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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A EXPERIÊNCIA DE SOFRIMENTO

EM ESTUDANTES DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA DA UFRN SOB O ENFOQUE

FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL

Cíntia Guedes Bezerra

Natal

2016
Cíntia Guedes Bezerra

A EXPERIÊNCIA DE SOFRIMENTO

EM ESTUDANTES DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA DA UFRN SOB O ENFOQUE

FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL

Tese elaborada sob a orientação da Profa. Dra. Elza


Maria do Socorro Dutra e apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte como requisito
parcial à obtenção do Título de Doutor em
Psicologia.

Natal

2016
UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Catalogação da Publicação na Fonte
Bezerra, Cíntia Guedes.
A experiência de sofrimento em estudantes de Ciências e
Tecnologia da UFRN sob o enfoque fenomenológico-existencial /
Cíntia Guedes Bezerra. - Natal, RN, 2016.
151 f.: il.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Elza Maria do Socorro Dutra.

Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte.


Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-
Graduação em Psicologia.

1. Fenomenologia existencial - Tese 2. Sofrimento - Tese. 3.


Hermenêutica - Tese. 4. Ensino superior - Tese. 5. Pesquisa qualitativa
- Tese. I. Dutra, Elza. II. Título.

RN/UF/BCZM CDU 159.9.072.53


Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A tese “A experiência de sofrimento em estudantes de Ciências e Tecnologia da UFRN sob o

enfoque fenomenológico-existencial”, elaborada por Cíntia Guedes Bezerra, foi considerada

aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e considerada aceita pelo Programa

de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de DOUTOR

EM PSICOLOGIA.

Natal/RN, 08 de abril de 2016.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Elza Maria do Socorro Dutra

Profa. Dra. Ana Maria Monte Coelho Frota

Prof. Dr. Ileno Izídio da Costa

Profa. Dra. Ana Karenina de Melo Arraes Amorim

Profa. Dra. Ana Karina Silva Azevedo


Em algum lugar, nos desviamos do caminho.

O formigueiro humano está maior do que nunca

[...] no entanto, algo essencial nos falta [...]

Sentimo-nos menos humanos;

em alguma parte do caminho,

perdemos nossos privilégios misteriosos.

Antoine de Saint-Exupéry

iv
Agradecimentos

Ao amor...

de Deus e por Deus que me preenche com a serenidade da fé;

dos meus pais, Arnaldo e Maria Adelaide, meu ontem, meu hoje e meu sempre;

dos meus irmãos, Cristiano e Arnaldo Neto, meus grandes e melhores amigos;

do meu mais novo irmão, Thiago, minha alegria inocente;

da minha segunda família, Tio Sérgio e Tia Eulina, Sérgio, Isaac, Priscilla e Lucas;

da minha estimada cunhada, Mariana, por seu carinho e notável valor à família.

À maestria...

da minha querida orientadora, Prof. Dra. Elza Dutra, por todos os ensinamentos,

desde a teoria à existência, com seu exemplo de sabedoria, humildade, acolhimento e

compreensão;

do meu amado e admirado pai, Prof. Dr. Arnaldo Bezerra Filho, grande exemplo de

responsabilidade na lida com o sofrimento humano, pelo papel fundamental na

conclusão desta tese com uma leitura minuciosa e preciosas orientações.

À disponibilidade...

da Profa. Dra. Ana Karenina Amorim, da Profa. Dra. Ana Karina Azevedo, da

Profa. Dra. Ana Frota e do Prof. Dr. Ileno Izídio da Costa, pela leitura deste

trabalho, por terem aceitado o convite para compor a banca de avaliação e certamente

pelas valiosas contribuições.

Ao apoio...

da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em especial da Pró-Reitoria de

Assuntos Estudantis, notadamente da Prof. Dra. Janeusa Souto, então pró-reitora, e

v
do Prof. Dr. Paulo Campos, pró-reitor adjunto, pelo incentivo ao afastamento de dois

anos das minhas atividades laborais para conclusão desta tese.

À amizade...

de Poliana González, minha querida colega de trabalho, pela vibração e pela condução

solitária do setor de Psicologia enquanto estive ausente, e do seu esposo, Mario

González, pelo generoso suporte nas traduções para o espanhol;

de Paula Miranda Dantas, pela presença calorosa e constante na minha vida e pela

presteza e disponibilidade em me auxiliar nas traduções para o inglês;

de todos que torceram e estiveram comigo nessa caminhada, tornando-a mais leve.

Ao suporte...

do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRN, em todos os momentos que

se fizeram necessários.

Ao mérito...

da Escola de Ciências e Tecnologia que abriu as portas para a realização deste estudo,

manifestando preocupação e interesse por seus alunos.

À entrega...

dos estudantes que confiaram a mim suas experiências de sofrimento, minha fonte de

inspiração, envolvimento e motivação no desenvolvimento e efetivação desta pesquisa.

À Psicologia...

minha ciência, minha profissão, mas, sobretudo, minha paixão, por despertar em mim

o desejo de buscar ser sempre alguém melhor no mundo e pelo poder-ser-com-o-outro,

no privilégio da escuta, do dizer, do silenciar e do meditar sobre a potente arte de

existir.

Aos encontros...

nesta!

vi
Sumário

Lista de figuras.............................................................................................................. ix

Resumo.......................................................................................................................... x

Abstract......................................................................................................................... xi

Resumen........................................................................................................................ xii

Apresentação............................................................................................................... 13

Introdução.................................................................................................................... 18

Justificativa................................................................................................................... 31

.
Objetivo geral................................................................................................................ 34

Objetivos específicos.................................................................................................... 34

1. Sofro, logo existo?....................................................................................................... 35

1.1 O sofrimento existencial......................................................................................... 35

1.2 A interpretação segundo a hermenêutica heideggeriana......................................... 40

1.3 Há lugar para o sofrimento?.................................................................................... 47

2. Sou estudante universitário!..................................................................................... 53

2.1 O sofrimento em estudantes universitários............................................................. 53

2.2 O que é que eu tenho? É preciso dar nome a qualquer sofrimento?....................... 63

fenomenológica.......................................
3. O curso de Ciências e Tecnologia.............................................................................. 72

4. Procedimentos metodológicos.................................................................................... 78

4.1 Método.................................................................................................................... 78

4.2 Estratégias metodológicas....................................................................................... 82

4.3 Entrevista................................................................................................................ 83

4.4 Colaboradores......................................................................................................... 88

vii
4.5 Critérios de seleção................................................................................................. 90

5. A voz do estudante e a escuta fenomenológico-existencial...................................... 92

5.1 O sofrimento e seu impacto acadêmico.................................................................. 92

5.2 O planeta do estudante no universo atual................................................................ 93

5.2.1 Saturno............................................................................................................. 96

5.2.2 Vênus............................................................................................................... 105

5.2.3 Marte............................................................................................................... 6
115

5.2.4 Terra................................................................................................................ 126

6. O que se conclui? – Urge pensar o sentido!.............................................................. 136

7. Referências................................................................................................................... 143

Anexos.......................................................................................................................... 149

98

viii
Lista de figuras

Figura Página
1 Ilustração dos campos que atravessam o estudante universitário. 14
2 Procedência dos estudantes que buscaram o plantão psicológico do
Serviço de Psicologia da PROAE, entre os meses de janeiro de 2010 e 25
outubro de 2011.
3 Quantitativo de estudantes por período do curso que buscaram o
plantão psicológico do Serviço de Psicologia da PROAE, entre os 26
meses de janeiro de 2010 e outubro de 2011.
4 Quantitativo de estudantes por curso que buscaram o plantão
psicológico do Serviço de Psicologia da PROAE, entre os meses de 27
janeiro de 2010 e outubro de 2011.
5 Queixas trazidas pelos estudantes que buscaram o plantão psicológico
do Serviço de Psicologia da PROAE, entre os meses de janeiro de 2010 27
e outubro de 2011.
6 Número de estudantes atendidos pelo Setor de Psicologia da PROAE e 28
que passaram pelo plantão psicológico, no período de 2010 a 2015.
7 Número de estudantes atendidos pelo Setor de Psicologia da PROAE
dos três cursos que tiveram a maior demanda, no período de 2013, 29
2014.2 e 2015.

ix
Resumo

As universidades tem apresentado aumento na incidência de estudantes vivenciando


experiências de sofrimento e intensificação na procura por atendimento psicológico,
merecendo atenção o complexo contexto que atravessa o universitário. Parte-se da concepção
de que o ser humano é um Dasein, um ser-aí que não se encerra como interioridade psíquica,
mas é expressão particular e reflexo do seu copertencimento ao mundo, sendo o sofrimento
considerado intrínseco à existência e correspondente às solicitações mundanas. A pesquisa
objetivou problematizar o sofrimento, buscando compreender, interpretar e explicitar os
sentidos presentes na vivência de sofrimento de estudantes de Ciências e Tecnologia (C&T)
da UFRN e discutir sobre a atenção dispensada ao estudante universitário. Foi feito
levantamento bibliográfico sobre o sofrimento em universitários, discriminou-se o curso, bem
como foi dada ênfase à conjunção de aspectos pertinentes à contemporaneidade. Procedeu-se
com a realização de entrevistas semiabertas com quatro estudantes, as quais foram
interpretadas de acordo com a perspectiva fenomenológico-existencial, com base na analítica
da existência heideggeriana. Revelou-se que a lógica da ideologia contemporânea perpassa a
experiência de sofrimento dos estudantes e que o curso de C&T tem particularidades que
podem acirrar o mal-estar tão comum na atualidade; ao mesmo tempo, verificou-se o quanto a
experiência de sofrimento é singular e depende dos sentidos que cada um atribui à sua
vivência. Mostrou-se decisivo implicar a própria universidade para que seja possível
promover ações e ofertar medidas pedagógicas que tributem para o êxito no nível superior e,
sobretudo, provocar o questionamento do estudante acerca do seu modo de existir no mundo
contemporâneo, convocando-o para o caminho de uma construção pensante. Destaca-se,
portanto, a importância da criação de espaços que possibilitem e estimulem o pensar,
rompendo com o círculo vicioso do ritmo acelerado em que se vive e de ocupações
desviantes, como estratégias para uma melhor atenção ao estudante universitário.

Palavras-chave: Sofrimento; Ensino Superior; Fenomenologia Existencial; Hermenêutica;


Pesquisa Qualitativa.

x
Abstract

Universities have shown an increased incidence of students experiencing situations of


suffering and intensifying the demand for psychological care, deserving attention the complex
context the student goes through. There is the conception of the human being as a Dasein, a
being-there, which not ends as psychic interiority, but instead is a particular expression and
reflection of its connections with the world, and suffering considered as intrinsic to the
existence and corresponding worldly requests. The research aimed to discuss the suffering in
college, understanding and explaining the meanings present in the experience of suffering
students of Science and Technology (C&T) at UFRN as well as discuss the possibilities of
care dispensed to college students. A literature review about the suffering in college was
done, discriminating the academic context of C&T students and emphasising the combination
of contemporary and your requests. It proceeded with the completion of semi-open interviews
with four students, which were interpreted according to existential-phenomenological
perspective, which is based on the Heidegger's existential analytic. It turned out that the logic
of contemporary ideology permeates the suffering experience of C&T students and has
features which can intensify the discomfort so common today, while it was found how the
experience of suffering is unique and it depends on the way that each ascribes to his
experience. Proved decisive to involve the university itself so that you can promote action and
offer educational measures to tax for success in higher education and, above all, lead to
student questioning in their mode of existence in the modern world, summoning him to the
path a thinking construction. Therefore, it highlights the importance of creating spaces that
enable and stimulate thinking, breaking the vicious circle of the accelerated pace at which we
live and deviant occupations, such as strategies for better attention to college student.

Keywords: Suffering; Higher Education; Existential Phenomenology; Hermeneutics;


Qualitative Research.

xi
Resumen

Las universidades presentan un aumento en la incidencia de estudiantes vivenciando


experiencias de sufrimiento y una intensificación en la procura por consulta psicológica,
mereciendo atención el complejo contexto que vivencia el universitario por considerarse de su
concepción que el ser humano es un Dasein, un ser-ahí que no se cierra como interioridad
psíquica, mas es expresión particular y reflejo de su coparticipación en el mundo y el
sufrimiento considerado como intrínseco a la existencia y solicitudes mundanas
correspondiente. La investigación objetivó conocer, comprender y explicitar los sentidos en la
vivencia del sufrimiento de estudiantes de Ciencia y Tecnología (C&T) de la UFRN y discutir
sobre las posibilidades de atención ofrecidas al estudiante universitario. Fue realizado un
levantamiento bibliográfico sobre sufrimiento en universitarios, se detalló el curso, bien como
fue dado énfasis a la conjunción de la contemporaneidad y sus solicitaciones. Se prosiguió
con la realización de las entrevistas semi-abiertas con cuatro estudiantes, las cuales fueron
interpretadas de acuerdo con la perspectiva fenomenológico-existencial que se basa en la
analítica existencial de Heidegger. Fue encontrada que la lógica de la ideología
contemporánea prepas la experiencia de sufrimiento de los estudiantes y que el curso de C&T
tiene particularidades que pueden provocar el mal estar tan común en la actualidad, al paso
que se verificó que la experiencia de sufrimiento es singular y depende de los sentidos que
cada uno atribuye a su vivencia. Se mostró decisivo implicar a la propia universidad para que
sea posible promover acciones y ofertar medidas pedagógicas que contribuyan para el éxito en
el nivel superior y sobre todo provocar el cuestionamiento del estudiante sobre su modo de
existir en el mundo contemporáneo, convocándole para el camino de una construcción
pensante. Se destaca, por lo tanto, la importancia de la creación de espacios que posibiliten y
estimulen el pensar, quebrando con el circulo vicioso del ritmo acelerado en que se vive y de
ocupaciones desviantes, como estrategias para una mejor atención al estudiante universitario.

Palabras clave: Sufrimiento; Educación Superior; Fenomenologia Existencial;


Hermenéutica; Investigación Cualitativa.

xii
13

Apresentação

A contemporaneidade marca um tempo histórico com características bastante

específicas e importantes de serem problematizadas, tendo em vista a cada vez mais crescente

manifestação de sofrimento, como uma evidente dificuldade de se acompanhar as atuais

demandas da vida. Nesse contexto insere-se a universidade que, por sua vez, reflete

paradigmas do mundo contemporâneo e, portanto, tem também apresentado aumento

significativo, segundo pesquisas consultadas nessa tese, da incidência de estudantes

vivenciando algum tipo de sofrimento, bem como na procura por suporte psicológico por

parte dos alunos.

A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) vem confirmando esse

aumento da procura de estudantes por assistência psicológica, conforme se verificou através

de um levantamento de dados realizado no Setor de Psicologia da Pró-Reitoria de Assuntos

Estudantis (PROAE).

O desejo de pesquisar sobre a experiência de sofrimento em estudantes desta

universidade e mais precisamente do curso de Bacharelado em Ciências e Tecnologia (C&T)

se deu em virtude da minha inserção como psicóloga e pesquisadora no campo da atenção

psicológica aos estudantes, o qual chamou atenção pela alta e crescente procura por suporte

psicológico, tendo se destacado uma maior demanda no curso de C&T. Apresentaram-se

também outras particularidades neste curso, detalhadas no corpo da tese, despertando-me o

interesse em me aproximar, interrogar, refletir e compreender a problemática de ser-

universitário-no-mundo-contemporâneo, buscando esquadrinhar, sobretudo, os sentidos


14

atribuídos às experiências de sofrimento dos estudantes que colaboraram com a presente

pesquisa.

É válido pontuar que a experiência assume aqui a concepção heideggeriana que se

refere a um acontecimento que interpela o ser em seu encontro com o mundo, em seu caráter

de estar e ser-no-mundo, podendo mobilizar-lhe afetações, derivar reflexões e,

principalmente, mantendo-lhe preservada sua abertura e capacidade de transformação do ser-

aí diante das constantes possibilidades que surgem a cada momento da vida.

A estrutura da tese foi organizada de modo a possibilitar o contato gradativo com os

campos que se sobrepõem e atravessam a experiência singular dos estudantes. Inicialmente,

introduz-se a temática e, em seguida, adentra-se nestes espaços, na sequência em que cada um

abrange e perpassa o outro, como se ilustra na Figura 1:

Sofrimento
existencial

Figura 1. Ilustração dos campos que atravessam o estudante universitário.

Na Introdução, aborda-se o assunto de forma geral, destacando o sofrimento nas

particularidades do mundo contemporâneo, bem como algumas características do ambiente

acadêmico e suas experiências de sofrimento nos estudantes. Evidencia-se desde já o interesse


15

na singularidade e na produção de sentidos pelo ser-humano1 e pela abordagem do fenômeno

de um modo menos restritivo, como nos casos de objetivação e fragmentação do objeto

pesquisado, tendo em vista a multiplicidade de fatores que envolvem uma experiência de

sofrimento. Aqui também está detalhado de onde surgiu o interesse pelo tema, os dados

quantitativos do setor de atenção psicológica ao estudante da PROAE da UFRN e as questões

motivadoras para a pesquisa. Segue-se com a Justificativa, a qual delineia a importância

deste estudo e suas possíveis contribuições; e os Objetivos, o geral e os específicos, os quais

descrevem as finalidades da pesquisa.

É importante ressaltar que este estudo se situa no campo das pesquisas qualitativas em

Psicologia, numa abordagem fenomenológico-existencial, a qual se apoia na Analítica da

Existência heideggeriana. É uma abordagem que preza pela compreensão, interpretação e

explicitação de um fenômeno interrogado; neste caso, a experiência de sofrimento em

estudantes universitários, com ênfase nos sentidos de ser-universitário-no-mundo-

contemporâneo desses alunos. Para isso, a tese apresenta um primeiro capítulo, intitulado

Sofro, logo existo? Explana acerca do sofrimento existencial que perpassa tudo o que

envolve o estudante universitário, como se verificou na Figura 1, pois é condição intrínseca à

existência e discorre sobre A interpretação segundo a hermenêutica heideggeriana,

situando o leitor na perspectiva que embasa a compreensão e interpretação explicitadas na

tese, conversando sobre as ideias que norteiam as reflexões acerca do sofrimento dos alunos

participantes da pesquisa. O terceiro tópico deste capítulo – Há lugar para o sofrimento? –

aprofunda o tema do sofrimento objetivado da Era da Técnica, em Martin Heidegger, e

explana sobre o lugar do sofrimento no mundo contemporâneo.

1
A exemplo da terminologia heideggeriana que utiliza o hífen em expressões, como ser-aí, adota-se no presente
trabalho a presença do hífen em ser-humano, com fins de dar ênfase à qualidade do ser do homem, no sentido de
ser o único ente que possui a capacidade privilegiada e a possibilidade de questionar o seu sentido de ser em sua
existência fática.
16

A universidade, imersa na contemporaneidade, surge na sequência, no segundo

capítulo – Sou estudante universitário! O tópico – O sofrimento em estudantes

universitários – caracteriza a vida acadêmica com suas particularidades e desafios e expõe a

revisão de literatura realizada acerca do sofrimento em estudantes universitários. É digno de

nota que aqui se encontram estudos predominantemente quantitativos e relativos à

psicopatologia, uma vez que se constatou uma escassez de pesquisas qualitativas e

principalmente de abordagem fenomenológica no público universitário, tendo sido importante

para a análise em apreço citar as pesquisas encontradas, apesar de divergirem da perspectiva

do presente trabalho. Nesse sentido, desenvolveu-se o item – O que é que eu tenho? É

preciso dar nome a qualquer sofrimento? – o qual antecipa através do título uma crítica à

necessidade de nomear e classificar qualquer manifestação de sofrimento. Considerou-se

importante ponderar sobre o campo da saúde mental, posto que a maioria das pesquisas que

envolve o estudante universitário pertence a essa área, realizando-se também uma breve

reflexão acerca da interface saúdeXdoença e da medicalização excessiva como busca da cura

imediata. Foi destacada a psicopatologia fenomenológica com seus pilares na hermenêutica

heideggeriana. É importante dizer que apesar da apresentação desse conteúdo, não se

procurou apoio na nosografia das ditas perturbações mentais, mas sim na experiência humana

comum e universal do sofrer.

O terceiro capítulo apresenta O curso de Ciências e Tecnologia, sua estrutura e

dinâmica funcional, baseando-se no acesso a documentos sobre sua implementação, bem

como em observação e diálogos com discentes, docentes e técnicos-administrativos.

Na continuidade, apresentam-se os Procedimentos metodológicos, no quarto

capítulo, o qual expõe o método, o modo como se deu a pesquisa, onde foi realizada, quem

foram os colaboradores, os critérios de seleção e quais estratégias adotadas, evidenciando as


17

características, possibilidades e limitações da pesquisa qualitativa orientada pela

fenomenologia hermenêutica.

O quinto capítulo apresenta O planeta do estudante no universo atual, fazendo uma

analogia do ser-no-mundo do estudante universitário com o sistema planetário, expondo a voz

do estudante e a escuta fenomenológico-existencial. Subdivide-se em quatro planetas:

Saturno, Vênus, Marte e Terra, referentes à interpretação da entrevista com cada um dos

colaboradores que receberam o nome de um planeta apenas para fins de garantia do sigilo e

ilustração da pesquisa.

O que se conclui? – Urge pensar o sentido! Este é o sexto capítulo da tese, o qual

levanta as considerações finais, bem como as contribuições e óbices da pesquisa. Por fim, o

leitor encontra as Referências com a lista das referências bibliográficas utilizadas no estudo e

os Anexos, quais sejam: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Termo de

Autorização para Gravação de Voz.


18

Introdução

O ser-humano possui como condição ontológica de sua existência a necessidade de

imprimir um sentido a sua vida. É lançado em um mundo que não escolhe, trazendo consigo

uma história, a qual pode ou não ser assumida, pois é pleno de possibilidades. Entende-se que

é exigido do ser fazer escolhas continuamente, num processo inacabado, enquanto vive. Esta,

segundo Morato (2007), é uma tarefa intransferível que remete à angústia existencial por ser

ele próprio o único capaz de dar um sentido a si mesmo. Dutra (2004) alerta para o fato de

que o ser-humano, na contemporaneidade, além deste desamparo que traz intrinsecamente

consigo, precisa lidar com as vicissitudes da vida contemporânea, as quais geram novas

configurações caracterizadas predominantemente pela supressão do sentido existencial.

O mundo contemporâneo, marcado por significativas mudanças sociais e tecnológicas,

apresenta alguns efeitos negativos, sendo estes voltados principalmente para o modo como as

relações interpessoais se estabelecem, as quais perdem em solidariedade e se constituem com

ênfase na competitividade e na busca desenfreada pelo sucesso. As exigências da

contemporaneidade, como o ritmo acelerado em que se vive, é experimentado por muitos

como sensação de inadequação a esse tempo, podendo contribuir para o desenvolvimento de

estresse ou de outras patologias (Bauman, 2007; Oga & Cruz, 2010).

Os avanços tecnológicos, ao mesmo tempo em que possibilitam um aumento no

acesso à informação e conhecimento, podem gerar uma sensação de dominação por parte do

ser que tem dificuldade de se desconectar do mundo virtual, gerando novas demandas de

saúde mental (Bauman, 2007). Utilizar-se-ão os termos saúde mental, psíquico, emocional e

derivados apenas para fins de facilitar o entendimento da leitura quando houver referência a
19

aspectos tidos na ciência de modo geral como pertencentes à esfera psíquica; no entanto, é

importante ressaltar que este é um uso meramente didático do termo, pois se parte do

princípio da inseparabilidade entre mente e corpo, e homem e mundo, concordando com

Casanova (2009) que realça a inseparabilidade homem-mundo como modo que possibilita

encontrar o fundamento para pensar o social e o singular de modo indissociável.

Características da sociedade contemporânea, como o consumo desenfreado, o avanço

tecnológico, as conexões através das mídias eletrônicas, configuram os tempos líquidos,

denominado por Bauman (2007), que geram o esfacelamento dos laços sociais, a coisificação

das pessoas, contribuindo para a perda de sentido e para o mal-estar tão comum atualmente,

expresso nas mais variadas formas, como: depressão, síndromes do pânico, isolamento social,

violência, entre outras.

O dia-a-dia repleto de diversas atribuições, voltadas prioritariamente para a produção,

estudo ou trabalho, com fins de possuir condições financeiras para atender ao desejo de

consumo, bastante estimulado na lógica do mundo contemporâneo, torna-se propiciador da

individualidade exacerbada, do isolamento social e de um estado de humor caracterizado pelo

desânimo e falta de motivação (Oga & Cruz, 2010).

A valorização à competitividade e ao sucesso sobrecarrega o indivíduo que se sente

responsabilizado por alcançar todas essas expectativas, ou seja, o ser-humano é solicitado

continuamente a se enquadrar em modos de ser previamente estabelecidos, afastando-o do seu

si-mesmo e podendo provocar seu adoecimento, pela privação da liberdade de poder-ser.

Destarte, a contemporaneidade tem contribuído para a promoção do adoecimento psíquico

e/ou existencial, que se caracteriza como expressão de sintomas da vida social (Barbosa,

2012). É o ser refletindo problemáticas do contexto histórico e temporal em que está inserido.

A universidade, inserida nesse contexto de mundo e enquanto importante espaço de

acesso ao conhecimento e aquisição de novas competências, apresenta uma intensificação nas


20

demandas de saúde mental, conforme se constata através de pesquisas voltadas para

estudantes universitários (Adlaf, Gliksman, Demers & Newton-Taylor, 2001; Cerchiari, 2004,

Neves & Dalgalarrondo, 2007; Oga & Cruz, 2010; Xavier, Nunes & Santos, 2008).

Pensar na saúde mental do estudante universitário exige pensar no complexo contexto

em que este se insere, considerando a individualidade do ser-humano constituída no coletivo

dos homens, representado nessa pesquisa pela UFRN, pela sociedade norte-rio-grandense ou

mesmo pela civilização humana atual. O comportamento do ser-humano é entendido como

expressão particular e reflexo das conexões com o genérico e o universal. Dito de outro modo,

parte-se da concepção de que o ser-humano é um ser-no-mundo, não se encerrando em si

mesmo como interioridade psíquica (Heidegger, 1927/1995). Considera-se o ser-humano

como aquele que constitui e é constituído pelo mundo, são cooriginários, ou seja, homem e

mundo se articulam mutuamente (Feijoo, 2011).

Compreende-se assim que o ambiente universitário apresenta subjetividades típicas e

relativas a sua particularidade, mas também reflete os macros contextos da globalização. Faz-

se mister, deste modo, abordar o ser-humano como ser-no-mundo, não restringindo seu

sofrimento a uma causa determinista, mas considerando o ser inserido numa totalidade em

que influi e é influenciado por ela, está nela, sendo parte constituinte do mundo e dessa forma

expressão do mesmo.

É preciso ter conhecimento da conjuntura em que o ser se encontra para melhor

compreender as relações de sentido que ele produz e a forma como se coloca no mundo. Isso

não descarta o livre arbítrio do homem, mas esclarece que o seu surgimento se dá em

consonância com suas motivações, com a forma como as solicitações de mundo e seus

significados chegam até ele (Heidegger, 1987/2009). O prisma da fenomenologia

hermenêutica heideggeriana se mostra fundamental para a compreensão e interpretação do

sofrimento nos estudantes universitários, na presente pesquisa, por considerar as motivações


21

decorrentes da qualidade de ser-no-mundo e a concepção do sofrimento enquanto intrínseco à

existência.

O modo como o aluno se sente e lida com o contexto acadêmico é um processo

dinâmico que evolui com o passar do tempo, com as experiências que vai particularmente

adquirindo, suas características e histórias pessoais e com as reflexões advindas desse

contexto. É importante frisar que o sofrimento é aqui compreendido de um modo mais amplo,

como condição existencial do ser-humano, decorrente das vicissitudes do viver humano à

medida que enfrenta os desafios, as limitações, fragilidades e escolhas que a vida lhe impõe,

num eterno poder-ser, num vir-a-ser que não se esgota e jamais se completa, apenas na morte

(Heidegger, 1927/1995).

Vale notar que no universo acadêmico, inserido no contexto de mundo

contemporâneo, há os estudantes que o enfrentam com graves prejuízos à saúde mental, mas

há também aqueles que não sofrem perturbações nesse nível, o que leva à afirmação,

corroborando com Barreto e Morato (2009), de que conquanto os homens sejam influenciados

pelo contexto social em que se inserem, este não é determinante, uma vez que o ser-humano

não age por causalidade, mas por motivação. Sendo assim, cada qual com sua história de vida,

suas produções de sentido, é motivado e se expressa no mundo de determinada forma.

Observa-se a fundamental importância da atenção à particularidade do ser, uma vez

que o contexto universitário tem impacto diferente em cada estudante que o experimenta, o

que varia dependendo do sentido que se atribui à experiência. Segundo Xavier et al. (2008),

dar sentido é uma definição somada a um componente pessoal de quem define, ou seja, é

bastante particular. A forma como o estudante irá vivenciar o ambiente acadêmico é singular e

varia de acordo com seus múltiplos sentidos internalizados e suas vivências emocionais. Desta

forma, a universidade pode ser experimentada de maneira tranquila, sem comprometimentos

na esfera psíquica para alguns, e para outros, bastante perturbadora, podendo propiciar o mal-
22

estar, sofrimento psíquico e tributar para o desencadeamento de transtornos mentais

importantes (Santos & Almeida, 2001).

Citam-se em seguida alguns dados encontrados na literatura sobre a universidade,

ressaltando-se que a maioria dos achados pertence a perspectivas que divergem da que

embasa a presente pesquisa, no entanto, os mesmos são citados diante da escassez de estudos

sob a ótica qualitativa e fenomenológico-existencial, além de se considerar a importância do

acesso ao conhecimento produzido sobre os universitários.

O ingresso na universidade pode contribuir para o desenvolvimento do estresse, tendo

em vista que a saída do nível médio e entrada no nível superior geralmente coincidem com

uma fase importante do desenvolvimento humano, a adolescência, na qual ocorrem mudanças

biopsicossociais, marcadas pelo luto infantil e passagem para a vida adulta. Além disso,

destaca-se a exigência pela definição profissional e a necessidade de adaptação ao nível

superior que apresenta novos métodos de ensino-aprendizagem (Cerchiari, 2004). O ambiente

acadêmico exige um preparo para enfrentar o mercado de trabalho e uma adaptação que

possibilite ao jovem agir com autonomia, responsabilidade e maturidade.

Neves e Dalgalarrondo (2007) afirmam que o início da vida adulta é um período

crítico para o surgimento de transtornos mentais, principalmente na universidade, em que

pode ser realçado o sentimento de perdas, dadas as mudanças nos círculos sociais e familiares.

A pesquisa de Adlaf et al. (2001) afirma que estudos comparativos entre jovens que estão na

universidade com os de mesma idade fora da universidade evidenciam uma maior taxa de

sofrimento mental nos universitários. Destacam-se outros estudos, os quais indicam a alta

prevalência de transtornos mentais em universitários que dificultam ou mesmo impedem o

bom funcionamento e aproveitamento acadêmico (Mendonza & Medina-Mora, 1987;

Rimmer, Halikas & Schuckit, 1982; Roberts et al., 2001).


23

Destaca-se nas pesquisas acima a maior prevalência em mulheres e se observa o

distanciamento dos pais como fator importante e decisivo para o adoecimento mental. Nota-se

a importância de se prestar atenção aos alunos provenientes do interior do estado que além da

necessidade de aprender a lidar com as especificidades no nível superior, deparam-se com o

conflito de superação das desigualdades sociais, o distanciamento da família e dos amigos de

origem, logo, do círculo social seguro e a criação de novos laços sociais. Fernandez e

Rodrigues (1993) afirmam que essas circunstâncias podem desencadear situações de crises.

Neves e Dalgalarrondo (2007) verificaram no seu estudo epidemiológico com

estudantes de graduação das áreas de humanas, artes, saúde, ciências básicas, exatas e

tecnológicas, nos campi de Campinas e de Limeira da Unicamp, uma prevalência de 58% de

transtornos mentais nos estudantes, também com destaque ao gênero feminino.

Cerchiari (2004) constatou a prevalência de 25% de Transtornos Mentais Menores

(TMM) entre 558 universitários de ambos os sexos, dos cursos de Ciência da Computação,

Direito, Enfermagem e Letras da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e do

curso de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), com

destaque para distúrbios psicossomáticos (29%), seguido do estresse psíquico (28%) e da

desconfiança no desempenho (26%). Rimmer et al. (1982) detectaram a prevalência de 14% a

19% de problemas surgidos durante a vida acadêmica, destacando-se a depressão como

distúrbio predominante e a pesquisa de Niemi (1988) evidenciou a frequência de 6% a 29% de

transtornos psiquiátricos em universitários, chegando à conclusão de que ansiedade e medos

sobressaíram com 35% dos sintomas; seguido de depressão e solidão com 21% e dificuldades

nas relações sociais com 18%.

Aponta-se que o contexto universitário pode favorecer o desencadeamento de

transtornos emocionais, os quais podem ser expressos através de depressões, suicídio,

distúrbios alimentares, alcoolismo e outras drogas, dificuldades de aprendizagem,


24

relacionamentos pessoais insatisfatórios, isolamento e até evasão escolar (Fernandez &

Rodrigues, 1993). Dessa forma, depreende-se que as particularidades do ambiente acadêmico

quando somadas a algum quadro de vulnerabilidade emocional, bem como à ausência de

suporte psicológico, podem resultar num grave sofrimento e/ou adoecimento psíquico, com

prejuízos importantes no que concerne à vida social, pessoal e acadêmica (Dutra, 1998).

Vale destacar, em relação a essa problemática, alguns dados referentes a estudantes da

UFRN, extraídos do Setor de Psicologia da Coordenadoria de Atenção à Saúde do Estudante,

da PROAE. No ano de 2010, 776 estudantes participaram das atividades do Serviço de

Psicologia, e em 2011, 829 estudantes, verificando-se um aumento na demanda de um ano

para o outro.

Há diferentes atividades2 nesse setor, sendo interessante observar o quantitativo

referente a alunos que buscaram atenção no plantão psicológico, a principal porta de entrada

do aluno e um espaço que oferece ao estudante um atendimento breve com fins de

acolhimento a demandas pontuais, tanto no âmbito pessoal, quanto acadêmico, objetivando

realizar esclarecimento da queixa, alívio do sofrimento, orientação e o encaminhamento

adequado para cada caso, quando necessário. Em 2010, 32 estudantes compareceram ao

plantão; já, até outubro de 2011, 75 estudantes procuraram o plantão psicológico, totalizando

107 estudantes. É evidente que o aumento da procura tem vários fatores correlacionados,

como o fato do serviço estar se tornando mais conhecido na comunidade acadêmica e o

número cada vez maior de estudantes na instituição; não obstante, nota-se um aumento

significativo na demanda, o que faz alusão à crescente incidência de necessidade de cuidado

do estudante universitário.

2
Atividades do Setor de Psicologia: grupo de habilidades acadêmicas, grupo de reorientação profissional,
orientação de estudos, plantão psicológico, apoio psicológico individual, grupo de apoio interdisciplinar nas
residências universitárias, oficinas temáticas, mediações de conflitos, articulação com a rede de apoio e suporte
social, encaminhamentos e orientação à família e a docentes.
25

Desse grupo de alunos, 52,3% são do sexo masculino e 47,7% do feminino,

evidenciando uma procura bastante equilibrada, estando um pouco superior entre os homens,

contrariando nesse momento as pesquisas que afirmam que o gênero feminino apresenta uma

maior procura pelos serviços de atenção psicológica (Neves e Dalgalarrondo, 2007).

Acrescenta-se que 35,5% são residentes universitários, estudantes socioeconomicamente

carentes e provenientes do interior do estado do Rio Grande do Norte.

A procedência do estudante no plantão psicológico se deu predominantemente por sua

iniciativa própria, como se vê na Figura 2, tendo sido constatada uma maior procura no início

do curso, durante os três primeiros períodos, com o ápice no segundo período, bem como na

saída do curso, durante os últimos períodos (ver Figura 3), indicando os dois momentos mais

propiciadores de instabilidade emocional – o ingresso no universo acadêmico, acompanhado

do encontro com as novas metodologias de ensino, aprendizagem e avaliação do nível

superior e a saída da universidade, atrelada a preocupações relativas a mercado de trabalho,

realização pessoal e profissional.

Figura 2. Procedência dos estudantes que buscaram o plantão psicológico do Serviço de


Psicologia da PROAE, entre os meses de janeiro de 2010 e outubro de 2011.
26

25

20
Quantidade

15

10

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
Período
Figura 3. Quantitativo de estudantes por período do curso que buscaram o plantão psicológico
do Serviço de Psicologia da PROAE, entre os meses de janeiro de 2010 e outubro de 2011.

É digno de nota que houve uma maior procura de estudantes do curso de C&T,

seguido do curso de Licenciatura em Matemática, conforme se verifica na Figura 4. Faz-se a

ressalva de que é o curso que tem mais alunos na UFRN, porém é importante destacar essa

alta procura pelo fato das queixas trazidas pelos alunos de C&T serem bastante recorrentes,

referentes à maneira como o curso está estruturado, como: turmas muito grandes, com 150

alunos em média; professores que não sabem quem são seus alunos; falta de identidade da

turma; e, entre outras, alunos com o Ensino Médio bastante deficitário, mas que conseguem

ingressar em C&T, devido à facilidade de entrada, dado o grande número de vagas por

semestre (600 vagas por semestre), passando a ter muita dificuldade de acompanhar o alto

nível de exigência do curso. Tal panorama aponta uma importante necessidade de se pensar

alternativas para minimizar os possíveis efeitos estressores provenientes do curso.


27

Figura 4. Quantitativo de estudantes por curso que buscaram o plantão psicológico do Serviço
de Psicologia da PROAE, entre os meses de janeiro de 2010 e outubro de 2011.

Destaca-se que as maiores queixas dos estudantes no plantão psicológico foram

estresse psíquico, que abrange sensação de sobrecarga, desânimo, angústia, tensão, irritação,

impaciência e agressividade, e dificuldades acadêmicas, incluindo-se aqui dificuldade de

acompanhar o curso, de fazer seu planejamento de estudo, insatisfação com o curso escolhido,

desconcentração, alguma necessidade educacional especial e preocupação com mercado de

trabalho (ver Figura 5).

Figura 5. Queixas trazidas pelos estudantes que buscaram o plantão psicológico do Serviço de
Psicologia da PROAE, entre os meses de janeiro de 2010 e outubro de 2011.
28

Ressalta-se que este levantamento de dados foi realizado anteriormente à seleção para

o Doutorado, com o intuito de verificar mais precisamente qual a demanda e o perfil do

estudante que procurava assistência psicológica na PROAE. Não obstante, posteriormente foi

feita, para fins de complementação dos dados, uma busca acerca do número de alunos

atendidos no Setor de Psicologia da PROAE e do número de alunos que passaram pelo

plantão psicológico, nos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, obtendo-se a tabela da Figura 6.

Constata-se o aumento progressivo no número de atendimentos até 2014 quando se vê

uma diminuição, justificada pela redução no quadro de psicólogas, tendo em vista o

afastamento da presente pesquisadora para realização do Doutorado. É importante frisar

também que foi observado que a demanda por curso continuou predominante no curso de

Ciências e Tecnologia em todos os anos, como se verifica na Figura 7, a qual expõe os três

cursos que tiveram maior procura por assistência psicológica no Setor de Psicologia da

PROAE, em 2013, 2014.2 e 2015. Salienta-se que não foi destacado aqui o número de alunos

atendidos pelo Serviço de Psicologia Aplicada (SEPA) da UFRN por não haver nos registros

do SEPA a sistematização desses dados, uma vez que também atende à comunidade externa e

não há a separação do quantitativo referente exclusivamente ao estudante universitário.

Setor de Psicologia Plantão psicológico


2010 776 32
2011 829 75
2012 1272 151
2013 2480 161
2014 1777 151
2015 1314 349
Figura 6. Número de estudantes atendidos pelo Setor de Psicologia da PROAE e que
passaram pelo plantão psicológico, no período de 2010 a 2015.
29

Figura 7. Número de estudantes atendidos pelo Setor de Psicologia da PROAE dos três
cursos que tiveram a maior demanda, nos períodos de 2013, 2014.2 e 2015.

Observa-se que houve alternância entre os outros cursos ao passo que C&T se

manteve no lugar do curso que tem maior procura por assistência psicológica. A breve

apresentação da demanda do Setor de Psicologia da PROAE aponta a inserção da UFRN no

campo problemático do desencadeamento de transtornos emocionais no âmbito acadêmico e a

necessidade de dar atenção à saúde mental de seus estudantes.

A experiência no cargo de psicóloga da PROAE possibilitou à pesquisadora entrar em

contato com o universo desses estudantes e se sensibilizar com a crescente demanda de alunos

que buscam atenção psicológica, bem como com a problemática que envolve o ser estudante

universitário no contexto do mundo contemporâneo, despertando as seguintes questões de

pesquisa:
30

1) O que o estudante universitário de C&T tem a dizer sobre sua experiência?

2) Como se dá a vivência do sofrimento diante das cobranças sociais pela felicidade,

sucesso acadêmico e garantia de um futuro profissional promissor?

3) Como os estudantes experimentam a estrutura e metodologia de ensino de C&T?

4) Como estudantes deste curso vivenciam estar na universidade?

5) A universidade pode de alguma forma contribuir para a minimização de possíveis

fatores estressores?

6) Como a universidade pode melhor acolher seus estudantes?

Essas questões despertaram o interesse em aprofundar o tema, na intenção de melhor

compreender o fenômeno pesquisado, assim como contribuir para a elaboração de políticas de

atenção ao estudante universitário.


31

Justificativa

É sabido que uma parcela considerável de acadêmicos apresenta sofrimento psíquico e

quando não recebem o cuidado adequado podem ter prejuízos importantes na vida

universitária, pessoal e social, como evasões que são onerosas para o ensino público, para a

sociedade e, especialmente, para o próprio estudante (Cerchiari, 2004). Observando que o

contexto universitário pode ser propiciador para o desencadeamento de crises emocionais, se

faz necessário dar ênfase às dimensões mais vulneráveis durante a vida acadêmica.

Bardagi e Hutz (2011) ressaltam o predomínio de estudos quantitativos acerca dos

estudantes universitários, destacando-se, desta forma, a importância do desenvolvimento de

estudos qualitativos que possibilitem um pensamento meditante e reflexivo acerca do que

envolve o sofrimento existencial nos jovens universitários.

Há muitas pesquisas referentes às percepções dos trabalhadores sobre os eventos

estressores e suas formas de lidar com eles. No entanto, há poucos estudos acerca dos

estudantes universitários, o que poderia contribuir para uma melhor compreensão das

trajetórias acadêmicas, bem como para a promoção de atitudes que possam minimizar os

fatores estressores.

A população universitária é vulnerável ao estresse crônico e ao burnout, sendo

importante, portanto, avaliar os fatores vocacionais e/ou acadêmicos que possam estar

relacionados (Bardagi & Hutz, 2011). A identificação das principais fontes de preocupação

relativas ao ensino superior pode auxiliar no combate à desmotivação dos alunos, por

conseguinte, aos trancamentos e evasões, buscando aumentar as possibilidades de satisfação

pessoal e profissional, contribuindo tanto para os setores acadêmicos, quanto para os de


32

atenção psicológica. Concorda-se com os autores e acrescenta-se a importância de investigar

não só os fatores ligados ao ambiente acadêmico, mas também os referentes à singularidade

daquele que sofre e tudo que o envolve. São necessários estudos qualitativos que meditem e

interroguem a experiência de sofrimento nos universitários, implicando todos os agentes:

estudantes, docentes e a própria universidade.

Diante disso, a universidade deve se organizar para contribuir com o bem-estar de seus

estudantes, como defendem Santos e Almeida (2001), ao afirmarem que todos os agentes da

universidade devem criar condições que facilitem e propiciem o desenvolvimento pessoal dos

estudantes, promovendo a integração e o ajustamento acadêmico, pessoal, social e afetivo dos

mesmos. Torna-se, portanto, relevante oferecer um acompanhamento global ao estudante por

parte da universidade, ultrapassando a formação técnica. Nesse sentido, muitos estudos

discutem o papel das instituições de ensino superior e afirmam a importância da existência de

serviços de apoio e aconselhamento psicológicos no âmbito das universidades (Millan, Souza,

De Marco, Rossi & Arruda, 1998).

Constata-se a importância da realização de pesquisas sobre saúde psicológica de

estudantes em geral, bem como o mapeamento de eventos estressores e a criação de serviços

de apoio aos alunos (Gonçalves e Benevides-Pereira, 2009), o que também é defendido por

Zonta, Robles & Grosseman (2006) que realizaram pesquisa com estudantes de Medicina e

observaram a importância de treinamento de enfrentamento do estresse durante a graduação.

Dutra (2012) ao pesquisar sobre suicídio entre estudantes universitários indica a

necessidade de realização de estudos que visem o maior conhecimento acerca dos fatores e

aspectos psicossociais que favorecem o desígnio por não viver. Acrescenta ainda que a

transição de vida – típica do estudante universitário – como sair da casa dos pais para

frequentar um ambiente com altos padrões acadêmicos são fatores que podem contribuir para

o desencadeamento da depressão e da angústia.


33

Com o intuito de subsidiar propostas de promoção e de intervenção no cuidado à saúde

mental e qualidade de vida acadêmica e pessoal dos estudantes da UFRN e de preencher uma

lacuna nas pesquisas – como atesta Cerchiari (2004) ao salientar que a literatura nacional tem

se voltado majoritariamente apenas para estudantes ingressantes, sobretudo do curso de

Medicina – a presente pesquisa objetivou analisar o sofrimento em estudantes de graduação

do Curso de Ciências e Tecnologia.

Considerou-se, deste modo, de fundamental relevância, desenvolver esta pesquisa para

compreender, interpretar e explicitar a experiência de sofrimento em estudantes universitários,

buscando ter dados provenientes do próprio aluno e pontos de reflexão que possam contribuir

para se pensar alternativas de intervenção para uma melhor atenção ao estudante universitário,

considerando as esferas acadêmica, social e psicológica, as quais se sobrepõem e integram o

ser-universitário-no-mundo-contemporâneo. Há o evidente interesse da pesquisadora quanto à

melhoria na oferta do serviço de atenção psicológica ao estudante da UFRN, por integrar o

setor responsável por isso, mas, sobretudo por defender a importância do acolhimento,

cuidado e suporte adequados ao estudante universitário.


34

Objetivo geral

Compreender e interpretar os sentidos atribuídos à experiência de sofrimento em estudantes

do curso de Bacharelado em Ciências e Tecnologia (C&T) da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte (UFRN), e explicitá-los à luz da abordagem fenomenológico-existencial de

orientação heideggeriana.

Objetivos específicos

 Elucidar e refletir sobre os principais fatores associados ao sofrimento em

universitários;

 Compreender os possíveis atravessamentos do sofrimento na vida acadêmica;

 Assinalar o contexto acadêmico em que o aluno de C&T se insere;

 Contribuir para a elaboração de ações que possibilitem uma melhor atenção ao

estudante universitário.
35

Capítulo I – Sofro, logo existo?

1.1 O sofrimento existencial

Intitula-se este primeiro capítulo com uma paráfrase à máxima de René Descartes

(1595-1650) – “Cogito, ergo sum” (Penso, logo existo). O filósofo e matemático francês

propõe o método da dúvida hiperbólica na busca pela verdade e, nesta investigação, entende

que tudo o que existe pode ser falso, salvo a sua capacidade de duvidar e, portanto, de pensar,

conduzindo-o à conclusão da relação direta entre o pensar e o existir. Vê-se o dualismo

cartesiano que separa o corpo material da mente pensante (Levene, 2013).

Descartes aponta a certeza de que sua essência está no pensar e, por isso, para ser não

seria necessário nenhum lugar. O ser estaria então “flutuando” no mundo, pois para existir lhe

bastaria pensar. Martin Heidegger (1889-1976) verifica aí uma contradição, posto que o ser é

ser-no-mundo, não podendo existir prescindindo do mundo e assinala dois grandes equívocos

no pensamento de Descartes, quais sejam: confundir o ser com um ente qualquer quando o

define sem lhe dar um sentido e restringi-lo ao primado ôntico, aquele voltado para o que é

dado e possibilita a certeza absoluta. Assim, não se alcança a ontologia que parte do que não

está posto, que investiga o sentido do ser e que escapa à verdadeira e irrestrita compreensão.

Heidegger defende a necessidade de dar luz ao sentido do ser e não encobri-lo ao tomá-lo

simplesmente como objeto, sendo para isso necessário considerá-lo no mundo (Quintilhano,

2012).
36

A tríade sofrimento, ser-no-mundo e existência marca a tônica deste trabalho e

justifica a paráfrase interrogada no título do presente capitulo, indicando que não é possível

tecer uma relação causal e restritiva ao se falar do existir, ao mesmo tempo em que o

sofrimento é intrínseco à existência e que não há separação entre mente e corpo e mundo,

afinal, o ser, em sua totalidade, sofre, existe e é no mundo. “A Fenomenologia surge em

oposição ao Positivismo (...) acredita que o conhecimento é possibilitado, exatamente, por

meio da aceitação desta intimidade e envolvimento entre homem e mundo” (Frota, 2010, p.

3).

O sofrimento aqui abordado perpassa então o plano fenomenológico da analítica

existencial, a qual, segundo Nogueira (2008), deve ser orientada pela compreensão do

homem. Heidegger (1927/1995) esclarece que a compreensão se dá a partir do ente dotado do

privilégio ôntico-ontológico de poder pôr em questão o sentido do ser que é o homem,

denominado Dasein, ser-aí ou pre-sença, por ter como característica principal o fato de ser-

no-mundo.

É importante esclarecer que não se trata de um ser/corpo que está espacialmente dentro

do mundo, o “em” do ser-em-um-mundo não faz referência a uma relação de pertinência no

espaço, mas sim a uma constituição ontológica fundamental que significa que o ser habita o

mundo, no sentido de ser junto ao mundo em copertencimento, de se constituir no mundo e

ser constituído por ele. O mundo aqui, portanto, não se refere ao conceito ôntico objetivo de

espaço onde os entes podem se dar, mas a um conceito ontológico que significa o ser dos

entes, o qual pode abarcar o mundo público do nós, o circundante mais próximo e o mundo

próprio.

Heidegger (1927/1995) empreendeu a preocupação em pensar o sentido do ser do

Dasein e para isso se empenhou em caracterizá-lo. Ser-no-mundo implica para o Dasein uma

condição de abertura que compreende os denominados existenciais: a disposição, a


37

compreensão e a linguagem, os quais perpassam a hermenêutica heideggeriana e mostram que

o ser-é-no-mundo, enquanto se ocupa com o que vem a seu encontro, demorando-se nele.

Nesta tese, compreender, mormente, a disposição enquanto existencial se faz

importante para proceder com a hermenêutica inspirada em Heidegger (1927/1995), uma vez

que corresponde ao fato do Dasein ser afetado pelo mundo, pelo que lhe vem ao encontro

num estado de ânimo, nomeado por Befindlickeit, ou seja, humor. Considera-se que o ser-aí

implica um estar lançado no mundo na condição de abertura do poder-ser, o que pressupõe a

liberdade e a responsabilidade de ser, numa ambiguidade entre des-encobrimento e

encobrimento, ou dito de outro modo, autenticidade ou inautenticidade, fazendo pensar o

sentido do ser no seu modo-de-ser expressado por sua disposição afetiva.

Pensando no sofrimento na perspectiva da hermenêutica heideggeriana, evita-se tratar

das “causas”. Parte-se do entendimento que o ser-humano está no mundo numa relação de

copertencimento e que suas enfermidades não são resultados de causas, mas sim respostas ao

que lhe vem ao encontro no seu predicado de ser-no-mundo. Este entendimento concorda com

a concepção de Ricoeur (1994) quando afirma que o sofrimento não é a dor, atribuindo ao

termo dor as consequências físicas sentidas e localizadas em órgãos particulares do corpo

como resultados de determinadas causas, enquanto o conceito de sofrimento se volta aos

efeitos da reflexividade ao sentido e ao questionamento, na relação consigo mesmo e com o

outro, ou melhor dizendo, na coexistência com o outro.

Orientou-se pela hermenêutica heideggeriana, mas se considerou interessante citar en

passant outros filósofos que também se inspiraram nas ideias de Edmund Husserl (1859-

1938), as quais romperam com a exatidão e objetividade do método experimental das ciências

positivistas e elaboraram suas reflexões próprias, novos caminhos e compreensões para a

fenomenologia, como Paul Ricoeur (1913-2005) e Emmanuel Lévinas (1906-1995), os quais

são alguns dos pensadores que se situam na tradição filosófica, cujo tema central é a dimensão
38

contemplativa do ser e que busca a compreensão de um fenômeno, considerando que o

homem é sujeito e objeto do conhecimento e atribuidor de sentido a sua existência, buscando-

se apontar algumas pertinentes aproximações e distanciamentos.

É conveniente assinalar brevemente a concepção de sofrimento numa visão inter-

humana, a qual se aproxima da ótica heideggeriana por considerar o ser-com-os-outros, não

obstante, diferencia-se ao enfatizar o caráter individual do sofrimento do ser, considerado

inútil a não ser que a responsabilidade de uns para com os outros esteja imbricada, isto é,

numa não atitude de indiferença do ser para com o sofrimento do próximo, partindo-se da

concepção de que o sofrimento do ser é sofrimento inútil, por nada, mas que pode tomar um

sentido, tornando-se sofrimento pelo sofrimento de alguém (Lévinas, 2010).

Introduz-se aí uma dimensão ética que é pertinente de ser considerada ao se

problematizar o sofrimento em estudantes no contexto de uma universidade, a qual deve se

implicar e sofrer, no sentido de sofrer pelo sofrimento dos seus alunos, numa relação de

corresponsabilidade e cuidado. A perspectiva heideggeriana parte da inseparabilidade

estudante-universidade-mundo, sendo o sofrimento, desta forma, uma vivência compartilhada

e impossível de ser restrita ao “indivíduo”.

Apresenta-se o interesse pela existência do Dasein com o intuito de acessar em

profundidade o seu viver, partindo-se do ponto de vista enfatizado por Barus-Michel (2010)

de que “o ser-humano é e se reconhece no mundo, tendo a necessidade de saber quem é e qual

é o seu lugar” (p. 1, tradução nossa).

A experiência de sofrimento é considerada um fardo do existir, intrínseco ao fato de

ser lançado no mundo, de ser e ter de ser, pelo peso da responsabilidade e liberdade que só lhe

pertencem de poder-ser; mas também, uma virtude, pois tem o potencial de mobilizar o ser

para novas possibilidades. Heidegger (1987/2009) esclarece que a liberdade é encontrada

onde há um fardo a ser carregado, observando-se que o fardo é a tradução para o existencial
39

carga (Belastung). O peso do fardo varia de acordo com a disposição interna, ou seja, com o

modo com que o Dasein se afina com o mundo pelo qual é interpelado.

O Dasein é chamado a dar respostas constantemente seja a si mesmo, aos seus

semelhantes ou aos instrumentos e nesse movimento surge o estresse, o qual é entendido

como sendo uma manifestação fenomênica do fardo. Essas respostas não são decorrentes de

simples estímulos, mas de motivos resultantes do que lhe é solicitado e lhe gera um encargo

(Nogueira, 2008). Diferentemente da relação causa e efeito, em que uma causa gera

determinado efeito, o motivo, como esclarece Heidegger (1987/2009), não obriga, faz surgir o

livre-arbítrio, o qual compreende um corresponder à solicitação, sendo possível também, o

não-corresponder e o não-poder-corresponder, caracterizando, nesses casos, privações nas

possibilidades de ser.

Heidegger (1987/2009) apresenta cinco aspectos do estresse, a saber: 1. é uma

solicitação apreendida pelo Dasein em seu mundo; 2. o alívio do que lhe foi solicitado

também gera estresse pelo vazio imediato que surge; 3. o estresse em certa medida é

importante para possibilitar a realização das projeções futuras do Dasein; 4. atender às

solicitações do estresse preserva a vida humana em sua intensidade e dignidade; e, 5. o

estresse enquanto fardo é um existencial, pertencente à estrutura ontológica do Dasein.

O filósofo analisa então o estresse em sua relação com o fardo existencial e expande

essa interpretação para o padecimento como um modo de ser singular do Dasein. Heidegger

(1987/2009) se refere à doença como sendo uma limitação da possibilidade de viver, uma

perda da liberdade, uma vez que o Dasein se depara com restrições nas suas possibilidades.

Ao mesmo tempo em que se evidenciam as limitações, é possível lançar o olhar para as novas

possibilidades que surgem a partir da nova configuração, afinal o existir como Dasein denota

manter aberto o campo do poder-apreender, pois na enfermidade, o Dasein permanece com


40

sua abertura que lhe é intrínseca, mas a manifesta de outra maneira com algumas limitações,

mas também com possibilidades antes não exibidas. É um modo de ser modificado.

Neste sentido, depreende-se que o sofrimento do qual se fala neste trabalho é

existencial, considerado um constituinte ontológico do Dasein. O sofrimento deve ser

analisado em sua pertinência ao círculo hermenêutico que liga o ser a seu mundo, baseando-se

nas solicitações que recebe e nas respostas que fornece concretamente, sendo a doença uma

privação do modo de ser saudável. Inicialmente, elucida-se que a circularidade consiste no

fato de que “toda relação de pergunta e resposta move-se inevitavelmente e constantemente

em círculo” (Heidegger, 1987/2009, p.69), o que indica que há um

conhecimento/compreensão daquilo pelo que se pergunta, ou seja, relaciona-se de antemão

com o que está em questão, portanto, o sofrimento já é compreendido e ao mesmo tempo é

abertura para novas compreensões, intepretações e possibilidades, as quais, por sua vez,

conectam-se com os significados e os sentidos que o ser atribui constantemente as suas

vivências de sofrimento, num constante e cíclico movimento, caracterizado principalmente

pela mobilidade do vir-a-ser e seu inexaurível poder-ser.

1.2 A interpretação segundo a hermenêutica heideggeriana

A ontologia heideggeriana possibilita o questionamento do sentido do ser como tal em

sua facticidade, ou seja, o ser-aí possível em cada ocasião. A facticidade é, pois, entendida

como um deter-se junto à própria vida em seu sentido ontológico. O conceito tradicional de

hermenêutica propõe o acesso, o questionamento e a explicação da facticidade. A

hermenêutica é uma expressão de origem grega e está relacionada ao deus Hermes – o

mensageiro dos deuses, o qual traduzia o que não era compreendido pela mente humana –

conhecida como a filosofia da interpretação (Heidegger, 1982/2013).


41

A hermenêutica heideggeriana se distingue como uma autointerpretação da

facticidade, isto é, a possibilidade de tornar acessível o ser-aí para si mesmo, tornando-o

desperto e aclarando-o da alienação de si mesmo. “O tema da investigação hermenêutica é o

ser-aí próprio em cada ocasião” (Heidegger, 1982/2013, p. 22), sendo o modo impessoal uma

possibilidade de ser-no-mundo.

Interessa-se por uma compreensão hermenêutica e não uma interpretação mundana do

que ocorre. O contexto do mundo é fundamental, mas é preciso romper com o olhar e a fala

que é absorvida e se restringe exclusivamente ao mundo e às coisas e, sim, dar atenção à

singularidade no agora, ao impessoal enquanto modo de ser e estar-com-os-outros, à falação,

a qual reside no caráter público do que é dito e está ao alcance do ser-aí como uma

interpretação disponível de si mesmo (Heidegger, 1982/2013). Um dos caracteres

fundamentais da facticidade e que merece atenção na interpretação é a temporalidade que

evidencia o modo como uma época aborda outra, o presente se relaciona com o passado,

como o ser-aí é e está em sua abertura ao mundo.

O olhar fenomenológico-existencial se mostra como uma possibilidade de

conhecimento que não assume princípios, mas se deixa guiar pela atenção aos sentidos do ser-

aí em sua facticidade, pelo caráter ontológico do ser-aí que se manifesta nos modos de ter-se a

si mesmo, escapando às regras e pressupostos da ciência tradicional. Por isso, podendo ser

vista como uma restrição do conhecimento científico e não como uma possibilidade, como

Heidegger (1982/2013) adverte: “ficar parado num passo concreto observando seria o

equivalente ao ingênuo ‘conhecimento empírico’, um crime contra o espírito santo do

conhecimento!” (p. 67), evidenciando a necessidade de movimento, devendo-se demorar

sobre o ser e o que lhe interpela. A interpretação pode ser tida como imprecisa ou restrita, o

que não quer dizer que seja falsa ou que careça de determinado conteúdo, mas sim que é uma

possibilidade de interpretação que considera o tempo e o encontro do intérprete e interpretado.


42

A ciência clássica oferece uma aparente segurança pela proteção que a objetividade e a

certeza conferem, passando por cima de um questionar detalhado e de um espaço para que se

possibilite o surgimento do incerto e inesperado, este é buscado na interpretação segundo a

hermenêutica heideggeriana, mantendo-se, portanto, a interrogação e a abertura para o que

possa surgir, sem preocupação com categorização ou encaixe ao que já é conhecido e pré-

estabelecido (Heidegger, 1982/2013).

A tarefa da hermenêutica de orientação heideggeriana é compreender os caracteres

ontológicos do ser-aí fático considerando os existenciais na interpretação. Heidegger

(1982/2013) afirma que “Deve afastar-se do que se encontra mais próximo no assunto que

está em jogo para ir em direção ao que reside em seu fundo” (p. 84), com isso se verifica a

importância de não se deixar levar pelo que está posto ou evidente, mas apresentar um

posicionamento crítico ao que já é conhecido, possibilitando o questionamento e a

aproximação com o que é mais genuíno. O que se possui de antemão quando do acesso ao

ente, ou seja, o que está à vista, Heidegger denominou de posição prévia, ponto do qual se

parte toda interpretação e se adentra na circularidade compreensiva.

A posição prévia impede o acesso ao ser-aí, caso não seja evitado o esquema sujeito-

objeto e não se aproprie da posição do olhar. Heidegger (1982/2013) chamou de liberdade de

perspectiva a explícita apropriação desse ponto de partida, o qual é inseparável do ser-aí, pois

ninguém é, nem consegue ficar neutro e fora do tempo, numa observação livre de perspectiva,

ao contrário, no ato da interpretação, o que é percebido não é outra coisa que não seja o ser-aí

que é com o outro. Heidegger (1927/1995) disse: “conhecer é um modo ontológico de ser-no-

mundo” (p. 100); dessa forma, entende-se que na busca pelo conhecimento ou interpretação

de um discurso, dá-se o encontro dos entes num ser-com-o-outro, um deter-se junto ao outro e

sua experiência que leva a uma percepção/interpretação, a qual por sua vez pode ser

pronunciada numa explicitação, ressaltando-se que será sempre uma possibilidade pontual de
43

determinado momento, uma vez que se considera a temporalidade e o estar presente daqueles

entes, enquanto pre-sença compartilhada.

O distanciamento para alcance de uma neutralidade no ato de interpretar não é

possível sob a ótica da hermenêutica em foco, pois “Na pre-sença reside uma tendência

essencial de proximidade” (Heidegger, 1927/1995, p. 153); haverá sempre um estar-junto do

ser que ingenuamente pensa produzir distância. Pode-se haver um recorte de tudo que se tem

à mão, o qual se denomina de visão prévia, isto é, a seleção de um ponto de vista diante de

vários aspectos possíveis, no entanto, a interpretação exige um demorar-se contemplativo da

cotidianidade, a qual caracteriza a temporalidade do ser-aí que possibilita fornecer um novo

sentido ao que foi obtido na posição prévia, ou seja, uma concepção prévia, a qual pode ser

transitória, dada a multiplicidade interpretativa que varia de acordo com o olhar e o encontro

com quem interpreta (Heidegger, 1927/1995).

Os três momentos: posição, visão e concepção prévias compõem a circularidade

compreensiva heideggeriana que evidencia a mobilidade da compreensão. Esta não é estanque

e se respalda no eterno vir-a-ser do ente, o qual está em constante transformação e possui um

horizonte histórico marcado por passado e porvir e que atravessa o presente em cada ocasião.

Sobre isso, Heidegger (1927/1996) fala do pendente do poder-ser que resulta na constante

inconclusão que é constituição fundamental da pre-sença, uma vez que enquanto se é,

relaciona-se com o poder-ser, o proceder-se a si-mesmo sem jamais alcançar a sua totalidade.

A significação se encontra no caráter de abertura do ser que faz aparecer o mundo

compartilhado, lembrando que se é impessoalmente no mundo com os outros (Heidegger,

1982/2013) – “Todo mundo é outro e ninguém é si próprio” (Heidegger, 1927/1995, p. 181).

O ser é no mundo, ocupando-se com o que vem a seu encontro no mundo circundante e

quando o ser se deixa dominar no público pelo hábito, aproxima-se da falta de cuidado. Em

outras palavras, carece da curiosidade por ser si mesmo, como disse Heidegger (1927/1996):
44

“A pre-sença ao ouvir o próprio do impessoal, não dá ouvidos ao próprio de si mesma” (p.

56). É essa singularidade da pre-sença que a interpretação heideggeriana pretende contemplar,

buscando alcançar a dimensão do sentido de ser da pre-sença, esta por sua vez se manifesta no

discurso das realizações, através do ser-com aquele que põe em questão o que está sendo dito.

O ser, portanto, não pode ser determinado, mas pode se dar em seus sentidos na relação com o

outro.

Busca-se a existência enquanto determinação ontológica da pre-sença; esta “se entrega

à responsabilidade de assumir seu próprio ser. O ser é o que neste ente está sempre em jogo”

(Heidegger, 1927/1995, p. 77), e isto é o que importa à escuta de acordo com essa vertente do

saber, a qual deve oferecer para a pre-sença a possibilidade de interpretar a si mesma,

acompanhando-a na abertura para conceituar existencialmente o conteúdo fenomenal do que

se abre no encontro (Heidegger, 1927/1995).

A interpretação é possível, pois a abertura ou disposição constitui o ser, do mesmo

modo que originariamente a compreensão é constitutiva do ser e nesta subsiste o modo de ser

enquanto poder-ser. Através da compreensão, o ser se abre para se interrogar,

compreendendo-se a partir de possibilidades. “A possibilidade é a determinação ontológica

mais originária e mais positiva da pre-sença” (Heidegger, 1927/1995, p. 199), sendo a pre-

sença então a possibilidade de ser livre para o poder-ser mais autêntico.

A compreensão da pre-sença é sempre compreensão do ser-no-mundo, pelo que nela

se abre e como é interpelada, e compreender a existência é sempre compreensão de mundo.

Elaborar as possibilidades projetadas na compreensão é a arte de interpretar, cuja direção

nesta pesquisa se baseia no círculo hermenêutico que considera toda e qualquer percepção já

uma compreensão e interpretação, esclarecidas pelos conceitos descritos de posição prévia

(compreensão implícita), visão prévia (compreensão temática) e concepção prévia

(compreensão conceitual e explícita).


45

Ressaltando-se que a compreensão no seu sentido existencial é sempre o poder-ser da

pre-sença, em sua abertura de ser-no-mundo (Heidegger, 1927/1995) e no tocante a seu poder-

ser:

a pre-sença já se acha na posição prévia; mediante o esclarecimento do poder-ser mais


próprio, ganhou determinação e visão prévia orientadora, isto é, a idéia de existência;
com a elaboração concreta da estrutura ontológica da pre-sença, torna-se de tal modo
clara a sua especificidade ontológica frente a todo e qualquer ser simplesmente dado
que a concepção prévia da existencialidade da pre-sença adquire articulação suficiente
para orientar, com segurança, a elaboração conceitual dos existenciais (Heidegger,
1927/1996, p. 103).

A analítica existencial se configura desta forma de modo circular, pois a pre-sença

sempre precede a si mesma e a própria compreensão constitui essencialmente a pre-sença,

sendo necessária uma visão plena da circularidade compreensiva para uma possível

aproximação.

A prerrogativa de ser-no-mundo expõe que a pre-sença já se detém junto ao que está

no mundo; dessa forma, dar atenção ao contexto de mundo em que o Dasein se encontra é,

pois, fundamental para melhor interpretar as solicitações mundanas que circunscrevem a

abertura da pre-sença e poder meditar sobre o modo como o Dasein copertence nesse mundo.

Heidegger (1927/1995) ao conceituar a impropriedade, disse: “constitui justamente um modo

especial de ser-no-mundo em que é totalmente absorvido pelo ‘mundo’ e pela co-presença dos

outros no impessoal” (p. 237). Assim, ele evidencia um modo de ser bastante comum ao

mundo contemporâneo, no qual se verifica a propagação veloz de novos atrativos a todo

momento, contribuindo para a dispersão e o desamparo do Dasein que se restringe em

abandonar-se ao mundo. Aqui não há uma valoração onticamente negativa, mas um juízo de

que é um modo de ser-no-mundo que ontologicamente é passível de se descobrir de outro

modo, ao se deixar descobrir em seu desvelamento.


46

O contexto do mundo contemporâneo contribui então para o vazio existencial pelo

velamento e para a possibilidade de desencadeamento de diversas manifestações de

sofrimento. É válido, no entanto, refletir sobre uma contradição que se coloca e é inerente a

esse tempo, pois ao passo que se destaca o sofrimento enquanto constituinte ontológico do

Dasein e, portanto, intrínseco à existência, evidencia-se a propagação veloz na atualidade de

ideais de felicidade que são perseguidos irrefletidamente, submergindo a busca do sentido do

sofrimento.

Nesse âmbito, introduz-se a indagação sobre a possibilidade de sofrer atualmente,

considerando-se, destarte, importante aprofundar o conhecimento sobre os tempos atuais para

ampliar o entendimento do mundo das ocupações do Dasein, bem como da Era da Técnica em

Heidegger. Esta apresenta características que configuram esse tempo e contribui para a

compreensão e interpretação do ser-no-mundo e, mais especificamente, enquanto interesse

desta pesquisa, do ser-universitário-no-mundo-contemporâneo.

Desse modo, a discussão em – Há lugar para o sofrimento? – seguida da presente no

Capítulo II – Sou estudante universitário! – pretende conduzir o leitor para uma maior

aproximação com o contexto da contemporaneidade e da universidade, enfatizando-se que ao

fazê-lo não deve se deixar levar por um pensamento determinista, no sentido de que o

contexto seria uma causa para desencadear certos efeitos. Reitera-se que, em acordo com o

pensamento heideggeriano aqui explicitado, o ser não reage a causas, mas age por motivos

decorrentes do que se lhe atravessa em seu mundo, permanecendo sempre um poder-ser si

mesmo, na medida em que está em jogo o seu ser.


47

1.3 Há lugar para o sofrimento?

A contemporaneidade sugere que não é permitido sofrer, a felicidade é um dever, uma

obrigação. Independente do que aconteça na vida, o sofrimento é intolerado e vergonhoso e se

porventura o ser-humano experimenta algum sofrimento, tem de resolver este problema de

imediato e a solução mais rápida e eficaz é fazer uso de medicação para garantir a eliminação

dos sintomas e a tentativa de controle da existência (Rodrigues, 2003).

Verifica-se que há uma proposição para um modo específico de existir, o qual é irreal,

pois alude a uma felicidade completa. As exigências são em todas as esferas da vida do ser,

desde o âmbito pessoal, como adquirir o padrão de beleza estipulado, profissional, tendo que

ter sucesso e reconhecimento, e social, ao ter de ser bem enquadrado e aceito.

A sociedade alimenta a ilusão do alcance da felicidade através da promessa da

satisfação dos desejos humanos, porém isso não se concretiza; a sedução permanece e os

desejos não são satisfeitos, dada a incompletude inerente ao ser. O caráter de poder-ser do

Dasein caracteriza sua incompletude ontológica, dada sua mobilidade estrutural de ser-aí, de

ser-no-mundo, ou seja, numa dinâmica de ser para fora (Feijoo, 2011). A propagação do ideal

de felicidade e a impossibilidade de concretização do mesmo é preocupante, como alerta

Barus-Michel (2010): “se não caminha para a felicidade, a perda de sentido ou a

impossibilidade da mesma inaugura o sofrimento” (p. 2, tradução nossa).

Bauman (2007) discorre sobre o estado de entorpecimento que elimina os sentidos do

ser, em que se vende e se compra a ilusão da felicidade. Analisa e expõe as características da

sociedade contemporânea, denominando de tempos líquidos, essa era

marcada pelo estímulo ao consumo, imediatismo, busca pela eficiência e individualismo. A

competição é acirrada e as pessoas passam a exercer o controle sobre seu próprio

comportamento, de modo que garanta a aprovação do outro, como se estivesse num


48

Panopticon3 com vigilância constante, nesse caso, através das mídias eletrônicas e redes

sociais. Neste sentido, Giovanetti (2010) fala sobre a sociedade do espetáculo, em que é

preciso publicizar, ter o olhar e a aprovação do outro, misturando-se com o outro.

A sociedade do espetáculo foi um termo lançado pelo filósofo Guy Debord (1931-

1994) em novembro de 1967 quando brilhantemente antecipou uma problemática do século

XXI. Evidenciou o surgimento do espetáculo como uma ideologia surgida com a revolução

industrial que passou a invadir a sociedade com superposição contínua de mercadorias em

larga escala, numa produção alienante, a qual, por conseguinte, fez surgir o consumo

alienado. Vale destacar que, sobre essa necessidade de aquisição do que é novidade,

Heidegger (1927/1995) apontou a curiosidade da pre-sença como uma busca pelo novo,

“numa excitação e inquietação mediante o sempre novo e as mudanças do que vem ao

encontro” (p. 233), provocando a dispersão e o desamparo onde tudo e, no fundo, nada

acontece.

O tempo passou a ser marcado pela necessidade de possuir os bens de consumo

propagados pelas mídias e a imagem calhou de ser extremamente valorizada, sobressaindo,

desta forma, a aparência ao ser. “A primeira fase da dominação da economia sobre a vida

social acarretou, no modo de definir toda realização humana, uma evidente degradação do ser

para o ter” (Debord, 1997, p.18).

O espetáculo suprime o limite entre o que é verdadeiro e falso, pois a organização da

aparência garante a presença real da falsidade no social. As pessoas passam a desejar as

mesmas coisas, numa necessidade de imitação e representação que se sustenta pela negação

da verdade individual, desconsiderando o que é próprio do desejo de cada um, mas que

compensa o sentimento torturante da possibilidade de ficar à margem da sociedade (Debord,

3
Famosa prisão de Jeremy Bentham (1748-1832) que possuía estrutura circular, na qual os prisioneiros ficavam
em torno de uma torre central de observação, sem saber se estavam sendo vigiados a todo o momento, de modo
que eram treinados a monitorar o próprio comportamento (Levene, 2013).
49

1997). É preciso se sentir integrado. Eis a noção de mimetismo: sofro por não ter o que o

outro tem porque é ele quem tem e não eu (Ricoeur, 1994).

A esse respeito, vale destacar uma importante reflexão acerca da necessidade de

pertencimento, do sentimento de “nós”, feita por Senett (1996) quando afirma que esta é uma

forma de se evitar olhar mais profundamente para si mesmo e uns aos outros. De fato, “olhar

para dentro” requer autenticidade, consciência de si e do outro, tão difícil de ser alcançada

neste mundo que absorve, calcula e não dispõe de tempo para o pensamento meditante, aquele

que exige um grande esforço e “reflecte sobre o sentido que reina em tudo o que existe”

(Heidegger, 1959, p. 13). A sociedade contemporânea pode ser definida, segundo Augras

(1981) como a cultura da máscara, uma vez que embute máscaras e transforma os outros em

massa, através da alienação provocada pelos meios de comunicação, disseminadores dos

padrões e das “necessidades”. A máscara indica que o ser-humano foi reduzido ao registro

social, aprisionado nos códigos sociais, experimentando um profundo vazio existencial (Safra,

2004).

Constata-se a contribuição dessa lógica da sociedade contemporânea para o

surgimento de variadas formas de sofrimento, podendo tornar propenso o desenvolvimento de

frustrações, angústias, tristeza, bem como comportamentos discriminatórios e excludentes

para com aqueles que não conseguem atender aos padrões. A esse respeito, Bauman (2007)

aponta para o medo presente na população acerca da possibilidade de ficar à margem da

sociedade, segundo o autor, “a destinação ao lixo se torna uma perspectiva potencial para

todos” (p. 38).

Torna-se mais fácil seguir cega e mecanicamente os padrões estabelecidos e a cultura

do consumo que mostra sem parar uma nova necessidade atrás da outra, fazendo com que as

pessoas se mantenham ocupadas com “paixões” que as desviam de pensar no que são. Esta

tendência de preencher o existir com ocupações de todo o tipo, fugindo de si mesmo,


50

obscurece a angústia característica do anúncio da finitude, do ser-para-a-morte, o qual é um

dos modos que possibilitam a estruturação da experiência singular (Feijoo, 2011). Ressalta-se

que não se trata da morte enquanto desaparecimento do corpo biológico, mas o fundamental é

“o fato de não vir a alcançar a possibilidade de ser o que é” (Safra, 2004, p. 59).

Sobre isto, Soares (2004) afirma “voltam-se para qualquer coisa para preencher este

vazio, que lhes ofereça alguma sensação de estabilidade e pertencimento” (p. 2). No entanto,

advertem mais à frente que esta fuga de pensar o sentido provoca ao mesmo tempo a falta

dele, sendo necessário aceitar o vazio para pensar a existência, de outra forma, o ser-humano

passa, por exemplo, a comprar compulsivamente sem jamais conseguir preencher a

incompletude que lhe diz respeito. Em outras palavras, configura-se uma vida cheia de nada.

A primazia do ter ao ser, típica da contemporaneidade. O homem, aniquilado pelo sistema

social, torna-se desprovido de qualquer sentido existencial, podendo adoecer, dito de outro

modo, entende-se que o homem adoece quando é tomado pelo vazio existencial, não

encontrando sentidos para sua vida.

Esse vazio é proveniente, sobretudo, pelo fato das pessoas passarem a valer mais pelo

seu valor econômico. O homem se torna na pós-modernidade um consumidor voraz de

serviços que acredita estar agregando valor à sua pessoa e este valor precisa ser exibido numa

cultura do narcisismo que instiga a competição (Soares, 2004). “Numa sociedade de consumo,

o gozo prevalece sobre todas as outras coisas, o ter sobre o ser, o prazer sobre a moral, o si-

mesmo sobre o outro que é transformado em objeto” (Barus-Michel, 2010, p. 7, tradução

nossa).

O ser-humano diante da imprevisibilidade da vida e da ausência de conforto

existencial, facilmente se vê dominado pela lógica deste tempo, buscando, sem ter consciência

de que o faz, uma segurança e certeza da felicidade prometidas. Bauman (2007) atenta para o

efeito contrário disto, pois ao se deparar com a continuidade da incerteza, pois esta é
51

contingente da espécie humana, o ser tem acirrada sua ansiedade, além do sentimento de

impotência pela insegurança do presente e incerteza do futuro.

Há em geral uma isenção da compreensão da participação do contexto social no

desencadeamento do padecimento, responsabilizando unicamente o indivíduo que se

culpabiliza quando não consegue alcançar o ideal, dando conta de tudo o que lhe é solicitado.

É necessário o entendimento de que as solicitações são inúmeras e iguais para cada um,

desconsiderando suas singularidades. Heidegger contribui para a compreensão de que os

problemas psíquicos não são exclusivos do ser, frutos de uma dinâmica interna, do orgânico,

mas da relação do ser que é e está no mundo, na gênese do que se denomina conflito psíquico

se constatam as determinações do horizonte histórico em que o ser se encontra (Feijoo, 2011).

A este respeito, Safra (2004) afirma: “Não se trata simplesmente de um ‘problema psíquico’

ou de um ‘conflito pulsional’, mas de algo que se refere à Ontologia do existir humano” (p.

26).

A autorresponsabilidade foi também realçada por Bauman (2007) ao discorrer sobre a

questão da segurança, mostrando o quanto as pessoas são impelidas a procurar soluções

individuais para problemas socialmente produzidos, como ter de morar em condomínio

fechado, possuir carro blindado, não andar na rua, ao estilo “cada um por si e Deus por todos”

(p. 20).

Ewald, Moura e Goulart (2008) ressaltam a ideia de angústia coletiva e sentimentos

como solidão e fracasso favorecidos por esta conjuntura, ao pesquisarem sobre as demandas

para psicoterapia num serviço de Psicologia aplicada na Universidade Estadual do Rio de

Janeiro, em que constataram a depressão como maior demanda, seguida da dificuldade de se

relacionar com os outros. Esta última bastante comum neste mundo em que as relações são

descartáveis, pautadas na individualidade e utilidade e as mídias tecnológicas mais atrativas,

ocupando um tempo cada vez maior na vida de todos que as utilizam.


52

Neste sentido, Moreira (2002) explana sobre a depressão e chama atenção para o modo

como esta enfermidade é vista, através de uma perspectiva extremamente individualista, como

se a doença acometesse o ser independente do seu modo de estar no mundo, sendo

desconsiderada sua história de vida, as relações que estabelece, enfim, o modo como existe-

no-mundo. Barus-Michel (2010) concorda ao afirmar “O sofrimento psíquico é ao mesmo

tempo social, o psiquismo é habitado pelo social. O ser-humano é composto pelo contexto

social em que se encontra, histórico e cultural e mesmo político” (p. 2, tradução nossa).

Faz-se mister considerar o ser-humano em sua singularidade, não obstante em

copertencimento ao mundo em que está inserido, no intuito de uma compreensão mais

profunda do seu existir, suas possibilidades, limitações e potencialidades de ser. Na presente

pesquisa, focalizaram-se os sentidos de ser universitário, buscando dar voz a estudantes de um

curso específico – Ciências e Tecnologia – com o intuito de problematizar as características

peculiares do ambiente acadêmico e desse curso da área tecnológica, dando atenção à maneira

como esses contextos são atravessados pela lógica do mundo contemporâneo e ao modo como

interpelam o estudante que ali se encontra.


53

Capítulo II – Sou estudante universitário!

2.1 O sofrimento em estudantes universitários

A universidade é um sonho para muitos jovens por representar a possibilidade

concreta de ter uma formação superior, aliada a uma conquista de liberdade tão almejada. Não

obstante, vale notar que esta experiência pode se vinculada a uma vivência de sofrimento

importante em muitos estudantes universitários, conforme se verifica em pesquisas voltadas

para este público (Adlaf et al., 2001; Cerchiari, 2004; Fernandez & Rodrigues, 1993; Giglio,

1976; Loreto, 1972; Mendonza & Medina-Mora, 1987; Neves & Dalgalarrondo, 2007; Niemi,

1988; Oga & Cruz, 2010; Rimmer et al., 1982; Roberts et al., 2001; Santos & Almeida, 2001;

Segal, 1966; Xavier et al., 2008).

Com o intuito de mapear o que se tem em termos de produção científica a esse

respeito, focalizando principalmente trabalhos qualitativos ou que abordassem aspectos de

natureza emocional/psicológica/existencial, realizou-se um levantamento bibliográfico sobre

sofrimento em estudantes universitários, procedendo-se as buscas nas seguintes bases de

dados eletrônicas: SciELO, Google acadêmico e Lilacs. Estas foram escolhidas por estarem

entre as bases consideradas mais completas para o acesso à produção nacional, o que não

excluiu o surgimento e leitura de artigos internacionais.

Utilizaram-se os indicadores “estresse”, “sofrimento”, “sofrimento psíquico”,

“estudantes” e “universitários”. Foi feita uma seleção inicial por meio da leitura dos resumos

dos textos disponíveis nas bases de dados e um segundo filtro através da leitura dos artigos

integralmente e a seleção final daqueles que foram considerados relevantes para a pesquisa.
54

Os artigos encontrados foram em número de 10, sendo quatro na área de Psicologia e

os outros sete na área de saúde; destes, quatro referentes ao curso de Medicina. Os artigos se

situam no intervalo dos anos de 2000 a 2013 e um deles é uma revisão bibliográfica. Pontua-

se que nenhum trabalho realizou uma abordagem qualitativa sobre o sofrimento, sendo todos

eles, com exceção de um estudo sobre o suicídio, referentes a sintomas específicos como:

estresse, ansiedade e depressão, sobressaindo-se o estresse.

É digno de nota a dificuldade encontrada dada a ausência de textos relativos ao tema –

o sofrimento em estudantes universitários – e mais ainda sob o enfoque da Psicologia

Fenomenológica. Em todas as bases pesquisadas, só foi encontrado um artigo nesta

abordagem, “Suicídio de universitários: o vazio existencial de jovens na contemporaneidade”

(Dutra, 2012). Dois utilizaram uma abordagem qualitativa, ambos ligados ao curso de

Medicina, “A angústia na formação do estudante de medicina” (Quintana et al., 2008) e

“Teaching strategies for coping with stress – the perception of medical students” (Pereira &

Barbosa, 2013).

Constatou-se uma prevalência das áreas da saúde entre os textos encontrados, com

destaque para Medicina e Enfermagem. A maioria das pesquisas encontradas se constitui

numa abordagem quantitativa que busca indicar a prevalência de transtornos mentais, medir

os níveis de estresse em estudantes universitários ou correlacionar com outros sintomas, como

depressão e ansiedade. Desta forma, considerou-se pertinente expor aqui os achados acerca do

contexto universitário, com fins de aproximar o leitor do que há em termos de conhecimento

produzido a esse respeito, apesar da maioria ser proveniente de pesquisas quantitativas que

priorizam o enquadre científico em categorias relativas à saúde mental e por isso divergem do

foco da presente pesquisa.

Os autores Bardagi e Hutz (2011) realizaram uma revisão de literatura acerca dos

eventos estressores no contexto acadêmico entre 1999 e 2009, na qual encontraram 12 artigos.
55

Observaram que a maioria, 8 deles, foi sobre estudantes da área de saúde, como Medicina e

Enfermagem e que a avaliação de estresse se deu principalmente pelo uso do ISSL –

Inventário de Sintomas de Stress para Adultos, ressaltando o predomínio de estudos

quantitativos. Confirmaram a vulnerabilidade do aluno universitário ao estresse e também

apontaram a existência de poucas pesquisas a esse respeito, concluindo que há um predomínio

de pesquisas na área da saúde, prevalência de sintomas entre as mulheres, diversidade de

fatores considerados geradores de estresse nos estudantes e que as estratégias de

enfrentamento utilizadas por estudantes são mais focadas na emoção.

Tendo em vista o número baixo de trabalhos encontrados nas bases, optou-se por

analisar as referências bibliográficas utilizadas em cada um deles, o que ampliou o leque de

estudos relacionados. As pesquisas de um modo geral evidenciam a alta incidência de

sofrimento psicológico entre estudantes universitários, atendo-se prioritariamente à dimensão

numérica, não alcançando a discussão que se faz necessária, relativa à singularidade daquele

que sofre, bem como ao contexto de mundo que tem propiciado o aumento acirrado destes

números nas últimas décadas.

Dutra (2012) se destaca desse grupo de trabalhos selecionados por abordar a temática

do suicídio entre estudantes, fazendo uso de uma reflexão que considera o ser-no-mundo com

suas possibilidades. A autora evidencia a alta ocorrência de suicídio e tentativa de suicídio

entre os jovens universitários, o que se verifica nas estatísticas, mesmo ressaltando que em

geral os números oficiais são inferiores à realidade, devido ao preconceito que perpassa este

fenômeno. Apesar disso, os registros do Ministério da Saúde mostram que houve um aumento

considerável na taxa de suicídio da população brasileira, do ano de 2000 para 2007, sendo

importante, portanto, pensar sobre o contexto de mundo que tem favorecido esse desejo de

não mais viver.


56

Considerando escassos os estudos acerca do suicídio no Brasil, Dutra (2012) aponta

pesquisas nos Estados Unidos que mostram o aumento, nas últimas décadas, da procura por

serviços de aconselhamento psicológico, bem como do surgimento de mais queixas como

estresse, ansiedade e depressão entre estudantes universitários, o que também denota o

aumento do sofrimento existencial com a contemporaneidade.

Apesar de em geral não contemplarem o posicionamento crítico que aqui se pretende

fazer frente à dinâmica social atual que notoriamente adoece o ser, os estudos são de extrema

importância por evidenciarem o alto grau de sofrimento que se encontra nas universidades,

sinalizando inclusive alguns elementos principais que contribuem para isso. Serão detalhados

a seguir alguns achados considerados mais relevantes para se pensar a temática em questão.

Estudos apontaram que a depressão é comum na universidade, com preponderância

entre estudantes solteiros, comparados aos casados (Sarokhani et al., 2013). Foram

encontrados alguns fatores de risco, como transição da vida e saída da casa dos pais para

frequentar a universidade (Dutra, 2012) e sobrecarga acadêmica, que diz respeito ao alto

volume de atividades obrigatórias, dentro e fora da classe e a falta de tempo para cumpri-las

(Rodas et al., 2010).

A esse estresse proveniente do ambiente de estudo, Orlandini (1999) conceitua como

estresse acadêmico, o qual ocorre quando uma pessoa está em um período de aprendizagem e

experimenta uma tensão, sendo as altas exigências do nível superior consideradas pelos

próprios estudantes como fonte de estresse. Baptista e Campos (2000) verificam que a

correlação positiva entre estresse e depressão acirram o prejuízo à saúde mental e ao

aproveitamento acadêmico.

Rodas et al. (2010) também encontraram uma correlação positiva e significativa entre

a depressão e o estresse proveniente do meio acadêmico, destacando alguns elementos como

sendo desencadeadores de alterações nas condições de saúde, principalmente na fase de


57

adaptação do estudante ingressante, entre eles: dar conta das exigências acadêmicas,

dificuldades no desenvolvimento da aprendizagem e na aquisição de estratégias para lidar

com situações de fracasso ou êxito, acompanhadas do ritmo acelerado de estudo, a intensidade

da carga horária, a competitividade entre os colegas e as mudanças nos horários de

alimentação e de sono/vigília. Entretanto, os fatores encontrados nesta pesquisa que mais

geraram estresse nos estudantes de uma forma geral foram: apresentação oral, carga

acadêmica e expectativas sobre o futuro.

A pesquisa de Almeida e Soares (2003) também chama atenção para as características

da universidade e que constituem um período desafiador para o estudante, tanto na área

acadêmica, com o surgimento dos novos ritmos e estratégias de aprendizagem e novos

sistemas de ensino e avaliação. Na social, com a esperada ampliação da rede social e novos

padrões de relacionamento, perpassados, muitas vezes, pela competição; e na pessoal, com o

imperativo de ter que definir suas metas de carreira, conciliando suas expectativas de

autorrealização e sucesso profissional.

A preocupação com o futuro, muitas vezes perpassada pela dificuldade de se engajar

no curso por uma possível falta de identificação, pode ser um forte disparador para o

desenvolvimento do estresse. Gonçalves e Benevides-Pereira (2009) apontam que o

compromisso com a carreira pode ser um moderador do estresse, enfatizando que muitos

problemas e dificuldades percebidos em alguns estudantes podem significar desconforto em

relação à escolha profissional. Bardagi e Hutz (2011) referem alguns estudos internacionais

que indicam que a maior identificação com a instituição ou com a área de formação reduzirá o

impacto de eventuais problemas no decorrer do percurso acadêmico; no entanto, alertam para

o fato de que o estresse decorrente do engajamento ou não do estudante com seu curso ainda

não foi objeto de investigação no contexto brasileiro.


58

Costa e Polak (2009), por sua vez, construíram um instrumento para avaliação de

estresse entre estudantes de enfermagem e afirmaram que as atividades que geram estresse se

encontram em seis domínios principais, são eles: realização das atividades práticas,

comunicação profissional, gerenciamento do tempo, ambiente, formação profissional e

atividade teórica.

Um estudo americano analisou a relação entre o estresse acadêmico com a ansiedade

do aluno, seu controle de tempo e sua satisfação com atividades de lazer, chegando à

conclusão que a diminuição dos níveis de ansiedade considerados próprios do estudante,

somado a uma melhor administração do seu tempo e a prática de atividades de lazer podem

reduzir o estresse proveniente da universidade. Destacaram a importância do estudante

desenvolver técnicas eficazes de estudo e planejamento do tempo, o que se articula aos

estudos que mostram que a sensação de falta de tempo é um grande aliado no

desencadeamento de estresse (Misra & McKean, 2000). Constataram ainda que calouros

apresentam mais reações de estresse, enquanto estudantes mais velhos e mulheres planejam

melhor o tempo, apesar da prevalência de estresse e ansiedade ser maior entre as mulheres, o

que denota a presença de vários fatores interrelacionados no desenvolvimento do estresse ou

outra manifestação de sofrimento.

Faz-se mister destacar a pesquisa de Katsurayama et al. (2009) que assinalou aspectos

pessoais que podem estar implicados no desenvolvimento do estresse, como a dificuldade de

expressar sentimentos e o alto nível de exigência consigo mesmo. Neste sentido, também

sobressai a pesquisa de Ross, Niebling e Heckert (1999) que constatou, através da utilização

em universitários da escala The Student Stress Survey, que 38% das fontes de estresse eram

relacionadas ao âmbito intrapessoal, 28% ao ambiental, 19% ao interpessoal e 15% ao nível

acadêmico.
59

As pesquisas mostram algumas características peculiares à universidade que são

consideradas fatores desencadeadores de estresse, sendo que estas últimas evidenciaram a

presença do fator pessoal como presente na deflagração do estresse. Vale então salientar que

as fontes de estresse podem ser bastante particulares dependendo da instituição, do curso ou

área de estudos, da forma como o próprio estudante lida com sua experiência de estar na

universidade, entre tantas outras, sendo, portanto, fundamental o cuidado com a generalização

por se tratar de experiências humanas que são na sua natureza múltiplas de possibilidades.

Realiza-se em seguida um apanhado geral presente nas pesquisas encontradas.

Constatou-se que os estudos foram prioritariamente realizados com estudantes da área da

saúde, destacando-se Medicina e Enfermagem, a prevalência citada de algum tipo de

sofrimento mental está entre as mulheres, estudantes provenientes do interior do estado,

ingressantes e solteiros. Destacaram-se o estresse e a depressão enquanto manifestações do

sofrimento psíquico em estudantes, tendo sido apontados outros, como: ansiedade,

dificuldades nas relações sociais, desconfiança na capacidade de desempenho, solidão,

angústia e distúrbios psicossomáticos. É válido observar que termos como capacidade de

desempenho ou necessidade de adaptação, entre outros, vão de encontro à perspectiva teórica

deste trabalho, posto que parte-se da legitimidade de todos os possíveis modos-de-ser.

Contudo, entende-se que essas nomeações dizem respeito à linguagem científica necessária

para tornar compreensível a leitura referente a dificuldades que podem ser encontradas no

nível superior. Em relação a possíveis estressores característicos do ambiente acadêmico,

listam-se abaixo, sem ordem de valoração, aqueles encontrados na revisão de literatura

realizada:

1. Exigência de autonomia, responsabilidade e maturidade;

2. Novos métodos de ensino-aprendizagem;


60

3. Novos sistemas de avaliação;

4. Dificuldade de gerenciar o tempo;

5. Desconhecimento de técnicas eficazes de estudo;

6. Altas exigências do nível superior;

7. Sobrecarga acadêmica;

8. Falta de tempo;

9. Mudanças nos horários de alimentação e de sono/vigília;

10. Revolução biopsicossocial, realçando sentimentos de perda;

11. Competitividade entre os colegas;

12. Exigência pela definição profissional;

13. Desconforto em relação à escolha profissional;

14. Expectativas sobre o futuro;

15. Preparo para enfrentar mercado de trabalho;

16. Comunicação profissional;

17. Apresentação oral;

18. Realização das atividades práticas;

19. Dificuldade de expressar sentimentos;

20. Alto nível de exigência consigo mesmo.

As características do ambiente universitário que foram consideradas nestas pesquisas

como possíveis fontes de estresse configuram aspectos importantes a serem considerados

pelos agentes que integram a universidade, como docentes e técnicos-administrativos,

sobretudo os psicólogos que atuam na atenção ao estudante universitário; não obstante, é

digno de nota que estes atributos não operam como causas, gerando os mesmos efeitos

indistintamente nos estudantes, mas servem para proporcionar um maior conhecimento acerca
61

do que envolve o estudante e pode lhe atravessar em sua vida acadêmica, no sentido de

possibilitar uma ampliação da percepção de possíveis modos-de-ser na universidade,

contribuindo para se pensar ações que possam contemplar certos aspectos e assim

possivelmente auxiliar alguns alunos a enfrentarem determinadas dificuldades. Entretanto,

ressalta-se a importância de haver espaços na universidade que apreciem a particularidade do

estudante, pois este terá sua experiência perpassada por sua singularidade, história de vida e

sentidos que atribui a cada vivência.

Faz-se necessário problematizar esse contexto acadêmico que tem se mostrado com

alto potencial de provocar o adoecimento em seus estudantes, além de meramente apontar os

possíveis aspectos perturbadores. Não é o bastante pensar em ações de “tratamento”, no

sentido de dar atenção aos fatores estressores, também não seria o caso de falar em prevenção,

pois em se tratando de uma orientação fenomenológico-existencial não cabe fazer uso desse

conceito, uma vez que a dimensão de abertura é constituinte do ser, estando esse em constante

movimento, num eterno vir-a-ser, carregando consigo as possibilidades e potencialidades de

ser, as quais não podem ser impedidas por medidas que ingenuamente têm a pretensão de

serem preventivas.

Poder-se-ia haver o questionamento acerca da utilidade desta pesquisa já que não serve

para tratamento, nem prevenção, todavia ao se levantar e produzir conhecimento sobre a

universidade e sua inserção no mundo contemporâneo, mormente oportunizando a escuta a

estudantes que vivenciam algum sofrimento, possibilita-se meditar sobre o mundo

circundante do universitário, como o aluno se ocupa com o mundo instrumental que está à

mão, como se preocupa com os outros com quem se-é e como exerce o cuidado, no sentido de

estar desperto ou curioso sobre si, seu modo de ser próprio e pessoal. Tais reflexões permitem

interrogar como a universidade tem se colocado diante da lógica do mundo contemporâneo e

como tem perpassado os sentidos produzidos pelos estudantes em suas vivências acadêmicas.
62

Os estudos encontrados apontam para uma universidade que reproduz o mal-estar

típico da contemporaneidade, apresentando-se como um significativo espaço que legitima o

império da técnica, acirrando a operosidade, a alta competição, a individualidade exacerbada,

a objetificação do humano que passa a ser mais uma peça na linha da montagem produtiva.

Verifica-se o império da impessoalidade e da falta de atenção, ou melhor, a negligencia da

universidade quanto à promoção do cuidado em seus estudantes. Alerta-se para a noção de

cuidado heideggeriana, o qual é constitutivo ontológico do ser e anterior ao homem, como

ilustra uma fábula de Higino, explícita em Heidegger (1927/1995):

Certa vez, atravessando um rio, “cura” viu um pedaço de terra argilosa: cogitando,
tomou um pedaço e começou a lhe dar forma. Enquanto refletia sobre o que criara,
interveio Júpiter. A cura pediu-lhe que desse espírito à forma de argila, o que ele fez
de bom grado. Como a cura quis então dar seu nome ao que tinha dado forma, Júpiter
a proibiu e exigiu que fosse dado o nome. Enquanto “Cura” e Júpiter disputavam sobre
o nome, surgiu também a terra (tellus) querendo dar o seu nome, uma vez que havia
fornecido um pedaço de seu corpo. Os disputantes tomaram Saturno como árbitro.
Saturno pronunciou a seguinte decisão, aparentemente equitativa: “Tu, Júpiter, por
teres dado o espírito, deves receber na morte o espírito e tu, terra, por teres dado o
corpo, deves receber o corpo. Como, porém, foi a ‘cura quem primeiro o formou, ele
deve pertencer à ‘cura’ enquanto viver. Como, no entanto, sobre o nome há disputa,
ele deve se chamar ‘homo’, pois foi feito de húmus (terra)” (p. 263-264).

Observa-se o cuidado/cura como sendo originário ao homo/homem e o tempo/Saturno

senhor da decisão, denotando o percurso temporal do ser no mundo e o caráter de possuir o

cuidado/cura como potência constituinte ao ser lançado no mundo. Assim sendo, a pre-sença é

cuidado, no sentido de poder-ser para as suas possibilidades mais próprias, escapando à total

entrega ao mundo da ocupação, da impessoalidade.

A universidade, na medida em que propaga a lógica que absorve o ser e contribui para

a alienação do si mesmo, coloca-se como um espaço em que se constata algo da ordem de

uma quase falta de cuidado pela supressão da possibilidade de desenvolvimento da


63

curiosidade do ser sobre si, da sua cura, enquanto aquilo que se abre para a propriedade, para

o ser-si-próprio.

As pesquisas voltadas para o ambiente universitário, reproduzindo o paradigma do

mundo contemporâneo, enfatizam a categorização e nomeação do sofrimento, o qual é

objetivado e enquadrado em classificações de acordo com sinais e sintomas manifestados. O

sofrimento é visto como doença mental e a vivência do sofrimento ou qualquer desconforto

emocional, como angústia, tédio, tristeza e, por exemplo, medo; muitas vezes este recebe

diagnósticos para fins de encaixe em um rótulo conhecido que transmite uma falsa sensação

de segurança, pela possibilidade de prescrição de um tratamento específico, geralmente

fazendo-se uso de medicação para eliminação do mal-estar e/ou sintomas. Daí se vê de

maneira cada vez mais comum e frequente estudantes apresentando diagnósticos de

Depressão, Transtorno do Pânico, Transtorno Bipolar, etc.

Considera-se importante interrogar a necessidade de dar nome a toda vivência

emocional. Objetivou-se avançar nessa discussão, partindo de uma introdução à temática da

psicopatologia, por ser este o campo que lida com a saúde mental, lembrando que o termo

mental é empregado para destacar essa área da ciência. Contudo, considera-se que a saúde do

ser diz respeito a sua totalidade e copertinência ao mundo.

2.2 O que é que eu tenho? É preciso dar nome a qualquer sofrimento?

A psicopatologia merece atenção por ser campo das ciências que abrange o sofrimento

psíquico. Pode ser definida como patologia das doenças mentais e estudo das causas e

natureza das doenças mentais (Tatossian & Moreira, 2012), podendo ser, por exemplo, de

orientação psicanalítica, cognitivo-comportamental, sociocultural e fenomenológica-

existencial (Caldas, 2009).


64

A psicopatologia se diferenciou como campo de saber específico com a publicação,

em 1913, de Psicopatologia geral, de Karl Jaspers (1883-1969). Este introduziu a crítica

metodológica e de sistematização dos dados, propondo integrar o modelo causalista-

explicativo ao histórico-compreensivo para a descrição e compreensão do fenômeno psíquico.

Nesta obra, surge o método fenomenológico caracterizado prioritariamente pela descrição

(Tatossian & Moreira , 2012).

Jaspers se preocupou com a realidade objetiva e subjetiva das pessoas que sofrem com

transtornos mentais e com a cientificidade dos sintomas subjetivos. Para ele, no exame de um

paciente psiquiátrico, os sintomas objetivos se diferenciam dos subjetivos, sendo os primeiros

mensuráveis, percebidos pelos sentidos e os outros, as emoções, consideradas cientificamente

pouco confiáveis e que exigem a empatia de quem observa.

A psicopatologia fenomenológica teve seu marco em 1922, na ocasião em que Ludwig

Binswanger (1881-1966) apresentou, na 63ª sessão da Sociedade Suíça de Psiquiatria de

Zurique, um trabalho sobre fenomenologia (Tatossian, 2006).

Psiquiatra suíço, Binswanger enriqueceu o campo psiquiátrico através da compreensão

das psicopatologias a partir da fenomenologia husserliana e heideggeriana, tendo sido o

pioneiro na introdução do pensamento heideggeriano para a compreensão das doenças

mentais (Cardinalli, 2012), inaugurando com sua Daseinsanalyse, posteriormente chamada de

Análise Existencial, a tradição fenomenológica.

O método de Binswanger se caracterizou pela descrição da experiência de mundo e

das condições de existência a partir da perspectiva singular do Dasein, constatando-se uma

preocupação primordial com o homem, e não com o psíquico ou a doença separadamente.

Apresentou três modos de ser-no-mundo: Umwelt, mundo, instrumentos ou ambiente,

Mitwelt, o dos interrelacionamentos, expressivo do ser-no-mundo e Eigenwelt, mundo

próprio, do eu e seu corpo (Tatossian & Moreira, 2012).


65

A patologia mental saiu então do campo estritamente natural para ser compreendida

através das possibilidades originais do ser e da singularidade do caso individual. O sintoma

deixou de ser visto isolado, mas como expressão do ser, manifestação de determinada pessoa

(Barbosa, 2012). Não obstante, Binswanger manteve a compreensão do homem enquanto

sujeito, tal qual a ideia husserliana, ao passo que para Heidegger não existia a representação

de sujeito, devendo este ser substituído por Dasein, um acontecer no mundo. A psiquiatria

Daseinsanalítica de Binswanger foi questionada por Heidegger que apontou um equívoco

cometido por Binswanger quando confundiu explicações ontológicas, referentes às estruturas

existenciais do ser, com as de natureza ôntica, relacionadas ao plano da elucidação da

existência, ao introduzir o conceito ôntico de amor na estrutura ontológica do cuidado

(Cardinalli, 2012). É válido dizer que o pensamento de Binswanger marcou Rollo May (1909-

1994) que teve importante contribuição por ter introduzido o pensamento existencialista nos

Estados Unidos, tornando-se o criador da Psicologia Existencial (Moreira, 2010).

Medard Boss (1903-1990), também um psiquiatra suíço, debruçou-se em Heidegger e

desenvolveu seu trabalho em torno da Analítica do Dasein. Boss enfatizou a impossibilidade

do homem não se relacionar, afirmando que ele sempre se relaciona, de diferentes maneiras,

mas sempre o faz, entendendo que a primordial característica do homem ser sadio consiste nas

suas possibilidades de relação, dada a abertura livre de seu mundo. Já, na enfermidade,

compreende-se como uma limitação dessas possibilidades (Tatossian & Moreira, 2012).

Boss afirmou que a psicopatologia deve esclarecer a natureza existencial dos

fenômenos patológicos e que “o mais importante para a medicina e a psicologia é a condição

da abertura e da liberdade, bem como os existenciais de espacialidade, temporalidade,

afinação e corporeidade do Dasein” (Cardinalli, 2012, p. 21).

Heidegger, em Ser e Tempo, apresenta as estruturas existenciais do ser, constituintes

do Dasein, sendo elas: temporalidade, espacialidade, ser-com-o-outro, disposição,


66

compreensão, cuidado, queda e ser-para-a-morte. Para Boss, o modo de ser-doente se

distingue pela redução dos existenciais, como a perturbação da corporeidade, da

espacialidade, limitação da disposição e na realização do ser-aberto, estando essas dimensões

fundamentais inter-relacionadas numa estrutura indivisível, o que significa que quando um

existencial é perturbado ou outros também sofrem (Tatossian & Moreira, 2012).

Artur Tatossian (1929-1995), num tempo posterior aos psiquiatras da tradição

fenomenológica, descreveu uma psicopatologia fenomenológica contemporânea do

Lebenswelt, do tempo vivido, “imanente e transcendente, consciente e inconsciente, singular e

universal” (Tatossian & Moreira, 2012, p. 214). Conceito este que foi introduzido pelo último

Husserl e retomado pelo filósofo francês, Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), o qual

superou a dualidade do pensamento ocidental, movendo-se numa dialética cíclica, marcada

pelo entrelaçamento das experiências objetivas e subjetivas (Moreira, 2010). Destacou-se o

Lebenswelt como um fundamento de um modo de ser sadio ou patológico, destacando a

alteração no tempo vivido no ser-doente, uma vez que os indivíduos saudáveis observam o

tempo com a noção do que está por vir, do futuro, o que não se observa na vivência da

enfermidade, como no caso de um melancólico ou um maníaco, em que ambos apresentam

uma vivência estagnada, no primeiro caso, prendendo-se ao passado, enquanto no segundo,

querendo antecipar o futuro ativamente (Tatossian, 2006).

Ressalta-se Heidegger que introduziu o conceito de Dasein, como substituto à

consciência, pois defendia que só extinguindo termos como sujeito, eu e consciência é que se

estaria rompendo com a metafísica tradicional, devendo-se fazer referência ao existir humano,

como um acontecer (sein) que se dá aí (Da), no mundo (Moreira, 2010). O aprofundamento

acerca da psicopatologia fenomenológica, norteada pelo pensamento heideggeriano, faz-se

necessário para possibilitar uma compreensão do padecimento, pautado na existência do

Dasein, ultrapassando o pragmatismo da psiquiatria contemporânea, a qual prioriza um


67

convencionalismo nosográfico, impedindo uma discussão acerca da natureza do sofrimento

psíquico. Os sistemas classificatórios, como DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico de

Transtornos Mentais – e CID – Classificação Internacional de Doenças, limitam-se a

estabelecer critérios diagnósticos consensuais, desconsiderando a natureza do existir humano

e do adoecimento, enquanto Heidegger afirma que a questão da existência só poderá ser

esclarecida pelo próprio existir (Cardinalli, 2012).

Este modo de lidar com a patologia mental evidencia uma explicação do humano

pautada na objetivação de uma análise estritamente biológica, a partir do funcionamento dos

neurotransmissores, na qual a experiência do existir humano passa a ser resultado de um

funcionamento fisiológico/cerebral. Tal fato se dá principalmente pela impossibilidade de

generalizar, medir ou quantificar a experiência subjetiva que ocupa o lugar da imprecisão, não

atendendo às exigências da cientificidade (Rodrigues, 2003).

Heidegger (1982/2013) esclareceu que ir ao meramente “objetivo” seria um abandonar

o “subjetivo”, em outras palavras, desmerecer o que está para além do objetivável. Costa

(2010) também chama a atenção para a impossibilidade de generalizar toda e qualquer

manifestação de sofrimento, como se lê: “Ainda que os sintomas expressos pelo sujeito sejam

semelhantes aos de outras pessoas, a manifestação subjetiva do sofrimento é sempre exclusiva

do indivíduo e irredutível, ou seja, impossível de ser enquadrada em uma classificação geral”

(p. 60).

O pensamento heideggeriano se opõe claramente a qualquer objetivação ou

fragmentação da existência humana, devendo-se fazer uso da técnica como um modo para

possibilitar o desvelamento do sentido do Dasein e não um meio para alcançar um resultado

de causa e efeito. Heidegger afirma: “onde reina a instrumentalidade, aí também impera a

causalidade” (Heidegger, 1965/2012, p. 13), observando que o Dasein não adoece por

causalidade, sendo toda a sua manifestação decorrente do seu estar-no-mundo, resposta ao


68

que lhe vem ao encontro enquanto horizonte de sentido. Mais à frente, conclui: “A técnica não

é, portanto, um simples meio. A técnica é uma forma de desencobrimento.” (p. 17).

Heidegger (1965/2012) inspira uma reflexão acerca dos efeitos desta forma de lidar

com o padecimento, destacando a busca pela eficiência, e define ser eficiente como sendo

alcançar, obter resultados e efeitos, observando que estes resultados estariam à mercê do que é

estabelecido historicamente como sendo normal, desconsiderando a singularidade da

existência humana. Alerta para a clínica que é assim embasada, a qual não tem efetividade,

pois se configura como uma manipulação de objetos que pode ter como resultado um objeto

mais polido, atendendo ao padrão de normalidade vigente (Heidegger, 1987/2009). Constata-

se a busca de uma correspondência às demandas da vida, as quais muitas vezes são

angustiantes e desumanas, não se oferecendo espaço para a reflexão e tematização do ser ao

que lhe é imposto.

Desta forma, ao se pretender “curar” a doença mental, “corretamente” classificada de

acordo com os sinais e sintomas apresentados, através do uso dos psicofármacos devidamente

prescritos, pode se cometer o erro de se impetrar uma existência impessoal, dada a

generalização e objetivação desta conduta (Moreira, 2002). Buscando-se o que é considerado

correto, incorre-se no risco de sobrepor à verdade, como afirma Heidegger (1965/2012): “(...)

um sistema operativo e calculável de forças pode proporcionar constatações corretas, mas é

justamente por tais resultados que o desencobrimento pode tornar-se o perigo de o verdadeiro

se retirar do correto” (p. 29).

Barbosa (2012) faz uma interessante reflexão acerca do limite entre o que é

considerado normal e patológico, provocando a indagação devido à observação de que

qualquer manifestação de sofrimento é tida atualmente como doença, devendo-se cuidar para

distinguir o que se caracteriza simplesmente como um sofrimento existencial e o que se

configuraria como uma patologia, alertando para o fato de que nem todo sofrimento
69

representa um estado patológico ou uma sensação de desequilíbrio. Outro alerta importante

diz respeito ao uso indiscriminado de medicação para todo e qualquer conflito humano, como

se fosse possível controlar a existência humana.

A busca imediata pela exclusiva eliminação do sintoma preocupa, tendo em vista que

o sintoma evidencia aquilo que aparece, encobrindo a questão existencial que o faz surgir. As

manifestações de uma doença “indicam algo que em si mesmo não se mostra” (Heidegger

1927/1995, p. 59), estando essas manifestações remetidas a um fenômeno e sendo de

fundamental importância possibilitar o acesso ao fenômeno e ao sentido do ser.

A técnica pronuncia uma maneira de pensar e está relacionada com a história do ser. A

técnica moderna, fruto da mudança de paradigma do século XVII, em que o homem passa a

ser visto como objeto de cálculo e previsão; e a técnica, um meio para alcançar respostas de

problemas não mais pensados ou mesmo formulados. O conhecimento verdadeiro passa a ser

prometido pela ciência positiva e uso da tecnologia. É o símbolo atual do modo como a

sociedade contemporânea se articula, permeando a relação do homem com o mundo.

Heidegger provoca a reflexão sobre a questão da técnica como sendo um novo tempo para o

ser-humano, fugindo do seu controle e consciência (Heidegger, 2012).

A essência da técnica diz do próprio modo de ser do homem, do desejo de controlar o

movimento da existência, como afirma Safra (2004), “A mentalidade tecnológica tem como

objetivo fundamental o domínio da existência ou até mesmo do sentido de si” (p. 68).

Entretanto, considera-se que o homem deve tentar uma relação livre com ela, no sentido de se

abrir para outros modos possíveis de ser, ao invés de tentar dominá-la, pois é impossível não

se submeter à técnica, voltar para um tempo em que era diferente, como afirma Heidegger

(1959), “Seria insensato investir às cegas contra o mundo técnico” (p. 23). É preciso dizer sim

e não à técnica, ou seja, ser livre para se relacionar com ela, desviando-se de pertencer a um
70

único modo de ser e buscando abertura para o que é mais próprio do ser-humano, o pensar, o

fato de ser um ser que reflete.

É necessário aprender a se relacionar com a técnica, pois é evidente que se

reconhecem os avanços tecnológicos da contemporaneidade, porém é indiscutível o

surgimento do novo individualismo, o enfraquecimento dos vínculos humanos e o

definhamento da solidariedade, como explicita Bauman (2007). É importante fazer uso da

técnica, mas refletir sobre ela para que o ser-humano não seja limitado ao conceituável,

roubando-lhe os mistérios do seu ser e o tornando homem-coisa e não mais ser, não mais pre-

sença, como afirma Safra (2004).

É digno de nota que Heidegger (2006) destaca o tédio como sendo uma tonalidade

afetiva típica da configuração desta Era da Técnica, sendo, portanto, uma temática necessária

ao se pensar o homem contemporâneo e por esta razão merecedora de atenção. Nas palavras

de Feijoo (2011): “Langweile (tédio) significa literalmente tempo longo. Na descrição

heideggeriana trata-se do momento que se alonga e do qual comumente queremos nos ver

livres por meio dos passa-tempos” (p. 50). O mundo deixa de ser interessante e nada tem

sentido, ficando difícil acompanhar o ritmo acelerado e automático de existir. É a dor de ver o

tempo passar e não conseguir realizar suas possibilidades existenciais originárias.

Feijoo (2011) ao explanar sobre o tédio evidencia as três formas de determinação do

tédio, segundo Heidegger: 1 - tédio que vem de fora, como uma longa espera por algo,

exigindo que se interrompa o ritmo cotidiano; 2 - tédio proveniente do modo singular como

corresponde a algo no existir, resultando em ocupações desviantes; e, 3 - tédio profundo

quando se torna de fato impossível acompanhar o tempo presente. Este último denuncia o

quanto o ser se tornou desinteressante para si mesmo. Na contemporaneidade, destaca-se a

presença do tédio, uma vez que a rotina e a repetição promovem a ausência de sentido que por
71

sua vez alertam para o insuportável do cotidiano e para a perda de si com a quase

impossibilidade de se encontrar um ritmo existencial próprio.

A faceta fenomenológica da psicopatologia, ressaltada neste estudo, exibe-se de

maneira significativa, posto que reflete o sofrimento humano como uma experiência singular

e ao mesmo tempo contextualizada, possibilitando um caminho propício para repercussões e

boas contribuições para o campo da atenção psicológica, na medida em que oferece uma

maior compreensão do fenômeno do sofrimento na atualidade.

A discussão realizada expôs as marcas da contemporaneidade, a cada vez mais

frequente manifestação sintomática do sofrimento, a necessidade de nomeação e eliminação

do mesmo e de controle da existência como alguns dos atravessamentos com os quais o ser-

humano, e em relevo, o estudante universitário, se depara na atualidade. Quanto à

universidade, destacou-se, na presente pesquisa, o curso de Ciências e Tecnologia da UFRN

como espaço que apresenta um número crescente e significativo de estudantes buscando

assistência psicológica e expressando formas variadas do considerado sofrimento psíquico.

Por esta razão, segue-se com uma breve apresentação do curso, as peculiaridades que

justificaram sua seleção para a participação neste estudo, com o intuito de melhor situar o

leitor no panorama em questão.


72

Capítulo III – O curso de Ciências e Tecnologia

O projeto de criação do Núcleo de Ensino em Ciências e Tecnologia (NEC&T), datado

de outubro de 2008, apresenta uma nova Unidade Acadêmica Especializada proposta pela

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, dada sua participação institucional no REUNI4

(Programa de Reestruturação e Expansão das Instituições Federais de Ensino Superior), que

tem como objetivo dotar as universidades federais de condições necessárias para a ampliação

do acesso e permanência na educação superior.

A ideia era de que o NEC&T oferecesse a estrutura e os recursos humanos, físicos e

financeiros necessários para a viabilização da oferta do Bacharelado em Ciências e

Tecnologia (BCT), a partir de 2009, no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão.

O BCT apresenta um novo modelo de formação com duração de três anos, sendo este

o aspecto diferencial do Projeto da UFRN para o REUNI. Foi criado para ofertar duas

entradas por ano, cada uma com 600 alunos, totalizando um ingresso de 1200 estudantes no

ensino superior por ano. O curso possibilita a formação de um bacharel generalista que poderá

entrar no mercado de trabalho e também ingressar automaticamente em cursos de engenharia

ou das ciências exatas para sua formação profissional em dois anos. Destaca-se que o projeto

propunha alcançar uma melhor taxa de sucesso dos cursos de graduação, além da ampliação

na oferta de vagas; para isso, foram elaboradas algumas estratégias como a melhoria na

qualidade da educação básica através de ações continuadas.

4
Para informações mais detalhadas consultar o site http://www.reuni.ufrn.br/ e ver Sinopse do projeto de
reestruturação e expansão da UFRN no programa REUNI. Recuperado de
http://www.reuni.ufrn.br/files/SinopseReuni.pdf.
73

A justificativa do projeto do NEC&T inicia apontando como problemática a formação

universitária tradicional no Brasil, a qual, segundo o texto, prioriza o caráter

profissionalizante, em detrimento de uma formação sócio-humanística mais geral. Ressalta

que há variáveis quanto à formação profissional do indivíduo, como o Ensino Médio no

Brasil, mas adianta que não será abordada essa questão. Observam-se dois pontos

problematizadores para a formação universitária tradicional: 1) obrigatoriedade de definição

prévia à entrada na universidade e 2) “customização” dos projetos pedagógicos dos cursos que

aproximam o estudante desde o início do curso às matérias ditas necessárias para sua

formação específica.

Entre outros problemas, apontam a evasão, a retenção e os excessivos tempos médios

para conclusão do curso, como sendo resultados principalmente de uma escolha apressada e

equivocada da profissão anterior à seleção para o ingresso na universidade. Introduz-se, então,

a proposta de formação em dois ciclos na tentativa de sanar esses problemas e lembra que a

própria UFRN já fez uso desse método na década de 70, durante um curto período (1970 a

1972), no qual o aluno entrava na grande área da engenharia e após dois anos de formação

básica passava por uma seleção baseada no mérito acadêmico e daí seguia para a formação

mais específica. O texto, no entanto, não expõe o motivo pelo qual esse método foi deixado de

lado.

A proposta se caracteriza, portanto, na formação inicial generalista na grande área das

Ciências Exatas e Engenharias, podendo o aluno ao final decidir se pretende dar continuidade

aos estudos com uma formação específica ou não. Para tanto, o projeto defende uma

transformação curricular que garanta ao aluno a verdadeira possibilidade de entrada no

mercado de trabalho após o primeiro ciclo. O caráter bidimensional desta formação, segundo

o texto do projeto, justificava a importância da criação da Unidade Acadêmica Especializada,

destacando ainda a missão de reduzir as taxas de evasão, retenção e longos tempos médios de
74

conclusão do curso, a qual estava articulada a estratégias de apoio e acompanhamento intenso

ao estudante, com instrumentos de tutoria, apoio ao aprendizado e orientação psicológica e

pedagógica, introdução de novas tecnologias e incentivo à pesquisa e extensão. Vale observar

que no projeto havia a solicitação de dois psicólogos escolares para compor o quadro de

técnicos-administrativos do NEC&T.

O projeto também previa, entre outras coisas, sistema de acompanhamento estatístico

do desempenho individual do aluno, processo continuado de formação do corpo docente,

evidenciando a importância ao estímulo na relação professor-aluno com vistas à interação. É

digno de nota o compromisso ressaltado de permanente autoavaliação quanto ao desempenho

da unidade, com previsão de realização semestral.

Ressalta-se uma preocupação já presente no projeto quanto ao caráter competitivo

entre os alunos, tendo em vista a seleção baseada no mérito para o segundo ciclo. Em relação

a isto, o projeto aponta a importância da indução de processos colaborativos entre os

discentes, os quais poderão ser estimulados com a criação de espaços de convivência e

integração social para os estudantes.

O NEC&T se configurou então como Unidade Acadêmica Especializada da UFRN

responsável por dar suporte e prover os recursos necessários ao funcionamento efetivo e

qualificado do curso de Bacharelado em Ciências e Tecnologia.

Constata-se que o projeto para criação da Escola de Ciências e Tecnologia (ECT) foi

muito bem escrito, contemplando todas as esferas e com a ideia de possibilitar a resolução de

problemas e uma eficiente formação profissional na grande área das Ciências Exatas e

Engenharias. Entretanto, é preciso dizer que após cinco anos da inauguração da ECT,

verificam-se muitos problemas de toda ordem, tendo sido a ECT alvo de pesquisa

institucional para avaliação e possível desenvolvimento; bem como tem se destacado pelo fato

dos próprios alunos da ECT procurarem com frequência suporte psicológico, devido à
75

dificuldade de adaptação à metodologia do curso e a problemas emocionais diversos, o que

motivou a realização da presente pesquisa.

As observações aqui assinaladas são decorrentes do próprio contato com estudantes de

C&T, com docentes e servidores, bem como do acesso a documentos e relatórios

institucionais acerca da Escola de Ciência e Tecnologia. Constatam-se problemas que

perpassam desde aspectos estruturais, como salas de aula muito grandes, geralmente

anfiteatros, ausência de área de convivência para os estudantes, de local para estudar, lanchar

ou simplesmente sentar nos espaços de circulação; dificuldades psicopedagógicas e de ensino-

aprendizagem, muitas vezes relativas a turmas com muitos alunos (em média 150), altos

índices de reprovação e evasão; questões psicossociais, como a saída de profissionais para

outros departamentos, tanto docentes quanto técnicos administrativos, clima organizacional

tenso e, entre outros, importantes relatos de adoecimento psíquico entre docentes e discentes.

É digno de nota que não só os alunos, mas também os professores se queixam do alto

número de alunos por turma, o que impede de acompanhar o aluno na sua necessidade

particular. Se por um lado o estudante se queixa de se sentir invisível na turma, professores

também reclamam da invisibilidade, ao afirmarem que a maior parte da turma se torna

invisível para eles, além do desgaste e prejuízo nas atividades que são sempre em grande

escala, como na elaboração e correção de provas. Há queixas também referentes à grande

disparidade entre os próprios alunos, tendo em vista a entrada maciça de 600 alunos por

semestre, e que atende ao requisito da inclusão social, mas por outro lado provoca o ingresso

de estudantes que apresentam muitas dificuldades de toda ordem, socioeconômica,

psicológica e familiar, para citar algumas, sem que os professores tenham sido preparados

para lidar com estas vulnerabilidades.

Salienta-se, outrossim, que apesar da solicitação de dois psicólogos escolares desde o

projeto do NEC&T, apenas em 2014 chegou uma psicóloga escolar, a qual compartilha com a
76

evidência do alarmante número de estudantes enfrentando muitos problemas de ordem

emocional e ressalta a importância de uma articulação com os setores de atendimento

psicológico clínico ao estudante.

Informa-se que durante a pesquisa foi investigado se havia alguma política de apoio ao

estudante em andamento e foram observados a existência de dois programas que são

oferecidos assim que o aluno ingressa na ECT. Um é o programa de tutoria, no qual um tutor

deverá acompanhar os alunos contribuindo para a adaptação destes à estrutura de ensino da

ECT, sendo objetivo do tutor oferecer suporte pedagógico a dois grupos de tutorandos de, no

máximo, seis alunos cada. Para tanto, o tutor deverá se reunir com seus grupos de tutorandos

duas vezes por semana. Nessas reuniões, em síntese, caberá ao tutor: identificar as

dificuldades do tutorando no tocante às áreas de conhecimento abrangidas pelo projeto;

planejar uma rotina de estudo dentro e fora do grupo; verificar se esse planejamento vem

sendo cumprido; aplicar testes e verificar se os tutorandos demonstram melhor rendimento;

além de atribuições, como: acionar monitores e professores caso perceba que o atendimento

não está sendo suficiente; encaminhar o tutorando para seu orientador acadêmico quando

julgar necessário; reunir-se periodicamente com a assessoria pedagógica para tratar do

andamento dos atendimentos e apresentar avaliações da evolução dos tutorandos.

O outro programa é o de monitoria para esclarecimento de dúvidas dos alunos, o que

também poderá ser feito na tutoria, pois o tutor deve ensinar e esclarecer dúvidas nas

reuniões. Além desses programas mencionados, tem o Serviço de Psicologia Escolar

Educacional, o qual objetiva realizar o acompanhamento de alunos com dificuldades no

processo de aprendizagem; no entanto, verificou-se que a maior procura é por atendimento

psicológico e o papel da psicóloga na maioria das vezes é tentar o encaminhamento para um

setor de Psicologia que contemple essa demanda.


77

É digno de nota que esses programas não são amplamente divulgados, sobretudo, a

presença da psicóloga na ECT, o que era do desconhecimento de todos os estudantes que

participaram da pesquisa, ficando o estudante muitas vezes sem saber onde procurar auxílio.

Pontua-se que se faz necessário avaliar e refletir se de fato é pertinente a presença de

um psicólogo na ECT, como na tentativa de solucionar problemas que parecem continuar a

surgir ou se urge ponderar sobre a forma como está estruturada a ECT e seus possíveis efeitos

estressores para seus discentes e servidores de uma forma geral. Incluindo-se aqui a

importância de se pensar sobre a entrada em larga escala de estudantes no ensino superior, os

quais muitas vezes apresentam uma formação básica deficitária, acirrando ainda mais a

dificuldade ou mesmo impossibilidade de acompanhar e lograr êxito no curso universitário,

gerando sofrimento de diversas ordens, como a sensação de incapacidade, de impertinência,

de frustração, de ser mais uma vez colocado à margem. Se numa via, vê-se a contemplação da

inclusão social de uma parcela maior da população que anteriormente nem se aproximava da

universidade, agora adentra a mesma, na outra via, problemas de diferentes ordens.

É suficiente entrar na universidade sem questionar como está se dando essa entrada?

Os estudantes estão preparados quanto à educação básica exigida para o nível superior? Os

professores estão aptos a lidar com essas novas configurações? Seria uma solução ou

surgimento de novos problemas?

A atual situação da ECT aponta claramente para a incidência de várias dificuldades.

Neste sentido, desenvolveu-se esta pesquisa, com vistas a problematizar e fazer refletir sobre

essas e outras questões importantes de serem pensadas ao se dar voz a estudantes do BCT

dessa universidade.
78

Capítulo IV – Procedimentos metodológicos

4.1 Método

Utilizou-se o método qualitativo fenomenológico-existencial, baseado na

hermenêutica heideggeriana que se pauta na Analítica da Existência, ontologia que prima pela

compreensão da existência humana através dos sentidos que o ser atribui a sua experiência e

os desvela pela linguagem no contato com o outro (Heidegger, 1927/1995).

Fenomenologia, segundo Heidegger (1927/1995), refere-se a um meio de acesso ao

modo do ser-no-mundo como tal. “A fenomenologia (do grego phainesthai, aquilo que se

apresenta ou que se mostra, e logos, explicação, estudo) afirma a importância dos fenômenos

da consciência” (Moreira, 2010, p.724). Os dois termos, “Fenômeno” e “Logia”, significam,

respectivamente, aquilo que se mostra, indo além do que aparece ou parece e palavra,

pensamento, entre outros, o que conduz a uma definição para Fenomenologia como um

pensamento, ou dito de outro modo, uma reflexão acerca daquilo que se mostra, o fenômeno.

Heidegger (1927/1995) esclarece que fenômeno não é somente a manifestação, o que

aparece, mas o que se mostra em si mesmo, isto é, o ser é o que aparece, mas não se reduz a

este aparecer. O conceito de logos perpassa o tornar acessível aos outros, desvelando e

descobrindo aquilo que é interpretado, que está além do que aparece.

O objeto da pesquisa fenomenológica é então o fenômeno, o qual não é dado a priori,

mas se revela à medida que é interrogado, é na relação que ele se desvela. Pretende-se acessar

o sentido do fenômeno para o ser-aí, entendido como sua própria existência,


79

não se atendo a explicações ou generalizações, mas partindo de uma indagação sobre a

vivência do ser (Martins, 1992).

Entende-se, desta forma, que não se busca a exatidão, já que esta exige que o objeto

seja colocado de antemão como algo mensurável e, neste caso, o fenômeno do sofrimento

resiste à quantificação, não sendo esta uma preocupação, pois, como atentou Heidegger

(1987/2009), “nem toda ciência rigorosa é necessariamente ciência exata (...) se há coisas que

por natureza resistem à mensurabilidade, então toda tentativa de medir sua determinação pelo

método de uma ciência exata é inadequada” (p. 172). Trata-se de uma postura diferente no

modo de lidar com o conhecimento, o qual passa a ser compreendido como uma possibilidade

de sentido que corresponde a um determinado recorte de visada da realidade, sem esgotar

outros olhares, circunscrevendo-se, portanto, limites e possibilidades.

Frota (2010) defende a possibilidade da construção de conhecimento científico a partir

do método fenomenológico de orientação heideggeriana quando afirma que “a fenomenologia

se apresenta como um caminho fértil, uma vez que se propõe a acessar um fenômeno que se

deseja compreender a partir de seu próprio desvelar” (p. 7). Ressalta-se que Masini (1989)

corrobora ao assegurar que o método fenomenológico é consistente e legítimo para estudos

que dão ênfase à experiência vivida do ser-humano e sua significação, quando não se pode

explicar o fenômeno pela simples relação de causa e efeito, como no caso do tema em

questão, uma vez que se considera que o sofrimento do estudante universitário diz da

complexa experiência humana, podendo ter inúmeros e diversos fatores envolvidos,

excluindo-se a possibilidade de tecer afirmações simplistas que o justifiquem.

É evidente que em sendo uma pesquisa científica, consideram-se os estudos sobre o

tema, ao se levantar o que pode estar relacionado com a saúde mental do estudante. Não

obstante, é válido ressaltar que o método fenomenológico exige que o pesquisador assuma

uma postura crítica diante das proposições e dos conhecimentos prévios frente ao fenômeno,
80

permitindo-se aproximar da novidade que pode emergir no discurso do colaborador, daquilo

que pode ser desvelado (Martins & Bicudo, 1989).

Nesta pesquisa, considera-se a impossibilidade de se abster da compreensão

apriorística que se tem, no entanto, ressalva-se que é tarefa da interpretação “não se deixar

guiar, na posição prévia, visão prévia e concepção prévia, por conceitos ingênuos e ‘chutes’”

(Heidegger, 1927/1995, p. 210), ou seja, é importante saber se colocar de modo adequado,

reconhecendo-se parte integrante da circularidade do processo interpretativo.

A interpretação, segundo a fenomenologia hermenêutica heideggeriana, possibilita o

acesso ao conhecimento mais originário, o que não quer dizer tomar um conhecimento

daquilo que se compreendeu, mas, sobretudo, elaborar as possibilidades que são projetadas na

compreensão, pois, como afirma Heidegger (1927/1995), é na compreensão que há a projeção

para as possibilidades do ser. Busca-se o questionamento do sentido do ser e ao fazê-lo a

pergunta recai sobre si próprio dentro da compreensibilidade do que o filósofo denominou

pre-sença; “A pre-sença é a possibilidade de ser livre para o poder ser mais próprio” (p.199).

Em outras palavras, mostrou-se o interesse pelo sentido do ser, por suas possibilidades que

lhes são próprias e singulares, as quais se revelam no encontro com quem lhe interroga,

através da abertura de ser-no-mundo, permitindo-se a apropriação da compreensão e sua

descoberta.

É válido registrar o que Heidegger (1927/1995) chamou de posição, visão e concepção

prévias, pois apesar do filósofo não ter exposto intenção na aplicação destes conceitos para a

pesquisa em Psicologia, considera-se que os mesmos em muito contribuem para o

questionamento acerca do sentido do ser nesta pesquisa. Parte-se da ideia de que toda

percepção, de qualquer coisa no mundo, já é compreensão e interpretação. À compreensão

implícita que se tem dos instrumentos que estão à mão, dá-se o nome de posição prévia,

designando o fato de já nos encontrarmos num mundo de significados. Esta, por sua vez,
81

apresenta algumas possibilidades de interpretação, os chamados recortes daquilo que se vê; ao

recorte, isto é, a uma possibilidade de intepretação, de acordo com os sentidos pessoais que se

tem em relação a uma determinada temática, denomina-se visão prévia e ao se atribuir um

conceito a esta última, fornecendo um novo sentido ao que foi objeto de visão, seja ele

definitivo ou provisório, funda-se uma concepção prévia, denotando a circularidade

compreensiva do ato de interpretar.

Azevedo (2013) ressalta o caráter circular da compreensão como subsídio para

desenvolver pesquisa fenomenológica com orientação na hermenêutica heideggeriana, e

afirma:

(...) o entendimento da interpretação, portanto, compreensão, de que esta se estrutura


numa circularidade e é composta de estruturas, torna-se uma grande contribuição
para a realização de pesquisas dentro desse pensar filosófico. O que se dá pelo fato
de a pesquisa poder ser interpretada como a possibilidade de construção de passos
metodológicos na elaboração da compreensão e interpretação de um fenômeno (p.
87).

Ressalta-se que ao considerar a existência da circularidade compreensiva existente na

posição, visão e concepção prévias, pondera-se a transitoriedade daquilo que se interpreta,

dado o movimento contínuo da interpretação que aprecia o tempo e momento histórico do

encontro. Desta forma, não se concebe aqui a busca por uma verdade absoluta da realidade;

aliás, em se tratando da escuta do outro, afirma-se que a certeza irrefutável não pode se dar,

tendo em vista que se estaria supondo um juízo que permaneceria inalterado frente à contínua

transformação característica de ser-no-mundo. Neste sentido, apoia-se em Azevedo (2013)

que destaca que a pesquisa ocorre num movimento circular, sendo provisório o processo

investigativo, por ser referente a um momento específico.

Esta pesquisa aborda, destarte, uma possível interpretação do fenômeno pesquisado, e

como já dizia Heidegger (1927/1995), “Mais elevada que a realidade está a possibilidade” (p.
82

69). Tatossian e Moreira (2012) autenticam ao lançar mão de Merleau-Ponty que “sustenta

que o conhecimento é sempre incompleto, uma vez que não existe um saber absoluto e a

verdade é um movimento que vai se constituindo no campo perceptivo, caracterizando-se

como um mistério inesgotável, uma gênese perpétua, sempre aberta” (p. 177).

Trata-se de um trabalho de interpretação hermenêutica, aplicado ao homem que é,

segundo Heidegger (1927/1995), um ser-aí (Dasein), um acontecer (sein) que se realiza aí

(Da), no mundo – um ser lançado num mundo que não escolheu e submetido as suas

contingências – isto é, um esclarecimento no que diz respeito ao Dasein como ser-no-mundo.

Busca-se, de acordo com a ontologia fundamental, o sentido do ser, considerando sua

inseparabilidade homem-mundo e seu caráter de poder-ser perpassado pelos fatos históricos

do seu tempo (Feijoo, 2011).

Pretende-se explicitar uma interpretação, oriunda da compreensão da experiência de

sofrimento em estudantes da UFRN, entendendo-se nesta abordagem a compreensão

fundamentada em seu sentido ontológico, mas experienciada na dimensão ôntica. Parte-se,

desse modo, do entendimento de que é a compreensão constitutiva do Dasein que possibilita a

compreensão dos aspectos essenciais dos fenômenos (Heidegger, 1927/1995), através da

abertura ao que vem ao encontro no modo de ser-com-o-outro.

4.2 Estratégias metodológicas

A pesquisa mergulhou nas interpretações atravessadas pela Analítica da Existência

heideggeriana, mas antes disso procedeu com algumas etapas que objetivaram situar melhor a

pesquisadora e o leitor no contexto do curso de Ciências e Tecnologia, como:


83

 Conhecimento acerca do curso, realizado através da leitura de documentos sobre o

surgimento, implementação e natureza do curso e de diálogos com a direção e a

psicóloga lotada na ECT;

 Verificação do histórico acadêmico dos estudantes que participaram da pesquisa,

observando índices de aprovação, reprovação, trancamento e cancelamento, com o

intuito de ter ciência da situação do aluno no curso diante da vivência de sofrimento,

ressaltando-se, entretanto, que estas etapas ofereceram características objetivas e

pontuais, tendo sido de fundamental relevância dar voz aos estudantes para que fosse

possível o acesso aos sentidos atribuídos por eles mesmos as suas experiências;

 Realização de entrevistas semiabertas com estudantes de C&T da UFRN;

 Interpretação e explicitação do fenômeno pesquisado à luz da fenomenologia

hermenêutica heideggeriana.

4.3 Entrevista

Utilizou-se como instrumento de pesquisa a técnica da entrevista – como modo de

acessar a vivência e os sentidos atribuídos à mesma pelo ser-aí (Bruns & Trindade, 2003). No

intuito de compreender a experiência singular de sofrimento, a entrevista foi semiaberta,

tendo como questão disparadora: O que você pode me contar sobre o sofrimento do estudante

de Ciências e Tecnologia da UFRN a partir da sua experiência pessoal?

Partiu-se do entendimento de que a questão disparadora deve ser “o ponto de partida

para o início da fala do participante, focalizando o ponto que se quer estudar e, ao mesmo

tempo, ampla o suficiente para que ele escolha por onde quer começar” (Szymanski, 2002, p.

27), constituindo um pedido para que a pessoa narre a sua experiência. A pesquisadora
84

também fez uso de outras questões ou pontuações, permitindo a narrativa livre do

entrevistado.

Considera-se aqui a pesquisa científica como a construção de uma forma de olhar a

realidade que gera inevitavelmente novas produções acerca do fenômeno investigado, não

como um processo que resulta em uma verdade fixa e inquestionável (Cabral e Morato, 2003).

A entrevista fenomenológico-existencial se configura então muito mais como um encontro, do

que uma técnica de investigação, por apresentar características peculiares como o inclinar-se

ao outro que lhe dirige a fala, estando a pesquisadora implicada no processo e a compreensão

atrelada a um determinado momento e certo contexto social e histórico (Martins e Bicudo,

1989). O pesquisador se coloca nesse encontro inspirado no desejo de compreender, de se

aproximar da experiência do outro e não como um analisador procurando explicações (Dutra,

2002; Schmidt, 1990), posto que “Outrem não é primeiro objeto de compreensão e, depois,

interlocutor. As duas relações confundem-se. Dito de outra forma, da compreensão de outrem

é inseparável sua invocação” (Lévinas, 2010, p. 26).

Lévinas (2010) afirma que compreender o ser é existir e pensar, é estar engajado e

englobado no que se pensa: “(...) nós estamos aí presentes com toda a espessura de nosso ser

(...) ligado que estou com o que devia ser meu objeto, esta existência interpreta-se como

compreensão” (p.24). É o ser que é no mundo (ser-no-mundo) e existe com o outro (ser-com),

ressaltando-se, portanto, o caráter participativo da pesquisadora e a ausência de neutralidade

na compreensão e interpretação na pesquisa. Não há então uma separação em que

primeiramente se tem um objeto de compreensão e em seguida um observador ou interlocutor,

essas duas posições se confundem e se misturam, o que é corroborado por Frota (2010) ao

assinalar que “Pensar, para a Fenomenologia, significa indagar, questionar, tentar

compreender. Algo processual, parcial, relativo” (p. 3).


85

O encontro entre pesquisador e colaborador é marcado pela relação que se estabelece

entre ambos e como esclareceu Heidegger (1987/2009):

A relação, com algo ou alguém, na qual eu estou, sou eu. Entretanto, ‘relação’ não
deve ser objetivamente entendida aqui no sentido moderno, matemático de relação. A
relação existencial não pode ser objetivada. Sua essência fundamental é ser
aproximado e deixar-se interessar, um corresponder, uma solicitação, um responder,
um responder por baseado no ser tornado claro em si da relação (p. 222).

No método qualitativo nas ciências humanas, o interesse do pesquisador está na busca

do significado das coisas, tentando compreender o mundo vivido (sentidos) do colaborador da

pesquisa em relação a alguma problemática (Turato, 2005). Não se procura avaliar, mas sim

aprender um pouco mais sobre o fenômeno do sofrimento com o estudante que o vivencia.

Amatuzzi (2001) atenta para duas condições importantes numa entrevista

fenomenológica. São elas: o pesquisador deverá ter um senso crítico em relação as suas

próprias estruturas, pré-conceitos, pensamentos e opiniões relativas ao fenômeno questionado

e o entrevistado terá de se disponibilizar para se aproximar da sua experiência vivida.

A pesquisa fenomenológica, segundo Amatuzzi (2001), é uma pesquisa do vivido, da

vivência do colaborador que se dispõe a falar sobre si e é no ato de dizer, fazendo uso da

linguagem que o vivido pode ser acessado. Vale frisar o que se chama de vivência nesta tese,

segundo a perspectiva heideggeriana – não é um processo que passa pelo ser e que pode ser

representado como objeto, mas um acontecimento, ou seja, no vivenciar o ser acontece no

mundo e algo acontece com ele também, como se o “sujeito” de cada vivência fosse, não o

próprio ser, mas a vida, ou o ser que é e vive no mundo. A vivência singular então encerra em

si mesma um conjunto de sentidos, oriundo de uma ligação, ou melhor, um pertencimento ao

todo de um determinado tempo histórico que é desvelado no ser-com-o-outro da pesquisadora.

É imprescindível, dessa forma, que a pesquisadora esteja aberta e disponível para se permitir
86

experienciar o encontro com o outro, tentando compreendê-lo em seu desvelamento. Solicita-

se do ser que ele se centre em sua experiência concreta, não se deixando deter por opinião ou

teoria.

O fenômeno em questão é então pensado junto pela pesquisadora e colaborador,

devendo a pesquisadora se voltar para o outro, enfatizando os sentidos que são dados às coisas

e à vida (Triviños, 1992). Faz-se relevante inclinar-se para o fenômeno, deixando-se marcar

pelo estranhamento, pela surpresa que a interrogação pode provocar, permitindo que surja

uma revelação como questão (Morato, 2007). Nesse caso, tenta-se voltar para qual sentido

aquele determinado estudante dá ao seu sofrimento, dando-se ênfase à vivência singular e,

dessa forma, a pesquisa fenomenológica se constitui como uma reflexão sobre o modo

humano de ser-no-mundo (Critelli, 1996).

A entrevista pode ser mobilizadora, pois ao permitir que o ser fale sobre sua

experiência de sofrimento, referindo-se a seu mundo vivido e ao momento existencial do ser,

abre espaço para afetos e emoções tanto no colaborador quanto na pesquisadora, que participa

ativamente desse encontro (Amatuzzi, 2001; Dutra, 2002).

Heidegger (1927/1995) afirma que ser-com-o-outro permite a tematização, a

elaboração e a antecipação das possibilidades mais próprias de ser, valendo dizer que uma

entrevista em profundidade é interventiva, pois promove elaborações, na medida em que o ser

se atém a sua experiência, revê os sentidos que vem atribuindo à mesma e se abre para novos

caminhos, tendo em vista que uma postura questionadora e de abertura pode conduzir a uma

transformação da rede de significância, iluminando outros aspectos daqueles que se adentram

no fenômeno interrogado. Espera-se então proporcionar um espaço para que o colaborador

permita se interrogar sobre sua própria condição existenciária, surpreendendo-se a respeito de

outros sentidos que possam emergir, os quais deverão ir além do evidente e do óbvio.
87

Dutra (2002) pontua que é através da fala que o ser-humano se revela e pode se

transformar, pois abre a possibilidade de um construir-se, de um vir-a-ser contínuo na relação

de ser-com o pesquisador, o qual, por sua vez, participa ativamente com sua disposição

afetiva, como pessoa e profissional, com-partilhando a experiência em questão.

A interpretação dos dados se inicia no próprio ato do encontro, conforme afirma

Amatuzzi (2001), sendo o momento posterior uma tentativa de organizar o dizer do

colaborador, as impressões e afetações surgidas, contribuindo para a explicitação da

compreensão do fenômeno.

As entrevistas foram gravadas e transcritas, no intuito de permitir uma posterior escuta

e um possível desvelamento de novas afetações, as quais se configuram no sentido da

disposição afetiva enquanto abertura ao que surge no ser-com da pesquisadora com o

colaborador, possibilitando o desvelamento do fenômeno interrogado (Heidegger,

1927/1995). Optou-se por não anexar as transcrições das entrevistas na íntegra por se entender

que pode resultar na identificação do entrevistado, mesmo havendo o cuidado em alterar

pequenas informações na tentativa de evitar isso. Foram, portanto, utilizados trechos das

entrevistas para ilustrar a compreensão e interpretação realizadas.

Considerando que o sentido metodológico da descrição fenomenológica é a

explicitação, sendo esta o compartilhar da interpretação, a qual é possibilitada pela

compreensão (Heidegger, 1927/1995), pretendeu-se compreender, interpretar e explicitar a

experiência humana em questão – o sofrimento de estudantes da UFRN. Salienta-se que a

experiência explicitada é uma experiência possível, dentro do universo infinito de

possibilidades das experiências humanas que são um constante vir a ser. A proposta então foi

fazer uso da circularidade compreensiva da hermenêutica heideggeriana, a qual considera a

compreensão um constituinte ontológico do Dasein e enfatiza o caráter provisório e dinâmico

do ato de compreender e interpretar, configurando-se como uma abordagem que é ao mesmo


88

tempo uma Filosofia, pois é um modo de ver a existência do homem e método, pois amplia a

visão do que se interroga (Bruns & Trindade, 2003).

Vale destacar que a explicitação se dá pela interpretação, que é um momento criativo

do pesquisador; desta forma, o pesquisador se faz presente com sua orientação teórica e suas

afetações em todos os momentos da investigação, não se pretendendo qualquer objetividade,

pois nesta concepção heideggeriana não se concebe fragmentar o que é relativo ao humano, o

que afastaria e impossibilitaria a compreensão da experiência humana.

Corrobora-se com Dutra (2012) que afirma a primazia por um pensamento, o

heideggeriano, que conduz à compreensão do homem na sua condição de indeterminação e

poder-ser, contrariando o pensamento mais comum da cultura ocidental em que prevalece a

busca por verdades universais e o questionamento do que é o ser, e não qual o sentido do ser,

ressaltando-se que toda verdade é relativa e provisória e aqui o desejo é de contribuir no

caminho de um saber que reflita a condição humana.

4.4 Colaboradores

Tratando-se de pesquisa com seres humanos, pelo objetivo de compreender e

explicitar a experiência singular de estudantes da Universidade Federal do Rio Grande Norte

(UFRN) que estão vivenciando alguma forma de sofrimento existencial, o projeto foi

submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRN (CAAE:

24711514.9.0000.5537), obedecendo às normas e diretrizes regulamentadoras para sua

realização e, para além das questões formais, o presente estudo foi perpassado pelo cuidado

ético e pela responsabilidade no trato com os colaboradores, posto que estes se

disponibilizaram para abordar uma temática bastante mobilizadora, sua experiência de

sofrimento.
89

Os colaboradores da pesquisa foram estudantes de graduação regularmente

matriculados, de ambos os sexos, do curso de Bacharelado em Ciências e Tecnologia (C&T)

da Escola de Ciências e Tecnologia (ECT), unidade Acadêmica Especializada que integra a

estrutura acadêmica e administrativa da UFRN, como unidade de desenvolvimento de ensino,

pesquisa e extensão, no Campus Central, em Natal/RN. Os estudantes ao concordarem

participar da pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE),

bem como o Termo de autorização para gravação de voz que se encontram em anexo.

Participaram deste estudo 04 estudantes, número que possibilitou a imersão em

profundidade na particularidade de cada caso e foi suficiente, uma vez que não se pretendia

amostra representativa com fins de universalização. Buscou-se, portanto, “um

aprofundamento nos sujeitos que compõem a amostra, sem a preocupação precípua de ampla

generalização” (Fontanella, Ricas & Turato, 2008, p. 23).

A ênfase dada foi na singularidade do colaborador, pois as generalizações escondem o

cerne do problema, o qual é sempre individual e único. Compreende-se que o ser-humano,

enquanto Dasein ou ser-aí, não tem propriedades generalizáveis, não podendo ser acessado

por meio da universalização, sendo sua única determinação seu caráter de poder-ser,

atravessado pela historicidade em que se situa (Feijoo, 2011).

A posição positivista da ciência em que só o que pode ser medido é real é contestada

por Heidegger (1987/2009) quando questiona: “Por que não haveria realidades impossíveis de

serem medidas com exatidão? Uma tristeza, por exemplo” (p. 36). Com isso, o filósofo atenta

para o fato de que emoções não precisam de provas e é no ser-com-o-outro que podem ser

desveladas. Acrescenta adiante que “o querer provar não é apenas um mal-entendido inócuo,

mas má compreensão dos fatos sobre os quais se baseia a existência do homem e até a

totalidade do ente e sua verdade” (Heidegger, 1987/2009, p. 104). Buscar a generalização

seria uma tentativa ideal de conciliar o inconciliável.


90

Heidegger (1927/1995) revela a primazia da existência sobre a essência, e neste

sentido, as generalizações, na vã tentativa de compreensão do homem, dão lugar a situações

particulares que motivam a construção do pensamento existencialista, o qual se recusa ao

enquadre científico, com suas amarras teóricas de padronização, limitando-se desta forma

quanto à produção de conhecimento universal. Por outro lado, possibilitando uma

compreensão profunda do homem, seu mundo e suas possibilidades.

4.5 Critérios de seleção

É digno de nota que se optou pela determinação de um curso, tendo em vista que

análises detalhadas sobre as particularidades de um grupo específico de estudantes

universitários podem fornecer subsídios importantes para a criação de intervenções e serviços

de apoio que venham realmente ao encontro das demandas dos alunos.

Foram enviados e-mails para todos os alunos dos dois primeiros anos do bacharelado

em C&T, porque se entende que qualquer um poderia estar vivenciando algum sofrimento e

não apenas os que procuraram plantão psicológico. Alguns e-mails retornaram por motivo de

dados cadastrais de alunos estarem desatualizados, treze responderam se disponibilizando

para participar, oito estudantes compareceram à entrevista, dos quais, quatro foram incluídos

na pesquisa. Foi acatada a sugestão da banca de qualificação que opinou ser este um número

razoável para possibilitar o aprofundamento em cada caso, dado o interesse na singularidade,

como também por se entender que “Falar muito sobre alguma coisa não assegura em nada

uma compreensão maior” (Heidegger 1927/1995, p. 223), e ainda, por terem sido os

estudantes que despertaram uma maior afetação na pesquisadora, mobilizando possibilidades

interpretativas e produções de sentidos, através do ser-com o colaborador no encontro da

entrevista.
91

A escolha de graduandos de C&T se deu por ter sido o curso de maior procura por

atenção psicológica no Setor de Psicologia, desde 2010 a 2015, além de ser um curso que

possui uma metodologia de ensino inovadora e diferenciada de outros cursos de graduação da

UFRN. É uma formação acadêmico-profissional em ciclos sucessivos, nas áreas de Ciências

Exatas e Engenharias, merecendo atenção por parte da universidade pela sua particularidade e

complexa missão, além das peculiaridades do curso expostas na Introdução deste trabalho.

Despertou-se, desta forma, o interesse em dar atenção e voz a estudantes de C&T, no intuito

de melhor compreender os sentidos atribuídos as suas experiências de sofrimento.


92

Capítulo V – A voz do estudante e a escuta fenomenológico-existencial

5.1 O sofrimento e seu impacto acadêmico

Verificou-se o impacto acadêmico da experiência de sofrimento nos estudantes que

participaram da pesquisa, através da análise do histórico acadêmico. Observou-se a forma de

ingresso, índices de aprovação, reprovação, trancamento e cancelamento, tendo em vista C&T

ser um curso reconhecido pelos altos índices de evasão, reprovação e trancamento, iniciando-

se desta forma as interpretações com a apreciação dessas informações.

A análise do histórico dos quatro alunos entrevistados evidenciou que todos

ingressaram pelo Sisu (Sistema de Seleção Unificada do Ministério da Educação), em que o

aluno usa sua nota do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), como única fase de seu

processo seletivo para ingressar na universidade. Destes, três estão em Regime de Observação

do Desempenho Acadêmico do Discente (RODA)5, por motivos de: insucesso (trancamento

e/ou reprovação) pela segunda vez ou mais, consecutiva ou não, em um mesmo componente

curricular obrigatório e/ou insucesso em metade ou mais da carga horária matriculada. Poder-

se-ia também considerar que os estudantes que participaram da pesquisa e, portanto, estavam

vivenciando alguma forma de sofrimento tiveram seus desempenhos acadêmicos

prejudicados.

5
O RODA tem por finalidade oferecer suporte acadêmico ao estudante com dificuldades na evolução da sua
integralização curricular. É colocado sob este regime o aluno que no semestre anterior houver incorrido em uma
ou mais das seguintes situações: insucesso (trancamento e/ou reprovação) pela segunda vez ou mais, consecutiva
ou não, em um mesmo componente curricular obrigatório ou seus equivalentes; insucesso em metade ou mais da
carga horária matriculada; e, integralização de metade ou menos da carga horária esperada em função do número
de semestres cursados. A solicitação de matrícula em disciplinas, de trancamentos de matrícula ou de suspensão
de programa deste aluno só é efetivada após deferimento pelo orientador acadêmico ou, na falta dele, pelo
coordenador do curso. Para maiores informações, consultar a Cartilha do Novo Regulamento de Graduação.
93

Ressalta-se, entretanto, que o outro aluno apresentou um bom desempenho quanto ao

histórico acadêmico ao ter apresentado índice de reprovação de 10% das disciplinas cursadas

quando a taxa de reprovação em C&T é reconhecidamente alta, indicando que a vivência no

curso não é uma relação de causa e efeito, mas de natureza complexa e multideterminada.

Evidenciou-se, portanto, que a pura análise dos índices acadêmicos sinaliza apenas

uma parte do todo que envolve estar na universidade, não oferecendo nenhuma conclusão ou

relação causal com a vivência do estudante universitário, tendo sido importante somá-la à

entrevista para uma melhor compreensão das queixas e experiências de sofrimento

manifestadas pelos estudantes.

5.2 O planeta do estudante no universo atual

Fez-se uso da analogia com planetas do sistema solar para dar nomes aos

colaboradores da pesquisa, garantindo o sigilo quanto à identificação dos mesmos, além de se

considerar a pertinência desta relação.

Os planetas giram cada qual em sua órbita com suas características bastante singulares

que lhes diferenciam dos demais; no entanto, ligam-se uns nos outros, através da força

gravitacional, ou seja, apesar de suas particularidades compõem o todo universal e se

movimentam, constituem-se e são constituídos pelos demais componentes da Via Láctea.

A imagem distante e fotografada dos planetas é bela, transmite uniformidade e até

perfeição, no entanto as aproximações permitem observar as perfurações, crateras e marcas de

colisões pelo impacto.

As breves características planetárias descritas acima traçam um bom paralelo à

concepção de homem e mundo desta tese, no que diz respeito à ênfase dada ao ser-humano

enquanto Dasein, ser-aí, que possui uma condição de abertura no mundo, constituindo e sendo
94

constituído por ele com os sentidos que vai construindo, carregando consigo a dimensão da

particularidade e do universal. Heidegger (1927/1995) esclarece que nem o Dasein nem os

entes existem independentemente uns dos outros em um espaço “vazio”, mas o Dasein é

essencialmente espacialidade, definida como existencial na estrutura ontológica do ser.

A questão da imagem dos planetas também possibilita uma similitude relativa ao

modo-de-ser impessoal, no qual há a uniformização e todos parecem iguais seguindo o

mesmo ritmo e padrão estabelecido. É a sociedade das máscaras, embora a aproximação

possibilite enxergar além do aparente. Esta não se refere ao chegar perto, no sentido de ver de

modo óptico, mas sim o meditar sobre o outro, pois “O essencial é percebido justamente não

vendo sensorialmente com os olhos” (Heidegger, 1987/2009, p. 67)6. É preciso ver além do

que a imagem marca e interrogar o que se apresenta, refletindo sobre o que está posto e assim

podendo permitir o acesso à autenticidade e a visualização das particularidades e da história

singular do ser.

Apresenta-se enquanto linha de análise nesta pesquisa a articulação da singularidade

ao universal da sociedade atual, melhor dizendo, a prerrogativa de que o singular e o universal

se copertencem, o ser não se distingue do mundo em que se encontra.

A ênfase nas aparências predomina na sociedade hodierna, configurando-se uma

cultura da máscara, tendo em vista que “As exigências dos papéis sociais são muitas vezes

sentidas como a necessidade de o indivíduo afivelar no rosto determinada máscara, para assim

conformar-se aos costumes” (Augras, 1981, p. 63). O ser-humano tende a esquecer de si, atrás

das máscaras, impõem-se padrões de existência e principalmente de imagem, como o padrão

indiscutível de beleza, desconsiderando-se as diferenças étnicas.

Safra (2004) discorre sobre a hiper-realidade, resultado da tentativa de explicar o

fenômeno humano através meramente de um conceito geral, constituindo o falso e o aparente,


6
A propósito, em 1943, o escritor francês Antoine de Saint-Exupéry havia transmitido a conhecida mensagem
“O essencial é invisível aos olhos” em seu livro O Pequeno Príncipe.
95

compondo a cultura da máscara na contemporaneidade. Afirma que o ser-humano vive como

máscara entre máscaras e expõe que “(...) no lugar do rosto instaura-se a máscara. O rosto

apresenta o mistério, enquanto a máscara, a objetificação” (p. 36). Heidegger (1965/2012)

evidencia, ao falar sobre o quanto o homem que possui um rosto no lugar da máscara, ou seja,

se apropria de sua autenticidade, marcando-se em distinção ao coletivo, torna-se o estranho,

como se lê na passagem: “A uniformidade de tudo o que é e está sendo tem sua origem no

vazio provocado quando se deixa o ser (...) Um homem sem uni-forme dá hoje a impressão de

irrealidade, de um corpo estranho ao real” (p. 84).

O mistério do universo remete ainda ao mistério de todo o des-encobrimento e

encobrimento, ou seja, da verdade, presente na ambiguidade da essência da técnica, relativa

ao corresponder automático e irrefletido, natural do ser-no-mundo, e ao mesmo tempo a

permanência do que é próprio à essência do Dasein e pode ser des-encoberto, embora a

vigência da técnica ameace a possibilidade do des-encobrir desaparecer na dis-posição. O

encoberto/verdade e o des-encoberto expõe o mistério da sua distância e proximidade, como

explica Heidegger (1965/2012):

O irresistível da dis-posição e a resistência do que salva passam, ao largo, um do


outro, como, no curso dos astros, a rota de duas estrelas. Mas este passar ao largo
alberga o mistério da própria vizinhança de ambos. Se olharmos dentro da essência
ambígua da técnica, veremos uma constelação, o percurso do mistério (p. 35).

É considerando o enigma do ser-no-mundo que se inicia a viagem pelo espaço

interplanetário daqueles que abriram as portas dos seus mundos e permitiram ser-com a

pesquisadora, a qual por sua vez se pautou na atitude ética fenomenológico-existencial de se

abster da tentativa vã de universalização e de reduzir as queixas ao já conhecido campo

psíquico, buscando dar ênfase aos sentidos produzidos por cada um em seu ser-no-mundo, ou

dando continuidade à ilustração aqui presente, ser-planeta-no-universo.


96

5.2.1 Saturno

O único planeta do sistema solar que é rodeado por anéis aqui representa um estudante

com um perfil marcadamente distinto. É o mais velho dos entrevistados, com 48 anos de

idade e com outras duas graduações concluídas. É casado e tem uma filha adolescente, com

15 anos de idade. Academicamente, Saturno é considerado um aluno que está razoavelmente

bem, pois foi reprovado em apenas 10% das disciplinas já cursadas, o que é considerado um

bom índice relativo às altas taxas de reprovação em C&T.

Saturno traz a voz da experiência de alguém que vivenciou a universidade em dois

momentos que para ele são muito diferentes, principalmente pela invasão da tecnologia que

tem sido experienciada de um modo desconfortante, como se vê na fala: “É aquela muita

informação, muita tecnologia que gera ansiedade, desconforto, eu acho”.

Saturno apresentou a dificuldade de acompanhar a vida tecnológica como um grande

incômodo e preocupação que vem lhe causando muita ansiedade. Afirmou que tem depressão

e faz acompanhamento psicológico e psiquiátrico que o ajuda bastante. Refere que se sente

deprimido por não conseguir acompanhar o ritmo da vida moderna. Considera que a alta carga

de informação gera muita ansiedade, pois está sempre com a sensação de que está em dívida

com algo. Segue trecho de sua entrevista para melhor ilustrar essa queixa:

(...) tenho mais dificuldades assim com as tarefas online, pela idade, não tenho muita
habilidade com computador, né, falta de prática (...) a primeira vez que eu tive
contato com um computador eu tinha 23 anos (...) tem o lado bom que é mais fácil
você ter mais informações, tem o lado ruim que, a meu ver, causa ansiedade porque
pelo menos comigo eu entro no Google, coloco lá um assunto, aí aparece um monte de
coisa e você fica lá sem saber, né?! (...) Então é isso que eu vejo, muita informação,
pouco fica e gera muita ansiedade, eu num tou (sic) querendo generalizar, mas é
muita tecnologia que a gente não precisa de tudo. É uma invasão muito grande de
tecnologia que a gente não precisa usar. Por exemplo, nos veículos, só o som tem um
manual separado que é dessa grossura [mostra com as mãos], que tem bluetooth, wifi,
97

blu-ray, um monte de coisa que... mas se não tiver, não vende, é um desespero por
uma tecnologia. A gente tira pelo celular, tem tanto recurso... que a gente nem sabe.

Heidegger (1987/2009) analisando a questão do mundo da técnica afirmou: “Vivemos

numa época estranha, singular e inquietante. Quanto mais a quantidade de informações

aumenta de modo desenfreado, tanto mais decididamente se amplia o ofuscamento e a

cegueira diante dos fenômenos” (p. 109) e mais à frente pontua que o Dasein “é cada vez

mais exposto ao efeito corrosivo da tecnologia” (p. 305). Saturno expõe através da sua fala o

quanto a sua experiência de sofrimento, pela convivência constante com a ansiedade, está

perpassada pelo contexto de mundo em que está inserido e pela forma como corresponde ao

que lhe é solicitado. Para ele, as exigências do mundo soam como obrigação e ele se sente

impelido a ter de dar conta, acirrando a autocobrança e o surgimento de sintomas ansiosos e

deprimidos por não conseguir realizar tudo que gostaria.

É digno de nota que Heidegger deixou claro que era inútil criticar cegamente a Era da

Técnica, reconhecendo seus aspectos positivos e seu valor, mas evidenciou a importância de

se saber dizer sim e não ao que surge enquanto solicitação, não se deixando guiar por um

único modo de ser que corresponde automaticamente e sem ponderação às demandas do

mundo tecnológico (Heidegger, 1959).

Vale notar que o alto nível de exigência consigo mesmo foi destacado por

Katsurayama et al. (2009) como aspecto pessoal que pode favorecer o desenvolvimento de

estresse em estudantes universitários.

Medard Boss, em carta para Heidegger, afirma que as doenças consideradas como

psicossomáticas têm “sua origem numa relação não resolvida, de uma maneira digna ao

homem, do doente com a moderna sociedade industrial de nossos dias” (Heidegger,

1987/2009, p. 351).
98

Ao pôr em questão o que ele denomina de ansiedade e depressão, Saturno expressou

sua preocupação em dar respostas corretas e que fossem agradáveis, mesmo diante do

esclarecimento de que não havia padrão de respostas a ser esperado e que o mais importante

era poder conhecê-lo melhor. Mostrou-se bastante responsável e comprometido com a

imagem que passa para os outros, o que é coerente com a forma como recebe e reage às

solicitações do mundo.

Tratando-se da depressão colocada por Saturno, pontua-se que é sabido que o sintoma

ou diagnóstico, no caso de depressão, é um anunciar de algo que não se mostra; no entanto,

Heidegger (1927/1995) ao discorrer sobre o método fenomenológico da investigação

esclarece: “Fenomenologia diz, então: deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra,

tal como se mostra a partir de si mesmo. É este o sentido formal da pesquisa que traz o nome

de fenomenologia” (p. 65). E esclarece que o modo em que os fenômenos vêm ao encontro

manifesta o que não se mostra, mas pertence ao que se mostra diretamente, podendo constituir

seu sentido e fundamento.

A fenomenologia hermenêutica heideggeriana é a ciência do ser dos entes, uma

ontologia fundamental, pois trata do ente capaz de interrogar o sentido do ser em geral, ou

seja, possui como tema a pre-sença, esse ser que cada um é e possui em seu ser a

possibilidade de questionar. O modo-de-ser de Saturno diz respeito as suas estruturas

essenciais, pois é na cotidianidade mediana que a pre-sença se mostra em suas estruturas

essenciais e não ocasionais ou acidentais (Heidegger, 1927/1995).

A hermenêutica heideggeriana com seu ofício de interpretar se mostra fundamental

para explanar sobre a sensação de dominação do ser pela tecnologia presente em Saturno e

comum na atualidade.
99

É na pre-sença que se há de encontrar o horizonte para a compreensão e possível


interpretação do ser. Em si mesma, porém, a pre-sença é ‘histórica’ de maneira que o
esclarecimento ontológico próprio deste ente torna-se sempre e necessariamente uma
interpretação ‘referida a fatos históricos’ (Heidegger, 1927/1995, p. 70).

O conceito ontológico de mundanidade que “significa a estrutura de um momento

constitutivo do ser-no-mundo” (Heidegger, 1927/1995, p. 104) possibilita a compreensão da

pre-sença com referência aos fatos históricos, sendo o mundo um caráter da própria pre-sença

e o mais próximo da pre-sença cotidiana, o mundo circundante. A compreensão de Saturno

como de todo Dasein precisa ser orientada para a existência histórica atual do homem, como

alerta Heidegger (1987/2009).

Saturno acredita que a dificuldade dos alunos acompanharem o curso se dá, sobretudo

pela dispersão provocada pelos recursos tecnológicos que os desconcentram e assim deixam

de participar das aulas, o que se verifica na seguinte fala:

(...) os alunos se envolvem muito em conversas paralelas, com aparelhos celular, na


minha época [quando fez o primeiro curso na década de 90] num tinha isso,
dificilmente um professor chamava atenção de alguém, o pessoal era mais centrado
(...) falta de participação nas aulas. Acho que, sem medo de exagerar, 80% não
participa.

O mundo de hoje absorve o ser com vários atrativos que ocupam e distanciam o ser de

si mesmo, fazendo com que o ser-humano se mantenha na superficialidade, sem ponderar

acerca do que lhe interpela. Duarte (2010) fala da importância anunciada por Heidegger de

enxergar o perigo intrínseco ao presente, no intuito de que seja vislumbrada a possibilidade de

abertura de outra relação entre homem e ser, destacando que: “quando Heidegger falava de

um obscurecimento do mundo tratava-se, em primeiro lugar, de caracterizar um mundo que se

tornara superficial e ‘sem profundidade’, um mundo de simulacros multiplicados

instantaneamente (...) desprovido de meditação ponderada” (p. 21).


100

O aluno em apreço diz gostar muito de estudar e por isso resolveu fazer uma terceira

graduação. Tem uma sede por conhecimento, expondo inclusive o interesse por diversas

áreas. Está cursando C&T, mas se vai numa livraria e vê livros de Psicologia acaba

comprando, pois também acha interessante. Afirma que sempre tem livros em casa que estão

na espera para a leitura, como se vê na fala:

(...) domingo eu fui lá no shopping fazer um pagamento, aí entrei na livraria e


comprei três livros de Psicologia, mas não era nem para ter comprado porque já tem
uns 5 na fila para eu ler, mas quando você vê...

A entrevista com Saturno fez pensar se sua própria entrada em C&T enquanto terceira

graduação, bem como a compra constante de livros de assuntos diversos não seria mais alguns

efeitos dessa imposição de querer dar conta de tudo para não ficar à margem, uma tentativa de

amenizar a exclusão que já sente por não se sentir pertencente à era tecnológica e precisar se

esforçar para se sentir integrado.

Enfatizando sua dificuldade em lidar com as demandas do curso que exigem o uso da

tecnologia, citou para exemplificar um trabalho em que precisou fazer um Blog, o que o fez se

sentir deslocado, por ser praticamente o único da turma que não tinha proximidade com isso,

disse: “Teve uma disciplina que a gente teve que criar uns blogs, cada grupo criou um blog e

a gente tinha que alimentar e tal e eu fico aqui no blog, pedindo no whatsapp como é que eu

faço...”.

O receio de não acompanhar o ritmo da sociedade moderna se articula ao medo de

ficar à margem, de ser descartado. Duarte (2010), analisando Heidegger, afirma que “o

homem moderno é o homem que tem de servir a algum propósito, isto é, o homem que não

pode jamais deixar de servir e que, ao perder sua serventia, torna-se supérfluo e pode ser

descartado” (p. 37).


101

Bauman (2007) discorre sobre esse medo como fruto do potencial que todos têm de

serem destinados ao “lixo” por poderem ser classificados na categoria de membros inúteis da

sociedade, quando não se enquadrarem às demandas sociais e produtivas. Sobre isso, comenta

mais à frente: “O tempo flui, e o truque é se manter no ritmo das ondas. Se você não quer

afundar, continue surfando” (p. 108), evidenciando a necessidade de pertinência e adequação

à palavra de ordem vigente.

Queixa-se da falta de compromisso dos colegas de turma que deixam tudo para última

hora, entendendo que este é um comportamento típico dos jovens, os quais segundo Saturno

reclamam de não terem tempo para fazer tudo que é exigido, o que se comprova com o estudo

de Misra e McKean (2000) que constatou que estudantes mais velhos planejam melhor o

tempo. No entanto, é preciso cuidado para não generalizar, tendo em vista que em se tratando

de comportamento humano, sabe-se que este é múltiplo de possibilidades e que a

generalização incorre sempre no erro de desconsiderar o poder-ser intrínseco a cada um.

Comentou sobre sua filha que tem 15 anos e era uma excelente aluna, mas com o uso

incansável do celular desviando sua atenção tem caído muito no rendimento acadêmico. Fala

que ele mesmo já se viu absorvido pelo Facebook e pelo whatsapp – “Eu quando comecei a

ter acesso ao facebook e ao whatsapp, realmente eu dei uma viciada, mas depois aquilo num

me prendia mais...” – mas que conseguiu enxergar o quanto isso tomava seu tempo e passou a

administrá-lo melhor com coisas que realmente precisavam de sua atenção. Reconhece que a

psicoterapia tem lhe ajudado nesse processo ao dizer:

(...) aí tanto eu faço com uma psicóloga, quanto com psiquiatra, aí tomo
antidepressivo e tal, mas o que me ajudou mesmo foi a psicóloga, o psiquiatra é mais
remédio (...) A minha psicóloga me deu alta umas 2 vezes, mas eu acabo voltando
porque eu gosto e serve indiretamente orientando minha filha, então eu acredito que é
um investimento.
102

Considera importante o espaço terapêutico em que pode parar para pensar no meio da

correria e também lhe ajuda a orientar sua filha para que ela consiga também aprender a lidar

com esse tempo que é tão angustiante. Lembra Heidegger (1987/2009) que observa que a

psicoterapia pode ajudar as pessoas a alcançar a adaptação e a liberdade no sentido mais

amplo. Ser livre nesse caso diz respeito a assumir uma relação livre com a técnica, nem se

levando para uma entrega cega à técnica, nem a condenando por completo, mas sim “fazendo-

se ouvinte e não escravo do destino” (p. 28); ou seja, é interessante que se possa adotar uma

posição dialética e reflexiva correspondendo ao apelo que se lhe chega.

Duarte (2010) concorda ao explanar sobre a crítica do presente em Heidegger e

Foucault, evidenciando que “Somente quem sabe que sua vida está em risco pode arriscar-se a

viver e pensar de outro modo” (p. 2). Em linhas gerais, vale frisar que Foucault teoriza acerca

do modo como as formas de subjetivação são historicamente engendradas no espaço criado

entre jogos de verdade e efeitos de poder, investigando os processos de subjetivação que

criam novas modalidades de existência. Cita-se brevemente Foucault por entender que sua

teoria neste ponto converge ao pensamento heideggeriano quando compreende que a

subjetivação se dá de maneira atravessada pelo contexto histórico, político e sociocultural em

que o ser se encontra. Ele usa uma conceituação diferente de Heidegger, como a noção de

subjetivação, uma vez que a ontologia heideggeriana entende o ser como Dasein, aquele que é

no mundo.

No caso de Saturno, percebe-se que ele tem aprendido a questionar e dizer não a

solicitações da atualidade que não têm sentido para ele, meditando sobre o ritmo acelerado da

contemporaneidade e reconhecendo o caráter ansiogênico do mesmo, o que resulta em novos

modos-de-ser diante das limitações impostas pela ansiedade e depressão, evidenciando que o

Dasein é sempre um poder-ser no mundo, visto a partir de cada Dasein histórico que diz

respeito ao modo como corresponde às solicitações mundanas, ou nas palavras de Heidegger


103

(1987/2009), “Histórico é o modo como me relaciono com aquilo que vem ao meu encontro”

(Heidegger, 1987/2009, p. 198). Saturno tem conseguido ou pelo menos está tentando

desacelerar, evitando a contínua pressa de buscar atender a tudo que vem a seu encontro

irrefletidamente.

A entrevista com Saturno evidenciou que sua experiência de sofrimento está muito

mais relacionada com os efeitos ansiogênicos do contexto de mundo de um modo geral, bem

como com seu modo-de-ser, o qual por sua vez é atrelado a sua história singular de vida, do

que propriamente com o curso de C&T. Aliás, Saturno fez questão de evidenciar pontos

positivos do curso, como: o modo como o curso está colocado, com a possibilidade de cursar

disciplinas básicas para só depois delimitar que Engenharia seguir, como se vê: “hoje você

pode cursar e fazer as disciplinas e ir analisando, pensando, ver como está o mercado, ir

conversando com os professores e depois escolher, é muito mais interessante do que antes”.

Enalteceu também a qualidade dos professores e afirmou ter um fácil acesso a eles,

também comparando a quando era mais jovem e os professores inacessíveis. Justifica como

sendo devido a outro tempo, como se observa no trecho:

(...) os professores são muito bons, a meu ver, são novos, ensinam bem, bem diferente
da época que eu fiz Engenharia, que eu terminei em 93... os professores eram mais
velhos e existia uma distância entre o professor e o aluno, pelo método tradicional de
ensino, hoje não, existe uma interação bem melhor entre professor e aluno, hoje tá
bem melhor.

Ressalta-se, entretanto, que Saturno foi o único dos entrevistados que só viu pontos

positivos na formação em ciclos e em relação aos professores, tendo sido observada a

predominância de queixas relativas tanto à estrutura curricular do curso, quanto à relação

professor-aluno, conforme se verá nas demais entrevistas. De todo modo, isso faz refletir o

quanto a experiência de sofrimento é singular e abarca os significados e sentidos que cada um


104

vai atribuindo na sua existência, influenciando o modo como se coloca no mundo, percebe o

outro e corresponde ao que vem ao encontro.

A entrevista com Saturno trouxe pontos interessantes a serem pensados de um modo

geral para a política de atenção ao estudante da UFRN. Esse encontro transmitiu a percepção

de que os sentidos que movem seu existir perpassam a lógica contemporânea que propaga a

necessidade de cada vez mais possuir um acúmulo de informações, na medida em que busca

conhecimento formal em diversas áreas e de modo frenético, sem conseguir dar conta de tudo

que considera que seria importante. Evidenciou também o senso forte de

autorresponsabilização que lhe dificulta interrogar o que está posto, exigindo-lhe uma

correspondência eficaz a tudo. Isto é percebido principalmente quando critica a maioria dos

colegas por reclamarem do curso, quando em seu ponto de vista, não haveria razão para isso.

Não se está dizendo que Saturno está errado e os outros estão corretos, de modo algum, afinal

o que importa é o discurso que é enunciado pelo ser e tomado como verdade na escuta.

Fazem-se essas pontuações, no sentido de evidenciar a importância do interrogar, de pôr em

questão aquilo que parece tão absoluto e coerente.

Considera-se que esse espaço que provoca a interrogação é interessante para a política

de atenção ao estudante da UFRN. Saturno tem tido oportunidade de fazê-lo em sua

psicoterapia, como ressaltou na entrevista, mas muitos estudantes ao serem perpassados por

todas as cobranças do curso e do mundo de um modo geral, sentem-se sobrecarregados e não

têm lugar para elaborar tal carga emocional. Sobre isso, não se sugere psicoterapia para todo

aluno, mas esta entrevista fez considerar importante a oferta de espaços de reflexão,

meditação e questionamento do modo de ser que tem adquirido e, sobretudo, do que é

possível fazer para aliviar o estresse de se sentir mais uma peça da máquina veloz do tempo e

se tornar autor de sua história, em outras palavras, espaços que possibilitem exaltar o poder-

ser de cada um.


105

5.2.2 Vênus

O astro mais luminoso do céu, depois do sol e da lua, Vênus aqui representa o símbolo

do amor e da beleza feminina, fazendo referência à deusa mitológica grega. É a colaboradora

do sexo feminino com seus 19 anos de idade, filha única, mora com os pais num bairro bem

distante da universidade. Chamou atenção ter sido a única mulher a participar, pois, de acordo

com pesquisas (Cerchiari, 2004; Neves & Dalgalarrondo, 2007; Santos & Almeida, 2001), há

predominância de sofrimento psíquico em mulheres e, por isso, esperava-se mais

representantes deste gênero, embora seja válido frisar que o presente estudo foi

quantitativamente bastante restrito e não pode indicar qualquer conclusão objetiva. Foi

possível apenas destacar essa informação que contrariou a expectativa inicial, tal como

ocorreu com o levantamento de dados, presente nesta pesquisa, do setor de Psicologia da

UFRN em que houve uma pequena predominância pela procura por atenção psicológica por

parte do gênero masculino. É importante dizer também que o curso de Ciências e Tecnologia

tem em sua maioria estudantes do sexo masculino, o que também deve ser considerado ao se

analisar as questões relativas a isso.

Vênus está em Regime de Observação do Desempenho Acadêmico do Discente

(RODA) pelo insucesso da reprovação consecutiva, como também pela interrupção em um

mesmo componente curricular obrigatório em mais da metade da carga horária matriculada.

Iniciou falando de sua decepção com o curso de C&T por ter de se esforçar muito e se

queixou dos professores não lhe ajudarem. Fala também da sua preocupação por não estar

conseguindo dar conta da carga horária exigida, além de estar envolvida em muitas atividades,

e se sente prejudicada porque precisa ter aulas aos sábados, ferindo assim seus princípios

religiosos. Acrescenta que a universidade, de um modo geral, é compreensiva em relação a


106

isso, mas tem professores que não admitem e reprovam o aluno, deixando-a sem perspectiva

de nenhuma solução. Segue-se o que ela diz sobre isso:

(...) assim, de cara eu imaginava outra coisa do curso, só que quando cheguei lá...
assim, acho que é um pouco pressionado lá, muito esforço, muito complicado e os
professores também não ajudam. Tem algo pessoal meu [fala da religião], então não
posso fazer provas aos sábados, aí professor não aceita, tem um especificamente que
não vai com a minha cara e fez questão de me reprovar por causa desse sábado (...) É
bem frequente ter aula, laboratório, prova no sábado, a universidade dá apoio, mas
tem professores que não aceitam, então é bem complicado isso.

Sublinha-se aqui a atitude inadequada e autoritária do professor que não permite a

prática livre da fé, especialmente no Brasil que é conhecido por sua diversidade religiosa,

contrariando inclusive o que prega a universidade quanto à tolerância e o respeito às

diferenças.

A entrevista com Vênus evidenciou a presença de estresse importante e sensação de

esgotamento por não estar conseguindo administrar o tempo para dar conta das inúmeras

atribuições que assumiu, como monitoria e pesquisa. Possui uma rotina muito desgastante e

num ritmo acelerado, como se vê no trecho abaixo:

(...) é... eu estou num momento muito abalado porque eu estou com uma carga horária
muito grande lá porque eles puxam muito, porque eu tou (sic) na pesquisa, na
monitoria, aí fica uma coisa muito puxada, ando estressada. Minha mãe disse que se
eu continuasse na monitoria e na pesquisa, não continuasse como bolsista porque ela
disse que já percebeu que eu não estou suportando, é complicado, são muitas
matérias (...) chego em casa de 00h e tenho que acordar de 4h para vir para cá
novamente, então não dorme, não come direito porque aqui não dispõe de uma
alimentação muito, assim, não que não tenha, mas se for pro (sic) RU [restaurante
universitário] não tem tempo de ir pro (sic) RU porque não dá tempo entre uma aula e
outra, se for comprar por aqui, não tem comida que seja saudável suficiente, então
você acaba descontrolando sua alimentação. Comer qualquer coisa isso também
afeta, já não tem mais concentração para estudar, eu durmo na aula frequentemente
porque já está assim acima do meu limite.
107

Rodas et al. (2010) mostram que o surgimento do estresse em estudantes universitários

pode estar relacionado com a sobrecarga acadêmica, o alto volume de atividades e a falta de

tempo para cumpri-las e também destacaram as mudanças nos horários de alimentação e de

sono/vigília como desencadeadores de alterações nas condições de saúde. Outras pesquisas

também chamam atenção para a má administração e falta de planejamento do tempo, que

transmitem a constante sensação de falta de tempo, configurando-se como um grande aliado

no surgimento do estresse em estudantes (Cerchiari, 2004; Misra & McKean, 2000).

A respeito da dificuldade de administrar o tempo, destaca-se a dificuldade de Vênus

em fazer escolhas, assumindo inúmeras tarefas, as quais lhe sobrecarregam. Ela não se

permite ponderar sobre a possibilidade de dizer não a algumas coisas que não lhe fazem

sentido, age por assim dizer no “automático”, como se fosse obrigada a abarcar tudo por

imposição do outro, mesmo ao se perceber adoecendo, com alto nível de estresse e tristeza por

se sentir incapaz.

Heidegger (1965/2012) explica sobre a vontade de querer que perpassa o homem

moderno, na qual há o predomínio da técnica e a ausência da meditação, de modo que se

institucionaliza a impossibilidade de estabelecer referência ao que seria digno de ser

questionado, como o agir irrefletido, assumindo a necessidade de corresponder a tantas tarefas

que lhes são solicitadas. O homem não se dá conta da essência dessa vontade, sendo entendida

como vontade humana, embora a uniformidade do mundo da vontade de querer expõe o quão

é distante da simplicidade do originário e do singular do ser.

A vontade de querer assume então o discurso de ‘tarefa’. Não se pensa a tarefa na


perspectiva do originário e de sua preservação, mas como meta atribuída do ponto de
vista do “destino”, e que assim justifica a vontade de querer (Heidegger, 1965/2012, p.
78).
108

Estimulada a meditar sobre cada uma de suas atividades e sobre esse modo de existir

que vem assumindo, diz:

(...) do que adianta eu tá querendo uma coisa pro futuro se quando eu conseguir o que
eu quero eu não vou ter é capacidade mental o suficiente, nem saúde o suficiente pra
aproveitar daquilo que eu queria? Então eu acho que eu vou priorizar essa parte
porque realmente eu não tenho tempo pra nada e quando tem, no final de semana, não
é nem questão de querer, eu preciso dormir. O esgotamento é tão grande que eu só
preciso dormir, não preciso mais nada, só dormir.

... o que denota uma posição algo depressiva em contraste com a luminosidade

venusiana, referente à analogia do título, que é importante ser redescoberta. Vênus ao narrar

seu cotidiano chega a cansar, fica com a respiração profunda e se percebe alterada, chora e diz

não aguentar mais, chegando a pensar em desistir do curso:

(...) já pensei em desistir porque é muito pesado, então eu já disse: ah, eu vou desistir
para fazer uma coisa bem mais fácil porque tá cansativo, mas aí depois eu penso, mas
foi o que eu escolhi e o que eu quero (...) muita coisa e eu já pensei em desistir do
semestre, de sumir daqui... e eu nem estudo mais pras (sic) provas ultimamente, digo:
– Vou fazer a prova com as coisas que eu aprendi na aula porque eu num tou (sic)
com capacidade pra estudar mais porque eu não consigo! Eu tou (sic) muito exausta e
mesmo que eu me esforce pra estudar, não vou fixar porque eu estou muito cansada.

Heidegger (1987/2009) afirma: “É que o sofrimento só consegue ser experimentado

passivamente, ou seja, como o que se opõe à ação” (p. 86). O modo de existir de Vênus está

sendo tão exausto que ela paralisa, não estuda mais e pensa em desistir do curso, mesmo

diante do sonho de ser Engenheira. É um ritmo tão acelerado que não lhe permite pensar em

possibilidades diante da limitação que o estresse está lhe gerando, apontando para um poder-

ser que está privado, como nos casos de um adoecimento. Heidegger (1987/2009) mostra o

quanto o ser é absorvido, sem conseguir se desviar:


109

(...) a dor já é o indício de que ela foi atingida pelo acontecimento doloroso na
juventude e ainda continua sendo. Mas ela não se deixa envolver por esta dor da qual
ela é consciente, senão não poderia ser uma dor para ela. É um desviar de si como si
mesmo, o eu está sendo constantemente atingido pela dor. Neste desviar de si mesmo
ela se reconhece de modo não-temático, e quanto mais ela exerce este desviar tanto
menos tem consciência dele e é absorvida no desviar, sem reflexão (p. 208).

O tempo do mundo hodierno é o da automação. Incita menos a reflexão, preenchido

por ocupações desviantes que tomam o ser em sua totalidade, impedindo-lhe de pensar o

sentido de ser, o que acaba por aguçar a angústia existencial, pois quanto menos se dá atenção

ao sentido de ser, mais ele apela para ser pensado. “Aquilo com que a angústia se angustia é o

ser-no-mundo como tal” (Heidegger, 1927/1995, p. 249), decorrente da fuga de si mesmo, ao

cair no mundo das ocupações, decaindo no impessoal.

A angústia é uma disposição de abertura privilegiada da pre-sença, oferecendo a esta a

possibilidade de abrir o mundo como mundo, projetando-a em seu potencial criativo, em

outras e sábias palavras: “Na pre-sença, a angústia revela o ser para o poder-ser mais próprio,

ou seja, o ser-livre para a liberdade de assumir e escolher a si mesmo” (Heidegger,

1927/1995, p. 252), como também aponta Costa (2006), “O tema sofrimento, portanto,

remete-nos necessariamente à noção de angústia, que, por sua vez não implica uma definição,

mas antes uma interrogação das relações do sujeito consigo próprio e com o mundo” (p. 10).

Heidegger (1927/1996) discorreu sobre o clamor da consciência e evidenciou que este

surge no apelo, numa aclamação de si mesmo para si próprio, num atitude de tentar empurrar

o impessoal para a insignificância, em suas palavras: “o clamor característico da consciência é

uma aclamação do próprio impessoal para o seu si-mesmo; tal aclamação é a conclamação da

pre-sença em suas possibilidades” (p. 60).

Vê-se o desviar do sentido do ser e a impessoalidade acirradas pelo curso de C&T, na

medida em que se apresenta com carga horária considerada exaustiva e alto nível de

exigência, cobrando dos alunos dedicação máxima de tempo, além da competitividade


110

estimulada entre os colegas que precisam garantir um bom histórico para poder disputar a

vaga na Engenharia que quer ao final do primeiro ciclo. O curso de C&T é conhecido pelo seu

alto grau de dificuldade quanto à permanência e principalmente conclusão, bem como pela

prevalência de estudantes exaustos.

As pessoas dizem: – Você é louca de ter escolhido isso! Porque as pessoas já sabem
que quando chega é realmente difícil, é muito complicado e também porque eu
percebo que realmente um problema de quase todos os alunos porque é muito
estressante e você percebe que é; num é um ou dois, é muita gente, as pessoas
reclamam que não dormem, que tem insônia, que não se concentram mais na aula,
atualmente no meu grupo de pesquisa tem algumas pessoas que estão se afastando
porque foi tão complicado que começou a ficar doente porque não se alimentava, não
dormia, afetando a saúde também e é muito perceptível porque a pessoa chega lá,
todo mundo, você encontra as pessoas cansadas porque não tem tempo de dormir
porque é tão cansativo.

Vênus também ressaltou que há Engenharias que são mais disputadas e que os

próprios professores alimentam a competição, uma vez que sugerem quais as Engenharias que

estão bem no mercado, indicando as disciplinas que devem ser cursadas, priorizando umas em

detrimento de outras, o que segundo Vênus é negativo, pois é contraditório à ideia da

formação generalista, em que o aluno deve entrar em contato com todas as disciplinas para ele

mesmo escolher o que quer e não ser conduzido a priorizar a Engenharia que todos querem.

Sobre isso, disse:

(...) eu entrei com o objetivo de fazer Engenharia de Petróleo, só que quando cheguei
os professores, alguns chegaram pra mim e falaram: – Não faça Engenharia do
Petróleo, não tem mercado, formou um bocado de alunos e eles tão sem trabalhar e
tal!

Enfatizou muito a dificuldade pela má preparação obtida no ensino médio, comentou

que os professores partem do princípio que os alunos dominam determinados conteúdos, o

que geralmente não procede. Sente-se perdida, sem saber como estudar determinadas matérias
111

e destaca também a grande diversidade social em sala de aula que gera um grande número de

alunos que não conseguem acompanhar a aula, o que é bastante desmotivador, segundo ela.

Misra e McKean (2000) atentam para o fato do estudante ter de desenvolver técnicas eficazes

de estudo para conteúdos que não estava familiarizado no Ensino Médio, assim como

aprender a lidar com os novos métodos de ensino, aprendizagem e avaliação do nível

superior, como possíveis desencadeadores de estresse, sendo, portanto, fundamental

orientação acadêmica por parte da equipe pedagógica na tentativa de auxiliar o aluno nesse

processo. Sobre isso, Vênus relata:

(...) o Ensino Médio não possibilitou que eu tivesse conhecimento que necessitei
quando eu cheguei porque tinha muitas coisas que os professores diziam que a gente
tinha que ter aprendido no Ensino Médio, só que em Natal o Ensino Médio não é do
jeito que eu acho que eles pensam que é (...) tive dificuldade quando cheguei no curso
por cobranças muito grandes por coisas que você não viu, mas que o professor às
vezes acha que você tem obrigação de saber e não ensina e você fica tipo perdida no
assunto logo quando entra (...) eu reprovei nas matérias que todo mundo reprova no
primeiro semestre, mas mesmo assim eu não gostei de ter reprovado porque agora no
segundo semestre teve matérias que eu não pude pagar porque fui reprovada e ao
mesmo tempo tinha matérias que eu tinha que pagar que seria um semestre e mais as
do primeiro semestre e vai acumulando e fica muito pesado porque você não sabe se
se dedica as do primeiro ou as do segundo e eu tive que pagar também duas matérias
optativas por causa da pesquisa, então ficou muito pesada pra mim a carga horária
(...) É um contraste da vida do Ensino Médio pra Graduação, é um contraste muito
grande. Se já é um contraste pra mim que venho de uma escola particular, imagine
para quem vem de escola pública que muitas vezes não tem professores (...) Quando
eu paguei álgebra pela primeira vez e os professores tinham que dar acesso aos
alunos se eles tiverem dúvidas e se não tiver monitor e eu cheguei para o professor e
eu disse que não estava compreendendo o assunto porque era muito complicado pra
mim porque eu nunca tinha visto, aí ele disse: – Eu não posso lhe ajudar porque eu
não tenho tempo e também não tem monitor, então você vai ter que pegar um livro e
estudar! Aí eu com um bocado de matéria pra estudar, ainda ter que estudar sozinha
isso daqui é muito complicado (...) professor de física porque ele estudou no ITA e
quer usar a mesma metodologia e tem essa questão de metodologia porque não é
apropriada pra os alunos que tão chegando em C&T. Tem alunos de escola que tem
muito bom ensino e conseguem compreender, mas tem alunos que não, é uma coisa
bem misturada.
112

Vênus volta a ressaltar o insuportável do seu cotidiano com a sobrecarga com muitas

atividades e disciplinas e fala a respeito de seu incômodo por não estar mais conseguindo

memorizar o que precisa. A quantidade de informação que chega é muito grande, mas pouca

coisa fica, o que a deixa preocupada:

(...) em C&T é o assunto todo jogado de uma vez, é muita coisa pra você acumular, é
uma carga de conteúdos muito grande é uma prova atrás da outra, tudo ao mesmo
tempo, você não sabe o que focar, se você estuda pra uma coisa ou pra outra. É muita
coisa, é bem complicado (...) cálculo que exige muita concentração, muita fórmula,
essas coisas assim, é bem complicado porque também eu tou esquecendo das coisas
(...) esqueço muito rápido das coisas. E as matérias de cálculo precisam para
memorizar, né? Acaba complicando esse negócio de esquecer.

Outro ponto destacado pela colaboradora foi em relação às aulas dadas em anfiteatros

com muitos alunos presentes, o que para ela são prejudiciais, pois dispersam e a impedem de

se concentrar. Queixou-se também dos professores que segundo ela têm prazer de reprovar e

são conhecidos por isso, gerando o receio nos alunos desde a matrícula:

(...) você chega numa sala com 140 alunos pra você prestar atenção ou muitas vezes
focar, às vezes não consegue porque é muita gente ao mesmo tempo e o professor não
consegue se dedicar a todos, então ele tem que passar de uma forma muito geral
porque é muita gente. Eu acho que se fossem salas menores ou até turmas menores
acho que ajudaria porque as matérias que eu tou (sic) pagando com turmas menores
tão sendo bem mais compreensivas porque o professor tem mais direcionamento ao
aluno porque quando você paga com muita gente, aí um aluno tá falando e outro
também e o professor não tem controle muitas vezes, ou então essa questão do medo
de reprovar. Tem professor que tem orgulho de dizer eu reprovei 100% da turma,
outro 90% da turma e, tipo, eu não sei o porquê deles se engradecerem.

A aluna se sente muito só e chega a ter vontade de conversar com a professora, mas

reclama de não ser escutada e não ter espaço para falar. Gostaria de dizer:

– Professora, assim, é o seguinte: tá complicado, mas não tem como falar (...) não
escuta a gente, então os professores cobram muito, ah, você não tá dando prioridade
113

para as questões das disciplinas, mas não é questão de prioridade, é questão de tempo
e de concentração porque mesmo que eu consiga tempo, eu não vou estar concentrada
porque estou muito cansada.

Verifica-se o quanto seria importante para Vênus um espaço para que ela pudesse falar

sobre isso e receber orientação adequada desde relativa ao âmbito acadêmico, no sentido de

que disciplinas deve pagar, como conciliar as que reprovou com as do semestre vigente,

aprender a estudar disciplinas consideradas por ela mais difíceis, bem como no âmbito

pessoal, um espaço em que pudesse refletir sobre as escolhas que vem fazendo, meditando

sobre o sentido do seu cotidiano em sua vida, aprendendo a dizer sim e não ao que lhe é

solicitado. É preciso interromper esse modo-de-ser automático e adoecedor em que Vênus se

encontra.

Sobre a importância do pensar, Heidegger (1987/2009) afirma: “A arte de pensar é

dada por um modo extraordinário de sentir e escutar o silêncio do sentido, nos discursos das

realizações” (p. 13), e completa: “Pois a fala do pensamento é escutar. Escutando, o

pensamento fala. A escuta é a dimensão mais profunda e o modo mais simples de falar” (p.

15).

Vênus não consegue se escutar, nem interrogar a tristeza e o estresse que lhe tomam e

fazem com que ela descarregue nas relações com o mundo, com os outros e consigo mesma.

Então eu fico guardando e guardando, aí chega um momento que não dá mais, que eu
explodo e que é... assim sempre acontece... (...) É porque não só em mim porque
também isso afeta minhas relações porque eu me estresso, me canso e às vezes é tão
exposto que eu acabo afetando outras pessoas, as pessoas próximas, minha família,
meus amigos.

Heidegger (1987/2009) evidencia que “Numa tristeza só é possível mostrar como um

homem é solicitado, e como sua relação com o mundo e consigo é modificada” (p. 118).

Nessa experiência de sofrimento e esgotamento físico e emocional, Vênus tem percebido


114

modificações em seu existir e nas suas relações, o que também tem lhe preocupado, pois sente

como se perdesse o controle. No decorrer da entrevista, Vênus pode ir se interrogando sobre

tudo o que vem fazendo e como poderia passar a fazer de modo a tentar se sentir mais dona de

sua própria vida. Ela fala de uma posição que parece a de um robô que age repetidamente e

sem parar, precisando sair desse lugar objetificado para assumir as rédeas de sua vida e passar

a existir com seu modo-de-ser próprio.

Segundo Feijoo (2011), “esse mover-se incessante sem sair do lugar remete-nos ao

desespero dos possíveis por carência dos necessários (...) Sem necessários, o homem da Era

da Técnica perde totalmente o interesse por si mesmo e se perde na poeira dos possíveis” (p.

174). Acrescenta ainda que o homem acaba se distraindo de variadas formas, como através do

excesso de diversão ou de trabalho, escapando de encarar a angústia que clama e questiona o

que de fato está acontecendo.

Heidegger (1927/1995) alerta para o fato de que na cotidianidade o Dasein está

encoberto para si mesmo na sua constituição essencial como ser-no-mundo, dadas as

ocupações e preocupações que fazem com que o Dasein se perca de si mesmo, decai e foge de

si e nem percebe que cai e foge, mas quando ele se descobre como ser-no-mundo, encontra a

si mesmo na sua originariedade, tornando transparente para si mesmo o seu modo de ser e,

com isso, liberta as possibilidades autênticas do conhecimento.

É na cotidianidade que Vênus mantém encoberto esse fato originário do Dasein ser ele

próprio o des-encobridor, de ser a condição de possibilidade do mundo. Essa transparência

libera a verdade e a liberdade do ser.


115

5.2.3 Marte

O planeta vermelho ilustra aqui um estudante em estado de alerta que está em Regime

de Observação do Desempenho Acadêmico do Discente (RODA), pela falta de êxito em mais

da metade da carga horária matriculada e se encontra paralisado diante da desmotivação e

insatisfação com o curso de C&T. Apresentou-se bastante cabisbaixo, triste e afirmou não ter

mais vontade de estudar.

Marte tem 19 anos de idade e, na ocasião da entrevista, estava no terceiro período. É

socioeconomicamente carente, mora na residência universitária, sua família é simples e tem

dificuldades financeiras. Seus pais são separados, não tem muito contato com sua mãe, nem

com seus oito irmãos, frutos de relacionamentos do seu pai com várias mulheres. Mantém

contato apenas com um irmão mais velho que já é casado, tem filho e sempre o acolheu nas

vezes em que Marte brigava com seu pai ou com sua madrasta. Afirmou que a relação com

esse irmão é muito boa e o considera como um segundo pai. Afirmou que seu pai sempre

sonhou ter um filho Engenheiro, o que também era apoiado por seu irmão mais velho. Por

esta razão, escolheu C&T com a pretensão de se formar em Engenharia. Realizar o sonho de

seu pai e a missão que assumiu de ajudar financeiramente a família foram as principais

questões surgidas nesta entrevista.

Marte iniciou falando que o curso é muito difícil e é conhecido por ter o maior índice

de reprovação na universidade. Disse que para ele era ainda mais difícil, pois “não é uma área

que eu gosto. É uma área que eu fui fazer só por ganância”. Ressaltou a preocupação com a

questão financeira e disse que essa foi a grande causa para ter escolhido C&T, mas que na

verdade adoraria ser escritor e por isso pensa constantemente se não deveria fazer Letras, mas

desiste por acreditar que o mercado de trabalho é péssimo. Sobre a dificuldade do curso,

afirmou:
116

(...) na verdade, nesses últimos dias eu parei de estudar, eu não entendo, eu começo a
ler e não entendo, a maioria dá pra você estudar, mas química tecnológica eu tenho
uma dificuldade enorme. Eu nunca gostei de química. Desde o Ensino Médio eu nunca
estudei química direito, também eu venho de escola pública, aí era bem tranquilo,
tipo, você não fazia nada e passava. E também no segundo ano do ensino médio eu
não fiz química, não tinha professor. Aí por isso também eu hoje não sei nada de
química (...) aí eu começar a estudar química tecnológica que é muito difícil, aí o
caba (sic) estuda com raiva.

Foi difícil ouvir desse aluno que ele não teve a oportunidade de estudar e aprender

química no seu Ensino Médio e de repente entrou no Ensino Superior sem ter condições de

pagar as disciplinas a contento. Vê-se aqui um sério problema social: o ensino público

brasileiro deixa muito a desejar com sua precariedade, estagnação, baixos salários dos

professores, falta deles, espaços deteriorados e principalmente ensino de má qualidade.

Numa tentativa de aplacar a desigualdade dos que tem o privilégio de uma educação

digna, o governo brasileiro resolveu ampliar o acesso à universidade com o Programa de

Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Na teoria, o REUNI deveria

ampliar não só o acesso, mas também garantir a permanência, o que não ocorre, posto que

com a maior oferta no número de vagas, os estudantes entram sem nivelamento na

universidade, contemplando aqueles que tiveram um ensino fundamental e médio deficitário e

que dificilmente alcançariam o nível superior, no entanto estes mesmos alunos não

conseguem lograr êxito, pois lhes falta a base necessária para progredir.

É importante dizer, contudo, que dar oportunidade a essa grande parcela que

anteriormente não se aproximava do universo acadêmico é louvável, mas essa iniciativa

precisa se concretizar na realidade, no sentido de se pensar urgentemente em alternativas para

lidar com esse problema que se impõe. Uma vez dentro da universidade, o que se pode e deve

fazer para que o estudante consiga acompanhar o curso? Pois, de outra forma, a desigualdade

permanece, só muda de lugar, já que estes estudantes permanecerão à margem, aumentando

os índices de reprovação, trancamento e evasão, sem falar das inúmeras consequências no


117

âmbito emocional, como por exemplo, sensação de incompetência e inferioridade, como se vê

no caso em questão.

Marte foi questionado sobre como se sentia diante dessa situação, ao que ele

respondeu:

(...) a pessoa se sente meio inferior porque grande parte vem de escola particular.
Tem escola pública que é boa, mas a que venho do interior não. Eu moro na Paraíba,
numa cidade de três mil habitantes. A universidade é maior que a área urbanizada da
cidade. É bem inferior mesmo. Eu não sei o que vou fazer.

O curso de C&T inicialmente lhe pareceu uma ótima oportunidade de realização pela

possibilidade de ingressar no nível superior de um modo mais fácil, tendo em vista a baixa

concorrência, o que não lhe exigia ter uma boa base para concorrer. Além disso, era a grande

chance de se tornar engenheiro e satisfazer seu pai e poder ajudar sua família. No entanto, ao

ingressar começou a se sentir mal por se perceber incapaz de continuar o curso, já que não

conseguia acompanhar as matérias pelo alto grau de exigência do curso. A sensação de

inferioridade e incompetência tem lhe acompanhado e lhe impedido de seguir adiante, pois ao

mesmo tempo, não se identifica com o curso, com as disciplinas e tem sua habilidade e

interesse voltado para uma área bem divergente, a escrita literária.

É muita coisa pra estudar. O professor de cálculo tem dia que passa 68 questões num
dia. E no mínimo num dia ele bota 30 e pouco. E tem aula nos 5 dias da semana. (...)
Fica difícil. Muita coisa pra estudar (...) Nessa última semana, eu tou (sic) realmente
sem estudar. Eu tou (sic) só em casa escrevendo meu livro. As melhores ideias vem
quando a pessoa tem muita coisa pra estudar. Tem uma prova, tem que estudar muito
pra amanhã, aí vem uma ideia muito legal, aí eu acabo escrevendo (...) não sei se era
pra fazer isso, mas eu fico muito mal, fico triste, queria gostar do curso, conseguir
estudar, mas quando tento, não consigo e me chateio, perda de tempo (...) queria ficar
melhor, me sentir bem, não gosto de ficar quieto num canto, aí quando tou (sic) muito
mal, deixo pra lá e começo a escrever, aí fico melhor.
118

Ricoeur (1994) ao discorrer sobre sofrimento afirmou que o primeiro sentido de sofrer

é: “suportar, isto é, perseverar no desejo de ser e no esforço de existir apesar de...” (p. 69).

Observa-se que Marte, ao dizer que fica mal, sofre por estar no curso de C&T, curso que lhe

faz se sentir incompetente por não conseguir acompanhar as aulas, estudar e aprender a

matéria, mas pincipalmente, por ser um curso que tem um conteúdo que não lhe interessa, não

lhe apetece, fazendo-o pensar que está desperdiçando seu tempo. Seguindo o pensamento de

Ricoeur, Marte sofre não apenas por estar se sentindo triste, mas, mormente, por perseverar

no desejo de ser quando se volta para sua escrita literária e se sente melhor, esforçando-se

para existir fazendo algo que lhe dá prazer.

A sensação de ter o tempo desperdiçado, de sentir-se mal, de fazê-lo questionar se está

fazendo a coisa certa, evidencia certo incômodo com sua existência, como se estivesse

ouvindo um apelo para que pense em seu sentido de existir. É a consciência, ou melhor

dizendo, é o ser-no-mundo que clama! Heidegger (1927/1996) enfatizou: “Só é atingido pelo

clamor quem se quer recuperar” (p. 57), atentando para o fato de que é necessária uma faísca

que se alastre para se tornar fogo, o que dá para se ver em Marte.

Ele experimenta algo como um vazio existencial e ao mesmo tempo deseja ficar

melhor, quer se recuperar e o faz: escreve! Então, surge a dúvida: dedicar-se à escrita ou não?

O que está implicado nessa questão? Marte se mostra bastante confuso sobre isso e diz que

não tem pensado muito a esse respeito porque fica “nervoso”, pois se sente obrigado (sic) a

continuar e se tornar engenheiro, mas ao mesmo tempo, se sente impossibilitado, pois acaba

se voltando para o que gosta de fazer e diz: “é difícil remar contra a maré, eu queria gostar,

mas o curso não ajuda, é muito difícil, aí quando vejo tou (sic) lendo ou escrevendo no meu

livro”.

Marte enfatiza que está escrevendo um livro e em sua fala deixa claro que prioriza e

dedica seu tempo à escrita desse livro, o que se torna bastante compreensível diante de sua
119

dificuldade com as disciplinas de C&T e a desmotivação com o curso que é particularmente

realçada pelo grande envolvimento com a Literatura. Afirmou que escreve há bastante tempo

e que seu grande sonho seria poder se tornar escritor para os jovens. Logo, pediu desculpas

por estar mudando de assunto, mas foi tranquilizado e teve esse espaço disponibilizado para

que falasse mais sobre isso. A pesquisadora, portanto, demonstrou interesse por sua história e,

sobretudo, pelo que lhe move no sentido de sua autorrealização e satisfação.

Faz tempo que escrevo, mas assim, antigamente era mais infantil, aí agora não, eu tou
(sic) num nível que eu leio, do que eu costumo ler (...) Escrevo sobre fantasia, fantasia
medieval. Eu queria fazer uma coisa diferente, aí eu pensei numa ideia meio absurda,
mas assim quando você se acostuma com essa ideia, aí fica melhor, aí é tipo... umas
aldeias medievais, aí cada um nessa cidade tem uma espécie de instrumento musical...

Marte segue narrando com bastante entusiasmo um pouco de sua história que envolve

fantasia medieval, música e folclore brasileiro; planeja sua escrita, como se vê:

(...) antigamente quando eu era mais imaturo eu escrevia porque tem tipos de escritor:
o que sai improvisando, eu era assim, eu saía escrevendo do nada, mas assim para
mim não funciona, a pessoa tem que ser planejador, mas tem escritor improvisador
que é ótimo, mas no planejamento você faz todo o esboço da sua história e já sabe o
que vai acontecer até o último livro e daí você escreve.

É digno de nota que mesmo sem compartilhar sua dúvida com o outro ao longo de seu

percurso em C&T, Marte solitário, distante, muito distante do barulho encontrado ao chegar

aí, possivelmente expressa suas sofridas vivências quando compõe seu livro. Aliás, “a

linguagem não é só fala (...) eu também posso dizer algo sem som, silenciosamente”

(Heidegger, 1987/2009, p. 46, 124) e ele o faz à medida que escreve. Sobre isso, observou-se

também que houve uma nítida mudança corporal e em seu estado de ânimo quando Marte

começou a falar sobre seu livro e o gosto pela leitura, ficando com a cabeça erguida, o tom de

voz mais alto e com uma alegria contagiante, diametralmente oposta à apatia com que chegou.
120

Ressalta-se que Merleau-Ponty se debruçou no conceito de corpo, como sendo um

campo privilegiado de entrelaçamento com o mundo e a expressão visível das próprias

intenções do ser-aí, destacando que as posturas corporais oferecem a cada momento uma

noção de como o ser está se relacionando com o mundo, os outros e consigo mesmo

(Gonçalves, Garcia, Dantas & Ewald, 2008).

Refletindo-se sobre a escolha do curso, ele disse:

A minha família... foi ela que me colocou pra C&T praticamente, aí tem sempre essas
coisas, era pra eu ter feito Letras, eu acho (...) meu pai é bastante agressivo, de gritar.
Aí agora ele tá me tratando super bem também porque tou (sic) fazendo Engenharia.
Eu fico assim porque para ele Letras não é uma coisa tão bonita, não parece tão
importante quanto Engenharia. Aí ele fica dizendo a todo mundo que vou ser
engenheiro.

A busca pelo reconhecimento social, status da Engenharia e a crença da desvalorização

de Letras, fê-lo decidir por C&T, afinal, “na maior parte das vezes, a presença sucumbe ao

impessoal e por ele se deixa dominar” (Heidegger, 1927/1995, p. 226), posto que estar no

impessoal, ou seja, o ser-no-mundo mesmo decadente pode ser tranquilizante por assegurar

que tudo “está em ordem” numa espécie de alienação que oculta o poder-ser mais próprio.

Percebe-se uma forte influência familiar e uma visível atitude de correspondência ao

desejo do outro, sem ponderar sobre seu desejo genuíno. Por conseguinte emerge uma

negação de viver que lhe gera sofrimento, como já se disse antes quanto ao estado emocional

de desmotivação, tristeza e apatia. Vê-se a impessoalidade quando Marte abre mão do seu

projeto e adota o do outro, seu pai. Marte ao ter feito a escolha por C&T assumiu um modo de

ser impessoal que clama pelo modo de poder-ser si-mesmo (Heidegger, 1927/1996).

Marte de algum modo grita por socorro quando decide deixar de lado a escolha que

não condiz com seu desejo de ser, ocupando-se, sobretudo com a escrita, mas também com
121

outras coisas; nesse sentido, escuta-se Heidegger (1987/2009) quando refere: “cada vez mais

me ocupo de outras coisas para que esse desagradável escape” (p.208).

Eu sempre tento me... eu tava muito triste sabe... porque eu ficava assim... como se eu
estivesse no lugar errado, sei lá... como se eu não era pra tá fazendo o que tou (sic)
fazendo, não sei, é tipo... bizarro, tipo assim... mas agora nesses últimos meses eu tou
(sic)... é porque eu tou (sic) deixando o curso de lado, num era pra ser assim, mas é
por isso que tou (sic) melhor porque eu fui participando de várias coisas, aí tem um
grupo de evangélicos na universidade que se reúne. Inclusive hoje tem. Aí eu vou, aí
também eu vou num grupo de RPG, aí eu vou ali perto da ECT, aí também tou (sic) no
Taekwondo, escrevo meu livro (...) eu acabei deixando mais ainda C&T de lado. Eu
vou na aula de cálculo, só que não acompanho a aula, aí prefiro ir pra casa, num era
pra preferir, mas sei lá, prefiro.

A pre-sença é essencialmente ser-com, como pensa Heidegger (1927/1995), e o ente

com quem a pre-sença se comporta enquanto ser-com define o que o filósofo denomina de

preocupação. Atenta-se para os modos deficientes de preocupação, por exemplo, no caso de

ser para o outro, como se fosse um reflexo do outro em si mesmo, observado no modo de ser-

com de Marte na relação parental.

Verifica-se a co-presença no modo da estranheza quando Marte assume ser em nome

de familiares, especialmente seu pai e irmão mais velho. O que lhe parece estranho é o modo

de ser que vem assumindo e que não é coerente com sua particularidade e desejo singular de

dar vazão à veia literária que possui, então, de alguma maneira, passa a ter consciência sem

entender bem que algo não está no seu devido lugar, em outras palavras, está fora de órbita;

“estranheza significa igualmente ‘não se sentir em casa’” (Heidegger, 1927/1995, p. 252).

Esta sensação é característica da angústia que possibilita ao ser assumir a responsabilidade de

ser-livre para escolher se apropriar de si mesmo, uma vez que a angústia é uma abertura

privilegiada que singulariza o ser-no-mundo, projetando-o para possibilidades.

Heidegger (1927/1996) afirmou: “A consciência é o clamor da cura que, a partir, da

estranheza do ser-no-mundo, conclama a pre-sença para assumir o seu poder-ser e estar em


122

débito mais próprio” (p. 77). Um pouco mais à frente, disse que “(...) toda a experiência da

consciência faz, em primeiro lugar, a experiência de ‘culpa’” (Heidegger, 1927/1996, p. 79).

Na fala de Marte, isso se observa quando ele revela sua tristeza e frustração de não ser

ele mesmo em sintonia com seu desejo, priorizando atividades diversas em detrimento do seu

curso de C&T. Ressalta-se, no entanto, que preencher o espaço e o tempo se configura como

mais uma fuga de pensar o sentido e assim perpetua seu desânimo pela falta de realização e

por estar calando seu desejo de ser mais autêntico, mantendo-se no modo de ser impessoal.

O impessoal é um existencial e, enquanto fenômeno originário, pertence à constituição


positiva da pre-sença (...) Enquanto o próprio-impessoal, cada pre-sença se acha
dispersa na impessoalidade, precisando ainda encontrar a si mesma. Essa dispersão
caracteriza o ‘sujeito’ do modo de ser que conhecemos como a ocupação que se
empenha no mundo que vem imediatamente ao encontro (Heidegger, 1927/1995, p.
182).

A pre-sença se encobre em seu modo de ser cotidiano/impessoal, fazendo-se

necessário barrar o ciclo de vivências que o absorve e assim possibilitar a singularidade. É

importante dar ouvido à estranheza sentida na particularidade de Marte, fazendo com que seja

colocada diante de si mesmo, dando chance a compreensão do seu clamor.

Considerou-se, então, relevante meditar e ponderar um pouco na entrevista sobre as

escolhas que tem feito no âmbito profissional, por se entender que a escolha profissional não é

apenas a escolha de um curso, mas reflete um modo de ser e indo além, diz do que pode lhe

ocupar a maior parte do tempo, o conteúdo com que irá se debruçar, com o que poderá

trabalhar, enfim define um estilo de vida, e por isso, compreende-se o valor da opção

profissional como forma de realização pessoal.

Dito de outro modo, a escolha profissional tem o potencial de ressalvar a compreensão

que se tem de si e o questionamento de sua existência, o qual sempre só pode ser esclarecido

pelo próprio existir (Heidegger, 1927/1995). Fala-se aqui da compreensão existenciária, a


123

qual, de acordo com Heidegger (1927/1996), significa: “projetar-se para a possibilidade fatual

cada vez mais própria do poder-ser-no-mundo” (p. 85).

Marte afirmou que muitos de seus colegas também entram em C&T desejando outro

curso, mas o escolhem pela facilidade do ingresso, já que a concorrência é muito baixa, o que

faz com que o curso apresente altos índices de evasão, além do sofrimento que gera em

estudantes que precisam dar conta de um curso de alto nível de exigência sem se identificar

com ele. Em acordo com essas observações, a pesquisa de Gonçalves e Benevides-Pereira

(2009) evidenciou que muitos problemas e dificuldades percebidos em alguns estudantes

podem significar desconforto em relação à escolha profissional.

Ao pensar e falar sobre o curso de Letras e acerca do quanto se sente deslocado em

C&T, Marte se mostra muito confuso e com dúvidas: “não sei se seria um absurdo largar

C&T pra fazer Letras, acho que ninguém vai concordar comigo, deixar de ser engenheiro

para ser o quê? É difícil, num é fácil não”. Heidegger (1927/1996) esclarece que “a pre-sença

já está e, talvez sempre esteja, na in-de-cisão (...) A decisão significa deixar-se conclamar a

partir da perdição no impessoal” (p. 89).

O encontro no ponto de vista fenomenológico-existencial, fundamentado no ser-com e

no pôr em questão o sentido de ser da pre-sença, comporta a escuta do clamor da consciência

que está solta no impessoal, permitindo o des-encobrimento do poder-ser autêntico e possível

no impessoal.

A entrevista seguiu com Marte aprofundando a ideia de mudar de curso; ele foi se

sentindo melhor ao falar sobre Letras e começou a enxergar então novas possibilidades:

“Letras, o mercado não é tão aberto. Tem bastante professores, mas se a pessoa for fazer

mestrado, doutorado eu acho que tem campo”. Estava bastante triste, mas saiu mais animado

e motivado ao se permitir interrogar o que está dado, (im)posto, cogitando a possibilidade de


124

cursar Letras. Heidegger (1927/1996) diz: “o ser da pre-sença é poder-ser e ser-livre para as

suas possibilidades mais próprias” (p. 105).

Atenta-se para a importância de uma interpretação ontológica que conquiste o ser

contra sua tendência própria de encobrimento; nesse sentido, considera-se o valor da

entrevista por ter possibilitado o desvelamento dos sentidos quanto à escolha profissional de

Marte, fazendo-o refletir também sobre a permanência num curso com alto grau de exigência

que o faz se sentir inferior por não conseguir dar conta e insatisfeito com o que está

estudando.

Outro aspecto que se evidencia é a compreensão de si mesmo com uma sensação de

estranheza e sofrimento, não obstante, permitindo-se questionar o que está em jogo em sua

existência e ponderar sobre seu desejo. Ressalta-se a importância de ter se dado atenção à

compreensão que Marte tinha de si, mesmo aquela para a qual ainda não tinha refletido, pois

“a pre-sença sempre se compreende em seu ser” (Heidegger, 1927/1996, p. 38) e é sendo que

se dá a existência e sua compreensão, além de que “A interpretação fenomenológica deve

oferecer para a própria pre-sença a possibilidade de uma abertura originária e, ao mesmo

tempo, da própria pre-sença interpretar a si própria” (p. 194).

Heidegger (1927/1995) anuncia os conceitos de propriedade e impropriedade como

sendo os dois modos de ser da pre-sença, a qual é essencialmente sempre sua possibilidade e,

por isso, ela pode em seu ser, ou seja, sendo, escolher-se, ser chamada a apropriar-se de si

mesma. Destaca-se que não há uma valoração no sentido da impropriedade ser inferior,

representando apenas um modo distinto e possível de ser, “constitui justamente um modo

especial de ser-no-mundo em que é totalmente absorvido pelo ‘mundo’ e pela co-presença dos

outros no impessoal” (p. 237) e é através das crises do projeto impessoal que nasce a

singularização (Feijoo, 2011).


125

Marte demonstrou estar no modo de ser da impropriedade, por estar distante de si

mesmo, mas como característica fundamental da pre-sença, foi sendo ou existindo no ser-com

e através do desvelamento de sentidos, foi se apropriando de si mesmo e passou a escutar o

seu modo de ser próprio.


126

5.2.4 Terra

O quarto estudante entrevistado, Terra, ilustra bem os efeitos da realidade

contemporânea, como a excessiva preocupação em se enquadrar na sociedade produtiva, e

também por trazer de maneira clara características do curso de C&T consideradas negativas

por parte de alguns alunos. Terra tem 28 anos de idade, é socioeconomicamente carente, mora

na residência universitária, está no terceiro período do curso e em Regime de Observação do

Desempenho Acadêmico do Discente (RODA), por trancamento e reprovação por mais de

uma vez em um mesmo componente curricular obrigatório e pelo insucesso em mais da

metade da carga horária matriculada. Evidenciou bastante estresse e sofrimento com

desmotivação e sensação de sobrecarga acadêmica.

Destacou várias dificuldades, principalmente relativas ao corpo docente. Professores

arbitrários, distantes e muito exigentes. Sente a falta de liberdade na escolha dos professores

referente às disciplinas ofertadas. Queixa-se também das imensas turmas e da acirrada

competitividade entre os alunos. Tem medo de não conseguir concluir o curso, pois tem

disciplina que só tem um professor que “gosta de reprovar” (sic), por esse motivo conclui que

pode fracassar e se frustra muito por antecipação. Sente-se incapaz de concluir C&T e isso é

fonte de muita preocupação, pois afirma que não gostaria de dar esse desgosto aos pais, além

de que já está se sentindo “velho” e precisa trabalhar e garantir o retorno financeiro. Fala do

medo de ser um desempregado, mesmo com o nível superior.

Terra já havia feito metade do curso de Geofísica e resolveu mudar para C&T pelo

interesse em fazer Engenharia do Petróleo que, segundo o mesmo, dar-lhe-ia mais segurança e

retorno financeiro. Afirmou que as disciplinas introdutórias são parecidas, mas que está tendo

dificuldade por algumas grandes diferenças, como:


127

(...) as turmas são muito grandes, então não existe contato direto com professor.
Basicamente o professor dá aula de costas pro (sic) aluno, muita gente na sala, você
não tem como tirar dúvidas, é bem complicado, bem impessoal, eu acho. Essa é a
diferença. Em relação à quantidade de estudo eu também tive que aumentar bastante
porque eles são mais profundos, mais difíceis de pegar, mesmo eu já tendo essa base
anterior, senti muito mais dificuldade.

Verificou-se também a ênfase dada ao distanciamento do professor com o aluno e à

dificuldade em dar conta pela sobrecarga de conteúdo e pelo alto nível de exigência, chegando

a lhe causar insônia.

Eu comecei a ter problemas com sono. Você acaba estudando demais e acaba
trocando o dia pela noite pra poder estudar melhor. Dormindo muito mal, menos de 5
horas por noite. E não só isso, às vezes, fico preocupado e não consigo estudar.

Ao aprofundar sobre sua preocupação, Terra afirmou:

(...) medo de não me formar. Penso nisso o tempo todo. Não vou conseguir me formar.
Não vou conseguir me formar. Não vou conseguir me formar. E você acaba se
cobrando demais. Eu me cobro demais (...) O ritmo é difícil. É o último mês de aula e
eu tou (sic) esgotado. Tenho provas pra fazer ainda de todas as matérias. E eu tou
(sic) totalmente esgotado (...) eu preciso estudar demais, eu tou (sic) esgotado, eu tou
(sic) sempre muito preocupado, não consigo relaxar de verdade.

Mostrou a sensação de esgotamento, sem ânimo para continuar e com receio de não

ser capaz de concluir com êxito as disciplinas e, por conseguinte, o curso. Questionado sobre

esse modo de ser preocupado na sua vida de maneira geral, Terra esclareceu que sempre foi

uma pessoa preocupada, mas destacou que o curso intensificou essa sua característica.

Eu percebo que houve um aumento muito grande de carga de preocupação, de carga


de estresse, apesar de pagar as matérias básicas, houve um aumento significativo. As
avaliações dos professores são absurdas. Você perde uma questão inteira por um
sinal que você troca. O que não acontecia antes. São coisas que você fica com medo,
então ao invés de tirar um 5, você tira 2 porque você errou um sinal (...) São
professores que não tem concorrência, não tem como trocar de professor, tem que
128

pagar com aquele professor, então isso é extremamente rígido (...) Lá os professores
são mini deuses e o aluno fica refém. Se quiser se formar vai ter que passar por mim.
Às vezes, um aluno reprova por uma série de motivos e ter que pagar por uma terceira
vez com o mesmo professor? Às vezes, ele simplesmente não consegue com aquele
professor em si e não tem como tentar com outro professor, com outra didática, outra
dinâmica. Eu já vi alunos que pagam em C&T, mas assistem aula no setor III. Às
vezes, o professor não cobra presença, o que é bom, porque você não perde tempo
com aquele professor e vai estudar ou assistir aula com um professor que se adapte
melhor. Mas isso é difícil acontecer. Somos reféns dos professores. Isso desmotiva
muito.

Terra elogia a estrutura física da ECT e diz que é um departamento muito rico, com

equipamentos modernos e salas bem equipadas, contudo segue ressaltando como bastante

negativa a postura dos professores.

A estrutura é muito boa, mas os professores são bem difíceis, o problema de C&T são
eles, eu tenho raiva porque você não tem pra onde correr (...) Vou contar um caso que
aconteceu no primeiro semestre, no primeiro dia de aula. O professor de cálculo tinha
programado três provas, quando ele programou as três porque ajuda a você estudar,
né?! E tá marcado, tinha feito o calendário e tudo. Com duas semanas de aula ele
disse que não ia mais fazer, ia fazer apenas duas agora. Então são coisas assim...
totalmente arbitrárias (...) Você chega na prova tremendo de medo. Se você for mal na
prova, aí você dançou, vai pra terceira prova e é a matéria do semestre inteiro (...) dá
vontade de desistir porque a culpa é deles e eles não vão sair, não vão mudar.

O desgosto com a maioria dos professores também foi forte queixa por parte de

Vênus, contudo, alerta-se para o modo como Terra atribui aos professores a razão por não

conseguir, por querer desistir, chegando a sentir raiva e medo. Ricoeur (1994) ajuda a pensar

sobre isso quando explana sobre a diminuição da capacidade de agir no sofrer, ficando o ser

mais passivo, sentindo-se vítima de algo ou alguém, na realidade ou na fantasia, de modo

físico ou simbólico e explica que numa vertente do sofrimento “a perda da estima de si pode

ser sentida como um roubo ou uma violação exercida pelo outro” (p. 62), sendo, no caso, o

outro representado pelos professores que, segunda sua percepção, impedem-no de se sentir

bem e prosseguir como gostaria.


129

A esse respeito, Heidegger (1927/1995) esclarece que o outro é assim denominado

para encobrir que essencialmente pertence a ele, pois se é co-presente ao outro no cotidiano,

consolidando o poder do impessoal ou dos outros que tomam o ser – “O arbítrio dos outros

dispõe sobre as possibilidades cotidianas do ser da pre-sença” (p. 179).

Terra chama atenção para o nível de exigência e de avaliação: “a nível de conteúdo

não é muito diferente do que eu estava acostumado a ver, é o mesmo conteúdo programático,

o que muda é o nível de exigência de correção e o nível de dificuldade da prova também”,

considerando que isso é muito negativo para o aluno que se desestimula quando não consegue

acompanhar, mas acredita que pode ser positivo para a instituição por formar realmente só

alunos bons. No entanto, alerta para o alto índice de evasão e coloca:

(...) o pessoal que não aguenta sai, no primeiro semestre a gente vê que diminui pra
caramba. O índice de evasão é muito grande. O pessoal se assusta. Principalmente
quem vem direto do ensino médio, não aguenta, sai (...) Então, para os alunos é
péssimo. Pra instituição em si, pra qualidade de alunos que forma é bom porque só
forma aluno realmente bom, entre aspas, porque se entram 600 alunos por semestre e
a gente vê que tem uns 70 se formando, então tem alguma coisa muito errada. Formar
uns 10% é muito estranho.

Queixa-se também da ausência de estímulos e oportunidades para desenvolver

pesquisa em C&T e do fato do professor que tem bolsa de Iniciação Científica (IC) acabar

deslocando o bolsista para ajudar na correção de provas, por exemplo, como se constata na

fala:

(...) lá não tem trabalho específico pra IC, muito difícil você conseguir. Basicamente,
o pessoal que faz IC, o professor pega pra corrigir prova, não tem um projeto, nem
uma pesquisa em si. O que eu não considero ruim porque imagina um professor
corrigir 450 provas, ele geralmente tem três turmas. Então deve gerar um estresse pro
(sic) professor corrigir essas provas, são provas que você tem que analisar direitinho,
então tem muito aluno de IC que fica corrigindo provas e trabalhos pro (sic)
professor, então seriam coisas que poderia dar um gás pro aluno, pesquisar algo, mas
não tem em C&T.
130

Terra acrescenta ainda uma preocupação em relação ao segundo ciclo, ao receio que

tem de não conseguir a vaga na Engenharia do Petróleo que é a segunda mais concorrida,

apesar de que diz que ainda bem que não quer Engenharia Mecânica que é a mais concorrida,

pois muitos alunos ficam de fora. Fala que é bastante comum os estudantes se submeterem a

um novo ENEM, com o intuito de limpar o histórico das reprovações e trancamentos,

aproveitando só as disciplinas que tiveram sucesso para melhorar a nota e poder concorrer, o

que foi alvo de recente modificação no projeto do curso para impedir essa manobra. Reclama

que a competitividade dos alunos em C&T é muito grande devido à necessidade de garantir

uma boa nota para brigar pela vaga na Engenharia pleiteada:

(...) em C&T é cada um por si e o professor que não me ferre (...) Ele cobra muito de
todo mundo, então ele ferra todo mundo. Eu já vi história de professor reprovar uma
turma inteira, reprovar 120 alunos. Eu realmente vi isso, isso aconteceu. Como um
professor pode reprovar 120 alunos? Não pode ser! Alguma coisa tem de errado
nisso.

De fato, o índice apontado por Terra é alto, mas professores, alunos e a instituição de

uma maneira geral precisam se implicar para que se possa analisar os fatores que estão

envolvidos nessa situação. O discurso, segundo Heidegger (1927/1995):

(...) nunca se comunica no modo de uma apropriação originária deste ente,


contentando-se com repetir e passar adiante a fala (...) Repetindo e passando adiante a
fala, potencializa-se a falta de solidez. Nisso se constitui o falatório (...) O falatório é a
possibilidade de compreender tudo sem se ter apropriado previamente da coisa (...)
dispensa a tarefa de uma compreensão autêntica (p. 228-229).

Esse é um tipo de interpretação comum na conversação e que é característico da pre-

sença, fazendo com que o impessoal determine o que e como se vê o mundo e a si-mesmo-no-

mundo. Entretanto, na medida em que a escuta é um estar aberto existencial da pre-sença

enquanto ser-com e diante do discurso repetitivo quanto à problemática envolvendo o


131

professor e sua dificuldade em lidar com isso, solicitou-se que Terra aprofundasse esse

sentimento de indignação para com o corpo docente, bem como o significado desse curso para

ele, o que busca em C&T e o que dizer dessa forte preocupação em relação à possibilidade de

não conseguir seguir adiante, buscando-se o que está em jogo, o seu próprio ser, pois mesmo

na fuga de si mesma, a pre-sença permanece essencialmente um preceder a si mesma.

Terra silencia.

Pesquisadora e colaborador ficam alguns segundos em silêncio, o suficiente para ser

sentido como incômodo por Terra que quebra o silêncio e diz: “não sei muito o que dizer,

C&T é tudo pra mim, mas... [silêncio] não é como eu pensava... tenho raiva... mas vai

passar... [silêncio] vou conseguir”. Pede-se para que fale sobre sua raiva, mas Terra silencia

novamente e, em seguida, afirma que terá de se adaptar, pois precisa concluir o curso:

(...) já tou (sic) numa idade que eu não tenho mais... não posso mais ficar pulando de
galho em galho. Pra fazer Engenharia do Petróleo eu tenho que fazer C&T, não tenho
outra opção (...) ou vou me adaptar ou vou sair, eu não vejo uma solução de imediato,
isso não vai acontecer, os professores não vão mudar a forma de ensino, então eu vou
ter que me adaptar se eu quiser me formar (...) eu preciso me formar, meus pais
contam com isso, eu tenho que ajudar em casa, tenho que voltar feito gente que
estudou e conseguiu ser alguém na vida.

O silêncio pode falar mesmo quando as palavras falham. Sobre isso, Heidegger

(1927/1995) disse “O homem é o ser que fala mesmo quando não fala e cala, recolhendo-se

no silêncio do sentido” (p. 16) e posteriormente observou que:

(...) aquele que, silenciando, quer dar a compreender, deve ‘ter algo a dizer’ (...) o
clamor é um silêncio (...) A silenciosidade retira a palavra do falatório e da
compreensão impessoal. O discurso silencioso da consciência aproveita a
oportunidade da interpretação comum da consciência, a que se ‘atém rigorosamente
aos fatos’, para evidenciar como a consciência não pode ser algo constatável e nem
simplesmente dado (Heidegger, 1927/1996, p. 86).
132

O discurso enquanto silenciosidade, portanto, evidencia a abertura da pre-sença que há

no querer ter consciência, pela disposição da angústia que aponta uma estranheza, um

incômodo e um poder projetar-se para o ser que está em débito quanto ao seu ser mais

próprio, o qual exige um maior aprofundamento para ser acessado, um debruçar-se e meditar

sobre o que se lhe apela para ser pensado.

Terra conclui a entrevista enfatizando sua preocupação em se formar engenheiro para

conseguir entrar no mercado de trabalho e ter o retorno financeiro que precisa para sobreviver

e poder também ajudar sua família. Teme bastante ficar à margem da sociedade e voltar para

o interior onde moram seus pais como se não tivesse adiantado nada os anos de estudo na

capital.

Num gosto nem de pensar em não dar certo, já pensou eu voltar pra casa com uma
mão na frente e outra atrás? Tinha medo que isso acontecesse com Geofísica, já como
Engenheiro do Petróleo, eu vou conseguir emprego, ganhar meu dinheiro, ajudar pai
e mãe e o povo vai dizer que eu fui pra Natal e voltei gente, mas às vezes me aperreio
porque não achei que fosse tão difícil chegar em Engenharia do Petróleo por causa de
C&T e dá medo de não conseguir... mas vai dar certo, vai ter que dar (...) quando me
aperreio, num consigo fazer nada, aí fico mais aperreado ainda porque tenho que
estudar muito, aí fico só pensando, muito preocupado e num saio do canto, num era
pra isso acontecer, num posso ficar parado, sem conseguir... tenho que estudar, tenho
que conseguir.

Apesar de Terra ter alcançado uma maior consciência de si mesmo, observa-se o forte

medo dele em não se encaixar na sociedade produtiva e ser colocado à margem, como se não

fosse gente, caso não conseguisse. Heidegger (1987/2009) expôs: “O homem é

essencialmente necessitado de ajuda, por estar sempre em perigo de se perder, de não

conseguir lidar consigo” (p. 197), nesse sentido, percebe-se que Terra teme não conseguir ao

não saber suportar seus anseios, suas dificuldades e se deixar guiar pelo medo que lhe

paralisa. O temor é, segundo Heidegger (1927/1995), um modo da disposição, ou seja, uma

abertura do ser-em no tocante ao fato de estar ameaçado e “Apenas o ente em que, sendo, está
133

em jogo seu próprio ser, pode temer” (p. 196). O ser-no-mundo, portanto, é temeroso, não no

sentido ôntico, mas sim, como possibilidade existencial que esclarece para si o temível,

permitindo que dele possa se aproximar, apropriando-se e liberando possibilidades originárias

de ser e fazer frente ao que se teme.

É interessante pôr em questão o que se teme, pois como disse Heidegger (1965/2012):

“Quanto mais nos avizinharmos do perigo, com maior clareza começarão a brilhar os

caminhos para o que salva” (p. 38). A esse respeito, Feijoo (2011) faz alusão a Heidegger ao

afirmar que:

(...) é a partir do temor que nasce a coragem, a decisão, na qual se retém o temível. E
isso consiste em viver de maneira confiante apesar do temor. É preciso que tenha lugar
a supressão da incapacidade de suportar a indeterminação (p. 172).

O possível não enquadramento à sociedade de consumo se apresenta como uma

“consciência da realidade” que, segundo Heidegger (1927/1995), “é ela mesma um modo de

ser-no-mundo” (p. 278). Debord (1997) ao discorrer sobre o tempo histórico advindo com a

revolução industrial, o qual perfaz o tempo atual da contemporaneidade, aponta: “É o estágio

supremo de uma expansão que fez com que a necessidade se oponha à vida” (p. 138),

advertindo que a necessidade de dinheiro é a verdadeira necessidade que é produzida e que a

obrigação de estar socialmente bem representado, com uma profissão de status e

reconhecimento social e que lhe dê o retorno financeiro “necessário” para se colocar na

sociedade como potencial e possível consumidor, compensa qualquer lástima de ficar à

margem do social, leia-se da existência.

A pre-sença, no entanto, está lançada e se abre para o seu poder-ser como

compreensão, no sentido de enfrentar a decadência em que se perdeu em seu mundo, tendo de


134

corresponder às solicitações impostas. Possui como constituição ontológica a abertura de

poder-ser-no-mundo, uma vez que o ser na decadência está sempre a caminho de si mesmo.

Ao se pensar a ansiedade experimentada por Terra quanto a seu futuro, como uma

reação ao que lhe parece um perigo – não conseguir emprego – é importante ponderar e

interrogar o mundo em que se encontra, suas características e interpelações, posto que “os

problemas psíquicos não são problemas da interioridade, nem do orgânico, nem da semântica

interna, enfim não são problemas do eu, mas ao contrário, são problemas do projeto

existencial, da relação ser-aí/mundo” (Feijoo, 2011, p. 60).

Heidegger assinala esta posição existencial do lado do psicoterapeuta também,

mostrando assim como esse movimento do cuidado é bilateral, de um para o outro e vice-

versa, como se lê em suas palavras: “(...) quem se dedica hoje em dia à profissão de ajudar as

pessoas psiquicamente enfermas deve saber o que acontece, deve saber onde está

historicamente” (Heidegger, 1987/2009, p. 140). Então, para refletir sobre o estado emocional

é preciso considerar o modo de estar-no-mundo.

Além do exposto acima, Heidegger (1987/2009) registra que “a relação com o tempo

co-determina essencialmente sua existência” (p. 90) e propõe o “tempo como horizonte de

toda a compreensão e interpretação do ser” (Heidegger, 1927/1995, p. 45). O ser deve se

apropriar do passado para que seja possível uma abertura para suas possibilidades pessoais e

para que haja uma relação positiva com o futuro, no sentido de um entendimento que este é

fruto dos passos do presente. A antecipação do futuro pode paralisar e provocar um caminhar

atropelado por um presente que se tornaria um passado mal ocupado, considerando que “Ficar

sem saber o que fazer é um modo deficiente de ocupação” (p. 116). Heidegger (1987/2009)

elucida que é a relação com o tempo que dá suporte à existência no mundo, ao se juntar o

passado, o presente e o vir-a-ser de alguma forma, tomando e retendo os três tempos no

presente e deixando-os à disposição.


135

Vê-se o quanto a antecipação do futuro paralisa Terra, impedindo-o de agir e causando

ansiedade e sentimento de culpa, afinal “O anseio é a dor da proximidade do distante”

(Heidegger, 1965/2012, p. 93), distante este que assume uma condição de absoluto, como se o

ser fosse escravo e não ouvinte e partícipe do destino.


136

VI – O que se conclui? – Urge pensar o sentido!

A escuta psicológica carrega em si uma exigência de quem dirige a fala, como aponta

Ricoeur (1994). No caso, o estudante ao direcionar sua fala à pesquisadora expõe a queixa em

si, mas principalmente dirige um apelo à ajuda, um compartilhar que resguarda um fio de

esperança, o que denota de pronto a importância do que surgiu como fala, escuta e

interpretação de um sofrimento que apareceu aqui como uma ruptura de uma narrativa pela

focalização num instante, mas que se entrelaça no ser-com, posto que a história de cada um

está enredada na do outro.

É importante ressaltar que as interpretações e explicitações realizadas são de cunho

qualitativo e que “na fenomenologia, não se tiram conclusões (...) Só se deve manter o olhar

que pensa aberto para o fenômeno” (Heidegger, 1987/2009, p. 98). Os resultados obtidos são

pontuais, e como já dito, não pretendem ser generalizados para a totalidade dos alunos

universitários, os quais sem dúvida configuram um grupo bastante heterogêneo e amplo em

suas diversidades, sendo esta uma limitação da presente pesquisa. No entanto, pôr em questão

os sentidos de ser de estudantes com alguma experiência de sofrimento, ampliou a maneira

como se vê a vivência do mesmo e possibilitou a reflexão sobre os modos-de-ser no mundo

contemporâneo, além de ter apontado alguns aspectos importantes de serem discutidos.

O panorama delineado pelas entrevistas conduziu para a necessidade de analisar e

pensar estratégias que possam minimizar os possíveis fatores estressores encontrados no curso

de C&T, devendo ser material ressonante para a universidade. Lembra-se que com isso não há

nenhuma sugestão de que o curso per se gera o adoecimento ou sofrimento nos estudantes,

mas sim como pontos de reflexão para que possam ser problematizados os aspectos elencados
137

pelos estudantes, considerando a importância da voz do aluno acerca do seu universo

acadêmico.

Constatou-se a dificuldade em administrar o tempo, dar conta das exigências

acadêmicas e principalmente de acompanhar o alto nível do curso e a intensidade da carga

horária, sensação de incompetência e frustração diante da incapacidade de ter êxito, forte

preocupação pela incerteza quanto a conseguir ou não concluir o curso, dificuldade em lidar

com o fracasso, em acompanhar os avanços tecnológicos, o ritmo acelerado de existir e ter de

corresponder a tudo que é solicitado, alta competitividade entre os colegas, presença de

professores conhecidos pela alta reprovação de alunos, turmas grandes que facilitam a

dispersão em sala de aula e falta de identificação com o curso.

É válido destacar que essas queixas não foram unânimes e que foi verificado que a

experiência de sofrimento é muito mais relacionada ao modo particular com que cada um

atribui sentidos às vivências que teve e que está experimentando na universidade do que

especificamente com o curso. No entanto, o curso de Ciências e Tecnologia inserido no

contexto do mundo contemporâneo reflete a problemática relativa a esse tempo, somado às

suas peculiaridades que contribuem para acirrar o mal-estar tão comum hodiernamente, tais

como: é um curso da área de Exatas que preza pelo pensamento calculante, no sentido

heideggeriano, que é planificador e investigador, que não para, não medita e toma o próprio

homem como objeto (Heidegger, 1959); estimula e acirra a alta competitividade entre os

colegas com a seleção para ingresso no segundo ciclo; apresenta um ritmo intenso de aulas e

de demandas acadêmicas, típicos da atualidade; e, entre outras, aguça o medo relativo a ficar à

margem da sociedade produtiva, ao passo que se verifica uma grande insegurança a respeito

da capacidade de concluir o curso.

Observa-se que essa sensação de incompetência e o medo do fracasso se mostrou

muito comum entre os entrevistados, pela particularidade de ser um curso que possui entrada
138

em massa e, portanto, tem a concorrência muito baixa, possibilitando o ingresso de muitos

estudantes provenientes de escola pública, com ensino médio bastante deficitário. Estes são

praticamente impossibilitados de lograr êxito no curso, tendo em vista ser um curso com alto

nível de cobrança e exigência. Essa situação acaba gerando sentimentos de inferioridade,

baixa autoestima e autoconfiança, e descrença na capacidade de desempenho, o que pode

gerar manifestações de sofrimento, como estresse, desmotivação, tristeza e decepção, dentre

outras.

Pensando em possíveis contribuições do presente estudo para a atenção psicológica ao

estudante universitário da UFRN e considerando a análise e interpretação das entrevistas,

destaca-se a ideia de promover o pensar na universidade, no que tange à temática aqui

abordada. Pode parecer uma ironia, falar em pensar no ambiente acadêmico, mas não é, como

já dizia Heidegger (1982/2013), referindo-se à Era da Técnica que configura claramente a

contemporaneidade, “estamos tão sem ânimo e tão debilitados que já nem somos mais

capazes de suportar uma questão” (p. 26).

Verificou-se que a universidade precisa de espaços e ações que possibilitem ao

estudante parar na correria do cotidiano e pensar seu sentido de ser e meditar sobre o que

acontece propriamente nessa época, tentando romper com o círculo vicioso da

contemporaneidade que fragiliza e pode fazer sofrer, uma vez que a abertura, o poder-ser, ou

nas palavras de Heidegger (1927/1995), “a disposição é tão pouco trabalhada pela reflexão

que faz com que a pre-sença se precipite para o ‘mundo’ das ocupações numa dedicação e

abandono irrefletidos” (p. 191).

Neste sentido, alerta-se: “O que mais cabe pensar mais cuidadosamente neste nosso

tempo é que ainda não estamos pensando” (Heidegger, 1965/2012, p. 113). O homem vem

agindo demais e pensando de menos. Duarte (2010) observa que: “vivemos cotidianamente,

sempre às voltas com mil atividades e ocupações para as quais sequer temos tempo suficiente
139

para começar a dar conta delas” (p.23). E nessa turbulência, o homem esqueceu da sua

condição pensante como ser-aí. A amplitude tecnológica planetária deveria dar lugar a um

pensamento correspondente. Sobre isso, Duarte (2010) diz:

a ciência e a tecnologia nos permitiram encurtar as distâncias espaciais e culturais (...)


onde quer que estejamos, para onde quer que olhemos, sempre encontraremos nosso
reflexo espelhado nos estilos de vida, gostos e interesses massificados em escala
planetária (...) o ser, doando-se ao homem moderno, se oculta nos entes e se torna
esquecido (p. 22-23).

A ausência do pensar na Era da Técnica promove o distanciamento de si próprio,

acirrando as manifestações de sofrimento, tendo em vista o vazio de sentido na vida das

pessoas. “Certamente, todo mundo encontra disposição para o entretenimento e quem sabe o

sonho e fantasia, mas há pouco espaço para a reflexão, poucos meios de exercício da crítica”

(Barus-Michel, 2010, p. 8, tradução nossa).

Urge pensar o sentido e “Pensar o sentido é muito mais. É a serenidade em face do que

é digno de ser questionado” (Heidegger, 1965/2012, p.58), é poder refletir sobre o sentido das

vivências que se experiencia na existência cotidiana. Enfatiza-se, deste modo, a importância

do pensamento meditante que pode devolver ao ser o que sempre lhe pertenceu, o caráter de

ser-no-mundo aberto para suas possibilidades originárias, tentando resgatar a autenticidade da

existência humana, libertando-a da massificação e alienação comuns ao mundo

contemporâneo (Feijoo, 2011). Deve-se considerar o autoconhecimento, o desvelamento de

possibilidades e limites, abrindo-se um espaço para que a saída singular possa acontecer,

enfim a “possibilidade de buscar uma existência mais própria ou irá permanecer no

desinteresse de viver, na impessoalidade e no vazio da existência” (Dutra, 2012, p. 934).

Baseando-se no exposto, a atenção psicológica aos estudantes pode passar a oferecer

grupos de reflexão, grupos terapêuticos, rodas de conversa e discussão entre estudantes e/ou
140

entre estudantes e professores, buscando produzir espaços nos quais predomine o pensamento

reflexivo e se possa realizar um trabalho crítico, sobre o qual discorre Duarte (2010), no

sentido de liberar e sustentar o ser para uma reinvenção do presente e indeterminação do

futuro, como forma de resistência e enfrentamento dos riscos impostos à vida cotidianamente.

Destaca-se, como possível embasamento dessas ações, o olhar fenomenológico-

existencial que compreende o Dasein em copertencimento com o mundo, construindo-o e

sendo construído por ele, sendo o sofrimento atrelado à realidade em que se insere e o

adoecimento enquanto ausência de sentido pela limitação do poder-ser e potencial

transformador. É decisivo provocar o questionamento do homem e de seu poder existir no

mundo contemporâneo, convocando-se para o caminho de uma construção pensante

(Heidegger, 1987/2009, 1965/2012), afinal, em conformidade com a ótica heideggeriana de

pensamento, não se objetivou encontrar respostas para os problemas apontados, mas provocar

inquietações, questões, buscando vias para o novo.

É de fundamental importância trazer aqui a discussão acerca da implicação da própria

universidade nesse contexto. Faz-se necessário que a academia também pense e medite sobre

o que está posto e possa ouvir o que os alunos estão dizendo para a universidade. As altas

exigências acadêmicas, a sobrecarga de tempo e de atividades cobradas, o professor

reproduzindo o pensamento calculante e a competição exaustiva entre os estudantes têm

contribuído para o aumento no número de estudantes com sensação de esgotamento e mal-

estar. Evidencia-se a importância de iniciativas que contribuam para que o estudante possua

uma melhor administração do tempo, com planejamento de estudo e prática de atividades de

lazer, o que segundo Misra & McKean (2000) podem reduzir o estresse proveniente da

universidade.

A experiência acadêmica não deve ser vivenciada de forma isolada, mas como um

processo que envolve os alunos, os professores e a instituição como um todo, sendo pertinente
141

a criação de espaços institucionais que possibilitem a discussão e busca de soluções para

problemas enfrentados pelos estudantes. Vale citar a pesquisa de Crockett et al. (2007) que

evidenciou que intervenções baseadas em estratégias voltadas para a tentativa de resolução de

problemas percebidos tem sido positiva em relação a uma melhor vivência e aproveitamento

acadêmico.

Faz-se necessário discutir o que falta para melhor acolher seus estudantes também no

sentido pedagógico, como políticas de nivelamento que funcionem com eficiência na prática

para possibilitar a permanência e conclusão do curso, principalmente dos estudantes que

entram no nível superior sem condições de acompanhar e lograr êxito, dada a precariedade do

Ensino Médio ao qual se submeteram. É preciso encontrar um caminho, afinal entre o

concreto do real perturbador e o ideal livre de problemas, há um abismo, mas certamente um

possível!

Os aspectos elencados como problemáticos no curso de C&T, na universidade, ou

mesmo, na conjuntura do mundo contemporâneo em que se vive, não refere qualquer indício

de que o ser seja vítima ou sofredor por estar em tal contexto e que esta seria uma valoração

negativa. Não se tem uma visão ingênua de que a vida deveria ser sem esforço ou sofrimento.

Ao contrário, o sofrer é constitutivo da existência. A problematização se mostra importante

como ponto de partida para reflexão sobre o que está dado para que seja possível se apropriar

e tomar as rédeas do que está posto, tentando escapar ao viver automático e robotizado da

contemporaneidade.

Debord (1997) ao apontar os efeitos desastrosos advindos da modernidade que

geraram uma mudança ideológica no ser e no mundo, ou melhor dizendo, no ser-no-mundo,

afirmou: “Cada qual é filho de suas obras, e do jeito que a passividade faz a cama, nela se

deita (p. 162)”. Essa fala impõe um ponto de vista que considera o ser responsável por suas

ações, o que concorda com a ontologia heideggeriana, a qual serviu de inspiração nesta tese,
142

sobretudo pela visão otimista e positiva que se tem da liberdade do ser que está num constante

e eterno vir-a-ser, ou seja, isento de determinações que o estagnem e, portanto, dotado da

capacidade de poder-ser apesar das adversidades.

A essência do que está em jogo no mundo e interpela o ser é considerada como um

potente apelo à libertação e o que seria um destino determinado é tomado como uma noção de

destino em movimento que se constrói como liberdade, “o reino do destino que põe o

desencobrimento em seu próprio caminho” (Heidegger, 1965/2012, p. 28). Desencobrimento

esse como disponibilidade do ser-em, sendo as experiências de sofrimento, interpretadas

enquanto restrições do poder-ser. Superá-las implica a desconstrução das identificações que

restringem e desviam o ser-aí do seu ser-si-próprio, impedindo-o de se assumir como um ser

de possibilidades, isto é, livre para dizer sim e não às solicitações do horizonte histórico em

que se encontra.

Que nada nos limite.

Que nada nos defina.

Que nada nos sujeite.

Que a liberdade seja nossa própria substância.

Simone de Beauvoir
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Tatossian, A., & Moreira, V. (2012). Clínica do Lebenswelt: psicoterapia e psicopatologia


fenomenológica. São Paulo: Escuta. (Coleção Pathos).

Turato, E. R. (2005). Métodos qualitativos e quantitativos na área da saúde: definições,


diferenças e seus objetos de pesquisa. Rev. Saúde Pública, 39 (3), 507-514.

Triviños, A. N. S. (1992). Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa


em educação. São Paulo: Atlas.

Xavier, A., Nunes, A. I. B. L., & Santos, M. S. (2008). Subjetividade e sofrimento psíquico na
formação do sujeito na universidade. Revista Mal-estar e Subjetividade, 8(2), 427-451.

Zonta, R., Robles, A. C. C., & Grosseman, S. (2006). Estratégias de enfrentamento do


estresse desenvolvidas por estudantes de medicina da Universidade Federal de Santa
Catarina. Revista Brasileira de Educação Médica, 30, 147-153.
149

ANEXO A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE


Esclarecimentos

Este é um convite para você participar da pesquisa: O sofrimento em estudantes do curso de


Ciências e Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte à luz da perspectiva
fenomenológico-existencial, que tem como pesquisador responsável Cíntia Guedes Bezerra.
Esta pesquisa pretende analisar o sofrimento em estudantes do curso de Bacharelado em
Ciências e Tecnologia (BCT) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), buscando
explicitar e compreendê-lo à luz da perspectiva fenomenológico-existencial.
O motivo que nos leva a fazer este estudo é a significativa procura por assistência psicológica
por parte dos estudantes do BCT e o interesse em analisar e compreender a experiência de
sofrimento desses estudantes e as possíveis relações com a estrutura e metodologia do curso.
Caso você decida participar, você deverá realizar entrevista semi-aberta, podendo ser mais
de uma, que deverá durar em média 50 minutos, na qual pretendemos abordar sua experiência de
sofrimento na universidade. Asseguramos-lhe o direito de se recusar a responder perguntas que lhe
cause constrangimento de qualquer natureza. Solicito sua autorização para que haja gravação de
voz, com o intuito de poder ouvir posteriormente a entrevista e aprofundar a análise e interpretação
do conteúdo.
Durante a realização da entrevista a previsão de riscos é mínima, ou seja, o risco que você
corre é semelhante àquele sentido num exame físico ou psicológico de rotina.
Pode acontecer um desconforto emocional ao aprofundar sua vivência de sofrimento que será
minimizado através da escuta e intervenção psicológica e você terá como benefício a elaboração do
conflito emocional e o alívio momentâneo do sofrimento.
Em caso de algum problema que você possa ter, relacionado com a pesquisa, você terá
direito a assistência gratuita que será prestada pelo Setor de Psicologia da Pró-Reitoria de Assuntos
Estudantis.
Durante todo o período da pesquisa você poderá tirar suas dúvidas ligando para Cíntia
Bezerra, cel: 9935-1601.
Você tem o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase
da pesquisa, sem nenhum prejuízo para você.
Os dados que você irá nos fornecer serão confidenciais e serão divulgados apenas em
congressos ou publicações científicas, não havendo divulgação de nenhum dado que possa lhe
identificar.
Esses dados serão guardados pelo pesquisador responsável por essa pesquisa em local
seguro e por um período de 5 anos.
150

Se você tiver algum gasto pela sua participação nessa pesquisa, ele será assumido pelo
pesquisador e reembolsado para você.
Se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente desta pesquisa, você será
indenizado.
Qualquer dúvida sobre a ética dessa pesquisa você deverá ligar para o Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, telefone 3215-3135.
Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com o
pesquisador responsável Cíntia Guedes Bezerra.

Consentimento Livre e Esclarecido

Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como os dados serão
coletados nessa pesquisa, além de conhecer os riscos, desconfortos e benefícios que ela trará para
mim e ter ficado ciente de todos os meus direitos, concordo em participar da pesquisa O sofrimento
em estudantes do curso de Ciências e Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte à
luz da perspectiva fenomenológico-existencial, e autorizo a divulgação das informações por mim
fornecidas em congressos e/ou publicações científicas desde que nenhum dado possa me identificar.

Natal, ____ de _____________________ de ________.

Assinatura do participante da pesquisa

Impressão
datiloscópica do
participante

Declaração do pesquisador responsável

Como pesquisador responsável pelo estudo O sofrimento em estudantes do curso de


Ciências e Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte à luz da perspectiva
fenomenológico-existencial, declaro que assumo a inteira responsabilidade de cumprir fielmente os
procedimentos metodologicamente e direitos que foram esclarecidos e assegurados ao participante
desse estudo, assim como manter sigilo e confidencialidade sobre a identidade do mesmo.
Declaro ainda estar ciente que na inobservância do compromisso ora assumido estarei
infringindo as normas e diretrizes propostas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde
– CNS, que regulamenta as pesquisas envolvendo o ser-humano.

Natal, ____ de _____________________ de ________.

Assinatura do pesquisador responsável


151

ANEXO B

TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO DE VOZ

Eu, _______________________________________________________, depois de entender


os riscos e benefícios que a pesquisa intitulada O sofrimento em estudantes do curso de Ciências e
Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte à luz da perspectiva fenomenológico-
existencial poderá trazer e, entender especialmente os métodos que serão usados para a coleta de
dados, assim como, estar ciente da necessidade da gravação de minha entrevista, AUTORIZO, por
meio deste termo, os pesquisadores Cíntia Guedes Bezerra e Elza Maria do Socorro Dutra a realizar
a gravação de minha entrevista sem custos financeiros a nenhuma parte.
Esta AUTORIZAÇÃO foi concedida mediante o compromisso dos pesquisadores acima
citados em garantir-me os seguintes direitos:
1. poderei ler a transcrição de minha gravação;
2. os dados coletados serão usados exclusivamente para gerar informações para a pesquisa
aqui relatada e outras publicações dela decorrentes, quais sejam: revistas científicas, congressos e
jornais;
3. minha identificação não será revelada em nenhuma das vias de publicação das
informações geradas;
4. qualquer outra forma de utilização dessas informações somente poderá ser feita mediante
minha autorização;
5. os dados coletados serão guardados por 5 anos, sob a responsabilidade do(a)
pesquisador(a) coordenador(a) da pesquisa Cíntia Guedes Bezerra, e após esse período, serão
destruídos e,
6. serei livre para interromper minha participação na pesquisa a qualquer momento e/ou
solicitar a posse da gravação e transcrição de minha entrevista.

Natal, ____ de _____________________ de ________.

Assinatura do participante da pesquisa

Assinatura e carimbo do pesquisador responsável

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