] a ritos
específicos [...]. Eu acho a religião um elemento/um aspecto muito sagrado, acho, e
acho que nesse contexto aí se torna mais sagrado

(Quartzo Rosa – recorte da entrevista).

Sobre a religiosidade diz-se ainda:

A religiosidade acho que ainda é mais amplo de que a religião, a religiosidade é... Seria
algo mais amplo de que a religião, que talvez envolvesse o comportamento da pessoa
em relação a religião que ela segue... não sei se seria algo diferente disso.

(Cornalina – recorte da entrevista)

o faz estar inserido num grupo específico, então, por exemplo, o grupo, eu sou católica,
ou então espírita, sou evangélica... eu faço para de um grupo que tem aquela crença
sobre aquela religião.

(Olho-de-tigre – recorte da entrevista)

Aspecto que dialoga com Murakami & Campos (2012) que fazem alusão ao referir a

religiosidade como algo que é mais abrangente que a religião. Ademais, a religiosidade vincula-

se também o modo como se vivencia a religião:

A religiosidade ela tem a ver com a maneira como a pessoa vai vivenciando essa
religião... os dogmas que ela tem a respeito, os rituais, a sua maneira de funcionar para
além daquilo que é instituído.

(Tanzanita – recorte da entrevista)


108

Isto é, diz também respeito ao nível de envolvimento religioso e o seu reflexo na vida

da pessoa para além do espaço circunscrito pela religião, influenciando no cotidiano da pessoa,

nos seus hábitos e na sua relação com o mundo (Moreira-Almeida & Stroppa, 2008). Com

relação a estes aspectos, que dizem respeito a religiosidade de acordo com os autores

anteriormente mencionados, Tanzanita argumenta que nem sempre no processo de exercer uma

religião esses fatores todos se alinham.

Tem muita gente que vive religião, segue aqueles rituais ali mas é como se aquilo dali
fosse um recorte, é como se não falasse de como aquela pessoa é no mundo [...] mas eu
percebo que tem muita gente que frequenta templos religiosos, se diz é... de uma
determinada religião, mas que não consegue praticar isso no dia-a-dia, tá entendendo?!

(Tanzanita – recorte da entrevista)

De modo que, no que diz respeito apenas à reprodução dos rituais, fala-se de religião e

não necessariamente de religiosidade, em situações em que a experiência da religião não

reverbera no modo como as pessoas se relacionam com o mundo.

Há ainda muitos modos de se relacionar com a religião, de maneira que Allport & Ross

(1967) diferenciam a religiosidade em intrínseca e extrínseca, a depender de como se dá essa

relação. Sendo a religiosidade intrínseca aquela em que a expressão da religião em si é tida

como o próprio fim pelo praticante; já a extrínseca dá-se quando a religião não um fim em si,

mas um meio para outros fins e interesses, como incluir-se em uma comunidade.

A religiosidade é ainda relacionada ao praticar, à prática de uma religião, bem como a

vivência de suas crenças (Koenig & McCullough, 2001), como pontua Ametrino ao diferenciá-

la de espiritualidade:

Eu faço essa diferenciação, que é uma diferenciação que parece ser a mais recorrente,
a religiosidade como essa que se aproxima das práticas religiosas, a prática cristã, a
prática protestante, budista...

(Ametrino – recorte da entrevista)


109

Assim, registra-se a partir das falas das colaboradoras deste estudo não só a proximidade

que há entre os conceitos de religião e religiosidade, de modo que para definir um é usual fazer

referência ao outro, mas principalmente a distinção que existe entre esses dois, estando a

religião muito mais vinculada a um sistema de crenças, ritos e modos de funcionar específicos,

tendo uma estruturação e muitas vezes até normas que a marcam e a religiosidade enquanto o

exercício, expressão ou mesmo prática da religião, sendo mais ampla que ela e estando

vinculada com a forma como nos colocamos no mundo e que pode ter também relação, tanto

com o sagrado, quanto ao transcendente. As dissemelhanças e aproximações chamam atenção

à complexidade envolvida nestas concepções, de modo que é importante a busca em

compreender como estas concepções se expressam na prática das psicólogas colaboradoras, isto

é, como se dá sua abordagem, quais seus desafios, limites e potências – aspectos pelos quais

transitaremos no capítulo seguinte.


110

6. ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE NO CUIDAR ESPIRITUAL DA

PSICOLOGIA DIANTE DA MORTE

Resta, acima de tudo, essa capacidade de


ternura. Essa intimidade perfeita com o
silêncio [...]. Resta essa vontade de chorar
diante da beleza [...]. Resta essa faculdade
incoercível de sonhar. De transfigurar a
realidade [...] e essa pequenina luz
indecifrável. A que às vezes os poetas dão
nome de esperança.

Vinícius de Moraes

Os capítulos anteriores, desde o passeio pela temática da morte aos Cuidados Paliativos

(CP) e seu convite à espiritualidade ou mesmo às diferentes concepções tanto de saúde, doença

e morte, quanto de espiritualidade, religião e religiosidade nos trazem até este último capítulo.

Neste momento nos dedicamos à relação da psicologia com a espiritualidade e seus

desdobramentos no cuidar diante da morte, apresentando motivações de nossas colaboradoras

na inclusão da espiritualidade e suas facetas tanto religiosas quanto não religiosas no cuidado,

desvelando o modo como estas profissionais incluem a espiritualidade em suas práticas, o seu

“como fazer”. Compartilham-se ainda as dificuldades que envolvem esta inclusão, marcadas

pelos diferentes modos de lidar com a morte, pela restrição no processo de formação dos

profissionais no que se refere à espiritualidade, atentando-nos ainda para os desafios éticos

presentes neste campo, que apesar de desafiador e de tantas limitações é marcado pela potência

que a espiritualidade pode ter no cuidar do outro e no cuidar de si.


111

6.1 Psicologia e Espiritualidade: alguns apontamentos

...invento a felicidade para compor todas


as coisas e não haver preocupações
desnecessárias. E inventar algo bom é
melhor do que aceitarmos como definitiva
uma qualquer realidade má (...). O
importante é desenvolvermos coisas boas,
das de pensar, sentir ou fazer.

O paraíso são os outros - Valter Hugo


Mãe

A relação entre Psicologia e Espiritualidade percorreu distintos caminhos ao longo do

tempo. Havendo, de acordo com Franco (2013) várias maneiras de abordar as convergências

entre as duas temáticas, sendo a espiritualidade que surge na prática clínica de psicoterapia e as

vivências diante da morte, dois dos possíveis pontos que as aproximam. Outrossim, pontua que

a confluência entre esses temas se dar ainda em razão de tanto a psicologia como a ideia corrente

de espiritualidade estarem vinculadas a busca pessoal de sentido, com ênfase no

aperfeiçoamento do potencial humano; podendo envolver ou não valores religiosos.

Entretanto, na busca em se firmar como ciência aos moldes da Ciência Moderna, boa

parte da psicologia cindiu seu olhar das questões relacionadas ao que é da religião ou religioso,

bem como ao que diz respeito à espiritualidade. Tendo em vista que mesmo com as

dissemelhanças existentes, não parece haver como separar totalmente espiritualidade, religião

e religiosidade (Valle, 1997).

Até pouco mais da metade do século XX, a psicologia que se relacionava à ordem do

religioso, do místico ou do mítico tendeu a ser, de certa maneira, condenada e descartada

(Ferreira, 2012; Moreira-Almeida & Stroppa, 2008). Todavia, ainda nesse ínterim houve

trabalhos no campo científico com alguma relação entre psicologia e espiritualidade, mesmo
112

que não se tenham proposto em fazer esta relação a princípio, como os estudos de William

James (1890, 1902), Stanley Hall, Lawrence Kohlberg (1992) e James W. Fowler (1992),

importantes à diferenciação entre religião e à espiritualidade no campo psicológico (Ferreira,

2012; Valle, 2005).

Após a realização de trabalhos eminentes no campo da psicologia, como os de C Jung,

E. Erikson, V. Frankl, G. W. Allport, E. Fromm, W. Grün, A. H., A. H. Maslow, G. Goldstein

e outros, começou-se a abandonar em parte a perspectiva negativa que no passado

caracterizavam seu confronto com a religião e a teologia (Valle, 2005). Construindo-se ainda

um processo histórico que foi forjando a espiritualidade como um campo distinto da

religiosidade (Franco, 2013). Havendo ainda nas últimas décadas aumento significativo da

produção científica sobre o tema (Koenig, 2007).

Apesar da falta de consenso a espiritualidade já é substancialmente vista como uma

dimensão constitutiva do humano, logo, ao desenvolvimento de sua totalidade é importante que

todos seus aspectos caros sejam contemplados (Gomes et al., 2014). Fato que reafirma a

relevância de que a psicologia que se propõe olhar para o que é da ordem da humanidade em

sua multidimensionalidade a leve em consideração.

Os diferentes campos da psicologia foram desenvolvendo olhares a seu modo para a

espiritualidade. De modo que há perspectivas que a contemplam mais fortemente e outras que

não a referenciam de forma tão marcante, ou mesmo a excetuam. Tradicionalmente a

Psicanálise, a partir das colocações de seu precursor, Sigmund Freud, terminou assumindo uma

trajetória de crítica e distanciamento à religiosidade e à aspectos da espiritualidade humana

(Cavalheiro & Falcke, 2014), tratando o tema como não importante à ciência, nem tampouco à

prática, exceto a ser visto como elemento limitante, atribuído à ignorância e visto como fator

de distorção do mundo real (Moreira-Almeida & Stroppa, 2008).


113

O behaviorismo, primeira grande força do movimento psicológico que se organizou nos

Estados Unidos a partir do início do século XX, de forma geral, também não focou fortemente

nas questões referentes à espiritualidade, bem como em sua perspectiva metodológica, fundada

em Watson, se apoiou no positivismo e no pragmatismo, atacando a introspecção e demais

aspectos humanos decorrentes de uma “vida interior”, colocando o comportamento como seu

objeto de estudo e olhar (Figueiredo, 1991).

De acordo com Barbalho (2015) a raiz etimológica da palavra Psicologia, do latim

Psyque que corresponde a alma e logos que se refere a estudo, logo diz respeito ao estudo da

alma, a qual tem sua origem na filosofia, que originalmente se propõe a estudar e compreender

o espírito, do latim spiritus. Valle (2005), entretanto, pontua que o cenário predominantemente

de recusa às questões da espiritualidade, mais vinculado à psicanálise e ao

comportamentalismo, vai se transformando gradativamente, quando novas aproximações e

movimentos dentro da psicologia foram surgindo.

Carl Gustav Jung (1897-1961) trouxe ricas contribuições a uma psicologia do sagrado,

incluindo a dimensão espiritual das pessoas, a partir de seus estudos sobre arquétipos e mitos,

inconsciente coletivo, sonhos e outros (Ferreira, 2012), destacando ainda a proximidade entre

o que é psicológico e o que é espiritual, já que as experiências espirituais e mesmo religiosas

dizem respeito ao que é próprio da psique humana (Jung, 1991), sendo a espiritualidade um

fator fundamental no desenvolvimento da personalidade (Jung, 2015), trazendo-a como aspecto

decisivo da vida humana e tratando-a como uma necessidade psíquica de “religio”, de se religar

e se conectar a algo maior e inteiro (Pereira, 2018).

Outro importante autor para o campo de relação entre psicologia e espiritualidade é

Viktor Frankl (1905-1997), criador da Logoterapia, que se insere na corrente das Psicologias

Existenciais, que em síntese é orientada pelo sentido das situações e da vida para cada sujeito

(Frankl, 2010). Salienta a dimensão espiritual, a que chama noética, como importante, estando
114

esta relacionada a vivência humana da liberdade e da responsabilidade, vinculada ainda a

capacidade humana de responder e se posicionar diante das situações de sua vida, dando-lhes

sentido (Coelho Júnior & Mahfoud, 2001; Lima Neto, 2013), inscrevendo-se ainda na aptidão

do ser humano em ultrapassar a si mesmo para realizar uma tarefa que dê sentido à sua vida

(Carrara, 2016), capacidade a que Frankl (2010) chama autotranscedência, sendo o atributo de

não estar fechado ou fadado aos condicionamentos, sendo capaz de ser para além de si mesmo

(Silveira & Mahfoud, 2008).

As formulações da Psicologia Humanista, estruturadas no contexto do pós-guerra e seus

desdobramentos, que muito trouxeram reflexões sobre a subjetividade existencial, instauraram

questionamentos e meditações que inspiraram a configuração de um novo sentido e relação com

a expressão “espiritualidade”, passando a deter seu foco no potencial humano de realização e

nas buscas dos sujeitos de aperfeiçoamento próprio (Franco, 2013). De modo que ao criar a

pirâmide das necessidades humanas e nela incluir as necessidades humanas de realização

(Maslow, 1970, 2014).

Há ainda representantes da perspectiva fenomenológico-existencial que reiteram a

importância da espiritualidade à psicologia. Jorge Ponciano Ribeiro (2015) afirma que não há

nada mais humano de que a vivência religiosa, de modo que à psicologia, enquanto campo de

investigação da alma e de suas complexas manifestações não pode deixar o aspecto espiritual

de fora do estudo do humano, que é de onde provém todo e qualquer sentido e significado,

estando em descompromisso com a totalidade da existência se assim fizesse. Exclusão esta que

tornaria a psicologia, segundo ele, pobre, parcial e incompetente. Giovanetti (2005), de base

existencialista, a semelhança de outros autores situa a espiritualidade como algo que pertence

a todo ser humano, sendo dele próprio, destacando, todavia, que não é necessariamente utilizado

por todos como norte à vida, mas quando utilizada seria o que nos torna capazes de descobrir

um sentido para a existência, favorecendo o que chama de características do espírito. Ideia


115

similar ao que expõe Valle (2005) que a coloca como necessidade constitutiva de todo ser

humano, que se relaciona à busca pessoal de sentido à própria existência e ação no mundo, que

ultrapassa o nível biológico e emocional das vivências de cada sujeito e que não se trata de algo

oposto ao material, ao corpóreo ou ao mundano.

Outra corrente da psicologia que se posiciona sobre a temática da espiritualidade é a

perspectiva transpessoal, que emerge explicitando a necessidade de ampliação e

aprofundamento de estudos já desenvolvidos pelo humanismo, sendo marcada pelo lugar

expoente em que coloca a dimensão espiritual da vida humana, relacionada à natureza de sua

subjetividade (Ferreira, Silva, & Silva, 2016; Silva, Ferreira, & Silva, 2016) incluindo as

necessidades humanas de transcendência e os metavalores e pondo foco na busca por valores

elevados e espirituais para uma expressão mais saudável do humano (Maslow, 2014).

Assim é imprescindível o olhar sensível da psicologia a essas questões, em consonância,

com o fato do fenômeno religioso e/ou a espiritualidade fazer parte da vida do sujeito, que pode

consequentemente ser apresentado em contexto de atendimento clínico (Giovanetti, 1999).

Logo, não só no consultório, mas também nos distintos espaços e contextos em que a psicologia

se propõe estar pode-se ouvir experiências ligadas à espiritualidade de modo que não se deve

negar tais aspectos. Assim, Miranda, Lanna, & Felippe (2015) destacam a fé, além de um

fenômeno existencial, também um acontecimento psicológico.

A partir deste passeio por diferentes autores e perspectivas psicológicas nota-se que o

olhar para a espiritualidade do humano não é empreitada exclusiva de uma abordagem. Mas,

atravessa o olhar e fazer da psicologia de um modo geral, e mesmo quando não vista como uma

dimensão cara, como é o caso da psicanálise e de alguns desdobramentos do behaviorismo,

deve ser olhada e pensada nos processos de cuidado, quando trazida e referenciada pelo sujeito

e nisto as diferentes abordagens não parecem divergir.


116

De modo que, nos processos terapêuticos, em geral, é importante que se haja acolhida,

escuta e respeito por parte do profissional, e isto inclui a dimensão espiritual, sendo importante

que os profissionais psicólogos saibam lidar com esses aspectos na prática (Oliveira & Junges,

2012), a fim de favorecer melhores desfechos clínicos e facilitar os atendimentos (Lucchetti,

Granero, Bassi, Latorraca, & Aparecida, 2010), tanto na clínica regular como especificamente

na clínica em cuidados paliativos, que se propõe a não ser apenas uma clínica individual, e sim

interdisciplinar. Nesta direção traz-se na sequência os relatos das vivências das psicólogas

colaboradoras neste estudo acerca do como incluem em sua prática este elemento tão

importante, de seu saber-fazer.

6.2. Eu torço para que o paciente tenha algo: como incluir a espiritualidade?

Mães, pais, filhos, outra família e amigos,


todas as pessoas são a felicidade de
alguém (...). A tristeza a gente respeita e
deita fora. A tristeza a gente respeita e, na
primeira oportunidade, deita fora.

O paraíso são os outros - Valter Hugo


Mãe

Os Cuidados Paliativos, como discutido anteriormente, enunciam a espiritualidade

como importante elemento de cuidado. Alinhadas a este aspecto todas as profissionais

trouxeram que em algum momento do acompanhamento este ponto será tocado, seja a partir de

uma demanda espontânea dos pacientes, seja porque no processo de conhecê-los está incluído

explorar sua história espiritual e relação com esta dimensão.

Uma vez reconhecido que há razões para se abordar a espiritualidade na prática,

desenvolveram-se diferentes instrumentos a fim de auxiliar “no como fazer” (Santos, 2009).
117

Entre os instrumentos utilizados e referenciados na literatura estão o CSI-MEMO, desenvolvido

pelo médico Harold Koenig (2007), em que se investiga a história espiritual do paciente e o

FICA, também voltado para a história espiritual, trata-se de uma escala idealizada e validada

por Christina M. Puchalski, que leva em consideração quatro relevantes pontos acerca da

espiritualidade, a Fé/Crença, a Importância, a Comunidade e a Ação no cuidado, levantando

uma série de questões em cada uma dessas esferas, a fim de conhece-las dentro da história de

cada pessoa (Puchalski, 2006); em síntese, destaca-se as seguintes questões: você se considera

uma pessoa religiosa ou espiritualizada? Tem alguma fé? Se não, o que dá sentido à sua vida?

A fé é importante em sua vida? Quanto? Você participa de alguma igreja ou comunidade

espiritual? (Cervelin & Kruse, 2014).

Além destes, alguns outros livros relatam o instrumento SPIRIT, que aborda: a afiliação

religiosa, a espiritualidade pessoal, a integração com a comunidade espiritual e/ou religiosa, os

rituais e restrições, as implicações médicas e o planejamento do fim, a partir de questões

específicas; através das questões:

Qual é sua religião? Descreva as crenças e práticas de sua religião ou sistema espiritual
que você aceita ou não. Você pertence a alguma igreja, templo ou outra forma de
comunidade espiritual? Qual é a importância que você dá a isso? Quais são as práticas
específicas de sua religião ou comunidade espiritual (exemplo: meditação ou reza)? Quais
os significados e restrições dessas práticas? Qual desses aspectos espiritual-religiosos
você gostaria que eu estivesse atento? No planejamento do final da sua vida, como sua fé
interfere nas suas decisões? (Cervelin & Kruse, 2014, p. 140).

No entanto, apesar da literatura destacar especificamente alguns instrumentos à

abordagem da espiritualidade dos pacientes, nenhuma colaboradora fez referência ao uso estrito

de algum deles, apesar da atual difusão deste no campo dos CP, quando se trata dos cuidados
118

espirituais. Todavia, ao analisar a natureza das questões e aspectos trazidos nestes instrumentos,

identificamos muitos deles nas falas e preocupações das psicólogas.

Já na primeira entrevista com os pacientes normalmente eu faço várias questões e


uma delas está: Quais são os recursos? O que ele dispõe pra enfrentar as situações
que ele viveu ao longo da vida e esta situação atual, então que tipo de apoio ele conta,
qual a religião que ele segue? E aí normalmente isso tende a aparecer como o mais
eficiente ou como o mais bem-vindo dos recursos entre eles, acho que 90% dos
pacientes indicam a religiosidade, muito mais de que a espiritualidade

(Ametrino – recorte da entrevista).

As profissionais trazem a inclusão deste aspecto a partir do quê e como os pacientes

com ele se relacionam.

Quando eu tô acompanhando esses pacientes, normalmente quando eu tô... No próprio


processo de avaliação do paciente eu verifico a religião dele, né, e vou vendo tanto
com ele quanto com a família, é… qual o sentido de espiritualidade que eles dão a vida,
a importância da espiritualidade na vida deles, então, quando eles trazem isso eu
utilizo isso como recurso terapêutico também, mas sempre focando no que é
referencial pra eles.

(Olho-de-tigre – recorte da entrevista)

E algo que parece substancial na prática é que muitas das vezes a dimensão espiritual

está principalmente ligada às expressões religiosas dos pacientes.

Esta inclusão parece se dar ainda de certa maneira espontaneamente,

Geralmente eles trazem [religião/espiritualidade], geralmente eu não chego a


questionar

(Ônix – recorte da entrevista).

As narrativas refletem o fato usual de que os pacientes em fase final da vida querem e

desejam conversar com o seu médico, ou outros profissionais que o assistem, sobre temas
119

ligados a dimensão espiritual (Breitbart, 2003), que pode estar vinculada às questões religiosas

ou não.

Apesar da maior parcela dos pacientes serem religiosos ou terem uma religião, foi

comum que para além das perguntas direcionadas à religião ou anteriormente a elas, as

profissionais fizessem também questões aos pacientes e suas famílias como:

“- O que costuma auxiliá-los em momentos difíceis?

- O que eles utilizavam como enfrentamento?”.

Portanto, perguntas mais abrangentes, e que além de favorecer a expressão de elementos

importantes que podem se relacionar à espiritualidade, abrem espaço para compreender outras

particularidades que auxiliam no processo dos pacientes e suas famílias. Bem como, pode

favorecer o acompanhamento a pessoas ateias, ou que não são religiosas ou que não veem

sentido em incluir em seus processos questões do campo espiritual. Sendo perguntas como “o

que promove um significado e propósito à sua vida e quais crenças culturais podem ter impacto

no seu tratamento” (Lucchetti et al., 2010, p. 156).

Ainda acerca da inclusão da espiritualidade em sua conduta Cornalina diz:

diante dos dados que apontam que as pessoas é... que aderem ou a uma religião ou a
um recurso de enfrentamento – a fé, é elas tem um, tendem a ter um melhor
enfrentamento no adoecimento, ou até mesmo nessa fase né, de morte [...] então, diante
disso, sempre nos meus atendimentos logo nos momentos iniciais, na entrevista inicial
eu já pergunto ao paciente se tem alguma religião, se tem alguma questão de fé, quais
são os recursos e enfrentamento deles, e eu já vou identificando e diante disso,
independente de qual for a crença dele se é criado um espaço de fala e diante disso
também a gente vê o que pode ser trazido dessa crença, dessa religiosidade, do que ele
acredita para a realidade dele, então, é muito do que ele traz, não do que eu coloco”

(Cornalina – recorte da entrevista).


120

Assim como outras profissionais Cornalina enfatiza a abertura e espaço para que o outro

fale de si, que coloque suas crenças e o que para si é importante, cabendo à psicologia

acompanha-lo e favorecer o que é importante para ele, e não para si, e orientar sua atuação a

partir do sistema de crenças, ou mesmo não crenças, do outro, mas nunca a partir do seu (Peres,

Simão, & Nasello, 2007).

eu acho que isso é consensual entre os psicólogos: a gente não direciona à alguma
crença específica, então partimos do que o paciente traz e do quanto aquilo é
importante para sustenta-lo, para conseguir fortalece-lo ao longo do percurso. Então
normalmente eu deixo vir, qual a religião que ele adota, quais as crenças que ele tem
em relação... qual é a leitura que ele faz pela via religiosa dele da relação dele com a
doença, com o tratamento e com os demais, com a família... Enfim, e como isso e qual
o papel que isso tem cumprido pra que ele consiga seguir adiante e atribuir
significados à experiência. E a gente vai seguindo nesta perspectiva

(Ametrino – recorte da entrevista).

Neste sentido Kovács (2007) defende que a psicoterapia e a assistência espiritual

parecem compartilhar muitos pontos, estando entre os principais elementos uma escuta atenta

e cuidadosa.

As diferentes falas das colaboradoras marcam a importância de compreender os

pacientes em suas formas singulares de lidar com o adoecimento e com a vida, e entender a

influência das diferentes relações no processo de qualidade de vida de cada um. Sendo nesta

seara fundamental o respeito aos valores do paciente, inclusive para a formação de um bom

vínculo profissional-paciente (Oliveira et al., 2013).

Lucchetti et al. (2010) argumenta, que não há uma única forma de abordar a

espiritualidade, nem tampouco existe uma única forma correta.

Nessa mesma direção apontam as narrativas de nossas colaboradoras


121

o meu fazer vai depender do que ele traz [...] eu não vou influenciar meu paciente nem
na religião nem sobre política... sobre nada, porque eu acho que tudo que ele traz é
muito sagrado, então eu acho que tenho que trabalhar com aquilo que ele me traz, eu
acho a religião um elemento, um aspecto muito sagrado, acho, e acho que nesse
contexto aí [cuidados paliativos na proximidade da morte] se torna mais sagrado

(Quartzo Rosa – recorte da entrevista).

A gente tem um passo a passo de perguntas, é como um checklist, mas não formal, é...
no hospital, em que nós, na reunião com a família, um dos pontos a ser abordado é se
a família tem alguma crença, se o paciente tem alguma crença [...] nós perguntamos
ao paciente se ele estiver consciente e orientado, se ele deseja visita de algum líder
religioso, se ele tem algum preferência que a gente entre em contato ou se a gente pode
buscar [...] e isso é colocado tanto para o paciente como para a família e não tem
dificuldade alguma, 100% das vezes até o momento eles desejaram essa possibilidade,
esse recurso

(Berilo – recorte da entrevista).

Sendo por vezes a bagagem que cada profissional traz em heranças culturais um elemento que

pode ou não favorecer a abordagem.

Outro elemento significativo da fala das psicólogas foi buscar promover ou favorecer

que as demandas religiosas e/ou espirituais de seus pacientes fossem atendidas, desde o auxílio

na realização de fechamentos ou articulação para a vinda de um líder religioso ou a inclusão de

itens religiosos como terços, bíblias, patuás:

Um paciente que pontua nos desejos de finais de vida [...] a gente vai facilitar pra que
isso seja cumprido, favorecido... ou alguém que ele queira ver, algum membro
importante da religião dele ou mesmo que não tenha uma religião mas que queira...

(Cornalina – recorte da entrevista)

Se a crença em Deus, seja ele qual for é necessária, é suficiente, é importante para
aquela família, pra aquele paciente a gente vai fortalecendo isso, essas estratégias
122

para que eles consigam. É permitir que ele possa manter dentro do leito, junto a ele, a
bíblia... Normalmente você passa aí nas enfermarias e você vê eles com escapulário
penduradinho no leito, a bíblia... e outras coisas que eles costumam trazer para o
hospital.

(Ametrino – recorte da entrevista)

Ou mesmo auxiliando o paciente a fazer uma oração, reza ou prece. Cornalina conta

uma situação em que um paciente a aciona dizendo:

‘eu tô me sentindo muito mal porque eu não estou conseguindo rezar, num tô
conseguindo fazer minhas orações, isso não me deixa bem, eu não tô conseguindo
concentração’.

Ela continua, sobre sua atuação:

‘você quer que eu lhe ajude? Como é que você gosta de rezar? Quais são as
dificuldades?’ e aí a pessoa favorecer aquele momento e até orar junto com a pessoa.
Mas jamais ser algo que eu vou tá trazendo: ‘vamo fazer uma oração?’, de forma
nenhuma.

(Cornalina – recorte da entrevista).

No cenário das colaboradoras de nosso estudo observamos ser comum que a psicologia

trabalhe no fortalecimento de crenças dos pacientes que os auxiliem a enfrentar e lidar com a

questão da finitude e do adoecimento, e isto surge na fala de muitas das profissionais:

Então, por enquanto eu digo a você que religião assim eu não chego a abordar tanto,
mas quando eles trazem... tem situações assim que... Pronto, tem uma paciente [...] ela
fala muito que é lá [na igreja] que ela encontra força e aí eu estimulo que ela vá

(Ônix – recorte da entrevista).

As narrativas delas corroboram com a afirmativa de que é comum que as orientações

com relação a atuação dos profissionais de psicologia a incluam, sendo o cuidado espiritual

atribuído como papel do psicólogo na equipe, uma vez que a atenção à espiritualidade consiste
123

em um dos princípios dos CP (Ferreira, Lopes, & Melo, 2011; Nunes, 2012). As falas das

profissionais revelam que o fazer da psicologia junto a espiritualidade parte do que o paciente

em questão traz, sendo para tanto necessária abertura. No entanto, abertura, escuta ao outro,

favorecimento e fortalecimento do que é importante para cada sujeito não é exclusividade da

abordagem espiritual, mas parece se reforçar neste contexto. Assim, finalizamos com a fala de

Olho-de-tigre que reforça o lugar essencial da espiritualidade nos CP na proximidade do fim e

destaca a importância dos estudos neste reconhecimento.

A ideia é que realmente isso seja levado em consideração, até porque vários estudos
tem mostrado quanto isso [espiritualidade/religião] é importante para o paciente em
cuidados paliativos, já têm estudos falando do paciente de uma forma geral, mas
quando a gente vai falando do paciente em cuidados paliativos diante da cronicidade
da doença e mais especificamente perto da finitude da vida, aí realmente isso é muito
presente, acho que é um caminho que a gente realmente tem que percorrer enquanto
profissional

(Olho-de-tigre – recorte da entrevista).

6.3 Religião e a Espiritualidade no cuidado na prática psi: um campo de delicadezas,

desafios e dificuldades

Quando meu Vô morreu caiu em silêncio

Concreto sobre nós.

Era uma barra de silêncio!

Manoel de Barros

Apesar dos muitos indicativos de que a espiritualidade deve ser contemplada no fazer

da psicologia, haja vista seus potenciais benefícios a saúde, a qualidade de vida, bem-estar,
124

enfrentamento à adversidades e mesmo o importante lugar que ocupa nos cuidados de fim de

vida (Pessini, 2018b), o processo de considerar e incluir a espiritualidade no cuidado tem

também seus desafios e suas dificuldades.

Sendo assim, as dificuldades assinalados por nossas colaboradoras, no que se refere às

suas atuações com relação a espiritualidade foram divididas em dois eixos temáticos: um que

se refere a restrição da temática da espiritualidade em suas formações profissionais, sobretudo

na graduação em psicologia; e outro que diz respeito aos diferentes modos de estar diante da

morte, que significa na prática o lidar com processos em que a religião do paciente atuava como

enfrentamento negativo ou em que não havia crenças vinculadas à espiritualidade e/ou

religiosidade.

6.3.1 A Restrição Formativa

A literatura expressa justificativas e importâncias de que a psicologia lance seu olhar à

espiritualidade, tendo em vista a ideia de que esta é uma dimensão constitutiva humana, aspecto

que dialoga com o preconizado em 1998 pela Organização Mundial de Saúde como saúde, um

conceito multidimensional, que passa a incluir a dimensão espiritual como elemento importante

(WHO, 1998), representando assim um marco, que ressalta a potencial importância dessa esfera

na vida das pessoas e por quê não em seus processos de saúde-doença e morte. Aspecto que

teoricamente contribui para que a espiritualidade seja cada vez mais olhada nos campos de

pesquisa, contemplada na prática e no ensino, ainda que com mais ênfase só nas últimas

décadas.

A isto, somam-se aspectos contextuais, que podem influenciar no modo ou enfoque com

que se lida com a espiritualidade, afinal a religião e religiosidade são também modos de

expressão da condição multicultural dos sujeitos (Bairrão, 2016).


125

No Brasil, um país com marcada influência religiosa e espiritual, haja vista que 90% da

população afirma acreditar na existência de Deus ou de uma dimensão suprassensível à Vida

Humana (IBGE, 2010), tendo sua história marcada por diferentes matrizes religiosas (Oro,

2011) e que mesmo com a dominância da matriz cristã não excetua sua diversidade e

multiplicidade, tratando-se de um país caracteristicamente aberto às questões relativas à

espiritualidade (Castro Filho, 2017). Sendo este mais um fator que pesa à inclusão da

espiritualidade no cuidado. Logo, por que ou como não a incluir nos processos de cuidado?

Sendo assim, como não inclui-la na formação das psicólogas e psicólogos?

São crescentes as pesquisas sobre a relação entre espiritualidade e saúde, de modo que

mesmo que paulatinamente, este tema tem cada vez mais se inserido no campo de atuação dos

profissionais de saúde e isto inclui profissionais de psicologia, todavia, esta progressão tem se

dado muito mais discretamente no campo do ensino (Dal-Farra & Geremia, 2010). Aspecto

este, também identificado na fala de todas as colaboradoras, as quais de modo geral arguiram

que suas formações em psicologia, sobretudo, no que se referia a grade curricular obrigatória,

não as havia ajudado muito explicitamente na atuação junto à temática da espiritualidade, com

a qual tiveram contato principalmente em suas formações complementares: algumas narraram

que discretamente em disciplinas optativas, nos estágios, no contato com professoras e

orientadoras que as auxiliaram a lidar com o tema, e principalmente em cursos e outras

formações e especializações fora da graduação. De modo que, em geral, o contato com esse

conteúdo se deu também muito pelos campos e interesses individuais no decurso de suas

formações. Como destaca Quartzo-Rosa:

A minha formação acadêmica eu devo ao meu encantamento, a ter batido meu


olho ali em psicologia da morte.

(Quartzo Rosa – recorte da entrevista)


126

Trazendo ainda, o trabalho ou o interesse pela temática da morte como convidativo ao

olhar também para a espiritualidade, na proposta de olhar integralmente para as pessoas as quais

acompanham (Redondo-Elvira, Ibañez-del-Prado, & Barbas-Abad, 2017). Ademais, quando

fazem menção a restrição em sua formação, algumas delas incluem também a temática da morte

como questão deficitária na grade curricular de seus cursos, porém, não tanto quanto a

espiritualidade:

Assim, a formação foi bem falha nesse sentido. Os cursos que eu fiz por fora né,
que eu fiz o curso de hospitalar, é... e vários cursos outros, de luto, que abordavam
a disciplina da morte com Sibele, já trazia mais essa questão, do contato com a
morte em si, mas da espiritualidade, da religiosidade eu não vejo a formação
contribuindo nisso não...

(Cornalina – recorte da entrevista)

Outra tendência que a literatura sinaliza e que também é trazida pelas colaboradoras é o

fato de conteúdos relacionados à religião, religiosidade e espiritualidade serem geralmente

trazidos, de modo transversal (Dal-Farra & Geremia, 2010), em aulas e módulos específicos de

disciplinas vinculadas à saúde, como Psicologia da Saúde, ou como é o caso da Psicologia da

Morte, sendo ainda usual o contato com o tema nos estágios do campo da saúde que discutam

temas como os CP, a finitude, a morte e o morrer (Kovács, 2016), que foi a circunstância da

maior parte das participantes, que estagiaram em contextos hospitalares. A esse respeito,

Ametrino ilustra:

Olhe I., sendo bem sincera, eu não me recordo de qualquer disciplina que tenha
tratado sobre isso que tenha feito um adendo pelo menos, a não ser as disciplinas
complementares [...]. As primeiras questões e leituras sobre foi no estágio porque
no contexto hospitalar isso é muito pungente, ele vem e você precisa lidar com
essas questões, mas durante a graduação não, a graduação absolutamente não me
preparou, não tínhamos espaço para discutir... é como eu falei no início: é um
tabu, e tinha essas questões assim: como abordar? Não pode abordar – não
127

absolutamente não? Religião não pode ser falado sobre isso em terapia... Aí depois
de formada, em cursos complementares, nas especializações que eu fiz foi que eu
comecei a ver profissionais, professores falando abertamente sobre isso, mas na
graduação eu não me recordo, a não ser na disciplina complementar, como era
psicologia da morte, evidentemente que a gente conversaria, a gente conversou
sobre esses temas também, mas nada assim que pudesse subsidiar, por muito tempo
eu fui bastante insegura com relação a isso e evitava falar.

(Ametrino – recorte da entrevista)

A fala de Ametrino, sobre a falta de espaços na graduação para que se discutisse

espiritualidade, chama-nos atenção pra um aspecto discutido por Cavalheiro & Falcke (2014)

acerca da necessidade de legitimação da espiritualidade na esfera científica, e,

consequentemente, a inserção do estudo da espiritualidade na formação acadêmica em

Psicologia, sendo o que Ametrino chamou “tabu” um marcador da necessidade de revisão e de

reformulação dos paradigmas da ciência psicológica, que termina, por vezes, negligenciando

uma dimensão humana, de modo que o percurso vivenciado durante a formação acadêmica em

psicologia, a depender de como se estruture, parece contribuir para o embotamento da

espiritualidade dos próprios psicólogos (Cavalheiro & Falcke, 2014). Uma outra colaboradora

compartilha:

Então, eu tive a oportunidade de fazer cursos de formação, de fazer especialização


e tive contato com professores muito bons nesse campo, inclusive professores que
foram meus na universidade que acabaram dando aula nessas formações, mas que
trouxeram viés dessa temática de uma forma mais diferenciada, então na
universidade em si, eu acabei na minha época, eu não tive contato com isso, e eu
tô falando na minha época porque já passaram-se tantos anos, eu não sei como
está isso hoje [...] a ideia que eu tenho da minha formação é que essas questões
de religiosidade e espiritualidade elas foram sendo incorporadas ao longo dessa
formação pós formatura, tá entendendo?

(Olho-de-tigre – recorte da entrevista)


128

Corroborando com o fato da religiosidade e espiritualidade terem uma presença muito

discreta na formação em Psicologia, o que implica, como também trazido por Ametrino, em

não preparar os profissionais para lidar com o assunto, sendo frequente, assim, que muitos

psicólogos e psicólogas quando recém-formados tenham insegurança em abordá-las,

principalmente por temor de incorrerem em problemas de cunho ético (Freitas & Moré, 2014).

Ainda sobre a pouca presença da temática na graduação, houve quem a definiu

espiritualidade como uma “grande sorte” pelo contato com professores específicos ou

orientadores de estágio que trouxeram ou traziam o olhar para o tema:

Eu acho que eu tive assim a grande sorte de estar em uma das primeiras turmas
de Sibele de humanista-existencial, já na disciplina Sibele começa a trazer
questões existenciais, morte, vida, tédio, angústia, num sei que... e acho que dali
já se foi tendo uma sementinha [...] eu acho que eu tive a sorte de ter ela [Sibele]
como supervisora na faculdade e ter uma supervisora de campo [...] que foram
assim, dois presentes que eu ganhei, porque as duas tem uma questão da
espiritualidade muito forte [...] elas me traziam uma ampliação dessa percepção.

(Tanzanita – recorte da entrevista)

Apesar de grande parte de nossas colaboradoras estar formada a mais de 10 anos e isto

nos fazer questionar se em turmas mais recentes respostas como essas se produziriam. No

entanto, Ônix, que se formou há menos de 5 anos narra parecido com as demais:

Assim, eu tive uma aula [sobre espiritualidade] no curso de psico-onco... quê


mais... tive contato na base com Sibele, quando eu ia para as reuniões do LETHS.
A graduação mesmo em si, a psicologia, eu não lembro de nada não de
espiritualidade [...]. Mas em termos de dizer assim ‘eu tive uma formação e fui
preparada para’, não mesmo, não mesmo...

(Ônix – recorte da entrevista)

De modo, a nos atentar e refletir, por que falas de psicólogas formadas com intervalos

consideráveis, mais de dez anos, continuam dizendo coisas parecidas sobre suas formações e
129

como elas as prepararam para lidar com a espiritualidade de seus clientes? Mesmo com os

substanciais avanços nos últimos anos de estudos na área (Dal-Farra & Geremia, 2010),

aparentemente o campo da educação parece estar em descompasso, inclusive com a prática, a

qual de acordo com algumas das colaboradoras às requereu olhar para esta dimensão.

Ademais, outro ponto que surge na fala das psicólogas como já supracitado,

independente de seus tempos de formadas, foi a importância da figura de algum ou alguns

docentes na inclusão da temática em sua trajetória, que termina condicionando o contato com

o tema ao encontro com essas figuras. Logo, isto revela a presença ainda discreta da

espiritualidade na formação, sinalizando para a necessidade de que seja assumida e incluída no

processo de formar profissionais de psicologia, haja vista a dimensão humana importante que

é. De modo que não mais cabe que fique “à mercê da sorte”.

A tradição biomédica, termina atingindo a Psicologia, sendo esta também uma das

razões possíveis para que conteúdos como estes, que ainda compõem um núcleo do que é

compreendido como “tabu”, como de algo de difícil manejo e que gera dúvidas à atuação, sejam

rejeitados na formação (Cunha & Scorsolini-Comin, 2019). Assim, pode-se problematizar ainda

o fato de que a ausência do tema na formação em psicologia dificulta também a preparação de

um corpo docente preparado para discutir e abordar o assunto (Marques, 2013).

Em sua fala sobre a formação Ametrino compartilha a dificuldade que a princípio tinha

em abordar a espiritualidade, haja vista a ausência ou pouca presença de espaços de contato e

discussão com o tema em sua formação, de modo que não raro os estudantes de psicologia

relatam não serem preparados para lidarem com essa questão adequadamente, bem como suas

implicações de ordem ética, metodológica e epistemológica (Freitas, 2012), ilustrando a

importância de que o conhecimento sobre a espiritualidade esteja presente na formação

acadêmica em Psicologia, para que as psicólogas e psicólogos possam lidar com a dimensão
130

espiritual à semelhança com que se lida com outras dimensões na sua atuação (Cavalheiro,

2010).

Com isso, pode-se ganhar uma visão mais sensível aos fenômenos religiosos/espirituais,

reconhecendo-os não só como constituintes da expressão humana, mas também como material

psicológico com o qual se encontrará no futuro profissional, favorecendo um posicionamento

mais atento às questões éticas e profissionais, havendo ainda ganhos que possam ser

generalizados a outras questões que causam polêmicas e são delicadas (Cunha & Scorsolini-

Comin, 2019).

Tendo em vista que a inclusão da espiritualidade e religiosidade na formação não deve

ir em busca de caminhos padronizados e/ou fechados para a atuação junto às pessoas, mas sim,

deve preparar os profissionais a contemplarem as subjetividades de cada sujeito, tendo em vista

que dentre outras coisas a experiência da religião e da espiritualidade difere de pessoa para

pessoa (Elkonin, Brown, & Naicker, 2014). De modo que à Psicologia cabe buscar compreender

a maneira que os sujeitos se valem de suas crenças e fé, ou não crenças, sem o intuito de buscar

validá-las, refutá-las ou questioná-las em termos transcendentes ou metafísicos (Bairrão, 2016).

Os processos formativos revelaram-se insuficientes e discretos à abordagem da

espiritualidade, apesar dos avanços nos estudos que destacam sua contribuição nos processos

de saúde, bem-estar e qualidade de vida (Bonelli & Koenig, 2013; Moreira-Almeida &

Lucchetti, 2016; Panzini, Rocha, Bandeira, & Fleck, 2007). Todavia, no campo dos CP é

imperativo o olhar para o humano em sua integralidade e complexidade, de modo que a partir

deste se convoca a inclusão da espiritualidade, a esse respeito uma das colaboradoras

compartilha como a espiritualidade tem sido principalmente incluída na sua prática e formação

após a graduação, através justamente dos CP.


131

6.3.2 Os diferentes modos de estar diante da morte

Enquanto dificuldade ao seu trabalho em CP, as profissionais destacaram o

enfrentamento diante do processo de adoecimento e morte como uma importante barreira a suas

atuações. O conceito de Coping Religioso/Espiritual (CRE) refere-se ao uso da religião, da

espiritualidade ou da fé para lidar com o estresse e os desdobramentos de situações negativas

vividas, a partir de um conjunto de estratégias de ordem religiosa e/ou espiritual para manejar

o estresse diário e/ou decorrente das diferentes situações da vida (Pargament, Koenig, & Perez,

2000),

Da mesma forma que ela ajuda a aproximar, a atravessar essa fase, pra aproximação
da morte, vejo aqui também como as vezes dificultando o olhar [...] a vivência de uma
prática religiosa em que assim ‘o meu deus é o deus que tudo salva, que tudo cura, que
tudo vai salvar e eu vou ficar... e o meu parente vai ficar bom’, então eu vejo como uma
limitação ao meu trabalho [...] às vezes a gente tem aqui pacientes que tão graves e a
gente precisa trabalhar esse processo

(Quartzo Rosa – recorte da entrevista)

Apesar das concepções positivas que a religião pode ter é possível também que tenha o

efeito adverso, geralmente quando crenças ou práticas religiosas são utilizadas para justificar

comportamentos de saúde negativos ou substituir cuidados médicos (Koenig, 2001), sendo

nessas circunstâncias considerado um enfrentamento ou coping negativo. Para ilustrar esta

dificuldade que surge na atuação Ametrino conta a história de uma paciente muito religioso,

pastor de sua igreja e que categoricamente dizia: “eu não preciso de psicólogo”.

Ele tinha uma série de reações disfuncionais, a relação com a equipe muito difícil, a
relação com a própria doença muito difícil, mas ele não aceitava ajuda e ele dizia que
o psicólogo era Deus, então foi beem assim, eu não consegui me aproximar

(Ametrino – recorte da entrevista).


132

Nas narrativas de Quartzo Rosa e Ametrino identificamos o uso da religião como

limitante aos cuidados do paciente, gerando consequências negativas ou prejudiciais a eles, que

é justamente o que caracteriza o usos de estratégias de enfrentamento que parte da literatura

chama negativa, ou Coping Religioso/Espiritual negativo, em que estão os atos de: “questionar

existência, amor ou atos de Deus, delegar a Deus a resolução dos problemas, sentir

insatisfação/descontentamento em relação a Deus ou frequentadores/membros de instituição

religiosa, redefinir o estressor como punição divina ou forças do mal” (Panzini & Bandeira,

2007, p. 129). Alguns movimentos os quais são destacados por nossas colaboradoras.

Um outro ponto de dificuldade relacionado às crenças dos pacientes que surge, apesar

de bem menos comum nas falas, é a situação em que o paciente ou a família não tem religião:

quando eu tenho, por exemplo, um paciente ou uma família que diz ‘não tenho
religião’, não é comum mas acontece, vez por outra a gente tem; naquele momento ele
não tá dando nenhum, ele não tá me dando nenhum recurso que eu poderia utilizar
pra ele ou pra eles, isso as vezes me traz um desconforto porque é como se eu não
tivesse isso, como um apoio pra trabalhar com eles, então eu acabo achando isso como
uma dificuldade, porém como não é frequente, é raríssimo isso acontecer não me
incomoda muito, né?! [...] eu sinto como se fosse uma lacuna nesse processo de
cuidado.

(Olho-de-tigre – recorte da entrevista)

Esta fala de Olho-de-tigre sinaliza de certo modo para algo trazido por outras

colaboradoras, da dificuldade em lidar com práticas muito distintas das suas, ou que vão de

encontro com convicções suas do que é importante. A este respeito Quartzo Rosa compartilha

uma situação com uma paciente de crenças, não só religiosas, distintas da sua, que abdicou do

tratamento médico em razão de suas convicções religiosas:


133

quando é dentro da nossa prática é muito mais fácil a gente acolher o que é nosso,
quando é a prática do outro que não é a da gente... é difícil quando é da prática
contrária... Assim... eu eu acolhi... não eu num acho que dificulta, que me impediu...

(Quartzo Rosa – recorte de entrevista)

Sobre suas dificuldades ainda disse:

A vivência de uma prática religiosa em que assim ‘o meu Deus é o Deus que tudo salva,
que tudo cura, que tudo vai salvar e eu vou ficar bom’ ou ‘meu paciente vai ficar bom
aqui’, então eu vejo como uma limitação do meu trabalho [...] as vezes a gente tem
aqui pacientes que estão graves e a gente precisa trabalhar esse processo [...] e eu acho
que isso é algo que dificulta, que dá um limite, mas eu entendo

(Quartzo Rosa – recorte da entrevista).

Porém, apesar das dificuldades retratadas, em nenhum momento na pesquisa, as

psicólogas trataram ou tomaram essas dificuldades como impeditivas às suas atuações, e assim

todas as falas enfatizaram. Destacou-se frente às dificuldades a abertura e a busca em

compreender as diferentes crenças e os diferentes modos de encarar a vida, o adoecimento e a

morte,

Na hora eu tento trabalhar mesmo com o que eles trazem, é tanto que eu já fui olhar
crenças, coisas assim... pra quando o paciente me trazia eu poder entender e [...] eu já
saber do que ele está me falando [...] ou perguntar: ‘mas o que é isso? Eu não sei, você
pode me explicar?’, eu tenho essa tranquilidade pra questionar, [...] não é só do
questionar, mas também conversar [...]. O que é meu nunca chegou a atrapalhar não...

(Ônix – recorte da entrevista).

A religião como elemento para a negação da finitude e da proximidade da morte

apareceu como importante dificuldade entre as colaboradoras, tanto nas entrevistas quanto nas

cenas,
134

Diante desta postura sinto a necessidade de retomar isto visto que neste momento
meu sentimento de frustração por não ter conseguido dar seguimento ao
desenvolvimento desta temática junto com ela, no sentido de conversar sobre a
morte. Sinto que seria mais fácil se a fala sobre espiritualidade voltasse para a
compreensão do fim de vida como algo natural, principalmente se ela tivesse
aproveitado meu questionamento frente a temática. Meu desejo era de que
tivéssemos utilizado isto como recurso terapêutico para auxiliar no enfrentamento
deste momento da vida dela com a preparação para a morte

(Tanzanita – recorte da cena).

Como já visto anteriormente são muitas as atitudes diante da morte, e também do

adoecimento, sendo a negação uma de suas possibilidades, a qual dentro dos pressupostos de

Elisabeth Kübler-Ross, consistiria na dificuldade do paciente, neste caso, em compreender

emocional e cognitivamente a gravidade de seu estado, sendo um dos mecanismos de defesa

mais comuns (Luz & Bastos, 2019), frente a dureza que pode ser vivenciar alguns processos de

adoecimento e mirar a possibilidade próxima da morte. Kastenbaum & Aisenberg (1983) por

Barbosa & Freitas (2009) argumentam que perante a morte uma das principais respostas

humanas é o medo, de modo que usualmente é encarada como um estímulo nocivo e aversivo.

Assim, parece que a própria natureza do trabalho com a morte que convida à inclusão

da espiritualidade, também traz dificuldades em sua abordagem, quando faz uso de elementos

para não entrar em contato com esta dimensão, em consonância com a busca de também não

entrar em contato com a morte, o qual não é, todavia, uma dificuldade exclusiva dos pacientes

e isto surge tanto nas entrevistas quanto nas cenas.

Neste sentido, Elisabeth Kübler-Ross propunha aos profissionais de saúde que no

processo de assistir os pacientes observássemos o que representamos para cada um deles, pois

não raro os profissionais também entram, mesmo que por vezes de modo mais sutil, na negação

dos processos da finitude daquele outro, como inclusive algumas falas das colaboradoras

trouxeram, e em situações como esta pode-se levar o paciente a calar o seu dizer e concluir
135

apressadamente que este está em negação (Luz & Bastos, 2019), mas neste caso seria a negação

nossa/do profissional ou dele? Kübler-Ross, segundo Luz & Bastos (2019) chama atenção ainda

para o aspecto de que é “comum que em nossa cultura reações como alegria ou felicidade em

pessoas que estejam morrendo sejam vistas como manifestações de negação, algo negativo, o

que nem sempre corresponde à realidade” (p. 64). Mas não houve referência a este aspecto nas

narrativas das psicólogas colaboradoras neste estudo.

6.3.3 Os desafios éticos: uma questão de delicadezas

Arrieira et al. (2017) enfatiza a importância de incluir a espiritualidade nos cuidados a

fim de tornar as intervenções mais integrais e potentes. Todavia, a inclusão dessa dimensão na

assistência não se dá sem desafios e dificuldades, sendo inclusive permeada por questões éticas

– desafios esses que não excluem o lugar de potência da espiritualidade e da religiosidade no

cuidado, mas que solicitam nossa atenção. E este é justamente um dos pontos também trazidos

por nossas colaboradoras. Optamos por separar do eixo das dificuldades e trazê-las enquanto

desafio, por ser algo que nos provoca, mobiliza, e impele a buscar solução, ainda que as

dificuldades também possam assim serem vistas dessa forma, por vezes elas podem ser

resolvidas mais praticamente do que os desafios de ordem éticas, que sempre estão sendo

(re)inaugurados, em especial diante da morte e do morrer.

Portanto, entre as questões destacadas e às preocupações éticas está a proximidade entre

os conceitos de espiritualidade, religiosidade e religião, recorrentemente trazidos juntos nas

falas das entrevistadas, consistindo para elas em dificuldades a serem trabalhadas em razão

desta potencial confusão

o meu receio é que ao trabalhar espiritualidade eles confundam que eu tô trabalhando


religião... eu tenho muito cuidado com isso pra o que é dele é dele e a gente vai
trabalhar o que é dele né, fora isso (pausa) tranquilo assim, eu não vejo não...
136

(Ônix – recorte da entrevista)

De modo que a fala de Ônix é representativa da preocupação das profissionais em

possivelmente não induzir ou impor questões referentes a religiosidade.

O advento da secularização, de acordo com Costa Catré et al. (2016), nos faz englobar

na espiritualidade, elementos por vezes mais intimamente vinculado ao universo da religião,

tendo em vista o atual revestimento da espiritualidade de alguma laicidade (Vásquez, 2005). A

modernidade dessacralizadora e secularizante, conduz a proclamação da racionalidade do

indivíduo, fato que no campo da psicologia leva a uma espécie de “morte de Deus” (Angerami-

Camon, 2002), sendo este em algum nível evitado, incluindo o que se referiria a este campo no

constructo espiritualidade, processo que reverbera no mundo contemporâneo.

O Código de Ética do Profissional do Psicólogo (2005) veda no Artigo 2º, item b, a

indução a quaisquer convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de

orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito durante o exercício de suas funções

profissionais, o que não excetua a possibilidade de trabalho com aspectos da religião e

religiosidade, desde que parta do sistema de crença do cliente (Oliveira & Junges, 2012; Peres

et al., 2007).

O código de ética me diz que as minhas crenças elas não podem ser soberanas em
relação ao meu olhar sobre o outro né, que eu tenho que suspender um pouco pra
cuidar da melhor maneira possível, porque aquele outro tá me chegando frágil,
vulnerável e eu não posso me aproveitar disso.

(Tanzanita – recorte da entrevista)

Enquanto postura possivelmente antiética Quartzo Rosa diz:

Quando eu coloco a minha ‘religião’ garganta abaixo do outro isso é antiético,


quando eu gero, quando eu suscito um questionamento, quando eu deixo o outro com
questões em aberto, indefinido, quando eu lanço uma dúvida pra ele em relação a
prática ele... isso é um dilema que eu causo no paciente.
137

(Quartzo Rosa – recorte da entrevista)

No que se refere a psicologia e a inclusão da espiritualidade, Cornalina exemplifica

práticas relacionada a psicologia e a religiosidade que a chamam atenção:

Psicólogo que entra pra fazer atendimento pra fazer oração, pra contar história de
vida dele de superação, de adoecimento que melhorou [...] adoeceu de câncer, ficou
curado e nossa senhora curou, e vai e leva imagem, quer que o paciente toque na
imagem, que faça orações, usando jaleco, assim, na posição de psicólogo... é... [...].
Ou tipo, do paciente ser ateu e a psicóloga convidar pra rezar... assim, super delicado,
eu acho [...] As dificuldades éticas que podem surgir é a mistura do que é do
profissional com o que é do paciente.

(Cornalina – recorte da entrevista).

A oração ou o orar junto, entretanto, não é um problema em si, afinal há autores que que

inclusive incentivam que se reze junto com o paciente, obviamente se houver benefício nesta

ação e se o profissional de saúde estiver acordo (Koenig, 2013; Zangari & Machado, 2018). E

claro, desde que esteja radicada na crença e desejo do paciente. Logo, orar ou sugerir orações,

bem como trazer outros aspectos vinculados à religiosidade para o cuidado, só são inadmissíveis

quando não partem do paciente, quando partem do profissional e ignoram o sistema de crenças

para quem deveria se destinar aquele cuidado (Peres et al., 2007).

É fato que o diálogo entre a Psicologia, que deve ser laica como orientam os

posicionamentos referentes à categoria, e a Religião e outros aspectos que supõe a dimensão

transcendente do humano, são incentivados. Porém, desde que não haja tentativa de impor

qualquer tipo de dogma religioso (Nota técnica Laicidade e Psicologia, 2013), marcando a

laicidade ainda não como um elemento para retirar a espiritualidade ou as religiosidades de

cena, mas sim como princípio que deve garantir a diversidade das diferentes expressões

espirituais e religiosas, e a psicologia e a atuação dos psicólogos deve se alinhar a este aspecto
138

(Psicologia, laicidade, espiritualidade, religião e os saberes tradicionais: referências básicas

para a atuação profissional, 2014).

A fala de Ametrino, chama ainda atenção para a importância do conhecimento e da

técnica para fundamentar e favorecer práticas éticas, compartilhando o receio de que na falta

deste se estabeleçam práticas inadequadas, como induzir algum paciente a uma prática ou

aspecto religioso que não é seu.

O tabu de se tratar religião nas práticas... qual é o limite entre falar sobre isso e de
repente está evangelizando? Eu lembro que nas supervisões de estágio quando esse
conteúdo aparecia [...] eu até temia que eles descambassem para a evangelização
porque muitos alunos, eles tem práticas religiosas bem ativas... eu já tive alunos
pastores e o grande receio era esse, no setting terapêutico, esta pessoa que esteja
desavisada ou que em algum momento lhe falte a “tecné”, enquanto ética do cuidado
e, ou lhe falte mesmo a compreensão do que fazer e lance lá como carta a a religião
nesse sentido de induzir a pessoa

(Ametrino – recorte da entrevista).

Sobre este aspecto Olho-de-Tigre, compartilha sua indignação e acrescenta:

é um território que tá adoecendo porque o profissional não está qualificado para isso,
então é muito grave, muito grave [...] é, eu sou muito crítica em relação ao nosso
campo, eu acho que nós estamos vivendo uma fase na psicologia muito delicada. É...
a gente tem uma gama enorme de profissionais entrando no mercado com uma
incompetência muito grande [...] as universidades precisam acrescentar isso na
formação dos profissionais, na área da saúde principalmente [...] não dá mais pra
gente vê essa temática como um “up” um “plus” da nossa formação, não deve ser mais,
muitas coisas mudaram no campo da saúde, muitos conceitos foram se alterando, o
próprio conceito de cuidados paliativos né, que teve suas mudanças ao longo do
tempo,e ai? Os profissionais tão acompanhando isso? Não, não estão acompanhando.
É, então, eu acho que precisa se investir mais nisso sabe...

(Olho-de-Tigre – recorte da entrevista).


139

Em razão das demandas práticas e das dificuldades que podem haver na interface da

abordagem psicologia e espiritualidade, é cada vez mais reconhecida a necessidade de um

ensino que ofereça subsídios a atuação dos psicólogos e psicólogas no tocante à espiritualidade

e religiosidade (Cunha & Scorsolini-Comin, 2019), sendo importante quebrar o paradigma de

que Psicologia, religião e espiritualidade não se misturam, bem como o de que ciência e religião

não possuem relação (Numbers, 2009). Neste sentido, a formação pode ser um importante

elemento a favorecer práticas eticamente fundamentadas (Cunha & Scorsolini-Comin, 2019).

A abordagem da espiritualidade/religiosidade se revela para as psicólogas como uma

prática em que de fato se pode levantar importantes dilemas éticos. Sobretudo quando não se

respeita a crença ou não crença do paciente, ou ainda quando o impõe ou o induz a seus

referenciais religiosos e/ou espirituais, conduzindo o atendimento a partir deste viés próprio.

Sendo assim, é inadiável a inclusão do tema nas formações dos psicólogos e psicólogas, a fim

de melhor instruí-los, favorecendo boas práticas nesta seara.

6.4 A Espiritualidade e a Religiosidade como potência: o lugar para os psicólogos e no

cuidado ao outro na proximidade da morte

Morrer só o necessário, sem exceder a


medida.

Regenerar quanto for preciso da parte que


restou.

Wisława Szymborska

O objetivo geral deste estudo era compreender o lugar da espiritualidade na atuação de

psicólogos/as em contextos de CP na proximidade da morte, apesar dos diferentes horizontes

no discurso de cada uma das colaboradoras, todas concordaram neste ponto, que é o que chega
140

mais próximo de uma resposta à inquietação que dispara esta pesquisa: o lugar da

espiritualidade como potência no cuidado em contexto de CP.

Na atualidade há múltiplas evidências empíricas que relacionam religião e/ou

espiritualidade à saúde física e mental, à qualidade de vida e a outros construtos relacionados

com bem-estar (Panzini & Bandeira, 2007).

As produções acerca do tema estão principalmente relacionadas à saúde mental, que

representam 80% do que é produzido com relação à espiritualidade, sendo recorrentes os

estudos mostrando a associação entre a espiritualidade e menor abuso de substâncias lícitas e

ilícitas, bem como menor prevalência de depressão e suicídio e melhor qualidade de vida e bem-

estar (Lucchetti & Lucchetti, 2014). No entanto, a discussão não se encerra apenas neste campo.

De modo que, mesmo sendo mais expressivos os estudos no campo da saúde mental,

também são relevantes os estudos que associam a religião e espiritualidade à saúde física,

assinalando sua relação com menos hospitalização, melhor enfrentamento de processos de

adoecimento, melhor e maior adesão a tratamentos e menores índices de mortalidade. Ademais,

apesar de menos comum há também estudos que registram desdobramentos negativos de

algumas formas de envolvimento religioso (Lucchetti & Lucchetti, 2014), como quando se tem

a crença em um deus punitivo, diferentemente de quando se traz a crença em um deus

benevolente e protetor (Silton, Flannelly, Galek, & Ellison, 2014).

Apesar de suas diferenças e especificidades, a religião, a religiosidade e a espiritualidade

parecem compartilhar tanto na literatura da área, quanto na fala das colaboradoras, um lugar

potencialmente importante no processo de lidar com as questões da finitude e mesmo

adversidades nos processos de adoecer, surgindo assim como recurso expoente de

enfrentamento da morte e assim só sendo porque parece ser também um elemento para enfrentar

a própria vida.
141

Além de importante, a espiritualidade bem como a religiosidade são comumente

elencados pelos pacientes de acordo com as falas das colaboradoras, no sentido de se tratar de

uma demanda que muitas vezes surge espontaneamente em suas falas:

Geralmente eles trazem, acho que 80% dos pacientes eles trazem algum, algo, não
necessariamente religião né, mas a crença em algo superior, em algo que dá força, e aí
quando eles trazem aquilo eu pego para usar nos próximos atendimentos [...]. Eles
geralmente trazem como demanda, e aí como um recurso de enfrentamento vai surgindo
a espiritualidade

(Ônix – recorte da entrevista)

Além disso nos contextos de finitude por vezes acentuam-se as questões ligadas ao

sagrado, aos mistérios, ao intocável, ao transcendente (Kovács, 2007), assim repete-se aqui uma

fala de Olho-de-tigre presente no capítulo 4 onde se abordava a motivação em incluir o cuidado

espiritual nos CP.

Os pacientes I. [pesquisadora], de uma forma geral estão lidando com muito


sofrimento, é muito comum eles se apegarem a questões religiosas e espirituais [...] é
muito comum, é muito muito muito comum mesmo diante de sofrimento as pessoas
buscarem a religião e ou a espiritualidade como recurso de enfrentamento

(Olho-de-tigre – recorte da entrevista).

Afinal, apesar do grande desenvolvimento tecnológico, muitas vezes o processo de

adoecimento vem acompanhado de muito sofrimento (Kovács, 2007) e é justamente nos

momentos de grande sofrimento e dor que pode haver uma maior busca pela transcendência

(Genaro Jr, 2003), ou mesmo pela religião, espiritualidade e religiosidade, como trazido por

Olho-de-tigre acima. De acordo Breitbart (2003), 80% dos pacientes em fase terminal querem

conversar com seu médico sobre temas vinculados à dimensão espiritual.


142

Lazarus & Folkman (1984), denominaram coping o conjunto de estratégias, cognitivas

e comportamentais utilizadas pelos indivíduos para manejar situações estressantes, que podem

ser estratégias focadas na emoção, isto é, dirigidas à regulação da resposta emocional ou focadas

no problema, através de ações práticas voltadas à solução do evento estressor, a que também se

pode chamar enfrentamento.

Tendo em vista, o crescimento dos estudos que demonstram uma relação possível entre

espiritualidade e saúde, qualidade de vida e bem-estar, surge o conceito de coping

religioso/espiritual (CRE), que diz respeito ao uso da fé, religião ou espiritualidade no manejo

de situações estressantes ou de momentos de crise que se dão ao longo da vida (Pargament,

1997), sendo, de acordo com (Panzini & Bandeira, 2007) – importantes pesquisadoras da

temática no Brasil, ainda pouco estudado no país.

As pesquisas na área revelam um uso consideravelmente maior de estratégias de CRE

positivo de que negativo em situações estressante (Pargament, Smith, Koenig, & Perez, 1998),

e que as pessoas fazem uso do CRE especialmente em situações de crise, diante de problemas

relacionados a saúde/doença, envelhecimento e morte, como a perda de entes queridos e a

guerras (Panzini & Bandeira, 2007). Há, no entanto, estudos em que o coping religiosos positivo

não apresentou nenhuma relação com o bem-estar físico e psicológico, ao passo que o coping

religioso negativo esteve associado a momentos de angústia emocional e de pior ajustamento

psicológico e de bem-estar físico (Veit & de Castro, 2013).

Sobre os pacientes religiosos e seu modo de enfrentar, que pode estar associado tanto

ao coping religioso negativo, quanto positivo, parece ser mais comum que a religiosidade e

também a espiritualidade funcionem como enfrentamento positivo:

Eu vejo enquanto sendo o paciente que consegue enfrentar melhor inicialmente


(Ônix – recorte da entrevista)
143

A gente percebe que os pacientes que tem uma sensibilidade em relação à


espiritualidade têm uma tranquilidade também, é algo muito interessante... não consigo
te descrever de fato [...] a crença entra mais como um conforto [...] a gente consegue
ver muito claramente, de conforto, de trazer sentido, em relação a alguns medos do que
vai acontecer a partir de agora...
(Berilo – recorte da entrevista)

Os estudos sobre espiritualidade e religiosidade como estratégia de enfretamento às

adversidades ou mesmo como recurso potente diante da vida nos atentam para a importância de

que sejam incluídos entre as estratégias de cuidado em saúde. No entanto, a promoção do

cuidado espiritual, bem como as práticas que se dispõem a uma atenção holística ainda

representam um desafio, de modo que a importância da valorização da dimensão espiritual

consideravelmente tratada no âmbito teórico, fica à margem na prática, parecendo um pouco

distante da realidade dos profissionais (Menezes, 2017). É comum, então, no campo

profissional que haja pouca intelecção dos conceitos de espiritualidade, religiosidade e religião,

sendo fundamental um maior entendimento de suas distinções e relações, bem como ações a

fim de incluir cada vez mais esses aspectos na prática e minimizar a distância entre o saber e o

fazer.

Porém, a espiritualidade e a religiosidade não consistem em elementos potentes apenas

para os cuidados direcionados aos pacientes, mas também pode se dirigir como aspecto

poderoso nos cuidados direcionados a si pelos profissionais de saúde.

6.4.1 Para além do cuidado do outro: o lugar da espiritualidade para os psicólogos/as

O médico só age onde é tocado. Só o ferido

cura.

Carl Gustav Jung


144

O trabalho no contexto da terminalidade, segundo Macieira (2007), exige dos

psicoterapeutas e demais profissionais de saúde grande grau de amadurecimento pessoal e

profissional, para enfrentar sua própria impotência, suas limitações, falhas e sua própria

mortalidade. O fato de estar recorrentemente diante da morte, no cuidado ao outro e

consequentemente em confronto com a sua finitude têm implicações aos profissionais, por

vezes custosas, como o contato com sua própria finitude, além das perdas e lutos vividos.

Porém, neste ínterim são comumente geradas reflexões e aprendizados a partir do sofrimento

das perdas, do autoconhecimento, da sensibilidade e também da compaixão (Rodrigues & Zago,

2012 por Giaretton, 2013).

Neste sentido, a espiritualidade surge para as colaboradoras deste estudo como

importante recurso de enfrentamento do e no contexto de trabalho, o qual é por vezes tão

marcado pela dor e sofrimento do fim.

A minha espiritualidade me ajuda a entrar nesse contexto aqui, me ajuda a olhar, a


vir aqui, a cuidar deles, a tá junto vivenciando esse momento tão importante da vida
deles e para mim também é um presente, eu me sinto muito privilegiada [...] me ajuda
a tá aqui junto, sem me desorganizar

(Quartzo Rosa – recorte da entrevista)

Um dos recursos de enfrentamento que eu utilizo pra cuidar da minha dor, do que é
meu, é a minha fé, a espiritualidade, são as minhas crenças...

(Ônix – recorte da entrevista)

Estando a espiritualidade muitas vezes relacionada especificamente com a religiosidade:

Minha crença ajuda muito e me traz tranquilidade para trabalhar, hoje em dia eu
tenho prazer de acompanhar pacientes terminais [...] a minha fé faz com que hoje eu
tenha uma tranquilidade maior para conseguir trabalhar

(Ônix – recorte da entrevista).


145

A minha religião faz eu entender a morte de uma outra forma, então a morte é apenas
uma transição, então de acordo com a minha religião existe vida após a morte. Então
isso me traz um bem-estar muito grande, crer nisso é uma coisa que pra mim serve
como um apoio, como um referencial muito importante, entendeu?! Então eu lido de
uma forma muito positiva a questão de terminalidade, de morte, de vivenciar irsso,
sabe?! [...] minha religião realmente me dá uma sustentação muito positiva

(Olho-de-Tigre – recorte da entrevista)

A religião surge como uma produtora de sentidos, que subsidia a atuação e que a

sustenta, de modo que suas práticas ou exercício aparecem também como suporte às

profissionais:

Eu tenho orado muito por ela e isso me conforta [...] eu tenho feito muita prece por
ela, que Deus possa aliviar o sofrimento, que possa auxiliar ela de alguma maneira...
Eu acho que as minhas preces me confortam e me ajudam a me manter
emocionalmente organizada para organizar a desorganização dos outros.

(Tanzanita – recorte da entrevista)

Aqui no hospital a gente tem uma capelinha, então, às vezes, eu até gostaria de ir mais,

mas as vezes eu vou lá né, peço sabedoria, luz, dentro do que eu acredito até para a

minha atuação, eu me sinto bem com isso

(Cornalina – recorte da entrevista).

Fato que se relaciona com o aspecto de que, além de todas as religiões trazerem

mensagens de suporte e salvação, buscam responder as questões básicas do ser humano, e dentre

elas estão as perguntas sobre os eternos problemas humanos do amor e sofrimento, da culpa,

do perdão, da vida e da morte, da origem do mundo e suas leis (Bertachini & Pessini, 2010).

É bem importante, eu vejo como sustentáculo assim de vida [...] quanto mais eu estou
próxima, tanto da minha religião – quando eu tô mais, eu participo de grupo, de Igreja,
146

de tudo – quando eu tô mais atuante, eu me sinto mais tranquila, inclusive assim, pra
trabalhar

(Cornalina – recorte da entrevista).

As diferentes colaboradoras sinalizam a importância da religião para si como

sustentáculo diante de seu trabalho.

Sem dúvida traz um sentido, traz uma tranquilidade, um conforto, porque inquieta

muito trabalhar com a morte, sem dúvida nenhuma

(Berilo – recorte da entrevista).

O fato é que lidar com o sofrimento e a dor do outro significa, em maior ou menor grau,

lidar com nossas próprias dores, é sofrer e crescer como ser humano. De modo que, os

trabalhadores e trabalhadoras da saúde tendem a afastarem-se paulatinamente do paciente na

iminência de morte, estabelecendo-se, de certa maneira uma “frieza” e “insensibilidade”, que

na verdade é em grande parte uma estratégia que se adota, nem sempre conscientemente, para

se proteger do sofrimento (Gomes & Ruiz, 2006).

A espiritualidade e/ou a religiosidade apareceram nas narrativas como fatores

importantes para se estar no contexto de CP diante da morte, reafirmando o desafio que é por

vezes estar neste contexto e não se desorganizar ou fragilizar. E apesar de não haver muitos

estudos, já se sinaliza para a relação entre a atuação em CP e o esgotamento relacionado ao

trabalho, o burnout (Acinas, 2012).

Deste modo, é importante que se abra e haja espaços de cuidados aos profissionais que

cuidam de pessoas no final de suas vidas, para que assim cada um possa sair da negação, do

silêncio, da ilusão de onipotência e principalmente para que se possa falar do que se vive e o

que o comove, para que não se percebam sós nesta empreitada, identificando que não é
147

compulsório submergir na aflição, adquirindo a distância do que não podem resolver e se

aproximando do que podem cuidar (Hennezel, 2001).

Podemos afirmar que as psicólogas de nosso estudo dão à espiritualidade um lugar

expoente no cuidado não só do paciente, mas também no processo de adotar estratégias de

cuidado para si e para estar no contexto de CP diante da morte.

Cabe destacarmos, ainda, outro aspecto significativo que elas revelam enquanto ganhos

potentes no cuidar no processo de morte. Refere-se à morte como “espiritual”, no sentido do

conceito de autotrascendência que enuncia Viktor (Frankl, 2010), que diz da capacidade

humana de transcender a si mesma, de transformar-se, não sendo ser pronto ou fechado, tendo

em si a capacidade de ser além de si mesmo, de transcender a si.

A morte tá o tempo todo, remetendo, emitindo mensagens pra gente e essas mensagens

não nos ajudam apenas a conduzir ao cuidado com o paciente, mas a conduzir a nossa

vida, nossa existência, ao nosso sentido [...] as coisas se tornam mais claras, as

escolhas se tornam mais conscientes quando você tá em contato direto com a morte, e

aí afastando um pouco da questão religiosa e pensando nas questões espirituais mesmo

e, então, ao mesmo tempo que ajuda na condução dos processos deles, nos ajuda, Me

ajuda a pensar sobre a minha vida e a redirecionar o sentido dela [...] é uma

experiência que se a gente permite nos transforma.

(Ametrino – recorte da entrevista).

Haja vista que, a morte está sem dúvida entre um dos maiores impulsos ao

desenvolvimento humano, à medicina, às artes, à filosofia ou à ciência, e dentro do campo da

espiritualidade isto não é diferente, é através dela que as pessoas se defrontam com a imutável

realidade de que tudo termina. Sendo a finitude e sua consciência a essência do espírito humano
148

(Saporetti, 2009). “O ser humano deseja transcender. Transcender os limites do seu corpo, os

limites da sua alma, conhecer Deus, Alá, Buda, Olorum, o Criador, seja quem ele for ou a si

mesmo (Saporetti, 2009, p. 279).

O trabalho vivo com a morte é de fato uma possibilidade à espiritualidade e às

transformações de si, desde que se esteja aberto para tal. A morte só nos transforma

recorrentemente se assim permitirmos.

A potência da espiritualidade não se restringe apenas ao cuidado aos pacientes, mas

também desponta como elemento de cuidados para as próprias psicólogas, inclusive em seus

processos de lidar com as demandas do trabalho com a morte, que por vezes são tão

desgastantes. Vasconcelos (2006) nos ensina que “para cuidar da pessoa inteira, é preciso estar

presente como pessoa inteira” (p. 68). E como, então, estar inteiros e inteiras diante do outro?

Sobretudo em um contexto em que o afastamento pode ser tentador?

Lidar com o sofrimento alheio é algo muito desgastante, suscita questões que fazem o
próprio sofrimento vir à tona, aumenta o risco de aparecimento de transtornos de base
psicológica. Para cuidar do outro, é necessário que o trabalhador se cuide e se ache
cuidado (Gomes & Ruiz, 2006, p. 65).

Apesar das dificuldades que podem estar relacionadas a inclusão da espiritualidade e

religiosidade no cuidado, bem como o desenvolvimento de estratégias limitantes ou que alguns

chamam negativas de enfrentamento (Foch, da Silva, & Enumo, 2017), é, todavia, muito mais

comum e usual que a espiritualidade e a religiosidade atuem como elementos para um

enfrentamento positivo diante dos processos de adoecimento, além de ser um elemento

geralmente desejável de ser incluído pelos pacientes, sobretudo em nosso contexto brasileiro,

haja vista a marcante presença de elementos religiosos e espirituais e nossa cultura fortemente
149

sincrética (Boff, 2014), elucidando a importância e urgência de que este aspecto possa ser

incluído nos processos de cuidado.

O percurso em toda esta dissertação nos traz recorrentemente a este ponto, que é: a

espiritualidade e a religiosidade como elementos potentes para o cuidado, de um cuidado que

de fato se dirige ao outro, mas que é indissociável, ou assim deveria, de um cuidado que seja

de si (profissional da saúde).

Na escuta das psicólogas que têm suas práticas diante da morte foram evidenciadas uma

série de dificuldades, por vezes limites e até preocupações, que vinham junto com dores,

tristeza, com pesar e não raro impotência, mas era no compartir das potencialidades “no apesar

de” de um trabalho como os seus, era no falar da vida que pode mais e que não está restrita a

um processo de adoecimento que os olhos brilhavam, era no estar com o outro e acompanhar o

que há de sagrado, pois humano, em cada história que se reavia o ânimo, por vezes abatido ante

a frustração instaurada quando se encara a finitude, a morte, o fim.

E a espiritualidade neste contexto veio como “linha”, que borda, enfeita, costura e enlaça

na dor, nem sempre só com beleza, mas bela como tudo que é busca há de ser.
150

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tenho o privilégio de não saber quase


tudo. E isso explica o resto.

Manoel de Barros

Eu sempre guardei nas palavras os meus


desconcertos.

Manoel de Barros

A utopia está lá no horizonte. Me aproximo


dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre
dez passos. Por mais que eu caminhe,
jamais alcançarei. Para que serve a
utopia? Serve para isso: para que eu não
deixe de caminhar.

Eduardo Galeano

Este estudo partiu do desejo em compreender o lugar da espiritualidade na proximidade

da morte para profissionais de psicologia em contexto de Cuidados Paliativos (CP). Esta busca,

entretanto, passou longe de ser uma linha reta e logo nos levou a muitos outros caminhos, como

talvez seja da natureza das pesquisas compreensivas. Os nossos objetivos foram então faróis a

orientar nossos passos.

Sendo a trajetória escolhida à compreensão fundamentada na hermenêutica

Gadameriana, que nos forneceu um caminho árduo, mas também generoso. No encontro com

cada colaboradora um horizonte de compreensão novo, que nos permitiu pouco a pouco a
151

aproximação do lugar que a espiritualidade pode ter no cuidado na iminência da morte, cuidado

este as vezes tão marcado pela dor.

Assim fomos seguindo um caminho em busca da compreensão das diferentes faces da

morte e do morrer, e nos encontramos e nos reencontramos com a espiritualidade e os cuidados

paliativos. Transitamos então, pelas diferentes concepções de saúde, doença e morte, e ousamos

tentar compreender mesmo que provisoriamente a espiritualidade, a religiosidade e a religião

em tudo isso. Escutamos as narrativas e o que as psicólogas tinham a dizer, e encontramos já

ali o lugar de conforto que a religiosidade e a espiritualidade podem oferecer.

De modo que se tornou impreterível perguntar mais uma vez: E onde fica a psicologia?

O que cabe à psicologia? Como faz a psicologia? Assim, aproximando-se dos horizontes das

colaboradoras foi se chegando no saber-fazer destas profissionais, e não demorou para que

também nos defrontássemos com os desafios, dilemas e dificuldades de uma prática que propõe

incluir a religiosidade e a espiritualidade diante da morte, somando-se às questões éticas que

podem permear este campo.

Porém, foi nas potencialidades que a espiritualidade se destacou neste estudo. Exibiu-

se em um lugar principalmente de potência no cuidado do outro e de si. O que pode nos dar a

impressão de que chegamos ao ponto final em resposta ao nosso objetivo geral de pesquisa, e

aqui o retomo: “Compreender o lugar da espiritualidade/religiosidade na atuação de

psicólogas/os de Natal-RN em contextos de cuidados paliativos na proximidade da morte”.

Todavia, encontramo-nos agora muito mais em um lugar de reticências, como diria minha

orientadora, em um lugar de interlocuções.

Desta maneira o desenvolvimento deste estudo e o destaque dado a potência da

espiritualidade para as profissionais, bem como os desafios e dificuldades em incluí-la destacam

a indispensabilidade de reflexão e inclusão do tema nos processos formativos na psicologia,


152

reafirmando, a partir dos aprendizados tecidos nesta dissertação, a inadiável necessidade de que

se dê lugar à espiritualidade e à religiosidade no saber-fazer em psicologia, sem qualquer intuito

doutrinário ou proselitista, mas sim enquanto acolhimento do outro em sua integralidade.

Como se pode então, pelas lentes da psicologia se olhar para a espiritualidade, para a

religiosidade, para o sagrado, para a transcendência sem reproduzir o lugar comum que é o

mesmo que não inclui a espiritualidade em nossas formações? Entendo, assim, ser urgente o

diálogo e a reflexão sobre esses pontos e a continuidade do desenvolvimento de estudos

consistentes acerca da espiritualidade e religiosidade no cuidado, de modo que a inclusão nos

processos formativos, enfatize não apenas seu lugar de potência para o cuidado ao outro, mas

ainda que chame atenção para a potencial importância que pode assumir no cuidado de si.

Chego, então, ao fim desta dissertação com as falas de Manoel e Galeno me

atravessando. Atravessando-me porque de certo essas palavras todas, que agora a compõe e as

muitas outras que ficaram por dizer guardam e se fazem do desconcerto que a morte e a

espiritualidade produzem sobre mim. E nas trilhas dos caminhos que fui percorrendo até

concluí-la me encontro com o privilégio da assunção do meu pouco saber, do que fica por se

melhorar, ou simplesmente do que não pôde ser, e isto rapidamente me conecta com Galeano,

nesta lembrança, da utopia que pode ser o ato de pesquisar, da utopia que pode ser a busca e o

desejo por compreender. Chego então neste ponto com o horizonte se deslocando junto comigo,

mais uma vez, como algo que não posso de todo alcançar, mas que faz caminhar, mesmo que

em direção a novas perguntas e à outras compreensões, e o lugar de agora não é o mesmo do

ponto de partida.
153

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APÊNDICES

Apêndice A – Roteiro da entrevista

Após ter explicado o contexto da investigação, em termos amplos, ao colaborador, ter pedido
permissão para gravar e ter explicado sobre o TCLE, obtendo a autorização, é realizada uma
breve explicação acerca do procedimento da entrevista. Em seguida, são realizadas questões
para os dados de identificação do participante, conforme se encontra a seguir.

 Nome
 Idade
 Gênero
 Estado Civil
 Filhos/Quantos
 Religião (praticante ou não) / Crenças
 Nível de Escolaridade
 Tempo de formada
 Local de atuação em Cuidados Paliativos
 Tempo que atua em Cuidados Paliativos
 Abordagem clínica

 Após os dados de identificação, será iniciada a entrevista narrativa, a partir de uma


pergunta disparadora. Foi elaborado um tópico inicial como possibilidade para abrir a
narrativa do participante sobre sua vivência como profissional de psicologia no contexto
da proximidade da morte em cuidados paliativos e a respeito de sua compreensão acerca
do lugar da religiosidade/espiritualidade em sua atuação profissional.

 Segue-se para a formulação do tópico inicial ou questão disparadora:

Como você atua com as questões da espiritualidade e religiosidade no


acompanhamento a pessoas em cuidados paliativos na iminência da morte. É
abordado? Como acontece? Quais as dificuldades e recursos para tal; além de
outros pontos que você entender importantes e queira destacar.
168

 Iniciada a narração, essa não deverá ser interrompida até que haja uma clara indicação
(coda), significando que o entrevistado se detém e dá sinais de que a história terminou.
Quando o informante indicar o coda, no final da história, poderá ser perguntado se há
mais alguma coisa que ele gostaria de dizer.
 Quando a narração chegar a um fim “natural”, surge a fase de questionamento. As
perguntas formuladas com base no interesse da pesquisa (questões exmanentes) deverão
ser traduzidas em questões imanentes (temas, tópicos e relatos de acontecimentos que
surgiram durante a narração), com o emprego da linguagem do informante, buscando
completar as lacunas da história. Essas perguntas devem focalizar principalmente:

 conceito e significado da espiritualidade e religiosidade para os


participantes;
 a abordagem da questão da religião/espiritualidade diante de pacientes em
situação de proximidade da morte em cuidados paliativos;
 as vivências pessoais dos profissionais no campo da
espiritualidade/religiosidade e a interferência ou não na experiência de
cuidado aos pacientes;
 compreensão ética sobre a relação deles com a questão religiosa ou espiritual
de seus clientes/paciente;
 potencialidades e dificuldades na abordarem da espiritualidade/religiosidade
diante dos processos de terminalidade da vida de seus pacientes;
 contribuições dos processos formativos.

 No final da entrevista, com o gravador desligado, podem acontecer discussões


interessantes, na forma de comentários informais, os quais poderão ser importantes para
a interpretação da narração no seu contexto. No sentido de não perder essa informação,
utilizaremos o recurso do diário de campo. As anotações em diário de campo devem
ser realizadas logo após o encontro ter sido encerrado.

Observações:
- o entrevistador deverá fazer um diário de campo especificamente voltado para a
realização da narrativa. Nesse diário, poderão constar informações tais como: como se
deu o contato e o agendamento da entrevista; caracterização do local da entrevista;
169

impressões sobre o entrevistado e a narrativa em geral (principalmente as impressões


acerca da comunicação não verbal);
- nesse diário, deverão constar também as informações sobre as percepções do
entrevistado, seus sentimentos, afetações.

Perguntas complementares ou exmanentes

As questões servem apenas de roteiro para o entrevistador(a). Sua forma pode ser adaptada para
cada entrevistado, sem que se perca a ideia de cada questão. Serão conduzidas como uma
conversa, sem caráter interrogativo.

(identificar o conceito de espiritualidade e religiosidade)

- Como você compreende os conceitos de espiritualidade? E religiosidade?


- Que aproximações/distanciamentos identifica entre os dois?
- Como você trabalha com esses aspectos na prática com a questão da religiosidade? E
da espiritualidade (Isso se dá exclusivamente nos pacientes em CP na proximidade da
morte? A primeira vez que abordou? Qual a motivação? Exemplifique.)

(investigar se e como as vivências pessoais dos profissionais psicólogos no campo da


espiritualidade/religiosidade interferem na experiência de cuidado dos pacientes e quais as
potencialidades e dificuldades).

- Qual o significado da espiritualidade e/ou religiosidade em sua vida pessoal?


- Você acha que a religiosidade/espiritualidade na sua vida interfere na sua prática?
- Ajuda no cuidado do paciente diante da morte? Se sim, como (em que contribui na sua
prática com pacientes diante da morte)?
- Sua prática religiosa/espiritual te ajuda em seu cuidado pessoal para lidar com a
proximidade da morte de seus pacientes? Se sim, como?

- Quais seriam, então, as dificuldades para abordar espiritual/religiosa nos cuidados no


fim da vida? Exemplifique.

- A sua prática religiosa/espiritual em algum momento trouxe dificuldade para abordar


este assunto com os pacientes?

(identificar qual a compreensão ética que os psicólogos possuem sobre a relação deles com a
questão religiosa ou espiritual de seus clientes/pacientes).
170

- Quais são as dificuldades éticas que podem surgir quando se lida com as questões da
espiritualidade/religiosidade diante da morte. Você poderia exemplificar alguma
situação (pessoal ou de outro profissional).

Apêndice B – Roteiro da oficina com uso de cena

 Anterior à instrução para construção das cenas, fez-se uma breve caminhada dentro da
sala, ao som de música instrumental, com intuito de favorecer a presença das pessoas
no espaço e de facilitar o momento da criação das cenas na sequência.

Cena 1

Solicita-se ao colaborador que feche os olhos e que se deixe envolver por cenas que
criem mentalmente a partir da instrução:

“Construa uma cena na qual uma psicóloga está realizando um atendimento com uma paciente
em cuidados paliativos (sem nenhuma chance de cura). Imagine o tema da espiritualidade
surgindo e a psicóloga com algumas dificuldades para lidar com ele. O que acontece? Em que
contexto do atendimento surge? Quem está trazendo o assunto é o paciente ou a psicóloga?
Que tipo de sentimentos surgem nesta situação? Quais suas dificuldades para realizar uma
boa abordagem? Imagine com riqueza de detalhes essa cena, cujo desfecho não será uma boa
abordagem por parte da psicóloga em função das dificuldades que surgiram com ela. Entre na
cena como se fosse real explorando essas dificuldades”.

Após alguns minutos, solicita-se que se abram os olhos e que se relate a cena com o maior
detalhamento possível. Na sequência desse momento, faz-se um rápido relaxamento, à
semelhança do inicial, e conduz-se à construção de uma outra cena, sob a seguinte orientação:

Cena 2

Solicita-se que se fechem os olhos e que se deixe envolver:

“Construa uma cena na qual uma psicóloga está realizando um atendimento com uma paciente
em cuidados paliativos (sem nenhuma chance de cura). Imagine o tema da espiritualidade
surgindo e a psicóloga lidando com ele com facilidade. Que situação é esta? O que acontece?
171

Em que contexto do atendimento surge? Quais são os recursos que ela utiliza? De que ordem
são esses recursos? Pessoais? Formativos? Como a psicóloga se sente, a partir deste
atendimento e conduta? Imagine com riqueza de detalhes essa cena, em que há uma boa
abordagem por parte da psicóloga. Entre na cena como se fosse real”.

Pede-se, após alguns minutos, que se abram os olhos e que se relate a cena com o maior
detalhamento possível.

A oficina com as Cenas fecha-se após a discussão do exercício acima, detalhado com
uma avaliação sobre como o participante se sentiu com a experiência, sendo pedido que
sintetize o vivido em uma palavra a ser compartilhada.

Apêndice C – Termos de Consentimento e Autorização

Apêndice C1 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE

Esclarecimentos

Este é um convite para você participar da pesquisa: O lugar da


espiritualidade/religiosidade na prática de psicólogos que atuem no contexto de Cuidados
Paliativos na proximidade morte, que tem como pesquisador responsável Ingrid Raissa dos
Anjos Rocha.
Esta pesquisa pretende compreender o lugar da espiritualidade/religiosidade na atuação
de psicólogas/os de Natal-RN que atuem em contextos de cuidados paliativos diante da morte.
O motivo que nos leva a fazer este estudo é contribuir com o desenvolvimento de formas
de cuidados mais sensíveis inclusive aos profissionais de saúde que vivenciam o cotidiano
marcado pela cronicidade e a finitude, além de poder proporcionar o desenvolvimento de
estratégias que favoreçam o cuidado integral, que inclui a espiritualidade, de forma humanizada
e ética.
172

Caso decida participar você passará por dois momentos, por uma entrevista, que será
gravada e transcrita e por um outro momento, a ser agendado, de oficina com outro(a)s
participantes da pesquisa.
A pesquisadora garante a realização da pesquisa em ambiente adequado e reservado a
fim de garantir sua privacidade.
Durante a realização da pesquisa poderão ocorrer eventuais desconfortos e possíveis
riscos, suscitados pelo contato com narrativas decorrentes de alguma pergunta da pesquisa que
pode trazer desconforto emocional ou mobilização emocional. Esses riscos poderão ser
minimizados a partir da escuta qualificada de um profissional de psicologia, através do
encaminhamento a um serviço de psicologia, indicado e sem custos pela pesquisadora Ingrid
Raissa dos Anjos Rocha ou pela própria pesquisadora que é também psicóloga.
Os participantes poderão ainda se sentir cansados física e psiquicamente em decorrência
do tempo desprendido e/ou dos conteúdos abordados na pesquisa. De modo que será possível
interromper/pausar o processo caso seja necessário para o participante, havendo o compromisso
da pesquisadora a estar atenta a esse aspecto buscando minimizá-los se possível.
Como benefícios da pesquisa você estará contribuindo para a produção de conhecimento
na sua área de atuação.
Em caso de algum problema que você possa ter relacionado com a pesquisa, você terá
direito à assistência gratuita que será prestada pela pesquisadora Ingrid Raissa dos Anjos Rocha.
Durante todo o período da pesquisa você poderá tirar suas dúvidas entrando em contato
com Ingrid Raissa dos Anjos Rocha, Av. Amintas Barros 3700, e-mail
ingridrdarocha@gmail.com, telefone (84) 99185-3292.
Você tem o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer
fase da pesquisa, sem nenhum prejuízo para você.
Os dados fornecidos serão confidenciais e divulgados apenas em congressos ou
publicações científicas, sempre de forma anônima, não havendo divulgação de nenhum dado
que possa lhe identificar. Esses dados serão guardados pelo pesquisador responsável por essa
pesquisa em local seguro e por um período de 5 anos.
Os gastos pela sua participação nessa pesquisa, podem ser assumidos pela pesquisadora
e reembolsado para você se necessário.
Se você sofrer qualquer dano decorrente desta pesquisa, sendo ele imediato ou tardio,
previsto ou não, você será indenizado.
173

Qualquer dúvida sobre a ética dessa pesquisa você deverá ligar para o Comitê de Ética
em Pesquisa – instituição que avalia a ética das pesquisas antes que elas comecem e fornece
proteção aos participantes das mesmas – da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, nos
telefones (84) 3215-3135 / (84) 9.9193.6266, através do e-mail cepufrn@reitoria.ufrn.br Você
ainda pode ir pessoalmente à sede do CEP, de segunda a sexta, das 08:00h às 12:00h e das
14:00h às 18:00h, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Av. Senador Salgado Filho,
s/n. Campus Central, Lagoa Nova. Natal/RN.
Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com o
pesquisador responsável Ingrid Raissa dos Anjos Rocha.

Consentimento Livre e Esclarecido


Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como os dados serão
coletados nessa pesquisa, além de conhecer os riscos, desconfortos e benefícios que ela trará
para mim e ter ficado ciente de todos os meus direitos, concordo em participar da pesquisa “O
lugar da espiritualidade/religiosidade na prática de psicólogos de Natal-RN que atuem no
contexto de Cuidados Paliativos na proximidade morte”, e autorizo a divulgação das
informações por mim fornecidas em congressos e/ou publicações científicas desde que nenhum
dado possa me identificar.

Natal (RN), ______________ de 2019.

Impressão
Assinatura do participante da pesquisa datiloscópica do
participante

Declaração do pesquisador responsável


Como pesquisador responsável pelo estudo “O lugar da espiritualidade/religiosidade na
prática de psicólogos de Natal-RN que atuem no contexto de Cuidados Paliativos na
proximidade morte”, declaro que assumo a inteira responsabilidade de cumprir fielmente os
procedimentos metodologicamente e direitos que foram esclarecidos e assegurados ao
participante desse estudo, assim como manter sigilo e confidencialidade sobre a identidade do
mesmo.
174

Declaro ainda estar ciente que na inobservância do compromisso ora assumido estarei
infringindo as normas e diretrizes propostas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de
Saúde – CNS, que regulamenta as pesquisas envolvendo o ser humano.

Natal (RN), ______________ de 2019

Assinatura do pesquisador responsável

Apêndice C2 – Termo de autorização para gravação de voz

TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO DE VOZ

Eu, _____________________________________, depois de entender os riscos e


benefícios que a pesquisa intitulada “O lugar da espiritualidade/religiosidade na prática de
psicólogos que atuem no contexto de Cuidados Paliativos na proximidade morte” poderá trazer
e, entender especialmente os métodos que serão usados para a coleta de dados, assim como,
estar ciente da necessidade da gravação de minha entrevista, AUTORIZO, por meio deste
termo, os pesquisadores Ingrid Raissa dos Anjos Rocha e Geórgia Sibele Nogueira da Silva a
realizar a gravação de minha entrevista sem custos financeiros a nenhuma parte.
Esta AUTORIZAÇÃO foi concedida mediante o compromisso dos pesquisadores
acima citados em garantir-me os seguintes direitos:
1. poderei ler a transcrição de minha gravação;
2. os dados coletados serão usados exclusivamente para gerar informações para a
pesquisa aqui relatada e outras publicações dela decorrentes, quais sejam: revistas científicas,
congressos e jornais;
3. minha identificação não será revelada em nenhuma das vias de publicação das
informações geradas;
4. qualquer outra forma de utilização dessas informações somente poderá ser feita
mediante minha autorização;
175

5. os dados coletados serão guardados por 5 anos, sob a responsabilidade da


pesquisadora coordenadora da pesquisa Ingrid Raissa dos Anjos Rocha, e após esse período,
serão destruídos e,
6. serei livre para interromper minha participação na pesquisa a qualquer momento e/ou
solicitar a posse da gravação e transcrição de minha entrevista.

Natal, _____________ de 2019.

Assinatura do participante da pesquisa

Assinatura e carimbo do pesquisador responsável

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