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A EXPERIÊNCIA DE SOFRIMENTO
FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL
Natal
2016
Cíntia Guedes Bezerra
A EXPERIÊNCIA DE SOFRIMENTO
FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL
Natal
2016
UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Catalogação da Publicação na Fonte
Bezerra, Cíntia Guedes.
A experiência de sofrimento em estudantes de Ciências e
Tecnologia da UFRN sob o enfoque fenomenológico-existencial /
Cíntia Guedes Bezerra. - Natal, RN, 2016.
151 f.: il.
aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e considerada aceita pelo Programa
EM PSICOLOGIA.
BANCA EXAMINADORA
Antoine de Saint-Exupéry
iv
Agradecimentos
Ao amor...
dos meus pais, Arnaldo e Maria Adelaide, meu ontem, meu hoje e meu sempre;
dos meus irmãos, Cristiano e Arnaldo Neto, meus grandes e melhores amigos;
da minha segunda família, Tio Sérgio e Tia Eulina, Sérgio, Isaac, Priscilla e Lucas;
da minha estimada cunhada, Mariana, por seu carinho e notável valor à família.
À maestria...
da minha querida orientadora, Prof. Dra. Elza Dutra, por todos os ensinamentos,
compreensão;
do meu amado e admirado pai, Prof. Dr. Arnaldo Bezerra Filho, grande exemplo de
À disponibilidade...
da Profa. Dra. Ana Karenina Amorim, da Profa. Dra. Ana Karina Azevedo, da
Profa. Dra. Ana Frota e do Prof. Dr. Ileno Izídio da Costa, pela leitura deste
trabalho, por terem aceitado o convite para compor a banca de avaliação e certamente
Ao apoio...
v
do Prof. Dr. Paulo Campos, pró-reitor adjunto, pelo incentivo ao afastamento de dois
À amizade...
de Poliana González, minha querida colega de trabalho, pela vibração e pela condução
de Paula Miranda Dantas, pela presença calorosa e constante na minha vida e pela
de todos que torceram e estiveram comigo nessa caminhada, tornando-a mais leve.
Ao suporte...
se fizeram necessários.
Ao mérito...
da Escola de Ciências e Tecnologia que abriu as portas para a realização deste estudo,
À entrega...
dos estudantes que confiaram a mim suas experiências de sofrimento, minha fonte de
À Psicologia...
minha ciência, minha profissão, mas, sobretudo, minha paixão, por despertar em mim
existir.
Aos encontros...
nesta!
vi
Sumário
Lista de figuras.............................................................................................................. ix
Resumo.......................................................................................................................... x
Abstract......................................................................................................................... xi
Resumen........................................................................................................................ xii
Apresentação............................................................................................................... 13
Introdução.................................................................................................................... 18
Justificativa................................................................................................................... 31
.
Objetivo geral................................................................................................................ 34
Objetivos específicos.................................................................................................... 34
fenomenológica.......................................
3. O curso de Ciências e Tecnologia.............................................................................. 72
4. Procedimentos metodológicos.................................................................................... 78
4.1 Método.................................................................................................................... 78
4.3 Entrevista................................................................................................................ 83
4.4 Colaboradores......................................................................................................... 88
vii
4.5 Critérios de seleção................................................................................................. 90
5.2.1 Saturno............................................................................................................. 96
5.2.3 Marte............................................................................................................... 6
115
7. Referências................................................................................................................... 143
Anexos.......................................................................................................................... 149
98
viii
Lista de figuras
Figura Página
1 Ilustração dos campos que atravessam o estudante universitário. 14
2 Procedência dos estudantes que buscaram o plantão psicológico do
Serviço de Psicologia da PROAE, entre os meses de janeiro de 2010 e 25
outubro de 2011.
3 Quantitativo de estudantes por período do curso que buscaram o
plantão psicológico do Serviço de Psicologia da PROAE, entre os 26
meses de janeiro de 2010 e outubro de 2011.
4 Quantitativo de estudantes por curso que buscaram o plantão
psicológico do Serviço de Psicologia da PROAE, entre os meses de 27
janeiro de 2010 e outubro de 2011.
5 Queixas trazidas pelos estudantes que buscaram o plantão psicológico
do Serviço de Psicologia da PROAE, entre os meses de janeiro de 2010 27
e outubro de 2011.
6 Número de estudantes atendidos pelo Setor de Psicologia da PROAE e 28
que passaram pelo plantão psicológico, no período de 2010 a 2015.
7 Número de estudantes atendidos pelo Setor de Psicologia da PROAE
dos três cursos que tiveram a maior demanda, no período de 2013, 29
2014.2 e 2015.
ix
Resumo
x
Abstract
xi
Resumen
xii
13
Apresentação
específicas e importantes de serem problematizadas, tendo em vista a cada vez mais crescente
demandas da vida. Nesse contexto insere-se a universidade que, por sua vez, reflete
vivenciando algum tipo de sofrimento, bem como na procura por suporte psicológico por
Estudantis (PROAE).
psicológica aos estudantes, o qual chamou atenção pela alta e crescente procura por suporte
pesquisa.
refere a um acontecimento que interpela o ser em seu encontro com o mundo, em seu caráter
Sofrimento
existencial
sofrimento. Aqui também está detalhado de onde surgiu o interesse pelo tema, os dados
É importante ressaltar que este estudo se situa no campo das pesquisas qualitativas em
contemporâneo desses alunos. Para isso, a tese apresenta um primeiro capítulo, intitulado
Sofro, logo existo? Explana acerca do sofrimento existencial que perpassa tudo o que
tese, conversando sobre as ideias que norteiam as reflexões acerca do sofrimento dos alunos
1
A exemplo da terminologia heideggeriana que utiliza o hífen em expressões, como ser-aí, adota-se no presente
trabalho a presença do hífen em ser-humano, com fins de dar ênfase à qualidade do ser do homem, no sentido de
ser o único ente que possui a capacidade privilegiada e a possibilidade de questionar o seu sentido de ser em sua
existência fática.
16
preciso dar nome a qualquer sofrimento? – o qual antecipa através do título uma crítica à
importante ponderar sobre o campo da saúde mental, posto que a maioria das pesquisas que
envolve o estudante universitário pertence a essa área, realizando-se também uma breve
procurou apoio na nosografia das ditas perturbações mentais, mas sim na experiência humana
capítulo, o qual expõe o método, o modo como se deu a pesquisa, onde foi realizada, quem
fenomenologia hermenêutica.
Saturno, Vênus, Marte e Terra, referentes à interpretação da entrevista com cada um dos
colaboradores que receberam o nome de um planeta apenas para fins de garantia do sigilo e
ilustração da pesquisa.
O que se conclui? – Urge pensar o sentido! Este é o sexto capítulo da tese, o qual
levanta as considerações finais, bem como as contribuições e óbices da pesquisa. Por fim, o
leitor encontra as Referências com a lista das referências bibliográficas utilizadas no estudo e
Introdução
imprimir um sentido a sua vida. É lançado em um mundo que não escolhe, trazendo consigo
uma história, a qual pode ou não ser assumida, pois é pleno de possibilidades. Entende-se que
é exigido do ser fazer escolhas continuamente, num processo inacabado, enquanto vive. Esta,
segundo Morato (2007), é uma tarefa intransferível que remete à angústia existencial por ser
ele próprio o único capaz de dar um sentido a si mesmo. Dutra (2004) alerta para o fato de
consigo, precisa lidar com as vicissitudes da vida contemporânea, as quais geram novas
apresenta alguns efeitos negativos, sendo estes voltados principalmente para o modo como as
acesso à informação e conhecimento, podem gerar uma sensação de dominação por parte do
ser que tem dificuldade de se desconectar do mundo virtual, gerando novas demandas de
saúde mental (Bauman, 2007). Utilizar-se-ão os termos saúde mental, psíquico, emocional e
derivados apenas para fins de facilitar o entendimento da leitura quando houver referência a
19
aspectos tidos na ciência de modo geral como pertencentes à esfera psíquica; no entanto, é
importante ressaltar que este é um uso meramente didático do termo, pois se parte do
Casanova (2009) que realça a inseparabilidade homem-mundo como modo que possibilita
denominado por Bauman (2007), que geram o esfacelamento dos laços sociais, a coisificação
das pessoas, contribuindo para a perda de sentido e para o mal-estar tão comum atualmente,
expresso nas mais variadas formas, como: depressão, síndromes do pânico, isolamento social,
estudo ou trabalho, com fins de possuir condições financeiras para atender ao desejo de
e/ou existencial, que se caracteriza como expressão de sintomas da vida social (Barbosa,
2012). É o ser refletindo problemáticas do contexto histórico e temporal em que está inserido.
estudantes universitários (Adlaf, Gliksman, Demers & Newton-Taylor, 2001; Cerchiari, 2004,
Neves & Dalgalarrondo, 2007; Oga & Cruz, 2010; Xavier, Nunes & Santos, 2008).
dos homens, representado nessa pesquisa pela UFRN, pela sociedade norte-rio-grandense ou
expressão particular e reflexo das conexões com o genérico e o universal. Dito de outro modo,
como aquele que constitui e é constituído pelo mundo, são cooriginários, ou seja, homem e
relativas a sua particularidade, mas também reflete os macros contextos da globalização. Faz-
se mister, deste modo, abordar o ser-humano como ser-no-mundo, não restringindo seu
sofrimento a uma causa determinista, mas considerando o ser inserido numa totalidade em
que influi e é influenciado por ela, está nela, sendo parte constituinte do mundo e dessa forma
expressão do mesmo.
compreender as relações de sentido que ele produz e a forma como se coloca no mundo. Isso
não descarta o livre arbítrio do homem, mas esclarece que o seu surgimento se dá em
consonância com suas motivações, com a forma como as solicitações de mundo e seus
existência.
dinâmico que evolui com o passar do tempo, com as experiências que vai particularmente
contexto. É importante frisar que o sofrimento é aqui compreendido de um modo mais amplo,
medida que enfrenta os desafios, as limitações, fragilidades e escolhas que a vida lhe impõe,
num eterno poder-ser, num vir-a-ser que não se esgota e jamais se completa, apenas na morte
(Heidegger, 1927/1995).
contemporâneo, há os estudantes que o enfrentam com graves prejuízos à saúde mental, mas
há também aqueles que não sofrem perturbações nesse nível, o que leva à afirmação,
corroborando com Barreto e Morato (2009), de que conquanto os homens sejam influenciados
pelo contexto social em que se inserem, este não é determinante, uma vez que o ser-humano
não age por causalidade, mas por motivação. Sendo assim, cada qual com sua história de vida,
que o contexto universitário tem impacto diferente em cada estudante que o experimenta, o
que varia dependendo do sentido que se atribui à experiência. Segundo Xavier et al. (2008),
dar sentido é uma definição somada a um componente pessoal de quem define, ou seja, é
bastante particular. A forma como o estudante irá vivenciar o ambiente acadêmico é singular e
varia de acordo com seus múltiplos sentidos internalizados e suas vivências emocionais. Desta
na esfera psíquica para alguns, e para outros, bastante perturbadora, podendo propiciar o mal-
22
ressaltando-se que a maioria dos achados pertence a perspectivas que divergem da que
embasa a presente pesquisa, no entanto, os mesmos são citados diante da escassez de estudos
em vista que a saída do nível médio e entrada no nível superior geralmente coincidem com
biopsicossociais, marcadas pelo luto infantil e passagem para a vida adulta. Além disso,
acadêmico exige um preparo para enfrentar o mercado de trabalho e uma adaptação que
pode ser realçado o sentimento de perdas, dadas as mudanças nos círculos sociais e familiares.
A pesquisa de Adlaf et al. (2001) afirma que estudos comparativos entre jovens que estão na
universidade com os de mesma idade fora da universidade evidenciam uma maior taxa de
sofrimento mental nos universitários. Destacam-se outros estudos, os quais indicam a alta
distanciamento dos pais como fator importante e decisivo para o adoecimento mental. Nota-se
a importância de se prestar atenção aos alunos provenientes do interior do estado que além da
origem, logo, do círculo social seguro e a criação de novos laços sociais. Fernandez e
Rodrigues (1993) afirmam que essas circunstâncias podem desencadear situações de crises.
estudantes de graduação das áreas de humanas, artes, saúde, ciências básicas, exatas e
(TMM) entre 558 universitários de ambos os sexos, dos cursos de Ciência da Computação,
sobressaíram com 35% dos sintomas; seguido de depressão e solidão com 21% e dificuldades
suporte psicológico, podem resultar num grave sofrimento e/ou adoecimento psíquico, com
prejuízos importantes no que concerne à vida social, pessoal e acadêmica (Dutra, 1998).
para o outro.
referente a alunos que buscaram atenção no plantão psicológico, a principal porta de entrada
plantão; já, até outubro de 2011, 75 estudantes procuraram o plantão psicológico, totalizando
107 estudantes. É evidente que o aumento da procura tem vários fatores correlacionados,
número cada vez maior de estudantes na instituição; não obstante, nota-se um aumento
do estudante universitário.
2
Atividades do Setor de Psicologia: grupo de habilidades acadêmicas, grupo de reorientação profissional,
orientação de estudos, plantão psicológico, apoio psicológico individual, grupo de apoio interdisciplinar nas
residências universitárias, oficinas temáticas, mediações de conflitos, articulação com a rede de apoio e suporte
social, encaminhamentos e orientação à família e a docentes.
25
evidenciando uma procura bastante equilibrada, estando um pouco superior entre os homens,
contrariando nesse momento as pesquisas que afirmam que o gênero feminino apresenta uma
iniciativa própria, como se vê na Figura 2, tendo sido constatada uma maior procura no início
do curso, durante os três primeiros períodos, com o ápice no segundo período, bem como na
saída do curso, durante os últimos períodos (ver Figura 3), indicando os dois momentos mais
25
20
Quantidade
15
10
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
Período
Figura 3. Quantitativo de estudantes por período do curso que buscaram o plantão psicológico
do Serviço de Psicologia da PROAE, entre os meses de janeiro de 2010 e outubro de 2011.
É digno de nota que houve uma maior procura de estudantes do curso de C&T,
ressalva de que é o curso que tem mais alunos na UFRN, porém é importante destacar essa
alta procura pelo fato das queixas trazidas pelos alunos de C&T serem bastante recorrentes,
referentes à maneira como o curso está estruturado, como: turmas muito grandes, com 150
alunos em média; professores que não sabem quem são seus alunos; falta de identidade da
turma; e, entre outras, alunos com o Ensino Médio bastante deficitário, mas que conseguem
ingressar em C&T, devido à facilidade de entrada, dado o grande número de vagas por
semestre (600 vagas por semestre), passando a ter muita dificuldade de acompanhar o alto
nível de exigência do curso. Tal panorama aponta uma importante necessidade de se pensar
Figura 4. Quantitativo de estudantes por curso que buscaram o plantão psicológico do Serviço
de Psicologia da PROAE, entre os meses de janeiro de 2010 e outubro de 2011.
estresse psíquico, que abrange sensação de sobrecarga, desânimo, angústia, tensão, irritação,
acompanhar o curso, de fazer seu planejamento de estudo, insatisfação com o curso escolhido,
Figura 5. Queixas trazidas pelos estudantes que buscaram o plantão psicológico do Serviço de
Psicologia da PROAE, entre os meses de janeiro de 2010 e outubro de 2011.
28
Ressalta-se que este levantamento de dados foi realizado anteriormente à seleção para
estudante que procurava assistência psicológica na PROAE. Não obstante, posteriormente foi
feita, para fins de complementação dos dados, uma busca acerca do número de alunos
plantão psicológico, nos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, obtendo-se a tabela da Figura 6.
também que foi observado que a demanda por curso continuou predominante no curso de
Ciências e Tecnologia em todos os anos, como se verifica na Figura 7, a qual expõe os três
cursos que tiveram maior procura por assistência psicológica no Setor de Psicologia da
PROAE, em 2013, 2014.2 e 2015. Salienta-se que não foi destacado aqui o número de alunos
atendidos pelo Serviço de Psicologia Aplicada (SEPA) da UFRN por não haver nos registros
do SEPA a sistematização desses dados, uma vez que também atende à comunidade externa e
Figura 7. Número de estudantes atendidos pelo Setor de Psicologia da PROAE dos três
cursos que tiveram a maior demanda, nos períodos de 2013, 2014.2 e 2015.
Observa-se que houve alternância entre os outros cursos ao passo que C&T se
manteve no lugar do curso que tem maior procura por assistência psicológica. A breve
contato com o universo desses estudantes e se sensibilizar com a crescente demanda de alunos
que buscam atenção psicológica, bem como com a problemática que envolve o ser estudante
pesquisa:
30
fatores estressores?
Justificativa
quando não recebem o cuidado adequado podem ter prejuízos importantes na vida
universitária, pessoal e social, como evasões que são onerosas para o ensino público, para a
faz necessário dar ênfase às dimensões mais vulneráveis durante a vida acadêmica.
estressores e suas formas de lidar com eles. No entanto, há poucos estudos acerca dos
estudantes universitários, o que poderia contribuir para uma melhor compreensão das
trajetórias acadêmicas, bem como para a promoção de atitudes que possam minimizar os
fatores estressores.
importante, portanto, avaliar os fatores vocacionais e/ou acadêmicos que possam estar
relacionados (Bardagi & Hutz, 2011). A identificação das principais fontes de preocupação
relativas ao ensino superior pode auxiliar no combate à desmotivação dos alunos, por
daquele que sofre e tudo que o envolve. São necessários estudos qualitativos que meditem e
Diante disso, a universidade deve se organizar para contribuir com o bem-estar de seus
estudantes, como defendem Santos e Almeida (2001), ao afirmarem que todos os agentes da
universidade devem criar condições que facilitem e propiciem o desenvolvimento pessoal dos
de apoio aos alunos (Gonçalves e Benevides-Pereira, 2009), o que também é defendido por
Zonta, Robles & Grosseman (2006) que realizaram pesquisa com estudantes de Medicina e
necessidade de realização de estudos que visem o maior conhecimento acerca dos fatores e
aspectos psicossociais que favorecem o desígnio por não viver. Acrescenta ainda que a
transição de vida – típica do estudante universitário – como sair da casa dos pais para
frequentar um ambiente com altos padrões acadêmicos são fatores que podem contribuir para
mental e qualidade de vida acadêmica e pessoal dos estudantes da UFRN e de preencher uma
lacuna nas pesquisas – como atesta Cerchiari (2004) ao salientar que a literatura nacional tem
buscando ter dados provenientes do próprio aluno e pontos de reflexão que possam contribuir
para se pensar alternativas de intervenção para uma melhor atenção ao estudante universitário,
setor responsável por isso, mas, sobretudo por defender a importância do acolhimento,
Objetivo geral
orientação heideggeriana.
Objetivos específicos
universitários;
estudante universitário.
35
Intitula-se este primeiro capítulo com uma paráfrase à máxima de René Descartes
(1595-1650) – “Cogito, ergo sum” (Penso, logo existo). O filósofo e matemático francês
propõe o método da dúvida hiperbólica na busca pela verdade e, nesta investigação, entende
que tudo o que existe pode ser falso, salvo a sua capacidade de duvidar e, portanto, de pensar,
Descartes aponta a certeza de que sua essência está no pensar e, por isso, para ser não
seria necessário nenhum lugar. O ser estaria então “flutuando” no mundo, pois para existir lhe
bastaria pensar. Martin Heidegger (1889-1976) verifica aí uma contradição, posto que o ser é
ser-no-mundo, não podendo existir prescindindo do mundo e assinala dois grandes equívocos
no pensamento de Descartes, quais sejam: confundir o ser com um ente qualquer quando o
define sem lhe dar um sentido e restringi-lo ao primado ôntico, aquele voltado para o que é
dado e possibilita a certeza absoluta. Assim, não se alcança a ontologia que parte do que não
está posto, que investiga o sentido do ser e que escapa à verdadeira e irrestrita compreensão.
Heidegger defende a necessidade de dar luz ao sentido do ser e não encobri-lo ao tomá-lo
simplesmente como objeto, sendo para isso necessário considerá-lo no mundo (Quintilhano,
2012).
36
justifica a paráfrase interrogada no título do presente capitulo, indicando que não é possível
tecer uma relação causal e restritiva ao se falar do existir, ao mesmo tempo em que o
sofrimento é intrínseco à existência e que não há separação entre mente e corpo e mundo,
meio da aceitação desta intimidade e envolvimento entre homem e mundo” (Frota, 2010, p.
3).
existencial, a qual, segundo Nogueira (2008), deve ser orientada pela compreensão do
denominado Dasein, ser-aí ou pre-sença, por ter como característica principal o fato de ser-
no-mundo.
É importante esclarecer que não se trata de um ser/corpo que está espacialmente dentro
espaço, mas sim a uma constituição ontológica fundamental que significa que o ser habita o
ser constituído por ele. O mundo aqui, portanto, não se refere ao conceito ôntico objetivo de
espaço onde os entes podem se dar, mas a um conceito ontológico que significa o ser dos
entes, o qual pode abarcar o mundo público do nós, o circundante mais próximo e o mundo
próprio.
Dasein e para isso se empenhou em caracterizá-lo. Ser-no-mundo implica para o Dasein uma
o ser-é-no-mundo, enquanto se ocupa com o que vem a seu encontro, demorando-se nele.
importante para proceder com a hermenêutica inspirada em Heidegger (1927/1995), uma vez
que corresponde ao fato do Dasein ser afetado pelo mundo, pelo que lhe vem ao encontro
num estado de ânimo, nomeado por Befindlickeit, ou seja, humor. Considera-se que o ser-aí
das “causas”. Parte-se do entendimento que o ser-humano está no mundo numa relação de
copertencimento e que suas enfermidades não são resultados de causas, mas sim respostas ao
que lhe vem ao encontro no seu predicado de ser-no-mundo. Este entendimento concorda com
a concepção de Ricoeur (1994) quando afirma que o sofrimento não é a dor, atribuindo ao
passant outros filósofos que também se inspiraram nas ideias de Edmund Husserl (1859-
1938), as quais romperam com a exatidão e objetividade do método experimental das ciências
são alguns dos pensadores que se situam na tradição filosófica, cujo tema central é a dimensão
38
inútil a não ser que a responsabilidade de uns para com os outros esteja imbricada, isto é,
numa não atitude de indiferença do ser para com o sofrimento do próximo, partindo-se da
concepção de que o sofrimento do ser é sofrimento inútil, por nada, mas que pode tomar um
implicar e sofrer, no sentido de sofrer pelo sofrimento dos seus alunos, numa relação de
profundidade o seu viver, partindo-se do ponto de vista enfatizado por Barus-Michel (2010)
ser lançado no mundo, de ser e ter de ser, pelo peso da responsabilidade e liberdade que só lhe
pertencem de poder-ser; mas também, uma virtude, pois tem o potencial de mobilizar o ser
onde há um fardo a ser carregado, observando-se que o fardo é a tradução para o existencial
39
carga (Belastung). O peso do fardo varia de acordo com a disposição interna, ou seja, com o
modo com que o Dasein se afina com o mundo pelo qual é interpelado.
como sendo uma manifestação fenomênica do fardo. Essas respostas não são decorrentes de
simples estímulos, mas de motivos resultantes do que lhe é solicitado e lhe gera um encargo
(Nogueira, 2008). Diferentemente da relação causa e efeito, em que uma causa gera
determinado efeito, o motivo, como esclarece Heidegger (1987/2009), não obriga, faz surgir o
possibilidades de ser.
solicitação apreendida pelo Dasein em seu mundo; 2. o alívio do que lhe foi solicitado
também gera estresse pelo vazio imediato que surge; 3. o estresse em certa medida é
O filósofo analisa então o estresse em sua relação com o fardo existencial e expande
essa interpretação para o padecimento como um modo de ser singular do Dasein. Heidegger
(1987/2009) se refere à doença como sendo uma limitação da possibilidade de viver, uma
perda da liberdade, uma vez que o Dasein se depara com restrições nas suas possibilidades.
Ao mesmo tempo em que se evidenciam as limitações, é possível lançar o olhar para as novas
possibilidades que surgem a partir da nova configuração, afinal o existir como Dasein denota
sua abertura que lhe é intrínseca, mas a manifesta de outra maneira com algumas limitações,
mas também com possibilidades antes não exibidas. É um modo de ser modificado.
analisado em sua pertinência ao círculo hermenêutico que liga o ser a seu mundo, baseando-se
nas solicitações que recebe e nas respostas que fornece concretamente, sendo a doença uma
abertura para novas compreensões, intepretações e possibilidades, as quais, por sua vez,
sua facticidade, ou seja, o ser-aí possível em cada ocasião. A facticidade é, pois, entendida
como um deter-se junto à própria vida em seu sentido ontológico. O conceito tradicional de
mensageiro dos deuses, o qual traduzia o que não era compreendido pela mente humana –
ser-aí próprio em cada ocasião” (Heidegger, 1982/2013, p. 22), sendo o modo impessoal uma
possibilidade de ser-no-mundo.
que ocorre. O contexto do mundo é fundamental, mas é preciso romper com o olhar e a fala
a qual reside no caráter público do que é dito e está ao alcance do ser-aí como uma
evidencia o modo como uma época aborda outra, o presente se relaciona com o passado,
conhecimento que não assume princípios, mas se deixa guiar pela atenção aos sentidos do ser-
aí em sua facticidade, pelo caráter ontológico do ser-aí que se manifesta nos modos de ter-se a
si mesmo, escapando às regras e pressupostos da ciência tradicional. Por isso, podendo ser
vista como uma restrição do conhecimento científico e não como uma possibilidade, como
Heidegger (1982/2013) adverte: “ficar parado num passo concreto observando seria o
sobre o ser e o que lhe interpela. A interpretação pode ser tida como imprecisa ou restrita, o
que não quer dizer que seja falsa ou que careça de determinado conteúdo, mas sim que é uma
A ciência clássica oferece uma aparente segurança pela proteção que a objetividade e a
certeza conferem, passando por cima de um questionar detalhado e de um espaço para que se
possa surgir, sem preocupação com categorização ou encaixe ao que já é conhecido e pré-
(1982/2013) afirma que “Deve afastar-se do que se encontra mais próximo no assunto que
está em jogo para ir em direção ao que reside em seu fundo” (p. 84), com isso se verifica a
importância de não se deixar levar pelo que está posto ou evidente, mas apresentar um
aproximação com o que é mais genuíno. O que se possui de antemão quando do acesso ao
ente, ou seja, o que está à vista, Heidegger denominou de posição prévia, ponto do qual se
A posição prévia impede o acesso ao ser-aí, caso não seja evitado o esquema sujeito-
perspectiva a explícita apropriação desse ponto de partida, o qual é inseparável do ser-aí, pois
ninguém é, nem consegue ficar neutro e fora do tempo, numa observação livre de perspectiva,
ao contrário, no ato da interpretação, o que é percebido não é outra coisa que não seja o ser-aí
que é com o outro. Heidegger (1927/1995) disse: “conhecer é um modo ontológico de ser-no-
mundo” (p. 100); dessa forma, entende-se que na busca pelo conhecimento ou interpretação
de um discurso, dá-se o encontro dos entes num ser-com-o-outro, um deter-se junto ao outro e
sua experiência que leva a uma percepção/interpretação, a qual por sua vez pode ser
pronunciada numa explicitação, ressaltando-se que será sempre uma possibilidade pontual de
43
determinado momento, uma vez que se considera a temporalidade e o estar presente daqueles
possível sob a ótica da hermenêutica em foco, pois “Na pre-sença reside uma tendência
ser que ingenuamente pensa produzir distância. Pode-se haver um recorte de tudo que se tem
à mão, o qual se denomina de visão prévia, isto é, a seleção de um ponto de vista diante de
sentido ao que foi obtido na posição prévia, ou seja, uma concepção prévia, a qual pode ser
transitória, dada a multiplicidade interpretativa que varia de acordo com o olhar e o encontro
horizonte histórico marcado por passado e porvir e que atravessa o presente em cada ocasião.
Sobre isso, Heidegger (1927/1996) fala do pendente do poder-ser que resulta na constante
relaciona-se com o poder-ser, o proceder-se a si-mesmo sem jamais alcançar a sua totalidade.
O ser é no mundo, ocupando-se com o que vem a seu encontro no mundo circundante e
quando o ser se deixa dominar no público pelo hábito, aproxima-se da falta de cuidado. Em
outras palavras, carece da curiosidade por ser si mesmo, como disse Heidegger (1927/1996):
44
buscando alcançar a dimensão do sentido de ser da pre-sença, esta por sua vez se manifesta no
discurso das realizações, através do ser-com aquele que põe em questão o que está sendo dito.
O ser, portanto, não pode ser determinado, mas pode se dar em seus sentidos na relação com o
outro.
à responsabilidade de assumir seu próprio ser. O ser é o que neste ente está sempre em jogo”
(Heidegger, 1927/1995, p. 77), e isto é o que importa à escuta de acordo com essa vertente do
modo que originariamente a compreensão é constitutiva do ser e nesta subsiste o modo de ser
mais originária e mais positiva da pre-sença” (Heidegger, 1927/1995, p. 199), sendo a pre-
nesta pesquisa se baseia no círculo hermenêutico que considera toda e qualquer percepção já
ser:
sendo necessária uma visão plena da circularidade compreensiva para uma possível
aproximação.
no mundo; dessa forma, dar atenção ao contexto de mundo em que o Dasein se encontra é,
abertura da pre-sença e poder meditar sobre o modo como o Dasein copertence nesse mundo.
especial de ser-no-mundo em que é totalmente absorvido pelo ‘mundo’ e pela co-presença dos
outros no impessoal” (p. 237). Assim, ele evidencia um modo de ser bastante comum ao
abandonar-se ao mundo. Aqui não há uma valoração onticamente negativa, mas um juízo de
sofrimento. É válido, no entanto, refletir sobre uma contradição que se coloca e é inerente a
esse tempo, pois ao passo que se destaca o sofrimento enquanto constituinte ontológico do
sofrimento.
ampliar o entendimento do mundo das ocupações do Dasein, bem como da Era da Técnica em
Heidegger. Esta apresenta características que configuram esse tempo e contribui para a
Capítulo II – Sou estudante universitário! – pretende conduzir o leitor para uma maior
fazê-lo não deve se deixar levar por um pensamento determinista, no sentido de que o
contexto seria uma causa para desencadear certos efeitos. Reitera-se que, em acordo com o
pensamento heideggeriano aqui explicitado, o ser não reage a causas, mas age por motivos
imediato e a solução mais rápida e eficaz é fazer uso de medicação para garantir a eliminação
Verifica-se que há uma proposição para um modo específico de existir, o qual é irreal,
pois alude a uma felicidade completa. As exigências são em todas as esferas da vida do ser,
desde o âmbito pessoal, como adquirir o padrão de beleza estipulado, profissional, tendo que
satisfação dos desejos humanos, porém isso não se concretiza; a sedução permanece e os
desejos não são satisfeitos, dada a incompletude inerente ao ser. O caráter de poder-ser do
Dasein caracteriza sua incompletude ontológica, dada sua mobilidade estrutural de ser-aí, de
ser-no-mundo, ou seja, numa dinâmica de ser para fora (Feijoo, 2011). A propagação do ideal
Panopticon3 com vigilância constante, nesse caso, através das mídias eletrônicas e redes
sociais. Neste sentido, Giovanetti (2010) fala sobre a sociedade do espetáculo, em que é
A sociedade do espetáculo foi um termo lançado pelo filósofo Guy Debord (1931-
XXI. Evidenciou o surgimento do espetáculo como uma ideologia surgida com a revolução
larga escala, numa produção alienante, a qual, por conseguinte, fez surgir o consumo
alienado. Vale destacar que, sobre essa necessidade de aquisição do que é novidade,
Heidegger (1927/1995) apontou a curiosidade da pre-sença como uma busca pelo novo,
encontro” (p. 233), provocando a dispersão e o desamparo onde tudo e, no fundo, nada
acontece.
desta forma, a aparência ao ser. “A primeira fase da dominação da economia sobre a vida
social acarretou, no modo de definir toda realização humana, uma evidente degradação do ser
mesmas coisas, numa necessidade de imitação e representação que se sustenta pela negação
da verdade individual, desconsiderando o que é próprio do desejo de cada um, mas que
3
Famosa prisão de Jeremy Bentham (1748-1832) que possuía estrutura circular, na qual os prisioneiros ficavam
em torno de uma torre central de observação, sem saber se estavam sendo vigiados a todo o momento, de modo
que eram treinados a monitorar o próprio comportamento (Levene, 2013).
49
1997). É preciso se sentir integrado. Eis a noção de mimetismo: sofro por não ter o que o
pertencimento, do sentimento de “nós”, feita por Senett (1996) quando afirma que esta é uma
forma de se evitar olhar mais profundamente para si mesmo e uns aos outros. De fato, “olhar
para dentro” requer autenticidade, consciência de si e do outro, tão difícil de ser alcançada
neste mundo que absorve, calcula e não dispõe de tempo para o pensamento meditante, aquele
que exige um grande esforço e “reflecte sobre o sentido que reina em tudo o que existe”
(Heidegger, 1959, p. 13). A sociedade contemporânea pode ser definida, segundo Augras
(1981) como a cultura da máscara, uma vez que embute máscaras e transforma os outros em
padrões e das “necessidades”. A máscara indica que o ser-humano foi reduzido ao registro
social, aprisionado nos códigos sociais, experimentando um profundo vazio existencial (Safra,
2004).
para com aqueles que não conseguem atender aos padrões. A esse respeito, Bauman (2007)
sociedade, segundo o autor, “a destinação ao lixo se torna uma perspectiva potencial para
do consumo que mostra sem parar uma nova necessidade atrás da outra, fazendo com que as
pessoas se mantenham ocupadas com “paixões” que as desviam de pensar no que são. Esta
dos modos que possibilitam a estruturação da experiência singular (Feijoo, 2011). Ressalta-se
que não se trata da morte enquanto desaparecimento do corpo biológico, mas o fundamental é
“o fato de não vir a alcançar a possibilidade de ser o que é” (Safra, 2004, p. 59).
Sobre isto, Soares (2004) afirma “voltam-se para qualquer coisa para preencher este
vazio, que lhes ofereça alguma sensação de estabilidade e pertencimento” (p. 2). No entanto,
advertem mais à frente que esta fuga de pensar o sentido provoca ao mesmo tempo a falta
dele, sendo necessário aceitar o vazio para pensar a existência, de outra forma, o ser-humano
incompletude que lhe diz respeito. Em outras palavras, configura-se uma vida cheia de nada.
social, torna-se desprovido de qualquer sentido existencial, podendo adoecer, dito de outro
modo, entende-se que o homem adoece quando é tomado pelo vazio existencial, não
Esse vazio é proveniente, sobretudo, pelo fato das pessoas passarem a valer mais pelo
serviços que acredita estar agregando valor à sua pessoa e este valor precisa ser exibido numa
cultura do narcisismo que instiga a competição (Soares, 2004). “Numa sociedade de consumo,
o gozo prevalece sobre todas as outras coisas, o ter sobre o ser, o prazer sobre a moral, o si-
nossa).
existencial, facilmente se vê dominado pela lógica deste tempo, buscando, sem ter consciência
de que o faz, uma segurança e certeza da felicidade prometidas. Bauman (2007) atenta para o
efeito contrário disto, pois ao se deparar com a continuidade da incerteza, pois esta é
51
contingente da espécie humana, o ser tem acirrada sua ansiedade, além do sentimento de
culpabiliza quando não consegue alcançar o ideal, dando conta de tudo o que lhe é solicitado.
É necessário o entendimento de que as solicitações são inúmeras e iguais para cada um,
problemas psíquicos não são exclusivos do ser, frutos de uma dinâmica interna, do orgânico,
mas da relação do ser que é e está no mundo, na gênese do que se denomina conflito psíquico
A este respeito, Safra (2004) afirma: “Não se trata simplesmente de um ‘problema psíquico’
ou de um ‘conflito pulsional’, mas de algo que se refere à Ontologia do existir humano” (p.
26).
fechado, possuir carro blindado, não andar na rua, ao estilo “cada um por si e Deus por todos”
(p. 20).
como solidão e fracasso favorecidos por esta conjuntura, ao pesquisarem sobre as demandas
relacionar com os outros. Esta última bastante comum neste mundo em que as relações são
Neste sentido, Moreira (2002) explana sobre a depressão e chama atenção para o modo
como esta enfermidade é vista, através de uma perspectiva extremamente individualista, como
desconsiderada sua história de vida, as relações que estabelece, enfim, o modo como existe-
tempo social, o psiquismo é habitado pelo social. O ser-humano é composto pelo contexto
social em que se encontra, histórico e cultural e mesmo político” (p. 2, tradução nossa).
peculiares do ambiente acadêmico e desse curso da área tecnológica, dando atenção à maneira
como esses contextos são atravessados pela lógica do mundo contemporâneo e ao modo como
concreta de ter uma formação superior, aliada a uma conquista de liberdade tão almejada. Não
obstante, vale notar que esta experiência pode se vinculada a uma vivência de sofrimento
para este público (Adlaf et al., 2001; Cerchiari, 2004; Fernandez & Rodrigues, 1993; Giglio,
1976; Loreto, 1972; Mendonza & Medina-Mora, 1987; Neves & Dalgalarrondo, 2007; Niemi,
1988; Oga & Cruz, 2010; Rimmer et al., 1982; Roberts et al., 2001; Santos & Almeida, 2001;
dados eletrônicas: SciELO, Google acadêmico e Lilacs. Estas foram escolhidas por estarem
entre as bases consideradas mais completas para o acesso à produção nacional, o que não
“estudantes” e “universitários”. Foi feita uma seleção inicial por meio da leitura dos resumos
dos textos disponíveis nas bases de dados e um segundo filtro através da leitura dos artigos
integralmente e a seleção final daqueles que foram considerados relevantes para a pesquisa.
54
os outros sete na área de saúde; destes, quatro referentes ao curso de Medicina. Os artigos se
situam no intervalo dos anos de 2000 a 2013 e um deles é uma revisão bibliográfica. Pontua-
se que nenhum trabalho realizou uma abordagem qualitativa sobre o sofrimento, sendo todos
eles, com exceção de um estudo sobre o suicídio, referentes a sintomas específicos como:
(Dutra, 2012). Dois utilizaram uma abordagem qualitativa, ambos ligados ao curso de
“Teaching strategies for coping with stress – the perception of medical students” (Pereira &
Barbosa, 2013).
Constatou-se uma prevalência das áreas da saúde entre os textos encontrados, com
numa abordagem quantitativa que busca indicar a prevalência de transtornos mentais, medir
depressão e ansiedade. Desta forma, considerou-se pertinente expor aqui os achados acerca do
produzido a esse respeito, apesar da maioria ser proveniente de pesquisas quantitativas que
priorizam o enquadre científico em categorias relativas à saúde mental e por isso divergem do
Os autores Bardagi e Hutz (2011) realizaram uma revisão de literatura acerca dos
eventos estressores no contexto acadêmico entre 1999 e 2009, na qual encontraram 12 artigos.
55
Observaram que a maioria, 8 deles, foi sobre estudantes da área de saúde, como Medicina e
Tendo em vista o número baixo de trabalhos encontrados nas bases, optou-se por
numérica, não alcançando a discussão que se faz necessária, relativa à singularidade daquele
que sofre, bem como ao contexto de mundo que tem propiciado o aumento acirrado destes
Dutra (2012) se destaca desse grupo de trabalhos selecionados por abordar a temática
do suicídio entre estudantes, fazendo uso de uma reflexão que considera o ser-no-mundo com
entre os jovens universitários, o que se verifica nas estatísticas, mesmo ressaltando que em
geral os números oficiais são inferiores à realidade, devido ao preconceito que perpassa este
fenômeno. Apesar disso, os registros do Ministério da Saúde mostram que houve um aumento
considerável na taxa de suicídio da população brasileira, do ano de 2000 para 2007, sendo
importante, portanto, pensar sobre o contexto de mundo que tem favorecido esse desejo de
pesquisas nos Estados Unidos que mostram o aumento, nas últimas décadas, da procura por
fazer frente à dinâmica social atual que notoriamente adoece o ser, os estudos são de extrema
importância por evidenciarem o alto grau de sofrimento que se encontra nas universidades,
sinalizando inclusive alguns elementos principais que contribuem para isso. Serão detalhados
a seguir alguns achados considerados mais relevantes para se pensar a temática em questão.
entre estudantes solteiros, comparados aos casados (Sarokhani et al., 2013). Foram
encontrados alguns fatores de risco, como transição da vida e saída da casa dos pais para
frequentar a universidade (Dutra, 2012) e sobrecarga acadêmica, que diz respeito ao alto
volume de atividades obrigatórias, dentro e fora da classe e a falta de tempo para cumpri-las
estresse acadêmico, o qual ocorre quando uma pessoa está em um período de aprendizagem e
experimenta uma tensão, sendo as altas exigências do nível superior consideradas pelos
próprios estudantes como fonte de estresse. Baptista e Campos (2000) verificam que a
aproveitamento acadêmico.
Rodas et al. (2010) também encontraram uma correlação positiva e significativa entre
adaptação do estudante ingressante, entre eles: dar conta das exigências acadêmicas,
geraram estresse nos estudantes de uma forma geral foram: apresentação oral, carga
sistemas de ensino e avaliação. Na social, com a esperada ampliação da rede social e novos
imperativo de ter que definir suas metas de carreira, conciliando suas expectativas de
no curso por uma possível falta de identificação, pode ser um forte disparador para o
compromisso com a carreira pode ser um moderador do estresse, enfatizando que muitos
relação à escolha profissional. Bardagi e Hutz (2011) referem alguns estudos internacionais
que indicam que a maior identificação com a instituição ou com a área de formação reduzirá o
o fato de que o estresse decorrente do engajamento ou não do estudante com seu curso ainda
Costa e Polak (2009), por sua vez, construíram um instrumento para avaliação de
estresse entre estudantes de enfermagem e afirmaram que as atividades que geram estresse se
encontram em seis domínios principais, são eles: realização das atividades práticas,
atividade teórica.
do aluno, seu controle de tempo e sua satisfação com atividades de lazer, chegando à
somado a uma melhor administração do seu tempo e a prática de atividades de lazer podem
desencadeamento de estresse (Misra & McKean, 2000). Constataram ainda que calouros
apresentam mais reações de estresse, enquanto estudantes mais velhos e mulheres planejam
melhor o tempo, apesar da prevalência de estresse e ansiedade ser maior entre as mulheres, o
Faz-se mister destacar a pesquisa de Katsurayama et al. (2009) que assinalou aspectos
expressar sentimentos e o alto nível de exigência consigo mesmo. Neste sentido, também
sobressai a pesquisa de Ross, Niebling e Heckert (1999) que constatou, através da utilização
em universitários da escala The Student Stress Survey, que 38% das fontes de estresse eram
acadêmico.
59
presença do fator pessoal como presente na deflagração do estresse. Vale então salientar que
área de estudos, da forma como o próprio estudante lida com sua experiência de estar na
universidade, entre tantas outras, sendo, portanto, fundamental o cuidado com a generalização
por se tratar de experiências humanas que são na sua natureza múltiplas de possibilidades.
Contudo, entende-se que essas nomeações dizem respeito à linguagem científica necessária
para tornar compreensível a leitura referente a dificuldades que podem ser encontradas no
realizada:
7. Sobrecarga acadêmica;
8. Falta de tempo;
digno de nota que estes atributos não operam como causas, gerando os mesmos efeitos
indistintamente nos estudantes, mas servem para proporcionar um maior conhecimento acerca
61
do que envolve o estudante e pode lhe atravessar em sua vida acadêmica, no sentido de
contribuindo para se pensar ações que possam contemplar certos aspectos e assim
estudante, pois este terá sua experiência perpassada por sua singularidade, história de vida e
Faz-se necessário problematizar esse contexto acadêmico que tem se mostrado com
sentido de dar atenção aos fatores estressores, também não seria o caso de falar em prevenção,
pois em se tratando de uma orientação fenomenológico-existencial não cabe fazer uso desse
conceito, uma vez que a dimensão de abertura é constituinte do ser, estando esse em constante
ser, as quais não podem ser impedidas por medidas que ingenuamente têm a pretensão de
serem preventivas.
Poder-se-ia haver o questionamento acerca da utilidade desta pesquisa já que não serve
circundante do universitário, como o aluno se ocupa com o mundo instrumental que está à
mão, como se preocupa com os outros com quem se-é e como exerce o cuidado, no sentido de
estar desperto ou curioso sobre si, seu modo de ser próprio e pessoal. Tais reflexões permitem
como tem perpassado os sentidos produzidos pelos estudantes em suas vivências acadêmicas.
62
a objetificação do humano que passa a ser mais uma peça na linha da montagem produtiva.
Certa vez, atravessando um rio, “cura” viu um pedaço de terra argilosa: cogitando,
tomou um pedaço e começou a lhe dar forma. Enquanto refletia sobre o que criara,
interveio Júpiter. A cura pediu-lhe que desse espírito à forma de argila, o que ele fez
de bom grado. Como a cura quis então dar seu nome ao que tinha dado forma, Júpiter
a proibiu e exigiu que fosse dado o nome. Enquanto “Cura” e Júpiter disputavam sobre
o nome, surgiu também a terra (tellus) querendo dar o seu nome, uma vez que havia
fornecido um pedaço de seu corpo. Os disputantes tomaram Saturno como árbitro.
Saturno pronunciou a seguinte decisão, aparentemente equitativa: “Tu, Júpiter, por
teres dado o espírito, deves receber na morte o espírito e tu, terra, por teres dado o
corpo, deves receber o corpo. Como, porém, foi a ‘cura quem primeiro o formou, ele
deve pertencer à ‘cura’ enquanto viver. Como, no entanto, sobre o nome há disputa,
ele deve se chamar ‘homo’, pois foi feito de húmus (terra)” (p. 263-264).
cuidado/cura como potência constituinte ao ser lançado no mundo. Assim sendo, a pre-sença é
cuidado, no sentido de poder-ser para as suas possibilidades mais próprias, escapando à total
A universidade, na medida em que propaga a lógica que absorve o ser e contribui para
curiosidade do ser sobre si, da sua cura, enquanto aquilo que se abre para a propriedade, para
o ser-si-próprio.
emocional, como angústia, tédio, tristeza e, por exemplo, medo; muitas vezes este recebe
diagnósticos para fins de encaixe em um rótulo conhecido que transmite uma falsa sensação
psicopatologia, por ser este o campo que lida com a saúde mental, lembrando que o termo
mental é empregado para destacar essa área da ciência. Contudo, considera-se que a saúde do
A psicopatologia merece atenção por ser campo das ciências que abrange o sofrimento
psíquico. Pode ser definida como patologia das doenças mentais e estudo das causas e
natureza das doenças mentais (Tatossian & Moreira, 2012), podendo ser, por exemplo, de
Jaspers se preocupou com a realidade objetiva e subjetiva das pessoas que sofrem com
transtornos mentais e com a cientificidade dos sintomas subjetivos. Para ele, no exame de um
A patologia mental saiu então do campo estritamente natural para ser compreendida
deixou de ser visto isolado, mas como expressão do ser, manifestação de determinada pessoa
sujeito, tal qual a ideia husserliana, ao passo que para Heidegger não existia a representação
de sujeito, devendo este ser substituído por Dasein, um acontecer no mundo. A psiquiatria
(Cardinalli, 2012). É válido dizer que o pensamento de Binswanger marcou Rollo May (1909-
1994) que teve importante contribuição por ter introduzido o pensamento existencialista nos
do homem não se relacionar, afirmando que ele sempre se relaciona, de diferentes maneiras,
mas sempre o faz, entendendo que a primordial característica do homem ser sadio consiste nas
suas possibilidades de relação, dada a abertura livre de seu mundo. Já, na enfermidade,
compreende-se como uma limitação dessas possibilidades (Tatossian & Moreira, 2012).
universal” (Tatossian & Moreira, 2012, p. 214). Conceito este que foi introduzido pelo último
alteração no tempo vivido no ser-doente, uma vez que os indivíduos saudáveis observam o
tempo com a noção do que está por vir, do futuro, o que não se observa na vivência da
consciência, pois defendia que só extinguindo termos como sujeito, eu e consciência é que se
estaria rompendo com a metafísica tradicional, devendo-se fazer referência ao existir humano,
Este modo de lidar com a patologia mental evidencia uma explicação do humano
generalizar, medir ou quantificar a experiência subjetiva que ocupa o lugar da imprecisão, não
o “subjetivo”, em outras palavras, desmerecer o que está para além do objetivável. Costa
manifestação de sofrimento, como se lê: “Ainda que os sintomas expressos pelo sujeito sejam
(p. 60).
fragmentação da existência humana, devendo-se fazer uso da técnica como um modo para
causalidade” (Heidegger, 1965/2012, p. 13), observando que o Dasein não adoece por
que lhe vem ao encontro enquanto horizonte de sentido. Mais à frente, conclui: “A técnica não
Heidegger (1965/2012) inspira uma reflexão acerca dos efeitos desta forma de lidar
com o padecimento, destacando a busca pela eficiência, e define ser eficiente como sendo
alcançar, obter resultados e efeitos, observando que estes resultados estariam à mercê do que é
existência humana. Alerta para a clínica que é assim embasada, a qual não tem efetividade,
pois se configura como uma manipulação de objetos que pode ter como resultado um objeto
acordo com os sinais e sintomas apresentados, através do uso dos psicofármacos devidamente
correto, incorre-se no risco de sobrepor à verdade, como afirma Heidegger (1965/2012): “(...)
justamente por tais resultados que o desencobrimento pode tornar-se o perigo de o verdadeiro
Barbosa (2012) faz uma interessante reflexão acerca do limite entre o que é
qualquer manifestação de sofrimento é tida atualmente como doença, devendo-se cuidar para
configuraria como uma patologia, alertando para o fato de que nem todo sofrimento
69
diz respeito ao uso indiscriminado de medicação para todo e qualquer conflito humano, como
A busca imediata pela exclusiva eliminação do sintoma preocupa, tendo em vista que
o sintoma evidencia aquilo que aparece, encobrindo a questão existencial que o faz surgir. As
manifestações de uma doença “indicam algo que em si mesmo não se mostra” (Heidegger
A técnica pronuncia uma maneira de pensar e está relacionada com a história do ser. A
técnica moderna, fruto da mudança de paradigma do século XVII, em que o homem passa a
ser visto como objeto de cálculo e previsão; e a técnica, um meio para alcançar respostas de
problemas não mais pensados ou mesmo formulados. O conhecimento verdadeiro passa a ser
prometido pela ciência positiva e uso da tecnologia. É o símbolo atual do modo como a
Heidegger provoca a reflexão sobre a questão da técnica como sendo um novo tempo para o
movimento da existência, como afirma Safra (2004), “A mentalidade tecnológica tem como
objetivo fundamental o domínio da existência ou até mesmo do sentido de si” (p. 68).
Entretanto, considera-se que o homem deve tentar uma relação livre com ela, no sentido de se
abrir para outros modos possíveis de ser, ao invés de tentar dominá-la, pois é impossível não
se submeter à técnica, voltar para um tempo em que era diferente, como afirma Heidegger
(1959), “Seria insensato investir às cegas contra o mundo técnico” (p. 23). É preciso dizer sim
e não à técnica, ou seja, ser livre para se relacionar com ela, desviando-se de pertencer a um
70
único modo de ser e buscando abertura para o que é mais próprio do ser-humano, o pensar, o
técnica, mas refletir sobre ela para que o ser-humano não seja limitado ao conceituável,
roubando-lhe os mistérios do seu ser e o tornando homem-coisa e não mais ser, não mais pre-
É digno de nota que Heidegger (2006) destaca o tédio como sendo uma tonalidade
afetiva típica da configuração desta Era da Técnica, sendo, portanto, uma temática necessária
ao se pensar o homem contemporâneo e por esta razão merecedora de atenção. Nas palavras
heideggeriana trata-se do momento que se alonga e do qual comumente queremos nos ver
livres por meio dos passa-tempos” (p. 50). O mundo deixa de ser interessante e nada tem
sentido, ficando difícil acompanhar o ritmo acelerado e automático de existir. É a dor de ver o
tédio, segundo Heidegger: 1 - tédio que vem de fora, como uma longa espera por algo,
exigindo que se interrompa o ritmo cotidiano; 2 - tédio proveniente do modo singular como
quando se torna de fato impossível acompanhar o tempo presente. Este último denuncia o
presença do tédio, uma vez que a rotina e a repetição promovem a ausência de sentido que por
71
sua vez alertam para o insuportável do cotidiano e para a perda de si com a quase
maneira significativa, posto que reflete o sofrimento humano como uma experiência singular
boas contribuições para o campo da atenção psicológica, na medida em que oferece uma
do mesmo e de controle da existência como alguns dos atravessamentos com os quais o ser-
Por esta razão, segue-se com uma breve apresentação do curso, as peculiaridades que
justificaram sua seleção para a participação neste estudo, com o intuito de melhor situar o
de outubro de 2008, apresenta uma nova Unidade Acadêmica Especializada proposta pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, dada sua participação institucional no REUNI4
tem como objetivo dotar as universidades federais de condições necessárias para a ampliação
O BCT apresenta um novo modelo de formação com duração de três anos, sendo este
o aspecto diferencial do Projeto da UFRN para o REUNI. Foi criado para ofertar duas
entradas por ano, cada uma com 600 alunos, totalizando um ingresso de 1200 estudantes no
ensino superior por ano. O curso possibilita a formação de um bacharel generalista que poderá
ou das ciências exatas para sua formação profissional em dois anos. Destaca-se que o projeto
propunha alcançar uma melhor taxa de sucesso dos cursos de graduação, além da ampliação
na oferta de vagas; para isso, foram elaboradas algumas estratégias como a melhoria na
4
Para informações mais detalhadas consultar o site http://www.reuni.ufrn.br/ e ver Sinopse do projeto de
reestruturação e expansão da UFRN no programa REUNI. Recuperado de
http://www.reuni.ufrn.br/files/SinopseReuni.pdf.
73
Brasil, mas adianta que não será abordada essa questão. Observam-se dois pontos
prévia à entrada na universidade e 2) “customização” dos projetos pedagógicos dos cursos que
aproximam o estudante desde o início do curso às matérias ditas necessárias para sua
formação específica.
para conclusão do curso, como sendo resultados principalmente de uma escolha apressada e
a proposta de formação em dois ciclos na tentativa de sanar esses problemas e lembra que a
própria UFRN já fez uso desse método na década de 70, durante um curto período (1970 a
1972), no qual o aluno entrava na grande área da engenharia e após dois anos de formação
básica passava por uma seleção baseada no mérito acadêmico e daí seguia para a formação
mais específica. O texto, no entanto, não expõe o motivo pelo qual esse método foi deixado de
lado.
Ciências Exatas e Engenharias, podendo o aluno ao final decidir se pretende dar continuidade
aos estudos com uma formação específica ou não. Para tanto, o projeto defende uma
mercado de trabalho após o primeiro ciclo. O caráter bidimensional desta formação, segundo
destacando ainda a missão de reduzir as taxas de evasão, retenção e longos tempos médios de
74
que no projeto havia a solicitação de dois psicólogos escolares para compor o quadro de
técnicos-administrativos do NEC&T.
entre os alunos, tendo em vista a seleção baseada no mérito para o segundo ciclo. Em relação
Constata-se que o projeto para criação da Escola de Ciências e Tecnologia (ECT) foi
muito bem escrito, contemplando todas as esferas e com a ideia de possibilitar a resolução de
problemas e uma eficiente formação profissional na grande área das Ciências Exatas e
Engenharias. Entretanto, é preciso dizer que após cinco anos da inauguração da ECT,
verificam-se muitos problemas de toda ordem, tendo sido a ECT alvo de pesquisa
institucional para avaliação e possível desenvolvimento; bem como tem se destacado pelo fato
dos próprios alunos da ECT procurarem com frequência suporte psicológico, devido à
75
perpassam desde aspectos estruturais, como salas de aula muito grandes, geralmente
anfiteatros, ausência de área de convivência para os estudantes, de local para estudar, lanchar
aprendizagem, muitas vezes relativas a turmas com muitos alunos (em média 150), altos
tenso e, entre outros, importantes relatos de adoecimento psíquico entre docentes e discentes.
É digno de nota que não só os alunos, mas também os professores se queixam do alto
número de alunos por turma, o que impede de acompanhar o aluno na sua necessidade
invisível para eles, além do desgaste e prejuízo nas atividades que são sempre em grande
disparidade entre os próprios alunos, tendo em vista a entrada maciça de 600 alunos por
semestre, e que atende ao requisito da inclusão social, mas por outro lado provoca o ingresso
psicológica e familiar, para citar algumas, sem que os professores tenham sido preparados
projeto do NEC&T, apenas em 2014 chegou uma psicóloga escolar, a qual compartilha com a
76
Informa-se que durante a pesquisa foi investigado se havia alguma política de apoio ao
oferecidos assim que o aluno ingressa na ECT. Um é o programa de tutoria, no qual um tutor
ECT, sendo objetivo do tutor oferecer suporte pedagógico a dois grupos de tutorandos de, no
máximo, seis alunos cada. Para tanto, o tutor deverá se reunir com seus grupos de tutorandos
duas vezes por semana. Nessas reuniões, em síntese, caberá ao tutor: identificar as
planejar uma rotina de estudo dentro e fora do grupo; verificar se esse planejamento vem
além de atribuições, como: acionar monitores e professores caso perceba que o atendimento
não está sendo suficiente; encaminhar o tutorando para seu orientador acadêmico quando
também poderá ser feito na tutoria, pois o tutor deve ensinar e esclarecer dúvidas nas
É digno de nota que esses programas não são amplamente divulgados, sobretudo, a
participaram da pesquisa, ficando o estudante muitas vezes sem saber onde procurar auxílio.
surgir ou se urge ponderar sobre a forma como está estruturada a ECT e seus possíveis efeitos
estressores para seus discentes e servidores de uma forma geral. Incluindo-se aqui a
quais muitas vezes apresentam uma formação básica deficitária, acirrando ainda mais a
de frustração, de ser mais uma vez colocado à margem. Se numa via, vê-se a contemplação da
inclusão social de uma parcela maior da população que anteriormente nem se aproximava da
É suficiente entrar na universidade sem questionar como está se dando essa entrada?
Os estudantes estão preparados quanto à educação básica exigida para o nível superior? Os
professores estão aptos a lidar com essas novas configurações? Seria uma solução ou
Neste sentido, desenvolveu-se esta pesquisa, com vistas a problematizar e fazer refletir sobre
essas e outras questões importantes de serem pensadas ao se dar voz a estudantes do BCT
dessa universidade.
78
4.1 Método
hermenêutica heideggeriana que se pauta na Analítica da Existência, ontologia que prima pela
compreensão da existência humana através dos sentidos que o ser atribui a sua experiência e
modo do ser-no-mundo como tal. “A fenomenologia (do grego phainesthai, aquilo que se
apresenta ou que se mostra, e logos, explicação, estudo) afirma a importância dos fenômenos
respectivamente, aquilo que se mostra, indo além do que aparece ou parece e palavra,
pensamento, entre outros, o que conduz a uma definição para Fenomenologia como um
pensamento, ou dito de outro modo, uma reflexão acerca daquilo que se mostra, o fenômeno.
aparece, mas o que se mostra em si mesmo, isto é, o ser é o que aparece, mas não se reduz a
este aparecer. O conceito de logos perpassa o tornar acessível aos outros, desvelando e
mas se revela à medida que é interrogado, é na relação que ele se desvela. Pretende-se acessar
Entende-se, desta forma, que não se busca a exatidão, já que esta exige que o objeto
seja colocado de antemão como algo mensurável e, neste caso, o fenômeno do sofrimento
resiste à quantificação, não sendo esta uma preocupação, pois, como atentou Heidegger
(1987/2009), “nem toda ciência rigorosa é necessariamente ciência exata (...) se há coisas que
por natureza resistem à mensurabilidade, então toda tentativa de medir sua determinação pelo
método de uma ciência exata é inadequada” (p. 172). Trata-se de uma postura diferente no
modo de lidar com o conhecimento, o qual passa a ser compreendido como uma possibilidade
se apresenta como um caminho fértil, uma vez que se propõe a acessar um fenômeno que se
deseja compreender a partir de seu próprio desvelar” (p. 7). Ressalta-se que Masini (1989)
que dão ênfase à experiência vivida do ser-humano e sua significação, quando não se pode
explicar o fenômeno pela simples relação de causa e efeito, como no caso do tema em
questão, uma vez que se considera que o sofrimento do estudante universitário diz da
tema, ao se levantar o que pode estar relacionado com a saúde mental do estudante. Não
obstante, é válido ressaltar que o método fenomenológico exige que o pesquisador assuma
uma postura crítica diante das proposições e dos conhecimentos prévios frente ao fenômeno,
80
apriorística que se tem, no entanto, ressalva-se que é tarefa da interpretação “não se deixar
guiar, na posição prévia, visão prévia e concepção prévia, por conceitos ingênuos e ‘chutes’”
acesso ao conhecimento mais originário, o que não quer dizer tomar um conhecimento
daquilo que se compreendeu, mas, sobretudo, elaborar as possibilidades que são projetadas na
pre-sença; “A pre-sença é a possibilidade de ser livre para o poder ser mais próprio” (p.199).
Em outras palavras, mostrou-se o interesse pelo sentido do ser, por suas possibilidades que
lhes são próprias e singulares, as quais se revelam no encontro com quem lhe interroga,
descoberta.
prévias, pois apesar do filósofo não ter exposto intenção na aplicação destes conceitos para a
questionamento acerca do sentido do ser nesta pesquisa. Parte-se da ideia de que toda
implícita que se tem dos instrumentos que estão à mão, dá-se o nome de posição prévia,
designando o fato de já nos encontrarmos num mundo de significados. Esta, por sua vez,
81
recorte, isto é, a uma possibilidade de intepretação, de acordo com os sentidos pessoais que se
conceito a esta última, fornecendo um novo sentido ao que foi objeto de visão, seja ele
afirma:
encontro. Desta forma, não se concebe aqui a busca por uma verdade absoluta da realidade;
aliás, em se tratando da escuta do outro, afirma-se que a certeza irrefutável não pode se dar,
tendo em vista que se estaria supondo um juízo que permaneceria inalterado frente à contínua
que destaca que a pesquisa ocorre num movimento circular, sendo provisório o processo
como já dizia Heidegger (1927/1995), “Mais elevada que a realidade está a possibilidade” (p.
82
69). Tatossian e Moreira (2012) autenticam ao lançar mão de Merleau-Ponty que “sustenta
que o conhecimento é sempre incompleto, uma vez que não existe um saber absoluto e a
como um mistério inesgotável, uma gênese perpétua, sempre aberta” (p. 177).
(Da), no mundo – um ser lançado num mundo que não escolheu e submetido as suas
heideggeriana, mas antes disso procedeu com algumas etapas que objetivaram situar melhor a
pontuais, tendo sido de fundamental relevância dar voz aos estudantes para que fosse
possível o acesso aos sentidos atribuídos por eles mesmos as suas experiências;
hermenêutica heideggeriana.
4.3 Entrevista
acessar a vivência e os sentidos atribuídos à mesma pelo ser-aí (Bruns & Trindade, 2003). No
tendo como questão disparadora: O que você pode me contar sobre o sofrimento do estudante
para o início da fala do participante, focalizando o ponto que se quer estudar e, ao mesmo
tempo, ampla o suficiente para que ele escolha por onde quer começar” (Szymanski, 2002, p.
27), constituindo um pedido para que a pessoa narre a sua experiência. A pesquisadora
84
entrevistado.
realidade que gera inevitavelmente novas produções acerca do fenômeno investigado, não
como um processo que resulta em uma verdade fixa e inquestionável (Cabral e Morato, 2003).
que uma técnica de investigação, por apresentar características peculiares como o inclinar-se
ao outro que lhe dirige a fala, estando a pesquisadora implicada no processo e a compreensão
2002; Schmidt, 1990), posto que “Outrem não é primeiro objeto de compreensão e, depois,
Lévinas (2010) afirma que compreender o ser é existir e pensar, é estar engajado e
englobado no que se pensa: “(...) nós estamos aí presentes com toda a espessura de nosso ser
(...) ligado que estou com o que devia ser meu objeto, esta existência interpreta-se como
compreensão” (p.24). É o ser que é no mundo (ser-no-mundo) e existe com o outro (ser-com),
essas duas posições se confundem e se misturam, o que é corroborado por Frota (2010) ao
A relação, com algo ou alguém, na qual eu estou, sou eu. Entretanto, ‘relação’ não
deve ser objetivamente entendida aqui no sentido moderno, matemático de relação. A
relação existencial não pode ser objetivada. Sua essência fundamental é ser
aproximado e deixar-se interessar, um corresponder, uma solicitação, um responder,
um responder por baseado no ser tornado claro em si da relação (p. 222).
pesquisa em relação a alguma problemática (Turato, 2005). Não se procura avaliar, mas sim
aprender um pouco mais sobre o fenômeno do sofrimento com o estudante que o vivencia.
fenomenológica. São elas: o pesquisador deverá ter um senso crítico em relação as suas
vivência do colaborador que se dispõe a falar sobre si e é no ato de dizer, fazendo uso da
linguagem que o vivido pode ser acessado. Vale frisar o que se chama de vivência nesta tese,
segundo a perspectiva heideggeriana – não é um processo que passa pelo ser e que pode ser
mundo e algo acontece com ele também, como se o “sujeito” de cada vivência fosse, não o
próprio ser, mas a vida, ou o ser que é e vive no mundo. A vivência singular então encerra em
É imprescindível, dessa forma, que a pesquisadora esteja aberta e disponível para se permitir
86
se do ser que ele se centre em sua experiência concreta, não se deixando deter por opinião ou
teoria.
devendo a pesquisadora se voltar para o outro, enfatizando os sentidos que são dados às coisas
e à vida (Triviños, 1992). Faz-se relevante inclinar-se para o fenômeno, deixando-se marcar
pelo estranhamento, pela surpresa que a interrogação pode provocar, permitindo que surja
uma revelação como questão (Morato, 2007). Nesse caso, tenta-se voltar para qual sentido
dessa forma, a pesquisa fenomenológica se constitui como uma reflexão sobre o modo
A entrevista pode ser mobilizadora, pois ao permitir que o ser fale sobre sua
abre espaço para afetos e emoções tanto no colaborador quanto na pesquisadora, que participa
elaboração e a antecipação das possibilidades mais próprias de ser, valendo dizer que uma
se atém a sua experiência, revê os sentidos que vem atribuindo à mesma e se abre para novos
caminhos, tendo em vista que uma postura questionadora e de abertura pode conduzir a uma
outros sentidos que possam emergir, os quais deverão ir além do evidente e do óbvio.
87
Dutra (2002) pontua que é através da fala que o ser-humano se revela e pode se
de ser-com o pesquisador, o qual, por sua vez, participa ativamente com sua disposição
compreensão do fenômeno.
1927/1995). Optou-se por não anexar as transcrições das entrevistas na íntegra por se entender
pequenas informações na tentativa de evitar isso. Foram, portanto, utilizados trechos das
possibilidades das experiências humanas que são um constante vir a ser. A proposta então foi
tempo uma Filosofia, pois é um modo de ver a existência do homem e método, pois amplia a
do pesquisador; desta forma, o pesquisador se faz presente com sua orientação teórica e suas
pois nesta concepção heideggeriana não se concebe fragmentar o que é relativo ao humano, o
busca por verdades universais e o questionamento do que é o ser, e não qual o sentido do ser,
4.4 Colaboradores
(UFRN) que estão vivenciando alguma forma de sofrimento existencial, o projeto foi
realização e, para além das questões formais, o presente estudo foi perpassado pelo cuidado
sofrimento.
89
bem como o Termo de autorização para gravação de voz que se encontram em anexo.
profundidade na particularidade de cada caso e foi suficiente, uma vez que não se pretendia
aprofundamento nos sujeitos que compõem a amostra, sem a preocupação precípua de ampla
enquanto Dasein ou ser-aí, não tem propriedades generalizáveis, não podendo ser acessado
por meio da universalização, sendo sua única determinação seu caráter de poder-ser,
A posição positivista da ciência em que só o que pode ser medido é real é contestada
por Heidegger (1987/2009) quando questiona: “Por que não haveria realidades impossíveis de
serem medidas com exatidão? Uma tristeza, por exemplo” (p. 36). Com isso, o filósofo atenta
para o fato de que emoções não precisam de provas e é no ser-com-o-outro que podem ser
desveladas. Acrescenta adiante que “o querer provar não é apenas um mal-entendido inócuo,
mas má compreensão dos fatos sobre os quais se baseia a existência do homem e até a
enquadre científico, com suas amarras teóricas de padronização, limitando-se desta forma
É digno de nota que se optou pela determinação de um curso, tendo em vista que
Foram enviados e-mails para todos os alunos dos dois primeiros anos do bacharelado
em C&T, porque se entende que qualquer um poderia estar vivenciando algum sofrimento e
não apenas os que procuraram plantão psicológico. Alguns e-mails retornaram por motivo de
para participar, oito estudantes compareceram à entrevista, dos quais, quatro foram incluídos
na pesquisa. Foi acatada a sugestão da banca de qualificação que opinou ser este um número
como também por se entender que “Falar muito sobre alguma coisa não assegura em nada
uma compreensão maior” (Heidegger 1927/1995, p. 223), e ainda, por terem sido os
entrevista.
91
A escolha de graduandos de C&T se deu por ter sido o curso de maior procura por
atenção psicológica no Setor de Psicologia, desde 2010 a 2015, além de ser um curso que
Exatas e Engenharias, merecendo atenção por parte da universidade pela sua particularidade e
complexa missão, além das peculiaridades do curso expostas na Introdução deste trabalho.
Despertou-se, desta forma, o interesse em dar atenção e voz a estudantes de C&T, no intuito
ser um curso reconhecido pelos altos índices de evasão, reprovação e trancamento, iniciando-
aluno usa sua nota do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), como única fase de seu
processo seletivo para ingressar na universidade. Destes, três estão em Regime de Observação
e/ou reprovação) pela segunda vez ou mais, consecutiva ou não, em um mesmo componente
curricular obrigatório e/ou insucesso em metade ou mais da carga horária matriculada. Poder-
se-ia também considerar que os estudantes que participaram da pesquisa e, portanto, estavam
prejudicados.
5
O RODA tem por finalidade oferecer suporte acadêmico ao estudante com dificuldades na evolução da sua
integralização curricular. É colocado sob este regime o aluno que no semestre anterior houver incorrido em uma
ou mais das seguintes situações: insucesso (trancamento e/ou reprovação) pela segunda vez ou mais, consecutiva
ou não, em um mesmo componente curricular obrigatório ou seus equivalentes; insucesso em metade ou mais da
carga horária matriculada; e, integralização de metade ou menos da carga horária esperada em função do número
de semestres cursados. A solicitação de matrícula em disciplinas, de trancamentos de matrícula ou de suspensão
de programa deste aluno só é efetivada após deferimento pelo orientador acadêmico ou, na falta dele, pelo
coordenador do curso. Para maiores informações, consultar a Cartilha do Novo Regulamento de Graduação.
93
histórico acadêmico ao ter apresentado índice de reprovação de 10% das disciplinas cursadas
curso não é uma relação de causa e efeito, mas de natureza complexa e multideterminada.
Evidenciou-se, portanto, que a pura análise dos índices acadêmicos sinaliza apenas
uma parte do todo que envolve estar na universidade, não oferecendo nenhuma conclusão ou
relação causal com a vivência do estudante universitário, tendo sido importante somá-la à
Fez-se uso da analogia com planetas do sistema solar para dar nomes aos
Os planetas giram cada qual em sua órbita com suas características bastante singulares
que lhes diferenciam dos demais; no entanto, ligam-se uns nos outros, através da força
concepção de homem e mundo desta tese, no que diz respeito à ênfase dada ao ser-humano
enquanto Dasein, ser-aí, que possui uma condição de abertura no mundo, constituindo e sendo
94
constituído por ele com os sentidos que vai construindo, carregando consigo a dimensão da
entes existem independentemente uns dos outros em um espaço “vazio”, mas o Dasein é
possibilite enxergar além do aparente. Esta não se refere ao chegar perto, no sentido de ver de
modo óptico, mas sim o meditar sobre o outro, pois “O essencial é percebido justamente não
vendo sensorialmente com os olhos” (Heidegger, 1987/2009, p. 67)6. É preciso ver além do
que a imagem marca e interrogar o que se apresenta, refletindo sobre o que está posto e assim
singular do ser.
cultura da máscara, tendo em vista que “As exigências dos papéis sociais são muitas vezes
sentidas como a necessidade de o indivíduo afivelar no rosto determinada máscara, para assim
conformar-se aos costumes” (Augras, 1981, p. 63). O ser-humano tende a esquecer de si, atrás
máscara entre máscaras e expõe que “(...) no lugar do rosto instaura-se a máscara. O rosto
evidencia, ao falar sobre o quanto o homem que possui um rosto no lugar da máscara, ou seja,
como se lê na passagem: “A uniformidade de tudo o que é e está sendo tem sua origem no
vazio provocado quando se deixa o ser (...) Um homem sem uni-forme dá hoje a impressão de
interplanetário daqueles que abriram as portas dos seus mundos e permitiram ser-com a
psíquico, buscando dar ênfase aos sentidos produzidos por cada um em seu ser-no-mundo, ou
5.2.1 Saturno
O único planeta do sistema solar que é rodeado por anéis aqui representa um estudante
com um perfil marcadamente distinto. É o mais velho dos entrevistados, com 48 anos de
idade e com outras duas graduações concluídas. É casado e tem uma filha adolescente, com
bem, pois foi reprovado em apenas 10% das disciplinas já cursadas, o que é considerado um
momentos que para ele são muito diferentes, principalmente pela invasão da tecnologia que
incômodo e preocupação que vem lhe causando muita ansiedade. Afirmou que tem depressão
e faz acompanhamento psicológico e psiquiátrico que o ajuda bastante. Refere que se sente
deprimido por não conseguir acompanhar o ritmo da vida moderna. Considera que a alta carga
de informação gera muita ansiedade, pois está sempre com a sensação de que está em dívida
com algo. Segue trecho de sua entrevista para melhor ilustrar essa queixa:
(...) tenho mais dificuldades assim com as tarefas online, pela idade, não tenho muita
habilidade com computador, né, falta de prática (...) a primeira vez que eu tive
contato com um computador eu tinha 23 anos (...) tem o lado bom que é mais fácil
você ter mais informações, tem o lado ruim que, a meu ver, causa ansiedade porque
pelo menos comigo eu entro no Google, coloco lá um assunto, aí aparece um monte de
coisa e você fica lá sem saber, né?! (...) Então é isso que eu vejo, muita informação,
pouco fica e gera muita ansiedade, eu num tou (sic) querendo generalizar, mas é
muita tecnologia que a gente não precisa de tudo. É uma invasão muito grande de
tecnologia que a gente não precisa usar. Por exemplo, nos veículos, só o som tem um
manual separado que é dessa grossura [mostra com as mãos], que tem bluetooth, wifi,
97
blu-ray, um monte de coisa que... mas se não tiver, não vende, é um desespero por
uma tecnologia. A gente tira pelo celular, tem tanto recurso... que a gente nem sabe.
cegueira diante dos fenômenos” (p. 109) e mais à frente pontua que o Dasein “é cada vez
mais exposto ao efeito corrosivo da tecnologia” (p. 305). Saturno expõe através da sua fala o
quanto a sua experiência de sofrimento, pela convivência constante com a ansiedade, está
perpassada pelo contexto de mundo em que está inserido e pela forma como corresponde ao
que lhe é solicitado. Para ele, as exigências do mundo soam como obrigação e ele se sente
É digno de nota que Heidegger deixou claro que era inútil criticar cegamente a Era da
Técnica, reconhecendo seus aspectos positivos e seu valor, mas evidenciou a importância de
se saber dizer sim e não ao que surge enquanto solicitação, não se deixando guiar por um
Vale notar que o alto nível de exigência consigo mesmo foi destacado por
Katsurayama et al. (2009) como aspecto pessoal que pode favorecer o desenvolvimento de
Medard Boss, em carta para Heidegger, afirma que as doenças consideradas como
psicossomáticas têm “sua origem numa relação não resolvida, de uma maneira digna ao
1987/2009, p. 351).
98
sua preocupação em dar respostas corretas e que fossem agradáveis, mesmo diante do
esclarecimento de que não havia padrão de respostas a ser esperado e que o mais importante
imagem que passa para os outros, o que é coerente com a forma como recebe e reage às
solicitações do mundo.
Tratando-se da depressão colocada por Saturno, pontua-se que é sabido que o sintoma
esclarece: “Fenomenologia diz, então: deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra,
tal como se mostra a partir de si mesmo. É este o sentido formal da pesquisa que traz o nome
de fenomenologia” (p. 65). E esclarece que o modo em que os fenômenos vêm ao encontro
manifesta o que não se mostra, mas pertence ao que se mostra diretamente, podendo constituir
ontologia fundamental, pois trata do ente capaz de interrogar o sentido do ser em geral, ou
seja, possui como tema a pre-sença, esse ser que cada um é e possui em seu ser a
para explanar sobre a sensação de dominação do ser pela tecnologia presente em Saturno e
comum na atualidade.
99
pre-sença com referência aos fatos históricos, sendo o mundo um caráter da própria pre-sença
como de todo Dasein precisa ser orientada para a existência histórica atual do homem, como
Saturno acredita que a dificuldade dos alunos acompanharem o curso se dá, sobretudo
pela dispersão provocada pelos recursos tecnológicos que os desconcentram e assim deixam
O mundo de hoje absorve o ser com vários atrativos que ocupam e distanciam o ser de
acerca do que lhe interpela. Duarte (2010) fala da importância anunciada por Heidegger de
abertura de outra relação entre homem e ser, destacando que: “quando Heidegger falava de
O aluno em apreço diz gostar muito de estudar e por isso resolveu fazer uma terceira
graduação. Tem uma sede por conhecimento, expondo inclusive o interesse por diversas
áreas. Está cursando C&T, mas se vai numa livraria e vê livros de Psicologia acaba
comprando, pois também acha interessante. Afirma que sempre tem livros em casa que estão
A entrevista com Saturno fez pensar se sua própria entrada em C&T enquanto terceira
graduação, bem como a compra constante de livros de assuntos diversos não seria mais alguns
efeitos dessa imposição de querer dar conta de tudo para não ficar à margem, uma tentativa de
amenizar a exclusão que já sente por não se sentir pertencente à era tecnológica e precisar se
Enfatizando sua dificuldade em lidar com as demandas do curso que exigem o uso da
tecnologia, citou para exemplificar um trabalho em que precisou fazer um Blog, o que o fez se
sentir deslocado, por ser praticamente o único da turma que não tinha proximidade com isso,
disse: “Teve uma disciplina que a gente teve que criar uns blogs, cada grupo criou um blog e
a gente tinha que alimentar e tal e eu fico aqui no blog, pedindo no whatsapp como é que eu
faço...”.
ficar à margem, de ser descartado. Duarte (2010), analisando Heidegger, afirma que “o
homem moderno é o homem que tem de servir a algum propósito, isto é, o homem que não
pode jamais deixar de servir e que, ao perder sua serventia, torna-se supérfluo e pode ser
Bauman (2007) discorre sobre esse medo como fruto do potencial que todos têm de
serem destinados ao “lixo” por poderem ser classificados na categoria de membros inúteis da
sociedade, quando não se enquadrarem às demandas sociais e produtivas. Sobre isso, comenta
mais à frente: “O tempo flui, e o truque é se manter no ritmo das ondas. Se você não quer
Queixa-se da falta de compromisso dos colegas de turma que deixam tudo para última
hora, entendendo que este é um comportamento típico dos jovens, os quais segundo Saturno
reclamam de não terem tempo para fazer tudo que é exigido, o que se comprova com o estudo
de Misra e McKean (2000) que constatou que estudantes mais velhos planejam melhor o
tempo. No entanto, é preciso cuidado para não generalizar, tendo em vista que em se tratando
Comentou sobre sua filha que tem 15 anos e era uma excelente aluna, mas com o uso
incansável do celular desviando sua atenção tem caído muito no rendimento acadêmico. Fala
que ele mesmo já se viu absorvido pelo Facebook e pelo whatsapp – “Eu quando comecei a
ter acesso ao facebook e ao whatsapp, realmente eu dei uma viciada, mas depois aquilo num
me prendia mais...” – mas que conseguiu enxergar o quanto isso tomava seu tempo e passou a
administrá-lo melhor com coisas que realmente precisavam de sua atenção. Reconhece que a
(...) aí tanto eu faço com uma psicóloga, quanto com psiquiatra, aí tomo
antidepressivo e tal, mas o que me ajudou mesmo foi a psicóloga, o psiquiatra é mais
remédio (...) A minha psicóloga me deu alta umas 2 vezes, mas eu acabo voltando
porque eu gosto e serve indiretamente orientando minha filha, então eu acredito que é
um investimento.
102
Considera importante o espaço terapêutico em que pode parar para pensar no meio da
correria e também lhe ajuda a orientar sua filha para que ela consiga também aprender a lidar
com esse tempo que é tão angustiante. Lembra Heidegger (1987/2009) que observa que a
amplo. Ser livre nesse caso diz respeito a assumir uma relação livre com a técnica, nem se
levando para uma entrega cega à técnica, nem a condenando por completo, mas sim “fazendo-
se ouvinte e não escravo do destino” (p. 28); ou seja, é interessante que se possa adotar uma
Foucault, evidenciando que “Somente quem sabe que sua vida está em risco pode arriscar-se a
viver e pensar de outro modo” (p. 2). Em linhas gerais, vale frisar que Foucault teoriza acerca
criam novas modalidades de existência. Cita-se brevemente Foucault por entender que sua
que o ser se encontra. Ele usa uma conceituação diferente de Heidegger, como a noção de
subjetivação, uma vez que a ontologia heideggeriana entende o ser como Dasein, aquele que é
no mundo.
No caso de Saturno, percebe-se que ele tem aprendido a questionar e dizer não a
solicitações da atualidade que não têm sentido para ele, meditando sobre o ritmo acelerado da
modos-de-ser diante das limitações impostas pela ansiedade e depressão, evidenciando que o
Dasein é sempre um poder-ser no mundo, visto a partir de cada Dasein histórico que diz
(1987/2009), “Histórico é o modo como me relaciono com aquilo que vem ao meu encontro”
(Heidegger, 1987/2009, p. 198). Saturno tem conseguido ou pelo menos está tentando
desacelerar, evitando a contínua pressa de buscar atender a tudo que vem a seu encontro
irrefletidamente.
A entrevista com Saturno evidenciou que sua experiência de sofrimento está muito
mais relacionada com os efeitos ansiogênicos do contexto de mundo de um modo geral, bem
como com seu modo-de-ser, o qual por sua vez é atrelado a sua história singular de vida, do
que propriamente com o curso de C&T. Aliás, Saturno fez questão de evidenciar pontos
positivos do curso, como: o modo como o curso está colocado, com a possibilidade de cursar
disciplinas básicas para só depois delimitar que Engenharia seguir, como se vê: “hoje você
pode cursar e fazer as disciplinas e ir analisando, pensando, ver como está o mercado, ir
conversando com os professores e depois escolher, é muito mais interessante do que antes”.
Enalteceu também a qualidade dos professores e afirmou ter um fácil acesso a eles,
também comparando a quando era mais jovem e os professores inacessíveis. Justifica como
(...) os professores são muito bons, a meu ver, são novos, ensinam bem, bem diferente
da época que eu fiz Engenharia, que eu terminei em 93... os professores eram mais
velhos e existia uma distância entre o professor e o aluno, pelo método tradicional de
ensino, hoje não, existe uma interação bem melhor entre professor e aluno, hoje tá
bem melhor.
Ressalta-se, entretanto, que Saturno foi o único dos entrevistados que só viu pontos
professor-aluno, conforme se verá nas demais entrevistas. De todo modo, isso faz refletir o
vai atribuindo na sua existência, influenciando o modo como se coloca no mundo, percebe o
geral para a política de atenção ao estudante da UFRN. Esse encontro transmitiu a percepção
de que os sentidos que movem seu existir perpassam a lógica contemporânea que propaga a
necessidade de cada vez mais possuir um acúmulo de informações, na medida em que busca
conhecimento formal em diversas áreas e de modo frenético, sem conseguir dar conta de tudo
autorresponsabilização que lhe dificulta interrogar o que está posto, exigindo-lhe uma
correspondência eficaz a tudo. Isto é percebido principalmente quando critica a maioria dos
colegas por reclamarem do curso, quando em seu ponto de vista, não haveria razão para isso.
Não se está dizendo que Saturno está errado e os outros estão corretos, de modo algum, afinal
o que importa é o discurso que é enunciado pelo ser e tomado como verdade na escuta.
Considera-se que esse espaço que provoca a interrogação é interessante para a política
psicoterapia, como ressaltou na entrevista, mas muitos estudantes ao serem perpassados por
têm lugar para elaborar tal carga emocional. Sobre isso, não se sugere psicoterapia para todo
aluno, mas esta entrevista fez considerar importante a oferta de espaços de reflexão,
possível fazer para aliviar o estresse de se sentir mais uma peça da máquina veloz do tempo e
se tornar autor de sua história, em outras palavras, espaços que possibilitem exaltar o poder-
5.2.2 Vênus
O astro mais luminoso do céu, depois do sol e da lua, Vênus aqui representa o símbolo
do sexo feminino com seus 19 anos de idade, filha única, mora com os pais num bairro bem
distante da universidade. Chamou atenção ter sido a única mulher a participar, pois, de acordo
com pesquisas (Cerchiari, 2004; Neves & Dalgalarrondo, 2007; Santos & Almeida, 2001), há
representantes deste gênero, embora seja válido frisar que o presente estudo foi
quantitativamente bastante restrito e não pode indicar qualquer conclusão objetiva. Foi
possível apenas destacar essa informação que contrariou a expectativa inicial, tal como
UFRN em que houve uma pequena predominância pela procura por atenção psicológica por
parte do gênero masculino. É importante dizer também que o curso de Ciências e Tecnologia
tem em sua maioria estudantes do sexo masculino, o que também deve ser considerado ao se
Iniciou falando de sua decepção com o curso de C&T por ter de se esforçar muito e se
queixou dos professores não lhe ajudarem. Fala também da sua preocupação por não estar
conseguindo dar conta da carga horária exigida, além de estar envolvida em muitas atividades,
e se sente prejudicada porque precisa ter aulas aos sábados, ferindo assim seus princípios
isso, mas tem professores que não admitem e reprovam o aluno, deixando-a sem perspectiva
(...) assim, de cara eu imaginava outra coisa do curso, só que quando cheguei lá...
assim, acho que é um pouco pressionado lá, muito esforço, muito complicado e os
professores também não ajudam. Tem algo pessoal meu [fala da religião], então não
posso fazer provas aos sábados, aí professor não aceita, tem um especificamente que
não vai com a minha cara e fez questão de me reprovar por causa desse sábado (...) É
bem frequente ter aula, laboratório, prova no sábado, a universidade dá apoio, mas
tem professores que não aceitam, então é bem complicado isso.
prática livre da fé, especialmente no Brasil que é conhecido por sua diversidade religiosa,
diferenças.
esgotamento por não estar conseguindo administrar o tempo para dar conta das inúmeras
atribuições que assumiu, como monitoria e pesquisa. Possui uma rotina muito desgastante e
(...) é... eu estou num momento muito abalado porque eu estou com uma carga horária
muito grande lá porque eles puxam muito, porque eu tou (sic) na pesquisa, na
monitoria, aí fica uma coisa muito puxada, ando estressada. Minha mãe disse que se
eu continuasse na monitoria e na pesquisa, não continuasse como bolsista porque ela
disse que já percebeu que eu não estou suportando, é complicado, são muitas
matérias (...) chego em casa de 00h e tenho que acordar de 4h para vir para cá
novamente, então não dorme, não come direito porque aqui não dispõe de uma
alimentação muito, assim, não que não tenha, mas se for pro (sic) RU [restaurante
universitário] não tem tempo de ir pro (sic) RU porque não dá tempo entre uma aula e
outra, se for comprar por aqui, não tem comida que seja saudável suficiente, então
você acaba descontrolando sua alimentação. Comer qualquer coisa isso também
afeta, já não tem mais concentração para estudar, eu durmo na aula frequentemente
porque já está assim acima do meu limite.
107
pode estar relacionado com a sobrecarga acadêmica, o alto volume de atividades e a falta de
em fazer escolhas, assumindo inúmeras tarefas, as quais lhe sobrecarregam. Ela não se
permite ponderar sobre a possibilidade de dizer não a algumas coisas que não lhe fazem
sentido, age por assim dizer no “automático”, como se fosse obrigada a abarcar tudo por
imposição do outro, mesmo ao se perceber adoecendo, com alto nível de estresse e tristeza por
se sentir incapaz.
que lhes são solicitadas. O homem não se dá conta da essência dessa vontade, sendo entendida
como vontade humana, embora a uniformidade do mundo da vontade de querer expõe o quão
Estimulada a meditar sobre cada uma de suas atividades e sobre esse modo de existir
(...) do que adianta eu tá querendo uma coisa pro futuro se quando eu conseguir o que
eu quero eu não vou ter é capacidade mental o suficiente, nem saúde o suficiente pra
aproveitar daquilo que eu queria? Então eu acho que eu vou priorizar essa parte
porque realmente eu não tenho tempo pra nada e quando tem, no final de semana, não
é nem questão de querer, eu preciso dormir. O esgotamento é tão grande que eu só
preciso dormir, não preciso mais nada, só dormir.
... o que denota uma posição algo depressiva em contraste com a luminosidade
venusiana, referente à analogia do título, que é importante ser redescoberta. Vênus ao narrar
seu cotidiano chega a cansar, fica com a respiração profunda e se percebe alterada, chora e diz
(...) já pensei em desistir porque é muito pesado, então eu já disse: ah, eu vou desistir
para fazer uma coisa bem mais fácil porque tá cansativo, mas aí depois eu penso, mas
foi o que eu escolhi e o que eu quero (...) muita coisa e eu já pensei em desistir do
semestre, de sumir daqui... e eu nem estudo mais pras (sic) provas ultimamente, digo:
– Vou fazer a prova com as coisas que eu aprendi na aula porque eu num tou (sic)
com capacidade pra estudar mais porque eu não consigo! Eu tou (sic) muito exausta e
mesmo que eu me esforce pra estudar, não vou fixar porque eu estou muito cansada.
passivamente, ou seja, como o que se opõe à ação” (p. 86). O modo de existir de Vênus está
sendo tão exausto que ela paralisa, não estuda mais e pensa em desistir do curso, mesmo
diante do sonho de ser Engenheira. É um ritmo tão acelerado que não lhe permite pensar em
possibilidades diante da limitação que o estresse está lhe gerando, apontando para um poder-
ser que está privado, como nos casos de um adoecimento. Heidegger (1987/2009) mostra o
(...) a dor já é o indício de que ela foi atingida pelo acontecimento doloroso na
juventude e ainda continua sendo. Mas ela não se deixa envolver por esta dor da qual
ela é consciente, senão não poderia ser uma dor para ela. É um desviar de si como si
mesmo, o eu está sendo constantemente atingido pela dor. Neste desviar de si mesmo
ela se reconhece de modo não-temático, e quanto mais ela exerce este desviar tanto
menos tem consciência dele e é absorvida no desviar, sem reflexão (p. 208).
por ocupações desviantes que tomam o ser em sua totalidade, impedindo-lhe de pensar o
sentido de ser, o que acaba por aguçar a angústia existencial, pois quanto menos se dá atenção
ao sentido de ser, mais ele apela para ser pensado. “Aquilo com que a angústia se angustia é o
outras e sábias palavras: “Na pre-sença, a angústia revela o ser para o poder-ser mais próprio,
1927/1995, p. 252), como também aponta Costa (2006), “O tema sofrimento, portanto,
remete-nos necessariamente à noção de angústia, que, por sua vez não implica uma definição,
mas antes uma interrogação das relações do sujeito consigo próprio e com o mundo” (p. 10).
surge no apelo, numa aclamação de si mesmo para si próprio, num atitude de tentar empurrar
uma aclamação do próprio impessoal para o seu si-mesmo; tal aclamação é a conclamação da
medida em que se apresenta com carga horária considerada exaustiva e alto nível de
estimulada entre os colegas que precisam garantir um bom histórico para poder disputar a
vaga na Engenharia que quer ao final do primeiro ciclo. O curso de C&T é conhecido pelo seu
alto grau de dificuldade quanto à permanência e principalmente conclusão, bem como pela
As pessoas dizem: – Você é louca de ter escolhido isso! Porque as pessoas já sabem
que quando chega é realmente difícil, é muito complicado e também porque eu
percebo que realmente um problema de quase todos os alunos porque é muito
estressante e você percebe que é; num é um ou dois, é muita gente, as pessoas
reclamam que não dormem, que tem insônia, que não se concentram mais na aula,
atualmente no meu grupo de pesquisa tem algumas pessoas que estão se afastando
porque foi tão complicado que começou a ficar doente porque não se alimentava, não
dormia, afetando a saúde também e é muito perceptível porque a pessoa chega lá,
todo mundo, você encontra as pessoas cansadas porque não tem tempo de dormir
porque é tão cansativo.
Vênus também ressaltou que há Engenharias que são mais disputadas e que os
próprios professores alimentam a competição, uma vez que sugerem quais as Engenharias que
estão bem no mercado, indicando as disciplinas que devem ser cursadas, priorizando umas em
formação generalista, em que o aluno deve entrar em contato com todas as disciplinas para ele
mesmo escolher o que quer e não ser conduzido a priorizar a Engenharia que todos querem.
(...) eu entrei com o objetivo de fazer Engenharia de Petróleo, só que quando cheguei
os professores, alguns chegaram pra mim e falaram: – Não faça Engenharia do
Petróleo, não tem mercado, formou um bocado de alunos e eles tão sem trabalhar e
tal!
que geralmente não procede. Sente-se perdida, sem saber como estudar determinadas matérias
111
e destaca também a grande diversidade social em sala de aula que gera um grande número de
alunos que não conseguem acompanhar a aula, o que é bastante desmotivador, segundo ela.
Misra e McKean (2000) atentam para o fato do estudante ter de desenvolver técnicas eficazes
de estudo para conteúdos que não estava familiarizado no Ensino Médio, assim como
orientação acadêmica por parte da equipe pedagógica na tentativa de auxiliar o aluno nesse
(...) o Ensino Médio não possibilitou que eu tivesse conhecimento que necessitei
quando eu cheguei porque tinha muitas coisas que os professores diziam que a gente
tinha que ter aprendido no Ensino Médio, só que em Natal o Ensino Médio não é do
jeito que eu acho que eles pensam que é (...) tive dificuldade quando cheguei no curso
por cobranças muito grandes por coisas que você não viu, mas que o professor às
vezes acha que você tem obrigação de saber e não ensina e você fica tipo perdida no
assunto logo quando entra (...) eu reprovei nas matérias que todo mundo reprova no
primeiro semestre, mas mesmo assim eu não gostei de ter reprovado porque agora no
segundo semestre teve matérias que eu não pude pagar porque fui reprovada e ao
mesmo tempo tinha matérias que eu tinha que pagar que seria um semestre e mais as
do primeiro semestre e vai acumulando e fica muito pesado porque você não sabe se
se dedica as do primeiro ou as do segundo e eu tive que pagar também duas matérias
optativas por causa da pesquisa, então ficou muito pesada pra mim a carga horária
(...) É um contraste da vida do Ensino Médio pra Graduação, é um contraste muito
grande. Se já é um contraste pra mim que venho de uma escola particular, imagine
para quem vem de escola pública que muitas vezes não tem professores (...) Quando
eu paguei álgebra pela primeira vez e os professores tinham que dar acesso aos
alunos se eles tiverem dúvidas e se não tiver monitor e eu cheguei para o professor e
eu disse que não estava compreendendo o assunto porque era muito complicado pra
mim porque eu nunca tinha visto, aí ele disse: – Eu não posso lhe ajudar porque eu
não tenho tempo e também não tem monitor, então você vai ter que pegar um livro e
estudar! Aí eu com um bocado de matéria pra estudar, ainda ter que estudar sozinha
isso daqui é muito complicado (...) professor de física porque ele estudou no ITA e
quer usar a mesma metodologia e tem essa questão de metodologia porque não é
apropriada pra os alunos que tão chegando em C&T. Tem alunos de escola que tem
muito bom ensino e conseguem compreender, mas tem alunos que não, é uma coisa
bem misturada.
112
Vênus volta a ressaltar o insuportável do seu cotidiano com a sobrecarga com muitas
atividades e disciplinas e fala a respeito de seu incômodo por não estar mais conseguindo
memorizar o que precisa. A quantidade de informação que chega é muito grande, mas pouca
(...) em C&T é o assunto todo jogado de uma vez, é muita coisa pra você acumular, é
uma carga de conteúdos muito grande é uma prova atrás da outra, tudo ao mesmo
tempo, você não sabe o que focar, se você estuda pra uma coisa ou pra outra. É muita
coisa, é bem complicado (...) cálculo que exige muita concentração, muita fórmula,
essas coisas assim, é bem complicado porque também eu tou esquecendo das coisas
(...) esqueço muito rápido das coisas. E as matérias de cálculo precisam para
memorizar, né? Acaba complicando esse negócio de esquecer.
Outro ponto destacado pela colaboradora foi em relação às aulas dadas em anfiteatros
com muitos alunos presentes, o que para ela são prejudiciais, pois dispersam e a impedem de
se concentrar. Queixou-se também dos professores que segundo ela têm prazer de reprovar e
são conhecidos por isso, gerando o receio nos alunos desde a matrícula:
(...) você chega numa sala com 140 alunos pra você prestar atenção ou muitas vezes
focar, às vezes não consegue porque é muita gente ao mesmo tempo e o professor não
consegue se dedicar a todos, então ele tem que passar de uma forma muito geral
porque é muita gente. Eu acho que se fossem salas menores ou até turmas menores
acho que ajudaria porque as matérias que eu tou (sic) pagando com turmas menores
tão sendo bem mais compreensivas porque o professor tem mais direcionamento ao
aluno porque quando você paga com muita gente, aí um aluno tá falando e outro
também e o professor não tem controle muitas vezes, ou então essa questão do medo
de reprovar. Tem professor que tem orgulho de dizer eu reprovei 100% da turma,
outro 90% da turma e, tipo, eu não sei o porquê deles se engradecerem.
A aluna se sente muito só e chega a ter vontade de conversar com a professora, mas
reclama de não ser escutada e não ter espaço para falar. Gostaria de dizer:
– Professora, assim, é o seguinte: tá complicado, mas não tem como falar (...) não
escuta a gente, então os professores cobram muito, ah, você não tá dando prioridade
113
para as questões das disciplinas, mas não é questão de prioridade, é questão de tempo
e de concentração porque mesmo que eu consiga tempo, eu não vou estar concentrada
porque estou muito cansada.
Verifica-se o quanto seria importante para Vênus um espaço para que ela pudesse falar
sobre isso e receber orientação adequada desde relativa ao âmbito acadêmico, no sentido de
que disciplinas deve pagar, como conciliar as que reprovou com as do semestre vigente,
aprender a estudar disciplinas consideradas por ela mais difíceis, bem como no âmbito
pessoal, um espaço em que pudesse refletir sobre as escolhas que vem fazendo, meditando
sobre o sentido do seu cotidiano em sua vida, aprendendo a dizer sim e não ao que lhe é
encontra.
dada por um modo extraordinário de sentir e escutar o silêncio do sentido, nos discursos das
pensamento fala. A escuta é a dimensão mais profunda e o modo mais simples de falar” (p.
15).
Vênus não consegue se escutar, nem interrogar a tristeza e o estresse que lhe tomam e
fazem com que ela descarregue nas relações com o mundo, com os outros e consigo mesma.
Então eu fico guardando e guardando, aí chega um momento que não dá mais, que eu
explodo e que é... assim sempre acontece... (...) É porque não só em mim porque
também isso afeta minhas relações porque eu me estresso, me canso e às vezes é tão
exposto que eu acabo afetando outras pessoas, as pessoas próximas, minha família,
meus amigos.
homem é solicitado, e como sua relação com o mundo e consigo é modificada” (p. 118).
modificações em seu existir e nas suas relações, o que também tem lhe preocupado, pois sente
tudo o que vem fazendo e como poderia passar a fazer de modo a tentar se sentir mais dona de
sua própria vida. Ela fala de uma posição que parece a de um robô que age repetidamente e
sem parar, precisando sair desse lugar objetificado para assumir as rédeas de sua vida e passar
Segundo Feijoo (2011), “esse mover-se incessante sem sair do lugar remete-nos ao
desespero dos possíveis por carência dos necessários (...) Sem necessários, o homem da Era
da Técnica perde totalmente o interesse por si mesmo e se perde na poeira dos possíveis” (p.
174). Acrescenta ainda que o homem acaba se distraindo de variadas formas, como através do
ocupações e preocupações que fazem com que o Dasein se perca de si mesmo, decai e foge de
si e nem percebe que cai e foge, mas quando ele se descobre como ser-no-mundo, encontra a
si mesmo na sua originariedade, tornando transparente para si mesmo o seu modo de ser e,
É na cotidianidade que Vênus mantém encoberto esse fato originário do Dasein ser ele
5.2.3 Marte
O planeta vermelho ilustra aqui um estudante em estado de alerta que está em Regime
insatisfação com o curso de C&T. Apresentou-se bastante cabisbaixo, triste e afirmou não ter
dificuldades financeiras. Seus pais são separados, não tem muito contato com sua mãe, nem
com seus oito irmãos, frutos de relacionamentos do seu pai com várias mulheres. Mantém
contato apenas com um irmão mais velho que já é casado, tem filho e sempre o acolheu nas
vezes em que Marte brigava com seu pai ou com sua madrasta. Afirmou que a relação com
esse irmão é muito boa e o considera como um segundo pai. Afirmou que seu pai sempre
sonhou ter um filho Engenheiro, o que também era apoiado por seu irmão mais velho. Por
esta razão, escolheu C&T com a pretensão de se formar em Engenharia. Realizar o sonho de
seu pai e a missão que assumiu de ajudar financeiramente a família foram as principais
Marte iniciou falando que o curso é muito difícil e é conhecido por ter o maior índice
de reprovação na universidade. Disse que para ele era ainda mais difícil, pois “não é uma área
que eu gosto. É uma área que eu fui fazer só por ganância”. Ressaltou a preocupação com a
questão financeira e disse que essa foi a grande causa para ter escolhido C&T, mas que na
verdade adoraria ser escritor e por isso pensa constantemente se não deveria fazer Letras, mas
desiste por acreditar que o mercado de trabalho é péssimo. Sobre a dificuldade do curso,
afirmou:
116
(...) na verdade, nesses últimos dias eu parei de estudar, eu não entendo, eu começo a
ler e não entendo, a maioria dá pra você estudar, mas química tecnológica eu tenho
uma dificuldade enorme. Eu nunca gostei de química. Desde o Ensino Médio eu nunca
estudei química direito, também eu venho de escola pública, aí era bem tranquilo,
tipo, você não fazia nada e passava. E também no segundo ano do ensino médio eu
não fiz química, não tinha professor. Aí por isso também eu hoje não sei nada de
química (...) aí eu começar a estudar química tecnológica que é muito difícil, aí o
caba (sic) estuda com raiva.
Foi difícil ouvir desse aluno que ele não teve a oportunidade de estudar e aprender
química no seu Ensino Médio e de repente entrou no Ensino Superior sem ter condições de
pagar as disciplinas a contento. Vê-se aqui um sério problema social: o ensino público
brasileiro deixa muito a desejar com sua precariedade, estagnação, baixos salários dos
Numa tentativa de aplacar a desigualdade dos que tem o privilégio de uma educação
ampliar não só o acesso, mas também garantir a permanência, o que não ocorre, posto que
que dificilmente alcançariam o nível superior, no entanto estes mesmos alunos não
conseguem lograr êxito, pois lhes falta a base necessária para progredir.
É importante dizer, contudo, que dar oportunidade a essa grande parcela que
lidar com esse problema que se impõe. Uma vez dentro da universidade, o que se pode e deve
fazer para que o estudante consiga acompanhar o curso? Pois, de outra forma, a desigualdade
no caso em questão.
Marte foi questionado sobre como se sentia diante dessa situação, ao que ele
respondeu:
(...) a pessoa se sente meio inferior porque grande parte vem de escola particular.
Tem escola pública que é boa, mas a que venho do interior não. Eu moro na Paraíba,
numa cidade de três mil habitantes. A universidade é maior que a área urbanizada da
cidade. É bem inferior mesmo. Eu não sei o que vou fazer.
O curso de C&T inicialmente lhe pareceu uma ótima oportunidade de realização pela
possibilidade de ingressar no nível superior de um modo mais fácil, tendo em vista a baixa
concorrência, o que não lhe exigia ter uma boa base para concorrer. Além disso, era a grande
chance de se tornar engenheiro e satisfazer seu pai e poder ajudar sua família. No entanto, ao
ingressar começou a se sentir mal por se perceber incapaz de continuar o curso, já que não
inferioridade e incompetência tem lhe acompanhado e lhe impedido de seguir adiante, pois ao
mesmo tempo, não se identifica com o curso, com as disciplinas e tem sua habilidade e
É muita coisa pra estudar. O professor de cálculo tem dia que passa 68 questões num
dia. E no mínimo num dia ele bota 30 e pouco. E tem aula nos 5 dias da semana. (...)
Fica difícil. Muita coisa pra estudar (...) Nessa última semana, eu tou (sic) realmente
sem estudar. Eu tou (sic) só em casa escrevendo meu livro. As melhores ideias vem
quando a pessoa tem muita coisa pra estudar. Tem uma prova, tem que estudar muito
pra amanhã, aí vem uma ideia muito legal, aí eu acabo escrevendo (...) não sei se era
pra fazer isso, mas eu fico muito mal, fico triste, queria gostar do curso, conseguir
estudar, mas quando tento, não consigo e me chateio, perda de tempo (...) queria ficar
melhor, me sentir bem, não gosto de ficar quieto num canto, aí quando tou (sic) muito
mal, deixo pra lá e começo a escrever, aí fico melhor.
118
Ricoeur (1994) ao discorrer sobre sofrimento afirmou que o primeiro sentido de sofrer
é: “suportar, isto é, perseverar no desejo de ser e no esforço de existir apesar de...” (p. 69).
Observa-se que Marte, ao dizer que fica mal, sofre por estar no curso de C&T, curso que lhe
faz se sentir incompetente por não conseguir acompanhar as aulas, estudar e aprender a
matéria, mas pincipalmente, por ser um curso que tem um conteúdo que não lhe interessa, não
lhe apetece, fazendo-o pensar que está desperdiçando seu tempo. Seguindo o pensamento de
Ricoeur, Marte sofre não apenas por estar se sentindo triste, mas, mormente, por perseverar
no desejo de ser quando se volta para sua escrita literária e se sente melhor, esforçando-se
fazendo a coisa certa, evidencia certo incômodo com sua existência, como se estivesse
ouvindo um apelo para que pense em seu sentido de existir. É a consciência, ou melhor
dizendo, é o ser-no-mundo que clama! Heidegger (1927/1996) enfatizou: “Só é atingido pelo
clamor quem se quer recuperar” (p. 57), atentando para o fato de que é necessária uma faísca
Ele experimenta algo como um vazio existencial e ao mesmo tempo deseja ficar
melhor, quer se recuperar e o faz: escreve! Então, surge a dúvida: dedicar-se à escrita ou não?
O que está implicado nessa questão? Marte se mostra bastante confuso sobre isso e diz que
não tem pensado muito a esse respeito porque fica “nervoso”, pois se sente obrigado (sic) a
continuar e se tornar engenheiro, mas ao mesmo tempo, se sente impossibilitado, pois acaba
se voltando para o que gosta de fazer e diz: “é difícil remar contra a maré, eu queria gostar,
mas o curso não ajuda, é muito difícil, aí quando vejo tou (sic) lendo ou escrevendo no meu
livro”.
Marte enfatiza que está escrevendo um livro e em sua fala deixa claro que prioriza e
dedica seu tempo à escrita desse livro, o que se torna bastante compreensível diante de sua
119
realçada pelo grande envolvimento com a Literatura. Afirmou que escreve há bastante tempo
e que seu grande sonho seria poder se tornar escritor para os jovens. Logo, pediu desculpas
por estar mudando de assunto, mas foi tranquilizado e teve esse espaço disponibilizado para
que falasse mais sobre isso. A pesquisadora, portanto, demonstrou interesse por sua história e,
Faz tempo que escrevo, mas assim, antigamente era mais infantil, aí agora não, eu tou
(sic) num nível que eu leio, do que eu costumo ler (...) Escrevo sobre fantasia, fantasia
medieval. Eu queria fazer uma coisa diferente, aí eu pensei numa ideia meio absurda,
mas assim quando você se acostuma com essa ideia, aí fica melhor, aí é tipo... umas
aldeias medievais, aí cada um nessa cidade tem uma espécie de instrumento musical...
Marte segue narrando com bastante entusiasmo um pouco de sua história que envolve
fantasia medieval, música e folclore brasileiro; planeja sua escrita, como se vê:
(...) antigamente quando eu era mais imaturo eu escrevia porque tem tipos de escritor:
o que sai improvisando, eu era assim, eu saía escrevendo do nada, mas assim para
mim não funciona, a pessoa tem que ser planejador, mas tem escritor improvisador
que é ótimo, mas no planejamento você faz todo o esboço da sua história e já sabe o
que vai acontecer até o último livro e daí você escreve.
É digno de nota que mesmo sem compartilhar sua dúvida com o outro ao longo de seu
percurso em C&T, Marte solitário, distante, muito distante do barulho encontrado ao chegar
aí, possivelmente expressa suas sofridas vivências quando compõe seu livro. Aliás, “a
linguagem não é só fala (...) eu também posso dizer algo sem som, silenciosamente”
(Heidegger, 1987/2009, p. 46, 124) e ele o faz à medida que escreve. Sobre isso, observou-se
também que houve uma nítida mudança corporal e em seu estado de ânimo quando Marte
começou a falar sobre seu livro e o gosto pela leitura, ficando com a cabeça erguida, o tom de
voz mais alto e com uma alegria contagiante, diametralmente oposta à apatia com que chegou.
120
intenções do ser-aí, destacando que as posturas corporais oferecem a cada momento uma
noção de como o ser está se relacionando com o mundo, os outros e consigo mesmo
A minha família... foi ela que me colocou pra C&T praticamente, aí tem sempre essas
coisas, era pra eu ter feito Letras, eu acho (...) meu pai é bastante agressivo, de gritar.
Aí agora ele tá me tratando super bem também porque tou (sic) fazendo Engenharia.
Eu fico assim porque para ele Letras não é uma coisa tão bonita, não parece tão
importante quanto Engenharia. Aí ele fica dizendo a todo mundo que vou ser
engenheiro.
de Letras, fê-lo decidir por C&T, afinal, “na maior parte das vezes, a presença sucumbe ao
impessoal e por ele se deixa dominar” (Heidegger, 1927/1995, p. 226), posto que estar no
impessoal, ou seja, o ser-no-mundo mesmo decadente pode ser tranquilizante por assegurar
que tudo “está em ordem” numa espécie de alienação que oculta o poder-ser mais próprio.
desejo do outro, sem ponderar sobre seu desejo genuíno. Por conseguinte emerge uma
negação de viver que lhe gera sofrimento, como já se disse antes quanto ao estado emocional
de desmotivação, tristeza e apatia. Vê-se a impessoalidade quando Marte abre mão do seu
projeto e adota o do outro, seu pai. Marte ao ter feito a escolha por C&T assumiu um modo de
ser impessoal que clama pelo modo de poder-ser si-mesmo (Heidegger, 1927/1996).
Marte de algum modo grita por socorro quando decide deixar de lado a escolha que
não condiz com seu desejo de ser, ocupando-se, sobretudo com a escrita, mas também com
121
outras coisas; nesse sentido, escuta-se Heidegger (1987/2009) quando refere: “cada vez mais
Eu sempre tento me... eu tava muito triste sabe... porque eu ficava assim... como se eu
estivesse no lugar errado, sei lá... como se eu não era pra tá fazendo o que tou (sic)
fazendo, não sei, é tipo... bizarro, tipo assim... mas agora nesses últimos meses eu tou
(sic)... é porque eu tou (sic) deixando o curso de lado, num era pra ser assim, mas é
por isso que tou (sic) melhor porque eu fui participando de várias coisas, aí tem um
grupo de evangélicos na universidade que se reúne. Inclusive hoje tem. Aí eu vou, aí
também eu vou num grupo de RPG, aí eu vou ali perto da ECT, aí também tou (sic) no
Taekwondo, escrevo meu livro (...) eu acabei deixando mais ainda C&T de lado. Eu
vou na aula de cálculo, só que não acompanho a aula, aí prefiro ir pra casa, num era
pra preferir, mas sei lá, prefiro.
com quem a pre-sença se comporta enquanto ser-com define o que o filósofo denomina de
ser para o outro, como se fosse um reflexo do outro em si mesmo, observado no modo de ser-
de familiares, especialmente seu pai e irmão mais velho. O que lhe parece estranho é o modo
de ser que vem assumindo e que não é coerente com sua particularidade e desejo singular de
dar vazão à veia literária que possui, então, de alguma maneira, passa a ter consciência sem
entender bem que algo não está no seu devido lugar, em outras palavras, está fora de órbita;
ser-livre para escolher se apropriar de si mesmo, uma vez que a angústia é uma abertura
débito mais próprio” (p. 77). Um pouco mais à frente, disse que “(...) toda a experiência da
Na fala de Marte, isso se observa quando ele revela sua tristeza e frustração de não ser
ele mesmo em sintonia com seu desejo, priorizando atividades diversas em detrimento do seu
curso de C&T. Ressalta-se, no entanto, que preencher o espaço e o tempo se configura como
mais uma fuga de pensar o sentido e assim perpetua seu desânimo pela falta de realização e
por estar calando seu desejo de ser mais autêntico, mantendo-se no modo de ser impessoal.
importante dar ouvido à estranheza sentida na particularidade de Marte, fazendo com que seja
escolhas que tem feito no âmbito profissional, por se entender que a escolha profissional não é
apenas a escolha de um curso, mas reflete um modo de ser e indo além, diz do que pode lhe
ocupar a maior parte do tempo, o conteúdo com que irá se debruçar, com o que poderá
trabalhar, enfim define um estilo de vida, e por isso, compreende-se o valor da opção
que se tem de si e o questionamento de sua existência, o qual sempre só pode ser esclarecido
qual, de acordo com Heidegger (1927/1996), significa: “projetar-se para a possibilidade fatual
Marte afirmou que muitos de seus colegas também entram em C&T desejando outro
curso, mas o escolhem pela facilidade do ingresso, já que a concorrência é muito baixa, o que
faz com que o curso apresente altos índices de evasão, além do sofrimento que gera em
estudantes que precisam dar conta de um curso de alto nível de exigência sem se identificar
C&T, Marte se mostra muito confuso e com dúvidas: “não sei se seria um absurdo largar
C&T pra fazer Letras, acho que ninguém vai concordar comigo, deixar de ser engenheiro
para ser o quê? É difícil, num é fácil não”. Heidegger (1927/1996) esclarece que “a pre-sença
já está e, talvez sempre esteja, na in-de-cisão (...) A decisão significa deixar-se conclamar a
no impessoal.
A entrevista seguiu com Marte aprofundando a ideia de mudar de curso; ele foi se
sentindo melhor ao falar sobre Letras e começou a enxergar então novas possibilidades:
“Letras, o mercado não é tão aberto. Tem bastante professores, mas se a pessoa for fazer
mestrado, doutorado eu acho que tem campo”. Estava bastante triste, mas saiu mais animado
cursar Letras. Heidegger (1927/1996) diz: “o ser da pre-sença é poder-ser e ser-livre para as
entrevista por ter possibilitado o desvelamento dos sentidos quanto à escolha profissional de
Marte, fazendo-o refletir também sobre a permanência num curso com alto grau de exigência
que o faz se sentir inferior por não conseguir dar conta e insatisfeito com o que está
estudando.
estranheza e sofrimento, não obstante, permitindo-se questionar o que está em jogo em sua
existência e ponderar sobre seu desejo. Ressalta-se a importância de ter se dado atenção à
compreensão que Marte tinha de si, mesmo aquela para a qual ainda não tinha refletido, pois
“a pre-sença sempre se compreende em seu ser” (Heidegger, 1927/1996, p. 38) e é sendo que
sendo os dois modos de ser da pre-sença, a qual é essencialmente sempre sua possibilidade e,
por isso, ela pode em seu ser, ou seja, sendo, escolher-se, ser chamada a apropriar-se de si
mesma. Destaca-se que não há uma valoração no sentido da impropriedade ser inferior,
especial de ser-no-mundo em que é totalmente absorvido pelo ‘mundo’ e pela co-presença dos
outros no impessoal” (p. 237) e é através das crises do projeto impessoal que nasce a
mesmo, mas como característica fundamental da pre-sença, foi sendo ou existindo no ser-com
5.2.4 Terra
também por trazer de maneira clara características do curso de C&T consideradas negativas
por parte de alguns alunos. Terra tem 28 anos de idade, é socioeconomicamente carente, mora
arbitrários, distantes e muito exigentes. Sente a falta de liberdade na escolha dos professores
competitividade entre os alunos. Tem medo de não conseguir concluir o curso, pois tem
disciplina que só tem um professor que “gosta de reprovar” (sic), por esse motivo conclui que
pode fracassar e se frustra muito por antecipação. Sente-se incapaz de concluir C&T e isso é
fonte de muita preocupação, pois afirma que não gostaria de dar esse desgosto aos pais, além
de que já está se sentindo “velho” e precisa trabalhar e garantir o retorno financeiro. Fala do
Terra já havia feito metade do curso de Geofísica e resolveu mudar para C&T pelo
interesse em fazer Engenharia do Petróleo que, segundo o mesmo, dar-lhe-ia mais segurança e
retorno financeiro. Afirmou que as disciplinas introdutórias são parecidas, mas que está tendo
(...) as turmas são muito grandes, então não existe contato direto com professor.
Basicamente o professor dá aula de costas pro (sic) aluno, muita gente na sala, você
não tem como tirar dúvidas, é bem complicado, bem impessoal, eu acho. Essa é a
diferença. Em relação à quantidade de estudo eu também tive que aumentar bastante
porque eles são mais profundos, mais difíceis de pegar, mesmo eu já tendo essa base
anterior, senti muito mais dificuldade.
dificuldade em dar conta pela sobrecarga de conteúdo e pelo alto nível de exigência, chegando
Eu comecei a ter problemas com sono. Você acaba estudando demais e acaba
trocando o dia pela noite pra poder estudar melhor. Dormindo muito mal, menos de 5
horas por noite. E não só isso, às vezes, fico preocupado e não consigo estudar.
(...) medo de não me formar. Penso nisso o tempo todo. Não vou conseguir me formar.
Não vou conseguir me formar. Não vou conseguir me formar. E você acaba se
cobrando demais. Eu me cobro demais (...) O ritmo é difícil. É o último mês de aula e
eu tou (sic) esgotado. Tenho provas pra fazer ainda de todas as matérias. E eu tou
(sic) totalmente esgotado (...) eu preciso estudar demais, eu tou (sic) esgotado, eu tou
(sic) sempre muito preocupado, não consigo relaxar de verdade.
Mostrou a sensação de esgotamento, sem ânimo para continuar e com receio de não
ser capaz de concluir com êxito as disciplinas e, por conseguinte, o curso. Questionado sobre
esse modo de ser preocupado na sua vida de maneira geral, Terra esclareceu que sempre foi
uma pessoa preocupada, mas destacou que o curso intensificou essa sua característica.
pagar com aquele professor, então isso é extremamente rígido (...) Lá os professores
são mini deuses e o aluno fica refém. Se quiser se formar vai ter que passar por mim.
Às vezes, um aluno reprova por uma série de motivos e ter que pagar por uma terceira
vez com o mesmo professor? Às vezes, ele simplesmente não consegue com aquele
professor em si e não tem como tentar com outro professor, com outra didática, outra
dinâmica. Eu já vi alunos que pagam em C&T, mas assistem aula no setor III. Às
vezes, o professor não cobra presença, o que é bom, porque você não perde tempo
com aquele professor e vai estudar ou assistir aula com um professor que se adapte
melhor. Mas isso é difícil acontecer. Somos reféns dos professores. Isso desmotiva
muito.
Terra elogia a estrutura física da ECT e diz que é um departamento muito rico, com
equipamentos modernos e salas bem equipadas, contudo segue ressaltando como bastante
A estrutura é muito boa, mas os professores são bem difíceis, o problema de C&T são
eles, eu tenho raiva porque você não tem pra onde correr (...) Vou contar um caso que
aconteceu no primeiro semestre, no primeiro dia de aula. O professor de cálculo tinha
programado três provas, quando ele programou as três porque ajuda a você estudar,
né?! E tá marcado, tinha feito o calendário e tudo. Com duas semanas de aula ele
disse que não ia mais fazer, ia fazer apenas duas agora. Então são coisas assim...
totalmente arbitrárias (...) Você chega na prova tremendo de medo. Se você for mal na
prova, aí você dançou, vai pra terceira prova e é a matéria do semestre inteiro (...) dá
vontade de desistir porque a culpa é deles e eles não vão sair, não vão mudar.
O desgosto com a maioria dos professores também foi forte queixa por parte de
Vênus, contudo, alerta-se para o modo como Terra atribui aos professores a razão por não
conseguir, por querer desistir, chegando a sentir raiva e medo. Ricoeur (1994) ajuda a pensar
sobre isso quando explana sobre a diminuição da capacidade de agir no sofrer, ficando o ser
físico ou simbólico e explica que numa vertente do sofrimento “a perda da estima de si pode
ser sentida como um roubo ou uma violação exercida pelo outro” (p. 62), sendo, no caso, o
outro representado pelos professores que, segunda sua percepção, impedem-no de se sentir
para encobrir que essencialmente pertence a ele, pois se é co-presente ao outro no cotidiano,
consolidando o poder do impessoal ou dos outros que tomam o ser – “O arbítrio dos outros
não é muito diferente do que eu estava acostumado a ver, é o mesmo conteúdo programático,
considerando que isso é muito negativo para o aluno que se desestimula quando não consegue
acompanhar, mas acredita que pode ser positivo para a instituição por formar realmente só
(...) o pessoal que não aguenta sai, no primeiro semestre a gente vê que diminui pra
caramba. O índice de evasão é muito grande. O pessoal se assusta. Principalmente
quem vem direto do ensino médio, não aguenta, sai (...) Então, para os alunos é
péssimo. Pra instituição em si, pra qualidade de alunos que forma é bom porque só
forma aluno realmente bom, entre aspas, porque se entram 600 alunos por semestre e
a gente vê que tem uns 70 se formando, então tem alguma coisa muito errada. Formar
uns 10% é muito estranho.
pesquisa em C&T e do fato do professor que tem bolsa de Iniciação Científica (IC) acabar
deslocando o bolsista para ajudar na correção de provas, por exemplo, como se constata na
fala:
(...) lá não tem trabalho específico pra IC, muito difícil você conseguir. Basicamente,
o pessoal que faz IC, o professor pega pra corrigir prova, não tem um projeto, nem
uma pesquisa em si. O que eu não considero ruim porque imagina um professor
corrigir 450 provas, ele geralmente tem três turmas. Então deve gerar um estresse pro
(sic) professor corrigir essas provas, são provas que você tem que analisar direitinho,
então tem muito aluno de IC que fica corrigindo provas e trabalhos pro (sic)
professor, então seriam coisas que poderia dar um gás pro aluno, pesquisar algo, mas
não tem em C&T.
130
Terra acrescenta ainda uma preocupação em relação ao segundo ciclo, ao receio que
tem de não conseguir a vaga na Engenharia do Petróleo que é a segunda mais concorrida,
apesar de que diz que ainda bem que não quer Engenharia Mecânica que é a mais concorrida,
pois muitos alunos ficam de fora. Fala que é bastante comum os estudantes se submeterem a
aproveitando só as disciplinas que tiveram sucesso para melhorar a nota e poder concorrer, o
que foi alvo de recente modificação no projeto do curso para impedir essa manobra. Reclama
que a competitividade dos alunos em C&T é muito grande devido à necessidade de garantir
(...) em C&T é cada um por si e o professor que não me ferre (...) Ele cobra muito de
todo mundo, então ele ferra todo mundo. Eu já vi história de professor reprovar uma
turma inteira, reprovar 120 alunos. Eu realmente vi isso, isso aconteceu. Como um
professor pode reprovar 120 alunos? Não pode ser! Alguma coisa tem de errado
nisso.
De fato, o índice apontado por Terra é alto, mas professores, alunos e a instituição de
uma maneira geral precisam se implicar para que se possa analisar os fatores que estão
sença, fazendo com que o impessoal determine o que e como se vê o mundo e a si-mesmo-no-
professor e sua dificuldade em lidar com isso, solicitou-se que Terra aprofundasse esse
sentimento de indignação para com o corpo docente, bem como o significado desse curso para
ele, o que busca em C&T e o que dizer dessa forte preocupação em relação à possibilidade de
não conseguir seguir adiante, buscando-se o que está em jogo, o seu próprio ser, pois mesmo
Terra silencia.
sentido como incômodo por Terra que quebra o silêncio e diz: “não sei muito o que dizer,
C&T é tudo pra mim, mas... [silêncio] não é como eu pensava... tenho raiva... mas vai
passar... [silêncio] vou conseguir”. Pede-se para que fale sobre sua raiva, mas Terra silencia
novamente e, em seguida, afirma que terá de se adaptar, pois precisa concluir o curso:
(...) já tou (sic) numa idade que eu não tenho mais... não posso mais ficar pulando de
galho em galho. Pra fazer Engenharia do Petróleo eu tenho que fazer C&T, não tenho
outra opção (...) ou vou me adaptar ou vou sair, eu não vejo uma solução de imediato,
isso não vai acontecer, os professores não vão mudar a forma de ensino, então eu vou
ter que me adaptar se eu quiser me formar (...) eu preciso me formar, meus pais
contam com isso, eu tenho que ajudar em casa, tenho que voltar feito gente que
estudou e conseguiu ser alguém na vida.
O silêncio pode falar mesmo quando as palavras falham. Sobre isso, Heidegger
(1927/1995) disse “O homem é o ser que fala mesmo quando não fala e cala, recolhendo-se
(...) aquele que, silenciando, quer dar a compreender, deve ‘ter algo a dizer’ (...) o
clamor é um silêncio (...) A silenciosidade retira a palavra do falatório e da
compreensão impessoal. O discurso silencioso da consciência aproveita a
oportunidade da interpretação comum da consciência, a que se ‘atém rigorosamente
aos fatos’, para evidenciar como a consciência não pode ser algo constatável e nem
simplesmente dado (Heidegger, 1927/1996, p. 86).
132
no querer ter consciência, pela disposição da angústia que aponta uma estranheza, um
incômodo e um poder projetar-se para o ser que está em débito quanto ao seu ser mais
próprio, o qual exige um maior aprofundamento para ser acessado, um debruçar-se e meditar
conseguir entrar no mercado de trabalho e ter o retorno financeiro que precisa para sobreviver
e poder também ajudar sua família. Teme bastante ficar à margem da sociedade e voltar para
o interior onde moram seus pais como se não tivesse adiantado nada os anos de estudo na
capital.
Num gosto nem de pensar em não dar certo, já pensou eu voltar pra casa com uma
mão na frente e outra atrás? Tinha medo que isso acontecesse com Geofísica, já como
Engenheiro do Petróleo, eu vou conseguir emprego, ganhar meu dinheiro, ajudar pai
e mãe e o povo vai dizer que eu fui pra Natal e voltei gente, mas às vezes me aperreio
porque não achei que fosse tão difícil chegar em Engenharia do Petróleo por causa de
C&T e dá medo de não conseguir... mas vai dar certo, vai ter que dar (...) quando me
aperreio, num consigo fazer nada, aí fico mais aperreado ainda porque tenho que
estudar muito, aí fico só pensando, muito preocupado e num saio do canto, num era
pra isso acontecer, num posso ficar parado, sem conseguir... tenho que estudar, tenho
que conseguir.
Apesar de Terra ter alcançado uma maior consciência de si mesmo, observa-se o forte
medo dele em não se encaixar na sociedade produtiva e ser colocado à margem, como se não
conseguir lidar consigo” (p. 197), nesse sentido, percebe-se que Terra teme não conseguir ao
não saber suportar seus anseios, suas dificuldades e se deixar guiar pelo medo que lhe
abertura do ser-em no tocante ao fato de estar ameaçado e “Apenas o ente em que, sendo, está
133
em jogo seu próprio ser, pode temer” (p. 196). O ser-no-mundo, portanto, é temeroso, não no
sentido ôntico, mas sim, como possibilidade existencial que esclarece para si o temível,
É interessante pôr em questão o que se teme, pois como disse Heidegger (1965/2012):
“Quanto mais nos avizinharmos do perigo, com maior clareza começarão a brilhar os
caminhos para o que salva” (p. 38). A esse respeito, Feijoo (2011) faz alusão a Heidegger ao
afirmar que:
(...) é a partir do temor que nasce a coragem, a decisão, na qual se retém o temível. E
isso consiste em viver de maneira confiante apesar do temor. É preciso que tenha lugar
a supressão da incapacidade de suportar a indeterminação (p. 172).
ser-no-mundo” (p. 278). Debord (1997) ao discorrer sobre o tempo histórico advindo com a
supremo de uma expansão que fez com que a necessidade se oponha à vida” (p. 138),
poder-ser-no-mundo, uma vez que o ser na decadência está sempre a caminho de si mesmo.
Ao se pensar a ansiedade experimentada por Terra quanto a seu futuro, como uma
reação ao que lhe parece um perigo – não conseguir emprego – é importante ponderar e
interrogar o mundo em que se encontra, suas características e interpelações, posto que “os
problemas psíquicos não são problemas da interioridade, nem do orgânico, nem da semântica
interna, enfim não são problemas do eu, mas ao contrário, são problemas do projeto
mostrando assim como esse movimento do cuidado é bilateral, de um para o outro e vice-
versa, como se lê em suas palavras: “(...) quem se dedica hoje em dia à profissão de ajudar as
pessoas psiquicamente enfermas deve saber o que acontece, deve saber onde está
historicamente” (Heidegger, 1987/2009, p. 140). Então, para refletir sobre o estado emocional
Além do exposto acima, Heidegger (1987/2009) registra que “a relação com o tempo
co-determina essencialmente sua existência” (p. 90) e propõe o “tempo como horizonte de
apropriar do passado para que seja possível uma abertura para suas possibilidades pessoais e
para que haja uma relação positiva com o futuro, no sentido de um entendimento que este é
fruto dos passos do presente. A antecipação do futuro pode paralisar e provocar um caminhar
atropelado por um presente que se tornaria um passado mal ocupado, considerando que “Ficar
sem saber o que fazer é um modo deficiente de ocupação” (p. 116). Heidegger (1987/2009)
elucida que é a relação com o tempo que dá suporte à existência no mundo, ao se juntar o
(Heidegger, 1965/2012, p. 93), distante este que assume uma condição de absoluto, como se o
A escuta psicológica carrega em si uma exigência de quem dirige a fala, como aponta
Ricoeur (1994). No caso, o estudante ao direcionar sua fala à pesquisadora expõe a queixa em
si, mas principalmente dirige um apelo à ajuda, um compartilhar que resguarda um fio de
esperança, o que denota de pronto a importância do que surgiu como fala, escuta e
interpretação de um sofrimento que apareceu aqui como uma ruptura de uma narrativa pela
focalização num instante, mas que se entrelaça no ser-com, posto que a história de cada um
qualitativo e que “na fenomenologia, não se tiram conclusões (...) Só se deve manter o olhar
que pensa aberto para o fenômeno” (Heidegger, 1987/2009, p. 98). Os resultados obtidos são
pontuais, e como já dito, não pretendem ser generalizados para a totalidade dos alunos
suas diversidades, sendo esta uma limitação da presente pesquisa. No entanto, pôr em questão
pensar estratégias que possam minimizar os possíveis fatores estressores encontrados no curso
de C&T, devendo ser material ressonante para a universidade. Lembra-se que com isso não há
nenhuma sugestão de que o curso per se gera o adoecimento ou sofrimento nos estudantes,
mas sim como pontos de reflexão para que possam ser problematizados os aspectos elencados
137
acadêmico.
preocupação pela incerteza quanto a conseguir ou não concluir o curso, dificuldade em lidar
professores conhecidos pela alta reprovação de alunos, turmas grandes que facilitam a
É válido destacar que essas queixas não foram unânimes e que foi verificado que a
experiência de sofrimento é muito mais relacionada ao modo particular com que cada um
atribui sentidos às vivências que teve e que está experimentando na universidade do que
suas peculiaridades que contribuem para acirrar o mal-estar tão comum hodiernamente, tais
como: é um curso da área de Exatas que preza pelo pensamento calculante, no sentido
heideggeriano, que é planificador e investigador, que não para, não medita e toma o próprio
homem como objeto (Heidegger, 1959); estimula e acirra a alta competitividade entre os
colegas com a seleção para ingresso no segundo ciclo; apresenta um ritmo intenso de aulas e
de demandas acadêmicas, típicos da atualidade; e, entre outras, aguça o medo relativo a ficar à
margem da sociedade produtiva, ao passo que se verifica uma grande insegurança a respeito
muito comum entre os entrevistados, pela particularidade de ser um curso que possui entrada
138
estudantes provenientes de escola pública, com ensino médio bastante deficitário. Estes são
praticamente impossibilitados de lograr êxito no curso, tendo em vista ser um curso com alto
outras.
abordada. Pode parecer uma ironia, falar em pensar no ambiente acadêmico, mas não é, como
contemporaneidade, “estamos tão sem ânimo e tão debilitados que já nem somos mais
estudante parar na correria do cotidiano e pensar seu sentido de ser e meditar sobre o que
contemporaneidade que fragiliza e pode fazer sofrer, uma vez que a abertura, o poder-ser, ou
nas palavras de Heidegger (1927/1995), “a disposição é tão pouco trabalhada pela reflexão
que faz com que a pre-sença se precipite para o ‘mundo’ das ocupações numa dedicação e
Neste sentido, alerta-se: “O que mais cabe pensar mais cuidadosamente neste nosso
tempo é que ainda não estamos pensando” (Heidegger, 1965/2012, p. 113). O homem vem
agindo demais e pensando de menos. Duarte (2010) observa que: “vivemos cotidianamente,
sempre às voltas com mil atividades e ocupações para as quais sequer temos tempo suficiente
139
para começar a dar conta delas” (p.23). E nessa turbulência, o homem esqueceu da sua
condição pensante como ser-aí. A amplitude tecnológica planetária deveria dar lugar a um
pessoas. “Certamente, todo mundo encontra disposição para o entretenimento e quem sabe o
sonho e fantasia, mas há pouco espaço para a reflexão, poucos meios de exercício da crítica”
Urge pensar o sentido e “Pensar o sentido é muito mais. É a serenidade em face do que
é digno de ser questionado” (Heidegger, 1965/2012, p.58), é poder refletir sobre o sentido das
do pensamento meditante que pode devolver ao ser o que sempre lhe pertenceu, o caráter de
possibilidades e limites, abrindo-se um espaço para que a saída singular possa acontecer,
grupos de reflexão, grupos terapêuticos, rodas de conversa e discussão entre estudantes e/ou
140
entre estudantes e professores, buscando produzir espaços nos quais predomine o pensamento
reflexivo e se possa realizar um trabalho crítico, sobre o qual discorre Duarte (2010), no
futuro, como forma de resistência e enfrentamento dos riscos impostos à vida cotidianamente.
sendo construído por ele, sendo o sofrimento atrelado à realidade em que se insere e o
pensamento, não se objetivou encontrar respostas para os problemas apontados, mas provocar
universidade nesse contexto. Faz-se necessário que a academia também pense e medite sobre
o que está posto e possa ouvir o que os alunos estão dizendo para a universidade. As altas
estar. Evidencia-se a importância de iniciativas que contribuam para que o estudante possua
lazer, o que segundo Misra & McKean (2000) podem reduzir o estresse proveniente da
universidade.
A experiência acadêmica não deve ser vivenciada de forma isolada, mas como um
processo que envolve os alunos, os professores e a instituição como um todo, sendo pertinente
141
problemas enfrentados pelos estudantes. Vale citar a pesquisa de Crockett et al. (2007) que
problemas percebidos tem sido positiva em relação a uma melhor vivência e aproveitamento
acadêmico.
Faz-se necessário discutir o que falta para melhor acolher seus estudantes também no
sentido pedagógico, como políticas de nivelamento que funcionem com eficiência na prática
entram no nível superior sem condições de acompanhar e lograr êxito, dada a precariedade do
possível!
mesmo, na conjuntura do mundo contemporâneo em que se vive, não refere qualquer indício
de que o ser seja vítima ou sofredor por estar em tal contexto e que esta seria uma valoração
negativa. Não se tem uma visão ingênua de que a vida deveria ser sem esforço ou sofrimento.
como ponto de partida para reflexão sobre o que está dado para que seja possível se apropriar
e tomar as rédeas do que está posto, tentando escapar ao viver automático e robotizado da
contemporaneidade.
afirmou: “Cada qual é filho de suas obras, e do jeito que a passividade faz a cama, nela se
deita (p. 162)”. Essa fala impõe um ponto de vista que considera o ser responsável por suas
ações, o que concorda com a ontologia heideggeriana, a qual serviu de inspiração nesta tese,
142
sobretudo pela visão otimista e positiva que se tem da liberdade do ser que está num constante
potente apelo à libertação e o que seria um destino determinado é tomado como uma noção de
destino em movimento que se constrói como liberdade, “o reino do destino que põe o
de possibilidades, isto é, livre para dizer sim e não às solicitações do horizonte histórico em
que se encontra.
Simone de Beauvoir
143
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ANEXO A
Se você tiver algum gasto pela sua participação nessa pesquisa, ele será assumido pelo
pesquisador e reembolsado para você.
Se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente desta pesquisa, você será
indenizado.
Qualquer dúvida sobre a ética dessa pesquisa você deverá ligar para o Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, telefone 3215-3135.
Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com o
pesquisador responsável Cíntia Guedes Bezerra.
Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como os dados serão
coletados nessa pesquisa, além de conhecer os riscos, desconfortos e benefícios que ela trará para
mim e ter ficado ciente de todos os meus direitos, concordo em participar da pesquisa O sofrimento
em estudantes do curso de Ciências e Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte à
luz da perspectiva fenomenológico-existencial, e autorizo a divulgação das informações por mim
fornecidas em congressos e/ou publicações científicas desde que nenhum dado possa me identificar.
Impressão
datiloscópica do
participante
ANEXO B