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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Centro de Filosofia e Ciências Humanas


Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas

Marise Borba da Silva

NANOTECNOLOGIA E A CONDIÇÃO HUMANA:


a radicalidade técnica contemporânea, os questionamentos
éticos do homo viator e a visão de natureza

Tese de Doutorado

FLORIANÓPOLIS
2008
1

Marise Borba da Silva

NANOTECNOLOGIA E A CONDIÇÃO HUMANA:


a radicalidade técnica contemporânea, os questionamentos
éticos do homo viator e a visão de natureza

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação


Interdisciplinar em Ciências Humanas, como
requisito parcial para obtenção do título de
Doutora em Ciências Humanas - Área de
Concentração Condição Humana na
Modernidade da Universidade Federal de Santa
Catarina.

Orientador: Selvino J. Assmann


Co-orientador: Hector Ricardo Léis

FLORIANÓPOLIS
2008
2

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a meu pai (in memoriam), que já não é mais
um ser entre as coisas que as nossas escalas explicam. Deve
estar na dimensão do quase nada pulverizado em quase tudo.
Ele gostava de Astronomia e de Mitologia, acompanhava a
evolução tecnológica, como um sequioso Prometeu. Alguns o
chamavam de “Professor Pardal” por sua criatividade e
inventividade. Do “mundo da vida” vinham suas idéias que
viravam engenhocas, algumas delas, como suas forminhas de
chumbo para fazer pirulitos; outras, como os aparelhos
odontológicos que inventou, foram aperfeiçoadas e requeriam a
eletricidade para funcionar.
Aqui e agora, estaria muito orgulhoso de minha conquista!
Estaria vibrando em macro, micro e nano entusiasmo!!!
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AGRADECIMENTOS

Ao professor Hector Ricardo Leis, que tão prontamente aceitou orientar-me, muito
atencioso e demonstrando interesse pelo assunto desta tese. Sempre me concedeu muita
solicitude quando dele precisei, e agradeço seu empenho em abrir-me caminho para os
primeiros passos na produção escrita. Devo-lhe meu ingresso neste maravilhoso Doutorado.

Ao meu querido orientador, professor Selvino José Assmann, pela extrema


generosidade pessoal e intelectual com que aceitou dar continuidade à minha orientação. Foi
mais que orientador, um professor e amigo que, em termos de categoria taxonômica, eu o
denominaria carinhosamente de “homo collu”, que me ofereceu o aconchego no momento de
minha maior solidão de pesquisadora, além de colocar a meu dispor sua rica biblioteca. Sem
a sua colaboração tão dedicada, sem sua paciência, sem seu “cuidado de mim” e altruísmo,
esta tese não teria sido possível;

Ao meu querido e eterno mestre, professor Norberto Jacob Etges, por ter sido, ainda
que indiretamente, o maior responsável pela escolha deste assunto, ao ter propiciado, em
minha formação intelectual e acadêmica no Curso de Mestrado, os primeiros contatos com a
“nanotecnologia” e sempre ter exigido de mim o rigor necessário na busca pelo
conhecimento, além de ser um grande companheiro sempre que solicitei sua ajuda;

Aos representantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sobretudo,


aos fundadores do excepcional Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências
Humanas. À UFSC, da qual nós catarinenses nos orgulhamos, por ter sido a Instituição que
me possibilitou o acesso ao Doutorado de forma gratuita, visto que de outro modo, isto não
teria, muito provavelmente, sido possível. Ao Programa de Doutorado (DICH), com
seus/suas renomados/as dirigentes e professores/as, por considerá-lo um Curso refrência,
tendo verdadeira admiração por este Programa e orgulho de ter passado por ele, por sua
qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio nome diz e por todos
aqueles profissionais que acolhe na sua condução. Devo um agradecimento muito especial
aos Coordenadores do Programa, cada um em seu tempo: Professor Héctor Ricardo Leis e à
Professora Carmen Silvia de Moraes Rial, e aos respectivos Vice-Coordenadores - pelas
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ousadas, firmes e dedicadas posições à frente da estrutura administrativa, alicerçadas no


desejo de fazer o Programa ser exitoso, crescer em excelência e reconhecimento nacional e
internacional.

Á Liane Bergmann, ao Jorge, ao Ângelo La Porta e ao Jerônimo, por suas atitudes de


solicitude, de atenção e profissionalismo, com que sempre me atenderam na Secretaria.

Ao gentil e perspicaz professor Franz Josef Bruseke e à afável e entusiástica,


professora Júlia Silvia Guivant que, com despeendimento, generosidade e espontaneidade,
muito me honraram com sua participação na minha Banca de Qualificação;

Aos profissionais que se dispuseram a contribuir com este estudo, aceitando meu
convite para serem entrevistados de uma maneira tão especial, tão generosa, espontânea,
carinhosa e nobre, que a mim causou surpresa e entusiasmo. Admirando a forma digna com
que me trataram, quero registrar minha admiração eternal por eles:

André Avelino Pasa (Professor, Doutor em Engenharia Metalúrgica e de Materiais -


UFSC/SC).
Tania Beatriz Creczynski Pasa (Professora, Doutora em Química Biológica -
UFSC/SC).
Ricardo Machado Peres (Engenheiro, Mestre em Engenharia Mecânica - NANO
ENDOLUMINAL/SC).
Norberto Jacob Etges (Professor, Doutor em Sociologia - UFSC/SC).
Jatir Francisco de Moraes (Implantodontista, Florianópolis/SC).
Márcia Ramella (Programadora de Computador - Bento Gonçalves/RS).
Lidiane Goedert (Professora, Mestre em Educação Científica e Tecnológica - SENAC
- UDESC/SC).
Mauro Cherobim (Professor, Doutor em Ciências Sociais - UNESP/SP).
Oswaldo Luiz Alves (Professor, Doutor em Ciências – UNICAMP/SP).
Rafael Rafaelli (Professor, Doutor em Psicologia/Psicologia Clínica - UFSC/SC).
Paulo Roberto Martins (Professor, Doutor em Ciências Sociais – UNICAMP-
Campinas/SP).
5

Vanessa Carla Furtado Mosqueira (Professora, Doutora em Biofarmácia,


Farmacotécnica/Ciências Farmacêuticas - Escola de Farmácia da UFOP/MG).
Maria Helena Andrade Santana (Professora, Doutora em Engenharia Mecânica e
Pós-doutora em Engenharia Química - UNICAMP/Campinas/SP).
Simone Adad Araújo (Médica, professora, Doutora em Medicina Otorrinolaringologia
- USP/SP).
Silmara Nery Cimbalista (Professora, Doutora em Ciências Humanas –UFPR/PR-
vínculo-livre).
Tamara Benakouche (Professora, Doutora e Pós-Doutora em Ciências
Humanas/Sociologia - UFSC/SC).
Vilma Ferreira Bueno (Professora, Mestre em Educação - SED - Florianópolis/SC).
Zulmira Guerrero Marques Lacava (Médica geneticista, professora, Doutora em
Patologia Molecular - UnB/SC).
Bernardo Neves (Professor, Doutor em Física - UFMG/MG).
João Ibaixe Jr. (advogado criminalista, Mestre em Filosofia do Direito).
Sérgio Barbosa (Jornalista, professor, Mestre em Ciências da Religião/Sociologia da
Religião - FAI/Adamantina/SP).
Márcio José Dalmolin (Contador, Gerente de Exportação - Todeschini Indústria e
Comércio - Bento Gonçalves/RS).
Azor El Achkar (Advogado, Mestrando em Direito - Tribunal de Contas do Estado de
Santa Catarina/SC).
Paulo César Moraes (Professor, Doutor em Física - UnB/BR).

Às professoras Joana Maria Pedro, Miriam Pillar Grossi, Luzinette Simões Minella,
Tamara Benakouche e, particularmente, ao Professor Rafael Raffaelli. Todos eles tornaram
minha pesquisa possível e são também co-articipantes desta tese. Acima de tudo, porque com
suas aulas enlaçaram-me para sempre à vontade de conhecer suas áreas de atuação, outros
autores, novos temas e termos, enfim, ao novo que faltava em minha formação intelectual, a
ter maisamplidãopara prosseguir fazendo-me a mim mesma e ao mundo o que me cabe nesse
latifúndio.
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Ao professor Doutor Arsênio José Carmona Gutiérrez que, com a mais indescritível
generosidade, emprestou-me livros valiosos de sua biblioteca particular, para que eu pudesse
dar início a leituras fundamentais e aos ensaios de produção escrita.

Aos queridos colegas de turma, Adilson Francelino Alves, Carla Schubert Sengl,
Cláudia Hausman Silveira, Cristina T. da C. Rocha, Edonilce da Rocha Barros, Elisa Gomes
Vieira, Maria Carolina Andion, Maria da Graça A. Faccio, Olga Regina Z. Garcia, Silmara
Nery Cimbalista e Tito Sena, pelo companheirismo em sala de aula, estudos conjuntos, trocas
de idéias e também nossos laços rizomáticos nas festas. Destaco outros colegas, de outras
turmas que guardei com carinho em minha lembrança: Katja Plotz Froís, Sandra
Makowiecky, Ana Lúcia S.V.Guimarães, Paulo Roberto Sandrini e Ronaldo de Oliveira
Corrêa.

Aos componentes da Banca de Defesa da Tese: Professor Selvino José Assmann,


Professor André Avelino Pasa, Professor Mauro Cherobim, Professora Myriam Raquel
Mitjavila, Professor Gilson Rocha Reynaldo, Professora Betina Giehl Zanetti Ramos e
Professora Martha Kaschny Borges, tão amáveis e altruístas. A todos por terem aceitado
compartilhar comigo um dos momentos mais expressivos de minha vida, iluminando-o e
tornando-o mais grandioso com suas presenças, com seus conhecimentos a subsidiarem,
fundamentarem e reencaminharem os meus próprios, e por suas reconhecidas experiências
profissionais na academia e no mundo do conhecimento.

À minha mãe por seu companheirismo, paciência, apoio, amparo, cuidado, troca de
conhecimentos e debates na área de Matemática, na qual é graduada, pelo socorro nas
gravações de CDs, nas digitações, no enfrentamento de meus momentos de estresse profundo,
e dos estados depressivos e necessidade de silêncio.

À minha família, às minha irmãs Cláudia e Miriam, pelos favores prestados nas horas
de correria e por terem me suportado em meus momentos difíceis, em função de todo esforço
despreendido na realização deste estudo.

Aos amigos que acompanharam mais de perto minha extenuante travessia: prima
Terezinha, César, Dalal, prima Juçara, Vilma, Silvane e às colegas do Ensino Médio da
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Secretaria de Estado de Educação de Florianópolis, em especial, Maike, Maristela, Janete,


Evanir, Nilza e Pedro.

A todos professores e professoras a quem ministrei cursos no Estado de Santa


Catarina e no Rio Grande do Sul, e aos meus alunos nos cursos de pós-graduação nestes dois
estados. Não sabem eles o quanto lhes devo por muito do que fui aprendendo, construindo,
avançando. Eles foram sempre um “termômetro vivo” que pulsava e media o grau alcançado
na caminhada.

Ao Professor José Carlos Cechinel por quem tenho o maior carinho e a quem devo
muitos, por sua confiança, amizade e reconhecimento durante minha atuação no Centro de
Educação a Distância – CEAD/UDESC, no período entre 2001 e 2005.

A Sueli Wollf Weber, por sua solidariedade e compreensão, quando minha


coordenadora pedagógica no CEAD/UDESC em meu exercício no Centro de Educação a
Distância - CEAD/UDESC, Florianópolis, em que cursava simultaneamente o Doutorado.

A Ivone Franciozzi, minha amiga, também solidária e dedicada companheira nos


momentos de aflição, em busca de esmero e concisão na redação escrita.
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SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS ............................................................................................................. 10

LISTA DE FIGURAS .......................................................................................................... 11

LISTA DE TABELAS ......................................................................................................... 12

RESUMO ............................................................................................................................ 13

ABSTRACT ........................................................................................................................ 14

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 15

1 ASPECTOS GERAIS: A INOVAÇÃO NO CONTEXTO DA SOCIEDADE DO


CONHECIMENTO COM AS QUESTÕES CENTRAIS COLOCADAS
PELA NANOTECNOLOGIA ........................................................................................... 34

2 O QUE É NANOTECNOLOGIA ...................................................................................... 46

3 A NANOTECNOLOGIA E O CONHECIMENTO PROPICIADO PELOS


CAMPOS E CONCEITOS DA FÍSICA E DA MATEMÁTICA: APROXIMANDO
TECHNE E ARTE ............................................................................................................ 81
3.1 Do universo plano, tridimensional e macroscópico de Euclides ao universo da
escala de dimensão nanoparticulada ............................................................................. 113

4 NANOTECNOLOGIA E A SECULAR OPOSIÇAO ENTRE NATUREZA-


CULTURA: TENTANDO RECONFIGURAR O DEBATE............................................ 127

4.1 Nanotecnologia: o possível elo entre natureza e cultura...................................................142


9

5 DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E FUNDAMENTAÇÃO ÉTICA PARA O


DEBATE SOBRE A NANOTECNOLOGIA...................................................................... 171
5.1 Bases atuais para a relação da nanotecnologia com o conhecimento racional e a postura
ética ........................................................................................................................................210

6. A NANOTECNOLOGIA NO CENÁRIO: O QUE BRASILEIROS PENSAM DA


PESQUISA NESTA
ÁREA..................................................................................................Erro! Indicador não
definido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 252

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 2560

ANEXOS .......................................................................................................................... 278

ANEXO A: QUESTIONÁRIO DA PESQUISA DE DOUTORADO: NANOTECNOLOGIA


E A CONDIÇÃO HUMANA NO FUTURO: a radicalidade técnica contemporânea, os
questionamentos éticos do homo viator e a visão de natureza................................................278
10

LISTA DE SIGLAS

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CRN Centro de Nanotecnologia Responsável

ETC Group Action group on Erosion, Technology and Concentration

FAI Faculdades Adamantinenses Integradas

LABJOR Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo

LNLS Laboratório Nacional de Luz Síncrotron

LQES Laboratório de Química do Estado Sólido

MCT Ministério da Ciência e Tecnologia

NANO ENDOLUMINAL Empresa Nano Endoluminal S.A.

NUDECRI Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade

SED Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina

SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina

UFOP Universidade Federal de Ouro Preto/MG

UFPR Universidade Federal do Paraná,

UFPR Universidade Federal do Paraná

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

UnB Universidade de Brasília

UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

UNESP Universidade Estadual Paulista

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

WWW Wide World Web


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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Escala do nanômetro (nm). .................................................................................... 49


Figura 2: Dimensões nanométricas na vida........................................................................... 53
Figura 3: Microscópio de Força Atômica (AFM ou MFA).................................................... 55
Figura 4: Luminômetro ........................................................................................................ 60
Figura 5: Modelização de um nanotubo.. .............................................................................. 66
Figura 6: Grafite e nanotubo de carbono............................................................................... 69
Figura 7: Grafite Faber Castell.. ........................................................................................... 70
Figura 8: In-Ceram. .............................................................................................................. 71
Figura 9: Dente antes da instalação de implante com In-Ceram ............................................ 71
Figura 10: Coroa de In-Ceram (porcelana). .......................................................................... 72
Figura 11: Esqueleto estrutural do DNA............................................................................... 88
Figura 12: American Pavilion............................................................................................. 911
Figura 13: Moebius Strip II.... .............................................................................................. 92
Figura 14: Fulereno .............................................................................................................. 93
Figura 15: Favos de abelhas hexagonais ............................................................................... 94
Figura 16: Arte e técnica na nano ......................................................................................... 95
Figura 17: Taça de Lycurgus. ............................................................................................. 104
Figura 18: Body Art: piercing na língua. ............................................................................ 111
Figura 19: Medicina e prótese ............................................................................................ 161
Figura 20:O universo do grande e do ínfimo, na potência de dez . ..................................... 111
Figura 21: Pós-Humana? .................................................................................................... 161
Figura 22: O homo da mecânica. ........................................................................................ 162
Figura 23: Língua eletrônica e nariz eletrônico ................................................................... 169
Figura 23: No azul (1925), obra de Kandinsky. ................................................................. 254
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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: ORDEM DE GRANDEZAS: Múltiplos e submúltiplos do metro.......................... 48


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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA


CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas

NANOTECNOLOGIA E A CONDIÇÃO HUMANA: a radicalidade


técnica contemporânea, os questionamentos éticos do homo viator e a visão de natureza

RESUMO

TESE DE DOUTORADO
MARISE BORBA DA SILVA

A ciência dos nanoelementos vem provar relações profundas que sustentam a transição do
físico e orgânico para patamares de existência ainda mais sutis, verificados na fronteira entre
o material e o imaterial, o orgânico e o inorgânico, a Terra, o interplanetário e o universo, a
vida e a não-vida. Lidar com nanopartículas é defrontar-se com a ambivalência de elementos
de dimensão nanométricos que, em certas doses, podem ser letais e em doses menores são
essenciais à vida. O imponderável dos nanoelementos abala automaticamente a mentalidade e
o sistema de raciocínio que mede a importância das coisas pelo tamanho, pelo peso, ou pela
sua tradução comercial em cifras, na dimensão macro e micro. Nanoelementos, de peso
insignificante, intocáveis pelos cinco sentidos, entram na contabilidade básica dos seres vivos
e são preocupação recente para o que pode representar casos de vida ou de morte para o ser
humano, sobretudo. Analisam-se, pois, acontecimentos vinculados à nanotecnologia na visão
de natureza que está se constituindo e nas questões articuladas a ensaios éticos, que voltam a
pulsar sempre que se lida com o “novo”. Propõe-se a necessidade da análise multi e
interdisciplinar dos dilemas gerados em meio às imbricações doutrinárias com base na relação
técnica-ética, posto que muitos pensamentos permeiam esta novidade em suas implicações
para a espécie, indivíduos e humanidade. Indaga-se se a visão progressista com que se
concebe a “nano”, como a técnica mais radical do momento, é compatível e capaz de alterar o
próprio curso da vida, já que tem sido argumentado que se trata da “última revolução
tecnológica” e que esta afeta a essência de toda natureza humana. As idéias apresentadas
tentam situar um patamar mediador entre determinismos biológicos e culturais, que possa
contribuir para o debate sobre a liberdade de decidir os rumos que estão sendo tomados, já
que os produtos da técnica tornaram-se complexos e diversificados demais para serem
apreendidos em tempo hábil, antes de se tornarem ultrapassados. Imagina-se o que pode
acontecer em relação ao fascinante e surpreendente “mundo do infinitamente pequeno”!
Problematizam-se algumas posições particulares advindas de diferentes vozes e lugares,
interlocuções empenhadas em avaliar o contexto de avanço da nanotecnologia em seus efeitos
reais e potenciais, para dispor-se de um leque mais amplo, nos dias atuais, pois já se fala do
século XXI, como o “século nanotecnológico”.

Palavras-chave: Nanotecnologia. Natureza. Técnica. Ética. Vida. Condição humana.


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FEDERAL UNIVERSITY OF SANTA CATARINA


CENTRE OF PHILOSOPHY AND HUMAN STUDIES
POST-GRADUATION PROGRAM IN UMAN SCIENCES OF THE
FEDERAL UNIVERSITY OF SANTA CATARINA

NANOTECHNOLOGY AND THE HUMAN CONDITION: the


technical contemporary radicalidade, the questions ethics of the homo viator and the
vision of nature

ABSTRACT
DOCTORAL THESIS
MARISE BORBA DA SILVA

The science of the nanoelementos comes to prove deep relations that support the transition of
the physicist and organic one for landings of existence still more subtle, checked in the
frontier between the material and the immaterial thing, the organic thing and the inorganic
thing, the Land, the interplanetary thing and the universe, the life and the non-life. To deal
with nanoparticles is to face the ambivalence of elements of dimension nanometrics what, in
certain doses, can be lethal and in less doses they are essential to the life. The imponderable
thing of the nanoelements shakes automatically the mentality and the system of reasoning that
measures the importance of the things for the size, for the weight, or for his commercial
translation in ciphers, in the dimension macro and micro. Nanoelements, of insignificant
weight, untouchable by five senses, enters in the basic accountancy of the lively beings and is
a recent preoccupation for what it can represent cases of life or of death for the human being,
especially. There are analysed events linked to the nanotechnology in the vision of nature that
is if constituting and in the questions articulated to the ethics, which pulsate again whenever if
it deals with the “new”. The necessity of the analysis is proposed multi and interdisciplinary
of the dilemmas produced amid the crossing doctrinary on basis of the relation
nanotechnology -ethics, although many thoughts permeate this novelty in his implications for
the sort, individuals and humanity. It is inquired if the progressive vision with which one
conceives I her "sleep", like the most radical technique of the moment, is compatible and able
to alter the course itself of the life, since it has been argued what one treats as the “ last
technological revolution ” and what this one affects the essence of any human nature. The
presented ideas try to situate a landing mediator between determinism biological and cultural,
what could contribute to the discussion on the freedom of deciding on the courses that are
being taken, since the products of the technique became complexes and diversified too much
to be apprehended in reasonable time, before becoming outdated. Imagine what can happen
regarding fascinatingly and surprising “world of the small infinity”! It surpasses the man,
again, in the figure of “homo viator”: a walker inside the world that he himself created,
changing into a citizen of the universe, so able to explore the exterior space, the "flesh" of the
Land and the bottom of the sea how much the recess of his mind itself from a pointed
geometrical creativity molecular-atomic. Someone are put in problem some particular
positions resulted from different voices and places, interphrases pawned in valuing the context
of advancement of the nanotechnology at his real and potential effects, to be prepared of a
more spacious fan, in the current days, so is already spoken of the century XXI, like the
“century nanotechnological”.

Key words: Nanotechnology. Nature. Technique. Ethics. Life. Human condition.


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INTRODUÇÃO

Retroviagem

Adiada a chegada
o mar é só vertigem
o porto está distante.

A noite nos oceanos


é uma tragédia de negrumes
onde se perdem
os homens ávidos de idílios
entre cetáceos ressabiados
e atlânticas saudades.

A estrela que me acompanha


(ou a persigo, em solitária romaria?)
restabelece o ancoradouro
que precocemente fugiu
das garras tênues
de um viandante inconcluso.

Mais inquieta é a esperança


se nela não navego
ou galopam outros sonhos.

A geografia dessas águas


fabrica desafios, enquanto no rosto
mareja o sacrifício da espera.
(Ronaldo Cagiano)

Seculares são os questionamentos sobre a relação entre natureza e cultura, entre ser
humano e técnica, entre homem e animal, antigas inquietações que perseguem a humanidade.
Mas os dois últimos séculos inauguraram uma forma de pensar a natureza (nature), o
ambiente (nurture), a vida e o humano, radicalmente transformada, devido a diversas
mudanças provenientes da oposição entre natureza e cultura, da intervenção de uma sobre a
outra e das simultâneas singularidades originadas da estupenda participação humana nestes
processos. Novamente inquieto, o inconformado animal humanizado que formou só por si,
um reino, o Reino Hominal, assume, mais uma vez, a figura do “homo viator”: um
caminhante dentro do mundo que ele mesmo criou, transmutando-se em um cidadão do
universo, tão capaz de explorar o espaço exterior, o “miolo” da Terra e o fundo do mar quanto
o recôndito de sua própria mente a partir de uma aguçada criatividade geométrica atômico-
molecular.
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A nanotecnologia constitui uma lição exemplar em vários sentidos, como a evidência


de que existem coisas que escapam à nossa apreensão, dificilmente mensuráveis por
instrumentos da tecnologia moderna que aprendemos a usar, tão irredutíveis ao puro
raciocínio do cálculo matemático que permaneceram por muito tempo praticamente ignoradas
pela ciência objetivista que sabe medir, pesar, calcular. Bem por isso, a nanotecnologia,
possivelmente, se tornou a cultura mais excitante do momento e por esta razão, é
compreensível a indecisão ante as coisas do bem e do mal que ela representa em si mesma, a
maneira conveniente com que nos acostumamos a pensar tudo o que provém da técnica.
Trata-se certamente de um terreno fértil para a realização de muitos estudos a respeito,
tomando por referência, principalmente, o desenvolvimento da biologia molecular, da
biotecnologia, da nanotecnologia/nanobiotecnologia e dos processos de clonagem, e o
aprofundamento das pesquisas do genoma humano. Estes importantes avanços, certamente,
repercutirão mais uma vez somados à expectativa do que ainda deverá ocorrer nos próximos
anos com o uso em larga escala de objetos, produtos e dispositivos reservados para vários
tipos de aplicações, fabricados a partir da nanotecnologia. Esta inovação tecnológica que
alcança a intimidade da matéria, já que mexe com sua estrutura atômico-molecular, foi a fonte
de motivação que inovou esta tese, além do grande interesse da pesquisadora pelo assunto, já
que possui familiaridade com a temática, dada a sua formação no campo das Ciências
Naturais e por sua preocupação educacional.
Se o que já diz à técnica, de modo geral, a tem colocado como algo que vem causando
profundas transformações nos últimos anos, a “nanotecnologia” vai mais além. Esta tornou-se
alvo crescente de grandes polêmicas e de acalorados debates em círculos intelectuais, no
sentido de se buscar um melhor entendimento do seu processo de desenvolvimento e avaliar
seus reais impactos na vida das pessoas. Além disso, abriram-se precedentes para que sejam
também revisitados alguns aspectos específicos que dizem, na atualidade, à relação da técnica
contemporânea com o par natureza e cultura (criação), com as questões ligadas à vida, ao
homem e, em decorrência, olhando para o futuro, com a natureza humana e os rumos éticos.
A nanotecnologia é ainda um assunto muito recente em nossa vida comum. Refere-se a
alguma coisa que diz respeito à criação não apenas de uma nova tecnologia, mas do que ela
traz subjacente, consigo, ou seja, novas propriedades que só existem numa escala não
observada no âmbito do macroscópico e tampouco, por sua singularidade, no do
microscópico. É uma tecnologia pertinente ao nível atômico-molecular, da ordem de um
mundo potencial ainda a ser conhecido, portanto, e que por isso mesmo culmina no
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desenvolvimento de matérias-primas inéditas com aplicações na fabricação de uma gama


diversificada de produtos novos, de muitas coisas que podem ser criadas a partir dela.
Tem sido bastante sinalizado na mídia e na literatura específica que a nanotecnologia
representa uma nova revolução industrial, em suas distintas formas de expressões. Tanto
cientistas das ciências exatas quanto das humanas e sociais têm falado que se trata da última
revolução tecnológica possível. Em vários eventos realizados - a exemplo da Nanotec Expo
2006, em São Paulo, com cerca de cinco mil participantes -, têm sido devidamente
apresentadas as tendências mundiais nos setores de componentes semicondutores orgânicos e
inorgânicos, que alterarão profundamente a eletrônica nos próximos anos. Hoje, os trabalhos
baseados em nanomateriais são considerados revolucionários perante outros sem base
nanotecnológica, com a promessa de melhorar nossas vidas com produtos e ferramentas
muito mais aperfeiçoados e eficazes. Mas não custa chamar a atenção para o fato de que a
motivação para muitas destas promessas e da maior parte da “tinta derramada” na mídia
(desde os antigos frascos de tinta para impressão aos mais potentes cartuchos) é ainda
suposição, em grande parte não verificada, de que esta técnica transformará o mundo e terá
conseqüências éticas e sociais profundas. Há uma gama expressiva de impressões e jornais
on-line, científicos e técnicos que colocam seu foco especificamente em nanotecnologia. Para
nosso descontentamento, porém, ainda não constituem número expressivo aqueles que,
ocasionalmente, publicam artigos sobre implicações éticas e sociais com o rigor científico e
argumentação necessária que gostaríamos para que o debate sobre a relação entre a
nanotecnologia e uma possível mudança na natureza humana, ou o fim do próprio homem e o
advento do pós-humano, não fique restrito ao campo dos próprios exageros e especulações
mal embasadas.
Para dar consistência à escolha da pesquisadora por nanotecnologia, ressaltamos que,
num primeiro momento, foram seus grandes aliados sua formação em Ciências Biológicas, o
gosto acentuado pela informática, a paixão pelo conhecimento e pelo novo, as experiências
anteriores vinculadas à formação acadêmica e ao desempenho profissional; aspectos bem mais
relevantes que a disponibilidade de fontes de informação específica sobre a nova tecnologia.
O que havia, nesse início, era pouco arsenal, uma literatura razoavelmente escassa.
Sucessivamente, foi aumentando o entusiasmo por este campo do conhecimento de
inusitada novidade e por se tornarem mais evidentes as possibilidades de realizar uma
pesquisa capaz de integrar conhecimentos de ordem biológica, física, química, filosófica,
sociológica, antropológica e histórica. Ante algo que tendia a consagrar-se como mais uma
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revolução ou moda, fortificou-se a necessidade de visualizar melhor e especificar a


abrangência do estudo por dispor-se de notícias tantas que vinham de um terreno ainda
pouco explorado academicamente no Brasil, com pouquíssimos trabalhos neste tipo de
discussão; por isso mesmo, constituía-se um locus em que começava a haver grande
efervescência de problemas relevantes na atualidade.
Convém complementar, que já existia grande interesse da pesquisadora pela temática
desde a realização do Mestrado1. À época, foram fascinantes as informações que procederam
de obras de Pierre Lévy (1998, pp. 48-50), já alertando que há muito tempo estávamos nos
despedindo das tecnologias em macroescala (mecânicas), caracterizadas também como
“brutas” ou “pesadas”, com que nós operamos normalmente e não nos espantamos tanto.
Igualmente estava acontecendo com as tecnologias “molares” ou técnicas quentes,
consideradas “de massa” (carvão/ferro, eletricidade/fundição, petróleo/química). Ambas as
tecnologias fundamentam-se no princípio da explicação da natureza em seu movimento
mecânico – estática e inerte – e num princípio de uniformidade, equivalentes à visão
mecanicista da matéria passiva, dotada apenas de extensão e com as qualidades materiais
suscetíveis ao tratamento geométrico, à grandeza, à figura e ao movimento. Numa referência
às técnicas pesadas arcaicas e às molares, um exemplo sobre a presença dessas tecnologias é
reportar-se ao que permite mover grandes quantidades de átomos de um lado para outro,
como nos carregamentos de grandes volumes de areia feitos nas obras e construções. São
técnicas ainda vinculadas a magnitudes (massas, cargas e dimensões) de limites mais
precisos à nossa visibilidade, às dimensões de como nos apercebemos das coisas através de
nossos sentidos (grandezas microscópicas), exigindo a sua redefinição. Certamente, o
equivalente a atirar um tijolo na cabeça de alguém é bem mais significativo que arremessar
uma pedrinha de dimensão muito pequena, ou mesmo uma bolinha de algodão; faz muita
diferença! E foi deste contexto motivador, que começou a busca por literatura específica que
fundamentasse algumas questões existentes.
Constatamos que, na década de 1990, sobressaía no âmbito das Ciências Sociais o que
constava em obras do filósofo, sociólogo e historiador francês Levy (1998), e pouca coisa

1
Mestrado em Educação, linha de pesquisa Educação e Trabalho (1992-1994), da Universidade Federal de
Santa Catarina, em Florianópolis. O interesse por nanotecnologia floresceu, sobretudo, a partir de 1993,
mediante os estudos realizados com o Professor Norberto Etges, na disciplina Educação e Trabalho, e com a
leitura de obras de Pierre Lévy (1956-) que abordavam de forma passageira o advento da nanotecnologia.
19

existia, ainda, quanto a informações disponibilizadas na internet, prevalecendo conteúdo


específico às áreas das Ciências Naturais e Engenharias de Materiais.
Aos que estão atentos às transformações que a nanotecnologia desencadeia na vida
social em geral, para alguns, técnicas ‘enxeridas’ e, para outros, ‘bem-vindas’, acopladas à
vida como estão sendo no campo da Medicina e Farmácia, por exemplo, elas prometem
mudar irreversivelmente as premissas da condição humana, o que pode significar para muitos
críticos uma nova mancha no tecido das relações humanas, caso seja transformada em nova
estratégia eugênica. Mas se trata de uma visão ainda prematura, cuja afirmação pode ser um
tiro no escuro. Há um longo caminho a percorrer antes de certezas finais, pleno de questões
entrelaçadas com técnicas modernas e sua participação na produção de aspectos da vida e do
homem.
O que já é possível ver, nesta abordagem, é que a nanotecnologia mexe numa ferida
bastante antiga, que não somos capazes de curar, porque é um corte que nunca estancou, que
ainda não sarou, mas que é preciso ao menos tentar aliviar ou fazer revigorar de outro modo: a
da rivalidade entre os defensores das ciências sociais e defensores das ciências exatas (como
foi sempre forte o embate entre o pensamento mítico e as explicações científicas). Tal como
derivou de uma longa tradição do Ocidente, a depreciação dos escritores perante os homens
de ciência, que remonta ao Renascimento e se tornou paradigmática na discussão sobre as
relações entre ciências biológicas e exatas com as humanidades e a literatura, a partir do
estudo clássico de C. P. Snow Two Cultures2 outra querela ocorreu entre duas culturas que
representam uma espécie de dicotomia igual a que existe entre os conceitos vindos de alguns
setores das ciências humanas e das ciências naturais. Concordamos com Snow (1995, p. 29)
quando argumenta que “essa polarização é pura perda para todos nós. Para nós como pessoas,
e para a nossa sociedade. É ao mesmo tempo perda prática, perda intelectual e perda criativa,
e repito que é errôneo imaginar que esses três aspectos são claramente separáveis”.
A ousada constatação de Snow convida-nos a explicar melhor a que viemos e o que
pretendemos. Para nós, escrever uma tese sobre um assunto tão polêmico ainda, e o fato de
tomar a frente e assumir atividades, como as que puderam ser e estão sendo desenvolvidas

2
No século XVI, um dos aspectos das vastas transformações acontecidas foi o início da reivindicação de
autonomia da ciência em relação à retórica. Uma ilustração marcante e inaugural desse movimento se deu no
século XVII com a proposta da Royal Society of London, no sentido de erigir a clareza, compreendida como a
supressão de ornamentos supérfluos preconizados pela retórica, em padrão de estilo original pelo qual deveriam
pautar-se os relatos científicos, a partir de então. Resulta que, mais do que uma cisão profunda, gera-se
verdadeira desconfiança mútua entre humanidades e ciência, que foi ganhando contínuo aprofundamento ao
longo dos séculos XVIII e XIX, motivando o ensaio famoso de C. P. Snow “The two cultures and the scientific
revolution”, publicado em 1959.
20

com o ensino público e a formação espontânea de grupos de estudos, contribuem de algum


modo para romper o obstáculo representado pelo afastamento entre as ciências sociais e as
exatas. Divórcio este que ocasiona além do empobrecimento mútuo, destacado por Snow
(1995), um empobrecimento tanto de uma quanto de outra área do conhecimento e, em
conseqüência, do ensino e da formação em geral. O que queremos elucidar é, justamente, o
que a nanotecnologia traz consigo de comprometedor no que se refere a afetar a natureza
humana e implicar em problemáticas éticas, seja para maior clareza, tanto do dia quanto da
noite, que estão imbricadas nesta sua intromissão. Este é um aspecto inspirador para aquilo
que acreditamos ser um estudo significativo, tanto para transitar entre razão e imaginação,
quanto para ajudar na construção de uma ponte que reduza o distanciamento entre as duas
culturas, a que nos referimos antes. Visamos, por isso mesmo, dar destaque a uma produção
multi e interdisciplinar, tentando seguir mais de perto o que preconiza o relatório da
Comissão Gulbenkian (1996), que fala da necessidade de refletir de forma conjunta e
integrada sobre os modelos teóricos de determinadas disciplinas, com ênfase no que diz
respeito à natureza, aos seres vivos, aos humanos e não-humanos, no que é próprio à sua
complexidade e inter-relações existentes e possíveis.
No início deste estudo, dispúnhamos de certos conceitos considerados importantes,
mas constatamos depois que ainda precisávamos – e muito – ter deles maior domínio.
Nomeadamente, fala-se dos domínios específicos da nanotecnologia e daqueles que abrangem
suas relações com a vida, a vida em geral, sobretudo a humana, pela experiência própria
porque é de fato tão dura, penosa, confusa e repleta de dilemas, uns deles bastante conflitantes
à existência até mesmo dificultando nossa capacidade para entender as recentes
transformações por que passamos.
Hoje muito se tem pensado a respeito do que afeta a própria natureza humana e os
valores políticos, éticos, sociais que têm direcionado as opções da sociedade em que vivemos,
e ao mesmo tempo abre espaços para muitas perguntas. Por exemplo: sobre a relação entre a
vida e a nanotecnologia; se a nanotecnologia se apresenta como aquilo que deve ser uma
inclusão da cultura na natureza, mas através de uma exclusão desta; se a nano se trata de uma
nova cultura originada a partir da natural continuação da natureza, capaz de contribuir com a
limitação desta, numa ordem evolutiva das coisas; se ambas, natureza e cultura se
interpenetram a ponto de se confundirem uma com a outra e se transformarem a partir daí em
algo que as contém e ao mesmo tempo delas se destaca, como um objeto ou uma idéia. Enfim,
21

são indagações que dão já o que pensar e muito trabalho, indicando que há muito ainda por
saber do que teremos hoje e pela frente com o desenvolvimento das tecnologias.
Conta também que já temos um longo período de enfrentamentos e catástrofes para
registrar, em estreito vínculo com o viver às custas dessa relação mal resolvida em nossa
cabeça - natureza-criação/cultura -, que já vêm sucedendo desde tempos mais primitivos,
acentuando-se nos tempos modernos e se tornando mais e mais agudizados nos dias
contemporâneos. Indicam alguma coisa que parece escapar à nossa compreensão inteligente,
ao domínio humano. Estes acontecimentos sucessivos foram mostrando a razão por que nós, e
nenhum outro ser além de nós, reclamamos como objeto principal para reger nossas vidas a
própria submissão a normas, regras e leis, mesmo que muitas delas pudessem frustrar nossos
sonhos e desejos. Tais questões seguem ainda sendo contempladas, e, nos últimos séculos,
alguns teóricos têm se esforçado para abordá-las de forma mais literal e sistemática, com
menos apelo ao romântico, ao personalizado e ao sentimento calcado em questões morais.
Mas este é um vasto debate, sobretudo, levando em conta uma escala de mundo de domínio
técnico, que perdeu a ligação com a escala do mundo sensível, com o mundo do vivido.
O tema aqui abordado não foi uma escolha fácil, afinal, não basta defini-lo
simplesmente e começar a escrever sem que se provoque algum tipo de perda de precisão nas
informações, ainda mais quando se trata de algo tão específico se comparado a outros
assuntos com maior amplitude temática. Em casos assim, quando está em jogo uma inovação
técnica com rápida difusão, tanto no plano do conhecimento como no das aplicações e
serviços, enfatizamos que esta é uma oportunidade ímpar para interrogarmo-nos sobre a
nanotecnologia, sobre seu sentido, sua evolução, suas implicações éticas e, se possível,
devolver e instigar tais interrogações ao debate público.
Como pensou Hans Jonas (1995), com as tecnologias modernas de última geração, são
introduzidas ações de magnitude muito diferente, com objetos e conseqüências tão novos que
o marco da ética anterior não pode mais abarcá-los dada a essência da técnica moderna que
transformou de tal modo a natureza em algo que antes não era. Por esta razão, levando em
conta uma alegação tão contundente, abordamos como tema desta pesquisa a relação entre
nanotecnologia, natureza, natureza humana e ética. O tema nos remeteu necessariamente
a revisitar algumas das principais correntes de pensamento que têm governado o rumo dos
posicionamentos, comportamentos e atitudes tomados em torno ao vínculo natureza, técnica e
ética. Isto não significa dizer que fizemos todo o caminho atrás da origem das grandes
correntes doutrinárias existentes, de seus principais filósofos e autores representantes que
22

delas sofreram fortes influências, tampouco aprofundamos a história da ética, porque não é
nosso objetivo e porque concordamos com a filósofa Mary Midgley (1995) quando diz que
perguntar de onde provém a ética não é a mesma coisa que perguntar de onde vêm os
meteoritos. Preocupou-nos, desde o início, a) dispor da possibilidade de refletir e avaliar os
acontecimentos que ocorrem em nosso redor, vinculados à nanotecnologia, b) analisar se eles
recebem ou não uma outra explicação e, portanto, c) apontar novos questionamentos e
conduções éticas colocados atualmente, já que por ética se entende o decidir entre humanos, e
o que interessa à ética é como viver bem a vida humana, a vida que transcorre entre humanos.
Algo nunca antes percorrido ou explorado teoricamente pela pesquisadora - por
exemplo, a necessidade de examinar o uso eventual de capacidades para as quais não se
dispunha antes, referentes à própria manipulação biológica e atômica para fins humanos,
alguns já bem definidos e outros de que nada se sabe ainda com garantia - foi gerando novos
caminhos para a delimitação do problema. Um fator determinante foi ter acompanhado os
avanços crescentes da biotecnologia, das tecnologias de informação, da nanotecnologia e das
ciências cognitivas, que têm contribuído para projetar a civilização em direção a uma
sociedade do conhecimento e cujo alcance parece ir além da interdisciplinaridade ou da
multidisciplinaridade, mas até uma verdadeira mudança “na natureza da ciência e da
tecnologia”, com todo tipo de implicações possíveis para a economia, a sociedade e a cultura.
Podemos indicar alguns exemplos dessas inovações, como as recentes notícias de que
o Brasil é o país com maior aumento no uso de computadores, divulgadas pela BandNews3, a
invenção por um grupo de pesquisadores da Embrapa da “língua eletrônica”, como foi
batizado o sensor gustativo para avaliação de bebidas (como a água, vinho e café). Este
equipamento é cerca de dez mil vezes mais sensível que o paladar humano e representa um
avanço no controle da qualidade para a indústria alimentícia, vinícolas, estações de tratamento
de água, possivelmente, também para a indústria farmacêutica, com destaque nacional e
internacional, notícia inclusive na prestigiada revista Nature (a língua eletrônica já está no
mercado desde 2006, avaliando a qualidade do famoso cafezinho). Temos ainda as grandes
repercussões e sucessos que as pesquisas nanotecnológicas começaram a ganhar mundo afora,
haja vista a entrega recente do Prêmio Nobel de Física de 2007, em 9 de outubro deste mesmo
ano, em Estocolmo4, a Albert Fert e Peter Grünberg, respectivamente um francês e um

3
Brasil é o país com maior aumento no uso de computadores. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2007/10/09/298070123.asp>. Acesso em 12 de outubro de 2007.
4
Trabalho reconhecido pela radical miniaturização de discos rígidos dos computadores a serem capazes de
armazenar cada vez mais informação, que contou também com a participação do gaúcho Mario Baibich.
23

alemão, por seu trabalho com nanotecnologia, motivos bastante fortes para dinamizar novas
indagações.
Também chamou nossa atenção a notícia bombástica, em novembro de 2007, de que
cientistas anunciaram a clonagem, pela primeira vez, de embriões de um macaco extraindo
células-tronco desta cópia. Certamente foram muitas as interrogações. Para surgir o primeiro
macaco clonado, é só uma questão de tempo? Poderão, a partir daí, avançar os feitos da
ciência para fazer surgir o primeiro ser humano clonado? Será que é este o caminho que a
ciência está seguindo? Houve ainda a divulgação de recentes experimentos com células-
tronco5, no dia 21 de novembro desse mesmo ano, algo que mostrou a impressionante
especialização e sofisticação científica e tecnológica de nosso tempo. Acrescentamos a
realização de pesquisas por dois grupos de cientistas, uma equipe japonesa e uma norte-
americana, que conseguiram transformar células da pele humana em células-tronco. Abriu-se
um caminho sem precedentes e potencialmente ilimitado para a substituição de tecidos ou
órgãos com problemas, com a criação de células-tronco a partir do código genético do próprio
paciente, eliminando assim os riscos de rejeição além de acelerar as pesquisas sobre
tratamento de câncer, mal de Alzheimer, doença de Parkinson e recuperação de partes do
corpo lesionadas. Este procedimento destacou-se dos realizados por meio das técnicas atuais
com as quais se obtêm células-tronco pela manipulação de embriões, cuja defesa da utilização
e clonagem de embriões humanos é, em última análise, segundo referenciado na mídia, para a
Igreja Católica Apostólica Romana, um ato homicida e nazista; logo, trata-se de técnicas
cercadas de considerações éticas, portanto, implicadas com princípios de existência humana.

Segundo foi noticiado, em termos técnicos o que os dois físicos fizeram, de forma independente um do outro, foi
um modo de construir materiais mais sensíveis a campos magnéticos, mediante o fenômeno chamado
“magnetorresistência gigante”. Este se vale das propriedades novas e pode-se dizer ‘esotéricas’ no sentido de
serem estranhas, obscuras, ainda, no nosso dia-a-dia, que os materiais assumem na escala nanoscópica (dos
bilionésimos de metro e milionésimos de milímetro). Foi uma das primeiras aplicações do campo nascente da
nanotecnologia. Ver: Pesquisa com nanotecnologia vence Prêmio Nobel de Física. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2007/10/09/298070123.asp>. Acesso em 12 de outubro de 2007. Ver
também: Princípio que permitiu o iPod leva Prêmio Nobel. Disponível em:
<http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=477488>. Acesso em 12 de outubro de 2007.
5
As células-tronco são consideradas como a esperança de cura para algumas das doenças consideradas as que
mais matam, as que geram malformações congênitas no corpo humano (como craniofaciais, a exemplo das
fissuras lábio-palatinas ou lábio leporino etc.), as neurofibromatoses (que geram tumores nos nervos) e as
afecções neuro-degenerativas (como as doenças de Parkinson, Huntington e Alzheimer). Embora por anos e anos
se venha praticando o descarte de embriões, o acesso às células-tronco embrionárias, mesmo para fins de
pesquisa, é limitado em razão de considerações éticas sobre a utilização e a clonagem de embriões humanos.
Além disso, tem a questão dos órgãos transplantados obtidos a partir de células-tronco embrionárias serem
rejeitados pelo paciente.
24

Tudo isso mostra que a questão da responsabilidade social e ética da ciência e do


cientista vai migrando do terreno do discurso e passa a ser uma realidade efetivamente
política, e sobretudo vai suscitando o envolvimento de todas as sociedades!
É importante destacar aqui, para elucidarmos melhor o rumo que nossas preocupações
tomaram neste estudo, que o problema de pesquisa começou a tomar forma quando
transitamos da compreensão de um domínio tecnológico a outro, não mais entre grandezas de
escala macro e de microescala, como nos acostumamos a fazer comumente nos “cálculos” em
função de nossos atos (ou políticas). Sucede que a multiplicidade de possibilidades que
vieram com a Física Quântica gerou certa angústia, derivada precisamente da abertura de
imprecisão a que fomos submetidos. Este acontecimento chegou a desbaratar todo cálculo e
destreza racionalmente projetados abalando também as estruturas de apreensão dos
fenômenos do mundo, com respeito à condição limitante dos sentidos humanos, conformados
que fomos a ele segundo nossos padrões de escala, sentidos e incidência de detalhes captados.
A sociedade contemporânea se viu de novo às voltas com um novo grande paradoxo. Ao
mesmo tempo em que derivados e produtos nanotecnológicos acentuam sua presença no
mercado, ainda que não na vida da maioria das pessoas, não se pode ainda acompanhá-los a
tempo em seu progressivo desenvolvimento; o acesso a eles ainda é muito restrito e se vêm
cheios de enigmas, surgem com menos parafernálias, ou pelo menos são bem menores, cujo
ingresso crescente de coisas tão fenomenais impõe novas reflexões sobre nossos modos de
viver. Temos então um problema que julgamos fundamental, que se refere às cogitações
consequencialistas em torno da possibilidade da nanotecnologia de alterar radicalmente
a natureza humana, criando o autêntico pós-humano, a afetar toda a vida no planeta.
Situação esta sobre a qual novos questionamentos e conduções éticas estão sendo colocados,
já que por ética se entende o decidir entre humanos, e o que interessa à ética é como viver
bem a vida humana, a vida que transcorre entre humanos com o ingresso das nanotecnologias.
O estudo ampliou nosso campo conceitual, aplicações e inserção da nanotecnologia
na sociedade, e sobre de que modo a manipulação atômico-molecular coloca em questão
valores, projetos sociais e tensões entre a técnica e o poder de decidir o modo de viver, a
afirmarmos que a nanotecnologia é a maior revolução técnica de todos os tempos. Richard
Feynman (Apud REGIS, 1997) alega que o objetivo da nanotecnologia é o de criar novos
materiais e desenvolver novos produtos e processos baseados na crescente capacidade da
tecnologia moderna de ver e manipular átomos e moléculas. Acreditamos que podemos
discutir aspectos sobre o potencial de transformação e implicações da nanotecnologia na vida
25

social, identificando características associadas às mudanças que vêm se configurando nos


chamados contextos tradicionais e científicos dada sua introdução na natureza e no ambiente
humano, e em vários setores da sociedade.
Neste aspecto, na medida em que a abordagem metodológica permite aprofundar o
conhecimento de um aspecto da realidade, comparativamente aos caminhos realizados por
outros estudos acerca de inserções técnicas e seus respectivos questionamentos éticos, é
fundamental para esta pesquisa a análise mais segura do tipo de relação existente entre a
nanotecnologia e as questões éticas que com elas advêm, bem como com os limites éticos de
nosso tempo e os posicionamentos tomados na sociedade, tendo em conta a distância que a
tecnologia em nanoescala tem da experiência cotidiana. Temos aqui o objetivo geral que é
avaliar as possibilidades e limitações da nanotecnologia em relação à percepção humana,
quanto ao que esta técnica implica para a natureza e a natureza humana, na intenção de
“alterá-las”, “destruí-las” ou “melhorá-las”, sob a alegação, por exemplo, de que dispõe
do poder de interferir na preparação do ser humano para melhor se adaptar ao seu
ambiente, ou o contrário, em condições ainda apenas imaginadas para a maioria de nós.
Para isso, julgamos necessário, ao mesmo tempo, identificar, elucidar e discutir elementos,
especialmente importantes, que expandam a nossa compreensão sobre o que a nanotecnologia
efetivamente é. Do mesmo modo, é de igual importância verificar as formas de sua inserção
na sociedade, mediante os direcionamentos que estão sendo tomados com relação à solução
dos complexos e intensos problemas referentes às questões éticas, implicados ao avanço das
nanociências e das nanotecnologias; estabelecer elos com as opiniões de leigos no assunto,
avaliações técnicas e decisões éticas e políticas, cujo entendimento e encaminhamento de
possíveis soluções exigem, cada vez mais, da população uma base mínima de conhecimento
científico.
Consideramos, então, que a nanotecnologia, mediante sua base em ínfima escala
de fazer cálculos, faz parte da evolução e, ao mesmo tempo, é um conhecimento que põe
em causa uma forma de evolução - que é a evolução através dos macro-funcionamentos
biológicos – a favor de como a vida se dá em seus processos átomo-moleculares, o que
vai alterar necessariamente nossa visão de natureza. Mas não é uma técnica que, por sua
necessidade intrínsica de vários aspectos do conhecimento, tem um fim em si mesma, com o
poder de alterar por completo a natureza humana. Desde que surge e na sua trajetória vai
alocando meios e fins específicos e diversos, dispondo-os à realização de novas condições
para a sobrevivência, uma vez que o organismo, na sua determinação puramente biológica,
26

enquanto “forma”, vai se constringindo perante suas próprias interações com o ambiente, sem
que se conceda prioridade a qualquer um dos termos da relação, mediante o artifício técnico
que resultou do processo de evolução bio-cultural. Ou seja, por sua atividade técnica
inventiva, com a nanotecnologia o homem transcende as condições da existência que lhe
foram impostas, tanto naturais quanto as subseqüentes culturais e os resultados da mútua
interferência que uma vai exercendo na outra, por sua inteligência diferenciada como um
processo de comunicação próprio capaz de combinar os mais distintos elementos e mesmo
estranhos entre si, até mesmo inconciliáveis, contribuindo para a mudança de nossa visão de
natureza.
Na realização deste estudo, buscamos fundamentos em pensadores que se dedicaram e
dedicam ao estudo da relação técnica e ética para nos subsidiarem na trajetória secularmente
‘espinhosa’ que é discutir as aparentemente eternas inquirições sobre o Homo: com suas
características biológicas próprias à espécie humana, sem contato com a história do mundo
humano; com os impasses sobre a sua natureza incompleta ou como uma “tábua rasa”, desde
ao nascer, na qual nada está escrito, só adquirindo conhecimentos através da experiência que
lhe vem unicamente dos sentidos; em relação à influência da natureza biológica humana à
natureza social de nossa espécie e vice-versa; no que diz respeito ao viver do homem como
um estranho dentro do seu próprio mundo social e às manifestações da natureza humana, mais
importantes ou não do que a tecnologia; enfim, problemáticas que, como as citadas
anteriormente, dizem respeito à natureza, ao modo de viver, aos seres em geral.
Por tais razões é que visitamos autores modernos: Thomas Hobbes (1588-1679); René
Descartes (1596-1650); Baruch de Spinoza, (1632-1677); John Locke (1632-1704); Gottfried
Leibniz (1646-1716); Giambattista Vico (1668-1744); David Hume (1711-1776); Jean-
Jacques Rousseau (1712-1778); Immanuel Kant (1724-1804) e o considerado último pensador
moderno, Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). E também os contemporâneos:
como John Stuart Mill, (1806-1873); Karl Marx (1818-1883); William James, (1842-1910);
Friedrich Nietzsche, (1844-1900); Edmund Husserl (1859-1938); José Ortega y Gasset (1883-
1955); Martin Heidegger (1889-1976); Alexandre Koyré (1892-1964), Arnold Gehlen (1904-
1976); Claude Lévi-Strauss (1908-1902) Willard Van Orman Quine (1908-2000); Donald
Herbert Davidson (1917-2003 John Rawls (1921-2002); Thomas Kuhn (1922-1996); Michel
Foucault (1926-1984); Karl-Otto Apel (1922); Hilary Putnam (1926); Jürgen Habermas
(1929); Richard Rorty (1931-2007); Gianteresio Vattimo (1936); Richard Dawkins (1941);
27

Daniel Dennett (1942); Peter Albert David Singer (1946-); Pierre Lévy (1956), além de
outros.
Para responder ao que surgiu no contexto de nossa preocupação em avaliar quais as
implicações mais amplas e específicas que a nanotecnologia pode ter sobre a natureza humana
e sociedade, e visualizarmos a partir daí questões de fundo ético que afetam a vida,
buscamos, simultaneamente, idéias centrais que fundamentassem a hipótese principal desta
tese, recorremos a autores como: Antonio Negri - mais conhecido como Toni Negri (1933-),
Edoardo Boncinelli (1941-), Umberto Galimberti (1942-), Giorgio Agamben (1942-), Félix
Duque Pajuelo (1943-), Peter Sloterdijk (1947-), Laymert Garcia dos Santos (1948.), Roberto
Esposito (1950), Werner Jaeger (1888-1961), Steven Arthur Pinker (1954-), e outros de igual
expressividade.
Ecolhemos estes autores sobretudo porque não apenas oferecem seu ponto de vista
filosófico, psicológico e biológico, mas também modelos de exposição clara e concisa de
problemas similares ao nosso - nanotecnologia. Por acréscimo, eles se alicerçam em
referências adequadamente selecionadas, apresentam abordagem de problemas de modo claro
e acessível e idéias, que defendem ou criticam, com argumentos ou objeções explicitamente
formulados e não apenas sugeridos. No que diz respeito à relação entre nanotecnologia e
ética, arte e técnica, abordando mais diretamente o uso pragmático, ético e moral da razão,
buscamos nos orientar em autores, cujas obras oportunizam uma leitura histórica da tradição
baseada no confronto de argumentos e concepções. Citamos como exemplos, Habermas,
Rorty, Rawls e Putnam, a nos delinearem um quadro com a ação humana se transformando
em ação eticamente “boa” ou eticamente “má”. Além desta contribuição, consideramos a
expressão “carência biológica” apresentada por Galimberti (2003, p. 119), particularmente
especial e inusitada para nós, julgando que seja um argumento procedente da “insuficiência
biológica” de Arnold Gehlen.
Desde o primeiro instante, para avançarmos nesta pesquisa, toda esta
fundamentação foi indispensável, mas consideramos necessário que nos reportemos à visão
de natureza que hoje temos e que pensemos a ética na sua realidade atual, numa reflexão
mais rigorosa, pautando-nos tanto no objetivo de conhecer, acompanhar e avaliar melhor
seus princípios reguladores e orientadores quanto na conduta dos cientistas, dos tecnólogos e
dos consumidores dos seus produtos. Também necessitamos estar atentos a que, no seio do
viver ético, tanto insurgem aberturas impensadas, à luz do lucro, como surgem formas
veladas de inquisição que ensombram o desenvolvimento da investigação científica e
28

tecnológica. Estaremos assim orientando e reorientando o nosso próprio comportamento,


acompanhando a história do homem, sua evolução social, cultural e ética, obtendo lições
importantíssimas para o futuro da humanidade. Tudo está mesmo decidido pela técnica?
Pode existir ética onde tudo está decidido pela técnica em nossa vida (ou quase tudo)?
Existem implicações para a prática da ética, se é que tudo está já decidido tecnicamente, para
que possamos nos situar com menos desconforto e acompanhar o desenrolar das questões
éticas implicadas à nanotecnologia?
Pelo exposto, consideramos na realização da abordagem teórico-metodológica uma
ampla e complexa base analítico-conceitual sobre o que é a nanotecnologia, como podem a
partir dela ser representados a ‘natureza’, a ‘vida’, o ‘ser humano’ e o ‘mundo’, e também as
implicações com a ética, por si só um desafio de partida. É evidente que existem muitas
questões conceitualmente complexas envolvidas nesse ponto crucial do problema e não
sabemos ainda com certeza qual é a melhor teoria disponível para dar conta delas, ao
vincularmos a nanotecnologia com um maior poder de decisão sobre nossas vidas, com o
saber, a ética e a condição humana.
Não poupamos esforços a este estudo, que exigiu a mais extenuante reflexão sobre o
que se acolhe da palavra dos pensadores eleitos, e teóricos, com os quais ousamos dialogar,
interagir, confrontar e não simplesmente incorporar seus discursos, para podermos avançar
por um terreno que tem sido alvo de muitas discussões e controvérsias, como já o dissemos.
Indicamos assim as principais idéias tratadas nos seis capítulos, destacando tópicos
temáticos, essenciais para justificar a relevância do assunto abordado e definir os pressupostos
teóricos juntamente com as proposições conceituais que dão sustentação às questões de
pesquisa. Esses tópicos, em seu conjunto, possibilitaram estruturar o contexto da tese e
facilitar a ‘visualização’ da sua abrangência.
Na introdução, buscamos definir o tema/ problema de pesquisa e seus objetivos para
justificar a sua relevância científico-acadêmica e social, e para falar àqueles que, direta ou
indiretamente, estão interessados em nanotecnologia. Situamos revisão da literatura,
fundamentos teóricos, problema, objetivos, justificativa, hipótese principal e questões
norteadoras, expondo alguns conceitos e idéias favoráveis à elaboração textual, mediante o
suporte oferecido por alguns autores, cujas considerações teóricas são significativas para a
construção do argumento desta tese. Procuramos servir-nos destas referências como
evidências para nos situarmos quanto ao modo de como seremos – e estamos sendo - afetados
por um novo parâmetro de mundo. Marcamos, assim, os pontos de partida para balizar o
29

percurso feito com a delimitação de seis capítulos. Estes correspondem a quadros teóricos e
de referência quanto ao conteúdo particular de cada um e em relação uns aos outros. Com
eles ampliam as oportunidades de compreensão multi e interdisciplinar sobre a
nanotecnologia, bem como as potencialidades da pesquisa, e o seqüenciamento mais
adequado das idéias apresentadas. Buscamos igualmente desenvolver novas possibilidades
analíticas e teóricas que auxiliem a investigação nas ciências sociais e humanas, para que
assumam em suas abordagens uma tecnologia, aparentemente tão esotérica, estranha e
distante, de forma não menos comum daquelas que já dominamos. Visamos, também, nesses
capítulos: a) atender aos objetivos e questões da tese; b) favorecer a compreensão reflexiva
dos métodos e instrumentos metodológicos utilizados; c) estruturar as estratégias de
abordagem; d) promover a delimitação dos instrumentos de coleta, análise e interpretação dos
dados; e) dar maior suporte à discussão sobre os resultados das análises feitas.
No primeiro capítulo, tratamos de aspectos gerais que revelam espaços abertos à
divulgação científica da nanotecnologia, apresentando elementos marcantes de sua
introdução, além de algumas abordagens sobre suas características e sua recepção na
sociedade.
No segundo capítulo, discorremos sobre a necessidade de definir a nanotecnologia, ou
nanotecnologias, como querem alguns dos que a abordam e a pesquisam. Considerando que a
palavra nanotecnologia está intimamente relacionada ao muito pequeno, observa-se de
antemão que as coisas do mundo “nano” não tratam de algo naturalmente e simplesmente
assimilado por todos nós.
No terceiro capítulo, procuramos colocar a nanotecnologia em sua relação com a
natureza e com a natureza humana, verificando as possibilidades de mudanças em relação à
vida em si, à nossa vida em particular. Lembramos que os materiais, cujos aspectos e
propriedades básicas fazem parte do mundo de nossa experiência, trabalhados na escala de
medidas própria da nanotecnologia, passam a ganhar outras e novas propriedades e a
apresentar um comportamento peculiar, acenando uma aproximação muito íntima entre techne
e arte. A nova materialidade nanotecnológica, então, ao que nos parece, representa verdadeiro
desafio à idéia que temos de realidade, de valor, de comportamento humano, de
comportamento moral, de ética etc., perante novos acontecimentos que se apresentam e que
fazem alguma diferença em nosso modo de viver e do valor da vida, imediatamente
considerados. Abordam-se caminhos seguidos pelos avanços do conhecimento científico e das
tecnologias, que ocasionam profundas mudanças e acontecimentos, responsáveis até mesmo
30

pela natureza interdisciplinar das N&N (Nanociência e Nanotecnologia) e pelos eventos que
marcaram e influenciaram o seu desenvolvimento. Quaisquer projetos neste domínio
implicam, necessariamente, na congregação de competências diversificadas, não apenas da
Matemática (geometria, álgebra, outras), mas também requerem uma base da Física, da
Química, da Biologia e da Filosofia, em que se reconhecem conteúdos bem definidos quanto à
importância que suas teorias têm para a nanotecnologia.
No quarto capítulo, levamos em conta as implicações da separação e, posteriormente,
da oposição radical entre natureza e cultura, que teve início no século XVIII. Ela dificultou o
entendimento da significação das ações históricas, do domínio da natureza e da criação
cultural, acontecimento que se refletiu nas grandes polêmicas que existem nas discussões
atuais em torno da própria nanotecnologia. A partir do século XIX alguns dos efeitos dessa
dicotomia são bastante problemáticos à vida, pois a própria técnica trouxe consigo a
impressão quase generalizada de que corresponde a uma espécie de processo sem nenhuma
conexão com a vida, pelo qual seríamos arrastados e cuja natureza escaparia, na verdade, aos
desígnios e finalidades estabelecidos pelo homem. É algo que alguns filósofos descreveram
como a realização impensada de uma potência libertada pela metafísica ocidental, mas não
controlável pela sua ética, pela sua moral, ou por qualquer outra filosofia prática.
No quinto capítulo, buscamos expor o que existe em torno da relação nanotecnologia,
natureza humana, ética e sociedade, cujas implicações possam afetar as instâncias legais,
políticas e econômicas. Mediante esta análise, identificamos distintas correntes éticas
influentes do pensamento moderno e contemporâneo, que trazem elementos especialmente
relacionados à inserção da nanotecnologia na sociedade, vinculando-os às fontes de tensão e
aos dilemas éticos existentes face às novas modalidades de controle técnico e suas
possibilidades. Acreditamos que isto se constitua numa indagação central para muitos
estudos, a ser aprofundada e repensada, ponto em que colocamos o maior leque possível, que
pudemos elaborar de pensadores da técnica e da ética. Fazemos uma breve revisão de idéias
que tratam da ética e buscamos traçar o caminho de sua influência até o presente momento, a
exemplo do que representam os expressivos debates que envolvem Habermas, Rorty, Apel e
Putnam que estão interessados nisso e acerca das influências do pragmatismo americano, com
relação ao desenvolvimento da técnica e sua aplicabilidade.
No sexto e último capítulo apresentamos uma forma de abordagem estruturada para
descobrir e avaliar o que as pessoas pensam e sentem em relação à nanotecnologia e algumas
de suas implicações, a fim de contribuir parcialmente para futuros e mais amplos debates
31

quanto ao entendimento do panorama atual da perspectiva brasileira e de alguns estrangeiros


(destes, o fizemos mediante argumentos encontrados em publicações com as quais
trabalhamos) sobre o desenvolvimento da nanotecnologia. Visamos auxiliar o
aperfeiçoamento dos mecanismos de participação pública de nossa sociedade. A pesquisa teve
por base o estudo bibliográfico e o trabalho de campo. Com a pesquisa de campo, tivemos um
recurso bastante favorável para fazer o estudo evoluir de uma abrangência mais pessoal a uma
mais ampla, e mesmo para uma integração a nível nacional, deixando de ser a nossa uma
experiência isolada e ocasional. Foi fundamental para nós atrair cada vez mais a participação
ativa da comunidade, para seu envolvimento mais expressivo, abandonando a atitude
puramente passiva perante o ingresso dos novos aparatos técnicos em seu dia-a-dia e a
entendê-los como dispositivos que estão organizando a vida comum e ordenando as coisas e
os corpos na polis. A investigação no âmbito do estudo individual, antes de recorrer para a
pesquisa de campo com o objetivo de compreender os mais diferentes aspectos de uma
realidade nova, como qualquer outro tipo de pesquisa partiu do levantamento bibliográfico.
Determinou-se o uso do questionário como técnica (e instrumento) de coleta de dados
apropriada à natureza do tema. O questionário foi aplicado, via e-mail, a vinte e três pessoas
que foram convidadas e aceitaram espontaneamente participar desta pesquisa. Tendo em vista
a preocupação de poder contar com pessoas que constituíssem um subgrupo que fosse
representativo em relação à população como um todo, os sujeitos de pesquisa foram por nós
escolhidos enquanto “pesquisadores-experimentadores”, diretamente envolvidos com a
pesquisa em nano, “pesquisadores de área não-nano" (que estão reposicionando problemas
ligados à nanotecnologia dentro do contexto mais vasto da ação no âmbito das ciências sociais
e humanas e da comunicação humana), “público informado sobre o tema nano” e “público
não-informado sobre o tema nano”. Estas duas últimas categorias de participantes foram
incluídas por suas posições e papéis mediante os quais podem contribuir com reflexões sobre
a singularidade da nanotecnologia. Assim, foram selecionadas as pessoas para a composição
do universo da pesquisa, dispostas a colaborar para que se cumprissem os objetivos principais
do trabalho de pesquisa, satisfazendo algumas necessidades do mesmo e podendo oferecer as
contribuições solicitadas. Podemos antecipar que contamos com participantes de diversas
áreas, a saber: Física, Biologia, Engenharia Química, Química Biológica, Farmácia e
Biofarmácia, Medicina Genética, Medicina Otorrinolaringologia, Odontologia, Psicologia,
Filosofia, Sociologia, Antropologia, Direito, Engenharia Metalúrgica e de Materiais, História,
32

Administração, Contabilidade, Pedagogia, Informática, Jornalismo, Engenharia Mecânica e


do setor empresarial.
Julgamos que ter seguido o viés exploratório, desde o início do trabalho, foi um
empreendimento imprescindível, porque ainda se dispunha de número pouco expressivo de
publicações, tanto brasileiras quanto estrangeiras, a respeito do assunto. Esta escassez inicial
limitava nossas possibilidades de desenvolver, esclarecer e precisar conceitos e idéias para a
formulação de abordagens condizentes com as necessidades próprias à continuação do estudo.
Buscou-se ainda acompanhar e ao mesmo tempo apreciar o desenvolvimento do fenômeno em
questão, objeto de nosa pesquisa, na sua visão atual, com a firme decisão de nos envolvermos
da melhor forma possível em sua estrutura íntima, ainda latente para nosso cotidiano,
inclusive por ser um fenômeno não-visível ou observável à simples reflexão.
Deste estudo, concluímos que as opiniões e percepções sobre a nanotecnologia e suas
implicações à natureza e à vida em geral, sobretudo os posicionamentos que remetam a uma
nova visão sobre a relação da técnica com o ser humano, assinalam um incipiente
envolvimento das pessoas com as novas informações, mostram que existe ainda pouquíssima
familiarização com estas novas tecnologias, o que explica a atitude geral de emissão de
pronunciamentos a respeito, tanto de seus riscos quanto ao otimismo face às novas promessas
tecnológicas em particular na melhoria na qualidade de vida e em questões de saúde. No
público que domina o assunto, encontramos tanto crédito favorável em relação à nano, quanto
temores e incertezas face ao caráter de algo invisível-incontrolável que a princípio em si
representa.
Mas foi possível ter uma idéia mais clara sobre o que especialistas e o público leigo
brasileiros entendem por nanotecnologia, focalizando seus pontos de vista em aspectos
essenciais, particularmente, associados à radicalidade que tem sido concedida à
nanotecnologia como inovação tecnológica e à sustentação de aspectos teóricos, éticos e
morais que estão na base dessas posições, expressivos como referência a outras interpretações
acerca da nanotecnologia, para que se trabalhe com a educação do cidadão, através da
compreensão do papel desta inovação no desenvolvimento da tecnologia e da educação em
ciência. Concordamos com o presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), Adalberto
Fazzio (2005), quando defende a incorporação do conhecimento científico à cultura popular,
acrescentando que: “O cidadão comum precisa processar informações de forma objetiva e
comunicar-se de forma estruturada, ter espírito crítico e ser capaz de ler a tecnologia de seu
tempo”.
33

Deste modo, destaca-se a importância de ações educativas mais amplas e


sistematizadas que promovam o acesso a informações e ao debate sobre a nanotecnologia,
bem como à bio e nanobiotecnologia, que incentivem os indivíduos a participarem mais
efetivamente dos processos decisórios pertinentes às mesmas que afetam diretamente sua vida
cotidiana. Durante o desenvolvimento de nosso estudo, podemos dizer com segurança, já
efetuamos uma divulgação de longo alcance sempre que tivemos esta oportunidade, uma
socialização necessária e bastante produtiva, por considerarmos um ‘dever’ nosso, de todos
nós, neste momento de tantas perguntas e receios, e também muita falta de sentido à vida e de
esperança. Fizemos um pouco, mas ainda há muito por fazer. O desafio está lançado!
34

1. ASPECTOS GERAIS: A INOVAÇÃO NO CONTEXTO DA SOCIEDADE DO


CONHECIMENTO COM AS QUESTÕES CENTRAIS COLOCADAS PELA
NANOTECNOLOGIA

Não desespereis se não puderdes compreender à primeira os


mais profundos mistérios do Espaço. Gradualmente far-se-á
luz em vós...
(Edwin A. Abott)

Destacamos que, de início, foram fundamentais para o trabalho de pesquisa justamente


as referências encontradas na internet, com indicativos de credibilidade, cujas consultas se
intensificaram a partir do ano 2000 até se ter à mão literatura especializada, no momento
ainda limitada e pouco acessível. Observamos que praticamente nada existia de estudos
realizados nas ciências sociais e humanas no Brasil, estritamente sobre nanotecnologia. Esta
carência teórica e prática mostrava-se contraditória em vista do grande número de
reportagens e artigos referentes às áreas da biologia, física, química, farmácia e engenharia
de materiais, veiculados pelo meio virtual e em reportagens esporádicas na TV, e por jornais
de grande porte e em revistas científicas de expressiva divulgação científica. Em pesquisas
na rede, mediante intencional e insistente busca do que foi produzido nesse período com
vistas a examinar um número mais representativo de artigos e entrevistas publicados, foram
utilizados como descritores os termos básicos: nanotecnologia, nanotechnology,
biotecnologia, biotechnology. Também se fez consulta a trabalhos anteriores ao ano 2000,
nos quais a nanotecnologia é assunto vital, por se constituírem em recursos de grande valor
científico e por fornecerem um panorama abrangente sobre o assunto, a darem uma idéia
tanto dos temas de pesquisa mais investigados, como também dos temas que receberam
pouca atenção das pesquisas.
As aproximações primeiras com o assunto culminaram na produção de um artigo, em
1997, publicado no site WMulher (1997), intitulado “Nanotecnologia”. Posteriormente, a
partir de 1999, veio a decidida disposição de cursar o Doutorado. Contava-se então com mais
fontes bibliográficas e documentais específicas sobre o assunto, mesmo que se dispusesse de
pouca coisa em publicações nacionais6, sendo também mais expressivo o número de obras

6
Destacamos aqui as obras: REGIS Ed (1997). Nano: a ciência emergente da nanotecnologia (refazendo o
mundo molécula por molécula). Rio de Janeiro: Rocco; LAMPTON, Cristopher. (1994). Divertindo-se com
Nanotecnologia: construindo máquinas a partir de átomos. São Paulo: Berkeley.
35

internacionais sobre o assunto, artigos e reportagens on-line e publicações em revistas


científicas qualificadas.
A partir de 2003, cursando as disciplinas do Doutorado e já em trabalho de pesquisa,
foram debatidos resultados parciais com mais de 2.000 pessoas, entre alunos e educadores de
biologia, química, física e também de outras áreas, durante aulas em cursos de Pós-
Graduação e cursos de curta duração ministrados pela pesquisadora, no Estado de Santa
Catarina e no Rio Grande do Sul, e em palestras proferidas pela mesma. Obteve-se, assim,
uma gama de distintas percepções e considerações preliminares e gerais, a respeito da
introdução da nanotecnologia e de alguns conceitos fundamentais, abordando-se também
algumas experiências e resultados pertinentes, bem como objetivos e avanços científico-
tecnológicos. Nesse período, foram publicados pela pesquisadora dois artigos com ênfase na
temática nanotecnologia: um deles na Revista Impulso (2003) com o título “Nanotecnologia:
considerações interdisciplinares sobre processos técnicos, sociais, éticos e de investigação”,
e o outro na Revista Eletrônica Teknokultura (2004), chamado “A Cibercultura, os Hackers e
o Emergente Campo da Nanotecnologia: o minúsculo espaço nano e as ações finas dos
hackers”.
Dois eventos, em que a pesquisadora se fez presente, foram considerados expressivos
e podem ser demarcados como boas oportunidades de debates iniciais sobre as grandes
questões internacionais e nacionais, referentes à nanotecnologia.
O primeiro a destacar foi a participação como ouvinte na palestra “A revolução
nanotecnológica”, em Florianópolis7, em outubro de 2003, proferida pelo físico Cylon
Gonçalves da Silva, professor da Unicamp e então Secretário de Políticas e Programas de
Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Nesta ocasião,
Cylon Gonçalves recomendou uma reflexão mais profunda sobre o impacto da
nanotecnologia nos mais variados setores industriais, chamando a atenção para o fato de que
o Brasil correria sério risco de ficar para trás se deixasse de investir em processos
nanotecnológicos, podendo acontecer de os produtos brasileiros perderem competitividade e
de ficar limitado o desenvolvimento sócio-econômico e científico do País. Salienta-se que
esta é a visão de um dos representativos nomes brasileiros ligados à área de pesquisa
científica. Além disso, o Professor Cylon é um cientista/físico que teve seu papel social
redefinido quando passou, na extensão de suas atividades de pesquisador, a desempenhar o

7
A palestra aconteceu no auditório do Centro de Convenções da Federação das Indústrias do Estado de Santa
Catarina (FIESC), em 25 de outubro de 2003.
36

cargo de Secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério


da Ciência e Tecnologia (MCT), no atual Governo Federal.
O palestrante argumentou à época que a nanotecnologia é de grande interesse para o
Brasil, ainda em desenvolvimento inicial, e, sendo uma atividade de ponta exige das
empresas brasileiras grande investimento na área, de modo a não correrem o risco de ficarem
defasadas em relação às demais. Nesse aspecto, sua preocupação nos pareceu bem amparada
nos fundamentos assinalados por Eric Drexler8, ao assinalar que a nanotecnologia traz uma
promessa de hiperabundância a custo econômico e ambiental zero, que deverá significar o
fim de todas as formas societais de que se teve notícia nos últimos dez mil anos, incluindo-se
nessa extinção o próprio sistema capitalista (REGIS, 1997). Assim é que, para Cylon
Gonçalves, se trata de um outro nível de realidade com que seria conveniente entrar em
contato desde a infância, acrescentando que os norte-americanos já o vêm fazendo para
facilitar a compreensão de fenômenos somente situáveis mediante o conhecimento de
grandezas muito pequenas (medidas de grandezas fundamentais, inclusive as relativas a
propriedades atômicas).
O segundo evento em que houve a participação da pesquisadora foi o V Fórum Social
Mundial (FSM)9, ocorrido em Porto Alegre/RS, na atividade “Novas tecnologias para um
novo mundo possível: a nanotecnologia é a nova solução?”, no dia 28 de janeiro de 200510.
Este evento oportunizou que a pesquisadora tornasse públicas breves considerações sobre
aspectos inerentes à relação nanotecnologia-condição humana, abordando informações
disponibilizadas nos meios impressos, eletrônicos e virtuais e, mediante as mesmas,
levantando questões pertinentes a pontos importantes sobre a pesquisa nanotecnológica, para

8
Kin Eric Drexler é físico, autor de Engines of Creation (1986) e o Fundador e Presidente do Foresight Institute,
e introduziu o termo ‘nanotecnologia’ em 1986. Nos anos 80, o conceito de nanotecnologia foi por ele
popularizado através do livro citado, "Engines of Creation". Drexler foi o primeiro cientista a doutorar-se em
nanotecnologia pelo MIT.
9
Nesse Fórum, bastante significativo para referenciar também este estudo, estavam presentes os convidados
internacionais: Renzo Tomellini (chefe de Nanociência e Nanotecnologia da União Européia), Simone H.C.
Scholze da Division of Ethics for Science and Technology (UNESCO), Kenneth Gould (St. Lawrence
University-USA), Silvia Ribeiro (EtcGroup, Canadá), Pat Mooney (EtcGroup, Canadá) e os convidados
nacionais: Sedi Hirano (Diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas-USP), Paulo Roberto
Martins (Coordenador), Silvia Guterres (NANOBIOTEC - Faculdade de Farmácia-UFRGS), Petrus Santa Cruz,
da RENAMI (no lugar de Oscar Manoel Loureiro Malta, coordenador da Rede de Nanotecnologia Molecular e
de Interfaces - RENAMI/DF/UFPe) e esta pesquisadora (aluna do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar
em Ciências Humanas - UFSC). Não compareceram ao evento os convidados Mike Treder (Center for
Responsible Nanotecn-CRN), Eronides F. Silva Junior (coordenador da Rede NANOSEMIMAT- DF/UFPe) e
Tânia E. Magno da Silva (aluna do Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente, da Universidade Federal
de Sergipe-UFS).
10
Atividade esta inscrita pelos órgãos RENANOSOMA, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
USP/SP e SINSESP. Essa atividade foi coordenada pelo professor Paulo Roberto Martins do IPT e Coordenador
da Rede RENANOSOMA.
37

uma reflexão de maior alcance. Mas, foi substancial ter presenciado o embate de idéias e a
troca de análises entre os palestrantes Petrus D’AmorimSantacruz de Oliveira (à época,
professor da UFPE, pesquisador do CNPq e representante da Rede NANOSEMIMAT e
RENAMI - e Sílvia Ribeiro, pesquisadora mexicana do ETC Group - Action Group on
Erosion, Technology and Concentration), uma organização da sociedade civil com sede no
Canadá.
Sílvia Ribeiro fez duras críticas à nanotecnologia, em sua fala, a respeito de questões
como a das patentes, alegando o vínculo irrestrito da nanotecnologia a grupos de interesses, às
conseqüências da penetração da nanotecnologia na alimentação e agricultura, ao câncer de
pele dos trabalhadores rurais por conta das nanopartículas, os impactos sobre o meio
ambiente, como as nanopartículas aplicadas nos campos via pesticidas e as que já estão
presentes em aditivos alimentares, sem que nenhum governo tivesse desenvolvido ainda um
regime que regulamente a nanoescala. Por sua parte, Petrus D’Amorim Santacruz fez sua
réplica, alegando que era necessário conhecimento de causa, fundamentação científica séria,
para poder alegar a ocorrência de certos riscos e conseqüências maléficas, e que não se
deveria deixar questões como essas em aberto, principalmente, quando se tem à disposição
um debate em que deve existir transparência. O professor brasileiro complementa dizendo que
raciocínios falaciosos com relação, por exemplo, à própria nanotecnologia, como no caso da
confusão feita entre lipossomas e nanopartículas, são impróprios, considerando que a
população deveria sim estar mais esclarecida, e que lhes cabia o papel de contribuir para a
transparência da informação. Este embate foi, de fato, um momento que, para a pesquisadora,
mostrou claramente uma arena relacionada à questão ética. Frente ao desenvolvimento que é
apontado para a nanotecnologia, por ser uma temática muito complexa não só pelas
características que lhes são próprias, senão também por tratar-se de um tipo de conhecimento
marcado por uma grande amplitude científico-tecnológica, vislumbrando grandes
modificações na vida em geral, podemos assegurar que a nanotecnologia precisa de grande
debate público e em termos éticos há tudo por dizer. Por nossa trajetória até aqui, marcada
pelo acompanhamento de algumas posições e seus desmembramentos, notamos que existe
efetivamente um considerável cenário de incertezas e vazios existentes, de modo geral, no
conhecimento da nanociência e a nanotecnologia.
Outro fator de interesse para este trabalho, que deve ser registrado, foi a atuação da
pesquisadora, em 2006, como consultora da disciplina de Ciências junto à Secretaria
Municipal de Educação de Florianópolis, na retomada dos trabalhos de elaboração do Plano
38

Curricular para a área de Ciências Naturais, em seu Projeto de Qualificação dos Profissionais
da Educação Básica. Esta atividade contribuiu de modo expressivo para que fossem discutidas
as principais bases teóricas necessárias à familiarização com a nanotecnologia, bastante nova
para a grande maioria dos educadores, bem como as diferentes fontes de informações e a
necessidade de incorporar ao estudo outros conteúdos, sobretudo, referentes à física clássica e
à física quântica, em comparação com a mais recente manipulação do átomo através da
nanotecnologia11. Já havíamos chegado a esta constatação na Dissertação de Mestrado em
Educação12, em que analisamos e apresentamos às mais expressivas posições epistemológicas
que se manifestam no seio das Ciências Biológicas e influenciam o ponto de vista de
estudiosos e educadores nas suas abordagens referentes à organização material do ser vivo. A
pesquisa introduziu um território vasto de questões a explorar, uma vez que tratou da situação
epistemológica da Biologia, à época, uma ciência intimamente envolvida com o quadro
teórico de outras ciências. Era, pois, reconhecido que a discussão em torno do contexto
biológico suscitava, necessariamente, uma análise à luz da crítica epistemológica para colocar
as Ciências Biológicas e o ensino de suas teorias no lugar que lhes compete, já que, enquanto
ciências naturais, têm em comum a investigação da natureza e dos desenvolvimentos
tecnológicos, compartilhando linguagens para a representação e sistematização do
conhecimento de fenômenos ou processos naturais e tecnológicos, campo do conhecimento a
ser melhor situado em seu caráter formativo comprometido com a vida. Mas é importante
declarar que o desafio agora é bem maior, pois, por seu caráter multidisciplinar e
interdisciplinar, por exigência teórica de abordagem, a nanotecnologia vem demonstrando um
potencial inusitado de revolucionar amplamente vários campos tecnológicos e científicos,
vários conceitos já estabelecidos e incorporados na cultura científica, e vários setores
produtivos.
Entendemos como Hans Jonas (1995) que questões - a exemplo das pertinentes à
nanotecnologia - que nunca foram antes matéria de legislação, penetram no campo das leis;

11
O aquecimento das discussões e a possibilidade de abordar conhecimentos novos e tão complexos, trazendo à
tona algumas questões implicadas desde o macrocosmo até a mais ínfima partícula, na escala nanométrica, foram
fundamentais. Além desta feliz oportunidade, a maior plenitude desses momentos foi a de poder começar nas
escolas públicas municipais um trabalho de introdução de bases conceituais referentes a estes avanços científicos
e tecnológicos, desde as séries iniciais. Tais ocasiões, contando com o envolvimento de aproximadamente 90
professores, enriqueceram a compreensão de questões acerca do objeto de pesquisa e pertinentes à formulação de
hipóteses. Também contribuíram para a pesquisadora manter-se atenta aos novos elementos que emergiam
durante o processo partindo de pessoas com bacharelado e especialização em ciências naturais, como é o caso da
pesquisadora.
12
Intitulada Posições epistemológicas legitimadoras de determinadas formas de abordagem do conteúdo das
Ciências Biológicas12, com a defesa em 14 de dezembro de 1994.
39

basta lembrar de situações pertinentes à eutanásia, à clonagem humana e às células-tronco


embrionárias para fins de pesquisa e terapia, para ponderarmos sobre até que ponto cabe ao
Direito definir a partir de que momento o que diz respeito à vida é passível de proteção
jurídica, quando existe divergência até mesmo entre biólogos e geneticistas sobre isso. Mas,
como é possível atribuir somente à arena jurídica a responsabilidade ética, política e social
dessa difícil decisão, sabendo que hoje nos deparamos com o campo do Direito mergulhado
em matérias como bioética, direitos fundamentais, novos direitos e novas tecnologias
(biodireito, direito à vida e comércio do corpo humano, e biomedicina) e direito à vida e à
dignidade humana (anencefalia e antecipação do parto, anomalias fetais e direito à vida,
aborto e direito à vida)?
Sem dúvida, esta intervenção, que até algum tempo era uma atividade de ordem e
organização, de certo modo considerada normal, lida hoje como uma atividade de
transformação cultural equivalente à ordem da manipulação da natureza (de todos os seres
inorgânicos, dos vivos à humana), no âmbito circunscrito da intenção e da ação, que regem a
ética, fortemente atravessada pelo efeito do fazer nanotécnico, cujas produções vão ainda
além do atuar humano. Entendendo por ética o decidir entre humanos e por aquilo que a
interessa como o viver bem a vida humana, viver bem a vida que transcorre entre humanos, a
nanotecnologia constrange o direito e condiciona e questiona a ética, pois, é de outra ordem
de aplicação das propriedades operatórias nas técnicas de “cálculo” e modos de operar.
Obriga-nos a tomar posição sobre uma realidade que já não é mais natural em essência, mas é
o mais puro resultado da mescla natureza-cultura-técnica e de uma intervenção recíproca de
uma sobre a outra, cuja produção daí derivada passa a reger a vida e não cessa de construir e
tornar possível o impossível, qualquer que seja a posição assumida pela natureza ou pela
cultura. Estamos diante do impasse quanto a redefinir ou mesmo delimitar com mais precisão
o papel de nós mesmos perante isso tudo. Caso fosse para prevermos conseqüências positivas
ou negativas nas nossas escolhas quanto ao que considerássemos bom, prazeroso,
conveniente, econômico, e implicasse em menos prejuízo ou males, não pensaríamos duas
vezes em recorrer ao uso dos parâmetros da ética utilitarista, uma ética de cálculo de
conseqüências, assemelhada à ‘matemática’ ou ao ‘cálculo moral’, como algo que entra no
cálculo de benefícios, voltado para resultados concretos e previsíveis, mais do que para as
formalidades das intenções. Mas, há uma exigência mais imediata que nos impele à necessária
reflexão ética de outra ordem, que se pronuncie a respeito dos acontecimentos novos, que
abarque as transformações que a nanotecnologia poderá trazer aos conceitos de ‘natureza’, de
40

‘vida’, de ‘humano’, de ‘natureza humana’, além das implicações pertinentes aos seres que
habitam o mesmo nosso planeta, ainda chamado Terra. Talvez, um primeiro passo seja
amenizar a distância que existe entre as particularidades conceituais da nanotecnologia, ainda
distantes da compreensão da grande maioria das pessoas em sua linguagem cotidiana, o que se
espera que aconteça levando esta preocupação para outras áreas; outro passo é desmistificar
alguns “absurdos” sobre a nanotecnologia e também delimitar de forma mais clara quais são
de fato as implicações de ordem ética que estão envolvidas com a nanotecnologia.
Vale fazer notar que o termo “ética”, em muitos dicionários, é encontrado como
disciplina filosófica que tem por objeto de estudo os julgamentos de valor na medida em que
estes se relacionam com a distinção entre o bem e o mal. Observamos que o termo medida já
aparece na própria definição, e também o termo valor, que de modo geral, estão sempre
associados à ética.
Em termos éticos, nos remetendo ao uso das células-tronco adultas, no caso das
fabricadas a partir da pele humana (procedimento equiparável ao de transplante de tecido no
próprio corpo em que se retiram as células-tronco da própria pessoa e se injetam no lugar
onde o tecido está danificado), façamos aqui uma evasiva. Podemos dizer que a obtenção de
células-tronco a partir da pele humana não representa problemas, pelo menos imediatamente,
e foi o que realmente presenciamos por parte da sociedade, com a divulgação dessa pesquisa
na mídia. Mas não se pode descartar a hipótese de que esta reação receptiva se dê até o
momento em que o uso das células da pele não afete a resposta de quando tem início a vida
humana. Como ficaria se o homem estabelecesse parâmetros para medir o que é vida, com um
salto qualitativo para baixo ou ainda mais da escala do nanômetro, a poder chegar um dia ter a
coragem e a ousadia de dizer que a vida está na nanopartícula, no átomo! Quem tem afinal a
resposta decisiva para a pergunta: Quais são os parâmetros para determinar quando começa
uma vida? O que é vida? O que determina a natureza humana?
Observamos que existem muitos argumentos à nossa disposição para ficarmos
oscilantes entre a “tecnofobia” e a “tecnofilia”, mais precisamente, a ficarmos enredados no
maniqueísmo quanto ao domínio técnico-científico. Com referência aos últimos pontos,
seguindo os passos de Galimberti, nos deparamos com a ética do viandante, do ser humano
de hoje, que não conhece seu futuro, refletindo o estado da ética na idade da nanotécnica.
Como estão sendo calculados os benefícios das pessoas e comparados o prazer e a felicidade
de pessoas diferentes, em relação ao usufruir do saber fazer nanotécnico? Qual é o grau de
intensidade dessas motivações? Ao fazer correspondências com as coisas em escala
41

nanométrica, uma nanopartícula de óxido de ferro, por exemplo, usada por pesquisadores
alemães, para o tratamento de tumores cerebrais multirresistentes, o que este alcance
representa para nós sem o apoio de uma medida-referência usual? Neste caso, temos que
pensar que o que predomina não é uma aproximação mediante a utilidade imediata, objetiva
e naturalista com a partícula nanométrica, ao nível exclusivo do ‘fazer’; em verdade, o
‘compreender’ torna-se obsoleto e sem sentido perante esta nanopartícula, ocorrendo até
mesmo a perda de uma perspectiva teleológica (orientação finalista). Somos acometidos de
certa instabilidade quanto ao que passa a representar o mundo do intangível, aquele que
escapa de certa finalidade (télos) que se pretende atingir, e que, portanto, é algo
imediatamente livre de valores; sentimos dificuldades em estabelecer um critério (princípios,
modos de ser, valores etc.) para distinguir as ações corretas e as incorretas a serem
legitimadas por um consenso entre nós e outros indivíduos, a respeito do destino dessa ‘coisa
nanométrica’, que como nós não podem atribuir valores. Do mesmo modo, teríamos também
dificuldades à falta de regras efetivas em que se fundamentasse a nossa ação, utilizando
regras subjetivas de ação; não saberíamos discernir entre o correto e o incorreto por não
dispormos de uma referência, uma “lei”, que pudesse ser observada e seguida por todos os
demais, a decidirmos que por dever, a comparação de utilidades é sempre irrelevante:
algumas ações simplesmente não devem ser feitas, quaisquer que sejam as conseqüências, e
pronto!
Nesse aspecto, nos perguntamos também sobre a possibilidade de ser bem sucedida a
prática da ética do discurso, elaborada por Apel, e, posteriormente, aprofundada por seu
compatriota, Habermas, para determinar as regras do que é correto a partir de uma
comunidade ideal de comunicação, em que todas as pessoas apresentassem normas de ação
capazes de legitimação por consenso (entre os participantes do discurso comunicativo). Para
Costa (2005), Apel argumenta que é necessário distinguir atitudes individuais de condições
universalistas para a vida em grupo, considerando que cada pessoa deve procurar o que é
melhor para si, que é o indivíduo quem faz sua própria escolha profissional, por exemplo. O
filósofo enfatiza que vivemos num espaço livre para a individualidade, o que nos faz ter que
pensar em responsabilidade conjunta das sociedades, não específica, em que a busca de
princípios morais é uma questão de todos os seres humanos. Habermas (1983) defende a
exigência de uma reflexão acerca do agir comunicativo que possa ser capaz de esclarecer
normas de ação, sem recorrer a dogmas religiosos ou metafísicos para sua fundamentação e
ainda dissolva a tensão entre a positividade do direito (sua faticidade) e sobre a legitimidade
42

que se lhe pode associar (sua validade). Com sua posição referente à reflexão ética e moral,
partindo da distinção entre três possíveis usos da razão prática, ou seja, o uso pragmático, o
uso ético e o uso moral, o filosofo esclarece que:
A ética do Discurso não dá nenhuma orientação conteudística, mas sim, um procedimento rico
de pressupostos, que deve garantir a imparcialidade da formação do juízo. O Discurso prático é
um processo, não para a produção de normas justificadas, mas para o exame da validade de
normas consideradas hipoteticamente (1989: p. 148).

Ao fazer o questionamento sobre a importância da ética do discurso (uma teoria do


agir comunicativo), fomos tomados por um impasse substancial face aos rumos que o poder
de decisão técnica assume em nossas vidas, desenvolvendo questões norteadoras que, dentre
outras coisas, demonstram a situação ética da nanotecnologia plena de incertezas ainda, como
as seguintes: Temos já condições, perante a nanotecnologia, para como quer Habermas,
autolegislar, a nos instituirmos e nos realizarmos como autores e, ao mesmo tempo,
destinatários de nossa soberania e dos nossos direitos fundamentais, na efetivação das regras
do procedimento devido, sem sermos teleológicos, ou seja, sem agirmos de acordo com
finalidades que projetam para o futuro?
Espera-se, com essas abordagens, explorar fortes e impactantes questões, contribuindo
para uma atualização das classificações epistemológicas hoje dominantes sobre as questões
éticas e para tentar uma ponte entre elas e a nanotecnologia. O cientista químico brasileiro
Henrique Eisi Toma (2004, p. 87-89) afirma que é notório o interesse trazido pela
nanotecnologia nos setores governamentais dos Estados Unidos, no que diz respeito à energia,
à defesa (segurança e recursos bélicos), à aeronáutica, podendo ser criados dispositivos que
escapem à detecção dos radares, produtos de destruição ou defesa e os que afetem à saúde (via
nanopartículas caso não sejam controladas, podendo atingir a cadeia alimentar), entre outros.
Mas é importante ressaltar que nesta dimensão, eles não se comportam exatamente da mesma
forma como com eles convivemos em nossa experiência cotidiana, nem vêm com rótulos
informando quais as perguntas que devemos fazer a respeito deles, sendo necessário, do ponto
de vista evolutivo não dissociar a ciência da consciência humana, para que o que não está
dado à percepção sensível tenha a condição de se tornar presente à consciência.
É possível afirmar, com segurança, que sobre essas tecnologias tão pequenas, ínfimas,
em nosso convívio no mundo da vida não se sabe quase nada sobre elas, e sobre qualquer
coisa que esteja fora da escala comum em que desenvolvemos a visão das coisas e
percebemos nosso entorno. Muito embora o estudo e o desenvolvimento sistemáticos de
objetos e dispositivos na escala nanométrica seja algo recente, pode-se afirmar que a
43

tendência interdisciplinar é muito grande e que não é de agora que vem se construindo. A
nanotecnologia vale lembrar, segundo Celso Pimenta de Melo e Marcos Pimenta (2004, pp. 9-
21), está presente na natureza há bilhões de anos, desde quando os átomos e moléculas
começaram a se organizar em estruturas mais complexas que culminaram na origem da vida.
É importante localizar, portanto, historicamente, a introdução da tecnologia na sociedade,
desde os primórdios da história da humanidade, quando o homem utilizava os materiais que a
natureza lhe oferecia para satisfazer as suas necessidades, até chegarmos hoje a grande
diversidade de problemas tecnológicos caracterizados pelo ramo de pesquisa denominado
nanotecnologia. Problemas de cálculo e de álgebra estão na base dos princípios e aplicações
da Nanotecnologia. Também o mundo sempre viveu da “prática avidez humana” pela certeza,
explicação, segurança e a constante tentativa de fugir de tudo o que pudesse ameaçar a perda
de controle racional e técnico, empurrando o homem a orientar-se segundo a perspectiva do
cálculo, sentindo-se assim seguro, fazendo com que ciência e técnica se transformassem e
reinventassem a si próprias, e servindo a projetos civilizatórios, redefinindo rumos e
estratégias.
Com as técnicas desempenhando importante papel na constituição e manutenção da
sociedade do controle e os usos das novas tecnologias, certamente objeto de disputa no que
tange à grande disposição mundial das redes e à sua regulação quanto ao uso dos poderes e
contrapoderes, as tecnologias da informação podem por uma parte conduzir para a
manutenção de situações de exclusão e produzir as subjetividades que lhe são adequadas, mas,
por outra, se incorporadas de maneira criativa, com livre acesso e com qualidade hiper-real da
informação e capazes de emancipar a capacidade cognitiva, podem abrir espaços para o novo,
extrapolando o controle.
Nestes casos, tão novos ainda e bastante polêmicos, em que se chocam tantas
questões complexas como os avanços científicos e tecnológicos na área de Genética, com
ênfase no vasto campo da Biologia Moderna, em Genética Molecular, da Biotecnologia e no
que se refere à Nanotecnologia e à emergente Bioeconomia13, se põem em relevo implicações
de natureza ética e social, como: os próprios princípios éticos para as pesquisas médicas em
seres humanos, a relação sujeito de direito e corpo, o direito de privacidade, os interesses
econômicos na vinculação do conhecimento científico com o mercado cada vez maior, e

13
As indústrias alimentar, farmacêutica, química, da saúde, da energia e da informação estão se agregando de
forma nunca antes imaginada, observando-se que as fronteiras entre negócios tradicionalmente distintos já estão
se integrando, grande convergência esta que está gerando o que promete ser a maior indústria do planeta, já
denominada Bioindústria.
44

outras mais. O que se pode dizer de concreto, é que muitas dessas questões foram trazidas
pelo homem moderno, e quanto a isso e quanto ao mérito de tais dilemas não há dúvida. Não
podem mais ficar esquecidas, ignoradas displicentemente ou propositalmente questões
relevantes que dizem respeito aos conceitos científicos e técnicos envolvidos, fundamentais
para analisar as referências mais imediatas ao debate público, sobre as influências das
tecnologias na vida em geral, no Planeta inteiro, no universo, que vêm sofrendo modificações
com o tempo por força da intervenção técnica.
È importante registrar que, rastreando a literatura especializada no assunto,
observamos muitas dificuldades de terminologia nela encontrada, que decorrem do fato de
que o assunto nanotecnologia é novo ainda, mas cujo corpo de conhecimentos tem sido
submetido a uma evolução bastante rápida. Desse modo, é possível encontrar algumas
expressões assumindo um significado diferente, em relação àquelas já utilizadas para outras
técnicas, ou, ainda, algumas delas se referindo a termos não totalmente reconhecidos ou
completamente desconhecidos na vida comum. Por isso há que se criar mecanismos para
facilitar os meios de se ter acesso a algumas considerações mais claras a respeito da nano.
Apresentam-se assim pontos fortes a reafirmarem a tarefa de pensar em como fazer para
estreitar os laços entre as Ciências Naturais, as Ciências Sociais e Humanas e as Ciências da
Engenharia e Tecnologias. Do mesmo modo, trata-se da necessidade de introduzir alguns
conceitos essenciais e espinhosos por sua amplitude e complexidade, acerca da
nanotecnologia, que possam transitar em meio a elas, aproximando-as mais.
Por nossa caminhada até aqui, afirmamos com segurança que a falta de informações é
a grande causa da falta de base para tratar da nanotecnologia de uma forma mais familiar,
mesmo para discutir as questões sociais e éticas, as ambientais, as que dizem respeito à saúde
humana, entre outras, a que se possa traçar um panorama mais abrangente sobre os assuntos
do campo ético na pesquisa nanotecnológica e seu relacionamento com os mundos dos seres
humanos, a saber, como refere Koyré (.1980), o “mundo do mais ou menos” e o “mundo da
ciência”.
É importante, também, desde o começo, ter bem precisa a diferença entre ética e
moral, pois enquanto a primeira implica liberdade para podermos optar e, portanto, requer
responsabilidade, a segunda nos remete ao fato de que toda cultura e cada sociedade institui
uma moral, isto é, valores concernentes a uma série de conceitos e padrões de comportamento
em relação ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, e à conduta correta, válidos para
todos os seus membros. Isso é importante lembrar, porque discutir a ética nos leva a poder
45

optar, implica em decidir por valores, posicionamentos, o que não tem sido muito expressivo
em relação ao desenvolvimento da técnica nas sociedades e em relação aos avanços que
ciência e tecnologia trouxeram à vida, a todos os seres, ao ser humano.
46

2. O QUE É NANOTECNOLOGIA

Quando vamos ao mundo muito, muito pequeno – digamos,


circuitos de sete átomos – acontece uma série de coisas novas
que significam oportunidades completamente novas para
design. Átomos na escala pequena não se comportam como
nada na escala grande, pois eles seguem as leis da mecânica
quântica. Assim, à medida em que descemos de escala e
brincamos com os átomos, estaremos trabalhando com leis
diferentes, e poderemos esperar fazer coisas diferentes.
Podemos produzir de formas diferentes.

Richard P. Feynman (1959)14

Em contraposição às tecnologias mecânicas tradicionais e molares, estão as


tecnologias moleculares (nuclear, hidrogênio, energias renováveis, microeletrônica,
biotecnologia e nanotecnologia), que possibilitam observar e até manipular de maneira bem
precisa os objetos e os processos por elas controlados. O fato é que nem migramos com
muita rapidez das tecnologias em macrosescala para as em microescala, e já estamos
ingressando de forma acelerada nas tecnologias em nanoescala, sem que muitos se dêem
conta disso. Elas não são ainda, pelo menos por enquanto, acomodáveis facilmente ao nosso
cotidiano, pois não são construídas na escala comum segundo a qual desenvolvemos a visão
e o tato em relação às coisas em nosso entorno e de nós mesmos e com que nos acostumamos
a pensar nossa relação com a natureza. Passamos a conviver com uma tecnologia que nem
sequer se compara a um reduzido grão de areia, um quase nada dentro da escala humana, a
nanotecnologia. Esta tecnologia molecular que alcança níveis submoleculares favorece
conexões denominadas por muitos cientistas da física e da química – sobretudo, aqueles que
tratam da relação modelo quântico-consciência - como “elegantes, finas e mais precisas”
(LÉVY, 1996: pp.54-58).
É importante notar que a nanotecnologia, por vezes designada de "fabricação
molecular" ou "nanotecnologia molecular", engloba os vários tipos de pesquisa que
trabalham com dimensões inferiores a 1.000 nanômetros, sendo que um nanômetro é igual a
0,000001 milímetros. Vejamos melhor os comparativos entre a nanotecnologia e as demais,
observando, desde já, que a tecnologia humana, com a qual convivemos, foi construída na

14
FEYNMAN, Richard P. “Memória: há mais espaço lá embaixo”. In. Revista Parcerias. CGEE, Brasília, n 18,
ago. 2004, p. 137-155.
47

escala humana, cujas proporções variam desde um centímetro até os vários quilômetros da
linha do horizonte, pois se trata da escala em que percebemos o mundo. Acrescentamos
ainda que a tecnologia de ponta que conhecemos funciona na microescala, equivalendo a
medidas com um pouco mais de um micrômetro.
Nós sabemos a importância da quantificação e que ela é bastante antiga. É inegável o
quanto é indispensável a medida na vida do ser humano, bem como o desenvolvimento dos
métodos de medida e as diferentes ordens de grandezas criadas, em sua relação com a ciência
e com o cotidiano.
Muito do que aqui se dirá a respeito do que é a nanotecnologia já foi e tem sido
devidamente explorado pela literatura recente. O termo nanotecnologia deriva do grego
"nannos" (νάνος), significando anão; quando é utilizado como um prefixo para algo diferente
de uma unidade de medida, como em "nanociência", nano é relacionado à nanotecnologia, ou
na escala dos nanômetros. Nesse caso, o termo nano é uma medida de grandeza usada na
ciência para designar um bilionésimo do metro, algo 50 000 vezes menor que a espessura de
um fio de cabelo. Para efeito ainda de comparação ilustrativa, a escala atômica e molecular de
uma estrutura química molecular varia de 0,1 a 1 nano. Os objetos de estudo da
nanotecnologia costumam ser medidos em nanômetros. Enquanto um milímetro, que já é
muito pequeno, “pode ser enxergado numa régua” (Gonçalves, 2003), um micrômetro (1 µm
= 1 x 10-6) corresponde a um milionésimo do metro e a um milésimo do milímetro. Mas um
nanômetro (1 nm = 1 x 10-9 m), extraordinariamente, equivale à bilionésima parte de um
metro, ou seja, a um milionésimo de milímetro ou, ainda, a um milésimo de mícron. O
nanômetro, cujo símbolo é "nm", mede, na escala de comprimento, os menores dispositivos
construídos pelo homem, em que se encontram átomos e moléculas formados, naturalmente,
numa escala nanométrica.
Para radicalizar mais um pouco, na tentativa de melhor colocar a nanotecnologia em
seu lugar e para conferir um maior destaque a estas questões, consideramos que vale a pena
recordar os parâmetros de medida. Podemos afirmar com bastante convicção, que eles não são
muito “visualizados” em nossas ações corriqueiras, a não ser nos casos específicos em que
deles precisemos para uma questão de ordem prática ou de um estudo que exija conhecê-los.
No Sistema Internacional de Medidas (SI) são usados múltiplos e divisões do metro,
conforme é indicado na Tabela 1.
48

Tabela 1: ORDEM DE GRANDEZAS: Múltiplos e submúltiplos do metro.

ORDEM DE GRANDEZAS
Múltiplos e sub-múltiplos do metro

Unidade Símbolo Relação com o metro Fator pelo qual a unidade é multiplicada

Yottametro Ym 10 24 1 000 000 000 000 000 000 000 000 m


Zettametro Zm 1021m 1 000 000 000 000 000 000 000 m
Exametro Em 1018m 1 000 000 000 000 000 000 m
Petametro Pm 1015m 1 000 000 000 000 000 m
Terametro Tm 1012m 1 000 000 000 000 m
Gigametro Gm 10 9m 1 000 000 000 m
Megametro Mm 10 6m 1 000 000 m
Quilometro Km 10 3m 1 000 m
Hectometro hm 10 2m 100 m
Decametro dam 10 1m 10 m
Metro m 1m 1m
-1
Decímetro dm 10 m 0,1 m
Centímetro cm 10-2 m 0,01 m
Milímetro mm 10-3 m 0,001 m
Micrometro µm 10-6 m 0,000 001 m
Nanometro Nm 10-9 m 0,000 000 001 m
Picometro pm 10 -12 m 0,000 000 000 001 m
Femtometro fm 10 -15 m 0,000 000 000 000 001 m
Attometro am 10 -18 m 0,000 000 000 000 000 001 m
Zeptometro zm 10 −21m 0,000 000 000 000 000 000 001 m
Yoctometro ym 10 −24m 0,000 000 000 000 000 000 000 001 m
Fonte: Wikipédia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Metro.

A unidade principal de comprimento é o metro, entretanto, existem situações em que


essa unidade deixa de ser prática. Se quisermos medir grandes extensões, ela é muito
pequena; por outro lado, se queremos medir extensões muito “pequenas”, a unidade metro é
49

muito “grande”. Os múltiplos e submúltiplos do metro são chamados de unidades secundárias


de comprimento. É importante notar, com base na Tabela 1, que a nanotecnologia, por vezes
designada de "fabricação molecular" ou "nanotecnologia molecular", engloba os vários tipos
de pesquisa que trabalham com dimensões inferiores a 1.000 nanômetros, sendo que um
nanômetro é igual a 0,000001 milímetros. Situando melhor os comparativos entre a escala
nanométrica (Ver Figura 1) e as demais, sobretudo, com relação às grandezas da megaescala
para cima e as da nanoescala para baixo, observamos que a tecnologia, com a qual temos
convivido na maior parte de nossas vidas, foi construída na escala humana, cujas proporções
variam desde um centímetro até os vários quilômetros da linha do horizonte, pois se trata da
escala em que percebemos o mundo. Acrescentamos ainda que a tecnologia de ponta, que
conhecemos, funciona na microescala, equivalendo a medidas com um pouco mais de um
micrômetro.

Figura 1: Escala do nanômetro (nm): 1 nanômetro é o mesmo que uma bilionésima parte de um metro (1 nm =
1x10-9 m) e equivale a um milionésimo de milímetros. A nanotecnologia trabalha no nível molecular e manipula
materiais com dimensões geralmente entre 0,1 e 100 nanômetros. Leis da física que existem no mundo na escala
em que estamos familiarizados, como a gravidade, por exemplo, nessa dimensão adquirem menor importância.
Na escala nanométrica, também determinados materiais passam a se comportar diferentemente, com base nos
princípios da física quântica, distinta em vários pontos da física clássica. Assim é que propriedades térmicas,
ópticas, magnéticas e elétricas, podem ser atingidas quando certos materiais são submetidos ao processo de
miniaturização em nanopartículas, mantendo-se a mesma composição química. Do mesmo modo, reações
químicas também podem ocorrer entre diferentes elementos químicos em proporções muito menores, uma vez
que as partículas nanométricas apresentam uma área superficial específica de contato muito maior.
Fonte: Blog Conta Natura - Biologia: divulgação, política de ciência, personalidades, crítica Disponível em: <
http://contanatura.weblog.com.pt/arquivo/2006/07/nanotecnologia.html>. Acesso em 20 de março de 2007.

Criado pelo cientista japonês, Norio Taniguchi, em 1974, o termo nanotecnologia era
praticamente desconhecido na academia fora de suas áreas de abrangência mais direta, como
50

da Engenharia de Materiais, da Física, da Farmácia, da Química e da Biologia. Esta distância


invocou limitações nas discussões epistemológicas sobre as novas produções científico-
tecnológicas e alheamento dos correspondentes campos conceituais e de nomenclatura. Do
mesmo modo, constatamos que já faz bastante tempo que as sociedades em geral estão à
margem das emergências científicas que abalaram a estrutura da certeza científica, desde o
século XX.
Sendo o prefixo nano muito próximo à palavra “anão”, este dificilmente era
relacionado à designação de uma unidade de medida, mais precisamente ao bilionésimo do
metro. O nano vinculava-se ao ser muito pequeno – ao “anão” - e não a uma dimensão
invisível a olho nu. Bem por isso, uma questão marcante, nos inícios dos debates sociais sobre
a nanotecnologia, foi a relação desta com o fenômeno do gray goo, termo cunhado pelo
famoso físico Eric Drexler (Apud Drexler, 1997), em 1986, um dos pioneiros em
nanotecnologia, cuja tradução invoca uma substância ou massa cinzenta pegajosa de alta
periculosidade. Drexler fez em um de seus livros referência a um cenário de ficção científica
anunciando que uma legião de nanorrobôs auto-replicantes, criados em laboratórios, sairiam
do controle e começariam a se “reproduzir” como uma gigantesca “meleca cinza”, podendo
engolfar o planeta e consumir toda a matéria orgânica e acabar com a vida na Terra. Foi o que
ficou marcado nessa fala, a ligação da nanotecnologia com os apelidos “meleca cinza” e
“gosma cinzenta”, expressões próprias ao contexto que a consciência de pessoas e da
imprensa popular tem dessa situação. Entendemos que é como se ressuscitasse o “homúnculo
de Paracelso” (1493-1541), do período renascentista, que ainda permanece em muitos
pensamentos atuais tanto no discurso de cientistas que apelam ao “fator invisível animista” da
nanotecnologia como o leigo no assunto que apela ao monstro feito de “gosma cinzenta”. Mas
isso é algo para se ver mais à frente.
É proveitoso esclarecer que a nanotecnologia tem sido considerada uma decorrência
da microeletrônica, porém falar em microtecnologia é diferente do que falar em
nanotecnologia. A escala micrométrica, disse Drexler (Ibid.), é voluntariamente 109 vezes
maior do que a escala nanométrica. “Confundir a microtecnologia com a nanotecnologia é
como confundir um elefante com uma joaninha” (Apud REGIS, 1997: p. 197), pois enquanto
a primeira se preocupou “(...) com a fabricação de componentes mecânicos ‘pequenos’,
porém ainda basicamente objetos macroscópicos” (Idem, p. 97), a segunda tem como
característica fundamental o desafio singular de manipular coisas menores e “fabricar” coisas
a partir delas. Ela pode mexer com átomos individuais que estariam entremesclados ou
51

interpenetrados no espaço, em conjuntos de certo modo distintos um do outro, não podendo


essa nova ordem ser distinta evidentemente pelos sentidos. Falar em nanotecnologia,
portanto, é pensar em “máquinas” muito menores que as da microtecnologia, cujo
funcionamento deve ser pensado numa dimensão molecular, conforme temos dito. Greg Bear
(1993)15, em algumas de suas obras, analisou o possível uso futuro do que denominou
nanomáquinas, algo assim como um DNA “motorizado”, verdadeiros robôs em escala
molecular, comparativamente à estrutura molecular deste ácido desoxirribonucléico.
No que concerne às tecnologias de visualização macroscópica, nada de fato espanta
tanto, nem mesmo a diferença de escala entre uma formiga e um elefante, pois, considerados
à medida usual dos sentidos podem ser inteligíveis e se tornarem o objeto de uma análise.
Sabemos dizer facilmente que os elefantes são grandes e que as formigas são pequenas, e se
examinados numa escala maior estes dois animais, dirá Lampton (1994: pp. 6-7): são
basicamente do mesmo tamanho de acordo com algumas ordens de grandeza16, não havendo
diferença expressiva nos seus tamanhos, provavelmente. Ressalta o autor que a diferença de
escala que existe entre ambos, formiga e elefante, é de cerca de quatro ordens de grandeza no
máximo, o que considera insignificante. Por outro lado, a extensão das magnitudes, mediante
as quais nos orientamos comumente, varia aproximadamente do tamanho da formiga ao raio
do horizonte. Vejamos isso em ordens de grandeza: a) Formiga: cerca de 1 cm de
comprimento ou 10-2 m; b) Horizonte cerca de 20 milhas à frente ou 3,2 x 104 m; c) Elefante:
cerca de 10 pés de altura ou 3 m.
O que acontece, considerando o que já temos dito antes, é isso mesmo: estamos
acostumados em nossa vida diária com uma extensão de magnitudes que varia
aproximadamente desde o tamanho de uma formiga ao raio do horizonte, conforme os valores
apontados em torno de ordens de grandeza. O problema começa quando se passa de um
domínio a outro, e começamos a fazer correspondências, sem poder recorrer ao que nos é
tangível. Para Lampton (1994, p. 7): “Qualquer tecnologia que não se situa neste intervalo nos
assombra. Oferecemos resistência para entendê-la. Ela parece mágica”. Isso é muito ruim,
assegura o autor, porque os aspectos mais essenciais à vida e de nosso mundo acontecem fora
desse intervalo macro, ou seja, no da microescala e da nanoescala, o que nos faz compreender
melhor porque, quando nos defrontamos com tecnologias que não se situam na escala maior,
nas escalas em que percebemos o obstáculo, podemos ser mais facilmente induzidos ao erro

15
Greg Bear é autor dos livros Rainha dos Anjos (1990) e Marte se Move (1993).
16
Vale lembrar que cada ordem de grandeza representa uma potência de dez.
52

ou ao medo de determinada tecnologia de que a nossa escala humana não tem a “noção”.
É natural que a incerteza de natureza epistemológica nos acompanhe, afinal nem
sempre temos consciência dessa forte limitação às nossas previsões, de modo que a incerteza
é indispensável à vida humana tal como a consideramos em sua relação com o risco, não visto
apenas como um problema técnico de segurança, mas, sobretudo, como um produto social e
do modo como se organizam os valores da sociedade.
Lembramos que, no que se refere às nanopartículas e à sua observação, considerando
que o tamanho de um átomo é da ordem de um décimo de nanômetro, o trabalho com
nanotecnologia remete-se às aplicações tecnológicas de objetos e dispositivos que tenham ao
menos uma de suas dimensões físicas menor que, ou da ordem de algumas dezenas de
nanômetros, ou que uma de suas dimensões seja muito menor do que as outras duas (MELO;
PIMENTA, 2004). Do que pudemos apreender, então, além do fato de que também os efeitos

quânticos entram em funcionamento nos processos nanotecnológicos, as propriedades da


matéria em nanoescala diferem daquelas em grande escala devido, sobretudo, as maiores
áreas exploráveis de superfície por unidade de volume na escala nanométrica. Ou seja,
reduzindo-se o tamanho de uma partícula, aumenta a proporção da superfície sobre o volume,
e nessas dimensões suas propriedades são diferentes, como ocorre com a viscosidade, a tensão
superficial etc. Assim, propriedades que dependem mais da superfície do que do volume
passam a contribuir de forma significativa para as propriedades do material que está sendo
investigado.17
A importância da ciência nessa dimensão tão ínfima para alguns de nós, denominados
às vezes de “indivíduos comuns”, reside no fato de que, à medida que a escala do objeto
manipulado aproxima-se do intervalo de 0,1 a 1000 nanômetros, as leis da física existentes no
mundo, numa escala por nós estudada e com a qual estamos familiarizados, leis como a da
gravidade, por exemplo, deixam de ter importância que tiveram até então, com o advento da
nanotecnologia. Levando em conta a mecânica quântica, em que nas coisas materiais cada
átomo ou molécula agem como partículas interagentes e se encontram espacial e
temporalmente numa região própria, particular e intersticial (Ver Figura 2) perante regiões
pertencentes a outras coisas mais exteriores, na escala de 0,1 a 100 nanômetros, algo novo
acontece Diferindo em vários pontos da física clássica e com base em princípios da física
quântica, pode acontecer que as propriedades de um material tornem-se melhoradas, e este
passe a se comportar de modo que novos tipos de propriedades, novos tipos de forças e de

17
PASA, André. E-mail recebido em 2 de março de 2007, às 04,29h.
53

possibilidades sejam exibidos, capazes de alterar arranjos que a natureza teria produzido ou
mesmo o próprio homem. O modo conforme os átomos e as moléculas se organizam em
nanoescala determina, assim, novas propriedades mecânicas, ópticas, magnéticas etc. da
matéria, que são a base de sua aplicação tecnológica.

Figura 2: Dimensões nanométricas na vida


Fonte: INSTITUTO INOVAÇÃO (imagens obtidas a partir do site
<http://micro.magnet.fsu.edu/primer/java/scienceopticsu/powersof10>)

Podemos ilustrar essa transformação com o que acontece em relação aos


medicamentos ingeridos para curar problemas de saúde. Se entrarmos na questão do uso de
medicamentos, tratando de benefícios e riscos debatidos sob uma visão histórica, política,
filosófica e sociológica crítica, é o caso de pensarmos no mal que alguns deles têm causado de
acordo com estudos realizados, como acontece com o Paracetamol18 (fármaco do grupo dos
antiinflamatórios) e o Frontal (ansiolítico), implicando uma série de reações adversas
provocadas por doses usuais ou incorretas. Na administração de um fármaco na forma livre,
ou seja, sem ser encapsulado, em geral ele se espalha por todo o corpo ficando apenas uma
porção no alvo da ação, e isso se reflete no número de doses que o paciente terá de usar e na
toxicidade, que podem causar danos ao organismo. Ora, esta situação implica em preceitos
18
Conforme resultados apresentados no 22.º Congresso Internacional de Farmacoepidemiologia e Comunicação
de Risco na Saúde Pública, em Lisboa. Disponível em: <http://www.biotec-
ahg.com.br/asp/acervo/acervo_display.asp?id=292>. Acesso em 17 de setembro de 2007.
54

éticos e técnicos na indução ao consumo de medicamentos compostos de “partículas nanicas e


invisíveis” e no que diz respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos.
O acontecimento relevante é o que representa poder lidar com uma escala de grandeza
que torna inteligíveis e sensíveis estruturas e propriedades da matéria, não vistas a olho nu
nem em microscópios ópticos comuns, caracterizando uma complexidade de propriedades,
aparentemente impossível de ser entendida na escala humana, para as quais é exigida uma
precisão que foge à experiência vivida, que é da ordem do nanômetro e não do metro, do
centímetro, do milímetro etc. Ou seja, fatores de escala usados para medições no dia-a-dia.
Pensar nas coisas deste modo pode não parecer algo de profundo interesse para alguém, mas
vale dizer que à medida que um instrumento dispõe de magnitude e alcance em escalas
manifestadamente amplificadoras, diferentes das que estamos habituados a usar, a avaliação
visual torna-se mais objetiva, precisa e atenuadora dos pequenos pormenores, diminuindo a
distância com a fenomenalidade sensível, a consciência se aguça, e, sobretudo, um mundo
impensável ao humano de seres que poderiam passar pela vida sem jamais os conhecermos,
invisíveis à própria mente, a não termos deles sequer a idéia de sua existência! Vive-se a
probabilidade de preencher algo que antes era uma mirada no vazio, como o que representa o
que existe no interior de uma asa de borboleta, belas estruturas de cerca de 100 nm quando
observadas ao microscópio de força atômica (AFM), que mostramos na Figura 3, ou de um
DNA, de um átomo ou uma nanopartícula, ou de outros seres incomuns pelo seu tamanho,
sem um elo com o tamanho do nosso mundo! Agora que o homem toca o coração da matéria
e, átomo por átomo, pode chegar a construir moléculas sob a medida do nanômetro, o que
impressiona nessa área do conhecimento de crescente amplitude do seu espectro temático é
uma realidade de que não podemos fugir: Quanto menor é o valor numérico da magnitude
utilizada, têm-se noções mais detalhadas dos objetos.
O que pode ter soado como profecia quando foi colocado pelo físico norte-americano
Richard Phillips Feynman (1918-1988), quanto à possibilidade de manipular e controlar
coisas em escala atômica, arranjar os átomos da maneira que quiséssemos, podendo dispô-los
um por um da forma desejada deu lugar à realidade.
55

Figura 3: Microscópio de Força Atômica (AFM ou MFA). É possível fazer uma comparação entre o tamanho
da mão da pesquisadora e o do próprio microscópio.
Fonte: Acervo da autora. Ano: 2006.

Nesta conquista de uma riqueza de detalhes jamais antes atingida, exerceu importante
papel o microscópio de varredura por tunelamento eletrônico (scanning tuneling microscope –
STM), com altíssima resolução, no início dos anos 1980, no laboratório da IBM em Zurique
(Suíça). Criado pelo físico alemão Gerd Binnig e pelo físico suíço Heinrich Rohrer19, foi um
equipamento considerado conceitualmente tão simples quanto tecnologicamente importante
valeu aos seus inventores o Prêmio Nobel de Física de 1986. Na verdade, ele oportunizou a
mudança do modo de visualizar e de manipular os materiais, como o fazem instrumentos já
disponíveis em muitos laboratórios de pesquisa, denominados “microssondas eletrônicas de
varredura”, desenvolvidos a partir do microscópio de Binning e Roher.
Nessa nova situação, o que pode ser de certo modo original são o controle e o grau de
precisão que exigem as técnicas usadas em análises teóricas, preparação e caracterização de
materiais em escala nanométrica (como é o caso de pensar a miniaturização de dispositivos na
escala molecular). Uma das possibilidades de trabalhar as interações moleculares significa,
pois, passar a atuar na manipulação da matéria de modo semelhante ao que se faz com as
moléculas biológicas, já que a maioria dos fenômenos em biologia molecular ocorre em
nanoescala. Coisas observadas neste microscópio nada diriam especialmente para o leigo
como realidades invisíveis que são e podem, por isso mesmo, gerar uma situação de conflito
interpretativo sobre o sentido que podem assumir, face à necessidade de manter a qualidade
19
Ambos do laboratório da IBM em Zurique, Suíça, ganhadores de prêmio Nobel pelos seus méritos como
pesquisadores.
56

da presença de um valor de interesse requerido para tal experiência ser compartilhada, do


mesmo modo que fique claro a uma pessoa o que representam no seu corpo as rajadas fortes
do vento a 70 km por hora quando sai à rua num dia assim, que lhe possibilite relacionar de
onde procede toda aquela força que a joga pra lá e pra cá! E mesmo para que possa associar a
idéia de nanopartículas com o furacão Michelle e seus ventos de 200 km por hora, ocorrido
entre os dias 29 de outubro a 6 de novembro de 2001, que atingiu Cuba e seguiu para as
Bahamas e em direção ao extremo sul da Flórida (EUA).
De forma semelhante, poderíamos questionar: O que pode haver em comum entre o
declínio de uma civilização inteira, que foi dominante durante praticamente 1.500 anos, e a
lama do fundo de um lago depositada na parte externa de uma sonda perfuradora? E mais: O
que pode haver de tão especial no esperma do ouriço-do-mar, colocado entre lâmina e
lamínula, visualizado com o auxilio de um microscópio óptico comum, e que relação se pode
fazer entre um pixel e um ‘nanotubo’ de carbono?
À primeira vista, não parecem assuntos sem qualquer relação direta, em torno de
temáticas de interesses aparentemente distantes? No primeiro caso, a relação pode parecer
discrepante e incongruente até mesmo para arqueólogos, historiadores, geólogos e
climatologistas. Imaginemos como seria para o grande público que não dispõe de um conjunto
de referências científicas gerais a respeito dessas questões de certa forma bastante específicas.
Afinal, ainda é pouco divulgada a hipótese, segundo pesquisas recentes têm reafirmado, de
que o povo maia desapareceu devido ao papel essencial do clima - em especial da seca - no
colapso desta grande civilização que ocupou extensas áreas da América Central pré-
colombiana.
Até então, estudiosos haviam proposto as mais variadas hipóteses para explicar esse
declínio: guerras internas, invasão estrangeira, surtos de doenças, dependência da
monocultura, degradação ambiental e mudanças climáticas. Mas foi com a junção de estudos
históricos, arqueológicos, climatológicos, geográficos e geológicos que pôde ser levantada a
hipótese mais recente de eventos climáticos naturais para explicar a queda da civilização
maia, sobretudo, com as perfurações em sedimentos do lago Yucatã, feitas por David A.
Hodell, Jason H. Curtis, Mark Brenner e outros geólogos da Universidade da Flórida. As
medições desses depósitos de sedimentos no solo lodoso extraído, acumulados em enormes
quantidades e conservados sem nenhuma perturbação desde a época de sua deposição,
oportunizaram aos outros geólogos “um raro vislumbre em alta resolução do passado
57

distante”20. Com métodos de medição próprios do ‘muito pequeno’, adequados para grandes
profundidades, com a chamada técnica de fluorescência de raios X e mediante os estudos dos
sedimentos extraídos com a perfuração, foram obtidos dados indicativos de que houve um
período de intensa estiagem, entre cerca de 800 e 1000 d.C., período este inferido por David
A. Hodell e seus colegas geólogos. Estes argumentos, reforçados pela análise dos sedimentos
do lago Yucatã, têm sido efetuados de forma persuasiva durante anos de estudos pelo
arqueólogo Richardson B. Gill, em favor do que teria provocado o colapso da grande
civilização maia21.
No segundo caso, o que chama a atenção para alguma coisa ímpar na observação do
esperma de um ouriço-do-mar, pode passar despercebido até mesmo para biólogos, embora se
trate de um procedimento simples e corriqueiro do seu cotidiano, mas isso poderia não
acontecer com alguns expectadores leigos, ao observarem os espermatozóides na lâmina de
microscopia. Eles poderiam dizer: “Magnífico, estupendo! Parecem pequenos diamantes”! E
isso de fato aconteceu com a pesquisadora, em sua primeira observação dessas células,
quando em prática de laboratório, durante a freqüência do curso de bacharelado em Ciências
Biológicas. O interessante é que na visão macro, neste esperma é marcadamente visível uma
secreção homogênea, associada a algo biológico; não há como supor que seja sua composição
material que possa dirigir a atenção movida por um interesse estético. A própria forma
biológica se empobrece quando não se aguça mais e mais o olhar para descobrir a riqueza dos
fenômenos da natureza orgânica (e inorgânica) e penetrar cada vez mais a fundo nas
particularidades e nos detalhes do pequeno, da vida e de suas condições.
Quanto à possível aproximação entre pixels e nanotubos, nada tem de extraordinário.
Ora, vários pixels, termo que vem da abreviação do termo em inglês “pictures elements”, ou
elementos da fotografia (digital), em sua “junção” formam uma imagem inteira.
O pixel é então o que se considera o menor elemento em um dispositivo de exibição
(como por exemplo, um monitor de um computador), ao qual é possível atribuir-se uma cor.
Esta unidade mínima de captura de luz, verdadeiras fotocélulas que conseguem transformar
luz em sinais elétricos, sensibiliza um sensor de captura digital que, a exemplo do olho
humano, é composto de milhões de pequenos sensores que capturam os pixels, logo, os

20
PETERSON. Larry C.; HAUG Gerald H. O declínio dos Maias. Disponível em:
http://www2.uol.com.br/sciam/conteudo/materia/materia_105.html. Acesso em: 21 de janeiro de 2007.
Documentário: Apocalipses da Antigüidade – III - O colapso dos Mayas. Discovery. 20 de janeiro de 2007. 20
horas.
21
Ibid.
58

menores pontos que formam uma imagem digital. Cada um desses pontos possui a informação
que determina sua cor. Na verdade, este conjunto de pontos é organizado no formato de uma
matriz, sendo que esta matriz é que forma a imagem e determina a resolução desta imagem.
Assim, é mediante este “mapa” constituído de muitos deles que se forma a imagem inteira.
Atribui-se que os pixels têm o formato quadrado, correspondendo ao formato desses
minúsculos sensores que capturam a luz. Explicando melhor, como cada pixel é capturado por
um pequeno sensor quadrado, tem, portanto, o formato quadrado. Isto explica o que acontece
quando ampliamos demais uma fotografia, nós a vemos realmente num aspecto de grãozinhos
também quadrados. Com efeito, pode-se definir uma imagem fotográfica digital como uma
ilusão de ótica pelo agrupamento muito coeso desses pixels, conjunto esse percebido como
uma imagem sem arestas pela vista humana. Se agruparmos bastante esses pixels, a fotografia
parecerá melhor e mais nítida; se espalharmos esses pixels (ampliando a foto), a imagem
parecerá pior e menos nítida. Assim quanto mais ampliarmos a foto, melhor veremos os pixels
e pior a qualidade da imagem, e desse modo, quanto mais sensores existem num dispositivo,
maior é a quantidade de pixels formada, maior é a resolução e também maior é o tamanho
com que uma imagem pode ser ampliada sem que apareçam os contornos quadrados dos
pixels que, se surgem para nosso olhar, fazem decair a qualidade do que vemos.
Devido ao limite visual humano, com a perda visual da qualidade da imagem - ou seja,
com menos pixels, percebemos que estamos sendo visualmente "iludidos". Em outras
palavras, quando o assunto é pixels, tamanho é documento, sim! Da mesma forma como
quando se fala em nanotubos de carbono, conhecidos pelo mundo científico há cerca de 15
anos, tamanho é documento, sim! É ai que podemos encontrar a relação entre um e outro. Isto
está bem claro na reportagem Antenas de nanotubos de carbono para telefones celulares e
TVs, do site Inovação Tecnológica22: “Conjuntos de nanotubos também poderão processar
dados de imagens em cada pixel, permitindo a melhoria das imagens de televisores”. Cada
pixel é construído com nanotubos de carbono, que possuem dimensões nanométricas23. Numa
combinação sofisticada e eficiente de uma série de dispositivos avançados com pixels e
nanotubos de carbono integrados ao microscópio, incorporar-se-ão tratamentos de imagens
pela combinação de detectores mais sensitivos, obtendo-se imagens de dimensões

22
Revista Diversa. Universidade Federal de Minas Gerais. Ano 5 - nº. 10 - outubro de 2006. Disponível em:
<http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=010160040205>. Acesso em: 10 de março
de 2006.
23
Para maiores detalhes a este respeito, sugerimos a leitura do artigo Nanotecnologia: Viagem ao país dos
"nanos". Disponível em: < http://www.ufmg.br/diversa/10/nanotecnologia.html>. Acesso em 10 de novembro
de 2006.
59

significativas24, o que é extremante importante na obtenção de informação e análise de dados


a partir da observação de superfície de amostras e mesmo do interior de amostras
transparentes.
Essas considerações visam oferecer elementos para uma reflexão acerca da temática
aqui abordada, considerando o delicado lugar ocupado pelo já vasto campo da
nanotecnologia, nova ciência que já se iniciou no Brasil, em centros de excelência com foco
nas pesquisas e aplicações dessa tecnologia em diversas áreas, e com avanços que acabam
aparecendo onde menos se espera e bem próximos de afetar nossa vida diária. Vale lembrar
que este interesse é próprio da grande maioria de países do mundo todo. Somente nos Estados
Unidos, já existem mais de 30 centros dedicados à nanotecnologia, representando um marco
do ponto de vista industrial no processo de planejamento estratégico norte-americano e no
plano tecnológico.
Tomando o mundo em torno de nós como um ponto de partida e o metro como a
unidade da medida comum, nós entramos em um universo em que a percepção dos fenômenos
passa a exigir medidas correspondentes a bilhões do metro. Necessariamente, requeremos as
mais apropriadas referências de acesso à compreensão de estruturas cada vez menores que já
permitem a capacidade de trabalhar elementos de uma nova escala, agora “visível”, e que
possibilitem e alimentem a elaboração de novas idéias e explicações e maior reflexão sobre o
os argumentos que estão postos no caráter revolucionário conferido à nanotecnologia em
determinados discursos, atualmente feitos.
As nanopartículas são sistemas com viabilidade tecnológica e econômica para a
produção de comprimidos a partir de polímeros contendo hormônios e antiinflamatórios, em
nanocápsulas biodegradáveis, nanoesferas e nanoemulsões. Apresentam a vantagem de não
necessitarem de tantos componentes ativos para estabilizar as drogas que carregam, de não
serem absorvidas pela circulação sangüínea e de diminuírem as chances dos efeitos colaterais,
uma vez que os componentes químicos são diretamente carreados para um local mais
específico do corpo, mantendo-se a parte saudável intacta. Do mesmo modo, reações químicas
podem igualmente ocorrer entre diferentes elementos químicos, cujas proporções sejam muito
menores, uma vez que, conforme já foi acentuado, as partículas nanométricas que têm que ser

24
Indicamos um importante artigo a este respeito: Novas e originais nanoestruturas: origâmis de DNA, consta
no site do LQES (Laboratório de Química do Estado Sólido): Disponível em:
<http://lqes.iqm.unicamp.br/canal_cientifico/lqes_news/lqes_news_cit/lqes_news_2006/lqes_news_novidades_7
56.html>. Aceso em: 20 de novembro de 2007.
60

compatíveis com o meio ao qual estarão expostas, apresentam uma área de contato muito
maior.
Todos os trabalhos de pesquisa dependem de instrumentos muito especializados para
operarem na escala do nanômetro, como o luminômetro25, mostrado na Figura 4, aparelho
com o qual a pesquisadora entrou em contato pela primeira vez. De acordo com a professora
Tânia B. C. Pasa26, entrevistada na UFSC, nos anos de 2006 e 2007, as lipossomas ou
vesículas em escala nanométrica produzidas artificialmente, têm uma biocompatibilidade
muito grande. Neste aspecto, para a professora Maria Helena Andrade Santana (2005), da
Unicamp, as cápsulas feitas de lipídios são outra forma de administrar fármacos com
eficiência, como se fossem “bolinhas de gordura em torno do fármaco”. Usando lipídios
semelhantes a nossa membrana celular, adicionando ligantes específicos a cada lipossoma,
permite-se sua conexão a receptores de células que se pretende atingir, sendo possível ‘imitar’
a membrana e ‘burlar’ o sistema imunológico, colocando o fármaco em seu interior e
direcionando-o para onde for desejado. Entre os benefícios do nanofármaco, pois, estão a
diminuição da dose recomendada e o aumento da potência do princípio ativo e do tempo de
duração do efeito terapêutico.

Figura 4: Luminômetro.
Fonte: Acervo da autora.

25
O luminômetro é um aparelho de última geração que é utilizado para a medição e quantificação de luz. Faz a
leitura dos microorganismos encontrados na superfície da amostra a ser analisada, mostrando se está no nível
aceitável ou não. Aplicações potenciais podem ser citadas: estudos da membrana celular e tecnologia de
produção de membranas “artificiais” biocompatíveis (nanotecnologia molecular), para otimizar as características
da membrana (a fotografia mostrada foi obtida em visita da pesquisadora ao Departamento de Farmácia da
UFSC, no ano de 2006).
26
Tânia Beatriz Creczynski Pasa pertence ao Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em
Farmácia, da UFSC, trabalha com pesquisa relacionada à nanotecnologia (sistemas biomiméticos) que envolve
estudos com lipossomos e membranas lipídicas imobilizadas em suportes sólidos, materiais que podem ter
aplicação no desenvolvimento de estruturas para a liberação controlada de fármacos e de biosensores. As
nanopartículas lipídicas, semelhantes às células, em geral são produzidas com matéria-prima de origem sintética
ou extraída de soja ou ovo. Os lipossomas podem transportar fármacos e entregá-los preferencialmente na região
acometida pela doença. Enfatizamos que a participação desta professora foi essencial à realização desta pesquisa.
61

Segundo noticiado na internet27, em página do informativo do Laboratório de Estudos


Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, um dos projetos desenvolvidos pela UFSC é
o estudo de nanocápsulas com princípio ativo do açafrão para tratamento do câncer de pele.
Segundo a informação disponível:
O requintado açafrão, usado em risotos, caldos e massas, essencial à paella, na UFSC é foco de
uma pesquisa no campo da nanomedicina – área que une a medicina à nanotecnologia. O
estudo vai analisar as propriedades de nanocápsulas de curcumina, composto natural extraído
do açafrão-da-índia, no combate do câncer de pele. A pesquisa faz parte da dissertação de
mestrado de Letícia Mazzarino, desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em
Farmácia, sob orientação da professora Elenara Lemos Senna, do Departamento de Ciências
Farmacêuticas (CIF). O emprego de estruturas nanoscópicas como “entregadoras” de
medicamentos antitumorais é uma estratégia para contornar as limitações e reduzir os efeitos
colaterais da quimioterapia convencional. A nanotecnologia atua na escala do nanômetro, o
bilionésimo de metro, ou um milímetro dividido um milhão de vezes.

Na UFSC, é importante relatar, existe um trabalho conjunto no desenvolvimento de


projetos de pesquisa entre o Departamento de Ciências Farmacêuticas e o Departamento de
Física, por exemplo, a) o “Projeto que visa a caracterização de sistemas nanoestruturados por
microscopia de força atômica” e b) o “Utilização de microscopia de força atômica na
caracterização de membranas fosfolipídicas”28. Neles trabalham, entre outros da equipe, os
professores Tânia Beatriz Creczynski Pasa e André Avelino Pasa29, com os quais a
pesquisadora manteve importantes contatos para seu estudo, com destacada acolhida de
ambos às suas solicitações. Segundo apuramos, nesses encontros, o Laboratório de Filmes
Finos e Superfícies do Departamento de Física, trabalha desde 1996, com a pesquisa voltada
para a preparação e caracterização de materiais na forma de filmes finos e nanoestruturas.
Segundo o Pequeno Glossário de Nanotecnologia, do MTC (2006), os filmes finos são de alta
qualidade com material, cuja espessura é tão pequena que suas características são
determinadas principalmente por efeitos bidimensionais, diferindo das propriedades do
material tridimensional; muito utilizado em semicondutores.
Em publicação no Caderno Especial Cenário XXI, online (2005), objetivando
desenvolver vacinas e medicamentos que possam, por meio de nanopartículas, percorrer o
organismo humano e liberar substâncias de tratamento das células doentes, de forma gradual,
27
Açafrão e câncer: UFSC estuda nanocápsulas com princípio ativo do açafrão para tratamento do câncer de
pele. Disponível em: <http://www.labjor.unicamp.br/wiki/index.php?n=Main.AcafraoECancer?action=diff>.
Publicado em 21 de novembro de 2007. Acesso em: 21 de dezembro de 2007.
28
Projetos de Pesquisa – FARMÁCIA. Disponível em:
<http://servicos.capes.gov.br/arquivos/avaliacao/estudos/dados1/2006/41001010/019/2006_019_41001010044P
7_ProjPesq.pdf>. Acesso em: 26 de março de 2007.
29
O professor e físico, André Avelino Pasa, tem experiência na área de Física de Materiais, com ênfase em
Materiais Nanoestruturados, atuando principalmente nos seguintes temas: eletrodeposição, filmes finos,
nanoestruturas, membranas biomiméticas, spintrônica, sensores magnetorresistivos, e transistores de base
metálica.
62

desde o ano de 2005 pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas já vêm testando


em animais o uso de micro e nanocápsulas visando o transporte e a liberação de fármacos de
forma controlada em locais específicos do corpo. Também ficamos cientes de que a medicina
poderá usufruir dos “nanorrobôs”, nanopartículas invisíveis aliadas que seriam injetados ao
corpo, carregados de nutrientes, podendo percorrer trajetórias pré-estabelecidas e controladas
por softwares até os pontos desejados (Ibid.). Estes dispositivos são programados para
identificar obstáculos, moléculas diferentes, órgãos que necessitem algum tipo de intervenção
e outros nanorrobôs que “naveguem” no mesmo espaço evitando colisões e favorecendo uma
ação conjunta. A locomoção destes nanorrobôs é guiada pelos os pesquisadores que fazem
uso de macrotransponders, sistemas de ultra-som que permitem localizar a nanomáquina e
comandar seu trajeto. Este trabalho, iniciado em abril de 2002, envolvendo grandes
universidades, chamou a atenção do mundo, e no Brasil é realizado em cooperação com o
Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, sediado em Campinas (SP)30.
Para sintetizarmos de vez uma comparação satisfatória e concebível, as nanopartículas
precisam ser pensadas como uma coisa de complexa magnitude e escala própria, cuja
investigação equivale a perseguir um mosaico de modalidades não visíveis à escala humana.
Elas incluem ao menos propriedades com características funcionais diferentes daquelas
próprias dos materiais comuns, sobretudo das partículas consideravelmente grandes ou
macroscópicas, ou mesmo microscópicas. O resultado importante a destacar é que tais
empreendimentos em graus nanoparticulados estão se mostrando bastante favoráveis à
produção de novos dispositivos, com os quais nossos avós ou bisavós nem sequer sonharam,
que podem causar um grande impacto social e econômico, fundamentado na Nanociência e
Engenharia de Materiais que trabalham com a escala do nanômetro, equivalendo para muitos
pesquisadores do setor à ultima revolução possível na ciência e engenharia de materiais. Nas
palavras de Cylon Gonçalves da Silva (2003, pp. 5-8):

Isto é, a nanotecnologia, por manipular átomos, representa o limite final para o projeto e

30
O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), com sede em Campinas, que trabalha com a luz síncrotron
(intensa radiação eletromagnética produzida por elétrons de alta energia num acelerador de partículas), para
descobrir novas propriedades físicas, químicas e biológicas existentes nos componentes básicos de todos os
materiais, ou seja, átomos e moléculas, é considerado o único deste gênero, existente no Hemisfério Sul. Desde
1987, o LNLS vinha intentando realizar o ambicioso projeto de colocar o Brasil no seleto grupo de países
capazes de produzir luz síncrotron, objetivo já alcançado. Segundo informa no site do respectivo laboratório,
desde julho de 1997, centenas de pesquisadores, do Brasil e do Exterior, já utilizam a fonte brasileira de luz
síncrotron para fazer pesquisas que visam desbravar novas fronteiras de conhecimento sobre os átomos e as
moléculas. Para maiores informações, ver: Isto é o LNLS. Disponível em:
<http://www.lnls.br/lnls/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=13&sid=1>. Acesso em: 2 de janeiro de 2006.
63

criação de materiais inovadores capazes de impulsionar a economia mundial para um novo


patamar. A complexidade desse problema, contudo, é tão grande que ele estará conosco ainda
por um bom tempo.

A conseqüência desses esforços para entender esse confronto entre anteriores


observações e conhecimentos sobre a vida em geral e a existência humana em particular, com
base em magnitudes e escalas materiais maiores, culminou no reconhecimento de que as
nanotecnologias, por serem técnicas de medida bilionesimamente precisas, demonstram
características que podem ser consideradas como indicativos de amplas discussões
envolvendo a abordagem interdisciplinar e a opinião pública. A maior parte dos debates atuais
sobre o futuro de nanotecnologia concentra-se nos tipos e magnitude de riscos. Como saber
com que se comparam os riscos e os benefícios da nanotecnologia examinados pelo público,
levando em conta os associados com outras tecnologias tais como organismos geneticamente
modificados, células-tronco, biotecnologia e poder nuclear? E caso os consumidores decidam
usar um produto nanotecnológico específico, considerarão os riscos, os benefícios ou ambos?
A reportagem What drives public acceptance of nanotechnology? (2006), publicada na
Revista Nature Nanotechnology, apresenta os resultados da pesquisa de percepção pública de
norte-americanos (cerca de 5,5 mil pessoas), realizando o que os próprios autores
consideraram como a primeira escala de análise empírica mais ampla referente à
nanotecnologia. Os autores, preocupados com o que nortearia a aceitação pública da mesma,
conseguiram, na opinião de muitos leitores e peritos no assunto, apresentar de fato a maior e
mais abrangente pesquisa em relação às conduzidas em outros lugares do mundo sobre as
percepções públicas dos riscos e benefícios da nanotecnologia comparativamente a outras
tecnologias. No artigo, também é analisada a boa vontade pública em usar produtos
comerciais contendo nanotecnologia, especialmente apropriados com a aproximação do Natal,
além de questionar se uma maior conscientização e melhor entendimento a respeito da
nanotecnologia poderiam aumentar a exigência pública e o interesse para sua utilização ou
causariam inquietação sobre os maus efeitos potenciais de novas aplicações. Os autores
examinam ainda como a percepção pública está sendo formada, comparam a emergência da
nanotecnologia com outras tecnologias, incluindo o poder nuclear, os organismos
geneticamente modificados, a pesquisa de célula-tronco embrionária e a biotecnologia.
De acordo com o estudo realizado, é interessante que para os consumidores norte-
americanos, a resposta em larga escala foi a constatação de que as vantagens superam os
riscos, quando o assunto é nanotecnologia, e o público tende a olhar mais os benefícios e a
considerar a nanotecnologia menos perigosa do que outras tecnologias, a exemplo dos
64

conservantes utilizados na indústria alimentícia, dos herbicidas e desinfetantes. Trata-se de


um dado importante, porque quanto mais forem feitas novas pesquisas sobre riscos ao
ambiente e à saúde humana, quanto mais novos produtos nanotecnológicos chegarem ao
mercado, o público terá mais fundamentos para se posicionar diante da novidade tecnológica.
Vale recordar que, de certo modo, muitas das fobias antigas já voltaram com a notícia
da clonagem de uma ovelha adulta (feita na Escócia pelo Instituto Roslin, em 1997).
Basicamente, governos, igrejas e seitas religiosas de todas as crenças manifestaram profundo
receio perante a possibilidade da clonagem de um ser humano. É sabido através da mídia que
houve sanções e ameaças aos cientistas, caso eles tentassem tal experiência. Mas isto tudo é
muito natural, uma vez que toda inovação de caráter revolucionário provoca um choque de
caráter ético na humanidade. Normalmente, com o tempo, os obstáculos e embates vão
diminuindo, e o que pode ter sido encarado certa vez como uma blasfêmia, ou um crime
contra a vontade divina, passa a ser visto com naturalidade. Feita esta ressalva, é certo que
Prometeu, quer queiram ou não, acabou cumprindo a sua promessa feita nos tempos do
Romantismo de conseguir fazer nascer criaturas à sua imagem, com a consagração do homem
moderno como o senhor e dono da natureza.
Há, portanto, numa análise particular, um conflito perceptível que adquire uma grande
importância antes da introdução à nanotecnologia: o embate entre as questões que pertencem
aos dois níveis de escalas, denominados macro e micro (como se estes já fossem alheios um
ao outro), e à ciência e tecnologia na escala molecular e atômica, uma abordagem
completamente diferente de tudo que se viu até agora e que ultrapassa até mesmo a noção
que temos de ‘pequeno’, de ‘micro’ ou de ‘miniaturização’. Fazemos alusão especificamente
à extraordinária manipulação de átomos e moléculas que possibilita trabalhar com dimensões
tão ínfimas, e à observação decorrente do resultado desta operação de “mexer” na estrutura
mais íntima da matéria. Para enfatizar este ponto, ressaltamos que Drexler (Apud REGIS,
1997, p. 160) já havia chamado a atenção para o fato de que a diferença mais notável entre os
mundos macroscópico e nanoscópico devia-se a alguns dos fenômenos que se apresentavam
na nanoescala nem sequer existiam no macromundo, a exemplo da granulosidade da matéria,
uma vez que no nível molecular “todos os materiais de construção disponíveis vinham na
forma de pedaços discretos e individuais – os átomos”.
Se já não foi fácil aceitar a existência real dos átomos pela boa e suficiente razão de
que estes eram entidades totalmente inobserváveis aos sentidos, nem vistos por lupas, lentes
de aumento, microscópios ou qualquer outro meio afim, distantes da escala humana, vem
65

como ‘uma superbomba’ a possibilidade do controle de uma tecnologia suficientemente capaz


de “domar” átomos e moléculas, manipulando-os como se fossem tijolos ou bolinhas de gude;
lembramos que este engenho vai além de lidar com efeitos puramente físicos. Ora, era difícil
imaginar como se poderia fazer isto com essas “criaturas vagas, indistintas e diminutas que,
segundo a mecânica quântica, nem sequer se poderia capturá-las ou mantê-las em
determinado lugar, pois não ficavam quietas” (Ibid.)? Deixando de ser possível a constatação
de algo que fisicamente só existe para nós de um modo perceptível à razão e à intuição
imediata, uma vez que não as temos potentes o bastante para estabelecer limites, pouco se
sabe com segurança sobre a maneira com que se pode consider objetos nanotecnológicos.
No caso das aplicações nanotecnológicas, as propriedades dos seres vivos são
simuladas para que com elas sejam criados novos dispositivos. Um exemplo é o que resultou
de pesquisas realizadas nos últimos anos que tratam de ‘simulação do vivo’, numa escala um
bilhão de vezes menor, com as propriedades elásticas das “nanomolas”, em que a biologia tem
sido bom lugar para os pesquisadores se orientarem na redução de espaço ocupado por um
material. A peculiaridade desta pesquisa31 é que foi inspirada na descrição darwinista da
estrutura da “gravinha”, uma planta trepadeira que à medida que cresce vai se enrolando como
a espiral de um caderno, em formato de mola. Segundo o professor da UNICAMP, Douglas
Soares Galvão, usa-se “um modelo inspirado na biologia para resolver um problema
importante de nanotecnologia, numa escala 1 bilhão de vezes menor”, fazendo pesquisas com
os chamados “nanotubos” (Ver Figura 5), graças à similaridade muito grande que existe entre
as “nanomolas” de óxido de zinco e a “estrutura da gravinha”.

31
Pesquisadores do IFGW que ganharam capas em
publicações científicas também recorrem a modelos de 100 anos atrás: Darwin inspira soluções em
nanotecnologia. Disponível em:
<http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/maio2004/ju250pag09.html>. Acesso em: 21 de julho de
2005.
66

Figura 5: Modelização de um nanotubo. Os nanotubos foram descobertos em 1991 pelo pesquisador japonês
Sumio Iijima. Estas estruturas formam um dos quatro estados organizados do carbono, juntamente
com a grafite, o diamante e os fulerenos (moléculas que apresentam a forma de uma bola de futebol).
Os nanotubos de carbono são 100 mil vezes mais finos que um fio de cabelo e invisíveis até para
microscópios ópticos. Mas possuem a maior resistência mecânica dentre todos os materiais
conhecidos, não quebrando nem deformando quando são dobrados ou submetidos à alta pressão.
Fonte: (imagem trabalhada pela autora). Portal Laboratórios Virtuais de Processos Químicos. Disponível em:
http://vega.eq.uc.pt/siteJoomla/index.php?option=com_content&task=view&id=124&Itemid=2. Acesso
em: 20 de novembro de 2007.

O pesquisador considera ainda que: “Estamos a meio caminho entre esses dois
mundos, oferecendo aos teóricos a oportunidade de desenvolver novas ferramentas. A
biologia tem sido bom lugar para se inspirar”. Vale acrescentar que, nesta mesma reportagem,
consta que
O modelo da gravinha para as nanomolas, que Alexandre da Fonseca adaptou rapidamente,
apresentou diferenças de apenas 5% entre os dados experimentais da biologia e o que foi
calculado no computador. “Imitando a natureza para desenhar alguns materiais, acabamos por
resolver um problema de propriedades elásticas de baixa dimensionalidade”.

Consideramos que é importante esclarecer que nanotubos são moléculas cilíndricas,


formadas por átomos de carbono cujo diâmetro é de um a três nanômetros (nm) e cujo
comprimento de 1.000 nm. Um nanômetro corresponde a um bilionésimo do metro. Numa
comparação bastante comum feita pelos cientistas, os nanotubos são cem mil vezes mais finos
que um fio de cabelo. Por essa escala nanoscópica, os nanotubos têm propriedades que os
tornam potencialmente úteis em aplicações mecânicas e eletrônicas, em escala também
nanoscópica, como o fato de terem uma resistência mecânica 20 vezes maior que a do aço,
apresentarem flexibilidade e elasticidade, além de transportarem calor e eletricidade. A
propriedade de resistência oferecida, com os nanotubos adicionados a diferentes materiais e
produtos, faz com que indústrias como de cerâmica, de plástico e têxteis cogitem a
67

possibilidade de uma vida diferente no cotidiano, podendo-se dispor de peças inquebráveis ou


indeformáveis.
O professor Henrique E. Toma considera que, na previsão de esgotamento dos
recursos naturais não renováveis, que afeta já o presente e afetará decisivamente o futuro da
humanidade, a nanotecnologia tem um grande poder de contribuir “por meio do
desenvolvimento de processos inspirados na natureza, e do ganho em potencial possibilitado
pelos nanomateriais, nanomáquinas, nanodispositivos e nanoeletrônica” (2004, p. 96).
Com estas considerações, enfatizamos que com as transformações da sociedade
contemporânea devidas às aplicações da técnica em nanoescala, já se fabricam dispositivos
trabalhando numa escala, portanto, muito mais reduzida que a que mobilizou os famosos
microchips, fornecendo o entendimento, a produção, o controle e o uso da matéria estruturada
no nível atômico e molecular, especificamente em dimensões subatômicas (nanométricas).
Além de tratar-se de uma nova forma de manipular a natureza e a vida em geral, numa escala
de cálculo que jamais se operou, onde têm lugar fenômenos de natureza quântica, já estão
sendo possibilitados novos e revolucionários rumos, nas mais diferentes áreas do
conhecimento. Esta presença recente da nanociência é uma atividade que remonta, no entanto,
à primeira metade do século XX; já se faz nanociência há mais de 50 anos, para o professor
Paulo César Morais, do núcleo de Física Aplicada do Instituto de Física da UnB, a transição
entre a nanociência e a comercialização de produtos, ou seja, a geração de produtos que
puderam ser explorados comercialmente; nesta tradução é onde se assenta o que nós
chamamos de nanotecnologia (BRAZIL, 2004).
Estas são algumas das aplicações de nanoprodutos já em andamento. Para o professor
Oswaldo Luiz Alves (2004, pp. 23-40), da UNICAMP, representam áreas e aplicações
perspectivadas para a nanotecnologia: Pneus mais duradouros e recicláveis, tintas que não são
afetadas pela salinidade, plásticos não-inflamáveis e baratos, tecidos e materiais de
recobrimento que podem ser auto-reparados, telas planas, tecnologias sem-fio, aumento da
capacidade de armazenar informações em tecnologias de informação e comunicação, maior
velocidade no tratamento de dados e de armazenamento, de modo menos caro, ferramentas de
corte mais duras e resistentes, lubrificantes “inteligentes”, materiais “inteligentes” para a
fabricação de cerâmicas, novos medicamentos, medicamentos com difusão localizada
(atingindo pontos específicos e minimizando os efeitos colaterais), próteses biocompatíveis,
materiais para regeneração de tecidos corporais (pele, ossos etc.), dispositivos para
descontaminar e despoluir o ambiente (a exemplo da língua eletrônica, que possibilita máxima
68

precisão na verificação da qualidade da água e presença de contaminantes, pesticidas,


substâncias húmicas e metais pesados, tecidos (roupas) mais leves e com a capacidade de
auto-reparação, sistemas de segurança e defesa extremamente miniaturizados, roupas
resistentes à sujeira e que não se mancham, vidros auto-limpantes, entre muitas outras.
Melo; Pimenta (Ibid. p. 15) citam ainda as propriedades revolucionárias de objetos e
dispositivos nanométricos, como: miniaturização de transistores e aumento da sua capacidade
de processamento (à base de silício, com o uso de nanotubos de carbono e moléculas
orgânicas); miniaturização de chips e de processadores; propriedades mecânicas especiais
(como materiais mais resistentes e leves do que o aço), propriedades distintas em
componentes de compósitos de polímeros e nanopartículas metálicas, bem como novas
combinações de diferentes materiais e alteração de outros pela incorporação em seu interior
de partículas nanométricas cerâmicas, metálicas, por exemplo; e propriedades ópticas e
magnéticas novas e apropriadas para diferentes tipos de aplicação. Os nanocompósitos
poliméricos, vale esclarecer, são
[...] materiais formados pela combinação e mistura íntima de um plástico ou borracha e um
material disperso na forma de partículas que tenham pelo menos uma de suas dimensões na
ordem de grandeza de nanômetros (GALEMBECK; RIPPEL, 2004, p. 42).

Estes materiais se formam pela combinação e mistura homogênea de dois ou mais


tipos de materiais. Suas principais abordagens para tratar dos problemas de aderência e
antiaderência objetivam melhorar a compreensão das interações de moléculas com superfícies
e o conhecimento dos processos químicos e eletroquímicos envolvidos. A fabricação de
ferramentas baseadas na nanotecnologia está ajudando os cientistas a enfrentarem problemas
em ambientes úmidos e corrosivos e, na antiaderência, muitas patentes depositadas estão
ligadas a produtos para uso médico e farmacêutico, como inaladores, e a temas mais
complexos, dedicados ao desenvolvimento de nanocompósitos para adesão e antiadesão
aplicados à indústria, como a construção de turbinas a jato, artes gráficas (impressão de
offset), conserto de defeitos em peças, tratamento de moldes e fabricação de isolantes para
linhas de tensão em automóveis. A pesquisadora Nara Regina de Souza Basso, da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS trabalha com o projeto “Síntese de
nanocompósitos de polímero/grafite”. Atualmente, estão sendo desenvolvidas diferentes
técnicas de intercalação e esfoliação da grafite para dispersão em diferentes matrizes
poliméricas a fim de se obter nanocompósitos (Ver Figura 6) com propriedades condutoras.
69

Figura 6: Grafite (outra forma de estruturação do nanotubo de carbono) e nanotubo de carbono.


Fonte: Ciência Hoje. Disponível em:
<http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://cienciahoje.uol.com.br/images/chdia/n058a.jpg&im
grefurl=http://cienciahoje.uol.com.br/controlPanel/materia/view/3796&h=193&w=275&sz=22&hl=pt-
BR&start=41&um=1&tbnid=DKLb9wu_7vYzHM:&tbnh=80&tbnw=114&prev=/images%3Fq%3Dna
notubo%26start%3D40%26ndsp%3D20%26um%3D1%26hl%3Dpt-BR%26rlz%3D1T4ADBF_pt-
BRBR236BR237%26sa%3DN>. Acesso em 02 de janeiro de 2008.

Podemos falar aqui do grafite, a exemplo do que conhecemos nos lápis que usamos
para escrever (Ver Figura 7), que é constituído por folhas de grafeno (estruturas planas de
carbono, da espessura de um átomo, em que cada carbono se liga a três vizinhos, resultando
numa imagem semelhante a uma colméia de abelhas, com seus hexágonos. A sobreposição
das folhas de grafeno, como se fossem um maço de papéis, forma o grafite. No fulereno32
(terceira forma mais estável do carbono, após o diamante e o grafite) mais conhecido, o C60,
as ligações atômicas estão organizadas em superfícies curvas semelhantes a uma bola de
futebol. Os nanotubos também resultam da organização dos átomos de carbonos em folhas,
como no grafite; mas em lugar de ficarem empilhadas, cada folha se enrola num cilindro. O
tubo que resulta de uma só folha, é chamado de nanotubo de parede única. Quando várias
folhas se enrolam de maneira concêntrica, tem-se o nanotubo de parede múltipla.

32
Atribui-se a descoberta dos fulerenos, em 1985, aos pesquisadores norte-americanos, Harold Kroto,
inglês, e Richard Smalley e Robert Curi.
70

Figura 7: Grafite Faber Castell – Lápis com nanopartículas organometálicas adicionadas, com mais resistência,
maciez e intensidade na cor33. No lápis, o Carbono, sob a forma de grafite, é macio, maleável e frágil.
Mas o nanotubo do Carbono (que ocorre nas conhecidas formas de grafite, como a dos bicos de lápis e
lapiseiras) é duro como aço.
Fonte: Acervo da pesquisadora.

Torna-se notório, então, que o homem alcançou novos dados resultantes de


propriedades especiais e combinações entre elas que diferentes tipos de materiais adquirem,
quando obtidos em escala de tamanho nanométrica. Observemos que é alcançado um grau de
precisão na incorporação de tecnologias inovadoras - desenvolvidas para controlar o grau de
penetração de medicamentos -, em que estão sendo concebidos produtos que liberam
controladamente, através da pele, fármacos, hormônios ou até agentes de defesa contra
ameaças químicas ou biológicas, e ainda cosméticos para melhorar a estética como muitas
indústrias já o fazem. Não há, então, como deixar de ter preocupação com o arranjo estético
da própria essência atômica molecular, tanto quanto temos a preocupação com a função
mastigatória e implantes e estética dental para um belo sorriso.
Assim é que cada vez mais novos recursos intensificam a aplicação da nanotecnologia

33
INICIATIVAS DO MCT EM NANOTECNOLOGIA - PROGRAMA NACIONAL DE
NANOTECNOLOGIA. II WORKSHOP NANOTECNOLOGIA AEROESPACIAL. 16 a 17 de outubro de 2006.
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Disponível em:
<http://www.ieav.cta.br/nanoaeroespacial2006/pdf_arquivos/1610%201130%20MCT%20-
%20Nanotecnologia.pdf.
71

na área da implantodontia (Ver Figuras 8, 9 e 10), em que as pessoas procuram cada vez mais,
além da saúde bucal, um sorriso mais perfeito.

Figura 8: In-Ceram: Massa cerâmica de infiltração livre da utilização de metal, à base de nanopartículas de
porcelana, que pode ser de zircônia ou alumina. Ela possui melhoria de resistência, acabamento,
forma, contorno, polimento, qualidade, cimentação não adesiva, baixo grau de condutividade térmica,
translucidez, pouco peso, estética etc. Minimiza ou mesmo exclui os problemas convencionais das
próteses metalo-cerâmicas, tais como: bordas metálicas visíveis, retração da gengiva, deficiências nas
ligas de metal e cerâmica, corrosão, intolerância aos metais, entre outros. Antes, as coroas eram feitas
de macro e micropartículas.
Fonte: Acervo da pesquisadora. Colaboração do odontólogo e implantologista, Jatir Moraes.

Figura 9: Dente antes da instalação de implante com In-Ceram (sistemas cerâmicos mais utilizados para a
construção de coroas).
Fonte: Acervo da pesquisadora. Colaboração do odontólogo e implantologista, Jatir Moraes.
72

Figura 10: Coroa de In-Ceram (porcelana). Mesmo dente anterior, confeccionado com acabamento de In-Ceram,
cujas propriedades óticas e mecânicas são melhores. Uniformidade gengival e fechamento de espaço.
Fonte: Acervo da pesquisadora. Colaboração do odontólogo e implantologista, Jatir Moraes.

Esses são apenas alguns aspectos referentes ao assunto que estamos a tratar e que nos
fazem constatar que há idéias atuais que lembram as de tempos remotos, como as dos velhos
alquimistas que trabalhavam com os elementos, não pelo que representavam as substâncias
em si, mas sim por suas propriedades materiais que poderiam ser retiradas ou acrescentadas às
substâncias mediante seus princípios mutáveis e imutáveis, suas propriedades ativas e
passivas. De toda forma, é importante ressaltar que essa associação contribuiu para a
formulação teórica do caminho seguido, mas se trata de uma aproximação invocada não para
afirmar empiristicamente que “onde há poeira, há ácaros!”, mas para que na presente pesquisa
se produza um trabalho reflexivo e apto a servir de importante meio para a viabilização de
novas idéias, novas discussões e novos fóruns temáticos sobre o assunto ‘nanotecnologia’.
Neste aspecto particular, perante a praticidade e o modo descomplicado com que
Feynmann se colocou para apresentar a nanotecnologia, desde que começou a divulgá-la,
sugerindo que os átomos poderiam ser organizados, conforme a necessidade, desde que não
houvesse violações às leis da natureza, materiais com propriedades inteiramente novas
poderiam ser criados, ainda neste capítulo buscamos ilustrar algumas definições gerais
encontradas, importantes e pronunciadas por pessoas que entendem bem do assunto, para
preparar o terreno às nossas considerações sobre as respostas de nossos pesquisados.
73

Richard W. Siegel34, outro dos pioneiros nos estudos nanotecnológicos, assim entende:

Nanotecnologia abrange a gama de materiais nanoestruturados, formados por uma


diversidade de técnicas de síntese e com aplicações amplas. O campo da ciência e
tecnologia de nanostrutura é uma área ampla de interdisciplinaridade, de atividade
mundial de pesquisas e desenvolvimento, que tem crescido explosivamente em
poucos anos. O entendimento do alcance e natureza de funcionalidades que podem
ser alcançados pelo nanoestruturamento, que começa a desvelar um potencial
tremendo para revolucionar os meios em que materiais e produtos são criados estão
já mais claros. Já existe um impacto comercial significativo, e muito certamente
haverá um muito maior impacto no futuro.

Eric Drexler (Apud REGIS, 1997) 35, autor de Engines of Creation (1986), considera
que a nanotecnologia diz respeito às construções “átomo por átomo”. Segundo sua proposta,
as coisas seriam feitas manipulando-se os átomos e moléculas individualmente, trabalhando
com estes um a um, posicionando-os de forma precisa, alinhando-os um por um,
repetidamente, até que um número suficiente deles ficasse acumulado formando uma entidade
de grande escala, útil, como, por exemplo, um automóvel ou uma nave espacial. A
nanotecnologia é a capacidade projetada de fazer coisas do ‘fundo para cima’, usando técnicas
e ferramentas que estão, hoje, sendo desenvolvidas para colocar cada átomo e molécula num
lugar desejado, baseando-se na manipulação de átomos individuais e moléculas na construção
de estruturas complexas, com especificações atômicas. Drexler introduziu o termo
nanotecnologia em 1986. Considerou o termo “nano” como um prefixo que quer dizer um
bilionésimo de alguma grandeza, e que se falarmos do padrão de medida metro, tratamos,
então, do nanômetro, algo muito pequeno, aproximando-se das dimensões dos átomos que
formam toda a matéria que conhecemos, dando-nos a idéia comparativa de que um simples fio
de cabelo tem o diâmetro de aproximadamente 30.000 nanômetros e de um átomo, que possui
em média 0,2 nanômetros.
Algo dessa compreensão se encontra em Richard Palmer36, Diretor do Birmingham's
Nanoscale Physics Research Laboratory, ao dizer que:

Nanotecnologia é a aplicação da ciência de sistemas em escala nanométrica. Um


nanômetro (nm) é 1 bilionésimo de metro; reais sistemas em escala nanométrica têm
tamanhos que variam de 1 a 100 nm. Por um lado, este regime está entre o mundo

34
Diretor do Centro de Nanotecnologia de Rensselaer. Pioneer of Nanotechnology-Nanomaterials, Nobel Prize
in 1996. Nanostructure Science and Technology.
35
Kin Eric Drexler é o Fundador e Presidente do Foresight Institute.
36
Mac Farlane John. O que é nanotecnologia? Trad. Karen Shishiptorova. Universia Science. Disponível em:
<http://www.universiabrasil.net/nextwave/ver_materia.jsp?materia=209&subcanal=1>. Acesso em: 02 jun.
2005.
74

sub-nanométrico de átomos individuais e, por outro, o tamanho típico padrão em um


circuito eletrônico de última geração (por volta de duzentos nanômetros). É um
regime onde a física, a química e a biologia se aglutinam para criar a "nanociência",
de onde a ciência da nanotecnologia possa (um dia) fluir.

Polemizando algumas concepções, Bill Joy (2000) afirma que nanotecnologia é uma:

Tecnologia de nível molecular que trabalha com elementos atômicos, reordenando-


os para formar montagens de tamanho muito inferior ao mícron. Por exemplo:
nanorrobôs capazes de penetrar o corpo humano e combater agentes infecciosos ou
reparar artérias entupidas. [...] As mais poderosas tecnologias do século XXI -
robótica, engenharia genética e nanotecnologia – estão ameaçando fazer dos
humanos uma espécie em extinção [...]. A eletrônica molecular – o novo subcampo
da nanotecnologia em que moléculas individuais são elementos de circuitos – deve
amadurecer rapidamente e tornar-se enormemente lucrativa ainda nesta década,
causando um grande incremento nos investimentos em nanotecnologia.

Mais otimista, o filósofo Pierre Lévy (1998. p. 57-8) se refere às nanotecnologias


como: “Tecnologias moleculares frias, procedimentos mecânicos aplicados na escala dos
átomos e moléculas, cujos efeitos serão modificações nas qualidades íntimas dos materiais”.
Ele fala em reunião átomo por átomo das macromoléculas, envolvendo extrema precisão na
perspectiva de fabricação (átomo por átomo), processo que, para Lévy, poderia eliminar em
algumas décadas a química industrial dos aquecimentos e das misturas, que considera já
ultrapassada, fazendo reduzir sensivelmente os desperdícios e as rejeições ao mínimo.
No Relatório da Fundação Nacional de Ciência, intitulado Societal Implications of
Nanoscience and Nanotechnology37 (2001), onde se declara haver uma revolução na ciência e
na tecnologia mediante a manipulação da matéria em nanoescala, encontramos argumentos
que consideram a nanociência como o estudo de sistemas com dimensões de nanômetro (na
faixa de 1nm a 100nm), sendo fenômenos verdadeiramente novos, realizados mediante
comportamento quânticos, com propriedades mais proximamente assemelhadas a moléculas
que a objetos microscópicos. Neste Relatório, é reconhecido ainda que a nanotecnologia é
uma disciplina emergente de engenharia, uma revolução que ocorre na ciência e na
tecnologia, baseada na capacidade recentemente desenvolvida de medir, manipular e
organizar a questão na nanoescala, que representa não só outro passo em direção à

37
National Science Foundation NSET Workshop report Societal Implications of Nanoscience and
Nanotechnology. Edited by Mihail C. Rocco and William Sims Bainbridge, Mach 2001, Arlington, Virginia,
USA. Disponível no endereço: www.wtec.org/loyola/nano/NSET.Societal.Implications. Este Relatório aborda a
nanotecnologia em sua relação com a indústria, a medicina, a sustentabilidade, a exploração espacial, a
segurança, como também suas implicações sociais, recomendações, potencialidades, implicações educacionais,
éticas, legais e culturais.
75

miniaturização, mas a uma escala qualitativamente nova. São “coisas na escala de nanômetro”
ou “coisas na escala atômica”, sem ser uma resposta completa, pois, como uma nova
disciplina de engenharia, nanotecnologia deve significar mais que a capacidade de construir
coisas com precisão de átomo-escala. Em síntese, conforme este documento, a nanotecnologia
é uma nova corrente, uma ‘Nova Coisa’ em ciência, uma área que promete novo
entendimento da natureza e do uso em construir as tecnologias que mudarão o mundo.
No rumo dessas considerações do Relatório da Fundação Nacional de Ciência, parece
seguir a concepção expressada pelo Center for Responsible Nanotechnology-CRN38, para o
qual nanotecnologia:

[...] é a capacidade potencial de criar coisas a partir do mais pequeno, usando as


técnicas e ferramentas que estão a ser desenvolvidas nos dias de hoje para colocar
cada átomo e cada molécula no lugar desejado. Se conseguirmos este sistema de
engenharia molecular, o resultado será uma nova revolução industrial. Além disso,
teria também importantes conseqüências econômicas, sociais, ambientais e militares.

Nesta direção, Mike Treder39, Diretor Executivo do CRN, diz que em nanotecnologia:

[...] a manipulação de nanoestruturas, isto é, de materiais com dimensões


nanométricas, do tamanho de moléculas, oferece oportunidades sem precedentes na
história da humanidade. Porém não se pode esquecer dos riscos que novas
tecnologias podem representar à sociedade e ao meio ambiente. [...] Nós sabemos
que os riscos são altos, mas também os benefícios potenciais são bastante altos.
Possibilidades de recuperação de ambientes degradados, a criação de indústrias
muito mais limpas que não poluem o ar ou a água... Essas coisas precisam ser feitas
para o benefício da humanidade.

Um outro aspecto particular, demonstrando uma insatisfação, é manifestado na


preocupação de Pat Mooney40 do ETCGROUP-Canadá, que acrescenta: "Não se trata apenas
de diminuir objetos metálicos - o que eu caracterizaria como Meleca Cinza - atualmente os
cientistas estão usando seres vivos microscópicos para auxiliar a nanotecnologia, é a ameaça
da Meleca Verde”. Mooney enfatiza veemente que “A nanotecnologia é a ‘Meleca Verde

38
“O que é a nanotecnologia? Por que é preciso um uso responsável?” Center for Responsible Nanotechnology-
CRN. Disponível em
<<http://www.euroresidentes.com/futuro/nanotecnologia/nanotecnologia_responsavel/introducao_nanotecnologi
a.htm>. Acesso em: 12 jul. 2004.
39
Treder, M. Apud Carlos Brazil. “Debate sobre nanotecnologia depende de abertura e cooperação”. Seminário
Internacional Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente debate desdobramentos da nova tecnologia.
Universia. Publicado em 19/10/2004. Disponível em
<<http://www.universia.com.br/materia/materia.jsp?id=5490>>. Acesso em: 15 jan. 2005.
40
Money, P. Apud Renata Aquino. “FSM: Nanomonstros fazedores de hambúrguer dão gosto amargo à
nanotecnologia”. Magnet. Disponível em <<http://www.magnet.com.br/bits/cosmonet/2003/01/0037>>. Acesso
em 04 abr. 2005.
76

(Green Goo)”, caracterização que dá título ao Relatório da ETC.


Para Ralph C. Merkle41, do Foresight Institute, existe uma expectativa mais positiva:

A nanotecnologia é uma proposta de fabricação tecnológica com três objetivos


centrais: 1) Posicionar essencialmente cada átomo em seu devido lugar. 2) Fazer
com que quase qualquer estrutura seja consistente com as leis da física e da química
permitindo especificá-la com detalhe atômico. 3) Ter custos de fabricação que não
excedam largamente os custos da matéria-prima e energia necessários.

Richard Palmer42, por sua vez, segue na mesma trilha de raciocínio:

Nanotecnologia é a aplicação da ciência de sistemas em escala nanométrica. Um


nanômetro (nm) é 1 bilionésimo de metro; reais sistemas em escala nanométrica têm
tamanhos que variam de 1 a 100 nm. Por um lado, este regime está entre o mundo
sub-nanométrico de átomos individuais e, por outro, o tamanho típico padrão em um
circuito eletrônico de última geração (por volta de duzentos nanômetros). É um
regime onde a física, a química e a biologia se aglutinam para criar a "nanociência",
de onde a ciência da nanotecnologia possa (um dia) fluir.

Não muito diferente é o pensamento do cientista português Aristides Requicha43 na


mesma matéria. Para ele, a nanotecnologia:

É o estudo do fenômeno, dispositivos e sistemas de dimensões característicos da


nanoescala. Neste caso, ‘nanoescala’ significa um âmbito de 1 a 50 nm. O âmbito de
baixo exclui manipulação atômica e o de cima exclui grande parte do trabalho em
litografia. São excluídos também, i.e., filmes finos que têm certa espessura em
nanoescala mas comprimento e largura microscópica. É claro que outras pessoas
podem ter parâmetros diferentes.
Nessa ótica de aplicabilidade, para Alejandro Gustavo Piscitelli (2002)44, a
nanotecnologia combina:

[...] los conceptos del diseño con la precisión, durabilidad y velocidad. [...] la
nanotecnología es, básicamente, un experimento mental, un juego de la imaginación
que muestra cómo construir mundos liberando la mente de la corrosión de la
inmediatez y de los modelos y prácticas utilizadas a diario.

41
Merkle, R. Entrevista concedida a John Macfarlane. Disponível em:
<<http://www.universiabrasil.net/nextwave/ver_materia.jsp?materia=209&subcanal=1>>. Acesso em: 04 abr.
2005. Ralph Merkle é pesquisador de nanotecnologia do Centro de Pesquisa Xerox em Palo Alto. Ele também é
editor executivo do periódico Nanotechnology e o diretor do Foresight Institute, uma organização sem fins
lucrativos cujo propósito é fornecer orientação sobre tecnologias emergente.
42
Ibid. Richard Palmer é professor de física experimental da Birmingham University e diretor do Nanoscale
Physics Research Laboratory.
43
Ibid. Aristides Requicha é professor de ciência de computação e de engenharia elétrica, e diretor do
Programmable Automation Laboratory e do Laboratory for Molecular Robotics da University of Southern
California em Los Angeles.
44
Alejandro Gustavo Piscitelli é professor de Processamento de Dados, Telemática e Informática, na Faculdade
Latinoamericana de Ciências Sociais, em Buenos Aires.
77

Encontramos no Programa Nacional de P&D em Nanociências e Nanotecnologias -


Plano de Implementação/2001-2005, do CNPq45 a seguinte afirmação:

A essência da nanociência e nanotecnologia é a habilidade de trabalhar ao nível


molecular, átomo por átomo, para criar grandes estruturas com organização
molecular. Se compararmos o comportamento de moléculas isoladas de dimensões
9
da ordem de 1nm (10- m) ao de materiais considerados volumosos (> 100mm, 10-
4
m), o comportamento de materiais cujas dimensões estão na faixa de 1nm a 100nm
– ou tipicamente 10nm, que é 1000 vezes mais fino que o diâmetro de um fio de
cabelo – apresentam diferenças marcantes. Nanociência e nanotecnologia dizem
respeito ao entendimento, controle e exploração de materiais e sistemas cujas
estruturas e componentes exibem propriedades e fenômenos físicos, químicos e
biológicos significantemente novos e modificados devido à sua escala nanométrica
(1-100nm).

Cylon Gonçalves da Silva (2003, p. 7)46, numa abordagem mais etimológica para
explicar a nanotecnologia, considera que:

A nanotecnologia não possui uma definição simples porque é muito abrangente. O


melhor é partir da origem do termo: o prefixo grego nano quer dizer anão e se refere
a uma medida, o nanômetro, que equivale a um bilionésimo de metro. É essa a
escala de medida que se usa para medir átomos e moléculas – os componentes
fundamentais, em certo nível, pelo menos, da matéria, do mundo que nos cerca. Em
uma analogia simples, pode-se dizer que a régua que se usa para medir essas
entidades tão pequenas é a régua nanométrica. Mas mesmo essa régua é grande,
porque o tamanho característico de um átomo é da ordem de um décimo de
nanômetro. Em uma definição formal, diríamos que a nanotecnologia é a tecnologia
dos materiais, processos e produtos cujas dimensões críticas estão na faixa de 0,1 a
100 nanômetros.

De forma similar, Henrique Eisi Toma47 (2004, p. 13) afirma:

A nanotecnologia pode ser considerada uma evolução da microtecnologia atual e,


portanto, um caminho natural a ser seguido pelas empresas de alta tecnologia. A
nanotecnologia e as nanociências contemplam o universo nanométrico, no qual a
dimensão física é representada por uma unidade equivalente a um bilionésimo do
metro. Essa dimensão é expressa pelo prefixo nano, do grego “anão”, de onde
também vem a palavra “nanico”. Sua notação é nm ou 10-9 m. 1 nm equivale
aproximadamente ao comprimento de dez átomos enfileirados.

Para Eronides F. da Silva Jr. (2003)48:

45
PROGRAMA NACIONAL DE P&D EM NANOCIÊNCIAS E NANOTECNOLOGIAS. Documento
preliminar para discussão, do Grupo de Articulação criado pelo MCT/CNPq a partir da reunião realizada em
Brasília, CNPq, 22/11/2000. Brasília, Abril 2001. Disponível em: <http://www.cnpq.br/noticias/nano.doc>>.
Acesso em: 12 dez. 2002.
46
Cylon Gonçalves da Silva é professor emérito da Unicamp e Secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e
Desenvolvimento do MCT Ex-Diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron.
47
Henrique Eisi Toma é professor do Instituto de Química da USP e Pesquisador do CNPq.
78

Nanociência e Nanotecnologia, tratam de aplicações e desenvolvimentos de


nanoestruturas e nanodispositivos utilizando-se das propriedades físicas, químicas,
elétricas e óticas de novos materiais e materiais avançados, e que resultam em uma
maior miniaturização de dispositivos e sensores; presentemente, a pesquisa de ponta
realizada em todo o mundo requer a manipulação da matéria em nível atômico e
molecular.

Idéias afins também encontramos em Paulo César Morais49. Sua abordagem, porém,
versa sobre a geração de produtos e a exploração comercial e limites da pesquisa brasileira:

[...] a nanotecnologia é o segmento, a conseqüência da nanociência. Tanto os


materiais nanoestruturados (montados a partir de estruturas nanométricas) quanto
essa instrumentação capaz de visualizar e manipular estes materiais podem dar
origem a produtos. E a transição entre a nanociência e a comercialização de
produtos, essa tradução é onde se assenta o que nós chamamos de nanotecnologia.
[...] Então, todo esse conhecimento científico básico pode ser comercializado como
um novo sucessor da economia mundial. E há uma grande expectativa em relação a
isso. [...] O Brasil ainda tem espaço para construir um plano para a nanociência e a
nanotecnologia. A nanociência brasileira já está razoavelmente organizada. Mas a
nanotecnologia brasileira não existe. Não há instrumentos, não há uma política de
médio e longo prazo para a nanotecnologia. É preciso criar essa política séria e é
preciso fazer investimento sério. Mas é preciso também que o governo traga para
esta tarefa a iniciativa privada.

Para a professora Zulmira G. M. Lacava50, pesquisadora do Instituto de Ciências


Biológicas da Universidade de Brasília-UnB, e o professor Paulo C. Morais, anteriormente
citado, em reportagem envolvendo a ambos:

A nanotecnologia está ligada à manipulação da matéria em escala nanométrica, ou


seja, uma escala tão pequena quanto a de um bilionésimo do metro. Na escala
nanométrica, os átomos revelam características peculiares, podendo apresentar
tolerância à temperatura, cores, reatividade química, condutividade elétrica, ou
mesmo exibir força de intensidade extraordinária.

De forma geral, esta argumentação é encontrada também em José A. Brum51, diretor


atual do Laboratório Nacional de Luz Síncroton, desde 2001, que diz:

Costumamos definir nanociência e nanotecnologia como a pesquisa e


desenvolvimento tecnológico no nível atômico, molecular e macromolecular, na
escala de 0,1 à 100 nanômetros, que tem como objetivos proporcionar a
compreensão de fenômenos e materiais na escala nano, criar e utilizar estruturas,

48
Eronides F. da Silva Jr. é professor do Departamento de Física, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
49
Membro do Núcleo de Física Aplicada do Instituto de Física da UnB (Universidade de Brasília).
50
Disponível em: <<http://www.comciencia.br/reportagens/nanotecnologia/nano15.htm>>. Acessado em 15
mar. 2004.
51
Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/nanotecnologia/nano18.htm>. Acesso em: 2 mar.
2005.
79

dispositivos e sistemas que tenham propriedades e funções únicas devido ao seu


tamanho reduzido.

Nesse sentido, complementa Wanderley de Souza52, dizendo que “A nanotecnologia é


a biotecnologia de 15 anos atrás. A área é estratégica e é uma prioridade”.
“Nanociência e nanotecnologia” diz José Roberto Leite53, professor do Instituto de
Física da USP e Presidente da Sociedade Brasileira de Física-SBF, “[...] se referem à pesquisa
básica e aplicada envolvendo sistemas atômicos de dimensões da ordem de milésimos de
milímetro. A origem do nome se refere ao fato de quando expressamos estas dimensões em
metros temos nove dígitos após a vírgula”. Não diferentemente é a compreensão de Carlos
Alberto Vogt54, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo-
FAPESP, para quem a nanotecnologia significa: “Manipulação de átomos em escala
nanométrica, isto é, numa escala de 1 bilhão de vezes menor que o metro ou 1 milhão de
vezes menor que o milímetro, um espaço, pois, no qual cabem, no máximo, 10 átomos.”
Ao modo de ver dos pesquisadores, Sílvia Stanisçuaski Guterres (2002 ), da Faculdade
de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS, e André Avelino Pasa,
do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC, a compreensão
da temática não difere do que vimos antes. Para Guterres, a nanotecnologia está ligada à
criação de conhecimentos, enquanto que nanociência deve viabilizar as aplicações. Pasa, em
entrevista concedida à pesquisadora, em 2004, declara que a nanotecnologia, para ele,
significa a tecnologia que está baseada nas propriedades físicas e químicas, apresentadas
por objetos com dimensões inferiores a algumas centenas de nanômetros.
De nossa parte, temos a clareza que a nanotecnologia traz em si uma abertura para um
novo ímpar em nossas vidas, e por tudo o que vimos em termos de sua relação com a
manipulação molecular, consideramos as questões de ordem ética precisam ser examinadas,
debatidas e renovadas, com certeza, no rumo de sua escala de implicações. Partindo de
interpretações diversas dos acontecimentos que formos acompanhando, derivam-se também
diversas tarefas éticas: Qual é a legitimidade dessas derivações? Em que condições e de que
modo é possível interferir, a partir de uma interpretação físico-cosmológica, com tarefas
éticas? Para estas perguntas, ensaiamos algumas respostas, mas de nada temos certeza, apenas

52
Secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia/MCT, entre 2003 a janeiro de 2004. Disponível
em: <http://www.unicamp.br/unicamp/canal_aberto/clipping/abril2003/clipping030429_folha.html>. Acessado
em: 12 jun. 2005.
53
Disponível em: <http://www. comciencia.br/entrevistas/nanotecnologia/leite.htm>. Acessado em 25 jun. 2004.
54
Disponível em: <http://www.comciencia.br/carta/nanotecnologia.htm>>. Acessado em: 25 mai. 2004.
80

suposições, que foram enriquecidas com o esforçado e extenuante estudo que fizemos, com
base no conhecimento propiciado pelos campos e conceitos da física e da matemática,
conforme mostramos no próximo capítulo.
81

3. A NANOTECNOLOGIA E O CONHECIMENTO PROPICIADO PELOS CAMPOS


E CONCEITOS DA FÍSICA E DA MATEMÁTICA: APROXIMANDO TECHNE E
ARTE

Sobre a Lua, Armstrong pôs finalmente os pés.


Caminhava hesitante e cauteloso,
pé aqui,
pé ali,
as pernas afastadas,
os braços insuflados como balões pneumáticos,
o tronco debruçado sobre o solo.
Lá vai ele.
Lá vai o Homem Novo
medindo e calculando cada passo,
puxando pelo corpo como bloco emperrado.
Mais um passo.
Mais outro.
Num sobre-humano esforço
levanta a mão sapuda e qualquer coisa nela.
Com redobrado alento avança mais um passo,
e a Humanidade inteira,
com o coração pequeno e ressequido,
viu, com os olhos que a terra há-de comer,
o Homem Novo espetar, no chão poeirento da Lua, a bandeira da sua Pátria,
exactamente como faria o Homem Velho.

(Poema do Homem Novo, António Gedeão, 1970)

Antes de continuar nossa tentativa de traçar uma história, voltamos à nanotecnologia


Em todo avançar do conhecimento, reconhecemos trilhas e caminhos que, enquanto forem
acessados e compartilhados, possibilitam não somente a nossa memorização e
reconhecimento, mas também dos que vierem depois de nós. Assim, para compreender o
espírito dessa gigantesca obra que representam a física quântica e a nanotecnologia, com suas
mudanças significativas, é preciso recorrer aos princípios que fundamentaram grandes áreas
do pensamento, nela refletidos e que são elementos fundantes no desencadeamento de
revoluções científicas.
É importante que realcemos aqui a distinção entre física quântica e nanotecnologia,
para colocá-las em seus devidos patamares, lembrando que a interpretação oferecida por
ambas aos fenômenos do mundo do “muito pequeno”, difere dramaticamente daquela
sugerida pela nossa percepção imediata e intuição, alterando, portanto, nossa visão de mundo.
Para falar da física quântica, precisamos ter em vista a idéia de “campo eletromagnético”, e
82

para explicarmos o que significa este campo, utilizamos uma analogia feita por Feynman,
Nobel de física em 1965:

[...] se estivermos em uma piscina e uma rolha estiver flutuando bem perto, poderemos
deslocá-la “diretamente” impelindo a água com outra rolha. Se olhássemos apenas para as duas
rolhas, tudo que veríamos seria que uma se deslocou imediatamente em resposta ao
movimento da outra – há um certo tipo de “interação” entre elas. Claro está que o que
realmente fazemos é mexer a água, e esta mexe então a outra rolha. Poderíamos formular uma
“lei” de que, se impelíssemos a água um pouco, um objeto próximo na água se deslocaria. Se
estivesse mais distante, é claro que a segunda rolha mal se moveria, pois deslocamos a água
localmente. Por outro lado, se agitarmos a rolha, um novo fenômeno estará envolvido em que o
movimento da água desloca a água ali, etc. e ondas se afastam; assim, pela agitação, há uma
influência de muito maior alcance, uma influência oscilatória que não pode ser entendida com
base na interação direta. Portanto, a idéia de interação direta deve ser substituída pela
existência da água ou, no caso elétrico, pelo que denominamos campo eletromagnético
(FEYNMAN, 2004, p. 60).

O autor complementa que o campo eletromagnético pode transportar ondas, algumas


das quais são luz e outras são usadas em transmissão de rádio, porém em ambos os casos o
nome geral é ondas eletromagnéticas, que são oscilatórias (confirmando a idéia de “ondas de
matéria” proposta em 1924 por Louis de Broglie) e podem ter várias freqüências. Uma vez
entendido o que é campo eletromagnético e tomando em conta que o mesmo pode conduzir
ondas, é importante esclarecer que se verificou que estas “se comportam de uma forma
estranha que parece muito pouco ondulatória” (Ibid. p. 62), de modo que em freqüências
maiores, “elas comportam-se muito mais como partículas, o que acontece devido à mecânica
quântica”. Em outras palavras neste fenômeno que concebe que nada é real, e que não
podemos afirmar nada acerca dos fenômenos exceto quando os vemos, as coisas do mundo
que se encontram em uma escala muito pequena, têm comportamento diferente das que estão
em uma escala maior, o que não é, por isso mesmo, um fenômeno fácil de compreender em
nosso senso comum. Feynman diz que

É isso que torna a física difícil – e muito interessante. É difícil porque o modo como as coisas
se comportam em uma escala pequena é totalmente “antinatural”; não temos experiência direta
com isso. As coisas não se comportam como nada que conhecemos, e esse comportamento só
pode ser descrito analiticamente. É difícil e requer muita imaginação (Ibid).

Disso resulta que, diferentemente da física clássica, não prevalece mais a idéia de que
uma partícula tenha uma localização e velocidade definida, não se podendo determinar onde
algo está e nem a velocidade com que se move, pois estas partículas estão em constante
ziguezague, embora as incertezas de posição e de velocidade sejam complementares. Além
disso, acrescenta Feynman: “não é possível prever exatamente o que acontecerá em qualquer
83

circunstância” (Ibid, p. 63). E sem engrenagem interna alguma, complementa o físico

[...] a natureza, como a entendemos hoje, comporta-se de tal modo que é fundamentalmente
impossível fazer uma previsão exata do que acontecerá exatamente em uma dada experiência.
Trata-se de algo terrível; na verdade, os filósofos afirmaram antes que um dos requisitos
fundamentais da ciência é que, sempre que se estabelecem as mesmas condições, deve ocorrer
a mesma coisa. Isto simplesmente não é verdade, não é uma condição fundamental da ciência.
O fato é que a mesma coisa não acontece, que só podemos encontrar uma média,
estatisticamente, do que acontece.

Não resta dúvida de que esse ponto é bastante paradoxal, porque desmonta muito do
que foi concebido a respeito de que duas ou mais experiências se repetiriam do mesmo jeito,
ainda que em lugares diferentes, produzindo os mesmos resultados. E é o fato de pensar que
certos acontecimentos se repetem do mesmo modo em ambientes distintos (ou pelo menos se
pensava que assim o seria) que gera a formulação de alguma lei geral; ou seja, a maçã que
caiu na cabeça do cientista e matemático inglês Sir Isaac Newton, com a física clássica, em
sua teoria da gravitação universal, cai do mesmo modo em todas as cabeças, em qualquer
lugar? Para entender o mundo moderno e o contemporâneo, é preciso ir além da física clássica
de Isaac Newton e conhecer mais sobre a física quântica de hoje. É preciso saber mais sobre o
princípio da incerteza (que não deve ser entendido como uma relação de incerteza, mas de
indeterminação ou indefinição) proposto por Heisenberg (seguindo a onda filosófica anti-
realista positivista da época, tentando escapar da questão da dualidade onda-partícula, levando
em conta que Bohr havia procurado justificar, por meio de argumentos diversos, a ruptura
com a perspectiva realista típica da ciência), que segundo Feynman (Ibid, p. 144) descreve
uma característica básica da natureza. Sobre isto, a que fique melhor esclarecido, já que a
mecânica quântica foi um palco imenso de polêmicas, enfatizamos o que diz o professor
Silvio Seno Chibeni (2001), da Unicamp (SP):
Uma grandeza só terá significado físico se pudermos atribuir valores a ela. É isso que permitirá
colocar a noção em correspondência com os fenômenos, com a leitura de aparelhos de medida.
Neste ponto surge a primeira e mais fundamental dificuldade interpretativa na MQ: Dados um
estado quântico e uma grandeza física quaisquer, em geral o formalismo quântico
simplesmente não atribui um valor à grandeza! (Dissemos "em geral" porque há exceções.) O
problema é agravado pelo fato de que mesmo quando o estado não fornece o valor de uma
grandeza física, medidas dessa grandeza sobre o objeto são inteiramente possíveis e dão
valores bem definidos. Parece, então, que a teoria está falhando em uma de suas funções
essenciais, a predição dos fenômenos, dos resultados de medida. Como interpretar essa
situação?

E é com base nisso, que existem duas posições possíveis: a) a primeira já vista de
Heisenberg, Bohr e outros mais, para quem os valores dessas grandezas, a que se refere o
professor Silvio Seno Chibeni, não existem, ou não estão definidos antes que se efetue a
84

medida, de modo que a medida é que criaria ou tornaria definidos os valores, mas sem ser
propriamente uma medida, no sentido usual do termo, e, sim, a mera revelação de uma
propriedade preexistente do objeto investigado; b) a outra versão da teoria quântica, devida a
Schrödinger, que queria mostrar que a mecânica quântica é uma teoria incompleta (argumento
hoje conhecido pelo nome pitoresco de “gato de Schrödinger”), e ao também chamado
“argumento de EPR” (Einstein, Podolsky e Rosen). Ambas as posições buscam indicar que a
descrição quântica das propriedades dos objetos é incompleta. Para nós, a questão se torna
mais complexa quando Feynman (2004, p.149) argumenta que o princípio da incerteza
“protege” a mecânica quântica, ao modo de Heisenberg, defender que se fosse possível medir
com precisão o momento e a posição, isto implicaria no próprio desmoronamento da
mecânica quântica. O físico considera que
A teoria completa da mecânica quântica, que usamos agora para descrever os átomos e, na
verdade, toda a matéria, depende da correção do princípio da incerteza. O imenso sucesso da
mecânica quântica reforça nossa crença no princípio da incerteza. Mas se fosse descoberta uma
forma de “derrotar” o princípio da incerteza, a mecânica quântica forneceria resultados
inconsistentes e teria de ser descartada como uma teoria válida da natureza (Feynman, p. 144).

E diante de muitas tentativas que foram feitas com qualquer precisão maior para
descobrir formas de medir a posição e o momento de algo, sem que isso se tenha conseguido,
Feynman conclui que a mecânica quântica segue preservando sua “perigosa”, mas correta
existência. Considerando o que caracteriza a mecânica quântica, a nanotecnologia é a
capacidade potencial de criar coisas a partir do “mais pequeno”, em que a física, a química e a
biologia se aglutinam para criar a “nanociência”. Usando as técnicas e ferramentas que estão
sendo desenvolvidas nos dias de hoje para colocar cada átomo e cada molécula no lugar
desejado, de certo modo faz com que quase qualquer estrutura seja consistente com as leis da
física e da química permitindo especificá-la com detalhe atômico, é de onde flui a ciência da
nanotecnologia (MACFARLANE, [s.d]).
O campo da nanociência e nanotecnologia vem recebendo uma atenção especial em
várias áreas do conhecimento, como Física, Química, Biologia e Engenharia. Este grande
interesse pode ser atribuído ao fato de que sistemas físicos apresentam novos comportamentos
quando manipulados em escalas nanométricas, segundo o professor Henrique Eisi Toma
(2004), do Instituto de Química da USP, que têm sua maior expressão nos sistemas
biológicos, onde sistemas moleculares organizados compõem as nanomáquinas que sustentam
a vida. O químico argumenta que, entrando nesse mundo, percebe-se que as máquinas mais
evoluídas se tornarão tão pequenas quanto as moléculas enquanto que a eletrônica será
transportada para uma dimensão mil vezes menor que a atual. Inspiradas nesses sistemas
85

podem ser exploradas novas estratégias em nanotecnologia. Richard Feynman disse muito
incisivamente que
Os princípios da física, pelo que eu posso perceber, não falam contra a possibilidade de
manipular as coisas átomo por átomo. Não seria uma violação da lei; é algo que, teoricamente
pode ser feito mas que, na prática, nunca foi levado a cabo porque somos grandes demais55

Ainda que reconheçamos que a mecânica quântica é uma forma completamente nova
de ver o mundo em relação à física clássica, a matemática e a física básica estiveram sempre
muito entrelaçadas como instrumentos poderosíssimos na pesquisa científica e para os
avanços que foram dados com os “elementos de realidade” dessa nova forma (quântica) e seu
status, dando origem a novos caminhos que proporcionam uma visão de natureza bem
diferente da dos gregos e dos medievais. Também conta muito o que a física hoje alcançou
para o conhecimento de seu próprio campo e o conhecimento em geral, e a dar sua
contribuição à matemática para que consigamos resolver melhor um velho impasse que existe.
Trata-se de quando nos debatemos a tentar saber como é possível que a matemática, também
uma elaboração do pensamento humano, mas que é independente da experiência, seja tão
admiravelmente apropriada para os objetos da realidade. Apontamos a direção que Paul Dirac
(Apud FLEMING, 2002) concede à matemática um indispensável papel, alegando que um
livro na nova física, se não puramente descritivo do trabalho experimental, deve ser
essencialmente matemático. Mesmo assim, a matemática é só um instrumento e há que
aprender a manter as idéias físicas na mente de alguém sem referência à forma matemática.
Conforme está expresso no prefácio do livro de sua autoria, “Principles of Quantum
Mechanics”, publicado em 1930, que aborda a Mecânica Quântica por ele desenvolvida, Dirac
(Ibid., 2002) diz que
A book on the new physics, if not purely descriptive of experimental work, must be essentially
mathematical. All the same the mathematics is only a tool and one should learn to hold the
physical ideas in one's mind without reference to the mathematical form.

Já bem definido por Galileu, a física não é matemática, nem faria sentido, pois
naquela época a física era uma coisa só. Antes mesmo do filósofo de olhos de luneta, o papel
essencial da linguagem matemática, considerando aí a geometria e a aritmética, era o de um
instrumento eminentemente organizador:

55
“Introdução à nanotecnologia. O que é a nanotecnologia?” (2000). Centro de Nanotecnologia Responsável:
CRN. Disponível em:
<http://www.euroresidentes.com/futuro/nanotecnologia/nanotecnologia_responsavel/introducao_nanotecnologia.
htm>. Acesso em: 13 de abril de 2006.
86

Isaac Newton, inventando a física teórica, deu à matemática um novo papel na física.
Enquanto, antes dele, a linguagem matemática tinha principalmente um papel organizador, a
partir de Newton passou a ter um poder preditivo: passa-se a usar a matemática para investigar
a totalidade das previsões de uma teoria. No entanto, mesmo aí, física não é matemática (Ibid.).

Com Newton, um físico experimental, construtor de instrumentos e notável teórico, a


matemática passou a constituir-se em poderoso recurso do pensamento para investigar a
física, a química e também a biologia. Einstein também foi beber na mesma fonte e sempre
considerou que a Matemática em geral e, particularmente, a Geometria devem a sua existência
à necessidade sentida de aprender algo sobre o comportamento dos objetos reais, porque o
homem conviveu sempre com a “simbiose” entre o abstrato e o real, ambos a interagirem.
Tanto isso é indiscutível, lembramos que nos primeiros momentos míticos do homem já se
encontra a necessidade desta relação.
Hoje, dispondo de tantos objetos culturais à nossa volta e em nós mesmos, vivemos
uma aproximação jamais vista entre o real e imaginário (e o que imaginamos que ainda não
foi feito) e entre a realidade palpável do universo físico e os pensamentos. A própria mecânica
quântica tem sido vista, por muitos físicos, como sendo cheia de mistérios e paradoxos, a que
os místicos recorrem para apoiar suas visões. Lembramos que a ciência depende em larga
medida da quantificação dos fenômenos que estuda. A fonte da maioria dessas alegações em
torno de mistérios e paradoxos pode ser referida à denominada dualidade onda-partícula da
física quântica, uma vez que os objetos físicos, em nível quântico, parecem possuir
propriedades tanto locais, reducionistas, de partícula, representadas por conexões entre
eventos espacialmente separados – partículas e rede de partículas - de onda, quanto
propriedades não-locais, que são instantâneas e não podem ser previstas: elas simplesmente
acontecem. Está aí a mecânica quântica a nos demonstrar esse novo quadro de coisas,
sobretudo, no que diz respeito ao misticismo quântico, associado a uma entidade matemática
abstrata, o estado quântico, em que as áreas imbricam-se cada vez mais, pois o
indeterminismo é um tema que convoca interesses da matemática, da física, da filosofia e
ainda de outras disciplinas, o que pode contribuir para quebrar antigas barreiras entre as várias
“culturas”. Quem é capaz de negar, embora o seja mais evidente na física e na química, as
infiltrações dos “rizomas matemáticos” de ponta a ponta na biologia, não apenas desde que a
vida começou a ser estudada na escala atômica e molecular pela biologia molecular, mas
muito antes? Se conferirmos mais proximamente, veremos que, com os primeiros pensadores
da humanidade, começa a grande pergunta onde já está presente a matemática: “O que é a
vida”?
87

E foram eles muitos, a exemplo de Aristóteles, que formulou a geração espontânea,


primeira teoria científica de origem da vida que conhecemos, antes mesmo de alguns
expressivos nomes de épocas mais próximas de nós. Esta teoria supunha a existência de um
“princípio ativo” organizador dentro de certas porções da matéria inanimada, diferente, de
acordo com o tipo de ser vivo, e que também tornaria possível que seres vivos completamente
formados eventualmente surgissem a partir da matéria bruta; o inglês Robert Hooke que fez
descrições de observações microscópicas de células e telescópicas e a quem é atribuído a
autoria do termo "célula", em 1665 (à época também professor de Geometria); o holandês
Antoni Van Leeuwenhoek que promoveu o melhoramento do microscópio, além de ter
contribuído com as suas observações para a biologia celular; Francisco Redi, notável médico,
físico e poeta italiano que deu um dos primeiros passos para a refutação da teoria da abiogêne
(do grego a-bio-genesis, “origem não biológica”), ou geração espontânea, que designa de
modo geral a origem da vida a partir de matéria não viva; o padre, fisiologista e estudioso das
ciências naturais, Lazzaro Spallanzani, cujo trabalho centrou-se na investigação da teoria da
geração espontânea, para refutar o religioso e cientista inglês John Turberville Needham, que
tentou comprovar as idéias da abiogênese; do naturalista britânico Charles Robert Darwin que
se destacou historicamente com sua teoria da evolução e proposição de uma teoria para
explicar como ela se dá por meio da seleção natural e sexual, que se desenvolveu no que tem
sido ainda considerado o paradigma central para explicação de diversos fenômenos
biológicos; o cientista francês, Louis Pasteur que fez declinar de vez a abiogênese, triunfando
definitivamente a biogênese (teoria biológica, segundo a qual a matéria viva procede sempre
de matéria viva) e criou as vacinas, entre elas, a anti-rábica; o russo Aleksandr Ivanovich
Oparin, considerado uma das maiores autoridades sobre a teoria que explica a origem da vida;
e Erwin Rudolf Josef Alexander Schrödinger, físico austríaco famoso e polemizado até hoje
pelo seu experimento conceitual (de caráter mental) conhecido como o Gato de Schrödinger,
pensado como exemplo para mostrar claramente as diferenças existentes entre o mundo
cotidiano e o mundo quântico. É um dos fundadores da Mecânica Quântica, especialmente,
criador da Equação de Schrödinger com que recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1933.
Schrödinger, que tinha profundos e amplos interesses intelectuais também pelas “áreas
da filosofia e da biologia, além de dar continuidade ao seu trabalho sobre física teórica”, é
comemorado até hoje em função de sua palestra O que é vida?, proferida em Dublin, em
1943. Foi a partir desta palestra que começaram as grandes discussões em torno da questão da
“ordem a partir da ordem” (na maneira mediante a qual os organismos ‘transmitem’
88

informações de geração à geração). Ao fazer esta abordagem sinalizou aos físicos que chegara
o momento de considerarem no seu trabalho os problemas biológicos, alegando que os seres
vivos podiam equivaler a sistemas físicos.
Mas há algo que nos chama a atenção na discussão sobre O que é vida - que
trouxemos à tona e que queremos vincular com o percurso traçado para dar conta de uma
questão que é tão importante em seu aspecto singular quanto àquela da nanotecnologia. É que,
ao tratar da ordem a partir da ordem, ter por preocupação, também, o tema da ordem a partir
da desordem e a questão de Por que são os átomos tão pequenos”, reacende o retrato
matemático e físico que emerge dos cálculos implicados nas relações entre átomos, tamanho
do átomo e dimensões do gene, partículas, agregado de milhares de átomos e precedente
análise das propriedades dos átomos. Suas considerações sobre a problemática do
enfrentamento da célula face à existência de genes, por exemplo, com tamanho estimado em
cerca de mil átomos, como no caso das alterações resultantes de mutações ocorridas na mosca
da fruta, foi culminar em trabalhos com a estrutura do DNA (Ver Figua 11) e na biologia
molecular.

Figura 11: Esqueleto estrutural do DNA: Consiste em duas cadeias helicoidais, enroladas uma ao redor da outra,
formando uma dupla hélice que gira ao longo de um mesmo eixo imaginário, mostrando-se os
parámetros de uma geometria perfeita, a inspirar as nanomáquinas. Todos os seres vivos são
constituídos então de verdadeiras nanomáquinas moleculares (DNA, RNA, ribossomos etc.), que
funcionam em escala atômica e coordenam os átomos e as moléculas, de maneira extremamente
precisa, com muito mais sucesso. A equipe do professor Ron Naaman, do Instituto Weizmann,
Alemanha, construiu Nanotransistores com DNA e nanotubos de carbono (Disponivel em:
<http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=010165041229>. Acesso em
12 de outubro de 2007). Vale lembrar que as propriedades de um átomo de carbono são as mesmas,
independente de ele estar dentro de uma molécula ou de um nanotubo.
Fonte: (imagens trabalhada pela autora) Structural Biology Lab. Disponível em
<www.sinica.edu.tw/~wanglab/research_sac7d.htm>. Acesso em: 12 de novembro de 2006.

Essas considerações sobre a contribuição de varias áreas para o entendimento da vida


e da natureza registram não apenas a importância de um físico ter se transportado de sua área
de trabalho para uma outra que não era sua especialização, a possibilitar novas discussões
89

inspiradoras a pesquisadores de outras áreas, a exemplo dos avanços da engenharia molecular,


ou seja, a engenharia na escala atômico-molecular, considerada escala última da matéria
ordinária, onde os materias tradicionais são substituídos por moléculas orgânicas, como o
DNA, dando origem ao que está sendo chamado de “nanoeletrônica” (em contraponto à
microeletrônica), à frente, entre outras coisas, da indústria da informática e da nanorobótica.
Lembrando que o conceito mais comum de “verdade” remonta a Platão, que a define em
termos ontológicos como conformidade ou adequação entre o pensamento e a realidade,
ao afirmar que a “verdade” é a “adequação” ou “correspondência” entre a “razão” (logos) e o
“ser”, ou entre o “discurso” com a “realidade”. Esta relação platônica foi sintetizada por
Aristóteles, colocando a verdade como a adequação ou correspondência do que pensamos
com a realidade, relação a partir da qual este filósofo acentuou o papel da lógica da
linguagem.
O que consideramos de relevância é que este momento nos reportou à questão da
‘verdade’56, lembrando dos procedimentos similares que são aplicados às proposições de
ciências formais como a matemática, que são usualmente campo de aplicação da teoria
coerencial da “verdade”, em que se faz valer as diversas proposições geométricas. Fomos,
transportados à questão da ‘verdade’ dos axiomas e ao edifício denominado matemática,
construído a partir de Euclides bastante questionado, desde Einstein, com descrições das
experiências físicas se referindo a objetos macroscópicos.
A Geometria, como ciência dedutiva, foi criada pelos gregos. Mas, apesar do seu
brilhantismo, faltava operacionalidade à geometria grega. Mais do que isso, somente no
século XVII, a álgebra estaria razoavelmente aparelhada para uma fusão criativa com a
geometria, deixando associar equações a curvas e superfícies. Descartes, contemporâneo de
Kepler e de Galileu, inclui a aplicação da álgebra à geometria estabelecendo novas relações
entre problemas aparentemente desconexos quando tratados apenas em caráter geométrico,
dando origem à geometria cartesiana. Ao unificar a aritmética, a álgebra e a geometria, criou a
Geometria Analítica, um método que possibilitou a representação dos números de uma
equação como pontos em um gráfico, as equações algébricas como formas geométricas e as
formas geométricas como equações, sendo por seus significativos avanços considerado até

56
Na epistemología, um axioma é uma “verdade evidente”, que não admite demonstração mediante a intuicão
racional e sobre a qual se sustenta o resto do conhecimento, ou sobre a qual se constroem outros conhecimentos.
Nem todos os epistemólogos estão de acordo que os axiomas existam dessa maneira. Na matemática, um
axioma não é necessariamente uma verdade evidente, mas uma expressão lógica utilizada em uma dedução para
se chegar a uma conclusão. Em matemática se distinguem dois tipos de axiomas: axiomas lógicos e axiomas no-
lógicos.
90

hoje o filósofo que individualmente mais contribuiu para o progresso das ciências exatas. E
isto só foi conseguido mediante a álgebra como princípio unificador.
São já esforços matemáticos com o intuito de mostrar como se comporta uma
definição de “verdade” aplicada a proferimentos, a argumentos e a proposições, que melhor
descreve o espaço real em que nós existimos, melhor dizendo, nossa “versão” de natureza.
Geometrias de novas dimensões, as consideradas “não-euclidianas”, começaram a expressar-
se a partir da Teoria da Relatividade (na visão relativista, o velho espaço de três dimensões
tem de ser substituído por um novo espaço-tempo, de quatro dimensões e, além disso, a
geometria desse espaço-tempo não é euclidiana, e sim minkowskiana) e da Mecânica
Quântica, a dizer-se que elas contemplam a possibilidade de transformarem radicalmente a
concepção do homem em relação ao mundo.
Citamos algumas geometrias que foram construindo a vida e o mundo: Geometria
Minkowskiana (de Hermann Minkowski), Geometria Fractal (de Benoît B. Mandelbrot);
Geometria Hiperbólica (creditada a Carl Friedrich Gauss, Johann Bolyai, Nikolai Ivanovich
Lobachevsky e Jules Henri Poincaré57); Geometria Elíptica ou Riemanniana (de Georg
Friedrich Bernhard Riemann); Geometria Algébrica; Geometria Analítica; Geometria dos
“fulerenos” ou “buckybolas”. Com relação a esta última, assinalamos que os fulerenos
lembram as cúpulas ou domos geodésicos (abóbada hemisférica ou esferóide), criados pelo
arquiteto Richard [“Bucky”] Fuller, que são estruturas que se baseiam no fato de que quando
três triângulos se combinam de modo a formar uma pirâmide, cuja própria base é também um
triângulo, forma-se um tetraedro. Se forem juntados vários tetraedros para formar uma esfera,
cortando-se a esfera ao meio, forma-se um hemisfério e se revela, assim, uma “cúpula” ligada
intimamente à nanotecnologia. Os fulerenos são o modelo de nanomaterial, geometria muito
semelhante à das cúpulas de Fuller, de extraordinária resistência e de leveza excepcional,
importante para a arquitetura, com o objetivo de criar abrigos versáteis, leves e flexíveis, ou
máquinas de habitar capazes de se modificarem conforme as necessidades de quem as habita
(como mostra a Figura 12).

57
Poincaré inventou um “mapa” transportando todo um plano do espaço hiperbólico para dentro de um círculo,
bastante prático para ajudar na visualização do plano hiperbólico, mapa esse que foi usado por Maurits Cornelis
Escher, em algumas de suas gravuras.
91

Figura 12: American Pavilion, criação do arquiteto Richard Buckminster Fuller, localizado em Quebec, Canadá,
que nos remete à Arquitetura no NanoSpace. O Pavilhão norte-mericano (da Exposição Mundial
de 1967) hoje em dia é denominado de “Biosfera”, uma aplicação exemplar da estrutura
designada por cúpula geodésica, ou domos geodésicos, conceitos desenvolvidos pelo trabalho de
Fuller.
Fonte autorizada: Wikipédia (imagem trabalhada pela autora). Disponível em: <pt.wikipedia.org/ - 70k>.
Acesso em 13 de janeiro de 2008.

Nos remetendo aos fractais, lembramos que o termo “fractal” foi introduzido em 1975.
A geometria fractal estuda as formas e figuras que possuem recursividade e dimensão
fracionária, denominando uma classe especial de curvas definidas recursivamente, que
produzem imagens reais e surreais, de modo que uma estrutura geométrica ou física apresenta
uma forma irregular ou fragmentada em todas as escalas de medição. Logo, a geometria
fractal é o ramo da matemática que estuda as propriedades e comportamento dos fractais, em
subconjuntos complexos de espaços métricos. Quando os objetos estudados são subconjuntos
gerados por transformações geométricas simples, do próprio objeto, nele mesmo, fala-se em
geometria de fractais determinísticos. O objeto é composto por partes reduzidas dele próprio.
Os belos trabalhos de Escher, sem conhecimento específico prévio, mas através do
estudo sistemático e da experimentação, são apoiados em conceitos matemáticos,
relacionados principalmente com a geometria. O Moebius Strip II (como é mostrado na
Figura 13) é inspirado na concepção da fita do matemático e astrônomo alemão August
Ferdinand Moebius, que é uma superfície de duas dimensões com um lado só e foi o embrião
de um ramo inteiramente novo da matemática conhecido como “topologia”, o estudo das
propriedades de uma superfície que permanecem invariantes quando a superfície sofre uma
deformação contínua. Formigas percorrem uma faixa contínua com o formato do número oito.
Acompanhando seu percurso, percebe-se que elas estão sempre do mesmo lado da faixa:
92

simplesmente não tem avesso. Com a ajuda da Geometria


Topológica, nada é o que aparenta ser no trabalho surpreendente do artista holandês.
Sua obra está apoiada em conceitos matemáticos, extraídos especialmente do campo da
geometria. Esta era a fonte de seus efeitos surpreendentes. Foi com base nestes princípios que
Escher subverteu a noção da perspectiva clássica para criar suas figuras impossíveis de existir
no espaço “real”. Está nas obras de Escher a simetria, o híbrido entre estética e matemática.
Tal como Escher faz, a nanotecnologia é uma ciência dos materiais inspirados na natureza,
numa demonstração também de relação entre as duas culturas (ciência e arte).

Figura 13: Moebius Strip II, de Maurits Cornelis Escher.


Fonte: Planeta Aleph (imagem trabalhada pela autora).Disponível em:
<http://planeta.aleph.googlepages.com/>. Acesso em 12 de janeiro de 2008.

Todas as conquistas matemáticas descritas vão além da capacidade intuitiva da mente


humana (evidentemente de origem mental), mas revelam aspectos da realidade que nos
impedem tanto de tomar posição idealista, racionalista, empirista, quanto realista, quando
corroboradas mediante experiência científica, em que o papel da ‘escala’, enquanto um
método de ordenação de grandezas físicas e químicas, qualitativas ou quantitativas, que
permite a comparação e relação existente entre as medidas e as distâncias, torna-se o grande
marco de distinção.
Como chegamos à “Geometria dos fulerenos” (Ver Figura 14), importante para
93

entender a nanotecnologia, para termos uma idéia pelo menos que nos dê um indício de onde
ela vem, em que átomos de carbono formam pentágonos e hexágonos à semelhança de uma
bola de futebol, podemos dizer que os conceitos geométricos estudados por Fuller
sobreviveram ao seu criador de forma inesperada. Exemplificamos com a estrutura biológica
dos vírus, dos quasicristais (interessantes quando o assunto é a diminuição do atrito)58 e dos
buckminsterfullerenos, demonstrando que este arquiteto soube interpretar os fundamentos
geométricos da natureza, indo muito além do que, talvez, ele mesmo pudesse prever.

1. 2.

Figura 14: Fulereno (Buckminsterfullerene). O Fulereno mais conhecido é uma molécula C60, como no quadro 1,
cujos 60 átomos de carbono estão dispostos nos vértices de um icosaedro truncado. Esta forma, que
apresenta 12 pentágonos e 20 hexágonos como faces, tem a forma familiar de uma bola de futebol
(Bucky Ball). Já a molécula C20, no quadro 2, não tem hexágonos, somente os 12 pentágonos. Uma
molécula C20 é o menor Fulereno, que não tem hexágonos, apresentando somente os 12 pentágonos.
Além dessa minúscula Bucky Ball, foram geradas pelos pesquisadores duas outras formas, os
“isômeros”, do C20, uma em forma de anel e outra com um formato que lembra uma tigela.
Fonte: Schlumberger. (imagens trabalhadas pela autora). Disponível em:
http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.seed.slb.com/pt/scictr/watch/fullerenes/images/c60.jpg
&imgrefurl=http://www.seed.slb.com/pt/scictr/watch/fullerenes/begin.htm&h=198&w=200&sz=13&
hl=pt-
BR&start=4&um=1&tbnid=71HXyNt_jZ9veM:&tbnh=103&tbnw=104&prev=/images%3Fq%3Dfule
reno%26um%3D1%26hl%3Dpt-BR%26rlz%3D1T4ADBF_pt-BRBR236BR237%26sa%3DN. Aceso
em 12 de janeiro de 2008.

Lembramos aqui do documentário que assistimos, intitulado “Observando a


natureza”59, em que muito nos impressionou a geometria que as abelhas usam para fazer os
alvéolos do favo de mel (Ver Figura 15) em formas “econômicas”, mediante perfeitos

58
Da mesma forma que os cristais normais, os quasicristais consistem em átomos que se combinam para formar
estruturas geométricas, como triângulos, retângulos, pentágonos etc., que se repetem em um padrão. Mas, ao
contrário do que acontece nos cristais, seu padrão não se repete a intervalos regulares. As ligas metálicas
quasicristalinas, uma vez que entre suas propriedades, combinam-se as propriedades de resistência à abrasão e ao
calor das resinas antiaderentes com a condutividade térmica própria dos metais, são usadas em grande número de
aplicações industriais, a exemplo das conhecidas panelas antiaderentes.
59
Sueli Costa e Maria Alice Grou. Observando a Natureza. Campinas: Unicamp. 2004. 1 fita de vídeo, 15min.
94

compartimentos hexagonais para alojarem o mel; em outros modelos, como o que inspira
soluções para problemas como encontrar o formato ideal para uma região de plantio. São
geometrias no mundo, bastante interessantes quanto à observação das formas da natureza, que
trabalham a abstração do conceito de semelhança e discutir as conseqüências dos diferentes
fatores de crescimento para comprimentos, áreas e volumes quando ampliamos figuras.

Figura 15: Favos de abelhas. As abelhas têm seus favos em formato hexagonal, ou seja, a natureza está toda
“modelada” matematicamente. Relaciona o pentágono com flores como jasmim-estrela, por exemplo,
estrela do mar, flor de seda etc.
Fonte: Acervo da autora.

Lemos também, em uma reportagem60, que na seqüência da devastação do Furacão


Katrina, os abrigos destinados a cuidar dos vivos e a montagem logística de apoio às vítimas
foram inspirados nas cúpulas geodésicas e na ‘dymaxion’ de Fuller, duas de suas grandes
invenções. Assim como pareceu a Fuller, a natureza nos aparece também, como a grande
mestra e fonte onde o homem se deve inspirar, no caminho iniciado pelos antigos gregos (Ver
Figura 16). Em outra reportagem61, ficamos cientes de que o pesquisador do Departamento de
Química e Bioquímica da Universidade Estatal da Flórida, Harold Kroto, que recebeu o Nobel
de Química em 1996 junto com Robert F. Curl Jr. e Richard E. Smalley pela descoberta de
fulerenos (C60 Buckminsterfullerene, a nova forma de carbono na qual os átomos são
arranjados em conchas fechadas), tem abordado os temas “Arquitetura no NanoSpace” e
“2010, A Nanospace Odyssey”.

60
Documentário - Comandante Fuller e a Nave Espacial Terra: Viver intensamente a baixo custo. (2006).
Disponível em: <http://www.oasrs.org/conteudo/agenda/noticias-detalhe.asp?noticia=101>. Acesso em: 12 de
dezembro de 2007.
61
On Nanomedicine, Geriatric Care, Brain Injury: Nobel Laureate Keynote Speaker. Disponível em:
<http://www.medicalnewstoday.com/articles/51350.php>. Acesso em: 12 de dezembro de 2007.
95

2)

3)

1)

Figura 16: Arte e técnica na nano. A arte e a técnica se entremeiam na nanotecnologia: 1) Arte de Mary Ann on-
Frenk's, inspirada nos domos geodésicos de Richard Buckminster Füller (Buckminster), que
compreendeu a metafísica e a cósmica da geometria, inspirou o trabalho de Mary Ann Thompson-
Frenk, uma artista de Dallas, cujo trabalho tende a ter uma coloração espiritual, na alta mulher de 7 pés
de altura (2,1 m) moldada com palitos formados em cúpulas geodésicas.
Fonte: Foto do jornalist, John Ater. Disponível em: <http://www.thompsonfineartsinc.com/>. Acesso em: 15 de
janeiro de 2008. 2.
2) O emprego das técnicas de Origami (acervo da autora) oferece informações geométricas, fundamentais na
construção de modelos, para ter-se uma idéia de um conjunto de novos tipos de moléculas de carbono,
os “fulerenos”. Os fulerenos inspiraram a grande simplicidade e versatilidade dos “origamis” de DNA
do pesquisador Paul W.K. Rothemund, especialista en nanotecnología do California Institute of
Technology, Pasadena, Califórnia, o convertendo em uma revolução dentro da arquitetura à nanoescala.
3). Físicos da International Business Machines (IBM) conseguiram fazer um pequeníssimo logotipo
dessa empresa reunindo 35 átomos de xénon depositados sobre uma superfície de prata. Fonte: Blog De
Rerum Natura: http://dererummundi.blogspot.com/2007/05/breve-histria-da-nanotecnologia.html.
Acesso em 14 de janeiro de 2008.
96

No final de uma de suas palestras62, respondendo às perguntas vindas da platéia, Kroto


afirmou que o conhecimento científico tanto pode ser usado para o bem da humanidade como
para construir mecanismos autodestrutivos, a exemplo da bomba atômica. Neste aspecto, o
químico defendeu como garantia de uso benéfico da tecnologia possibilitada pelo
desenvolvimento científico um forte sentido coletivo de responsabilidade social. Solicitado a
indicar o nível em que a Mecânica Quântica pode ser aplicada à vida comum, o pesquisador
respondeu que o conceito mais importante desta ciência é a ligação, a mesma a contribuir para
que a humanidade se adapte às alterações céleres verificadas na tecnologia, no mundo do
trabalho e na vida cotidiana, dependentes cada vez mais de uma economia global, caminhando
para uma auto-suficiência que evite a disrupção.
Todas essas imbricações geométricas estão patentes na história do campo das
tecnologias desde seu surgimento, ao se utilizar de cálculos para projetar uma obra ou criar
um produto. A construção da obra ou a fabricação do produto trazem ao mundo aquilo que
antes foi somente pensado, e foi assim desde a geometria fundamentada na percepção
sensorial dos babilônios à quase invenção do cálculo por Euclides de Alexandria (360 a.C. -
295 a.C.) com sua geometria plana e espacial, que ajuda a lidar de modo mais eficiente com
nossas intuições de espaço, e por Arquimedes (287 a.C. - 212 a.C.), passando por Galileu
Galilei (1564-1642), para quem o mundo era um livro escrito em linguagem matemática e em
caracteres geométricos, com sua geometria dos indivisíveis (átomos dotados de movimento
incessante, que sustentava a geometria euclidiana). Seguiram-se as contribuições do
astrônomo Tycho Brahe (1546-1601), cujas observações possibilitaram ao também astrônomo
Johannes Kepler (1571-1630) relacionar as órbitas planetárias a elipses, rumo à grande
criação do “Cálculo Integral e “Diferencial” - resultado de uma co-invenção de Sir Isaac
Newton (1643-1727), com sua mecânica clássica, geometria euclidiana métrica e extrínseca;
Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716) e James Clark Maxwell (1831-1879) com sua
geometria igualmente euclidiana métrica e extrínseca, como em Newton, inaugurando a
Eletrodinâmica Clássica.
Neste ponto, é importante acrescentar que essa reconstituição que fazemos do percurso
matemático não é em vão. Como é colocado por Michael Francis Atiyah (2002, pp. 10-25),
um dos nomes expressivos da matemática do século XX, se analisarmos comparativamente os

62
Sir Harold Kroto, Prêmio Nobel da Química 1996: ciência versus cultura pop. Artigo publicado no jornal
Nova em Folha, edição nº 37, Abril 2006. Disponível em:
<http://sol.sapo.pt/blogs/isabelmetello/archive/2007/09/21/Sir-Harold-Kroto_2C00_-Pr_E900_mio-Nobel-da-
Qu_ED00_mica-1996_3A00_-ci_EA00_ncia-versus-cultura-pop.aspx>. Acesso em: 12 de dezembro de 2007.
97

trabalhos de Newton e Leibniz, observaremos que ambos pertencem a tradições diferente:


Newton era fundamentalmente um geômetra, Leibniz era fundamentalmente um algebrista.
Havia boas e profundas razões para isso. Que isso quer dizer? Segundo pudemos apreender
dessa leitura, que consideramos muito oportuna e interessante, Newton considerava a
geometria - ou o “cálculo” que desenvolveu – como a tentativa matemática para descrever as
leis da natureza. Seu interesse pela física era “em sentido lato” e por considerar que ela tinha
lugar no mundo da geometria, defendia que, para perceber como as coisas funcionavam,
“pensava-se em termos do mundo físico, pensava-se em termos de figuras geométricas” (Ibid,
p.15). Deste modo, ao desenvolver um cálculo, o de quilo, por exemplo, tinha em mente tanto
quanto possível o contexto físico subjacente, usando argumentos geométricos para manter-se
próximo do significado. Leibniz, por sua vez, ambicionava formalizar toda a matemática,
tornando-a uma “grande máquina algébrica”, numa abordagem totalmente oposta a de
Newton, com notações muito diferentes. Neste controvertido embate entre Newton e Leibniz,
a notação de Leibniz acabou por ganhar, e o seu modo de escrever derivadas parciais
prevaleceu.
Para Atiyah (Ibid.), a álgebra tem a ver com a manipulação do tempo, e a geometria,
com o espaço; considera que passar para o cálculo algébrico, é basicamente deixar de pensar,
deixar de pensar geometricamente, deixar de pensar no significado. O autor alega daí a
origem de sua dureza com os algebristas, mas reconhece que o objetivo da álgebra foi
fundamentalmente sempre produzir uma fórmula que se pudesse “introduzir numa máquina,
rodar uma manivela e obter a resposta. Pegava-se em qualquer coisa que tinha um significado,
convertia-se numa fórmula e obtinha-se uma resposta” (Ibid, p. 17). Disso se apreende que
ambas, álgebra e geometria, separadas ou juntas, assim como física e matemática, também
equivalem a correspondentes formas de concebermos a natureza, o homem, a vida, o que
somos.
O surgimento da Geometria Riemanniana marcou os novos tempos da geometria não-
Euclidiana63, em que se passou a geometrias que não eram homogêneas, onde a curvatura
variava de lugar para lugar e não havia simetrias globais do espaço. A matemática prossegue
com Carl Gustav Jakob Jacobi (1804-1851), Sir William Rowan Hamilton (1805-1865), que
desenvolve a mecânica clássica e cujo trabalho em mecânica analítica foi muito influente nas
áreas da mecânica quântica e da teoria quântica de campos, e Jules Henri Poincaré,
introduzindo os conceitos da Geometria Riemanniana na Mecânica Clássica de Newton e na

63
Intrínseca, métrica, conexão, curvatura e torção.
98

Eletrodinâmica Clássica de Maxwell. Albert Einstein (1879-1955) que concedeu enorme


impulso a todo o desenvolvimento da geometria diferencial, emprega e estende as idéias de
Maxwell, Jacobi, Hamilton e Poincaré à geometria riemanniana para generalizar a Mecânica
Clássica, criando as Teorias da Relatividade Restrita e Geral.
Vê-se que ao longo da história, a física tem tido uma longa relação com a matemática
e amplas partes da matemática, a exemplo do cálculo, tiveram seu desenvolvimento para
resolver problemas em física, uma evidência do operar multi e interdisciplinar a tal ponto que
já existe dificuldade de classificar determinados nomes como físicos ou matemáticos. O
século XX viu, então, segundo Atiyah uma mudança surpreendente no número de dimensões.
“Os físicos foram para além disso. Na teoria quântica dos campos estão realmente a tentar
fazer um estudo, muito detalhado e em profundidade, do espaço de dimensão infinita” (Ibid,
p. 22). Eles fazem trabalhando com espaços de dimensão infinita, muito complicados não só
por esta dimensão, mas por usarem funções de vários tipos, por usarem álgebra, geometria e
topologia complicadas.
Com o advento das Teorias de Gauge, também chamadas Teorias de Calibre,
associadas à “simetria de gauge”64 (uma das simetrias fundamentais que existem na física,
implicada com a relação espaço-tempo), - que são uma classe de teorias físicas baseadas na
idéia de que transformações de simetria podem ser locais ou globais -, trouxeram novas
conquistas. Importante lembrarmos que toda a matéria é constituída de elétrons e núcleos
atômicos, e são estes que dão origem aos átomos e moléculas. Os núcleos contêm prótons e
nêutrons e estes, por sua vez, são constituídos por quarks. Essas partículas elementares
interagem entre si, sendo que as forças de interação também podem ser tratadas como
partículas. Podemos assim imaginar que duas partículas interagem entre si pela troca de uma
terceira partícula. Para cada força fundamental da natureza existe uma ou mais partículas
associadas. São as partículas de gauge que atuam como mediadoras nas interações, que
devem existir porque, quando se descobre que o mundo é constituído por partículas, descobre-

64
Uma intrigante questão colocada na física é a questão do “calibre”, ou o gauge (pronuncia-se guêidje). Por
“calibre” ou “gabarito” pode-se entender algo como um instrumento ou medida que se usa como referência, para
comparar valores obtidos por meio de alguma ferramenta. Pode-se dizer que algumas teorias podem ser
"ajustadas" com outros calibres, sem que elas deixem de ser válidas. Quando falamos em calibrar um pneu, por
exemplo, é através do calibrador que a pressão do ar no interior do pneu é regulada. A pergunta por “quanto
calibrar?”, nesse caso, ao que se pode responder 27, deve-se ao procedimento subseqüente que é colocar a
mangueira com pressão na válvula do pneu e consultar o manômetro que indicará a pressão em libras por
polegada quadrada. Daí que a tradução mais correta do termo gauge seria “gabarito”, pois, não necessariamente
o que se vai fazer será medido em libras.
99

se que os campos do eletromagnetismo, da força fraca e da força forte são, na verdade, uma
imensa superposição de muitas e muitas (infinitas) partículas.
Quatro interações fundamentais descrevem todos os fenômenos naturais que
observamos - duas são observáveis no mundo macroscópico (gravitacional e a
eletromagnética), e duas, apenas em escala subatômica (nuclear forte e nuclear fraca). A força
gravitacional e a eletromagnética são as interações fundamentais que se fazem sentir no
mundo macroscópico, inclusive em escala humana. As outras duas - a força nuclear forte e a
força nuclear fraca -, não se revelam em escala macroscópica. Aparecem apenas em escala
subatômica - na verdade, como o nome indica, nas escalas nuclear e subnuclear, portanto a
distâncias tão pequenas ou ainda menores que o décimo do trilionésimo do centímetro, o que
corresponde ao centésimo de milésimo da escala atômica ou à milionésima parte da
nanoescala. Essa descrição de partículas e forças é o modelo padrão das partículas
elementares.
A importância das teorias de gauge está em um ponto de vista formal matemático, ao
se fornecer uma estrutura unificada para se descrever as Teorias Quânticas de Campos
associadas ao eletromagnetismo; daí a importância moderna de simetrias de gauge que
aparecem na Teoria Quântica Relativística. Falar em simetria é um marco essencial porque,
além de procurar-se ressaltar e elucidar o papel central das simetrias na construção de
modelos e teorias para as interações fundamentais, trata-se de um conceito relacionado que
nos lembra: a) a simetria na biologia (divisão imaginária de um ser vivo em partes
semelhantes externamente, a dizer-se que existem animais e plantas assimétricos, com
simetria radial, simetria bilateral etc.); b) a simetria aplicada em manifestações artísticas e no
artesanato, devido ao fato de que a arte teve durante muito tempo e mesmo ainda hoje,
referente à área artística, uma forte inclinação mimética, buscando imitar a natureza, onde a
simetria aparece de diversas formas; e c) a simetria está até mesmo na literatura, como nos
palíndromos e, por isso ela é chamada de palíndromo! Os palíndromos (o termo palíndromo
vem das palavras gregas palin – trás, e de dromos - corrida) são vocábulos ou expressões que
podem ser lidos em qualquer direção sem se alterarem, como uma imagem espelhada, a
exemplo de “ovo”, “Roma me tem amor” etc.
Historicamente, essas idéias foram observadas primeiramente no contexto do
eletromagnetismo clássico e, mais tarde, no contexto da Relatividade Geral. Vale lembrar que
os aspectos geométricos e as propriedades quanto-mecânicas das teorias de gauge
apresentam-se como elementos essenciais na busca por uma Teoria Unificada da Natureza,
100

onde o espaço, o tempo e a matéria se entrelacem numa teoria unificada, uma teoria final que
responda às perguntas sobre a estrutura da matéria que forma o universo e as forças da
natureza. Lembramos que o próprio Einstein gastou os últimos 20 anos de sua vida buscando
tal teoria para explicar o universo. Para Lee Smolin (Apud, SERPA, 2006, p. 74):
A unificação de forças é o santo graal da física desde Johannes Kepler (unificação das órbitas
celestes), passando por Isaac Newton (unificação da gravidade e movimento orbital) James
Maxwell (unificação da luz, eletricidade e magnetismo) e Einstein (unificação da energia e
matéria).

Visto desse modo, tem-se a impressão que a dimensionalidade do espaço-tempo


passou a ser algo que deve ser determinado experimentalmente. É neste “estranho” mundo
onde a geometria e o quantum se encontram, que estamos assistindo muito do que diz respeito
aos princípios físicos fundamentais. Temos ainda a registrar a Teoria de Supercordas (objetos
fundamentais incluem cordas e membranas de diversas dimensões), que fixa o número de
dimensões do espaço-tempo em 10 dimensões (nove espaciais e uma temporal), coisa que
nenhuma outra conseguiu com novos encaminhamentos no sentido de, entre outras questões,
resolver os problemas da gravitação quântica. Segundo o físico Edward Witten (Apud
GREENE, 2001), a Teoria das Cordas é uma parte da Física do século XXI, que caiu por
acaso no século XX (Ibid.).
As revoluções recentes na Física e na Cosmologia efetivamente alteraram de forma
radical as perspectivas sobre o mundo físico, existindo alguns cientistas que defendem que
toda a natureza está sob o controle desta superforça única, como a que explica o que causou o
Big Bang, dando origem ao universo, idéias novas e até mesmo algumas com um caráter
bizarro, como a Teoria da Membrana ou Teoria-M. Trata-se de uma teoria que unifica as
cinco diferentes Teorias das Cordas com a da Supergravidade, uma espécie de
"generalização" da teoria da gravitação (na forma da Relatividade Geral), que tinha também
onze dimensõe: ou seja, ela incluía a Teoria da Relatividade Geral, de Einstein, caracterizada
por uma supersimetria que faz com que a matéria e as forças da natureza sejam tratadas em pé
de igualdade, mas que não foram capazes de gerar uma teoria quântica consistente para a
relatividade geral, que só foram encontradas na década de 1980, com a descoberta da Teoria
das Supercordas - dez dimensões espaciais e uma temporal. A corda deixa de ter uma forma
linear e passa a ter a forma planar, de uma membrana; tudo, matéria e campo (campo é a
porção do espaço onde se exerce uma força), é formado por membranas; o universo flui
através de onze dimensões - comprimento, largura, altura e tempo bem conhecidas por nós, e
mais sete dimensões curvas. Controlando a superforça, o ser humano seria capaz de controlar
101

a dimensionabilidade do espaço e criar, assim, mundos artificiais com propriedades


inimagináveis. Segundo entendemos em Paul Davis (1988), a idéia de superforça é como um
bálsamo que alivia uma expectativa, pois oferece ao leigo uma nova visão do universo, uma
teoria “una” de toda a existência que, se for mesmo verdadeira, poderá marcar o fim da
ciência tal como a conhecemos.
O impacto científico e tecnológico que a Mecânica Quântica trouxe para a cultura do
século XX, não trouxe uma Teoria Quântica da Gravitação (teoria quântica de espaço-
tempo proposta com o objetivo de reconciliar as evidentes incompatibilidades teóricas da
Mecânica Quântica e da Relatividade Geral, embora não se falasse em partícula que media a
gravitação), mas tem lhe conferido o status de teoria física mais bem-sucedida e a mais
fundamental entre as criadas pela ciência. As teorias da física nos seus limites mais extremos,
que são encontrados nos aceleradores de partículas elementares, nos buracos negros e no big
bang, buscam descobrir os constituintes mais básicos da natureza, os átomos no sentido de
Demócrito, e quais as leis que regem seu comportamento. Dentre as inovações conceituais de
destaque, incluem-se a dualidade onda-partícula, o princípio da incerteza (indeterminismo),
o princípio da superposição, além da propriedade conhecida como não-localidade. Todas
essas mudanças, de algum modo, implicaram outra visão de mundo acerca da objetividade da
física.
O físico Richard Feynman considerou que o “mistério” da Mecânica Quântica pode
ser compreendido (no sentido de como funciona), através do experimento da dupla fenda com
“partículas” subatômicas (elétrons, fótons etc). Daí resultaram a) os famosos diagramas de
Feynman (desenhos que representam determinados processos físicos) e a matemática por
detrás desses diagramas permite ao físico calcular quantidades medidas no laboratório e que
obedecem a certas leis físicas, e b) as chamadas regras de Feynman para se escreverem com
os diagramas as amplitudes de processos quânticos envolvendo as partículas. Foram
contribuições que afetaram, em profundidade, a teoria quântica dos campos (de Feynman), e
que se estenderam a vários domínios da física. Dentre suas pesquisas, o seu célebre trabalho
com o desenvolvimento da eletrodinâmica quântica (descreve todos os fenômenos
envolvendo partículas eletricamente carregadas interagindo por meio da força
eletromagnética) agilizou muitos domínios da física do estado sólido, da física nuclear, dos
sistemas de muitas partículas. Com seus diagramas, ele criou a formulação da mecânica
quântica pela teoria das integrais funcionais - as famosas integrais de caminho - que se
mostrou instrumento poderoso em domínios desde a mecânica estatística até as modernas
102

teorias de campos de calibre. O cálculo de amplitudes de espalhamento (efetuado através de


diagramas de Feynman) se constitui num método para se fazer cálculos na teoria quântica de
campos. Ele inventou o Quantum-Elétron-Dinâmica, o mais prático sistema para resolver
problemas em Mecânica Quântica e renormalizou os infinitos que impediam as soluções
exatas das equações quânticas. Com sua Integral de Trajetória, que contém toda informação
de uma determinada Teoria Quântica de Campos (que trata, entre outras coisas, das condições
de contorno dos campos e, sobretudo, do tratamento unificado dos campos), alcançou-se um
patamar em relação à Gravitação Quântica, que integra a Mecânica Quântica e a Relatividade
Geral num mesmo arcabouço matemático. Elas deixaram de existir por si sós e passaram a
constituir uma nova teoria, mais completa e mais profunda, alicerçando o advento da
Nanociência e da Nanotecnologia, com padrões próprios de mensuração, com uma nova visão
de natureza, mas ainda com pesquisas bastante incipientes, existentes na área de percepção
pública e comunicação da nanotecnologia.
Segundo Sandra Elena Murriello, Marcelo Knobel, Carlos A. Vogt, em uma pesquisa,
realizada em 2006, com crianças e adolescentes que visitam a exposição NanoAventura – do
Museu Exploratório de Ciências da UNICAMP/Brasil, especialmente para esse púbico alvo e
que faz parte de um estudo mais amplo, visando mapear o imaginário social sobre a
nanociência e nanotecnologia, os estudos que estão disponíveis mostram que as pessoas estão
muito pouco familiarizadas com a nanotecnologia, existindo uma atitude geral de otimismo
face às novas promessas tecnológicas sobretudo na melhoria da qualidade de vida e em
questões de saúde, embora temores e incertezas face ao invisível-incontrolável estejam
também presentes. Os autores desse trabalho observam, dentre outros resultados, que a
referência a pequenas partículas poderia estar indicando uma concepção sobre a conformação
da matéria; mas esta menção não significa que exista uma compreensão conceitual,
necessitando da formação de conceitos científicos e de mudança conceitual, que são processos
a longo prazo e que precisam de certas condições para acontecer.
Em outra pesquisa desta natureza, realizado na Itália pelo sociólogo Federico
Neresini65, para entender como a população incorpora as novas tecnologias, envolvendo 12
grupos focais em uma amostra de mil enquetes, contemplando pessoas de diversas faixas
etárias e formação de todo o país, a grande maioria não reconhecia sequer o termo
nanotecnologia. A boa receptividade demonstrada mais evidente da nanotecnologia deu-se

65
MURRIELLO, Sandra Elena. PESQUISA DE OPINIÃO: O que os italianos pensam da nanotecnologia?
Disponível em: < http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v59n1/a10v59n1.pdf>. Acesso em 02 de janeiro de 2008.
103

particularmente com referência às suas possíveis aplicações médicas. Uma das questões que o
autor dessa pesquisa apurou foi a existência de uma nova preocupação: “de quem é a
responsabilidade sobre o controle de uso dessa inovação”? Neste ponto, o pesquisador
enfatiza que o problema central diz respeito ao questionamento às instituições e aos
processos, fazendo da questão central de debate um tema que considera controverso e urgente:
a governança da tecnologia. Pensamos que a mesma pergunta vale para o Brasil, em que
essa discussão sobre a governança parece ainda distante, sendo válido o questionamento sobre
se o público brasileiro se sente com direito a opinar sobre o assunto.
Dada a natureza interdisciplinar da Nanociência e Nanotecnologia (N&N), quaisquer
projetos neste domínio implicam necessariamente na congregação de competências
diversificadas não apenas matemáticas, como temos visto, mas que disponham de uma boa
base destas, da Física, da Química, da Biologia e da Filosofia, em que se reconheçam
objetivos bem definidos em suas articulações. Só assim se poderá realmente afirmar que a
nanotecnologia abala as fronteiras, antes nítidas, entre as várias ciências, o que já vem sendo
mostrado nas considerações tecidas anteriormente. A grande questão de foco aqui, que nos
parece não deixar que uma área se sobreponha à outra, é que elementos de características
distintas têm determinadas propriedades quando isolados e adquirem novas propriedades
quando misturados. Na grande maioria dos materiais é isso que acontece; logo, a “mistura”
vai além das partes individuais e de suas especificidades próprias. Mas é bem provável que no
domínio do nano, as boas idéias estarão nas fronteiras das diversas especialidades, sendo
necessário sempre o especial cuidado em distinguir o trigo do joio neste intricado cenário, em
que a mitificação pode se transformar em mistificação, o que se espera conseguir com o
Microscópio de Força Atômica e seus aperfeiçoamentos como uma boa oportunidade.
Independentemente da área, existe um entusiasmo generalizado em vários laboratórios
do mundo inteiro na preparação de determinados materiais com propriedades únicas devido a
efeitos de dimensão, lembrando que com o termo nano, ainda que se refira a objetos de
dimensões bilionésimas, o objetivo perseguido é conseguir coisas grandes. Lembramos que,
conforme esclarecem Melo e Pimenta (2004), são dois os procedimentos gerais para se obter
materiais e dispositivos na escala nanométrica: a) o chamado procedimento “de baixo para
cima” (bottom-up), em que é possível construir o material a partir de seus componentes
básicos (átomos e moléculas) do mesmo modo que uma criança monta um castelo conectando
as peças de um Lego, e b) o procedimento chamado “de cima para baixo” (top down),
utilizando as chamadas técnicas de litografia, que corresponde a uma série de etapas de
104

corrosão química seletiva e extremamente precisa para a preparação final do objeto


nanométrico a partir de um bloco macroscópico do material. Os autores explicam que é como
fabricar um objeto nanométrico pela eliminação do excesso de material existente em uma
amostra maior do material, à semelhança da maneira como um artista trabalha os pequenos
detalhes em uma escultura, fazendo cuidadoso desbaste do supérfluo ou excedente de um
grande bloco de pedra ou madeira (MELO; PIMENTA, 2004, p. 13).

Por sua vez, a pesquisa com base na teoria quântica, cuja semente já estaria situada,
conforme amplamente divulgado no meio científico e na mídia, no século IV d.C., na taça de
Lycurgus66 (Ver Figura 17) do período Romano, mas efetivamente deflagrada por Einstein,
segue e vai apontando novos rumos, que estão em pauta nas grandes discussões atuais,
algumas das quais já indicamos anteriormente: Teoria de Supercordas, Gravitação Quântica
de Laços; Teoria Quântica de Campos em Espaços Curvos; Triangulação Dinâmica e Cálculo
de Regge; Geometria Não-Comutativa, Formulações em Superfícies Nulas, Modelos de
Espuma de Spin; Conjuntos Causais e “Twistors”.

Figura 17: Taça de Lycurgus.


Fonte: Cambridge 2000 Gallery: British Museum: Lycurgus Cup (imagem trabalhada pela autora).
Disponível em: http://www.cambridge2000.com/gallery/html/P70315712.html. Acesso em 12 de janeiro
de 2007.

66
Os sopradores de vidro romanos produziam vidros com nanopartículas metálicas, nomeadamente com
ouro e prata, sendo um dos exemplos mais famosos de artefato a taça de Lycurgus. Esta taça era feita de vidro do
tipo sódico-cálcico (composição ainda utilizada nos dias de hoje, típica dos vidros de janelas) com
nanopartículas de ouro e prata, com 20 nanos em baixo relevo no material de vidro e rubi. A beleza desta taça de
vidro reside no fato de que reflete uma cor esverdeada, enquanto que simultaneamente a luz transmitida é
avermelhada. Tal efeito verificado nessa famosa peça romana, que hoje é fonte de inspiração para muitos
cientistas nanotecnológicos, só foi conseguido através da incorporação de nanopartículas metálicas.
105

De tudo o que foi apresentado anteriormente, podemos apreender que a coexistência


de pesquisas que se orientaram por múltiplas grandes teorias (que alguns preferem denominar
paradigmas da ciência, no rastro de Kuhn), grifou os últimos séculos com um forte marca da
produção científica multidisciplinar, culminando na nanotecnologia.
Após termos feito o percurso que fizemos até aqui, a nós parece que há na essência da
nanotecnologia uma aproximação muito íntima entre ‘técnica’ e ‘arte’, nos possibilitando
vislumbrar a techne grega, que tinha um significado muito amplo, uma vez que se referia a
toda profissão prática que fosse baseada em um conjunto de conhecimentos especiais,
compreendendo-se nesta categoria não apenas a arquitetura, a escultura, a música, a poesia,
mas também a engenharia, a medicina, a estratégia bélica e a arte de navegação, atividades
práticas, especializadas, que exigiam a posse de conhecimentos exatos, seguros, formulados
em regras gerais. Desse modo, não existia a distinção que hoje se faz entre artistas, artesãos,
técnicos qualificados e ‘cientistas’.
Segundo Vernant (2002, p.142), a experiência social na Antiguidade era objeto de uma
reflexão positiva e se prestava na cidade ao debate público de argumentos:
O declínio do mito data do dia em que os primeiros sábios puseram em discussão a ordem
humana, procuram defini-la em si mesma, traduzi-la em formas acessíveis à sua inteligência,
aplicar-lhe a norma do número e da medida. Assim se destacou e se definiu um pensamento
propriamente político, exterior à religião, com seu vocabulário, seus conceitos, seus princípios,
suas vistas teóricas. Este pensamento marcou profundamente a mentalidade do homem antigo;
caracteriza uma civilização que não deixou, enquanto permaneceu viva, de considerar a vida
pública como o coroamento da atividade humana.

Hesíodo já havia iniciado uma cosmologia, representada pela pujança de criação


mitológica que agirá por muito tempo ainda no pensamento dos precursores da filosofia
científica e, “sem a qual não se poderia conceber a atividade prodigiosa que se expande na
criação das concepções filosóficas do período mais antigo da ciência”.
Desde o modo de pensar grego, ao momento em que aparece o “eu racional”,
imprescindível se faz retomar o termo physis, em seu significado originário, que não se iguala
ao termo “física”, na moderna concepção que dela temos hoje. Jaeger (1979, p. 196), a este
respeito se pronuncia quanto ao que se refere à physis: “O seu interesse fundamental era, na
realidade, o que na nossa linguagem corrente denominamos metafísica. Era a ele que se
subordinavam o conhecimento e a observação física. Há de início um devotamento ao
conhecimento do ‘cosmos’, ao estudo e aprofundamento do ‘ser’, em si mesmo. Um
devotamento à ‘meteorologia’ em sentido mais vasto e profundo, às ciências das coisas do
alto” (Ibid., p. 195). Vernant (Ibid.) reconhece que o grego arcaico não tinha conhecimento de
106

uma oposição entre pessoalidade e natureza, sujeito e objeto.


Quando se colocou o problema da origem e essência do mundo, se desenvolveu
progressivamente a necessidade de ampliar o conhecimento dos fatos e a explicação dos
fenômenos particulares. Foi então que, da aproximação dos gregos com o Egito e os países do
Oriente, adotaram-se novas técnicas, como na agrimensura, na náutica, na observação do céu,
e a resolução de certos problemas por meio de “mitos” referentes ao nascimento do mundo e
às histórias dos deuses. Essas observações empíricas que os gregos assumem desses povos
enriquecem as suas próprias, afetando seu pensamento teórico e causal, direcionando-os ao
reino dos mitos, cujo desapego virá apenas mais tarde. Conforme argumenta Jaeger (Ibid, p.
197): “É neste momento que assistimos ao aparecimento da filosofia cientifica’. Surge a
designada “escola milesiana” - forma que Jaeger considera anacrônica - com seus célebres
gregos, a proporem e resolverem problemas, abrindo caminhos e fornecendo conceitos
fundamentais à física de Demócrito até Aristóteles.
Duas gerações mais tarde (Ibid, p. 1037), Aristóteles define a relação entre a arte e a
natureza, aludindo que “não é esta que a arte imita, mas sim que a arte se inventou para
preencher as lacunas da natureza”, assinalando para nós o principio de que a natureza tem
“uma estrutura adequada a um fim e vê nela o protótipo da arte”. Na obra “Da Dieta”, famosa
na baixa Antiguidade, cujo autor não encontramos, era apresentada uma forma mais mística
da concepção teleológica, segundo a qual todas as artes são imitações da natureza do homem
e devem ser interpretadas a partir das analogias ocultas com ela (Ibid.), abrindo-se um novo
quadro: a multiformidade e a disseminação da idéia “na medicina do tempo” da physis
individual concebida como um ser que “age de acordo com um fim”, descobrindo a natureza
“por si própria os meios e as vias necessárias, sem precisão de uma inteligência à ação
consciente”. Para a ciência antiga, então, a ação teleológica da natureza estará essencialmente
vinculada à existência dos “seres animados”, os que interessam à medicina até o século XIX,
na idéia de que a natureza se basta a todos, em todas as coisas (Ibid, p. 1040), imagem da
natureza como força espontânea e inconscientemente teleológica; caracterizando a polis
grega, mesmo na sua forma democrática, como uma aristocracia social, comum também ao
helenismo clássico, a perseguir o ideal do “homem são”.
Por outra parte, existia o conceito de areté (virtude), que para o grego dizia respeito à
condição de ser “bom” para algo, de saber executar “bem” uma ação. Exemplifica-se com a
areté a excelência significativa dos atletas, a dos músicos, a qualidade do médico ou do
general, entre outros, que os qualificasse como bons ou virtuosos. Significava, pois,
107

habilidade que se sobressaia, eficiência, excelência ou mérito em uma tarefa ou ofício, o


mesmo sentido com que também nós usamos, freqüentemente, o termo virtude para significar
ser bom em algo.
Interessante pensar que na Idade Moderna, a técnica foi incorporada ao saber (ciência),
e esta fusão abriu um novo espaço de conhecimento, resultando na “tecnologia”, uma técnica
que emprega conhecimentos científicos e que, por sua vez, fundamenta a ciência, quando lhe
dá uma aplicação prática, a dizer-se comumente que a tecnologia é então o conhecimento
aplicado, como se fosse um “corpo” concedido à “alma”, ou seja, a ciência seria a “alma” que
precisaria de um “corpo” para objetivar-se no mundo. Vamos nos defrontar daí em diante com
a técnica orientada por um logos cartesiano a fim de que o homem, como “centro do mundo”,
realizasse a realidade com base em seus desejos de expansão. Nessa cultura, o homem pode
tudo. É assim que o espírito se transforma em inteligência e linguagem restringindo-se a
exercer função mediadora dos meios de troca, não mais sendo ‘a casa do ser’, como queria
Heidegger, mas um instrumento a mais de dominação.
Assim é que, para abordarmos a própria evolução da escala de medidas, no caso a que
nos interessa particularmente aqui, ou seja, a nanométrica, relevamos os primórdios que têm
relação com as questões em torno a possibilidade da filosofia grega ter-se envolvido com os
problemas da natureza e não com os relativos ao homem, problema que não foi, a princípio,
encarado pelos gregos, do ponto de vista teórico e que segundo Jaeger (1995, p.193), só vai
acontecer bem depois, “nos estudos dos problemas do mundo externo e particularmente da
Medicina e da Matemática, com a descoberta de intuições do tipo de uma techne exata, que
serviram de modelo para a investigação do “Homem interior”. Com o novo pensamento
moderno, deixou-se de fazer uma simples descrição de fatos, em favor de justificar a natureza
do mundo que foi se revelando como um cosmos, isto é, como uma comunidade jurídica das
coisas, que afirmam o seu sentido na incessante e inexorável geração e corrupção, quer dizer,
naquilo que a existência tem de mais incompreensível e insuportável para as aspirações da
vida do homem ingênuo. Se os gregos tinham o logos na era clássica, que não lhes favoreceu
uma civilização tão ‘miraculosa’ quanto a nossa, não existiu na realidade uma física grega,
pela ausência da experimentação e da aplicação do cálculo à realidade, particularmente, os
fenômenos exteriores, que não se prestam a demonstrações nem ao cálculo, pois, na realidade,
não tentaram compreender o que contradizia esse princípio lógico de identidade.
Se existe mesmo uma natureza especificamente humana, portanto, pode-se pensar que
as raízes desta especificação se assentam na capacidade do ser humano de transformar o
108

mundo e modificar a si mesmo. Desta arte-habilidade de moldar o mundo, que começou com
a techne, mediante a oposição entre ‘natureza’ e ‘homem’, com o trabalho da ciência e da
técnica alicerçando esta cisão, foi resultando o “motor” que forjou as primeiras manifestações
de poder, uma vez que a chance do sucesso era exatamente usar das ferramentas e das
potencialidades do trabalho para aumentar a produção dos meios de vida e em conseqüência,
ampliar ao máximo as chances de sobrevivência.
Em princípio, a idéia de cosmos encontra-se - embora sem o sentido rigoroso que teve
mais tarde - na concepção de um acontecer natural governado pela dike eterna, de
Anaximandro. Podemos, assim, caracterizar a concepção do mundo de Anaximandro como a
íntima descoberta do cosmo. A idéia do cosmos mostra, com simbólica evidência, a
importância da primitiva filosofia natural para a formação do homem grego.
O conceito de cosmos constituiu até os nossos dias uma das categorias essenciais de
toda concepção do mundo, embora nas modernas interpretações científicas tenha
gradualmente perdido o sentido metafísico original. Assim como em Sólon o conceito ético-
jurídico da responsabilidade deriva da teodicéia para a epopéia, também em Anaximandro a
justiça do mundo recorda que o conceito grego de causa, fundamental para o novo
pensamento, coincidia originalmente com o conceito de culpa e foi transferido da imputação
jurídica à causalidade física. Esta transposição espiritual está ligada à transposição análoga
dos conceitos de cosmos, dike e tisis, originários da vida jurídica, para o acontecer natural. O
fragmento de Anaximandro permite-nos obter uma visão profunda do desenvolvimento do
problema da causalidade a partir do problema teológico. A sua Dike é o princípio do processo
de projeção da polis no universo.
Dado que se serviram da ordem da existência humana para tirar conclusões a propósito
da physis e sua interpretação, a sua concepção continha em germe, desde o início, uma futura
e nova harmonia entre o ser eterno e o mundo da vida humana com os seus valores. É uma
tese antiga: Todo o ente que contribuir para o resultado verificado deve ser responsabilizado,
alterando-se a relação entre a “idéia sobre cosmos” e a de “justiça do mundo. O apelo dirigido
aos homens para ganharem consciência da responsabilidade na ação e oferecerem um modelo
com a sua conduta política e moral deste tipo de ação, como um testemunho da seriedade
ética, já aparece, portanto, na obra de Sólon, pilar fundamental na formação de Atenas, cujos
versos representaram a expressão clássica do espírito da cidadania ática. O que nos chama a
atenção é a relação que é possível fazer desde aí, entre a medida, a justiça, o saber político, e o
nexo entre violação do direito e perturbação da vida social (Ibid, p. 179). Para Sólon, a
109

injustiça se mantém por breve tempo, pois cedo ou tarde sobrevém a dike. Sólon concede
novo sentido aos problemas da vida humana simples e aos da vida política, a manifestar o
autêntico sentido da vida grega, como o mesmo com que segue o movimento geral da
natureza, no seu crescimento, apogeu e decadência (Ibid, p, 188). “Tudo o que é natural é
simples, depois de conhecido. O mais difícil, porém, é chegar à percepção inteligente da
medida invisível, ao fato de todas as coisas terem seus próprios limites”. Segundo Jaeger,
parece que estas palavras de Sólon nos são dadas para apreendermos “a medida exata da sua
própria grandeza”. Jaeger (Ibid) complementa ainda dizendo algo, que é para nós
extremamente importante, neste estudo, e que nos remete diretamente ao assunto do qual
tratamos - a nanotecnologia: “o conceito de medida e de limite, que ganhará importância tão
fundamental na ética grega, revela claramente a aquisição de uma nova forma de viver, por
meio da força do conhecimento interior”.
Tantas e tantas indagações sobre a técnica, antigas, seculares, recentes, estão nos
colocando em contato com elementos da cultura e da arte, num aparente extremo de sua
libertação, que consiste nos muitos e infinitos sentidos com que surgem e que aproximam as
diferentes formas de ‘profano’ e ‘sagrado’, admitem o ‘dissonante’, o ‘finito’, o ‘bem’ e o
‘mal’, o ‘belo’ e o ‘feio’, a ‘dor’ e o ‘prazer’, tudo isto que existe no homem.
Embora nos seja notório que no mundo dos átomos não há ética nem etnia, mas
estética e geometria, este estado de acontecimentos humanos que vem de longe mexeu tempo,
espaço, dimensões, natureza e vida, Nos mostra que, além do aquecimento imperativo no
campo do poder e dos interesses costumeiros, ocasionais e difusos, ou organizados e
permanentes, ocorre um desenraizamento de grande amplitude no sentido étnico, no estético e
no ético, que é necessário compreender para o melhor convívio social e para embasar futuras
propostas de ação social com base na origem, natureza e fundamentos das questões que
marcam indiscutivelmente novos tempos. Só para citar alguns exemplos desse
desenraizamento, enfatizamos: a perda da conexão com os elementos sensoriais e culturais
que remetem o ser humano à memória de sua origem; um sobrevir de dimensões temporais e
espaciais que geram organizações rítmicas, temporais e espaciais inéditas; o instituir de novas
disposições estéticas - excessivamente abstratas e absurdas algumas e de identidades sui
generis para os nossos olhos; o acontecer de atos nem sempre regidos pelo respeito e por uma
responsabilidade pelo humano, muitas vezes terrivelmente conflitivos e nem sempre
reconhecidos no âmbito dos assuntos humanos; e muito mais situações similares a estas.
110

Uma ilustração deste desenraizamento, nós pudemos evidenciar com o que nos foi
apresentado em uma reportagem vista em 2006, no Canal de TV (Discovery Channel), sobre
jovens que se tatuavam, reeditando o mais radical de todos os estilos que a pesquisadora
conhecia: o branding, um modo de gravar “a ferro e fogo” na carne, numa temperatura
altíssima, usando-se um símbolo em brasa para marcar profundamente a pele. Para estes
jovens, quando questionados sobre a possibilidade da dor, alegaram que no ato de se tatuar
dessa forma a dor não incomodava, mas apenas o cheiro da carne queimada. Mais do que isso,
com estas marcas cravadas particulares, primavam pela diferenciação pessoal como algo a
ser, acima de tudo, cultivado como uma espécie de “selo”, em que se reconhecem, se
identificam e se diferenciam, fazendo-se eles mesmos, sobretudo, por viverem em meio a
contextos sociais cada vez mais regidos por uma lógica indiferenciada e impessoal (a lógica
do “rebanho”, como aludiu Nietzsche). Ora, isto significa ou não a expressão particular da
constituição de uma identidade psíquica e pessoal única?
Além da busca por novas experiências e busca pelo prazer, colocando entre a dor e o
prazer uma tênue linha de distinção, chegou então até nossos tempos formas mais radicais de
body modification. Outros procedimentos que podem ser citados são: afiar dentes, cortar a
língua ao meio, implantar chifres, perfurar o corpo por jóias de tamanhos variados, cores e
formas e fazer a scarification. Tal como o branding, uma prática extremamente dolorosa (a
mesma utilizada nas marcações do gado) e que pode causar inúmeros problemas de
cicatrização, a scarification, também conhecida como "a arte do quelóide", corresponde a
fazer cortes profundos na pele, o suficiente para que esta se abra e seja depositada em seu
interior, no caso de pessoas muito claras, tinta utilizada para se fazer tatuagens. Nas pessoas
de pessoas escuras, é colocado um alcalóide cinzento no interior do corte. Existem alguns
indivíduos que se tatuam cortando a pele com uma faca aquecida, para que já ocorra a
cauterização a cauterização durante o corte. Vale destacar que não se utiliza anestesia durante
estes processos, que devem ser bastante dolorosos, como é possível imaginar. Segundo
KLESSE (1999, p.15), “tatuagem, piercings múltiplos, branding, cutting e escarificações são
algumas das mais radicais, permanentes modificações corporais nesse contexto 67.
Também lembramos das próteses, das parafernálias cheias de pinos e parafusos (ver
Figuras 18 e 19), usados no corpo em caso de acidentes, por exemplo, entre muitos outros

67
KLESSE, Christian, “Modern Primitivism’: Non-Mainstream Body Modification and Racialized
Representation”, in: Body & Society, Vol. 5 (2-3), London: Sage Publications, 1999, pp. 15-38.
111

“estranhos dispositivos técnicos”, que chamaria de bodyphilos, dada sua afinidade com o
corpo.

Figura 18 Figura 19
Figura 18: Body Art. Piercing na língua.
Figura 19: Mediciana e prótese. Pinos metálicos nas pernas, devido a um acidente.
Fonte: Acervo da autora.

É preciso ter firme que uma techne autêntica, como diz Jaeger (ibid, p. 1021), exige
um princípio harmônico a que se pudessem reduzir todos os fenômenos concretos como
faziam os filósofos com os seus sistemas. Nisto se pode investir para que confluam todas as
áreas do conhecimento, a que se trabalhe a verdadeira interdisciplinaridade, tendo todos os
envolvidos, em comum, buscar extrair seus ensinamentos do conhecimento objetivo da
própria natureza, mas não como um amontoado de informações desconexas e dados
estatisticamente fechados por um lado, a respeito do “corpo” e por outro da “alma”. Há que
situar-se o “ser” por inteiro e o princípio normativo para suas condutas, precisamente com o
aspecto ético e político, para as quais Platão chamou a atenção na abordagem do homem
(JAEGER, p. 1028). Princípio de ação que faça com que tenhamos algo de comum com os
outros, e cujo ethos seja compreendido não apenas pelos profissionais peritos, mas por todos,
para que se avance em relação ao monumental processo de formação do homem helênico e do
iluminista, referentes à conservação do grande homem “são” e “melhorado”, no sentido de
cuidar e manter a “saúde da vida” e “compreensão da natureza” naquilo que simplesmente é.

Embora reconheçamos o salto que existe entre o conceito de “natureza” (visão na


escola macroscópica de mundo, tanto interior quanto na aparência) no pensamento dos
médicos gregos e no dos médicos modernos e contemporâneos, que mudou radicalmente
112

desde a mecânica quântica com seu criativo precursor, Karl Werner Heisenberg, na sua idéia
que ficou mais conhecida como “Principio da Incerteza”, afetando os conceitos de medição,
de precisão, alegando que o problema não está na “medição” e sim no que diz respeito à
“natureza particulada da matéria”, adveio a visão de natureza “incerta” e “indeterminada” e
caiu por terá a relação causa-efeito. Ficou faltando assim uma tentativa sistemática para
definir o conceito de “natureza”, levando-se em conta toda a história do espírito no mundo e o
do curso da vida até agora e na posteridade (Ibid, p. 1035).
113

3.1 DO UNIVERSO PLANO, TRIDIMENSIONAL E MACROSCÓPICO DE


EUCLIDES AO UNIVERSO DA ESCALA DE DIMENSÃO NANOPARTICULADA

Nuvens não são esferas, montanhas não são cones, continentes não são círculos,
o som do latido não é contínuo e nem o raio viaja em linha reta.
(Benoît Mandelbrot, em seu livro The Fractal Geometry of Nature, 1983).

Toda vez que desejo falar com Pitágoras, por exemplo, vou à praia e ando por algum tempo — e daí Pitágoras
fala comigo.
Richard Buckminster Fuller
(1895–1983)

Tanto Koyré (1980; 1997; 2006), como muitos outros autores usaram a mesma
expressão “matematização da natureza” tanto para o momento platônico (de Pitágoras, Platão
e Aristóteles, quanto para o momento galileano (Galileu, Descartes e Newton), variando
apenas a potencialização da racionalidade promovida por esta matematização, dentro de uma
perspectiva atual de gênese e desenvolvimento da ciência moderna. Quando Platão colocou
um princípio de medida, um princípio de congruente, ou concórdia no primeiro lugar, foi
porque sua idéia também era um tipo de medida ou forma definitiva para configurar e dar
limite à matéria indeterminada, e o princípio de proporção foi colocado depois daquele porque
o bem só pode ser apreendido através da beleza. Na academia platônica desenvolveu-se a
geometria que, embora inspirada nas técnicas egípcias de medir terrenos, é uma teoria das
formas perfeitas das quais as coisas participam. Os geômetras da Academia desenvolveram os
teoremas pelos quais as propriedades das figuras geométricas eram demonstradas de forma
racional. Posteriormente Euclides, já na Escola de Alexandria, demonstrou que esses teoremas
eram todos dedutíveis uns dos outros a partir de certos axiomas, evidentes por si mesmos,
formados com noções primeiras. Assim surgiu a geometria como modelo de uma teoria
axiomática.
A geometria não-euclidiana levou à existência de um espaço diferente do que era
acreditado desde Euclides, e as noções de reta, plano e distância num espaço não-euclidiano
são completamente diferentes e não podem ser observadas diretamente como a geometria
euclidiana. Devido a essa questão da não-existência concreta (no sentido de que possa ser
“tocada”) da geometria não-euclidiana, esta demorou a ser aceita entre os matemáticos.
Contudo, Einstein, a partir de seu projeto de geometrizar a gravitação na teoria da relatividade
geral recorrendo às geometrias não-euclidianas - mediante às quais começou a aumentar o
114

número de dimensões associados à geometria cotidiana, ou seja, a geometria sobre planos ou


em três dimensões, baseados nos postulados de Euclides em que a distância entre dois pontos
pode ser facilmente calculada - provocou uma enorme transformação de dois conceitos
basilares da Física: o de espaço e o de tempo. Einstein incorporou a dimensão temporal na
descrição geométrica do mundo, já que para ele, a geometria do universo é curva e não plana.
Olhando em retrospectiva, vemos que seria impossível realizar essa tarefa mantendo
espaço e tempo como grandezas independentes e separadas, tornando-se possível estabelecer
que uma distância deveria ser entendida como uma distância espaço-temporal e não somente
do tipo espaço como tradicionalmente a física havia nos convencido. Faz surgir o espaço-
tempo quadridimensional, recorrendo não à estatística mas às geometrias não-euclidianas, que
tiveram franco desenvolvimento no século XIX. Na realidade, o que é impossivel até para nós
visualizar de forma intuitiva e sem ferramentas matemáticas, acontece é que o espaço
tridimensional “estica-se” ao longo de um espaço quadrimensional, ficando a matéria mais
diluída; assim, a quarta dimensão do espaço corresponde ao estiramento do espaço
tridimensional ao longo de um espaço quadrimensional em que a 4D é o tempo. Somando-se
este tempo, passaríamos então a ter um universo em cinco dimensões, ou seja: quatro
dimensões espaciais mais o tempo; se comparado com as quatro dimensões - três espaciais
mais o tempo - da Teoria da Relatividade Geral de Einstein.
A teoria é, na verdade, um novo modelo para o entendimento da força da gravidade,
uma alternativa à Teoria da Relatividade Geral de Einstein, sendo imperativo pensar na
existência de um tempo ao longo do qual as outras três dimensões possam esticar-se. Para
Einstein, o espaço-tempo envolve todos os objetos maciços (planetas, estrelas...) através de
seu encurvamento em que a curvatura é importante68 e modifica a distância entre dois pontos.
E este encurvamento é o que se chama de “força da gravidade”, que não é na verdade uma
força, mas sim a curvatura do espaço-tempo sobre a matéria. Em campos gravitacionais
fortes, próximos a objetos de grande massa, também ocorre o fenômeno de dilatação do
tempo, mas, neste caso, devido à aceleração. Quando se trata de gravidade o único fato é que
todos os corpos caem, todas as outras explicações são modelos. Einstein propôs um outro

68
O espaço euclidiano, baseado em propriedades dos números inteiros e que envolve muitos problemas que são
facilmente compreendidos mesmo por não-matemáticos, era imutável, simétrico e geométrico, representando a
metáfora do saber na Antiguidade clássica, que se manteve incólume no pensamento matemático medieval e
renascentista, pois somente nos tempos modernos puderam ser construídos modelos de geometrias não-
euclidianas depois da contestação feita por Riemann, Lobatchewski e Bolyai, considerados os criadores das
geometrias não-euclidianas. Num plano, em que o espaço é euclidiano, a curvatura é nula; numa esfera, é
positiva e num espaço hiperbólico, é negativa.
115

modelo, diferente do newtoniano para o qual a gravidade era uma “força de atração”.
Hoje, os cientistas norte-americanos, Charles R. Keeton e Arlie O. Petters (2006)
publicaram uma pesquisa que demonstra como detectar a quarta dimensão do espaço.
Somando-se o tempo, passaríamos então a "ver" nosso universo em cinco dimensões. A teoria
é, na verdade, um novo modelo para o entendimento da força da gravidade, uma alternativa à
Teoria da Relatividade Geral de Einstein. Einstein já creditara a idéia revolucionária de
quantização de energia (teoria quântica), mas em sua teoria da relatividade construída, tendo
por base a estrutura do eletromagnetismo de Maxwell, os fenômenos são constituídos ainda de
coisas formadas por matéria e energia. “A ciência, em outros termos, é um sistema de
relações. Ora, como acabamos de dizer, é apenas nas relações que a objetividade deve ser
buscada; seria inútil procurá-la nos seres considerados como isolados uns dos outros
(POINCARÉ, 1995: p. 165).
No caso do observador, sua intervenção é necessária, mas não é vital sua
comprovação, uma vez que valem as leis físicas objetivas que são constantes para todos. Não
que para Einstein tudo seja relativo, mas, na sua teoria geral, prevalecem as grandezas
invariáveis próprias dos fenômenos e não vinculadas ao ponto de vista do observador, o que é
uma condição suficiente para atribuir como “realidade” uma magnitude física sem pretender
uma definição rigorosa de realidade física. O sistema observado, pois, teria determinado valor
compatível com o valor exato de uma respectiva magnitude Em todos os casos, em tal teoria
continua o “mistério” das “variáveis ocultas” prescrito aos fenômenos que envolvem
partículas macroscópicas e na textura elástica da relação espaço-tempo, onde o papel da
mente humana não é fundamental.
A Geometria Euclidiana é apropriada para descrever “fenômenos ordenados e
artefatos da civilização” (CARVALHO et al. [s.d.]), mas, quando nos deparamos com formas
irregulares, imperfeitas, como as nuvens, os ramos das árvores, os alvéolos pulmonares, entre
outros, esta geometria é inadequada, sendo necessário buscar objetos da “Geometria da
Natureza”, chamada de “Geometria Fractal”. Se observarmos uma folha de samambaia,
atentamente, ‘olhos fractais’, verificamos que a folha se repete dentro de si própria, ou seja, é
como se a mesma fosse “composta por grande número de folhas estatisticamente semelhantes
e menores. Seguindo o mesmo raciocínio, podemos dizer que a rugosidade de uma cordilheira
está estatisticamente reproduzida num simples pedaço de rocha” (Ibid. p. 10). Há, pois, uma
questão de auto-semelhança que é a simetria através de escalas, o que significa para GLEICK
(1993) uma recorrência, “um padrão dentro de outro padrão”, e outra é a dimensionalidade
116

que dependerá da forma do objeto analisado. A realidade é objetivamente reconhecida pela


caracterização bem definida de alguns atributos das partículas materiais, como posição e
velocidade, por exemplo, mesmo quando inobservadas. Neste caso, a intervenção do
observador independente da sua validação pela experiência.
Quando a física, portanto, detectou fenômenos subatômicos que não conseguiu
descrever a partir do modelo descritivo clássico da mecânica newtoniana, nem da teoria
einsteiniana da relatividade, começou o enfrentamento de problemas referentes à observação
e à representação, e a formulação quântica passou a ter implicações filosóficas perturbadoras.
Instalou-se, então, um mal-estar face ao problema de falta de liberdade de interpretação ou
de demasiado ecletismo interpretativo, o que não foi de todo ruim, pois se havia miséria por
um lado, por outro, havia também a abundância. E este foi o terreno fértil para que a
filosofia dialogasse com a física, não no sentido de solucionar questões próprias de uma ou
de outra, mas no sentido de ajudar a pensar como interpretamos o mundo e assim avançar,
não por agregação de verdades novas a verdades já adquiridas, mas pelo manejar as coisas e
as entender, extraindo do ‘dito’ real mais que pequenezas, pacientemente, por conquistas
ainda que duramente feitas, ora parciais e ora provisórias. Tudo para atingir o gosto secreto
da “nova coisa” que roça a inteligência moderna, com uma espécie de tato originalmente
especializado, extrapolando a capacidade de apreciar o universo das evidências racionais da
nanotecnologia como se faria com um sistema de engrenagens bem lubrificadas.
Lembramos dos antagonismos que vêm sendo gerados entre cientistas quanto à relação
‘fé’ e ‘ciência’ e que repercutem no problema da existência ou não de Deus como está
acontecendo atualmente. É uma questão bastante polemizadora na ciência e nos estudos da
consciência, expressando-se, ainda, a incompatibilidade da ciência com a mística e com a
religião mais do que, por exemplo, com a arte e a razão, talvez, da disputa sobre a causa ou as
causas das transformações da vida69. É importante lembrar também que concepções, pelo
menos nos pareceu sempre, como as de caos, indeterminismo, relatividade e mais outras,
correm em paralelo com um resquício de passado, se nos reportarmos ao misticismo
pitagórico e também ao de Kepler. Segundo importante contribuição de SERRA (2005, p. 8-
9):
Eles produziram resultados matemáticos importantes, perfeitamente integrados no conjunto da
ciência grega mas, para além disso, também especularam sobre a natureza e significado dos
números, atribuindo-lhes propriedades místicas. Esse pensamento fez escola e perdurou: o
desenvolvimento de especulações matemáticas, harmónicas, e de natureza moral e religiosa

69
Citam-se como exemplos Richard Dawkins, Daniel Dennett69 e Susan Blackmore, sendo considerados
espécies de “cães de guarda de Darwin”, sobretudo, Dawkins.
117

que se associam ao pitagorismo prolongaram-se por oito séculos (V aC a III dC). O


pitagorismo é, pela sua dimensão, o exemplo mais importante de mística científica. Mas
existem outros, como o de Kepler (1571-1630), que baseava as suas concepções cosmológicas
na harmonia universal, relacionando-a com os sólidos platónicos. O misticismo pitagórico e
também o de Kepler assentam em propriedades de objectos científicos tal como acontece com
a Mecânica Quântica.

Serra faz alusão ao fato de que o misticismo pitagórico e também o de Kepler, numa
comparação da autora, estariam ambos assentados em propriedades de objetos científicos, do
mesmo modo como a mecânica quântica faz. Para os pitagóricos, a mística criada em torno
dos números teria sido a motivação para o estudo das suas propriedades, estudo este
inseparável de especulações geométricas, harmônicas, físicas e cosmológicas. Embora nos
tempos contemporâneos exista real e indiscutível interesse pelo aspecto matemático dos
números tanto na física quântica quanto na nanotecnologia, é preciso salientar que com a
nanotecnologia ocorre semelhante virtude motivacional quanto às novas propriedades
moleculares e atômicas observadas e produzidas mediante as relações possíveis entre elas. No
entanto, consideramos que a tecnologia em dimensão de nanoescala se apresenta distanciada
desse misticismo pitagórico. Seu caráter é incompatível com interpretações especulativas,
como as que têm sido encontradas na problemática do indeterminismo quântico ainda com
algumas obscuridades na história das idéias. Isso ocorre, talvez, porque a ciência
nanotecnológica não apresenta tanta arbitrariedade no que se refere à demarcação da fronteira
entre objeto, sujeito e dispositivos instrumentais, algo que é bastante vinculado à raiz do que
veio a ser chamado de "problema da medição". Avançamos no que segue sobre a importância
de caracterizar a medição e a observação.
Para nós, é bastante pertinente considerar certo fundamento na constatação anterior
sobre as discussões em torno da relação do sistema quântico e da nanotecnologia com o
observador. Von Neumann admitia a necessidade da presença de um observador inteligente
ou consciente na ‘observação’; neste aspecto, considerava que o resultado de uma medição
poderia implicar em indeterminação se não fosse conhecido de maneira exata “o estado do
observador antes da medição. Para Von Neumann (Apud PESSOA, 1992, p. 183): “É
concebível que tal mecanismo pudesse funcionar, porque o estado de informação do
observador em relação ao seu próprio estado poderia ter limitações absolutas, pelas leis da
natureza”. Essa tese do conhecimento limitado foi igualmente preocupação de Heisenberg
para quem as relações de indeterminação (imprevisibilidade na mecânica quântica-MQ) se
deveriam, segundo Jammer (Idem. p. 184), “ao inevitável distúrbio da observação no objeto”.
No caso do sistema quântico, correspondente ao sistema composto de um objeto e um
118

aparelho (instrumento macroscópico de medição), Neumann, numa tentativa de também


provar a impossibilidade de variáveis ocultas, faz a separação entre sistema e observador; o
observador consistiria num terceiro sistema (descrito classicamente) que interage com o
sistema composto e a observação; portanto, “observação” implica necessariamente na
presença de um observador inteligente ou consciente. Essa intervenção do sistema quântico,
de um lado, e da observação de outro resultaria na imprevisibilidade (resultante de medições
individuais, sendo fruto do conhecimento necessariamente limitado a respeito do estado
inicial de sistemas em interação com o objeto), em interpenetração, espontaneidade, auto-
organização, irreversibilidade e evolução, em desordem, criatividade e acidente. Pensamos
que nesse campo do quântico muitas coisas ainda podem acontecer, pois as interpretações são
passíveis de confirmação e/ou esquecimento, sendo bem possível que a “mística quântica”
ceda lugar à ciência, tal como ‘sucumbiram’ as místicas científicas de Kepler e a de Pitágoras.
Seguindo essa linha de pensamento, é possível ponderar a relevância de outra questão.
As ciências passam de um para outro estágio tão mais rapidamente quanto forem os seus
níveis de abstração; na falta destes, pode-se imergir num estado teológico, no qual os
fenômenos são atribuídos à vontade de entes sobrenaturais imaginários, ou num estado
puramente metafísico, no qual, a fim de se explicar as coisas, recorre-se a entidades abstratas,
isto é, a causas, a forças e a substâncias, ou, ainda, aos argumentos do senso comum, em que
prevalece a marca de um hábito de resposta ou propósito geral. Sobre a última incorrência,
numa atribuição de limites à representação nas categorias do entendimento de senso comum,
que consolida e confere sentido à experiência vivida, Atlan (1992) aludiu que este “não
consegue alcançar a verdade científica a que nos conduzem o método experimental e a razão
matemática”. Para o autor (Idem, p. 22-23):
[...] nossa representação sensorial e nosso senso ‘comum’ são adaptados apenas à realidade
macroscópica, e não ao mundo submicroscópico das partículas elementares ou ao mundo do
infinitamente grande das galáxias. Dado que nenhuma razão nos força a presumir que as
mesmas categorias da representação sensorial sejam válidas em todos esses universos,
concordamos em renunciar a essa representação concreta em prol de uma representação
abstrata, matemática, mais rigorosa (Idem).

Nota-se, por essa via, que no estudo tornou-se necessário considerar as implicações da
nanotecnologia também para a representação sensorial, a objetificação do vivido e a
apreensão subjetiva e fenomenológica dos indivíduos, enfim para a experiência que estes
fazem do mundo e de si mesmos, no sentido de apreenderem um outro modo de atuação na
convivência com uma tecnologia oriunda da natureza particulada e de acompanharem melhor
as interferências desta para a transformação de algumas fronteiras envolvidas nas relações que
119

estabelecem.
Os aspectos dos processos envolvidos na representação de conceitos e de certas
propriedades e dimensões da matéria, como os de olhar/visualizar/enxergar/representar as
operações intelectuais, relacionadas com manipulação, transformações e comunicação de
idéias, conceitos, métodos e modelos, e os processos que estabelecem relações entre o
representar, o abstrair, o intervir e o afetar e de que modo eles são feitos, podem ser um
diferencial quando a dimensão invisível dos processos mentais ganha alguma visibilidade,
tornando-se mais próximos de dimensões invisíveis do mundo ‘mudo’ do que denominamos
matéria física. Muda-se o rumo das decisões perante o fato de que uma dimensão antes
inacessível seja aos sentidos, à ação ou à compreensão e à relação de qualquer tipo - como o
que representa para nós algo que equivale à bilionésima parte do metro - se oferece à
visibilidade, à experimentação ou à significação, tornando-se a intimidade da matéria
parcialmente manipulável, experimentável, acessível, habitável.
No caso do observador, sua intervenção é necessária, mas não é vital sua
comprovação, uma vez que valem as leis físicas objetivas que são constantes para todos. Não
que para Einstein tudo seja relativo, mas, na sua teoria geral, prevalecem as grandezas
invariáveis próprias dos fenômenos e não vinculadas ao ponto de vista do observador, o que é
uma condição suficiente para atribuir como “real” uma magnitude física sem pretender uma
definição rigorosa de realidade física. O sistema observado, então, teria determinado valor
compatível com o valor exato de uma respectiva magnitude. Porém observamos que ainda
prevalece o “mistério” das “variáveis ocultas” prescrito aos fenômenos que envolvem
partículas macroscópicas e na textura elástica da relação espaço-tempo, onde o papel da
mente humana não é fundamental.
Na medida em que, conforme essa teoria, o mundo é pensado por valores que resultam
das propriedades atribuídas às coisas sem referência a um observador, mas à matéria e às suas
manifestações, nossa vida passa a ser regulada pelo que afeta nossos sentidos, numa
adequação à realidade física e à realidade construída a partir das relações entre propriedades
de objetos. Poincaré (1995, p. 165) já dizia que a ciência é um sistema de relações, e é
somente nas relações que a objetividade deve ser buscada, sendo inútil procurá-la nos seres
considerados como isolados uns dos outros.
Nossos valores, nossa ética, nossa moral são, pois, dependentes desse modo de “ver”
as coisas, localizadamente ou relativas ao nosso quadro cotidiano de espaço-tempo, às nossas
percepções de enormes agregados dos fenômenos e determinadas pelas posições relativas que
120

ocupamos como observadores. O “ethos” significa, assim, o conjunto de nossas atitudes


positivas e preferências diante das qualidades, propriedades ou características das coisas a
serem utilizadas, mediante a exatidão de dispositivos de cálculos exigidos para avaliá-las. Nós
“habitaríamos” esse mundo por sermos conformados a ele, conforme a ele, conforme seus
padrões de escala, sentidos e incidência de detalhes captados. O espaço do ethos nos é dado
por esses parâmetros, e nossa responsabilidade remete-se à ética do ângulo macro dos valores
que dispomos ou queremos alcançar.
Einstein já falava da idéia revolucionária de quantização de energia (teoria quântica),
mas em sua teoria da relatividade, construída com base na estrutura do eletromagnetismo de
Maxwell, os fenômenos são constituídos ainda de coisas formadas por matéria e energia. Com
a mecânica quântica, tudo pareceu abalar-se, como se advisse uma nova era coperniciana,
galiléica, newtoniana ou einsteiniana: o que antes era dado como “sólido” à intervenção de
nossa observação, melhor dizendo, “imexível” na sua natureza íntima, pulveriza-se em
milhões e bilhões de pedaços com infinitas possibilidades de serem alcançados,
“experimentados”, só que desta vez pela nossa consciência! Como uma jogada fenomenal de
“sinuca” que desarma todo um conjunto montado de peças, o estável se cinde em partículas e
ondas com probabilidades e possibilidades e com dimensões inferiores ao inferior do âmbito
do inimaginável. Pensamos em fenômenos intrigantes que sugerem estranhas conexões físicas
entre todos os pontos do Universo, como se existissem atalhos universais a ligar cada coisa a
cada coisa e tudo a tudo, graças à escala de Planck70 e suas principais grandezas (tempo,
massa, energia e comprimento). Com esta sua escala ou constante fundamental, Planck
sugeriu que a energia eletromagnética não pode assumir qualquer valor, mas sim valores
múltiplos de uma quantidade fundamental de energia, denominada quantum, esta descoberta
que marcou o início da física quântica, que possibilitou explicar o comportamento de sistemas

70
Construída a partir da teoria relativística de gravitação quântica, a assim chamada escala de Planck,
representa a menor escala da física quântica com que se mede as principais grandezas físicas (tempo, massa,
energia e comprimento), numa referência às unidades de medida definidas no início do século passado pelo
físico alemão Max Planck, considerado o criador da física quântica. Planck conseguiu estabelecer uma espécie
de métrica da natureza a partir de três grandezas constantes do Universo, em que as unidades de medida não
variam de um país para outro, como acontece com o metro usado no Brasil, ou a milha adotada para medir
comprimento nos países anglo-saxões. Alguns físicos definem a escala de Planck como sendo da ordem de
fenômenos extremamente rápidos e energéticos que ocorrem em espaços extremamente diminutos. Para que se
tenha uma idéia de quão extremos são esses fenômenos nessa escala - ainda inexplorada pelos aceleradores de
partículas dada a grande quantidade de energia exigida - a energia de uma única partícula atômica como o
elétron, por exemplo, corresponderia a de um carro viajando à incrível velocidade de 7 mil quilômetros por hora.
Se este veículo existisse, poderia dar a volta no planeta em menos de seis horas. Para saber mais, ver: A cidade
proibida: equipes brasileiras colaboram no esforço de reunir a física do infinitamente pequeno à do infinitamente
grande. Disponível em: http://www.revistapesquisa.fapesp.br/index.php?art=3095&bd=1&pg=1&lg= Acesso
em: 02 de janeiro de 2008.
121

em escala nanométrica. Vale acentuar que as leis clássicas da física geralmente não se
aplicam na escala de interesse da nanotecnologia, e que os fenômenos que ocorrem à escala
atômica devem ser descritos de acordo com a física quântica, elucidando que em escala
nanométrica os corpos podem seguir trajetórias distintas em relação ao que é previsto pela
teoria física clássica, assumindo o comportamento como onda ou partícula. Isso decorre do
fato de que a energia só pode ser emitida ou absorvida pela matéria em unidades discretas,
denominadas quanta (quantum, no singular).
Torna-se possível aos físicos uma nova consciência, por suas novas capacidades de
criar com a nanotecnologia, ativando mais o mundo da energia que constitui a existência
física, e que a natureza põe à disposição para aqueles que têm a capacidade de compreendê-la
em suas formas energéticas às portas de uma nova dimensão de realidade. Os
nanotecnologistas podem intervir mais profundamente na vida e “fabricar” o real, por
disporem de cálculos mais extremados de análise, com base na própria disponibilidade da
consciência nanotecnológica que lhes é atribuída na contemporaneidade, para definir a exata
localização das partículas do mundo, não mais como “localizadas” e “imexíveis”, mas sim
como se fossem uma “nuvem de probabilidades”. Se antes, com a Teoria da Relatividade
podíamos definir a localização exata de algo num tempo dado, passar a não fazê-lo dessa
forma, mas dispor de infinitas possibilidades de fazê-lo, de dizer que está em tal ou qual lugar
e de poder fazê-lo, o que é mais importante, é bastante perturbador! Pensamos que a grande
questão da física não está essencialmente no fato de agora passarmos a ser observadores,
capazes de “representar”, “intervir” e “escolher” com a nossa consciência, mas, sem termos
dela a medida, ou seja, o “quanto” desses processos exatamente calculado na realização de
qualquer ato, qualquer operação, num mundo que tínhamos como estável, de certo modo
muita coisa visível e audível, mas, sobretudo, tangível pelo cálculo, pela razão exata, e não
por tendências.
Novamente se põe o dedo na chaga da “variável oculta”, quando o homem se depara
com esse “quantum” que é algo que pode ser medido ou contado, mas que diz respeito ao
mais íntimo da matéria, da energia, do mundo e de nós mesmos. O que é espantoso, sem uma
previsão de cálculo exato, capaz de sossegar a razão da finitude matemática e a geometria,
tomadas em sua forma, tanto contemplativa quanto prática. Num sentido antropológico,
podemos dizer que se põe uma estreita relação como jamais houve entre o homem e o mundo
íntimo de si mesmo.
Denominar este momento do pensamento de razão, intuição, mimetismo, mítico,
122

místico, mágico, artístico, holístico e religioso, não é de nosso alcance, tampouco queremos
garantir, neste acontecimento, uma separação do pensamento racional, como vem sendo
preocupação de muitos pensadores da mecânica quântica. Já é um ganho que possamos falar
em indeterminismo e incertezas, incompletude da TR e subjetivismo na descrição da
realidade, embora estejamos presenciando o aumento da relação entre a física quântica e o
misticismo, o que acaba tornando mais aguda a “solução sem saída” das “variáveis ocultas”.
Temos ainda as soluções das “variáveis não locais” – como as de Bohm e Hiley e a
“interpretação de muitos universos” de Everett, bastante discutidas atualmente, ambas de
caráter “não-local” como característica nova, fundamental e estranha idéia.
Esses impasses, pensamos, evidenciam as diferentes interpretações possíveis da física
quântica que vamos encontrar em físicos, tanto os filiados à Interpretação de Copenhague
(década de 1920 e 1930), quanto os adeptos ao Paradoxo EPR71 de Albert Einstein, Podolsky
e Rosen, e os que se refugiaram em outras soluções, como as que citamos antes, das
“variáveis ocultas não-locais”. Vale registrar que no fenômeno quântico, o que é bastante
evidenciável na relatividade geral, a ênfase não recai no instrumento de medição, mas, sim, na
“consciência” do observador no ato de medição, sendo esta o lugar onde se produz a rede.
Atingir este patamar pode ser frustrante no sentido da dificuldade em estabelecer o
tamanho exato do “certo” ou do “errado” de uma ação, mesmo por aproximações da razão em
uma demonstração matemática, ou pela intuição em uma operação imediata da inteligência
sem recorrer à demonstração, mas a uma imagem ou símbolo. No entanto, é importante pensar
o quanto este evento contribui para uma maior aproximação entre as ciências, sobretudo, para
as exatas, uma vez que os peritos requerem avanços do conhecimento de um fato ou
fenômeno à compreensão do “porquê” deles, e a se dizerem não apenas testemunhas,
representadores ou intervencionistas numa dada situação que exige conhecimento da
existência dela, mas, por apelarem à consciência, capazes de conhecerem seu próprio
conhecimento, seja por razão ou intuição – a respeito das coisas.
Se a razão objetivista marcadamente fixou nas almas e corpos que tudo é na medida
do objeto físico e em suas manifestações, determinando a medição do raciocínio e da intuição
no conhecimento dos princípios e fenômenos, as questões mudam com a não-localidade
quântica (de que Einstein teria exigido uma explicação causal e não aleatória). Esta, ao
71
A dimensão das partículas atômicas e subatômicas tornou relevantes o “princípio da incerteza” do físico
alemão, Karl Heisenberg e a “dualidade onda-partícula”. O princípio de Heisenberg ou da Incerteza concebe que
quando há precisão de medida de uma quantidade (acurácia) observável, simultaneamente aumenta a incerteza
mediante a qual outras quantidades possam ser conhecidas, que se caracterizam, sobretudo, pela supremacia
concedida à razão matemática, à física e à experimentação.
123

conceber toda a realidade determinada pela consciência, em lugar das coisas, combinando
elementos objetivos e subjetivos (face a tendências dos objetos), privilegia o idealismo
subjetivista ao supor o conhecimento como dependente de cada observador e por atribuir
“razão” ao sujeito mediante propriedades potenciais existentes na consciência, antes mesmo
da observação no ato da medição.
“Incompletude”, “indeterminação”, “incerteza”, “variáveis ocultas não-locais” e
outros termos afins, próprios ao campo da mecânica quântica, conferem, de fato, maior valor
ao observador e à sua percepção, diferentemente do que acontece no mecanicismo clássico,
que está fundamentado na razão absoluta e no relativismo moderno, assentado também na
razão. Mas pensar a realidade, trazendo-a à consciência, significa que se sabe o que se está
fazendo e se tendo uma compreensão de seu conteúdo. Não é tanto o corpo que sente, mas sim
a consciência, talvez pudéssemos dizer ao modo de Arendt (1993), como uma espécie de
alargamento ímpar dos campos do saber, que passam a conferir à ciência um estatuto
universal, possibilitando ao homem gerar e implementar processos cósmicos para a natureza,
fora da percepção comum das coisas, mas nem por isso distante do mundo da vida, a
desencadear e ativar certos campos de energia e integrá-los nos já existentes.
Os órgãos dos sentidos já não precisam mais estar tão presentes para mediar as
percepções e sensações do mundo exterior, e o ser humano se sobreleva como que de um
estado de hipnose num universo de coisas a que esteve submetido por muito tempo sem as
entender, e que tornaram a vida uma mera repetição de hábitos, gestos e crenças solidamente
instalados. O sobressalto vai além da necessidade de reavaliar a realidade (ou o que
acreditamos que ela seja), de reconsiderar pontos de vista, revalorizar a maneira de pensar, a
própria maneira de viver; invade-nos uma dimensão até então pertencente ao sagrado: mexer
na criação da vida!
Esse intento é o mesmo que a tentativa de invasão na dimensão em que situamos a
grandeza de nossa vida, assinalando os avanços que nos são sugeridos, a propiciarem
simultaneamente a emergência de uma nova maneira de conceber natureza e cultura, homem
e universo, subjetivação e objetivação, a vida, enfim, e aplicar este novo modo ao
aprendizado de diferentes caminhos, porque certamente nossas pegadas já não são medidas
com as mesmas dimensões que dominamos até agora. Estaremos com a nanotecnologia a
provocar uma reviravolta na passagem do finitismo ao infinitismo, que se cumpriu e de
diversas maneiras, sobretudo, durante o século XVII, provocando a substituição do mundo
geocêntrico dos gregos e do mundo antropocêntrico da Idade Média por um universo
124

descentrado, no curso da revolução científica e filosófica que Koyré descreveu como “a


destruição do cosmos”? Ou seja, poderá mudar o mundo concebido como um todo finito e
bem ordenado, de acordo com a concepção aristotélica do espaço e em sua substituição pela
concepção da geometria euclideana, que considera o espaço como extensão necessariamente
homogênea e infinita?
Koyré analisou os grandes textos clássicos de Nicolau de Cusa, Bruno e Copérnico,
Kepler e Galileu, Descartes, Leibniz e Newton, que centraram toda a sua obra na
desmontagem e destruição da cosmologia antiga e medieval, substituindo-a pelo “universo
infinito” com que se inaugurou o saber moderno. Ora, dizer que a nanotecnologia equivale a
um bilionésimo de um metro (1 nm=1/1.000.000.000 m) indica que se o homem antigo e
medieval passou de espectador da natureza a seu mestre e possuidor, substituindo o cuidado
com o “outro mundo” pelo interesse neste, obrigado a modificar e adequar suas concepções
fundamentais e as próprias estruturas de seu pensamento, novamente enfrenta uma revolução
neste sentido. Reportando-nos ao momento da chamada “crise da consciência européia”, que
representou o surgimento de uma nova cosmologia que reestruturou ou, desestruturou toda a
visão de mundo sustentada até então, fazendo com que o ser humano a) tivesse que converter
totalmente os seus fins transcendentes nos objetivos imanentes e b) perdesse o seu lugar, em
referência na formação do quadro da sua existência no mundo que tinha como o objeto do seu
saber, vimos florir algo semelhante em nossos tempos.
Existem novos modelos com que se basear, mudanças radicais no modo de pensar em
que se põe a exigência de que sejam bem explicadas todas as coisas por definição e por seus
princípios, com a necessária paciência de descer até os primeiros princípios das coisas
especulativas da imaginação. Consideramos que os problemas colocados pela infinitização do
universo - sempre demasiado profundos e cujas soluções encontradas sempre traziam consigo
implicações demasiado vastas e importantes para possibilitar um progresso contínuo e
constante - estão enveredando por outros caminhos no que se refere à natureza, estrutura e
valor do pensamento e da ciência humanos. É o que nos parece com o crescimento da
demanda por metrologia de precisão, isto é, por nanometrologia, na montagem do “lego”72 da

72
Em muitas considerações de peritos sobre as conquistas da nanotecnologia, há referência a que devamos a)
utilizar métodos semelhantes à vida, a exemplo do que acontece com a elaboração das proteínas, células, tecidos
e órgãos, dirigidos pelos genomas e efetuados por “nanomáquinas” como os ribossomas, b) e seguir uma via
semelhante. Assim, na fabricação de coisas, manipulando átomos não com as nossas mãos, mas com
nanomáquinas construídas por outras máquinas, construídas para os ínfimos submundos, tornados mais próximos
de nós, ou por aí acima, até o nível controlado diretamente por nós, juntando os átomos e moléculas de forma
apropriada ao projeto desenhado mediante a nanotecnologia. É um modo de construção tipo brinquedo Lego,
bem diferente, oposto às tecnologias desbastadoras, desperdiçadoras, utilizadas até o presente pela humanidade.
125

vida. Isso indica que é necessário um esforço no sentido de rever as noções gerais da moral
pautada nas regras práticas da conduta, mediante uma transformação interior e despertar da
consciência, ao modo de Blaise Pascal (1978), quando alegou que o melhor livro de moral é a
nossa consciência, a termos que muito freqüentemente consultá-lo.
Culmina, assim, que modernidade, contemporaneidade e a já comemorada pós-
modernidade emergiram, desde sempre, como espaços afinados com a maneira de conceber a
natureza em sua plenitude potencial infinita em mãos de nosso também infinito poder de agir
nela. Cabem, pois, ante essas reflexões sobre as possibilidades da nanotecnologia de
promover uma reviravolta cosmológica, como indicamos antes, as considerações de Michel
Foucault (Apud MIRANDA, 2002) que falou da necessidade de definir as condições nas quais
o ser humano ‘problematiza’ aquilo que é, aquilo que faz e o mundo onde vive. E se a
experiência é a estruturação de certos problemas e das respostas históricas que mereceram,
“problematizar” significa, portanto, reabrir problemas aparentemente solucionados, que se
inscreveram na nossa vida e ganharam efetividade e a inseri-los em novos
confrontamentos. Uma das notícias interessantes que dá fundamento a esta necessidade de
“abrir a caixa preta” é a do lançamento do telescópio espacial GLAST (Gamma-ray Large
Area Space Telescope), em agosto de 2007, que veio como ferramenta-meio fundamental para
novas medidas. Lembramos que a palavra "dimensão" vem do latim dimetiri, e significa
"medir completamente".
Se for comprovada uma nova dimensão, quando se tem afirmado a Nanociência como
o “mundo em nova dimensão”, a exemplo do próprio título do livro “O mundo nanométrico: a
dimensão do novo século”, do professor Henrique Toma (2004), seu impacto não se
restringirá apenas à física, à química, à biologia, à engenharia de materiais etc., mas à vida
como um todo. Ela irá confirmar que há uma quarta dimensão no espaço, o que irá criar uma
alteração, também, filosófica em nosso entendimento do mundo natural. Sem dúvida, isso
significa, por si só, mudança na forma de pensar o espaço e preparar-se para ver a ciência
dando os primeiros passos rumo ao conhecimento de um outro universo, intuído por muitos,
mas até agora fugidio e insistentemente se escondendo até mesmo de nossos sensores mais
apurados A esse respeito pensamos como Foucault (1984), que se trata mais do que analisar
comportamentos ou idéias, ou sociedades e suas ‘ideologias’, mas chegar às problematizações
através das quais o ser se dá como podendo e devendo ser pensado e as práticas a partir das
quais elas se formam. Conforme diz Lampton (1994, p. 118):
E quais são algumas das maneiras de fazer isto? Quem sabe? A tecnologia apresentou novos
modos de vida no passado e certamente fará isto novamente no futuro. Drexler sugeriu que
126

podemos desejar investir na colonização do espaço, para que as formas de vida terrestre
possam se expandir além do planeta, quase da mesma forma como se expandiram no planeta
até agora. Obviamente, isto pode não ser viável. Mas é o tipo de solução que deve ser
examinada melhor, se a nanotecnologia alterar o modo real como os seres humanos vivem – e
morrem.”
127

4. NANOTECNOLOGIA E A SECULAR OPOSIÇÃO ENTRE NATUREZA-


CULTURA: TENTANDO RECONFIGURAR O DEBATE

[...] numa palavra, o homem sabe que é miserável. Ele é, pois, miserável,
de vez que o é, mas é bem grande de
vez que o sabe.
(Pascal)

A nanotecnologia como tal e os resultados de seus avanços, representam um momento


de ruptura e apontam para mudanças que pressupõem saltos significativos, tendo em vista o
que pode ser alterado quanto à complexidade existente nas relações recíprocas entre a vida, a
espécie humana, os indivíduos, a sociedade e a natureza. A verdade é que tudo isso pode
abranger as condições de vida dos seres humanos em sentido amplo, ou seja, compreendendo-
as como condições naturais ou biológicas, culturais, sociais e políticas. A nanotecnologia nos
propõe a retomar questões a respeito da nossa visão de natureza e não de mudança da natureza
humana, colocando-nos novos parâmetros para alcançarmos mais unidade nas concepções
sobre a relação entre vida, natureza humana, condição humana e “idéia” de homem. Também
nos força a pensar na influência de tudo o que provém das funções cognitivas assentadas nas
formas de calcular, verbalizar, raciocinar, provar a dor etc., adaptadas às necessidades
práticas, não importando de que algo é feito, mas o que ele faz, como é próprio do agir
quando se segue os passos da escola funcionalista anglo-saxônica. Esta escola, com seu
acento por vezes excessivo na ordem e na integração, onde cada elemento tem uma tarefa a
desempenhar dentro de uma aparelhagem instrumental e se pautando estritamente numa
racionalidade econômica e tecnológica, acaba perseguindo a extensão do poder de disposição
da técnica, em detrimento da extensão do poder da vida, para a maioria dos seres, não só a
humana, inclusive daqueles que vivem no mundinho do nanométrico que muitos de nós
morreremos sem conhecer ou sequer saber de sua existência. Depois de termos por bom
tempo sustentado que a cultura é total ruptura com o que há de natural, tanto no próprio “ser
humano” quanto no que está em seu entorno, emergem cada vez mais fortes questões a
respeito da existência, mas não de sua natureza humana.
Algumas evidências no sentido de superação deste ideal técnico-narcisístico, como se
a cara da técnica sempre avistasse apenas a si mesma, têm sido feitas nos esforços de dar voz
à tentativa de integrar estudos biológicos, filosóficos, psicológicos e sociológicos, o que está
fazendo recuar um pouco mais o temor nos debates em torno à relação entre natureza e
128

cultura, diminuindo o fosso, aparentemente intransponível, entre as ciências naturais e as


ciências sociais, que perseguem uma metodologia comum capaz de auxiliar na superação da
distância entre ambas. Este abismo tem sido também interpretado como uma extensão do
famoso ‘problema das duas culturas’, provocando, entre outras situações, certos
“linchamentos” acadêmicos como o que ocorreu durante um bom tempo com uma área em
relação à outra, e mais recentemente com a sociobiologia 73 e com qualquer tentativa de
aplicação do paradigma evolucionário às ciências do homem. Mas é preciso que os caminhos
sejam redirecionados na sociedade contemporânea face aos avanços da técnica,
particularmente da nanotecnologia, que são de grande impacto para a história da humanidade
e para compreender a vida. Sentimo-nos amparados nessa nossa posição, quando Leis e
Assmann74 nos remetem a Norbert Elias que adverte, sobre esse grau a que chegou nossa vida,
que está em jogo o próprio “destino humano, a humana conditio”. Segundo os autores, Elias
(1989, p. 56) ainda enfatiza que,
apesar dos seres humanos insistirem em querer saber a verdade, com freqüência muitos deles
ficam com medo e recuam frente a ela quando esta apresenta um mundo que não corresponde a
seus desejos. Essa intuição de Elias é particularmente válida em momentos de grandes
transformações sociais e tecnológicas como o atual. Nessas circunstâncias se pode verificar
que a ampla maioria dos seres humanos resiste a aceitar que as coisas não são mais como eram
antes. Do qual se deduz que um pensamento inovador e original deve traduzir um certo
equilíbrio entre aspectos teóricos e empíricos ou, em outras palavras, assumir a necessidade
tanto de analisar os fenômenos sociais e políticos emergentes, quanto de refletir sobre eles com
bases científicas e filosóficas bem informadas.

Não podemos esquecer que, de um lado, está a irrefutável conclusão de que,


biologicamente, conforme Boncinelli75, o homem é o que é mediante o seu patrimônio
genético, o qual se manteve substancialmente igual aproximadamente nos últimos cento e
cinqüenta mil anos. O biólogo molecular argumenta que não se pode mais ignorar o papel da
psicologia experimental, das neurociências e da biologia evolucionista, oferecendo valiosas
contribuições fundamentais ao entendimento dos mecanismos biológicos do desenvolvimento
embrionário dos animais considerados superiores e do homem, descobertas reconhecidas
73
Resultante da denominada “revolução do DNA”, que trouxe profundas modificações para as Ciências
Biológicas, a partir dos anos 50, a Sociobiologia empenhou-se na tentativa de relacionar os comportamentos
sociais com os genes e de propiciar aos comportamentos humanos uma base biológica, o que a tornou alvo de
ataques reticentes de uma boa parte de cientistas sociais e de alguns biólogos em seu amparo firme em uma
estrita dualidade mente-corpo; estes, embora conscientes da continuidade evolucionária que vincula os homens
aos outros animais em seus aspectos físicos, não admitem por completo esta continuidade quando se entre no
campo dos aspectos mentais.
74
LEIS, Héctor Ricardo; ASSMANN, Selvino José. (2004). Justificação da disciplina: A condição humana na
modernidade. UFSC. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/~dich/ICH4064.htm>. Acesso em: 30 de julho de
2006.
75
BONCINELLI, Edoardo. (2007). “Necessità e contingenza della natura umana”. Revista Internacional
Interdisciplinar, v. 4 n. 1, jan/jun, 2007. Florianópolis. Disponível em:
<http://www.interthesis.cfh.ufsc.br/interthesis7/01_v4n1_interthesis.pdf >. Acesso em 02 de setembro de 2007.
129

como um marco na biologia do século de XX. De outro ponto de vista, existe a observação,
igualmente irrefutável, daqueles que se ocupam da idéia de que o homem, sem deixar de ser
um ser natural, começa a se diferenciar da natureza à medida que vai se “descolando” dela.
Nesse modo de pensar, o homem vai se diferenciando, se transformando e
transformando a natureza, superando ao mesmo tempo sua condição biológica com o
surgimento da consciência. Enquanto conquista a consciência de ser e é também portador de
uma alma, ao viver desde os primeiríssimos anos de sua vida em um universo cultural em
primeira instância lingüístico, se diferencia de outros animais, destacando-se assim de
qualquer outro animal conhecido. Quanto a esta segunda posição, observamos em nossas
leituras que, nem Ridley (2004), zoólogo e jornalista britânico que retoma o debate sobre a
essência humana ao desafiar o suposto antagonismo entre a influência dos genes e a do
ambiente, e tampouco Armesto-Fernández, historiador que alerta para a importância de
repensar nossa relação com outros animais e com o ambiente, concedem à linguagem a
supremacia que tem sido dada à mesma como elemento capaz de estabelecer fronteira entre
humanos e outros animais. Bem antes, Cassirer (1993, p. 46) também já considerara que a
linguagem sempre se viu enlaçada em termos ditirâmbicos76, na autêntica expressão e prova
inegável daquela ‘razão’ que coloca o homem superior às bestas e a uma espécie de
antropoidolatria que se tributa a si mesma. De outro aspecto - e é uma impressão nossa - o
zoólogo e o historiador citados parecem compartilhar alguns pontos com o físico e biólogo
Boncinelli no que se refere também à consciência, no dizer deste último, “o lugar e o estado
que consideramos este Sancta Sanctorum da nossa interioridade”77, o que representa talvez o
problema dos problemas para qualquer análise mais séria e direta sobre lugar destacado que o
ser humano ocupa no reino animal. Os dualistas existenciais, por sua vez, ao situarem
distintamente o homem como ser de consciência em que esta exerce papel causal
determinante e é evocada como princípio último na explicação do comportamento, juntamente

76
CASSIRER, Ernst. Las ciencias de la cultura. México: Fondo de la Cultura Econômica, 1993.
Pensamos que faz referência a um sentido dionisíaco de querer criar algo para além de si, com o êxtase e
gestualidade dionisíaca e ditirâmbica lábia e delírio, próprios do ser humano, descontente de si mesmo, em
querer expressar-se não como indivíduo, senão como ser humano genérico. Numa passagem de O nascimento da
tragédia, Nietzsche analisa o efeito que o coro ditirâmbico dionisíaco provoca em seus partícipes, Afirma que é
um coro de transformados, cujo passado civil e posição social estão para eles inteiramente esquecidos, tornando-
se os servidores intemporais de seu deus, passando a habitar fora do tempo e de todas as esferas sociais
(NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia. Companhia das Letras, São Paulo, 1996).
77
BONCINELLI, Edoardo. Necessidade e contingência da natureza humana. Disponível em:
<http://www.interthesis.cfh.ufsc.br/interthesis7/01_v4n1_interthesis.pdf>. Acesso em 03 de setembro de 2007.
130

com outros eventos mentais, a exemplo da “intencionalidade”, dos qualia78 (consideradas


propriedades de nível superior do cérebro e inexistentes nos animais), fortalecem uma
separação radical, uma descontinuidade, que repercute por todo o ambiente cultural. Além
disso, também vai abrir caminhos para as especializações que representam, historicamente,
certa necessidade de garantia de cultura profunda, mas que não tem levado a lugar algum e
deixa ainda mais longe a possibilidade de podermos abrir canais de comunicação entre as
ciências, mantendo-as em suas cômodas e fechadas regiões fronteiriças. em nome de uma
necessidade de comunidade, comunicação e agenciamento social. Temos ainda, mais
recentemente, o biólogo Lynn Margulis e o escritor free-lance Dorion Sagan, que, trilhando os
passos do físico austríaco e Prêmio Nobel da Física, Erwin Schrödinger, buscam juntos
mostrar que a riqueza da vida e da discussão em torno dela é muito maior do que supõem a
biologia reducionista e as demais ciências também reducionistas.
Volta e meia vem à tona o duelo natureza versus cultura, homem versus ambiente,
sujeito versus objeto, que, seguramente, à medida que avançam os estudos sobre o que nos faz
humanos e por que pensamos que somos humanos, vai tomando novos rumos. Ridley (2004 p.
348) dirá que mesmo muitos polemistas na história do debate natureza (genes) versus criação
(ou ambiente e cultura), acreditam aproximadamente que a natureza humana vem de uma
interação de natureza com criação, sendo impossível dar a vitória a qualquer uma das
posições. O autor (Idem, p. 349) complementa dizendo que “Natureza versus criação está
morto. Vida longa à natureza via criação”.
O término das hostilidades que surgiram entre partidários de diferentes teorias, a partir
da divisão da psicologia humana em natureza e criação ou cultura, tornando a nossa
qualidade de vida insatisfatória, é uma alternativa edificante a que se possa refletir e ter a
consciência sobre a emoção sentida de viver no mundo, de constituí-lo e de viver com os
outros seres vivos, compartilhando com eles o processo vital. Simultaneamente, o mundo
também constrói a todos ao longo dessa viagem comum, e se ainda não estamos vivendo e
nos comportando desse modo, a responsabilidade cabe a nós. Neste aspecto, ao trazerem de
volta o verbo “amar”, antes de tudo como um fenômeno biológico, instintivo e relacional,
Maturana e Varela (2001) buscam revesti-lo, já que ficou nu de sentido, como uma emoção
central cotidiana e essencial na vida.

78
Qualidades fenomenais das experiências humanas, como sentimentos, sensações e emoções conscientes etc.
De modo geral, os qualia têm sido referidos como o conhecimento adquirido pela experiência humana e estão
cientificamente e comumente relacionados ao conceito de consciência, trazendo questionamentos sobre o
problema da relação corpo-mente, ou a que diz respeito ao material e ao espiritual.
131

É inegável que se trata de um ato bastante dificultado, por termos sido convencidos
pela visão representacionista de que cada um de nós é separado do mundo (e, em
conseqüência, das outras pessoas), o que acabou desencadeando fortes entraves em relação a
aceitar o “amor” como uma ação, uma atitude, em que o outro é aceito como legítimo outro,
no que diz respeito ao sentido da alteridade. Por seu lado, ao considerar a nova forma de
acercar-se da experiência cotidiana, Varela, recorrendo à fenomenologia, pretende situar-se na
contramão do que habitualmente foi estabelecido para examinar o comportamento humano e,
em particular, o comportamento ético, considerando que promover a diferença entre
comportamento ético e juízo moral, que demande interações e um despertar recíproco de
mudanças de estado por efeito da comunicação, em que a vida do dia-a-dia seja um contínuo
tecer de tramas comportamentais, que se coordenem reciprocamente, nos conduz
necessariamente a una nova forma de nos acercarmos da experiência cotidiana. Para muitos
de nós, acostumados a desprezar esta experiência e a supervalorizar o saber teórico e as
decisões da ciência, com sua proposta de acercar-se da experiência vivida, objetivando a volta
às coisas mesmas (processo que se inicia, de modo geral, a partir da confrontação direta com
os fatos imediatos que percebemos), Varela abre caminhos para que possamos jogar com
novas possibilidades em nossa existência. Mas, este retorno ao mundo da vida, tal como é
experimentado em sua imediatez, só se dá desde que tenhamos em conta as ações de nossa
vida, desde que entendamos as ações em sua totalidade ou nas manifestações de
comportamento que avaliamos, em que apareçam as ações éticas e sua imbricação em outras.
Aproximar os processos conciliando os dois termos da dicotomia naturezaxambiente,
é ainda uma contínua caminhada pela frente, e a tentativa parece não cessar nunca,
permanecendo ainda vivo o desafio de mostrar (o que nem sempre se consegue de maneira
clara e precisa como se gostaria) uma mútua co-determinação. Já tentamos isso antes, no
Mestrado, nos utilizando dos estudos que estão ainda recentes de Humberto Maturana
Romecín e Francisco Varella, em seus trabalhos fundamentados em bases biológicas sobre a
vida como um processo de conhecimento, sobre a diferença entre homem e os animais e sobre
o fosso que separa a ciência (o universo da objetividade) da experiência humana (o domínio
da subjetividade).
Na conhecida obra, A Árvore do Conhecimento: as bases biológicas da compreensão
humano (MATURANA; VARELA, 2005), tais autores proclamam que o conhecimento não
se limita ao processamento de informações oriundas de um mundo pré-dado, anterior à
experiência do observador, que simplesmente se apropria desse mundo para fragmentá-lo e
132

explorá-lo. Os seres vivos (e o homem é um dos tantos dentre eles), lembram estes autores,
são autônomos, autoprodutores, ou seja, capazes de produzir seus próprios componentes ao
interagir com o ambiente, vivendo no conhecimento e conhecendo no viver. Por essa razão,
nos tornamos, ao longo do nosso desenvolvimento histórico e evolutivo, seres sociais, pela
intensificação do convívio que se tornou possível mediante a “emoção de amar”, emoção esta
que se tornou banalizada com o tempo, mas que segundo os autores se configura como
condição sine qua non para a sobrevivência da espécie.
No discurso dos dois biólogos em questão, está claro que o “corte” cartesiano
profundo (filosofia dualista mecanicista de Descartes) entre o racional e o emocional também
banalizou a vida em si, uma vez que a razão passou a ser considerada apenas mais uma
“modalidade especial” da emoção. Este modo de pensar produziu ainda conseqüências
práticas e éticas como, por exemplo, as que reforçaram a crença de que o mundo é um objeto
à mercê da exploração do homem, tendo em vista sempre benefícios próprios, egoístas,
individualistas. A fragmentação mente-corpo culminou consequentemente na separação
sujeito-objeto, e este rompimento é para os autores, a principal característica da concepção
representacionista. Hoje – segundo Maturana e Varela, o representacionismo ainda perdura
para que continuemos convencidos de que somos separados do mundo e de que este existe
independentemente de nossa experiência.
A esse respeito, nos vem à mente um dado histórico, comentado por Hannah Arendt
em sua obra, As origens do totalitarismo (1998, pp 222-223), em relação aos “bôeres”, que
foram os primeiros colonizadores europeus em sua maioria descendentes de holandeses. Os
boeres ficaram perplexos com os negros, quando iniciaram a colonização da África do Sul no
século 17. Na verdade, o contato com os nativos sempre chocava os brancos europeus79, mas
não era propriamente a cor da pele o que tornava os negros tão diferentes para eles, e sim o
fato de que viviam de tal modo “misturados” à natureza, indiferenciados, como se fossem
parte da mesma, pois, ao contrário dos europeus, não haviam criado um âmbito humano
específico, separado do mundo natural. Essa ligação tão íntima dos negros com o ambiente,
sob o ponto de vista dos bôeres, transformava estes nativos em seres estranhos, como se eles
não pertencessem à espécie humana. Ora, europeus, brancos, representantes de uma cultura
que se concebia separada do mundo natural, os colonizadores não podiam admitir esse modo

79
MARIOTTI, Humberto. “Diálogo: a competência do conviver”. Comitê Paulista para a Década da
Cultura de Paz: um programa da UNESCO. Disponível em:
<http://www.comitepaz.org.br/download/Di%C3%A1logo%20-%20Humberto%20Mariotti.pdf>. Acesso em: 05
de setembro de 2007.
133

de viver. Pode ter resultado daí que, por serem representados como ‘parte da natureza’, os
negros tenham sido vistos apenas como mais um recurso natural a ser explorado. É possível
supor igualmente que da mesma maneira, Cristóvão Colombo teria pensado em relação aos
indígenas da América, ao deparar-se com eles, considerando-os como parte da fauna e da
flora; seus ornamentos, sua singularidade, portanto, eram belezas naturais, nada tendo a ver
com a condição de serem humanos.
Considerando essa e outras circunstâncias com o mesmo viés dualista, tem sido
concebido em literaturas que tratam deste assunto, que deste raciocínio simples pode ter
surgido um outro, mais grave: se algum “ser”, seja qual ele for, qualquer coisa, faz parte da
natureza, faz parte da fauna e da flora, podem e devem ser explorados. Este modo de pensar é
atribuído não à visão grega da natureza, mas à visão judaico-cristã em que a natureza, o
universo, perde o caráter sacral (adoração à natureza) e ganha o de exótico, passando a ser
motivo de temor. Esta ultima circunstância histórica teria favorecido: a) a visão mecanicista,
positivista e cartesiana do mundo (como o conceito de homem-máquina que contribuiu para
a formação de uma concepção fragmentada do universo), em que os seres humanos se auto-
intitulam ‘senhores da natureza’, separados dela (antropocentrismo) e superiores, e b) a visão
organicista, fisiológica e determinista, em que o ser humano não se concebe compreendido
fora do contexto biológico e ecológico, tratando-se de uma visão de homem como um sistema
fechado e isolado, movido pelo impulso de buscar a sua própria sobrevivência, que
compreende o todo e a conexão necessária entre as partes: corpo, mente, sociedade e natureza.
O ânimo de caráter utilitarista e extrativista que ainda persiste em nossos dias,
sustentado em certos tipos de atos tidos como certos ou errados, independentemente das
conseqüências que possam ter, é um exemplo do que traz em si a marca do cometimento
colonial, catequizador e domesticador dos processos civilizatórios. Pode-se afirmar que é um
caso do tipo de ‘alteridade’ que foi gerado quando o branco europeu, sob as idéias do projeto
iluminista de melhorar o homem, com suas raízes no humanismo da Renascença e no
deísmo80 da Inglaterra do século XVII. O iluminismo acreditava na emancipação da
humanidade pela ‘razão’, erigida como o grande guia (natureza e ciência a serviço do homem)
para iluminar as trevas em que se encontrava a sociedade, impregnada de crenças religiosas e
misticismo, que, segundo os iluministas, bloqueavam a evolução do homem. O homem
passou a ser o centro de tudo e passou a buscar respostas para as questões que, até então, eram

80
Os deístas acreditavam em Deus, mas que este Deus agiria indiretamente nos homens, através das leis
naturais.
134

justificadas somente pela fé, vendo-se como o ‘humano civilizado’, responsável pelo domínio
da natureza, através de domínios e conquistas à imagem de si mesmo para manter elementos
que não conflitassem com a cultura européia. O projeto iluminista foi então a ocasião para o
desbanque da escuridão da magia e da superstição pela aplicação da ciência natural aos
costumes e valores sociais, momento onde a nova posição do homem diante do mundo tomou
um impulso inusitado graças a postulação da idéia de uma natureza humana duplamente
independente: de um lado, independente de Deus; de outro, uma natureza inteiramente
diferenciada da sociedade. Separam-se natureza (biológico), fé (Deus, religião) e cultura
(homem). Separam-se orgânico e inorgânico na natureza e no homem. Surge um domínio
inesgotável, a ser infinitamente explorado pelas novas técnicas que despontam como o ‘fruto
finalmente amadurecido, concreto das idéias científicas e que foram responsáveis por um
conjunto de extraordinárias transformações materiais e morais no seio da sociedade. Agora
existiam ‘natureza’ e ‘sociedade’ e, na sociedade, religião e política se colocavam como
esferas separadas. Não é de estranhar, pois, que um dos resultados do Iluminismo tenha sido a
idéia de que o Paraíso poderia ser construído neste mundo e não mais encontrado após a
morte num outro mundo: os habitats, os nichos, o oikos - a “casa”, o “lugar onde se vive”, o
“meio ambiente”, o “ecossistema” - passaram a ser cultuados em detrimento da interação
entre orgânico e inorgânico, bios e socius, natureza e homem, homem e seres irracionais etc.
Essas idéias foram fundamentalmente responsáveis pelo quadro de valores do
capitalismo, do mundo e dos indivíduos por ele constituídos, dando seguimento,
aprofundando e consolidando novas perspectivas no plano político e social, cujas implicações
mostraram e mostram ainda hoje o quanto o conhecimento e o domínio da natureza, como
condições básicas da liberdade humana, comprometeram nossa capacidade de pensar a vida
em sua integridade e a natureza em sua complexidade. Ambas – natureza e vida – passaram a
submeter-se à visão de alguma coisa como composta de dois elementos, totalmente
fragmentados, mas não por isso tão somente, o que é pior: quando não totalmente
indissociáveis, elementos justapostos, inimigos inconciliáveis.
Assim, se o colonizador europeu se projetou no ‘outro’, desconhecendo-lhe ou mesmo
negando-lhe a identidade, para o colonizado não apareceu, portanto, a possibilidade de ser ele
mesmo ‘outro’, visto que apareceu apenas como matéria a ser conquistada, colonizada,
modernizada, civilizada, às custas da dualidade mente/corpo subjacente ao modelo mental
fragmentador, que se traduz na separação entre o eu e o mundo, interioridade e exterioridade,
135

esquema/mundo e sujeito-objeto, sendo esta última a principal característica da concepção


representacionista.
Com efeito, o quadro representacionista engendrou com muita propriedade toda uma
série de problemas existenciais interligados que dizem respeito à fundamentação do
conhecimento humano e a do conhecimento do homem em relação a si mesmo, cujo fundo é o
dualismo radical que os pressupõe. Problemas que dizem respeito aos meios de que um
homem dispõe para representar de forma precisa e adequada, um objeto, um outro ser, ou
ainda, as relações entre mente e realidade e entre linguagem científica e realidade.
O homem, seguindo a sua jornada de forma desatenta a este abismo profundo que ele próprio
cavou entre si e a natureza que ele mesmo é, tem a segura impressão que conhece
suficientemente bem o caminho que percorre, a realidade em que vive. Salvo algumas
surpresas improváveis, um vulcão que entra em erupção, uma enxurrada que causa mortes e
calamidades de todo tipo, um tsunami, uma epidemia de dengue, o desmoronamento de um
prédio, uma invasão de animais indesejados, como escorpiões ou capivaras etc., tudo parece
ser uma repetição rotineira de algo já acontecido.
Tem sido com essa visão reduzida e superficial, que para a grande maioria de nós a realidade
tem se apresenta de uma forma extremamente simples, tão simples que temos às vezes a
ingênua convicção que a conhecemos em sua essência e que podemos, por isso mesmo,
desenvolver automaticamente habilidades para manipular os seus fundamentos em nosso
favor. Certamente os americanos não imaginavam a destruição das Twin Towers do do World
Trade Center, tampouco os brasileiras tinham idéia que vivenciariam o pior acidente da
história da aviação brasileira, quando em 2007 um avião da TAM com 176 pessoas a bordo,
proveniente de Porto Alegre caiu ao lado do Aeroporto de Congonhas ao tentar pousar, sob
chuva em São Paulo. Agir com a absoluta certeza previsiva na absoluta capacidade humana,
como auto-suficiente, é estar, portanto, reconhecendo o universo fundamentado nos
conhecimentos da época de Newton, numa visão predominante no século XVII para qual a
razão não pode provar nenhuma verdade absoluta, mas pode demonstrar a existência de uma
“quase-verdade”, uma descrição mais próxima possível aos fatos.
Mas, o que será que há por trás dessa aparente simplicidade com que concebemos
nosso universo? Será que existe algo além desse aspecto grosseiro? O que será que a cria e
mantém essa sua realidade cotidiana? Ora, o pragmatismo dogmático não significa que nosso
conhecimento por si só possa determinar muitas coisas com precisão. Nem mesmo o contorno
do nosso Brasil é definido, visto por alguém que possa viajar a anos-luz daqui, podendo no
136

mínimo divisar uma difusa mancha no lugar onde o país está. A imensidão do universo e a
escala gigantesca das estrelas é impressionante. O conjunto de imagens da NASA, na Figura
2, permite perceber até que ponto uma coisa gigantesca se pode tornar um mísero ponto no
espaço. E tudo é apenas uma questão de perspectiva de escala de grandeza, pois, tão
impressionante como esta vastidão imensa que na escala humana não alcançamos, é o fato de
nela viverem pequenos e ínfimos seres, a sermos incapazes de compreender a significante
posição que a sua espécie ocupa no Cosmos e a insignificante pretensão que tem sido ditada
pela escala das dimensões humanas, perante o grande demais e o pequeno demais,
inconcebíveis sem equipamentos especiais que alcancem os objetos e fenômenos que existem
na escala de certos materiais que permitem que eles possam ter sentido para nossa vida.

108 100.000 km 1020 1023 - 10 milhões de anos-luz

10-1 10-14 10-16


100 Attometros 10 Femtometro

Figura 20: O universo do grande e do ínfimo, na potência de dez.

E agora? Podemos nos considerar o centro do universo? O ser mais importante do


planeta? E o que haverá depois dos limites? Existem limites? Fazemos notar que no sentido
que o físico Richard Feynman falou, ao dizer que “há mais espaço lá em baixo”, em alusão
aos espaços subatômicos, “para baixo” podemos ir até a 16ª potência de 10 e dizer que
chegamos aos limites da matéria e, “para cima”, irmos até a 23ª potência de 10 e pararmos.
Neste caso, só poderíamos continuar a nossa viagem pelo universo no limite de nossa
imaginação! E a pergunta fundamental é: Em ambos os extremos potenciais, tanto para o
macro quanto para o submicro, onde estão divisados a natureza e o homem, o sujeito e o
objeto? O que se pode antecipar sobre isto é que o avanço do conhecimento e as
potencialidades de seu grande impacto social ainda estão numa certa região que dista muitos
137

[...?]metros ainda do Yottametro (1024) quanto do Yoctometro (10-24).


Podemos assegurar então que quadro representacionista engendrou com muita
propriedade toda uma série de problemas existenciais interligados que dizem respeito à
fundamentação do conhecimento humano e a do conhecimento do homem em relação a si
mesmo, cujo fundo é o dualismo que os pressupõe. Problemas que dizem respeito aos meios
de que um homem dispõe para representar de forma precisa e adequada, um objeto, um outro
ser, ou ainda, as relações entre mente e realidade e entre linguagem científica e realidade.
Nietzsche criticou a separação nítida entre sujeito e objeto, admitindo que o sujeito somente
existe porque há um objeto ou vice-versa, debatendo-se com o representacionismo amparado
na suposição de que o mundo e o homem são entes separados e de que a linguagem é um meio
entre ambos, o que viria depois a ser fortalecido por Edmundo Husserl.
Para Nietzsche, todos os objetos práticos correspondem ao desenvolvimento de um
conjunto de ferramentas úteis e são uma invenção do ser pensante, do ato verdadeiramente
criador, no sentido de que se produz uma nova síntese de idéias e, especialmente, uma
combinação inédita de elementos que propiciam o ato de encontrar, reencontrar, reinventar a
vida, em que existe algo que nos coloca em contato com alguma coisa maior do que nós
mesmos. Nietzsche foi um grande crítico da idéia de que a finalidade da vida humana é tentar encarnar
em alguma coisa maior do que o meramente humano, ou filiar-se a tal, mas ao julgar as crenças
humanas como erros e mentiras, não conseguiu esconder o desejo de transcender a condição humana
desempenhando a linguagem um papel que serve a fins práticos para que o homem tenha
acesso às coisas tal como elas realmente são e compreenda a si mesmo e ao mundo. Nesta
acepção, invenção e descoberta se opõe, pois a invenção tem em si presente a marca da
potência criadora com que constantemente nos reinventamos “humanos”, sem comportar
nenhuma evolução nesta reinvenção infinda, nenhum ponto ou porto final, mas uma constante
revolução das figuras e formas em que momentaneamente nos inventamos, representamos as
coisas e a nós mesmo. Por isso, para Nietzsche (1977), a verdade não pode ser conquistada,
pois não existe, já que a verdade é não para ser encontrada e sim inventada81. Importa-lhe a
vontade de verdade como a expansão da vida, o perseguir alguma coisa a ser infinitamente

81
Em Nietzsche se expressa uma vontade objetiva de ultrapassar que não tem fim, no curso de uma finalidade
sem fim, em que a satisfação buscada no ato de ultrapassamento é a partida e não a finalidade, fazendo sua
crítica à limitação da visão teleológica que compreende o universo como tendo sempre um fim último a ser
alcançado. Para o filósofo, introduzir a verdade é uma determinação ativa, como algo que deve ser criada e que
dá nome a um processo que tende ao infinito, e não como devir consciente de algo, pois este seria ‘em si’ firme e
determinado, seria visar o retorno do mesmo; trata-se do próprio vir de novo, mas do que passa como expressão
do diverso. Esta seria a relação nietzscheana da verdade com a vida, não enquanto relação de adequação, cópia,
ascensão, mas como criação, como transfiguração.
138

criada, o que dá nome a um processo constante de acolher e rejeitar algo, para que a própria
existência possa se desenvolver. Em decorrência disto, o conhecimento não tem por objetivo
atingir uma verdade, nem tem nenhuma afinidade com o mundo, o que faz Nietzsche
introduzir nas considerações acerca do conhecimento humano um pragmatismo avant la
lettre, precedente, a serviço dos desejos humanos, à sua ânsia de liberdade, como um objetivo.
A verdade não é, pois, correspondência a uma realidade preexistente, mas é o apontar para
alguma coisa que se em algum momento vier a existir, o será como uma criação inteiramente
humana. Nietzche, porém, no que diz respeito aos feitos científicos, critica as ciências
positivas, por sua visão quantitativa da vida, sua intromissão na moral, e relação com o
estado. Numa clara reivindicação da vida, critica diretamente toda moral imposta como norma
de conduta, tudo o que se dirige contra os instintos da vida e também a ordem moral do
mundo, concebendo que esta ordem provém do homem, o qual possui metas e leis, que são
parciais e humanas. A questão ética implícita nesse modo nietzscheano de conceber a verdade
corresponde à vontade de expansão e de superabundância de vida, em que os valores
dominantes não são mais do que algo “humano, demasiado humano”.
Husserl e Heidegger romperão com a dicotomia ser-mundo. Husserl estabelece a
necessidade de observar os fenômenos tal e como estes se apresentam, despojados de toda
explicação, juízo e introspecção, alicerçando as bases da fenomenologia contemporânea. Em
Heidegger (1996), este empenho é levado ao extremo, o que o fez perguntar pela
fenomenologia do que pergunta, ou seja, pergunta, novamente, pelo “ser”, mas observa que o
“ser” está no mundo, que não há “ser” sem mundo. Argumenta que o “ser” se encontra
lançado ao mundo, que não pode descer dele nem dele despojar-se. Para o filósofo, o “ser” e o
“mundo” (a natureza) são um só e mesmo fenômeno (Ibid). Com isso, além de dissolver as
categorias de ser-mundo, dissolve igualmente as categorias de sujeito-predicado, de sujeito-
objeto, por onde abre a porta para que seja balançada a estrutura que sustenta a dicotomia
teoria-prática.
Muito depois do pragmatismo vitalista de Nietzsche (que considera a vida, e
especialmente a vida humana, como a realidade primordial ou central, em que o bom é tudo o
que favoreça a vida), esta corrente vai ser o primeiro broto importante e original do
pensamento norte-americano. O nome “pragmatismo” está unido, sobretudo ao nome de
William James (1842-1910), que foi o primeiro a usar por escrito esta denominação, no ano
de 1898, porém a recebera de Charles Sanders Peirce (1839-1914), o legítimo iniciador da
doutrina, que nasceu originalmente como um método no interior da filosofia deste, explicitado
139

e catalogado depois como filosofia por James que se tornou seu máximo expositor e
sistematizador. Vamos ter como continuadores desta corrente, por uma parte, na linha que faz
convergir com o pragmatismo norte-americano, especialmente na tradição de Dewey; por
outra parte, na linha da filosofia pos-nietzscheana de Wittgenstein e Heidegger que retomam o
impulso poético como caminho de reflexão e, finalmente, faz convergir com a crítica de
filósofos como Quine e Davidson ao essencialismo e ao dogma do representacionismo.
Logo, não é difícil constatar que o fazer, o saber e a elaboração dos horizontes de vida
do homem sejam conformes a uma determinada filosofia e compreendidos como
representação. Esta representação não é intelectual, mas uma imagem idealizada (o sujeito
representacionista converte o mundo em imagem, o “ente” é somente na medida em que é
estabelecido pelo homem que o representa), a compreendermos melhor o velho modelo
colonizador do Ocidente ele mesmo representante de uma matriz cultural.
A prática cotidiana do representacionismo, tal e como se vive, hoje, cotidianamente,
pode assumir para nos a forma de lição. Sem dúvida, o representacionismo se constituiu no
paradigma dominante da cultura e do pensamento ocidental ao longo da história, fazendo-se
expressivo nas grandes discussões presentes no pensamento em curso que giraram em torno
do caráter espiritual ou material da realidade, de como esta muda ou permanece, de quais são
as fontes de seu dinamismo, da sua consistência, da realidade última etc. A cultura e o
pensamento ocidental deram por legitimamente assentada a existência da dualidade “ser-
realidade”, como duas naturezas diferentes. Ao considerar, portanto, o quanto foi imperante o
modo de pensar afirmado na existência de uma realidade externa, objetiva, distinta, diferente
e independente de quem conhece, como nas tantas dualidades com as quais convivemos em
termos de pensamento e ação e, no que diz respeito ao conhecimento, à cisão teoria-prática,
cabe de partida proceder a mais séria e tenaz interpretação crítica possível dos debates,
contrastes e posições sustentadas no representacionismo, com conhecimento de causa
suficiente para fazer a crítica a este paradigma e aos seus efeitos quanto à qualidade das
opiniões, profecias, idéias e conhecimentos sobre a nanotecnologia, nos mais diversos setores
das sociedades. Também consideramos que esta preocupação deve levar em conta o que é
próprio do representacionismo que está na base do academicismo, nos modos individual e
solitário de sustentar posições, o que é comum na educação latino-americana. Não é tampouco
no âmbito do representacionismo nem do extremismo da absoluta solidão cognoscitiva ou
solipsista, de julgar-se como o único sujeito de experiências (com os argumentos de que em
140

tudo o que existe, só há um lugar de pensamento e só há um pensamento, o meu), que nos


serão possibilitados os modos de operar com a nanociência e suas produções.
Neste sentido, é importante revisitar: as colocações de Maturana e Varela, que
continuam congruentes com o desenvolvimento da filosofia do século XXI; as filosofias de
Husserl, de Heidegger e Wittgenstein82 (pós-Tractatus); as correntes anglo-saxônicas da
filosofia da linguagem, como na teoria dos atos de fala em John Langshaw Austin83 levada
adiante com a filosofia da linguagem de John Roger Searle84 e de Hubert Dreyfus, seguidor
do pensamento de Heidegger e um dos primeiros a esboçar uma crítica ontológica e
fenomenológica, apoiada na filosofia deste filosofo; a fenomenologia da percepção de M.
Merleau-Ponty; e outros mais que lhes acrescentam.
Richard Dreyfus (2001) considera que nosso corpo, incluindo junto as nossas
emoções, tem um papel decisivo em nossa habilidade de tornar as coisas significativas, tanto
quanto em indicar o que é relevante, como também em nossa habilidade em deixar as coisas
nos perturbarem. Mediante essas possibilidades de escolhas, adquirirmos habilidades em
nosso senso de realidade, em nossa confiança nos demais e, enfim, em nossa capacidade de
nos engajarmos em compromissos que confiram sentido a nossas vidas.
Se com Maturana e Varela, e com Heidegger, não há uma realidade externa, objetiva e
alheia ao “ser”, é importante que nos perguntemos em relação às tecnologias que aí estão: “o
que” e “como nós, os humanos, conhecemos”? Obviamente, sabemos que conhecemos desde
a linguagem e conhecemos na linguagem, que é um modo humano de estar no mundo, tanto
quanto a emoção e os juízos, que nos permitem abrir ou fechar possibilidades de coordenar
82
Refez seu caminho, que mantinha uma posição solipsista até sua obra lógico-filosófica Tractatus.
83
É uma teoria pragmática (teoria do uso da linguagem), que se refere a como a linguagem é usada pelas pessoas
no dia a dia para atingirem seus planos e intenções. Implica, pois, em que comunicar é agir, é uma ação
regular como qualquer outra, que deve ser gerada e processada, levando em conta que certas expressões são
como “ações físicas” que parecem alterar o estado do mundo.
84
A forma de intencionalidade mental, que é característica aos sujeitos humanos, é definida por Searle como
“intencionalidade intrínseca” ou original, pela capacidade humana de se relacionar com o mundo em geral por
intermédio de estados mentais intencionais. Estes são representações de objetos e estados de coisas desse mesmo
mundo, não apenas uma forma de intencionalidade do mental inerente à história biológica dos seres humanos e
de certos organismos com um tipo de estrutura cerebral que pode causar e sustentar estados mentais que são
intencionais, considerando que estes têm se dão independentemente do que qualquer outro ser humano pense.
Searle concebe a mente como um produto da evolução, não levando em conta nenhuma forma de explicação
teleológica, tendo por objetivo ao afirmar que a mente humana é um produto da evolução, não o de traçar uma
teoria histórica sobre a gênese e a evolução da consciência e da intencionalidade, mas o de servir-se de todos os
resultados de disciplinas como a Neurobiologia, a Biologia evolutiva, entre outras, para fundamentar uma teoria
sobre a natureza, estrutura e funcionamento da mente humana. Alguns exemplos desses estados mentais
intencionais são a fome, a sede, as crenças, os desejos, as percepções, as intenções, as lembranças etc. Considera
que a intencionalidade é importante para o entendimento de como se produz o comportamento humano, ou, em
sua linguagem, como a intencionalidade mental própria dos organismos biológicos individuais determina
condições de satisfação de modo que estes conseguem estabelecer relações com o mundo real, sendo cada
elemento importante para se explicar isso.
141

nossas ações. Por exemplo, se se está com uma perna fraturada, não se está disponível para
andar, para quase nada. Do mesmo modo, se se instala em nos o juízo de que a
nanotecnologia é um mal, é perigosa, é o fim do mundo, dificilmente teremos qualquer outro
valor para decidir sobre a mesma que não seja o de refutá-la. Para Maturana e para os muitos
dos pensadores que se coadunam com as suas idéias, nós humanos não vivemos na
linguagem. Em rigor, vivemos conversando, vivemos em conversações. E no dizer de
Maturana, as conversações são o trançado permanente da linguagem com a emoção.
Fenomenologicamente, si observamos o que os humanos fazemos, veremos que basicamente,
estamos quase sempre conversando. Estamos coordenando ações. Ditas ações apontam para
coordenações humanas e geralmente também envolvem o uso de objetos como úteis a mão,
como ferramentas que se manejam com destreza e que servem para que melhor coordenemos
outras ações. Nesta interpretação, a linguagem é ação. Nesta fenomenologia, aprender é
dispor das distinções lingüísticas que nos possibilitam entrar em novas conversações mediante
as quais ampliamos nossas possibilidades de coordenar ações. Se observarmos o fenômeno do
“conhecer”, faz pleno sentido a afirmação de que as ciências e as artes podem ser
consideradas “linguagens especializadas”, no sentido de que denotam coordenação de ações e
em um âmbito preciso: o das matemáticas, o da literatura, o da física etc.
Nesta perspectiva, as exigências tecnológicas novas e emergentes cobram um sentido
novo. Por exemplo, o domínio dos aparelhos para estudos de materiais à escala nanométrica,
se tornaram indispensáveis para criar simulações e mundos virtuais nos quais se façam
visíveis os fenômenos em sua complexidade, e se opere com eles trabalhando em equipes, ou
para que cada um possa desenvolver sua atividade específica, ou simplesmente para que cada
um faça o estudo que deseja ou simplesmente para ter o que conversar sobre os temas
complexos da vida do século XXI, como sobre a biotecnologia, células-tronco, clonagem,
colonização extraterrestre, nanotecnologia etc., que não são alheios às matemáticas, à
literatura ou a ciência, nem constituem “letra morta” senão conversação viva e ativa,
aprendizagem da realidade; da (realidade) que elaboramos e na qual estamos mergulhados
convivendo e conversando com os seres humanos.
142

4.1 NANOTECNOLOGIA: O POSSÍVEL ELO ENTRE NATUREZA E CULTURA

É quase um mistério da vida da gente


A luta da mente é quase que vã
Aquilo em que hoje se vê naufragada
Talvez será nada em nosso amanhã
E a 'Saudade da Minha Terra'
Está em minh'alma e em todo o meu ser
No palco da vida eu vou trabalhando
Mas quando sentir a cortina fechando
É na minha terra que eu quero morrer

(Gente deMinhaTerra,Goiá e Almir)

Com o reconhecimento de que a experiência humana é, culturalmente, incorporada, ao


serem colocadas em cena as limitações do representacionismo, pautado em encontrar a
correspondência precisa entre o objeto e sua réplica pelo sujeito, conseguimos situar melhor
em que se apóia hoje a aproximação de muitas áreas do conhecimento com a pesquisa
científica atual da cognição - e do que Humberto Maturana e Francisco Varela, com sua
sócio-biologia, chamaram de biologia da cognição, para a da forma como encarar a questão da
vida. Buscamos com ambos tornar mais claro o certo receio que existe em falar com sobre a
noção de nanotecnologia, que particularmente vemos muita cercada de uma sensibilidade
intelectual, uma posição niilista e pós-modernista da técnica. Entendemos que precisamos
ainda de muito suporte teórico e empírico para termos condições de avaliar a dimensão
presente naquilo a que se denominou Nanociência e que chamamos de conhecimento. O que
é a nanotecnologia e qual a relação entre a mesma com o problema epistemológico e
justificativo do conhecimento, são as dúvidas mais freqüentes neste momento atual.
Para Maturana e Varela, não faz sentido acreditar que o interior da nossa mente é a
única coisa que existe, tampouco não faz sentido a necessidade de provar que não existe só a
realidade exterior; assim nos colocam a posição de termos de conceber a existência de um
mundo exterior às nossas vidas mentais: um mundo fisicamente real, que depende da
estrutura de cada um de nós existindo, pois, tantas realidades quantas forem às formas
individuais privilegiadas de ver o mundo. Aqui nos reportamos à Nagel (1995), que afirma
que o fato de aceitarmos a existência de diferentes mundos, não significa que a realidade
seja múltipla. Não há uma realidade repartida em nanométricos fragmentos, um para cada
um de nós, neste caso. Nagel considera que os mundos diferentes são situações
143

epistemológicas, o que é contrário ao mundo no sentido ontológico; ou seja, o fato de haver


variabilidade, por exemplo, quando falamos macrocosmos, microcosmos ou nanocosmo, não
nos obriga a dizer que há diversos cosmos, ou diversas naturezas. Então, no seu modo de
ver, nós e a nossa realidade mental somos parte da realidade, mas parte, porque o mesmo é
válido para qualquer um que assim o afirme.
Nesse ponto, chegamos à delicada questão da “verdade”, mas já sabemos que
tentamos fugir do dualismo cartesiano, um exemplo de posição perante este problema, que
concebe a existência de consciência e a matéria como duas substâncias de natureza
irredutível; temos o fisicalismo, para o qual tudo o que existe é de uma só natureza, a física,
de modo que os nossos estados mentais também são, necessariamente, estados físicos.
Também citamos o monismo de Espinosa, que é outra possibilidade, em que o
filósofo, por muitos considerado “o gênio da liberdade”, defende que o pensamento e a
matéria são dois modos infinitos da mesma substância única, que designou “Deus”, mas não
entendendo “Deus” como um “ser” à parte e/ou externo ao mundo; para Espinosa, “Deus” e
“Natureza” são dois nomes para a mesma realidade, são a causa intrínseca, a causa primeira.
Na sua forma de abordar a natureza, numa visão estranha ao modo ocidental, consideramos,
parece estar mais de acordo com as mais sofisticadas concepções orientais - ele almeja o
bem viver, a forma correta de viver em harmonia e em equilíbrio no mundo, capaz de nos
conduzir ao viver em consonância com a harmonia maior da natureza. Isso representa a
própria expressão visível de Deus, a causa maior existente, sendo tudo o mais efeitos
resultantes. Para Espinosa, inclusive o homem (que hoje se pensa um deus) é uma
manifestação conseqüente, mas, por ter algo à semelhança da causa primária, é, também, ele
mesmo um co-criador, até mesmo de seus próprios problemas, por imperfeito ser que é,
contudo, um ser igualmente livre para escolher, fazer de sua vida algo com sentido,
especialmente o seu próprio aperfeiçoamento humano, segundo os limites que lhe é dado
pela natureza. A partir de seus pressupostos sobre conhecimento intelectual e a afetividade
ativa que dele decorre (contentamento de si e amor intelectual de Deus), nos oferece a ética
de Espinosa uma teoria coerente acerca da natureza dos juízos de valor. Trazendo para essa
discussão também Foucault, que investiga a questão do sujeito mas afastar-se das teorias
sobre o mesmo e dirigindo-se às formas da relação através das quais o indivíduo se constitui
e se reconhece como sujeito, como experiência, como podendo e devendo ser pensado,
tendo como fio condutor de sua análise o conceito de “cuidado de si” para caracterizar o
conjunto de experiências modificadoras do sujeito, a que tenha acesso à verdade e
144

transforme o ser de si mesmo, tomando a isto como ponto de partida de uma moral do
sujeito ético da ação; neste caso, também Foucault nos oferece com sua ética uma teoria
coerente acerca da natureza dos juízos de valor. E Husserl com sua fenomenologia da
existência e seus desdobramentos concretos, afetivos e existenciais.
Por acaso, parece que vivemos hoje o confronto de duas grandes concepções éticas:
uma subjetiva e outra objetiva; uma natural, que já observamos em capítulos anteriores que
marcou profundamente a formação humanista ocidental, e uma outra a priori, como ponto
de partida da maior parte das teorias éticas posteriores a Kant; ambas, ao mesmo tempo em
que são mutuamente críticas, não o são uma elucidativa da outra? Cabe indagar se por acaso
as éticas atuais, como as teorias da técnica, da justiça, e da comunicação, por exemplo, não
se alimentam nestas duas fontes? Temos ainda a acrescentar que Nietzsche e Max Scheler
coincidem em atribuir a gênese dos juízos de valor, que integram o ethos da modernidade,
ao ressentimento provocado pela consciência de inferioridade dos fracos, à força da religião
cristã e da burguesia. António Damásio que interpreta a maneira como pensamos a relação
entre os nossos sentimentos e as nossas emoções, apontando que falta ainda muito que fazer
na investigação do problema mente-corpo, e que a compreensão dos conflitos internacionais
poderia ser melhorada se houvesse uma compreensão mais correta do que a que se passa no
mundo das emoções. E Maturana e Varela, com suas obras voltadas para a discussão dos
fundamentos biológicos do conhecimento e do autoconhecimento.
Sem ser preciso nos remeter a tantos outros pensadores expressivos, afirmamos que,
para nós, essas dificuldades se prendem, sobretudo, às heranças do representacionismo e do
solipsismo, nas suas formas estanques, que nos afastaram da importante questão da
“compreensão do si” para alcançarmos a “compreensão do outro”. Não sabemos se convém
o termo, mas diríamos da aceitação do “estrangeiro”, do “estranho”, que invade nossa
realidade, como parece ser o caso da forma de defrontar-se com a invasão de tantas
tecnologias, que, por suas características tão exotéricas, muitas delas são vistas como objetos
“alienígenas”, sem que se tenha qualquer idéia de que planetas vieram. Interferimos que,
perante tais questionamentos e impasses, as contribuições de Maturana e Varela são
importantes, porque conferem alguma autoridade a cada pessoa sobre o que pensa a respeito
da natureza, do homem, da ciência, da nanotecnologia. Assim, faz sentido que a certeza no
chamado conhecimento puramente objetivo seja inviável, porque, mesmo que muitas
doutrinas de pensamento tivessem defendido isso, ambos os autores não concebem o
145

observador separado dos fenômenos que observa, nem como um deus no topo de um “tripé”
que observa de fora um fenômeno: trata-se de um observador atuante, em ação.
Se tomarmos como certo os postulados de que o conhecimento opera como um
sistema determinado, desde o interior, mediante suas próprias estruturas, e que isto traz
como conseqüência que o observador não pode dar explicações da realidade, se não somente
as que tenham sido produzidas por suas próprias operações e que ocasionam uma mudança
estrutural determinada em sua estrutura temos um contraponto. Existindo tantas explicações
quanto observadores que participam nelas, teremos a oportunidade de abarcar a realidade e
de estabelecer fatos simples ou complexos, seremos capazes de saber se uma dessas tantas
explicações se corresponde com uma realidade comum (e objetiva, além disso); de saber se
o processo de estabelecimento do próprio fato científico incide sobre um observador em
forma distinta com respeito a outro, em virtude de que, em cada um deles, transcorrem
operações singulares, que ocasionam mudanças estruturais singulares de sua própria singular
estrutura.
O que pudemos inferir até aqui, e assinalar é que se somos determinados pelo modo
como se interligam e funcionam os “fragmentos”, para não dizer partes ou divisões, de que
somos feitos, ou seja, pela nossa condição de natureza, a visão que cada um de nós pode ter
de alguma coisa, só pode desencadear em nós o que essa condição possibilita. Neste ponto,
Maturana e Varela entram na questão da “verdade”, com sua argumentação lógica de que a
partir de uma visão dividida e limitada às custas da tradição cartesiana, não podemos chegar à
“verdade” e mostrá-la aos outros, como sendo a “verdade” que julgamos ser a mesma para
todos. Isso é válido para a forma como as tecnologias estão sendo entendidas na sociedade.
Os autores também destacam, com relação a esta forma de operar do organismo e na
descrição das suas condutas, a importância do papel da linguagem humana, cuja
recursividade se institui como um sistema infinitamente produtivo de contínuas relações e do
que chamam acoplamentos estruturais. Quiseram-nos mostrar com o conceito de autopoiesis
(que de algum modo nos reporta a techné e à poéisis dos gregos, no sentido do fazer bem
feito e do revelar), que não vivemos de meros contatos com o mundo nem a processar cópias
dele ou submetidos, simplesmente, aos seus bombardeios de todos os lados e tipos, como
alvos das pressões do ambiente, mas que existe uma autêntica congruência de
comportamentos entre vários sistemas ou unidades. Deduzimos que estes modos de operar
são, além de consensuais, recorrentes e recursivos, porque se trata de uma congruência que se
repete de modo contínuo e sistemático e porque os resultados desse processo são novamente
146

imersos no próprio processo, num sistema infinitamente produtivo de contínuas relações e


acoplamentos estruturais. Além disso, concebem primazia ao papel da linguagem e da
emoção, não havendo outro modo humano de estar no mundo sem poder dispor de ambas.
Estas disposições, que ao longo do tempo perderam algo de sua precisão e virtude, ocasionam
modificações profundas, tanto na paisagem corporal, como na paisagem cerebral do homem
(DAMÁSIO, 2004), a ponto de se poder pensar que delimitando tipos de ações possíveis, a
rigor, não há distinção entre o humano e o não-humano no que diz respeito às emoções. Neste
sentido, Merleau-Ponty (1992) também apresentou sua visão de corpo, como um fenômeno
complexo, não reduzido à perspectiva de objeto, nem como coisa, nem como idéia, mas
relacionado com motricidade, percepção, sexualidade, linguagem, mito, experiência vivida,
bem como à poesia, ao sensível e ao invisível. Estas, portanto, são formas de trazermos para
outros as nossas experiências, e para torná-las compreensíveis e explicáveis para nós
mesmos.
Esta ênfase dada à emoção nos remete de certo modo a importância concedida também
por Nietzsche à arte, à poesia e à beleza, como formas de “vencer” o domínio puro do homem
observador designado a configurar o mundo; o mesmo deus do tripé de Maturana e Varela que
olha tudo do topo. Duro poder este que compete ao puro intelecto de criar no homem a ilusão
de ser o centro do mundo, a fazer com que o universo cobre uma ordem para si mesmo, uma
ordem ilusória, onde se pode viver só o reinado próprio. Ao nos reportarmos a esta situação,
lembramos do que Nietzsche traduz como criação85 de um mundo que está em jogo; uma
criação livremente interpretativa que cada um faz de seu mundo para romper com velhas
convenções pragmáticas, dirigindo-se, assim, para outro mundo.
Por mais que quiséssemos aprofundar uma possível relação entre as perspectivas de
Nietzsche e dos biólogos Maturana e Varela, esta passagem nos lembra Hegel, quando se
referiu à árdua tarefa do pensar, e à expressão nietzscheana da alegria no jogo com a
linguagem, nas opiniões e intuições e nas formas específicas do saber legado em formas

85
Para Nietzsche, criação (ou latência) não é o que se tem pressuposto como desejo de poder, nem como o
querer subjetivo do homem, mas como aquilo que quer na vontade, que deseja conquistar, uma vontade de
durar, permanecer vivo. Enfim, criação é no homem o impulso para fora de si, de autoconservação da vida para
se satisfazer no objeto, ao mesmo tempo em se que realiza a experiência da satisfação e da insatisfação, isto é, da
satisfação com a reprodução infinita da necessidade e da insatisfação enquanto desejo permanente. Nessa gama
de movimentos, tanto o que se chama de bem como o que se chama de mau, são condições pragmáticas da vida e
da luta pela afirmação da mesma. Para Nietzsche, então, tudo o que diz respeito ao corpo está naquilo que ele de
fato é cada um dos nossos movimentos corporais, conscientes ou não, são exatamente tudo aquilo que o corpo é:
vontade, desejo, impulso em direção à procura do prazer e à fuga da dor. Isto é importante para situarmos o papel
das células-tronco, da nanotecnologia, por exemplo, hoje bastante aliadas à cura da dor, ao prazer, ao alívio do
mal.
147

lingüísticas, que podem ser designadas como saber prático. Ao menos não se recai no curso
determinista da finalidade em tal mecanismo, mas com as características que a experiência
humana vivida determinou (DELEUZE,1976), e que as novas ciências da mente e também a
filosofia ocidental precisam abarcar como possibilidade de “transformação da experiência do
homem” tanto em si mesmo como em relação aos demais seres. Estamos de acordo com
Varela (2000), ao considerar que a experiência cotidiana precisa enriquecer-se com os
conceitos e análises que as ciências cognitivas têm alcançado, o que aproxima o “mundo da
vida” de Husserl (defende o retorno ao mundo vivido, oculto pela impregnação dos resultados
científicos e com suas influências projetadas sobre a experiência sensível), cuja tarefa precisa
se tornar clara, do “mundo do mais-ou-menos”, do impreciso de Koyré (1980), e que a vida
cotidiana permita um desfrutar do tempo vivido não tão restrita ao universo da precisão.
Desse modo, é possível que muitas das questões que à simples vista se apresentam
como científicos e técnicos, em especial com relação à nanotecnologia, assunto que estamos
explorando neste estudo, não sejam mais tratados separadamente de outras importantes
preocupações intensamente éticas, que, por sua vez, reclamam uma compreensão
distintamente nova, e do mesmo modo, profunda a respeito da dignidade da vida humana. Daí
o ponto central em que se insere a ética: quando o mundo da vida – em nossos ditos
macromundo, micromundo e mais recentemente, nanomundo - é pensado como a nossa
história corporal e social, tomando a direção da sua origem e desenvolvimento em curso,
depois que a vista foi impressionada pela filosofia abstrata, traço tão comum à filosofia
ocidental (alheação tanto na racionalidade clássica, classificando a experiência como
conhecimento inferior, como na racionalidade moderna), em que a experiência é objetivada,
controlada, calculada e convertida em experimento, a ética merece ser colocada em situações
fundamentalmente novas. Nossos gestos, nossas posturas corporais, as manifestações e
respostas imediatas de nosso corpo são atos de natureza propriamente ética em que nos
desenvolvemos cotidianamente, representando o tipo mais comum de conduta ética que
manifestamos em nossa vida normal, o que nos permite dizer que tanto a ética como o
conhecer habitam o corpo e, pela mesma razão, estão entrelaçados.
Segundo Varela, com relação ao reconhecimento da importância da experiência
humana, esta foi uma tarefa que ficou pendente nas ciências ocidentais. Entretanto, sem perda
de tempo devemos começar a pôr em evidência que nossos corpos não são tão somente
estruturas físicas, mas também estruturas vividas e experienciais, o que se pode fazer
seguindo por caminhos teóricos acerca da vida e da mente e, por outra parte, de nossa
148

autocompreensão cotidiana. De acordo com o biólogo, foi o fenomenólogo Merleau Ponty


quem alcançou esta dupla dimensionalidade da corporalidade e seu entrelaçamento contínuo,
que experimentamos na cotidianidade.
Varela chama a atenção para o fato de que, em nossos dias não existe, nem na ciência,
nem na filosofia do ocidente, ou seja, nem em termos teóricos como empíricos, um enfoque
direto e pragmático da experiência com o qual ambos os campos possam complementar-se.
Portanto, é necessária abertura às tradições de sabedoria não ocidentais, mediante as quais se
possa examinar disciplinadamente a experiência. De modo mais direto, Varela faz alusão à
exploração pragmática e filosófica herdada de uma parte do budismo zen, em sua prática
meditativa.
Quando fala de “neurofenomenologia”86, com vistas a ampliar o horizonte das ciências
cognitivas, Varela torna mais explícitos os elementos tomados das correntes fenomenológicas,
em coerência com o desenvolvimento da filosofia do século XX. Especialmente, dialoga com
os filósofos alemães Husserl e Heidegger, com o mundo da experiência nietzscheana, além
de abordar as influências das correntes anglo-saxônicas da filosofia da linguagem,
expressivamente de Johnn R. Searle e Hubert Dreyfus e da fenomenologia da percepção de
Maurice Merleau-Ponty. Husserl, com seu conceito de intencionalidade, em sua formulação
clássica, base da fenomenologia que exalta a interpretação do mundo que surge
intencionalmente à consciência, enfatizando a experiência pura do sujeito.
A intencionalidade da consciência está direcionada para algo, o que significa que não
existe uma pura consciência, separada do mundo, mas toda consciência tende para o mundo, e
é consciência de alguma coisa. Husserl mostra a importância de colocar a nossa própria
experiência da realidade na forma de ver os fenômenos. Heidegger, com seu conceito de
hermenêutica da facticidade, correspondente a uma interpretação do ser humano e da vida
cotidiana, não pretende restringir a interpretação à linguagem verbal, o que seria falar numa
linguagem meramente instrumental, autônoma em relação ao sujeito lingüístico; o filósofo
entende que o sujeito interpreta todo momento, não só o mundo, mas também, a si mesmo; e a
linguagem, nesse caso, faz parte da própria constituição do indivíduo e de suas experiências
no mundo.

86
Varela destacou-se como estudioso de relevância mundial no campo da neurociência cognitiva, abrindo vias
exploratórias através do que denominou neurofenomenologia, onde aparece a influência de Maurice Merleau-
Ponty, as contribuições da fenomenologia e do pragmatismo, e também o vínculo que faz entre a fenomenologia
e as tradições da sabedoria oriental.
149

Searle, em poucas palavras, chamou a atenção para o fato de que o fator causal da
percepção integra a própria experiência do sujeito que percebe. Isso quer dizer que a causação
perceptual não é apenas por nós indiretamente conhecida, inferida a partir do que sabemos
acerca do mundo, mas é diretamente dada na própria experiência perceptual. Para Searle, o
conteúdo da intencionalidade sensorial é causalmente auto-referencial, o que passou
despercebido para toda a tradição representacionista - da “teoria das idéias” de Locke e
Descartes às atuais filosofias da mente e neuropsicologia cognitiva. Segundo o filósofo, John
Searle (2000), a confiança ocidental na racionalidade humana foi abalada no século XX em
virtude de alguns resultados surpreendentes a que chegou a ciência, particularmente a Física.
Searle e Dreyfus estabeleceram debates em torno da noção de intenção-em-ação e da
adequada caracterização a ser oferecida das capacidades, habilidades e práticas que
constituiriam o pano de fundo dos comportamentos intencionais.
Para Merleau-Ponty, consciência e corpo são tidos como inseparáveis. Há uma
consciência perceptiva complementar à consciência representativa, não se podendo separar o
sujeito e o objeto, como fazem as ciências naturais e as ciências sociais de base positivista.
Como Husserl, Merleau-Ponty enfatiza o conceito de ser-no-mundo, buscando compreender a
experiência do mundo vivido e sua expressão pelo corpo próprio. Para o filósofo, o corpo
encarna a possibilidade de compreensão dos gestos e das palavras, cuja apreensão está na
reciprocidade de comportamentos vividos na dimensão social, mas cujo sentido da linguagem
expressiva foi expropriado da palavra pelas concepções empirista e idealista, fundadas na
dicotomia cartesiana. Concebe que a expressão de linguagem modifica e transcende o
fenômeno dado na percepção, transcendendo-se a si mesma, já que seu movimento consiste
sempre em nos atirar além, nas fronteiras entre o visível e o invisível, sondando as relações
entre um mundo e outro. Desse modo, inclui-se a experiência vivida num escopo mais
abrangente, chamando a atenção para o poder de conhecer de que dispomos pela experiência
vivida, algo que a ciência ocidental não conheceu por supervalorizar os meios e fins das
parafernálias tecnológicas e desprezar as práticas de atenção-consciência presentes nas
culturas orientais milenares.
Como já mencionado antes, no sub-capitulo 3.1, estas foram e são freqüentemente
consideradas práticas (ou experiências) místicas, metafísicas, religiosas e transcendentais, por
afirmarem uma íntima proximidade da consciência com a realidade, apegada ao mundo, capaz
de tocar o até então “incognoscível”, em novas bases de ação, pelas vias convencionais do
aparato sensorial.
150

Sob o enfoque do conceito de enação87 (ou cognição corporificada, que articula os


dois níveis ‘pensar’ e ‘fazer’, organizada precisamente pelo corpo), a noção de representação
é revisitada em Varela (2003) e o papel de sua primazia é por ele deslocado, passando a
cognição a ser compreendida como interpretação, que emerge nas capacidades do
entendimento da relação entre o eu e o mundo, entre corpo e mente. Estas capacidades têm
origem na estrutura biológica do corpo, são vividas e experienciadas no terreno da ação
consensual e no domínio histórico-cultural, posto que o conhecimento é incorporado (pelo
fato de sermos corpo), ou seja, transformado em prática, e nossa corporalidade implica uma
gama imensa de possibilidades sensório-motoras, e já que estamos imersos em contextos
múltiplos. A enação enfatiza, portanto, a dimensão existencial do conhecer, que emerge do
vivido com o corpo em ação. Nesta expressão da corporeidade ou expressão do humano, não
vinculadas à concepção dualista da corporeidade, coexistem os pensamentos racionais,
empíricos e técnicos, e os pensamentos simbólicos, míticos e mágicos, com que se produzem
os mais diversos fenômenos e distintas realidades (como a consciência, a espiritualidade, o
vital, a corporeidade como corpo pensante, a conexão entre natureza, sociedade e seres vivos,
entre outros), o que um campo disciplinar, isoladamente, não consegue explicar.
Consideramos que esta evidência se converte em um denso princípio para a
aproximação do modo de agir técnico e uma refundamentação do ético-político em geral,
fonte para uma forte reflexão filosófica a respeito da nanotecnologia e suas implicações
éticas. Podemos a partir desta tentativa, caracterizar um “novo paradigma”, já que no
tradicional em que vivemos até agora, a exclusão de relações entre dimensões tão essenciais
da condição humana produziu e produz conseqüências éticas importantes, dentro e fora do
âmbito das teorias científicas.
Como fundamento para tal compreensão, tem-se basicamente a concepção de
plasticidade do sistema nervoso e dos processos sensório-motores. Esta compreensão não se
opõe às concepções de percepção e motricidade em Merleau-Ponty. Fundamentados em
Varela (1997), consideramos que o construtivismo e o representacionismo propõem uma
supremacia do sujeito com relação ao objeto. Nesta enação88, o agente cognitivo, no enfoque

87
Enação é um neologismo que corresponde à tradução do termo inglês enactio. Vem do verbo enact, que
significa “efetivar” ou “atuar”, daí ter sido traduzido também como atuação. O termo é proposto por Varela para
substituir a “representação” como categoria cognitiva privilegiada, valorizando a especificidade conceitual.
Trata-se de uma categoria híbrida de “pensamento” e “ação”, assim como na tese de Bergson da
indissociabilidade entre percepção e ação, a percepção é uma categoria híbrida de “matéria” e “memória”,
rejeitando qualquer pretensão de hierarquia entre seus componentes.
88
Vale lembrar que o termo enação, proposto por Varela, relaciona-se diretamente com a compreensão
da cognição (Maturana e Varela, 1997), e, para o autor, depende da experiência de ter um corpo e suas
151

enativo, surge junto ao mundo que conhece e não pode afirmar sua primazia a respeito do
conhecimento. Assim vemos que todas as tecnologias surgem com o homem e o mundo,
simultaneammente, como expressão da vida em curso, em suas “bricolagens” e
“parangolagens”, sem clichê, mas no sentido com que vemos a capa da vida, que não
desfralda plenamente seus tons, cores, formas, texturas, as impregnações dos seus suportes
materiais, senão a partir dos movimentos, da sua dança inquieta e constante, da sua
criatividade, do seu percurso construtivo, divertido e trágico, ao mesmo tempo, sem esquemas
predeterminados, que nos dá sentido ao momento presente, criando laços de amizade, de
amor, de afetividade, fazendo redes e nos fazendo livres; livres porque queremos.
Retomando o caso da visão representacionista, ao conceber que somos separados do
mundo e que o mundo, existe independentemente de nossa experiência, não apenas a teoria
foi convertida numa atividade pura do pensamento, e o teórico, em um mero e desinteressado
expectador limitado a descobrir o mundo tal como “é”, mas também criou um profundo fosso
que separou a ciência da experiência humana. Ou seja, os objetos de estudo da ciência (o
universo da objetividade) se tornaram um “aí ativo”, colocados frente ao sujeito (o domínio da
subjetividade), um elemento passivo no ato do conhecimento. O conhecimento não opera por
representação do mundo exterior, mas está intrinsecamente atrelado ao mundo em relação de
co-especificação mútua: sujeito que conhece e objeto conhecido especificam-se mutuamente,
ou se co-especificam. Consideramos que o representacionismo, com a sua concepção de
mente como “espelho da natureza”, também produziu conseqüências práticas e éticas a
exemplo do que aconteceu com muitas outras posições teóricas. No sentido de serem as
representações mentais concebidas como entidades de existência independentes com respeito
a algo e que ocupam o lugar de alguma outra coisa, de um outro conteúdo, restou ao ser
humano interagir bem mais com representações de coisas e de pessoas do que com objetos e
com seus semelhantes. Deste modo, as representações alcançaram o poder de guiar
comportamentos ou modos de ser, carregando um conteúdo e culminando em um
comportamento como o que subjaz à pretensão de que continuemos convencidos de que
somos separados do mundo, e de que o mundo existe independentemente de nossa

capacidades sensório-motoras enquadradas num grande contexto cultural e biológico. Percepção e ação são
inseparáveis, operam juntas, e o mundo é recriado por seus acoplamentos estruturais. Assmann (1996) traduziu
enação como “fazer emergir”, a partir do espanhol enacção e do inglês enaction. A cognição emerge da presença
do corpo, da experiência vivida e da capacidade de se movimentar do ser humano, não podendo ser separada de
sua linguagem, de sua história. As ações do corpo, neste lugar, fazem de cada participante um agente de enação.
O sistema cognitivo cria, pois, seu próprio mundo, que resulta de aspectos internos preexistentes os quais,
mutuamente ou em co-determinação, definem eles mesmos o mundo a ser criado por seu acoplamento estrutural.
152

experiência. É ignorada justamente a criatividade e a inventividade humana, que coloca a


própria nanotecnologia como um extra-mundo, um “fetiche insuportável”, extra-humano,
capaz de intervir mais fortemente que o próprio ser humano. O homem, além de resolver
problemas, tem a capacidade de criá-los, e é problematizando o mundo que transforma o
próprio ambiente em que vive relacionalmente. Não está, portanto, à mercê da imposição do
mundo, mas estabelece com ele algo mais que uma interação, uma relação de mútuo
acoplamento, sem considerá-lo como algo predefinido de modo que se limitaria a representá-
lo. Esta relação Foucault já admitia:
Haverá coisas, com sua organização própria, suas secretas nervuras, o espaço que as articula, o
tempo que as produz; e, depois, a representação, pura sucessão temporal, em que elas se
anunciam sempre parcialmente a uma subjetividade, a uma consciência, ao esforço singular de
um conhecimento, ao indivíduo psicológico que, do fundo de sua própria história, ou a partir
da tradição que se lhe transmitiu, tenta saber. A representação está em via de não mais poder
definir o modo de ser comum às coisas e ao conhecimento. O ser mesmo do que é representado
vai agora cair fora da própria representação. (FOUCAULT, 2002: 330).

Frente à postura extrema do representacionismo, que afeta sobremaneira a visão sobre


a que veio a nanotecnologia, está o solipsismo que literalmente se esquece do ambiente e se
centra, segundo Varela, nas conexões neuronais. Ocorre um isolamento do indivíduo e da
própria técnica em face do pensar e do agir, a desprezar o lugar que ocupa uma comunidade
social em postular caminhos éticos e regras morais para o convívio em sociedade. Na
compreensão de Apel (1994), o pensamento monológico é a expressão nítida de uma falácia
abstrativa construída nas pretensões particulares de um autor que, por sua vez, compromete o
seu convívio social pelas trágicas conseqüências práticas de sua responsabilidade solidária.
Para alcançarmos novos resultados, que reconduzam às discussões sobre a técnica, não
apenas Maturana e Varela, mas muitos outros autores, cientistas naturais, filósofos e cientistas
sociais89 estão enfatizando a necessidade de que o trabalho científico não deva afastar de suas
preocupações qualquer aspecto da experiência humana e seus elementos constituintes.
Tampouco as questões sobre a experiência subjetiva, os valores imediatos específicos e a
dimensão qualitativa devem ser marginalizados, como se a ciência, embora seja uma espécie
de contraste do “sentido comum” do conhecimento, mas nele busca seu dínamo propulsor

89
Podemos citar: o sociólogo e filósofo Edgar Morin; o filósofo Karl Otto Apel; o sociólogo Zygmunt Bauman;
o filósofo e sociólogo Jurgen Habermas; o entomologista e biólogo Edward Osborne Wilson; o filósofo John
Rogers Searle; o filósofo, sociólogo e teólogo Hugo Assmann; o filósofo e político italiano Gianni Vattimo; o
filósofo, matemático e físico teórico Gérard Fourez; o físico e filósofo Alan Francis Chalmers; o sociólogo
Boaventura de Sousa Santos); o físico e biólogo Edoardo Boncinelli; o filósofo e psicanalista Umberto
Galimberti; o filósofo Giorgio Agamben; o médico e neurocientista António Damásio; o filósofo da política,
Roberto Esposito; o sociólogo, Laymert Garcia dos Santos; o sociólogo do conhecimento Yves Lenoir; o
psicólogo e lingüista Steven Pinker, entre outros.
153

para seguir em frente, não fosse um trabalho feito por humanos. Trata-se de uma experiência
noutra concepção, no sentido de que fala Walter Benjamin (1984, p. 25), como aquela na qual
somos tocados, de onde saímos transformados. Por isso é que esses autores, que estão
reformulando a discussão, vêm se apoiando em conceitos capturados das ciências naturais e
nos conhecimentos da genética e das neurociências, relacionando-os, de maneira consistente,
com trabalhos pertinentes, mas de outras disciplinas, como psicologia, sociologia,
antropologia, primatologia, lingüística e biologia evolucionista, entre outras.
É neste rumo que o neurologista António Damásio90, na abordagem da natureza do
homem e das regras da vida social, argumenta sobre a necessidade da inclusão das ciências
sociais e humanas ao lado das neurociências e das ciências cognitivas, dizendo que: “Para isto
é preciso empregar uma abordagem experimental ampliada: além das neurociências e das
ciências cognitivas, deve-se levar em conta as ciências sociais e humanas.” Edward O. Wilson
(1999) também considera que a biologia pode preencher o hiato entre as ciências da natureza
e as ciências humanas. Por sua vez, Norbert Elias denuncia a cisão entre ciências humanas e
naturais como produto do desenvolvimento de um conhecimento estanque e particularizado.
Como conseqüência disso, fica mais difícil captar as múltiplas relações estabelecidas entre
homem e tempo. Parece que a ciência ainda carece de instrumentos para captar eventos de
forma processual e interdisciplinar. Elias faz comparações dos modos como diferentes
civilizações determinam o tempo, estabelece funções universais para o modo como esse
coordena as experiências humanas entre natureza e sociedade. Este sociólogo diz ainda que
A tendência de cada grupo de cientistas de considerar seu próprio domínio como sacrossanto e
como uma fortaleza para proteger intrusos com um fosso de convencionalismos e ideologias
comuns àquela especialidade, obstrui qualquer intenção de relacionar as distintas áreas
científicas mediante um marco de referência teórico comum. Tal como estão as coisas, é difícil
derrubar essas barreiras, quando nos ocupamos do problema do tempo (ELIAS, 1989, p. 110).

Não se pode negar que estas são tarefas árduas, pois, como pondera Ridley (2004, p.
384): “Em vez de um progresso majestoso para o esclarecimento, o século XX tornou-se um
choque de idéias, uma guerra de cem anos entre as forças da natureza e as forças da criação”.
E como estamos tratando de avanços da técnica, em especial, falando de nanotecnologia,
afirmamos uma posição deste autor de que a linguagem e a tecnologia alteraram
drasticamente o destino da espécie, mudando a cada ano, a cada dia. O salto cultural dado,
mas tardio para Ridley (Idem, p. 284) em relação à evolução humana, como num zás foi

90
Entrevista concedida por António DAMÁSIO. Revista: Viver Mente & Cérebro Scientific American Ano
XIII Nº 143, dez. 2004 (www.vivermentecerebro.com). Disponível em:
<http://www.psiquiatriageral.com.br/cerebro/entrevista_antonio_damasio.htm>. Acesso em: 12 de nov. de 2007.
154

mudando o mundo, a vida, sem esperar que os genes a alcançassem. À maneira do pensar
proustiano, os dias, talvez, continuem iguais para um relógio, mas não para o ser humano.
Ridley (Idem, p. 289), em sua tentativa de examinar os critérios sobre a relação entre natureza
e cultura, iluminada por uma linguagem leve, argumentar, que os genes são uma espécie de
“dentes de engrenagem” e não “deuses no céu”, fazendo, por isso mesmo, muito mais que
simplesmente portar talentosas informações, como numa caixinha de surpresa. Os genes estão
abertos à experiência, absorvem-na, intercambiam com ela e até a norteiam; “reagem” a
fatores ambientais e acoplam-se aos mesmos, enfim, nos fazem perceber que o sucesso da
natureza e da cultura não são excludentes, um não implica na derrota do outro. “Não se
‘observa' do mesmo modo um neutrino, um micróbio, uma cratera sobre a Lua, uma nota de
música, um gosto de açúcar ou um pôr-do-sol” (FOUREZ, 1995: 41).
Com base nesses novos posicionamentos, ponderemos que a nanotecnologia deverá
também marcar outras conquistas e transformações na sociedade, assim como outras
inovações anteriores representaram avanços sociais e assinalaram o tempo de determinada
sociedade. Se pensarmos ao modo de Heidegger (BRUSEKE, 2005) a respeito do significado
do “morar”91, que para nós acontece sempre no mundo como um “morar-junto”, junto com
as coisas e com os outros (um dos pilares da ética finitista de Heidegger, que implica grandes
conseqüências para o comportamento social), numa espécie de resguardar-se, “lugar” e
“morar” - o que nos faz pensar no rumo das mudanças que com a nanotecnologia estão
despontando, como a capacidade ampliada de “espaço” na hora de armazenar informações,
que pode encolher a níveis absurdos o tamanho do suporte para gravá-las - , ganham outros
contornos, e consideramos que, no sentido ético, também. Pensando em “lugar” e “espaço”
com a nanotecnologia se torna possível a configuração e a mensuração de grandezas físicas de
diversas naturezas, como as que se referem à idéia de universo que temos e às conquistas
espaciais.
Na vida tem sido assim, temos de fazer coisas a todo o momento, e cada vez que
precisamos tomar uma decisão ou temos que fazê-las, uma dura realidade se impõe a nós,
segundo alerta Galimberti (1999b, p. 38-9): a de que vivemos na ilusão de que controlamos o
futuro, enquanto que é a técnica a forma mais alta de racionalidade e determinante dos rumos
da humanidade. O filósofo considera que não é mais a ética que escolhe o fim e instrui a
técnica a encontrar os meios, mas é a técnica que, assumindo como fim os resultados dos seus

91
BRÜSEKE, Franz Josef. Ética e técnica? Dialogando com Marx, Spengler, Jünger, Heidegger e Jonas
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/asoc/v8n2/28604.pdf>. Acesso em: 12 de outubro de 2006.
155

procedimentos, condiciona a ética obrigando-a a tomar posições sobre a realidade, não mais
natural, mas artificial, que a tecnologia não pára de construir e tornar possível,
independentemente se a posição tomada seja ou não ética.
Sublinhamos, quando Galimberti fala que o agir se subordina ao fazer pelos ditames
da técnica, que na visão pragmatista-kantiana, assim nos parece, existe um desacreditar da
antecipação de uma teoria ética dogmaticamente construída, senão que concebe que cada um
tem o poder de pensar por si mesmo, com respeito à pergunta sobre como viver. É importante,
então, que busquemos pensar em como podemos impedir que os homens façam tudo o que
puderem desenfreadamente fazer, mas sem a ‘moral da intenção’ inaugurada pelo
cristianismo, nem em termos da razão pura prática de Kant 92, ambas (também conhecidas por
deontológicas) sustentadas no lema máximo da ética que é o bem comum e em reflexões
éticas, aptas a asseverar que o homem é o fim último e o maior de todos os valores. Ambas
são ainda baseadas no dever e implicam ações que devemos executar ou não e num agir
moralmente, que equivale a cumprir o nosso dever, sejam quais forem as conseqüências que
daí surgirem. Por sua parte, a ética cristã, sem renunciar ao formalismo, pretende uma
sociedade justa que pode ser realizada somente no respeito pela dignidade transcendente da
pessoa humana, o que representa o fim último da sociedade, em que o Deus legislador é que
decide o certo e o errado. É a caridade que reúne todos os homens e que faz de todos irmãos
entre si dos seus semelhantes. Kant, por sua vez, imputando à razão a capacidade para criar
leis morais de aplicação universal, substitui o Deus legislador da ética cristã pela razão
humana universal. Ou seja, é a razão universal que dita a lei moral. É certo que existem coisas
que são universais à forma humana, atributos pertencentes à nossa essência de seres pensantes
e comunicantes, mas existem também diferenças entre indivíduos. Para ambas, ética cristã e
kantiana, a razão é que comanda o bem, as paixões deveriam ser domadas pelo intelecto por
meio da vontade. Somente conhecendo-se o bem é possível levar uma vida virtuosa e
organizar a sociedade. Esta é a base da santidade cristã e do imperativo categórico kantiano.

92
Em que o imperativo é a fórmula de determinação da ação, e nesse caso ele é categórico por determinar a ação
como objetivamente necessária por si mesma, sem qualquer objetivo ulterior que não o respeito à lei prática. A
razão prática tem a capacidade de dar-se suas próprias leis, e a autonomia deriva de que aquele que obedece à lei
obedece apenas a si próprio, ou seja, é livre. Acaba prevalecendo o “Age apenas segundo uma máxima tal que
possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (KANT, 2002a, p. 59), sem se preocupar com a
condição individual na qual cada um se encontra perante esse dever. Todos os imperativos derivam do dever e
querer que seus efeitos façam parte da natureza, e não na responsabilidade (política) do saber, conforme a qual
os indivíduos conduzem suas ações de forma a atender a uma racionalidade dos fins pretendidos, orientando-se
para o uso dos meios necessários para alcançar determinado fim.
156

Para Galimberti, uma vez que ele se fundamenta no princípio subjetivo do querer sem
propriamente levar em consideração a conseqüência objetiva da ação, porque só quer
salvaguardar a “boa intenção” de que devemos tratar os outros homens sempre como um fim
em si, e não como um meio para qualquer outra coisa, a ética cristã não está à altura do “faro
técnico”. Em outro modo de dizer, a ética cristã não está a altura do fenômeno da ciência
tecnológica, que construiu uma sociedade pragmática e imediatista para decidir as questões
importantes do dia-a-dia. Por ficar de fora uma ética universal e ao mesmo tempo
responsável, não se poderá, então, com a moral cristã e a moral kantiana avançar na discussão
das questões pertinentes à nanotecnologia, que são de interesses de todos, isto é, da
responsabilidade social. Por isso, segundo nos foi possível constatar mediante a preocupação
de Galimberti, elas não constituiriam as dimensões eticamente relevantes.
A ética de responsabilidade, depois de Weber, vai ser retomada com intensidade por
Hans Jonas, com seu Princípio da Responsabilidade, para proceder a uma avaliação crítica da
ciência e da tecnologia moderna. Ela busca mostrar a necessidade do ser humano de agir com
parcimônia e humildade diante do extremo poder transformador da técnica, sobretudo, do que
considera “técnicas extra-humanas”. À luz de seu Princípio da Responsabilidade,
considerando atualmente a importância e contingência dos problemas pertinentes ao domínio
técnico da biotecnologia, da nanotecnologia e da já denominada nanobiotecnologia, que são
inegáveis, revigoram-se as discussões sobre a questão ética, que está sendo catalisadora para
um reexame dos valores humanos e para o reencaminhamento das preocupações acerca de
uma responsabilidade para com o bem comum. Este momento em que parecemos sair de um
torpor paralisante, por ausência de referências distintas das que tínhamos até então, exige uma
nova leitura das relações que se estabelecem entre o ser humano, a ciência, a tecnologia e a
natureza, que torne possível tomar posições éticas que respondam a algumas das interrogações
lançadas, a propósito das novas possibilidades de intervenção da nanotecnologia em vários
domínios da vida.
Apel (Ibid.), que também contribui com suas reflexões sobre a relação entre ciência,
técnica e ética, assinala que existe um novo paradoxo: a carência de uma ética universal
afirmada pela necessidade de manter a sobrevivência da vida humana e da biosfera, diante do
avanço do uso destrutivo da tecnologia. Para o filósofo, há o problema de natureza
gnosiológica quanto à impossibilidade de solucionar racional e consensualmente os problemas
que surgem, segundo o filósofo, tem comprometido as normas morais nas relações entre os
grupos humanos, principalmente nas instituições conservadoras, reclamando uma ética que
157

atenda à comunidade social em sua globalidade e, ao mesmo tempo, se ofereçam fundamentos


racionais autênticos de uma ética universal responsável. A renúncia da ética universal, para
Apel, é registrada pela neutralidade da ciência-tecnológica em função dos novos instrumentos
da criação humana, que representam maior poder e dominação. Assim é que, com base na
ética da responsabilidade de Max Weber, e acrescentamos, atendendo o que reclama
Galimberti sobre a inoperância das éticas deontológicas, cristã e kantiana, ele propõe a ética
da responsabilidade solidária. Esta visa dar a resposta ao problema do sentido que falta ao
plano da ação moral humana e pelos efeitos do alcance de suas ações em medida planetária,
impondo-se como condição possibilitadora de convivialidade humana. Para nós, Apel tem em
vista ir além do que Hans Jonas almeja (com sua proposta ética basicamente colada à máxima
kantiana, apenas acrescentando o dever de se assegurar o futuro da humanidade) e manifesta a
importância de um novo acordo ético para a construção pragmática e valorativa da
intersubjetividade. Com isso, defende a necessidade de considerar os interesses do outro, o
que obriga a uma descentralização da moral, que passa a ser regida, então, por padrões
intersubjetivos e pelo encontro de estratégias conjuntas que satisfaçam os interesses de todos
os envolvidos.
Quem sabe, não seria assim tão agudo ter que viver e seria sempre mais fácil atuar,
como os animais o fazem com o que comem, sendo, para eles, o mesmo se ali estiver uma
planta, uma galinha, um rato ou um homem; é isto que a nós humanos não passa indiferente.
No mais das vezes, temos a necessidade mais precisamente de medir que de calcular, pois nos
aparenta que estaremos sendo inconseqüentes se não o fizermos, se não medirmos a
conseqüência de nossos atos. É como se alguma coisa tenha valor para nós somente na
medida em que tenha um propósito, um procedimento e um guia de ação, a implicarem a ação
moral quando falamos de ética, falamos dos comportamentos, falamos de alguns valores para
sustentar uma ética humana mesmo quando falamos a ética do cuidado, a ética da compaixão,
a ética da solidariedade, a ética do amor ou da amizade etc., como se existisse um vinculo
irrestrito entre a medida e a ética. Exemplos encontramos, quando dizemos coisas como “na
medida em que suas conseqüências para a evolução da humanidade são dramáticas, a técnica
é um mal”, ou “na medida que ficamos sem o chão da ciência, não existe a possibilidade de
desenvolver uma verdadeira moral para a vida moderna”, ou “na medida que a nanotecnologia
promete algo tão valioso como a imortalidade, ela é um bem”.
Lembramos que esse valor da medida está relacionado com uma noção cunhada no
âmbito do pensamento humano, como meio ou como fim, e se afirmou ao longo dos tempos
158

como uma das principais chaves de reflexão ética, da forma de viver, conforme muitos dos
obstáculos que temos colocado, com relação à dualidade natureza-cultura. A vida humana tem
sido assim, incluindo sempre algumas medidas como o aumento da responsabilidade, do
poder, do cuidado, da vigilância etc., para a definição de decisões a tomar e distinguir as
respostas a determinadas perguntas persistentes ainda em nosso tempo, que se vinculam ao
que é bem e mal, à distinção entre o certo e o errado, a exemplo das que indagam se o melhor
é o “mais forte”, se o “maior” é o “menos perigoso”, se é “melhor” sofrer uma injustiça que
praticá-la.
Nas nossas expectativas conseqüencialistas, em geral, condicionados que fomos a
esperar por um “fim” em toda ação humana, e indiscutivelmente sempre primando pelos
finais felizes, fomos sacudidos em nossa forma de pensar ao prenúncio dos anúncios de um
fim iminente. Começou-se a falar na ligação de efeito destrutivo entre a biotecnologia e a
nanotecnologia e a dimensão de um mundo pós-humano face a manipulação da existência
com a morte do orgânico pelo domínio dos artifícios técnicos (FIMIANI et al., 2004), na
técnica como condição de “fim da história”, de supressão de tudo e “fim do ambiente
universo”, no “fim do homem” (GALIMBERTI, 2003), na negação contemporânea da
natureza humana, e também na refutação da cultura como moldadora exclusiva da mente.
Nada é muito prazeroso nem há promessas de felicidade. Constatamos, então, no rumo dessa
ordem de “tragédias” conseqüencialistas, a necessidade de tomarmos uma tarefa ética: a de
averiguar posições teóricas, abordagens críticas e pontos de vistas distintos, e suas influências
identificadas com as principais correntes de pensamento, tendo em conta que muitos dos que
estão à frente do debate em torno da nanotecnologia, agem como agentes de transformação e
contribuem para elucidar ou não alternativas de mudança. À medida que avançamos por esse
caminho, somos sendo bombardeados por uma série de questões que, se estavam
adormecidas, abruptamente despertaram como que de um período hibernal, sequiosas por
respostas. Perguntas como: O que é a vida? O que é a realidade? Quem somos nós? O que
nos faz humanos? O que é a vida?, e temáticas como “técnica e biopoder”, “dilemas éticos,
morais e culturais ocasionados pela técnica moderna”, o “futuro da natureza humana”,
“dicotomia natureza e cultura”, entre outros, colocaram para a nanotecnologia a necessidade
de uma ética.
Conforme já evidenciamos, as pesquisas em nanotecnologia estão sendo apontadas
como mais um dilema moral, já que seu uso pode trazer “conseqüências” profundas para a
humanidade e para o planeta, como um dos destinos que vem sendo traçado para a
159

nanotecnologia em coerência com o que propõe a razão instrumental, o agir para


determinados fins. Ciência e tecnologia sempre produziram legitimamente um certo temor,
não só por representarem o aumento brutal dos poderes do ser humano, mas o colocarem na
condição de objeto passivo a cargo do próprio desenvolvimento tecnológico, como se tem
presenciado nas críticas às experiências genéticas e as vinculadas à reprodução, mais recentes.
A nanotecnologia não foge à regra. O desafio tende a persistir: os profissionais que trabalham
com as Nanociências apostam que estas devem se firmar como um dos principais campos das
Ciências Naturais e que a nanotecnologia vai revolucionar a forma com a qual serão
projetados inúmeros produtos. Há alguns atores sociais que assumem a incerteza como uma
desesperada, mas lúcida atitude; outros ostentam uma hostilidade cega à técnica misturada
com intensificado e neurótico temor ao do agir com efeitos. Para muitos, que estão
acompanhando mais de perto o desenrolar do tapete nanométrico, estão se estruturando ações,
práticas e instituições orientadas para a obtenção de fins egoístas próprios de interesses
particulares, tal como os de egoístas ou de altruístas éticos, sob um aspecto estritamente
utilitarista, na justificativa dos fins pela ação dos meios. Luc Ferry (1993) nos alerta para o
fato de como a atenção às conseqüências diretas e indiretas da técnica pode ceder espaço a um
fundamentalismo romântico contra a mesma técnica. Tem-se mostrado tensões entre as partes
afetadas, com negociações quase sempre muito difíceis, pois estão em jogo visões de mundo
sobre o potencial caráter de ameaça que a nanotecnologia representa, como as que têm sido
apontadas, apenas para exemplificar, pelas ações do ETC Group canadense, pela
RENANOSOMA, no Brasil e em eventos ocasionais que têm acontecido com mais
freqüência, citando o Fórum Mundial.
Em meados do século XIX, com Marx, o darwinismo, Nietzsche e Freud, entre outros,
iniciou-se certo declínio da discursividade emancipatória do iluminismo, que constituiu o
ponto fulcral de um projeto moderno de justiça e liberdade universais. Condicionado à
determinação racional dos fins (como a efetivação de valores julgados belos, justos e
verdadeiros), este projeto visava todos os homens, independentemente das fronteiras
nacionais, étnicas ou culturais, e a techne aparece como um meio instrumental ao serviço da
realização dos fins humanos, um meio como forma finita para satisfazer uma necessidade bem
próxima e definida. Diante do quadro que se nos descortina agora, parece que estamos
vivendo o estado terminal desse projeto inconcluso, ou pelo menos este se encontra de mãos
dadas com transformações notórias. Apel (Ibid.), por exemplo, considera que nenhuma moral
em particular está em condições de responder ao problema da técnica e, para outros, nem de
160

cumprir suas promessas e expectativas de benefícios ímpares para a humanidade.


Julgamos aqui interessante recorrer a Boncinelli. Em seu último livro “Il male. Storia
naturale e sociale della sofferenza” (2007), em que trata da história natural e social do
sofrimento, considerada sua grande experiência de físico dedicado por anos ao estudo da
genética e da biologia, Boncinelli faz reflexões mais amplas encarando o problema do Mal,
conjugando caráter psicológico, sociológico e caráter ético. Explica que o tema foi durante
muitos séculos apreendido pelos filósofos, como se em verdade não interessasse ao cotidiano
de cada homem. Por esta razão, o autor em questão decide enfrentá-lo de um ponto científico,
colando-o no mundo real, longe de sínteses estreitas e banalizantes ou especulações
acadêmicas, concentrando-se no que é o ser humano por admitir que na natureza humana é
que está a chave para a compreensão do Mal. Boncinelli argumenta que o homem
coletivamente chama “Mal” a um certo número de várias coisas: à doença, à consciência da
morte (recentes estudos de etologia animal mostram que o sentido da morte não é prerrogativa
somente do homem93), à tristeza, ao temor, à ansiedade, à inquietude, à preocupação, aos
problemas, ao desejo insatisfeito, à perda, ao sentimento de angústia, à percepção de maldade
e de inveja... Em todo o caso, depois de suas últimas revisadas nas várias formas do mal,
buscando assumir uma distância essencialmente literária ou da filosofia do cotidiano, o autor
enfrenta a origem da diferença entre isto que é o Mal e isto que esperaríamos que fosse o
Bem, esboçando uma excelente apreciação a respeito. Em sua natureza, o mal e o bem não têm
para o autor nenhuma razão de ser e são dois modos nossos, isolados, de ver a mesma
realidade ou verdade.
Boncinelli oferece também contribuições fundamentais para a compreensão dos
mecanismos biológicos do desenvolvimento embrionário dos animais superiores e do homem
isoladamente, em um ponto de vista biológico, querendo dizer com a biologia do animal-
homem que este é um animal absolutamente particular, cerebralmente muito desenvolvido e
que tem entre outras uma cortesia, uma consciência de si e uma linguagem loquaz. Mas as
ciências da vida, a biotecnologia, a neurociência, abrem hoje perturbadores cenários de crise e
sugerem pensar no inevitável entrecruzamento, nunca visto, do biológico e tecnológico, a
exemplo do que é possível evidenciar em nosso próprio corpo (Ver figura 20).

93
A consciência da morte é a mesma entrelaçada à vida e é inerente ao ser humano. Observações sobre os
bonobos, chimpanzés que vivem na floresta da Costa d'Avorio, na África, são um exemplo de sentido da dor e de
cura pelo corpo de um companheiro morto (Christophe Boesch ed Hedwige Boesch-Ammerman, 1989).
161

Figura 20: Pós-Humana? Mãos da pesquisadora, em que aparecem os resultados do uso com o mouse do
computador (provavelmente incorreto e descuidado), que se pode observar na envergadura do
dedo mínimo da mão direita e na calosidade perto do punho, no mesmo braço, pela forma de
apoio da mão no uso do mouse.
Fonte: Acervo da autora, 2007.

A aproximação com a arte, como techne, nos parece estar bem presente na trajetória
que a nanotecnologia vem desenvolvendo, sobretudo como é evidenciado em trabalhos de
artistas plásticos, a exemplo de Eduardo Kac e Nancy Nisbet. O primeiro, natural do Rio de
Janeiro, é considerado um dos pioneiros em arte digital e biotecnológica, incluindo, em suas
obras, experimentações com materiais biológicos e, recentemente, vem se dedicando à arte
transgênica, unindo a engenharia genética à criatividade artística. A segunda, artista
canadense que trabalha com arte visual e fotografia pesquisa os relacionamentos mediados
pela tecnologia. Especificamente, Nancy investiga identidade: como algo pode mudar quando
é representado online, e como o online pode mudar identidade corporal. Seu trabalho mais
expressivo é marcado pela implantação cirúrgica de dois microchips de “identidade” em suas
mãos (uma inspiração a partir da guerra dos Estados Unidos e aliados contra o Iraque e seu
clima de terror). Os microchips servem como marcadores de duas identidades distintas,
rastreando cada versão enquanto online. Este projeto investigativo inclui a consideração das
mudanças entre identidades de trabalho e jogo, e também se aproxima de edições tecnológicas
culturais de vigilância e privacidade, incorporando temas compartilhados com sociologia,
psicologia e antropologia. Muito do trabalho da artista é considerado político, tecnológico e
pessoal, especificamente, abordando os meios de comunicação em suas misturas de edições
de poder, economia, e vigilância e suas influências culturais em divertimento/lazer, identidade
e comunidade.
Discutir o novo sujeito, se é “homem-máquina”, “pós-orgânico”, “pós-moderno”,
“trans-humano”, “cyborg” e outras classificações do gênero, busca lançar a necessidade ético-
162

política de discutir na verdade o homem, a natureza e a cultura, que sirvam para oportunizar
reflexões sobre o uso utilitário da vida, como podem fazê-lo as imagens apresentadas na
Figura 21. As estratégias incluem a atenção aos temas da cura, do cuidado de si e do auto-
domínio, ao governo da paixão, assim como aceleram ou radicalizam interrogações para
repensar o ser humano e construir práticas, eticamente e politicamente intencionais, de um
novo laço social.
Julgamos que tais considerações procedem para que nos situemos ante a pergunta
sobre a importância de uma reformulação que o assunto técnica moderna exige face ao
relacionamento existente entre a nanotecnologia e a técnica, com apelos associados à oposição
persistente ainda entre o bem e o mal, vencedor e perdedor. É importante ressaltar que ter
chegado a este patamar de considerações, nos trouxe à tona questionamentos que não haviam
emergidos no início da pesquisa e que acabaram surgindo quando a pesquisadora identificou o
problema que desejaria pesquisar, bastante relacionado ao vínculo existente na sociedade
entre nanotecnologia, benefícios e riscos e questões éticas pertinentes.

Figura 21: O homo da mecânica. Exposto no monumento em frente ao Terminal Rita Maria, em
Florianópolis/SC, e o modelo que vislumbra o invólucro pós-orgânico em vitrine de loja. Olhando para
ambos, cabem as perguntas: É natureza ou técnica? É natureza ou cultura?
Fonte: Acervo da autora.
163

Alguns subsídios para o alcance de tal orientação parecem estar claramente expressos
em referências comumente feitas quando em alusão a uma sociedade nanotecnológica em
evidência. Julgamos ser o caso do que é dito sobre o desenvolvimento da nanotecnologia a
partir de sua inserção na série de ondas de inovação como verdadeira ‘revolução tecnológica
invisível’ em cujo caráter subjaz ainda a recorrência ao darwinismo evolucionista. Pode ser
que se trate de uma válvula de escape, com vistas a justificar a edificação de uma nova razão,
indispensável para o avanço de soluções nanotecnológicas, o que é bastante evidente nos
pesquisadores envolvidos com tecnologias contemporâneas e futuristas ao apresentarem uma
relação inusitada com a biologia no que se refere à manipulação da matéria viva e mineral, ao
nível molecular (ANDERAOS, 2006). Diz Cylon Gonçalves Silva (2003, p. 12):

A Biologia Molecular é umas das tecnologias que, hoje, se encontram sob o “guarda-chuva” da
nanotecnologia. A vida é a primeira, e ainda imbatível, nanotecnóloga. A maneira pela qual
organismos vivos integram processos nanotecnológicos, da escala atômica ao DNA, do DNA à
célula, desta aos órgãos dos organismos multicelulares e destes aos indivíduos (possivelmente,
também, em um nível ainda mais elevado, dos indivíduos às espécies), são de fazer inveja a
qualquer aspirante nanotecnólogo humano. Darwin, com a teoria da evolução por
descendência, descobriu a maneira pela qual os processos nanotecnológicos da vida interagem
com o meio ambiente e entre si para produzir a imensa variedade do mundo orgânico. A forma
pela qual um organismo vivo se replica e se desenvolve, a partir de uma “semente” de
dimensões nanometricas, que ainda estamos aprendendo a conhecer, consiste em um
paradigma de manufatura distinto daquele das nossas fábricas da Revolução Industrial.

Falar de uma “técnica”, situada num limiar para além do bem e do mal e longe dos
dilemas referentes aos meios-fins instrumentais, é para nós o mesmo que não poder conhecer
por que existe o mal e o bem no mundo, nem como a nanotecnologia põe-se (ou não) como
problema em sua relação com o mal ou numa outra dimensão conceitual. Ora, a noção de
“bem” e a noção de “mal”, seus significados e representações, é uma questão sempre presente
que ganha, na contemporaneidade, novos e desafiadores contornos. Afinal, o homem alcançou
uma noção de escala nanométrica das coisas ou uma referência da sua magnitude, que remete
ao próprio esforço tecnológico de ‘miniaturização ao extremo’ da existência ou ao científico
de ‘reorganização’ da vida a partir da intimidade da matéria, ao nível atômico, com o intuito
de modificá-la. Acrescentamos com veemência, a escolha do tema representou uma
oportunidade ímpar, uma ocasião formidável para interrogarmo-nos sobre a nanotecnologia,
sobre o seu sentido, a sua evolução, as suas implicações e, se possível, para devolver e
instigar tais interrogações ao debate público.
Isto abre espaços para sabermos com mais clareza, por exemplo, o que queremos dizer
quando dizemos: as nanopartículas são perigosas, ou as nanopartículas não são perigosas?
164

Vem para cada um de nós o momento em que devemos nos pronunciar sobre esse “é
perigosa” e esse “não é perigosa”, que não se referem a alguma certeza, nem a alguma
capacidade específica que já se têm pronta, mas que, contudo, nos empenham e nos põem em
jogo inteiramente. Estes dizeres “é perigosa” e “não é perigosa”, são afirmações que ainda
nada significam se não nos põem imediatamente frente à experiência talvez mais exigente – e,
todavia, imprescindível – a de que nos seja dada a condição de medirmo-nos e medir todas as
conseqüências desse nosso dizer. Nietzsche (2001) tentou ultrapassar a questão bem x mal
reduzindo a distinção à questão do conhecimento, pois o conhecimento não está no mesmo
nível do instinto, numa visão nietzscheana, é traduzido por impulso, vontade, mostrado como
uma força mais possibilitadora na definição do homem. Para o filósofo, foi com Sócrates que
se estabeleceu a distinção entre dois mundos, quando opôs essencial e aparente, verdadeiro e
falso, fazendo da vida aquilo que deve ser julgado, medido, limitado, em nome de valores
“superiores” como o divino, o bem, o verdadeiro, o belo, num sentido moral. A partir daí
gerou-se a hipertrofia da razão pela inversão de valores, abalaram-se as estruturas morais e
relativizaram-se as estruturas do bem. Em seu espírito livre quanto à sua natureza criativa,
muito mais vital, espiritualizada e verdadeira para Nietzsche que a rousseauriana e a
goetheana, o homem munido tecnicamente é tanto mais forte e menos ordinário e preguiçoso,
ao não renegar aquilo que tem de impulsivo, perigoso, destrutivo, repulsivo e condenável.
Explicando mais, o homem rousseauriano, é o homem da natureza, de razão prática; o homem
natural representa a humanidade naturalizada, renovada e revitalizada, através da
emancipação das amarras da sociedade e da restauração dos básicos instintos. Rousseau
distingue o homem como deveria ser (instintivo, independente e ocioso por natureza), do
homem em que se transformou pela evolução dos tempos devido a mudanças exteriores e ao
progresso natural do homem (civilizado, agitado, trabalha até a morte, cheio de vícios...). Já o
homem goetheano, surge como potência individual, tensionado pela atividade vital, intensa na
luta por sua por sua felicidade e integração social; é a imagem da humanidade contemplativa,
cultivada e sofisticada, capaz de capaz de conter os rudes impulsos sensíveis, mas separada do
envolvimento ativo na vida. É, pois, o fio condutor, mas não mais o centro da vida, um, entre
tantos outros agentes, e o produto final não deriva de sua ação exclusiva, nem indiretamente.
Goethe teria inspirado Darwin, quanto a conceber a diferença fundamental entre o homem e
os outros animais como de índole espiritual, quando o cientista descobriu o osso intermaxilar
no crânio humano, que indicaria um parentesco entre o homem e os outros animais. Para
Goethe, a ideia do homem como um ser racional capaz de conhecer o ser racional do mundo,
165

é, consciente ou inconscientemente, base de pensar da maioria dos grandes filósofos.


Mas é importante destacar que o filósofo assim o pensa, desde que seja também maior
a quantidade de impulsos que o homem consiga acolher, manter sob o seu próprio domínio,
pois é exatamente o que consegue acolher o que não é condenável do ponto de vista moral,
para não cair no extremo do perigo oposto, de uma espécie de libertinagem completa, com
total ausência de domínio, o que podemos relacionar ao dizer de Goethe (Apud MONTEZ,
2004): “Nós talvez sejamos, juntos com poucos, os últimos de uma época, que em breve não
retornará”.
Analisando as contribuições de Nietzsche, sob outro aspecto, dizemos que a
concepção ética implicada com o impulso ao conhecimento, ao viver e querer uma coisa tão
intensamente a ponto de desejar que ela retorne eternamente, sem um estado terminal que
compreende o universo dotado de uma finalidade (um fim a ser alcançado, próprio da visão
teleológica), é pertinente a este filósofo, é sua criação original. Embora, contrariamente ao
que o homem vive hoje com as técnicas planetárias e extraterrestres, Nietzsche reforça que a
ciência do homem não deve se afastar da vida terrena, do cotidiano dos indivíduos que vivem
numa cultura psicológica, modo de ver esse que inspirou Peirce no seu realismo indissociável
do seu pragmatismo, vendo a ciência decididamente como empreendimento social e que ele
definiu de modo genérico como a busca constante, dedicada e ponderada do conhecimento.
Este modo nietzscheano de conceber a ciência acolhendo a vida, conciliando-se com o acaso,
foi interessante também para o fortalecimento dos neo-pragmatistas e, o mesmo deve ter
representado para Galimberti (2003), que pensa que tudo o que nos foi encaminhado ao longo
da vida, em termos de sentimentos e percepções, se tornou insuficiente no novo cenário
técnico ao ponto de nos tornarmos verdadeiros “analfabetos emocionais”, diante de toda a
irracionalidade que brota da perfeita racionalidade da organização técnica, para o filósofo
desprovida de qualquer sentido reconhecível para nós (e lembramos aqui da nanotecnologia),
a necessitarmos de uma extensão psíquica capaz de compensar as nossas insuficiências
atuais, a contarmos com uma nova psicologia que nos permita, se não dominar a técnica, pelo
menos não sermos por ela dominados.
Seguindo por essas discussões, o desafio que a nanotecnologia representa parece não
se restringir ao retorno da cisão natureza-técnica, mas do próprio vir de novo da técnica, como
expressão do diverso da natureza, concedendo ao homem uma nova idéia, uma nova visão que
o permita diminuir sua limitação em relação ao conhecimento da natureza que ele mesmo é.
Passa a contar com dispositivos de dimensões nanométricas (dimensão que existe na
166

constiuição dele mesmo, como nas suas moléculas, no seu DNA, no seu cromossoma, em
seres com que convive etc.), mas que dependem inteiramente não apenas do fato de que o
objeto apareça também para os outros e seja por eles reconhecido, mas que o seja para si
mesmo, o que pode chegar a constituir-se.
Neste aspecto, segundo Varela (Apud GUZMÁN [s.d]), a consciência inteligente
requer que, até nos atos mais espontâneos, o experto em ética seja capaz de fazer-se
consciente e de reelaborar esta consciência. Inclusive, é necessário que o faça para ser
também capaz de dar justificações a posteriori para seus atos, transitando por um lado, entre a
sabedoria como uma expressão meramente espontânea na qual não intervém a razão (e o
cosmos possa não ser visto como um depósito de matéria inerte, disposta a bel-prazer à
simples manipulação) e noutro extremo, com o pensar que se deve guiar tão somente pelo
cálculo racional acerca de objetivos e meios.
Não podemos esquecer como bem nos lembra Galimberti (2003, pp. 474-487), que a
técnica como acostumamos a pensá-la segundo critérios de funcionalidade e de eficiência –
mero instrumento à nossa disposição – se tornou faz tempo a natureza em nosso entorno,
constitui hoje todo o ambiente em que vivemos, estando nós subordinados aos requisitos das
necessidades do aparato técnico em seu caráter absoluto, logo, que já decide por nós. Ainda,
no rumo do pensamento deste filósofo a técnica por si mesma não tende a ser uma meta, não
promove um sentido, não abre cenários de salvação, não redime nem revela verdade alguma,
ela funciona. E por funcionar, de modo geral muito bem, acrescentamos, tanto é que suas
operações passaram a alcançar um nível mundial, Galimberti nos alerta de que é preciso, em
face desse “poder” que detêm as chaves para quase tudo da vida, rever os conceitos de
identidade individual, liberdade, salvação, verdade, significado, finalidade, e também os de
natureza, ética, política, religião, história, que até então se nutriam de um ideal humanístico e
agora, devem ser reconsiderados, desclassificados ou refundados em suas raízes.
Ora, no meio destes perigos da nossa época, quem então doravante consagrará seus serviços
de sentinela e cavalheiro à idéia de humanidade, ao tesouro do templo sagrado e inatingível
que as várias gerações pouco a pouco acumularam? Quem erguerá ainda a imagem do homem,
se todos só percebem neles o verme do egoísmo e um medo sórdido, e se desviam tanto dessa
imagem, que acabam caindo na animalidade, ou seja, numa rigidez mecânica? (NIETZSCHE,
1990, p.168).

Se tomarmos em conta apenas a complexa realidade em que se afirma que a


nanotecnologia é essencialmente ambígua, que os produtos nanotecnológicos podem ser
desenhados para bem ou para mal, e podem ser usados com fins nobres ou com objetivos
perversos, nada estaremos nos dizendo, porque o mal e o bem são afirmados em relação a
167

quê? Não é nada fácil para o homem, pois, dizer não a si mesmo. Para tanto, é preciso que ele
observe a si mesmo enquanto observa a nanotecnologia. Esse passo é fundamental, pois
permite compreender que há um liame profundo entre o observador e o observado (entre o ser
humano e o mundo), não havendo nem hierarquia nem separação. Sem esse reconhecimento
tácito dos outros, o homem não é capaz nem mesmo de ter fé no modo pelo qual aparece, já
que a vida do ser humano é um esforço constante de definição de si – face a si próprio, face
aos outros, face ao mundo. O homem sente necessidade de compreender o que se passa à sua
volta, do átomo à galáxia, ainda que nunca chegue a ver, com os seus olhos nus, aquele nem
esta. Esta limitação do homem é, no fundo, uma condição necessária para se transcender
enquanto ser situado, para especular além dos dados que lhe são fornecidos.
A irrupção da nanotecnologia, em seu poder atômico-molecular, pode representar, por
isso mesmo, uma espécie de evento mutante que desestrutura conceitos como os de indivíduo,
identidade, liberdade, sentido, e também os de natureza, ética, política, religião e história,
entre outros, cujas novas posições ficam inconciliáveis com as que dispomos hoje, além de
reavivar o vínculo entre política e vida, que se tornam de tal modo entrelaçadas e, segundo
Esposito (2004), desatar esse nó que as une é ainda impossível. Constatamos que a ‘vida’ e a
‘morte’ vêm a depender, de modo evidente, de um saber técnico, que é o da medicina com
seus suportes técnicos, biológicos, químicos, nucleares, engenharísticos, estatísticos,
farmacêutico etc. Ambas, ‘vida’ e ‘morte’, passando gradualmente de uma dimensão natural a
uma outra, e se é a tecnologia clínica, que decide, divide, analisa e segue seguindo as novas
técnicas, onde está o poder de decisão?
Se existe uma grande precisão no modo de mexer na estrutura mais íntima da natureza,
da vida, advindo novo conhecer - ou seja, o nanotécnico -, muda ao mesmo tempo a extensão
do conhecimento do ser humano urgindo uma nova politização dos mesmos conceitos de
‘vida’ e de ‘morte’, uma vez criado um mundo com características determinantes que não
podemos nos esquivar de habitar. Com esses caracteres, a nova técnica nasce não como
expressão “do espírito humano”, mas com uma nova face ‘abiológica’ que supre e cura a
própria insuficiência biológica do humano. À diferença do animal, que vive no mundo
estabilizado do instinto, para ir além da deficiência de seu aparato instintual, o homem só
pode sobreviver graças à sua ação, recorrendo aos procedimentos técnicos. A técnica, por
isso, pode estar mudando o que entendemos como “a essência do homem”, não só por aquilo
que ele conquistou fora do seu biológico e instintual que o categorizam como um ser
sobrevivente e foram se tornando limitados na medida em que o ser humano começor a mexer
168

e a remexer em si mesmo, por fora, em seu interior, no muito distante de sua escala (com o
poder de alcance espacial extraplanetário e o intracorpóreo da técnica moderna). Também a
técnica, pelos procedimentos técnicos mais avançados, pode estar mudando nossa visão
quanto ao que pensamos sobre termos nos tornado capazes de alcançar culturalmente uma
estabilidade maior que o animal possui em relação à natureza e mais: termos sido capazes de
destruir a natureza, como uma criança quando quebra em pedaços um brinquedo, mas também
de reconstruí-la, recriá-la, continuá-la.
Refletir sobre o mal que pode estar relacionado à nanotecnologia é também prospectar
os atos dos homens e as relações que se estabelecem com a nova técnica não apenas neste
âmbito restrito, mas, em uma escala maior de relações, que é a correspondente a tudo o que
diz respeito ao Universo e a todos os seres que nele convivem. Esta é uma razão pela qual o
problema da justificação dos atos humanos, enquanto problema social e político, é tão
importante quanto impossível de ser deixado em desleixo, neste século.
À medida que se diversificam as técnicas, com a manipulação de objetos e materiais
em escala molecular, que surgem junto com outras tecnologias das áreas de fronteira/, como a
biotecnologia, a tecnologia da informação e as tecnologias originadas a partir das ciências
cognitivas, a nanotecnologia tem sido apontada como uma das tecnologias que abre caminho
para novos paradigmas de pesquisa cientifica. Uma vez que visa também suprir falhas e
aperfeiçoar a espécie humana e frente às conseqüências da aproximação destes benefícios,
numa referência ao fato de que, por meio de sua aplicação se poderá corrigir muitas
disfunções e em decorrência aprimorar funções consideradas normais, apesar de que isto
possa representar inéditos e vertiginosos triunfos da vida, resistências são registradas.
Mas surgem também objeções éticas utilitárias quanto aos imensos riscos da
manipulação da matéria pela nanotecnologia; não só tem sido ventilada a hipótese de uma
suposta liberação do Homo sapiens da herança de seu passado evolucionário, como se fala no
fim da espécie. Pensamos, porém, que os embates surgem do mesmo modo que acontece
quando existe a condição da novidade técnica em si, à falta de referências ou quando as
normas da obrigação se dissipam e certos valores se depreciam, esfumam-se no ar, ficando-se
à beira de um ‘não saber para onde ir’, diante de tantos desmoronamentos de coisas com que a
vida já se acostumou. Outros clamores há a respeito desta questão, face ao quadro que
demonstra uma explosão hedonista da técnica, com todas as promessas da nanotecnologia, de
conquista de prazer, luxo, facilidades, supérfluos, desejos ávidos e descontrolados, a imporem
a urgência do repensar ético, porque já não se trata de um simples instrumento, um mero
169

prolongamento da mão humana, mas de algo que está para fazer germinar um mundo à parte,
a arquitetura de uma outra e estranha realidade, contando as teses que se baseiam nas mais
recentes pesquisas, da biotecnologia à nanotecnologia e suas previsões que utilizam modelos
matemáticos capazes de projetar para o futuro as mesmas taxas de miniaturização de componentes
eletrônicos e tudo o que é prório de um ser, a ser transformado em dispositivo técnico, a exemplo
da ‘língua eletrônica’ e do ‘nariz eletrônico’, mostrados ns Figura 22.

Figura 22: Língua eletrônica e nariz eletrônico. No primeiro campo, a imagem da “língua eletrônica”. Fonte:
EMBRAPA/SBPC/Labjor (Brasil). Disponível em:
<http://www.comciencia.br/reportagens/nanotecnologia/nano03.htm>
Acesso em: 22 de março de 2007. No segundo, o denominado “nariz eletrônico”, um sistema olfativo
semelhante ao nariz humano, apontado até como melhor do que o mesmo. O nariz eletrônico tem por
base os receptores olfativos naturais, e seu uso reserva-se a uma ampla gama de setores, da medicina à
agricultura, passando pela indústria e pela proteção ao meio-ambiente.
Fonte: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA. Disponível em:
<http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=010165060518>. Acesso em: 18
de maio de 2007.

A manipulação técnica molecular sinaliza para uma nova organização do mundo, uma
maneira de ser, um universo, e não somente um conjunto de procedimentos decorrentes de um
conhecimento das leis científicas. Este procedimento faz apelo a uma reformulação da ética
em torno de novos princípios e a uma nova teoria da responsabilidade, porque não é um
simples acontecimento que possa ser inspirado em valores ditados por uma tradição
dominada, incapaz de responder a muitas indagações de ordem mais recente, como as que
exigem respostas imediatas: o aborto, a eutanásia, o descarte de embriões congelados, a
própria nanotecnologia. Em geral, para tais assuntos a justificativa moral é a que gira em
torno de princípios ético-morais que conflitam entre si e divergem abertamente, gerando uma
disputa acirrada pela hierarquia deles. Em nossa caminhada, tanto ouvindo palestras como
ministrando aulas, e também lendo artigos publicados, a respeito da nanotecnologia, nos
deparamos muitas vezes com questões de forte teor de receio, como nas perguntas: A
170

nanotecnologia vem para melhor ou para pior? Que riscos o desenvolvimento da


nanotecnologia pode provocar para o homem e a natureza? Quem serão os responsáveis pelo
espaço aberto e o território fechado na escala da nanotecnologia? A nanotecnologia deve
oferecer perigos que podem até mesmo extinguir a vida na Terra? Como será a situação do
material nanotecnológico em relação à sua deposição no ambiente, à sua decomposição? E
outras mais. Estas perguntas trouxeram para nós a convicção de que a nano tem pela frente
um longo percurso de respostas a dar, ainda.
Todas as vezes que o homem encontra um dilema, o que surge de imediato são os
valores pró ou contra que vão determinar a sua escolha. Mas, em meio ao atirar fogos para lá,
para cá, questionamos: trata-se apenas do adeus à velha ética, que pregava uma conduta
irrepreensível, um comportamento perfeito na sociedade em que todos os componentes
negativos que não fossem valores positivos do ser humano deveriam ser reprimidos ou
suprimidos? Ou se está ciente de que os caminhos da ética são muitos e diferentes e por isso
se vive uma total desmedida do mundo, exatamente porque nos sentimos todos “fora de
medida”, como se não soubéssemos viver sem uma? Afinal, a vontade de “medir” está desde
muito tempo na base de nosso pensamento? Será que as estratégias de exteriorizar o mal, isto
é, de jogá-lo para fora do instinto, da razão, da consciência e da moral humana, representam
um subterfúgio para “tirar o mal do homem”, ou seja, para dizer que este por si não é mau,
mas poderá sê-lo, caso acometido por uma entidade maligna? É a nanotecnologia da ordem de
uma entidade maligna?
Chegamos num ponto que desejávamos. Já faz muitos séculos que se mede e se fala
em números e cálculos, não apenas no campo das ciências exatas, mas no das ciências sociais
também. Em ambos é possível de se separar, classificar os homens na maneira de aferir os
resultados, como se faz também usando soluções padrões nas relações entre a história da
estatística e matemática e seu uso pela biologia e psicologia. A medida e os números têm,
pois, um fascínio e uma força difícil de questionar numa sociedade tecnológica como a nossa.
No entanto, é preciso coragem e ousadia para sempre recomeçar, para sempre ter que mexer
em questões que desde os mais antigos filósofos, no que se refere à complexidade da noção de
realidade, à nossa relação com a mesma, à natureza, a vida e aos valores que intrinsecamente
ela aspira. Entendemos que não apenas precisamos nos aproximar da questão do “bem
humano” enquanto expressão do bom como felicidade, talvez, para nós como confiança em
continuarmos nosso viver.
Levando em conta que a ética tradicional enfatiza a conformidade com padrões
171

idealísticos do bem e do mal, ambos como idéias diametralmente opostas e aqueles que em
geral têm alicerçado até agora a própria compreensão das coisas, para nós é importante
apreender de forma mais clara como o mal e o bem, o certo e o errado, o risco e o beneficio
ou a vantagem, engendrados a partir da nanotecnologia e com suas implicações no campo
ético, está sendo administrada, calculada, gerida, regrada e normalizada com referência à
conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista da sociedade, em especial,
colhendo nossas informações de cidadãos brasileiros.
A partir da análise de concepções éticas contemporâneas em que gravita
preponderantemente a ética que se ocupa de temas como a nanotecnologia, e em suas
respectivas comparações, revendo um pouco da sua história particular confrontando com a
realidade de hoje, nos foi possibilitado reafirmar a necessidade de alargar e abrir espaços de
discussão que possam nos capacitar mais adequadamente a integrarmos as nanotecnologias
com a compreensão de suas condições potenciais e limitativas, já que é considerada
atualmente a mais radical ação humana, na infindável perseguição do obrar da existência.
O questionamento ético da nanotecnologia consiste numa problematização, que é um
de seus fundamentos, e tem conduzido diretamente a discussões filosóficas, sociológicas e
políticas contemporâneas, por não ter esta técnica surgido repentinamente, mas, ao contrário,
se constituído em relação a uma série de desenvolvimentos tecnológicos precedentes.
Lembramos que impasses dessa ordem também ocorreram após a Segunda Guerra Mundial
(1939-1945), em que tomou corpo a “ética para a tecnologia”, incluindo cientistas e filósofos,
que passaram a se preocupar com os efeitos, nem sempre favoráveis, do uso das modernas
tecnologias. A aplicação da energia nuclear, a constatação da contaminação ambiental, as
inovações e manipulações biotecnológicas e as tecnologias contemporâneas de informação e
comunicação, deram e ainda dão lugar à reflexões, a análises e a considerações que têm tido
ampla repercussão em torno à possível “negação contemporânea da natureza humana”
(PINKER, 2004), derivada do modo mais radical de pensar o problema da técnica que
efetivamente rege o mundo, os indivíduos, a identidade, a liberdade, a natureza, a ética, a
política, a religião e a história (GALIMBERTI, 2003).
Estamos cientes de que já faz algum tempo que os avanços tecnológicos, como
também os científicos, requisitam freqüentemente intervenções na vida humana no sentido de
regulamentar as pesquisas, como está acontecendo com as células-troncos, com os
transgênicos, no campo da biotecnologia e, mais recentemente, da nanotecnologia. Estamos,
porém, vivendo um momento em que não existem normas de regulamentação precisas e claras
172

para avaliar o que representam os novos produtos em escala nanométrica, nem está
devidamente elucidado se, em relação ao futuro, poderá ou não existir espaço próprio para
outras técnicas de dimensões surpreendentes.
Não obstante se reconheça que a pergunta pela vida representa na história da
humanidade um antigo, longo e interminável questionamento, desde há muito determinada
por um valor que diz respeito ao ser humano e ao significado de sua existência, justamente na
condição em que se interpenetram profundamente técnica e natureza, no âmago molecular e
de forma cada vez mais indiferenciada, passou a se constituir alvo inédito de preocupação
nada menos que a inteira biosfera do planeta como também o mais minúsculo ser que o olho
nunca alcançou e a mão nunca tocou. Jonas (Idem) nos alerta que é preciso repensarmos os
princípios básicos da ética, procurando não apenas o bem humano, mas também o bem de
coisas extra-humanas, ou seja, é necessário alargar o conhecimento dos ‘fins em si mesmos’
para além da esfera do homem e fazer com que o bem humano inclua o cuidado dessas coisas.
Isto pode significar que as decisões éticas e morais sobre a nanotecnologia, tanto quanto as
políticas, não podem mais depender basicamente da capacidade expressa em conceitos
bastante sensíveis, do mesmo modo como se avaliou as biotecnologias e os transgênicos, com
base em avaliações superficiais geralmente de origem social e estreitamente vinculadas a
alguma impressão sensorial que os cidadãos e seus representantes inicialmente têm de avaliar
as oportunidades e os riscos que podem ser gerados. Um grande desafio que está sendo
colocado a toda comunidade científica mundial é o de diferenciar a bio e nanotecnologia,
quanto ao que ambas pesquisam, aos benefícios reais que a naotecnologia poderá trazer bem
como a ocorrência de danos e riscos potenciais, aé mesmo para sabermos se é aplicável o
mesmo Princípio da Precaução ou de Responsabilidade da primeira à segunda e em relação à
fusão de ambas – a nanobiotecnologia - apenas devido ao temor a conseqüências
desconhecidas e como se fossem de mesma magnitude. De fato, os produtos da
nanotecnologia estão chegando em número cada vez maior ao mercado sem debate público
que tenham ampla participação e sem uma regulamentação precisa. De modo geral, segundo
Langdon Winner (Apud SANMARTÍN in MEDINA et al, 1992), a avaliação imediata de
riscos relaciona-se normalmente também ao imediato cálculo do produto de probabilidade de
que se produzam conseqüências não desejáveis pelo custo de utilidade dessas conseqüências,
que podem ser perniciosas à vida humana, à saúde, ao bem-estar.
Consideramos que na avaliação de riscos de conseqüências sociais (nos costumes, na
vida cotidiana, etc.), geralmente intervêm distintos fatores subjetivos que são próprios de uma
173

individualidade, amplitude e indefinição que precisam ser consideradas, pois pode estar
ausente um ponto de referência mais estável, sendo difícil estabelecer como o único um
procedimento de avaliação. Mas existem as situações em que estão em jogo valores de
referência objetiváveis, por exemplo, no caso dos denominados impactos ambientais, a saúde,
o equilíbrio ecológico, entre outros, que podem ser avaliados mediante critérios objetivos
previamente estabelecidos. Não podemos esquecer que entre os aspectos culturais figuram
com expressiva força não somente a crença no progresso, os objetivos que devem ser
alcançados, os direitos que não devem ser feridos e os valores amplamente compartilhados
que devem ser respeitados, mas, deve ser ressaltada a imagem negativa que as inovações
quase sempre têm perante as pessoas, criando temores fundados nas crenças ou na ignorância
real da verdadeira natureza da nanotecnologia. Sobre isto, Sanmartín in Medina et al (1992,
p. 263) nos chama a atenção ao dizer que o problema das crenças é bastante complexo (o é até
hoje como foi preocupação nas abordagens de Peirce, James e de outros pensadores afins), e
que estas não devem ser consideradas boas ou más; elas existem, não há como fazer técnica
adequada sem respeito a elas mesmas, pois são fatores culturais que o autor considera de
primeira magnitude muitas vezes.
Diante das fortes e freqüentes críticas às oposições natureza-cultura ou ao nosso
condicionamento pelo modelo mental linear, fica um tanto contraditório, incoerente, inócuo e
cansativo remeter-se sempre ao que pressupõe a aceitação ou a negação, o fechamento ou o
deslumbramento em torno das inovações tecnológicas, sem falar nas posturas salvacionistas e
na classificação das mesmas como elemento causador de uma revolução ou de uma catástrofe
qunado na realidade apresenta efeitos difusos e pode ser menos abrangente do que aparenta
ser.
Sanmartín in Medina et al (1992, p. 260) coloca muito bem que a questão de centrar-
se nos impactos últimos lhe recorda um dito de Winner (1987, p. 49), de que querer avaliar
impactos é o mesmo que levantar-se do solo depois que um rolo compressor passou sobre nós
e procurássemos medir, então, os efeitos de sua passada. Uma avaliação estratégica, para
Sanmartín, equivaleria a avaliar a tecnologia valorizando os riscos e impactos, mas propondo
soluções organizativas, enquanto medidas que não afetem o instrumento senão sua prática, e
também propondo redesenhos tecnológicos. Pode-se dizer que boa parte da mitologia antiga,
grega, romana ou oriental, enfatizou os perigos em que incorria o ser humano ao tentar
ultrapassar os limites fixados com leis de ferro da Natureza, amparada que era pelos deuses.
Basta lembrar a lenda de Ícaro, o jovem filho de Decalião, que tentou voar e terminou
174

tragicamente, ou ainda a tão conhecida história do titã Prometeu que, desconsolado com a
ignorância e miséria dos homens, roubou o fogo sagrado dos céus para ajudá-los a sair do
embrutecimento em que se encontravam. Os exemplos são inúmeros e até hoje são sempre
lembrados quando a ciência avança sobre áreas que consideramos melindrosas ou sagradas.
No entanto, os homens curiosos e cientistas ousados, mesmo arriscando suas vidas, jamais se
negaram a ir em frente. Tiveram que enfrentar a incompreensão das autoridades, o fanatismo
e a superstição do povo comum, a revolta do clero e por vezes o calabouço, o exílio, a pobreza
forçada ou a fogueira por terem defendido concepções que hoje consideramos absolutamente
aceitáveis e naturais, mas que no tempo em que foram proferidas foram consideradas
heréticas ou demoníacas. E, no contexto atual, isso passa pela atenção às formas como a
técnica está perdendo a sua inscrição milenar de ‘instrumento’. Muito da crise atual tem a ver
com a dissolução da instrumentalidade e a emergência de um descontrole no interior da
experiência, a que se responde com mais tecnologia.
175

5. DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E FUNDAMENTAÇÃO ÉTICA PARA O


DEBATE SOBRE A NANOTECNOLOGIA

De lugar em lugar venho pairando,


Na mais plena acepção do termo querendo
Existir e ansiando ver quebrada
Minha vítrea prisão: só não desejo
Com quanto vi’té agora ir confundir-me.
Um segredo porém vou confiar-te:
Ia seguindo o rastro dos filósofos!
Escutei-os, ouvi-lhes: Natureza!
Natureza! – Perder não quero a pista;
Devem bem conhecer da terra a essência,
E talvez é possível que eu descubra
Que alvitre para mim será provido.

(Uma das falas do Homúnculo, no Fausto de Goethe.


Farias, Robson Fernandes, (2006, p. 15).

Tivemos uma visão, nos capítulos anteriores, do quanto o conceito de cosmos foi
mudando e se consagrando como uma das categorias essenciais de toda a concepção de
mundo, até nossos dias acabando por perder seu sentido original nas interpretações científicas
modernas. Lembramos que o princípio segundo o qual a ciência natural descreve seus objetos
é o da “causalidade”, empregado para unificar fenômenos dados na experiência e o princípio
segundo o qual a ciência jurídica descreve seu objetivo é o da “imputação”.
O termo “causa” etimologicamente é originário das questões jurídicas. Mover uma
causa contra alguém ou a algo é imputar-lhe uma acusação ou responsabilidade, o mesmo que
atribuir-lhe a produção de um efeito ou conseqüência em geral, danosa. Anaximandro, a quem
se atribui a medição das distâncias entre as estrelas e o cálculo de sua magnitude, cujo mundo
é construído segundo rigorosas proporções matemáticas, chegou a um conceito jurídico
cósmico, o apeíron - o ilimitado, o quantitativamente infinito e qualitativamente
indeterminado. O apeíron é um princípio abstrato que mostra a audácia em ultrapassar as
fronteiras da aparência sensível, por não se fixar diretamente em nenhum elemento palpável
da natureza; o princípio da physis (a natureza) é o apeíron, o ilimitado. O filósofo elaborou a
grande máxima: “Onde estiver a origem do que é aí também deve estar o seu fim, segundo o
decreto do destino. Porque as coisas têm de pagar umas às outras castigo e pena, conforme a
sentença do tempo” (BORNHEIM, 1991). Anaximandro formulou, assim, com as suas
176

palavras mais uma norma universal do que uma lei da natureza, no sentido moderno, para
presidir o processo regulador do cosmos.
Não é de estranhar, então, que as grandes polêmicas vinculadas às questões que
envolvem muitos dos pensadores atuais têm sido suscitadas em torno das inquietações
provocadas pelas teorias erigidas sob a noção de “causação”, que atualmente se mostram
insuficientes para explicar o que é o domínio mental.
Ainda que aleguem os dois níveis, descritivos e fenomênicos, não conseguem manter a
eficácia entre tais domínios, para muitos críticos, sobretudo, por um esvaziamento ontológico,
importante na filosofia em relação ao princípio de identidade94, de ordem metafísica, que tem
sido tema para alguns dos mais calorosos debates na filosofia por tratar, em última instância,
da questão do que um “ente é”, condição necessária da possibilidade de elementos que estão
nele contidos de maneira implícita, correspondentes às primeiras verdades e fundamento de
todas as outras.
Temos, então, como fundamentais na “lógica tradicional”: o princípio da identidade95
e o axioma da não-contradição96, ambos originalmente formulados pelo pré-platônico
Parmênides de Eléia (530-460 a.C.), o axioma do terceiro excluído ou lógica binária97, que é
ainda a mais utilizada em nosso cotidiano, e o princípio de razão suficiente98.
Platão, com sua lógica dialética, pautada no raciocínio lógico-dedutivo, parte do
conhecimento empírico, sensível, da opinião do vulgo e dos sofistas, para chegar ao
conhecimento intelectual, conceptual, universal e imutável. Sócrates, limita a pesquisa
filosófica, conceptual, ao campo antropológico e moral; já a filosofia de Platão tem o caráter
científico, tem um fim prático e moral, e é concebida como a grande ciência que resolve o
problema da vida. Este fim prático realiza-se, pois, intelectualmente, através da especulação,

94
Ou seja, é como no enunciado A = A, o que significa que, se A é dado, então, por uma necessidade intrínseca
do próprio pensamento, este deve ser idêntico a si mesmo. No campo lógico, temos ainda o axioma da não-
contradição em que A não é não-A, e o axioma do terceiro excluído para o qual não existe um terceiro termo T
(T de “terceiro incluído”) que é ao mesmo tempo A e não-A.
95
A é A. Este princípio implica a veracidade das idéias, ou melhor, aquilo que é, como por exemplo: a pedra é
uma pedra, a mesa é uma mesa, de modo que não se pode afirmar que uma semente é um futuro fruto, mas que
uma semente é uma semente, e pronto.)
96
Que nos diz que ou uma coisa é ou não é, no sentido de que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo
tempo e sob o mesmo aspecto: A não é não-A.
97
Entre A e não A não existe outra posição lógica, no sentido de que toda proposição dotada de significado é
verdadeira ou falsa, ou seja, entre duas proposições contraditórias, só uma pode ser verdadeira; assim, só
existem dois modos de ser, é ou não é, sim ou não, verdadeiro ou falso.
98
Segundo este princípio, nada existe que não tenha uma causa e que não possa ser conhecida, como na
pergunta: Por que o que é, é como é e não de outro jeito? Implica que deve haver um motivo, uma razão
suficiente para ser o que é ao invés de ser diferente.
177

do conhecimento da ciência. Com sua dialética de oposição entre essência e aparência, Platão
coloca o problema acerca do valor objetivo dos conceitos, estendendendo tal indagação ao
campo metafísico e cosmológico, isto é, a toda a realidade, rejeitando a experiência como
fonte de conhecimento. A forma mais antiga do racionalismo, então, encontra-se em Platão.
Aristóteles é o criador da lógica, como ciência especial, sobre a base socrático-
platônica. Sob o ponto de vista metafísico, o objeto da ciência aristotélica é a forma, como
idéia era o objeto da ciência platônica. A filosofia aristotélica é conceptual como a de Platão,
mas parte da experiência; é dedutiva, mas o ponto de partida da dedução é extraído, mediante
o intelecto da experiência. As ciências platônica e aristotélica são, portanto, ambas objetivas,
realistas: tudo que se pode aprender precede a sensação e é independente dela. No sentido
estrito, a filosofia aristotélica é dedução do particular pelo universal, explicação do
condicionado mediante a condição, logo, o primeiro elemento – o particular - depende do
segundo – o universal. A lógica aristotélica, portanto, bem como a platônica, é essencialmente
dedutiva, segue-se a ordem da realidade, onde o fenômeno particular depende da lei universal
e o efeito da causa. Objeto essencial da lógica aristotélica é precisamente este processo de
derivação ideal, que corresponde a uma derivação real.
Ainda que a lógica aristotélica, bem como a platônica, sejam essencialmente
dedutivas, demonstrativas, apodícticas, Aristóteles coloca limitação à dialética platônica e fala
em seu processo característico, clássico: o silogismo ou a lógica formal, numa referência ao
conjunto de três juízos ou proposições que permitam obter uma conclusão verdadeira (que
basicamente nos diz: Se A implica B e B implica C, logo, A implica C). Seu método é
demonstrativo no sentido do qual, de duas premissas dadas, deduz-se uma conclusão, porém
os objetos que são conhecidos por experiência, e não só pelo puro pensamento, devem seguir
um método indutivo, no qual o silogismo, i.e., a forma de pensar, de conhecer e de organizar o
raciocínio sem ao menos analisar as questões de conteúdo, é o resultado final conseguido pelo
conhecimento. Aristóteles concebe a idéia de identidade, então, como um primeiro princípio
não só do conhecimento, mas também da “realidade”, sustentando que se trata do mistério
primitivo de ser e da exigência da subordinação da mente à realidade.
A busca por conciliar “mente e realidade”, é a mesmo que procurar a unidade entre
“natureza e cultura”, “homem e natureza”. No plano da filosofia do ser particularizado,
inovou Descartes um dualismo que abriu caminhos para a modernidade, asseverando a
existência de somente duas espécies de substâncias criadas: extensão e pensamento. Assim, na
análise dos objetos pensados, prevalecem apenas estas duas noções, como as mais simples e
178

irredutíveis entre si. Dada essa diretriz dualista, a cosmologia cartesiana, obviamente, vai se
desenvolver em um plano firmemente separado do da psicologia, opondo claramente o
“corpo” (como extensão) e a “alma” (como pensamento). A “alma” teria como essência o
pensamento (que não seria apenas uma operação de uma faculdade que, por sua vez, fosse
sustentada por uma substância), e as sensações seriam pensamentos confusos. No modo de
conceber certesiano, os animais são considerados por não terem pensamento - não tendo alma,
portanto - não passando de máquinas bem construídas. As relações causais entre “alma” e
“corpo” são situadas conforme Platão: as mesmas que existem entre duas substâncias
completas, de natureza irredutível e especificamente distintas. Descartes não dispunha de
elementos claros para explicar como a “alma” podia agir sobre o “corpo”, e, vice-versa. É
possível dizer que limitações como estas criaram a necessidade de surgirem novas explicações
futuras.
A inspiração racionalista de Descartes direcionou uma corrente considerável de
pensamentos até 1770, quando surge Kant que, embora tentasse escapar da influencia
cartesiana, conservou-lhe ainda as raízes, representadas pelo conceptualismo racionalista.
Ambos os pensadores, vale enfatizar, constituíram duas etapas sucessivas da direção
conceptualista moderna, surgindo o empirismo de Francisco Bacon que estará à frente de
outro grupo de pensadores e vai se expressar no enciclopedismo e positivismo. Enquanto o
racionalismo de origem cartesiana vê na razão, no pensamento, a fonte principal do
conhecimento humano, o modelo empirista do conhecimento opõe-se radicalmente ao
modelo racionalista, cujo princípio essencial reside na afirmação de que as idéias
fundamentais para o conhecimento são idéas inatas. A oposição firme a esse princípio é que
marca precisamente o ponto de partida do empirismo, que considera a experiência como
fonte de todas as nossas ideias.
Kant, concebendo que as idéias fundamentais para o conhecimento existem a priori no
entendimento, com suas idéias sustentadas no apriorismo, na percepção, como tentativa de
mediação entre o modelo racionalista e o modelo empirista, lutou para vincular a realidade
física e suas leis naturais com os atos humanos e com a forma do homem exercer a sua
liberdade. Num momento posterior, surge o monismo de Espinosa e se manifesta o poderoso
racionalismo (ainda de cunho cartesiano) de Wolff e Leibniz, da filosofia alemã, que, que
finalmente derivou para o apriorismo de Kant.
Fizemos assim, um breve roteiro de cerca de dois séculos e meio do cartesianismo, que
consagrou-se como a principal corrente filosófica do primeiro período da filosofia moderna,
179

deixando muitos seguidores, até hoje.


Com Descartes, afirmando a necessidade de lidar exclusivamente com os objetos cujo
conhecimento é certo e indubitável, relevando a tarefa de investigar o que podemos apreender
através de uma intuição clara e evidente, ou que possamos deduzir com certeza, pois, de outro
modo, não se adquire um saber seguro, trouxe a garantia do “método” no sentido da ordem e
disposição das coisas, como necessário à procura da verdade. É importante, então, destacar
que, ao reduzir o ser à certeza, Descartes converteu a natureza num ser objetivo, susceptível
de ser instrumentalizado, afirmando a aritmética e a geometria como as únicas áreas isentas de
qualquer defeito de falsidade ou de incerteza. Além disso, a tese ou certeza arbitrárias como
um dogma de um único nível de realidade estão muito implantadas em nossas consciências,
sobretudo, ainda dominam o pensamento de hoje, sobretudo, no campo político, social e
econômico.
Podemos agora voltar ao que falávamos antes, com relação aos princípios de
identidade e de contradição, que têm sido tema para debates que estão ainda em evidência,
nós não só acabamos nos remetendo à influência exercida até os dias de hoje da conceituação
de que “o ser é” (o princípio parmedínico presente na obra de Platão, fundamentada a partir da
dualidade dos mundos), ou à premissa platônica de que no “mundo da idéias” existe a matriz
fiel perfeita de todas as coisas - inclusive do conceito de nanotecnologia, ou outra coisa, seja
ela qual for, qualquer ser da natureza, uma figura geométrica, uma obra de arte ou uma ação
nossa (CHAUÍ, 2000). Nós aportamos também na “razão”, nas “idéias da verdade”, na
“verdade de uma idéia” ou de um “ser”, na “intuição” (uma compreensão global e instantânea
de uma verdade, de um objeto, de um fato), à concepção fundamentalmente pragmática da
“verdade” (enquanto relação de adequação, cópia, de modo geral), enfim, a conceitos que para
muitos pensadores atuais, é preciso desbanalizar, onde se acentua o papel da Filosofia. Com
este percurso, chegamos ainda à necessidade de uma reflexão sobre a própria idéia de
“realidade”, de “natureza”, de “homem”, de “vida”, de “técnica”, de “ética”.
Vimos que a lógica está bastante envolvida nisso tudo. Lembramos que a lógica
clássica, cujo fundamento deriva do princípio do terceiro excluído, é a que vale na mecânica
de partículas clássica, como por exemplo, quando se afirmar que toda propriedade física é
verdadeira ou falsa com respeito a qualquer estado puro, se estabelece uma relação de causa-
efeito na explicação da “realidade”, que se expressa mediante e o estabelecimento de critérios
de verdade, como indício de um pretendido conhecimento final.

Com a teoria da relatividade demonstrou-se que as leis da natureza não guardam a


180

objetividade que os princípios da identidade (o que é, é) e da não-contradição (o que é não


pode não ser) sugerem, pois ditas leis dependem da posição do observador. Os princípios
aristotélicos da identidade, da não-contradição, do terceiro excluído e da razão suficiente,
que são solidários e tomados pela ciência clássica como absolutos, são superados com a nova
física das partículas, a física quântica. Desde Planck, a física quântica colocou em evidência
que a matéria é somente uma modalidade de energia. Então uma lógica binária não pode dar
conta da infinita diversidade das manifestações da energia em nosso mundo. Na física dos
quanta, as dualidades surgem a cada momento e nada se virtualiza (ou se potencializa) o
suficiente para que o seu contraditório se atualize ao ponto que o princípio de não-
contradição possa testemunhar sua validade. Assim é que a luz pode ser “onda” ou
“partícula”, pelo que fica limitativo o princípio do terceiro excluído, segundo o qual alguma
coisa ou é isso ou é aquilo, não havendo uma terceira hipótese. A física quântica vem provar
que não é possível saber a razão porque os átomos se movimentam, nem sua velocidade, nem
a direção, caindo a “causalidade determinista”, nascendo um novo princípio da
indeterminação.

Vamos ter assim em vigência, os conflitos gerados quanto às questões em torno à


consciência e ao problema corpo-mente (e à relação mente-cérebro) entre o materialismo
determinista e reducionista, o dualismo e a fenomenologia.
No que se refere ao primeiro deles, argumenta que o modo correto de estudar um
fenômeno complexo é analisá-lo, em particularidades. Ou seja, se os objetos ou fenômenos
são genuínos, devem ser individualizados em um nível de descrição, de expressão naturalista
ou de identificação com os princípios de uma mecânica elementar, para que sejam explicáveis
em outro nível de descrição, como é feito na compreensão do mundo a partir da qual é
possível sistematizar os resultados das ciências. Nesse caso, todos os processos e realidades
observadas no universo podem ser explicados pela redução aos seus mais elementares
componentes científicos, como se faz com a Química pelos elementos e compostos que
constituem o universo (átomos, moléculas etc.), ou quando é concebido que os anunciados das
ciências são traduzíveis e explicáveis através do fisicalismo ou de certos predicados, por
exemplo, as propriedades e leis da Física. Outra idéia fundamental do materialismo redutor é
que cada tipo de estado mental, incluindo a consciência, é apenas um correspondente tipo de
estado físico. Já o dualismo, ao trazer consigo todo o empenho humano em resolver a idéia de
corpo e mente como duas substâncias diferentes que transcorrem em aparente paralelismo,
apresentando as clássicas soluções do interacionalismo, do ocasionalismo e da harmonia pré-
181

estabelecida, vemos no memso uma forte implicação para abordar a nanotecnologia em seu
legítimo patamar. No dualismo cartesiano, lembremos, na explicação da “causalidade
mecanicista”, não há lugar para substâncias sem dimensão espacial, numa referência ao nosso
campo de ação. Descartes considerou a mente como entidade imaterial e, portanto, de maneira
independente do corpo material, capaz de sobreviver à morte deste. A mente é dada como o
sustentáculo de todas as nossas propriedades mentais e a promotora das distintas formas de
comportamento de nosso corpo. É o contrário do monismo proposto por Spinoza, segundo o
qual o mental e o físico são dois modos distintos da substância única que ele chama de Deus
(ou Natureza), e com que mais identificamos nosso pensamento, direcionado a explicar o que
se concebe em relação à nanotecnologia, quanto ao que lhe é cobrado pela oposição natureza-
cultura. Com relação à fenomenologia, também nos colocamos em condições de respeitar o
pensamento de Husserl que desenvolveu de início uma ciência da experiência, cuja tarefa
consiste em fazer a articulação entre o “mundo vivido” em senso comum e a sua elucidação
através da ciência. Vemos hoje - o que antes não acatávamos - que há muito sentido nessa
imbricação que este filósofo faz e sofríveis interpretações a respeito de suas idéias, que
afetaram nossa capacidade de melhor entendê-las.
Temos um panorama rápido de algumas implicações agumentativas do pensamento, ao
longo da história, que podem nos ajudar a definir de forma mais clara um panorama geral que
explicite ao domínio público como estão se colocando as decisões éticas fundamentais, que
ajudem tanto para a física quântica e, sobretudo para a nanotecnologia, considerando suas
relações de magnitude com as supostamente válidas para a técnica que na nossa condição
humana dominamos. Para que possamos fazer uma comparação, nos é fundamental perscrutar
epistemologicamente a respeito do caminho que a técnica veio percorrendo, para que
alcancemos uma idéia mais segura do tipo de relação que o homem possivelmente terá com a
nanotecnologia. Julgamos que o percurso anterior que traçamos sobre alguns aspectos lógicos
que evoluíram desde o mundo antigo até os tempos da física quântica, como o que percurso
que iniciamos agora, refletirão ao mesmo tempo direcionamentos teóricos e éticos
constituídos, bem como bases para o redirecionamentos necessários, pondo em relevo nossa
falta de “experiência” em conviver com a extensão das magnitudes com que a grande maioria
de nós não aprendeu a lidar na vida diária.
Para o efeito deste propósito, seguimos de mais perto o pensamento de autores, alguns
já mencionados neste estudo, cujos contributos teóricos nos foram extremamente pertinentes
face ao conjunto de questões que aqui abordamos, a que consigamos formular idéias mais
182

próximas do a vida exigirá no âmbito do nanometricamente observável, mamipulável e


aplicável.
Começando por citar Pierre Lévy, em suas obras “As tecnologias da inteligência: o
futuro do pensamento na era da informática” e “Inteligência coletiva: por uma antropologia do
ciberespaço”, utilizadas neste estudo, chamaram-nos a atenção os argumentos do autor sobre a
chegada de novos tempos, quando constatamos nosso primeiro contato com a palavra
“nanotecnologia”. Em sua abordagem, quando Lévy (1998, p. 48) faz referência à
nanotecnologia como técnica molecular, que utiliza todos os recursos das tecnologias finas, de
identidades quânticas sobretudo, remete a tecnologias consideradas “além daquelas do
humano”. Ele esclarece que, na esfera do humano a partir dessas tecnlogias organizar-se-ia
uma nanopolítica que valorizaria “de modo mais sutil, mais justo e bem a tempo, a substância
social” e que, do mesmo modo que a nanotecnologia constrói suas moléculas átomo por
átomo, esta nanopolítica cultiva
[...] seus hipercórtex comunitários de maneira fina, mais precisa, mais individualizada possível,
favorecendo a conexão delicada das capacidades cognitivas, das fontes frágeis de iniciativa e
imaginação, qualidade por qualidade, de modo a evitar todo desperdício de riqueza humana
(Ibid. p.57).

Incomodou-nos um pouco, a princípio, o que Lévy diz quando fala da nanotecnologia


e suas potenciais promessas, da maneira mais fina, mais precisa e mais individualizada, que
seria possível de viver para evitar todo o desperdício de riqueza humana, das novas
tecnologias (em especial, das tecnologias moleculares) e da possibilidade delas de ampliarem
nossa partilha da memória, da percepção e da imaginação. Não tínhamos nenhuma clareza do
que isto representava em termos de mudanças na condição humana tampouco nas ações
humanas.
É importante ressaltar que Lévy, com suas argumentações, destacou-se no estudo da
história, filosofia e antropologia da informação, embora a respeito dele tenham sido - e são
ainda - feitas algumas críticas, a exemplo de que o filósofo seria um especulador otimista das
novas tecnologias, um deslumbrado, faltando nele a crítica social e sobrando um certo culto à
tecnologia. Paul Virílio e Jean Baudrillard, de certa forma, podem ser mencionados, quando
criticaram duramente a internet. Contrariamente a Lévy, que reafirma a importância desta
tecnologia na sociedade atual como um meio de comunicação dinâmico na ampliação do
conhecimento, como uma ferramenta de rede viva, que serve de apoio para muitos projetos
sociais, mas que por si sós, não fazem milagre. Requerendo que as pessoas não apenas se
conectem, mas tenham simultaneamente a clareza da sua identidade, de seus valores e
183

objetivos. Para Virílio e Baudrilard, a internet representa um meio ideal para a emergência de
uma cultura de superexcitados que estariam substituindo os antigos super-homens
(BAUDRILLARD, 1997)99.
O que a princípio ocupou nossa atenção, com relação ainda aos argumentos de Lévy
(p. 57.), é que não conseguíamos estabelecer um vínculo entre a sua “engenharia do laço
social” e o que a engenharia dos materiais e a nanotecnologia vinham a possibilitar. Pairava
no ar a mesma dificuldade de saber “o quê e como fazer” para estreitar os laços entre as
ciências sociais e humanas e as ciências da engenharia e tecnologias na abordagem do
assunto. Do mesmo modo, pensar em nanotecnologia seria necessariamente ter que
introduzir alguns conceitos essenciais e espinhosos por sua amplitude e complexidade,
acerca do mundo e de nós mesmos.
Começamos com Lévy mais para aquecer as considerações que seguem, pois, não
foram poucos os pensadores que lidaram desde tempos mais remotos com a questão da
técnica e, junto com ela, da condição humana e da ética, sobretudo com as problemáticas
advindas com a modernidade100, construindo seu paradigma de conhecimento sob as
transformações provocadas pelas radicais mudanças que se desenvolveram a partir da física
newtoniana. Destacamos alguns deles, mais no sentido de sondar seu textos do que fixá-los
em alguma parte seu lugar (como é bem mais comum e fácil de fazer), que denunciaram os
‘malefícios’ da ideologia moderna tecnicista. É preciso visitá-los, nem que eles pela
profundeza de suas obras nos confundam, tais como:
1) Nietzsche foi quem iniciou o movimento de fustigação dos ideais modernos,
apaixonado pelo incompleto, pelo que expressa a multiplicidade, não de forma dialética mas
na forma ilimitada da “diferença”, que é uma forma própria de pluralismo, nem múltiplo nem
unitário, mas um tipo de descontinuidade, que, conforme nos sugere Pelbart (1989), para
Blanchot, é o grande ponto de virada na história do pensamento que Nietzsche realizou, rumo
contrário dos que pretendem hegelianizá-lo. Daí em Nietzsche existir uma concepção ética,
francamente contrária à racionalista (por isso, muitas vezes chamada de irracionalista), que
contesta a razão o poder e o direito de intervir sobre o desejo e as paixões, identificando a
liberdade com a plena manifestação do desejante e do passional do homem descentrado,
tra(du)zido de volta ao eterno texto básico da natureza. Já no começo do séc. XIX,

99
Outras obras, como bibliografia sugerida são: BAUDRILLARD, Jean. Televisão/revolução: O caso Romênia.
In: PARENTE, A (org.). Imagem máquina: A era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993, e
VIRILIO, Paul. O espaço crítico e as perspectivas do tempo real. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
100
Segundo Bruseke (2003, p. 324), começou no século XVII e terminou no limiar do século XX.
184

Schopenhauer começa a distanciar-se do mundo da razão e da técnica, afirmando que é


preciso destruir o ego, a ilusão da consciência e da ordem social e da racionalidade
desenfreada. Schopenhauer será criticado por Nietzsche, mas este não deixa de acatar a crítica
individualista daquele. Nietzsche se coloca no interior da modernidade, reivindica a herança
iluminista, particularmente de Voltaire, sobretudo pela reação volteriana ao cristianismo,
contribuindo na reflexão situada dentro do contexto relacional da modernidade, para melhor
trabalharmos o tema da ética e sua relação com a técnica, em especial, a nanotecnologia.
2) Heidegger: para quem a “questão do ser” domina o pensamento com exclusividade,
transformando-se de uma destruição ou liqüidação da história em uma história da
interpretação do ser, sistemática, filosófico-transcendental, fenomenológica ou hermenêutica,
no decurso da filosofia ocidental, mantendo-se atado à presença do ser através de seus modos,
não de lamento de sua ausência ou de esquecimento (como idéia, cogito, subjetividade, desejo
etc), mas no que se refere à desmontagem ou à demolição das ‘camadas e depósitos’ de
materiais que encobrem a natureza original do ser, orientada no sentido da história do espírito.
Assim, o ser ao desejar expressar-se nas idéias de um pensador, estaria confiando nele, pois
que este falaria o ser, isto é, o “ser do ente”. Heidegger buscou distinguir a) ôntico (aquilo
que um ente é em si mesmo, em sua existência própria, a sua identidade, sua diferença em
face de outros entes, suas relações com outros entes) e b) ontológico (a realidade última de
todos os seres, ou a essência de toda a realidade, tomados como objetos de conhecimento).
Neste aspecto, há possibilidade de fazermos uma classificação de nossa experiência cotidiana,
segundo Chaui (2000) nos sugere, em estruturas ônticas, tais como: a) entes materiais
naturais ou coisas reais [árvores, animais, rios, metais, corpo humano etc.]; b) entes materiais
artificiais, também coisas reais [aparelho de rádio, computador, piercing, celular, TV didital,
microscópio de força atômica, nano Ipod etc.); c) entes ideais, como as idéias gerais que são
concebidas a partir do pensamento lógico, matemático, científico e filosófico, denominadas de
“idealidades”, a exemplo de igualdade, diferença, número, círculo, classe, função, variável,
animal, orgânico, inorgânico, físico, psíquico, matéria, energia etc); d) entes passíveis de
valor (que podem ser valorizados positiva ou negativamente, como bem/mal, bom/mau,
correto/incorreto, justo/injusto, possível/impossível etc.); e) entes metafísicos, que fazem parte
de uma realidade diversa daquela que compreende as coisas, as idealidades e os valores, como
identidade, alteridade, natureza humana, propriedade, divindade, mundo como unidade etc.).
3) Freud teria provocado um questionamento radical do ideal de homem, ‘colado’ à
imagem do indivíduo-átomo inventada pelo pensamento moderno, e que tratará de fazer-se
185

compreendida a contraposição de uma consciência objetiva e uma subjetividade interior, na


base de uma estrutura conflitual própria à organização psíquica e dinâmica do sujeito. Com
Nietzsche, Freud e Heidegger instalou-se uma ruptura no modo clássico de pensar. Mais
precisamente, para Nietzsche e Freud, o indivíduo deixa de ser concebido como forma, deixa
de ser um ente social e se torna um ser de desejo, um ser individual, um ser privado. Ambos
redefinem o sujeito não o vinculando mais a Deus, nem à razão ou à história, numa sequência
mais ou menos assim: Deus morreu, a razão se tornou meramente instrumental e a história foi
dominada pelos “colonizadores” norte-americanos e europeus. Segundo Touraine (1994), para
ambos os pensadores supracitados, o sujeito também não é a alma em oposição ao corpo, mas
é o próprio sentido dado pela alma ao corpo, em oposição às representações e normas
impostas pela ordem social e cultural.
4) Gadamer, com as questões da hermenêutica e da linguagem, busca salvar a
autoridade da razão diluída do ponto de vista da história, validando a consciência histórica
marcada pela tradição da força civilizatória como referência para a interpretação do
conhecimento humano.
5) Escola de Frankfurt: Dedicaram tempo e pesquisa na análise do vínculo entre
Iluminismo e Modernidade. Os frankfurtianos e sua teoria crítica, inspirados por Habermas,
não ignoraram radicalmente os princípios das teorias norte-americanas, mas denunciaram a
falsidade da promessa de progresso social para a humanidade, que a modernidade teria feito,
na medida em que ela acabou por engendrar justamente o seu contrário, mantendo o controle
repressivo da natureza, reificando os seres humanos. A modernidade caracterizou-se assim,
pela falta de transcendência reconhecida ao ser humano, sem conseguir prosseguir com seus
ideais de emancipação de modo satisfatório. Julgaram que o fato do capitalismo fragmentar a
experiência foi algo profundamente grave e de sérias conseqüências, porque desumanizou o
universo e o reificou, neutralizando e destruindo, com isso, potenciais antropológicos
presentes no “mundo da vida”, reguláveis por uma ética da convivência, do agir
comunicativo. Buscaram recuperar o sonho humano de emancipação perdido no iluminismo e
desvelar o Positivismo por meio da reflexão crítica.
6. Michel Foucault defendeu que o que se devia fazer era tentar delinear a genealogia,
não tanto da noção de modernidade, mas da modernidade como questão. Foucault colocou em
evidência a forma como a modernidade é antinômica da idéia de “progresso do bem-estar”,
sublinhando os processos de alienação gerados pelas sociedades modernas, defendendo que
nada há que não seja situado historicamente. Ele se refere mais a um modo de ser do que a um
186

período propriamente dito da história, mas um modo de ser a favor ou contra a modernidade,
não uma referência ao modo de ser pós-moderno.
7. Habermas, por sua vez, reformulou a Teoria Crítica (buscando romper com o
distanciamento e a neutralidade para a maior participação ativa e crítica dos sujeitos) visando
fazer uma retomada da modernidade e de seus valores, de modo a procurar compreender o
que a levou a se desviar tão drasticamente dos caminhos traçados em seu projeto e da
possibilidade de uma auto-realização emancipada.
Vivemos hoje tempos que não são de total tranqüilidade, como não foram os destes
precursores de grandes idéias que realizaram profundas transformações na sociedade.
Também nos encontramos em muitas situações como as que devem ter afrontado, frente às
quais ainda titubeamos como na confusão entre o que é ético e o que é moral, o que é juízo e o
que é valor, implicados nas grandes decisões o que é bom e o que é ruim, o que é certo e o
que é errado, por exemplo, como em relação às questões ligadas ao aborto, à eutanásia, à
corrupção, ao preconceito, ao uso de transgênicos, entre outras, que requerem o
reconhecimento por parte das teorias morais.
Os parâmetros que nos orientam podem ser vários, e quando dicotomias se fazem
radicalmente presentes, podem surgir conflitos de valores. Além disso, existem as velhas e
cansativas abordagens da ética que pouco avançaram, quando as complexidades tornam as
regras simples de difícil aplicação. Mas temos pontos de vista éticos hoje predominantes,
sendo que nos é muito arriscado classificá-los ligeiramente dada sua riqueza de confluências,
em que se confrontam concepções éticas distintas que, sem apelar a autoridades, mas a partir
do critério da razão, busca definir compromissos éticos nas discussões da questão moral,
quanto à identificação do locus primário do valor moral, da ética geradora de moral
convencional, a saber: a) éticas de caráter deontológico101, com a fonte do bem centrada nas
ações corretas ou boas (boas porque seguem as regras ou normas de ação moral, enquanto o
mal está presente nas ações incorretas ou más, aquelas que violam as regras morais); b) éticas
conseqüencialistas ou teleológicas102, cuja normatividade centra-se nas conseqüências das
nossas opções, que constituem o único padrão fundamental da ética, afirmando que uma ação
moralmente correta é aquela que produz bons resultados, a exemplo do que é preconizado
pelo relativismo ético ou relativismo cultural; e c) intenções que podem ter tanto um cunho
101
Que se refere às disposições de caráter, às virtudes individuais e sociais do agente (Aristóteles e Kant
cultivavam a virtude), das quais emerge a sua intenção e boa vontade, e ao tipo de ação que a intenção produz.
102
Que corresponde a toda e qualquer teoria ética, segundo a qual o fator decisivo da ação moral não é a
intenção, abstratamente considerada, o procedimento, a norma, a causa eficiente, mas o que importa é o
resultado, a conseqüência da ação.
187

conseqüencialista como deontológico (como tem sido referenciada a ética da


responsabilidade de Hans Jonas, sustentada no princípio ‘utilitarista’ que procura obter bem-
estar e vantagem para o maior número de pessoas).
A ética deontológica considera mais básica a teoria do dever; por exemplo, quando se
diz que um caso de utilização da nanotecnologia é bom, na medida em que implica um
“cumprimento de dever” ou um tentar cumprir o dever, orientando-se a população sobre a
medida equilibrada de seu uso na agricultura, sem cometer excessos, visando o bem-estar e a
saúde de mais pessoas da sociedade (numa espécie de versão kantiana). O conseqüencialismo
considera mais básica a teoria do valor e explica a questão da moralidade em termos de
“valor”, e não de “dever”, como hoje representariam, segundo este ponto de vista ético, os
modos de reduzir o efeito colateral de medicamentos, potencializando-se os efeitos de
pequenas ações para que esses produtos tenham conseqüências menos nefastas para as
pessoas, e a nanotecnologia contribui muito neste aspecto. Numa visão das perspectivas
éticas, teleológica e conseqüencialista103, num ponto universal que pertenceria a uma esfera
de validade para todos os sujeitos, tendo como alvo desejável, neste caso particular, o fim da
dor para a humanidade inteira - ideal utilitarista -, com vistas a felicidade geral e a felicidade
individual, levando em conta que podem existir boas e más conseqüências, sejam quais forem
os possíveis benefícios que daí possam resultar.
Dentre estas teorias sobre o que devem fazer os indivíduos ou as instituições em
relação aos nossos atos ou aos do mundo em geral, ressaltamos que não é pauta de
preocupações apenas o que se refere à noção de natureza humana, mas também ao que está
estabelecido sobre onde está esta natureza, este modo de ser próprio do homem. Isso nos
remete aos grandes questionamentos no que tange às palavras ética e moral, e à ênfase dada
ao ressurgimento da teleologia em sua perspectiva conseqüencialista nas ciências
contemporâneas, à deontologia, na perspectiva contratualista de Rawls (teoria ético-política
para Nedel (2007), e a tratada nos programas da ética do discurso de Habermas (a partir das
pressuposições de uma pragmática universal), e de Apel (com sua pragmática transcendental)
incluindo aqui os representantes de diversas correntes que se conduzem por uma linha de
pensamento mais discursiva e interdisciplinar, como Putnam, por exemplo, vinculado a um
vertente de orientação lógico-lingüística, e Rorty, com seu neopragmatismo.

103
Como o que tem sido apresentado como a direção tomada por John Rawls, ao vincular a ética de princípios de
Kant com o utilitarismo, para desenvolver princípios de ética sobre os quais homens racionais possam manter
uma necessária cooperação entre si e servindo a uma satisfação máxima dos interesses gerais.
188

Vamos ter abordagens de destaque na tentativa de resolver o problema mente-corpo


com as defesas de teses como a de que existe identidade entre eventos mentais e eventos
físicos (identificação entre acontecimentos mentais e físicos), sem relação com a existência de
leis mentais estritas ligando tais eventos, afastando a mente da possibilidade de interferir no
domínio dos fenômenos físicos (o mental é, pois, causalmente inerte), devido às propriedades
físicas dos acontecimentos em si mesmos. Existem assim, as soluções para o problema da
explicação da consciência na orientação do monismo, considerado redutivo ou fisicalista, que
reconhece apenas o cérebro material e seus estados cerebrais, podendo a consciência ser
eliminada de nosso quadro explicativo. Vamos ter ainda posições eliminativistas que
sustentam que, no que diz respeito a qualquer ciência, o ente, as metodologias ou os conceitos
desta ou daquela ciência devam ser eliminados completamente em todos os níveis
(ontológico, epistemológico e conceptual) e de fato se aceite e somente aceite o estudo à luz
de uma ciência mais fundamental. Nesta defesa particular, é necessário demonstrar que a
mente é um aspecto não científico e o conceito tradicional de mente deve ser completamente
refutado, pois esta deve ser considerada simplesmente um objeto da Física e deve ser estudada
como qualquer outro objeto físico. Assim, o funcionamento da mente deve ser descrito de
modo que tenha alguma caraterística particular que não lhe renda uma diferença em relação às
leis físicas, uma vez que, à falta de estados e propriedades a que se refiram os conceitos
associados ao mental, não faz sentido tentar reduzí-los, pois estados mentais são estados
físicos do cérebro e qualquer tipo de explicação que recorra a uma dimensão mentalista é
enganosa. Assim, a posição eliminativa é considerada por alguns autores como uma forma de
reducionismo, devendo ser eliminado. A posição eliminativista é encontrada em Paul
Churchland e Daniel Dennett.
Quando se trata das teorias dualistas, que admitem a existência de dois aspectos
distintos que podem ou não interagir observa-se que estas declaram que toda ação deve ser
julgada pelas conseqüências que produz visando o proceder correto, porém, não é uma teoria
particular que inclua conceito algum de valor, direitos, virtude ou bem; de acordo com a
mesma, sejam quais forem os valores adotados por um indivíduo ou uma instituição, a
resposta adequada a estes valores consiste em promover o seu desenvolvimento. O indivíduo
deve acatar os valores, no entanto, somente enquanto o respeito aos mesmos é parte de seu
favorecimento, sendo o bem, nesse caso, necessário para favorecê-los, não havendo qualquer
padrão de bem e mal no conseqüencialismo. Para os conseqüencialistas, a relação entre
valores e agentes é instrumental. Os agentes são necessários para que sejam levadas a cabo
189

aquelas ações que têm a propriedade de fazer evoluir um valor perseguido. Os adversários, ou
seja, os ‘não-conseqüencialistas’ consideram que a relação entre valores e agentes não pode
ser instrumental, pois é exigido dos agentes ou ao menos lhes é permitido que suas ações
exemplifiquem um valor determinado, mesmo quando resultam em uma realização inferior ao
valor idealmente desejado.
Os conseqüencialistas desejam a maior felicidade possível para o maior número
possível de pessoas e, a exemplo dos utilitaristas clássicos, embora não sejam eles os únicos
(existem os egoístas e os altruístas éticos104), não partem de regras morais, mas de objetivos.
Eles avaliam as ações na medida em que estas favorecem ou não esses objetivos,
considerando que uma ação representa um ‘bem’ caso esta seja capaz de favorecer um
incremento igual ou maior da felicidade de todos os envolvidos, relativamente a uma ação
alternativa, ou pode representar um ‘mal’ caso assim não aconteça. As conseqüências de uma
ação variam de acordo com as circunstâncias em que é praticada. Um conseqüencialista
utilitarista, que tanto ama o prazer quanto ama ao próximo, nunca pode ser acusado de falta
de ‘realismo’ nem de uma adoção rígida de ideais que desafiam a experiência prática. Para o
utilitarista, mentir será um mal em algumas circunstâncias e um bem noutras, dependendo das
conseqüências.
No estudo da moralidade e da orientação da conduta ética, referente à nanotecnologia,
não podemos deixar de lado a questão da objetividade da ética na perspectiva do realismo
ético e moral e situar, também, alguns conceitos relacionados aos considerados obstáculos à
ética por muitos autores que escrevem sobre a mesma, como o niilismo, o relativismo, o
subjetivismo ético e o emotivismo.
Em termos de características fundamentais da ética niilista, para nós o niilismo
representa um pensamento complexo, bastante difícil de compreender por inteiro,
considerando que não teremos esta compreensão dificilmente sem o fazermos centrada na
herança deixada pela cultura ocidental, entendendo-se, aqui, ocidental, como o que foi
constituído pela cultura greco-judaico-cristã com sua moral e infiltração do dualismo
antropológico (matéria/espírito, corpo/alma, emoção/razão etc.). Afinal, o dualismo ainda
está presente em nosso mundo hoje, mas sublinhamos que existe ainda diferença entre ética e

104
BORGES, M.; DALL’AGNOL, D.; DUTRA, D. (2002). O que você precisa saber sobre Ética. Rio de
Janeiro: DP&A Editora. No egoísmo ético, cada um age em defesa de seus interesses próprios sem a menor
consideração pelos demais, teoria contraditória, pois em seus objetivos têm dificuldades para estabelecer níveis
eficazes de cooperação social; no altruísmo ético, uma ação é moralmente correta quando produz um bem maior
para os outros, independentemente do bem ou mal que possa trazer para o agente que a realiza, cabível somente
para uma sociedade de pessoas igualmente altruístas.
190

ontologia dualista, dado que a ética envolve o fazer o bem ou o mal, enquanto a ontologia
envolve o estudo do “ser” onde o corpo é mau e alma é boa.
Olhando alguns exemplares e artigos pertinentes à Filosofia, aparecem como nomes
representativos do niilismo Górgias de Leontino (480-375 a.C., aproximadamente), Arthur
Schopenhauer (1788-1860) e Friedrich Nietzsche (1844-1900). Mas já falamos neste estudo
sobre a contribuição de Nietzsche para nossa melhor compreensão da modernidade e seus
limites, como inspirador para o trabalho de grandes pensadores, a exemplo de Heidegger e
Foucault, a situarmos de uma forma não banalizada o seu niilismo e tampouco a razão
porque é dada a Nietzsche a caracteristica de niilista. Mas, em princípio, o niilismo é a idéia
de negação de toda a verdade objetiva e concepção de existência humana desprovida de
qualquer sentido, e somente uma oportunidade para sensações e experiências, renegando as
verdades morais e as hierarquias de valores. Assim, marcado que é pela indiferença à vida,
o niilista é guiado pela visão de mundo e dos valores últimos, faltando-lhe um projeto de
futuro, uma utopia, a lhe provocar um comportamento infantil e escapista, sendo que o
efêmero da vida detém o primado. Por exemplo, um niilista pode dizer que com a
nanotecnologia repete-se o extravagante “sonho alquímico”, durante séculos objetivado na
tentativa de preparação do “homúnculo” (do latim, homunculus, pequeno homem).
Desde que as operações corretas fossem realizadas, segundo a crença alquímica, um
105
ser humano poderia ser artificialmente produzido, em miniatura . Para Robson Fernandes
de Farias (2006, p. 49): “Embora nos pareça hoje em dia risível essa ‘receita’, torna-se
evidente o paralelo com as modernas técnicas de fertilização in vitro e de clonagem, nas quais
procura-se obter um ser vivo ‘artificial’. Segundo este autor (2006, p. 49), a preparação
alquímica de um homúnculo é detalhadamente descrita numa das passagens do Fausto de
Goethe:
Com amoroso som palpita o vidro,
Já límpido, já turvo: a obra perfaz-se!
Delicado de formas já diviso
Um airoso homenzinho menear-se.
Que mais queremos nós, que mais o mundo?
Eis revelando o arcano! Ouvi atento
O som! – Torna-se voz, torna-se fala!
A alquimia é a fundação e o pilar da medicina,
Sem a qual nenhum médico pode ser médico.

105
Denominação usada também pelo alquimista Paracelsus, para designar uma criatura que tinha
aproximadamente 12 polegadas de altura, cuja “receita” poderia ser criada por meio de sêmen humano posto em
um frasco hermeticamente fechado, a ser enterrado em esterco de cavalo durante 40 dias e, posteriormente,
magnetizado e seguido de outras operações até que o homúnculo estivesse inteiramente pronto. Outro nome a um
ser criado artificialmente é Quimera.
191

Podemos dizer de uma forma simples, que no niilismo a nanotecnologia se caracteriza


pelas questões: Para quê? Nada mais vale a pena! Ou Tudo é em vão, não cria nada! Um
ceticismo relativamente em torno de objetos sem valores, ou aos valores tradicionais morais,
teológicos etc.
Façamos aqui um breve apontamento. A “moral”, como um código, denota um
conjunto de valores e regras de ação que são propostos a indivíduos ou grupos sociais, através
de dispositivos prescritivos (família, instituições educacionais, igrejas etc.), ou também
compreendida como o comportamento real dos indivíduos em suas relações com um conjunto
de práticas (regras e valores) que lhe são propostos, ou ainda como o modo mediante o qual
alguém deve se constituir como sujeito moral, agindo conforme aos elementos prescritivos
que constituem o código; por sua vez, a “ética” é o campo de reflexões filosóficas, que busca
conhecer as relações entre os seres humanos e seu modo de ser e pensar, e determinar como o
indivíduo deve se constituir a si mesmo enquanto sujeito moral de suas próprias ações. Assim,
na relação entre niilismo e ética, ou niilismo e moral, é considerado que as crenças e os
valores tradicionais são infundados e que não há qualquer sentido ou utilidade na existência,
tampouco há verdade alguma para além dos gostos, nem há valores independentes das
opiniões; em resumo, não há nenhum fato moral nem verdades morais. Se há fatos ou
crenças, são proposições rudemente verdadeiras, sendo negado que as crenças morais tenham
um fundamento objetivo ou (intemporalmente) real, que possam discernir-se delas quaisquer
conclusões morais. As normas morais não têm qualquer aplicação, mesmo à conduta dos
indivíduos. Nada, pois, está moralmente bom, mau, direito etc. Ou seja, um niilista moral,
numa visão de mundo pessimista e cética pode dizer que o uso das nanotecnologias não está
errado, mas não é direito, também, extremamente presente neste período em que vivemos
marcados pelo efêmero e fugaz ‘eu’, não mais salvável, em que é mostrado, conforme suas
próprias palavras, o pior dos mundos possíveis, sobretudo, quando estamos sem a força
necessária para não nos deixarmos iludir.
Este modo de pensar do niilismo conduz a uma perda das referências tradicionais da
existência, no nível moral e ético, tanto no plano da fundamentação das normas quanto no
plano de aplicação das mesmas, ou seja, tanto na dimensão teórica quanto na prática. Na
dimensão teórica, com esta perda se produz uma enorme confusão e uma interminável disputa
entre teorias éticas opostas travando-se verdadeira guerra de palavras entre diversas teorias
éticas, sem vencedores nem vencidos. Quase sempre se recai em relativismo e ceticismo. Já na
dimensão prática, o niilismo produz o esvaziamento da força que vincula as normas morais e
192

a possibilidade de sua aceitação e aplicação. O niilismo acaba gerando tanto o politeísmo dos
valores quanto a inutilidade das proibições.
No mundo governado pela técnica moderna, com toda sua infinita multiplicidade de
valores, estão bem introduzidas – e não apenas elas - as idéias do niilismo, do realismo moral
e do irrealismo, e todas têm muito a seu favor e muito em contrário, pois é bastante aceitável
que quase toda posição de fundo ético ou moral contenha dificuldades e controvérsias. É,
pois, de se esperar que a introdução do perigo e do mal relacionados às nanotecnologias
tenham dado amplo espaço para algumas idéias de riscos que a mesma representa em si. A
idéia da prática moral, no mundo contemporâneo, pode estar em grande medida, como sugere
o niilista moral, em sérios apuros face aos presságios de todos os lados de que nada mais é de
todo bom ou de todo mau.
Se bem que sejam muitos os filósofos que se sentiram atraídos pelo subjetivismo,
poucos se tornaram niilistas. Olhando em alguns exemplares e artigos pertinentes à Filosofia,
apareceram os nomes representativos dos niilistas Górgias, Schopenhauer e Nietzsche. A
razão pode parecer um tanto óbvia, se considerarmos o quanto é difícil para alguém se
acredita realmente que nada é bom ou mau, que dissesse que, presumivelmente, a corrupção
na política não é boa nem má, que o abuso sexual em família não é nem bom nem mau, que a
tortura a presos políticos não é nem boa nem má, que não há nem bem nem mal dizer
aposentar-se antes dos 50 anos no Brasil é indício de vagabundagem, que o grave atraso do
vôo de um avião não é nem bom nem mal, que o assassinato dos pais pelos filhos não é nem
bom nem mal; e assim sucessivamente, por qualquer outra coisa similar que se mencione. Se
se dissesse seriamente tudo isto, não somente como parte de uma discussão filosófica, mas na
informalidade das falas, não seria alarmante? Para quem o disser, significa que,
presumivelmente, não se opõe à corrupção na política, à violência, à tortura, ao assassinato, à
irresponsabilidade, ao deboche perante o caos aéreo, ao descaso com o cidadão que trabalha e
ao que trabalha como um “escravo” desde criança, à desfaçatez do “dá-se um jeitinho” ou a
qualquer outra coisa. Pensemos no estranho que isto representa, quando não importa a alguém
que semelhantes coisas lhes sejam feitas, nem lhe importaria fazer aos outros.
Estas situações ilustrativas, com base nas análises de James Rachels (1995), podem
também nos fazer pensar que deve existir um vínculo mais profundo entre o subjetivismo e o
niilismo, pois, não pode ser também uma expressão do subjetivismo afirmar que na realidade
nada é bom ou maul? Nesse caso, a resposta depende apenas do que se entenda por bom e bem
ou mau e mal na realidade. Se entendermos o bom ou o mau, independentemente do que cada
193

um sente, nesse sentido então o subjetivismo, nega do mesmo modo que o niilismo, que exista
algo bom ou mau. Se isto for o mesmo que está compreendido como niilismo moral, o
subjetivismo ético implica então um niilismo moral. Entretanto, vale a pena assinalar que o
subjetivista não está comprometido com o niilismo moral em seu sentido original: o
subjetivista não se sente obrigado a dizer que não se importa com nada, ou que nada é bom ou
mal. Podemos falar agora então do subjetivismo ético.
O subjetivismo ético nega que os fatos morais existam independentes de nossos
sentimentos. Ao realizar juízos morais, as pessoas não fazem nada mais do que expressar seus
desejos ou sentimentos pessoais. De acordo com esta posição, não existem “fatos” morais.
Vejamos o subjetivismo ético no caso de uma sociedade que aceita o “valor” da
nanotecnologia. Adotem a atitude que adotarem, seus cidadãos não terão, no entanto, a clareza
necessária sobre se sua escolha representa a verdade em termos de como devem se comportar
perante o uso dela. Considerando que a ética é uma reflexão sobre a moral, o reconhecimento
do benefício da nanotecnologia para o ambiente e para a vida humana está também
estreitamente vinculado ao reconhecimento de que seu uso apresenta riscos e isso pode ser
moralmente incorreto. Lembramos que para Nietzsche, a busca do conhecimento e da verdade
só tem sentido para fazer vivível a vida; mas, para fazer vivível a vida se faz necessária uma
verdade mais alta que a pretendida verdade cuja busca se atribui ao uso pragmático, social e
mentiroso do intelecto, a realizar-se no homem a busca por algo em que este alcance maior
lucidez, de tal modo determinado a fazer possível a sociedade. Então, no sentido da verdade
em Nietzsche, dizer que a nanotecnologia é para o bem ou para o mal, parece canalizar para
ações conjuntas com o estabelecimento de termos que visem uma convivência social e uma
linguagem constituída - fato social por excelência – com amplos espaços para
questionamentos e diálogos, criados e mantidos até o ponto que seja afastada a origem
arbitrária do ‘invento’ em questão. Nesse caso, há que se exercer o labor de lucidez,
incrustado na palavra ‘criação’, sobre a importância desse invento. Somente assim, se poderá
interpretar e avaliar porque uma sociedade aceita ou se opõe às pesquisas em nanotecnologia,
se o faz apenas porque crê que a mesma implicará benefícios ou riscos (que afetarão à ética e
serão, pois, imorais) ou por quais outras razões.
Uma possibilidade consiste em que podemos concordar com essa sociedade e
confirmar que, por exemplo, no caso do uso de ‘nanopartículas’ na fabricação de
medicamentos para a cura de determinadas doenças, uma vez que para alguns estes
194

nanoelementos são potencialmente mais tóxicos106, se trata de um ato imoral. Outra


possibilidade é que podemos discordar e dizer com conhecimento de causa que essas
nanopartículas têm uma boa viabilidade celular e biocompatibilidade (grande semelhança com
a estrutura celular), apresentando o uso desses medicamentos pouco motivo para preocupação,
o que é moralmente aceitável. Mas existe ainda uma terceira possibilidade. Levando em
consideração que para o subjetivismo ético, no que diz respeito à moralidade, não existem
fatos e nada tem ou não razão, já que os juízos morais expressam sentimentos, ao
reconhecerem o mal ou o bem no uso da nanotecnologia, as pessoas nada mais estarão
fazendo que expressarem seus próprios sentimentos pessoais sobre o uso de tais
medicamentos. Logo, dizer que se trata de um malefício nada mais é mais que uma forma de
compreender a nanotecnologia, inclusive caso o seja feito em termos de um mal maior,
comparativamente ao que se refere à biotecnologia. Outros poderão reconhecer o benefício, e
seus sentimentos não pesarão nem mais nem menos do que aqueles das outras pessoas que se
lhes opõem. No caso do subjetivismo ético, os povos diferentes têm sentimentos diferentes, e
isto é tudo, nada mais fazendo do que expressar seus sentimentos pessoais.
Esta idéia do subjetivismo ético, lembramos, atraiu numerosos pensadores,
especialmente aqueles de inclinação empirista. Mas, mesmo que com esta postura seja evitado
que se tornem absurdos os veementes esforços de alguns pretendentes a reformadores, pois, os
juízos éticos dependem da aprovação ou desaprovação da pessoa que faz esse juízo e não da
sociedade em que essa pessoa se insere, existem grandes dificuldades a superar também para
o subjetivismo ético. Quando se afirma o perigo infligido por algo, na realidade, se está
apenas fazendo alusão ao mal na condenação feita à periculosidade endereçada a alguma
coisa, enfrentando o subjetivismo ético a mesma forma agravada de uma das dificuldades do
relativismo: a mesma incapacidade de explicar a divergência ética que este apresenta como
abordaremos a seguir.
O relativismo ético entende que o bem e o mal são relativos a cada cultura. Assim
sendo, numa dada cultura o bem coincide com o que é socialmente aprovado e o mal com o
que é socialmente desaprovado. Os princípios morais, por sua vez, descrevem convenções
sociais e devem ser baseados nas normas da sociedade, de certo modo relativas a
determinados fatores cultural e historicamente contingentes. Talvez, seja mesmo a
legitimidade das valorações morais, a respeito das sociedades com sistemas morais diferentes
106
Sobre isto, recomendamos a leitura da reportagem Nanotecnologia nos EUA: Riscos Ambientais, de Saúde e
de Segurança já ocupam espaço no debate sobre avanço de produtos que incorporam nanotecnologia. Disponível
em: <http://www.inovacao.unicamp.br/report/news-nanoEUA.shtml>. Acesso em: 2 de outubro de 2006.
195

do sistema de quem emite o juízo de valor, incluindo as negativas, a questão prática mais
importante do relativismo ético. Cada um tem que ter por bem o que considera que é bom
para si, sem ter que submeter-se a critérios objetivos que, ao final das contas, seriam estranhos
às capacidades de sua própria liberdade. Postula o relativista ético que os valores são algo
privado, inclusive puras referências sentimentais e irracionais. O relativismo moral, segundo
entendemos, é uma resposta comum aos dilemas mais profundos que enfrentamos em nossa
vida ética atual. Alguns destes dilemas são muitas vezes expressamente públicos e políticos,
como a aparentemente insuperável desaprovação da organização não-governamental
canadense, Action Group on Erosion, Technology and Concentration (Grupo de Ação em
Erosão, Tecnologia e Concentração - Grupo ETC), ETC107, em relação às aplicações da
nanotecnologia na agricultura. Esta organização lançou na Cúpula de Johannesburgo, em
setembro de 2002, a idéia de uma moratória para pesquisas nanotecnológicas e, em 30 de
janeiro de 2003, publicou um documento de 84 páginas intitulado The Big Down: Atomtech -
Technologies Converging at the Nano-scale (que se pode traduzir como “O Imenso mínimo:
Atomotécnica - Tecnologias que convergem para a Nanoescala”)108, no qual está presente
entre outras constatações a de que a nanotecnologia já é uma realidade, inclusive de mercado
(estimado em US$ 45 bilhões anuais, devendo chegar a incrível US$ 1 trilhão em 2015). O
ETC publicou ainda o relatório “Down on the Farm: The Impact of Nano-scale Technologies
on Food and Agriculture”109, em novembro de 2004. Nesta reportagem, cujo título
corresponde em castelhano à La invasión invisible del campo, é feita uma abordagem sobre o
impacto das tecnologias de escala nanométrica na alimentação e na agricultura.
Como responder então à diversidade cultural entre sociedades? Se uma sociedade,
como por exemplo, a brasileira, condena a nanotecnologia enquanto a norte-americana em
boa parte a aceita, não temos bases para escolher entre ambas as perspectivas antagônicas, a
não ser que o decidamos por nós mesmos. Mas com que compromisso, com que critérios
éticos de validação das condutas, com que certa teoria moral se defende tais e tais regras, que
estejam fora dos pilares da visão moral antropocêntrica que opera na dicotomia entre homem
e natureza a que fomos acostumados, pois nos embala desde o berço renascentista e que
também acalentou o experimentalismo e o individualismo? Como fazer a ruptura com a

107
O acesso ao ETC está disponibilizado pelo endereço eletrônico: <http://www.etcgroup.org>.
108
Disponível em: <http://www.etcgroup.org/en/materials/publications.html?ppage=2&limit=15&
language=notSpanish&keyword=Biological+Warfare>. Acesso em: 2 de outubro de 2007.
109
Disponível em: <http://www.etcgroup.org/documents/ETC_DOTFarm2004.pdf>. Acesso em: 2 de outubro de
2007.
196

concepção moral tradicional à qual Kant se filia ao estabelecer a posse da razão como critério
necessário para o ingresso na comunidade das ações em relação às quais os agentes morais
têm dever de considerar os interesses daquele que for afetado por elas, sem estarmos
exaltando a nós mesmos outra vez? É possível superar o antropocentrismo, sem correr o risco
de anular qualquer dualidade em relação ao ser humano e a natureza? Como falar em
naturalismo que afirma a unidade entre a sociedade e a natureza, entre a ciência do homem e
da natureza, sem contrariar radicalmente a corrente de pensamento culturalista que tem por
conta, acima de tudo, a influência que o social exerce sobre os indivíduos? Para melhor nos
situarmos, falemos um pouco dessas duas vertentes, afinal, ainda temos nosso olhar sobre o
mundo marcado pelo costume, hábito ou idéia consolidada de pensar as coisas em termos de
oposições bi-polares, assim como o binômio naturalismo versus culturalismo. Ética e
moralmente, serão estas duas correntes de pensamento vertentes tão antagônicas e
inconciliáveis?
O naturalismo, entendido mais ou menos o que pudemos apreender de autores
estudados, uma vez que são muitas as variantes desta corrente de pensamento, além de que
existe uma diversidade interpretativa nas distintas em áreas e, também, aconteceram muitos
avanços com as novas escolas de reflexão moral, tem como característica no seu sentido
filosófico a tentativa unificadora de considerar a natureza enquanto totalidade de realidades
físicas existentes. Afirma, assim, que as leis naturais estendem seu âmbito de validade ao
denominado reino do espírito, sendo tais leis tudo o que precisamos para explicar os
fenômenos mentais. Tal posição reduz os fenômenos mentais aos fenômenos biológicos, os
quais, por sua vez, são reduzidos aos fenômenos físicos. No seu sentido científico, para o
naturalismo, a natureza constitui o conjunto da realidade e somente pode ser compreendida
através da pesquisa científica. Esta corrente de pensamento é um dos princípios básicos em
torno dos quais se organiza toda a ciência, sustentando que as causas e os fenômenos
sobrenaturais devem ser eliminados, que tudo o que acontece deve ter uma causa
compreensível que se baseia em evidência empírica e submete-se a leis físicas e à causalidade.
O naturalismo afirma que as relações de causa-efeito (como na física, na química e também
na biologia) são suficientes para explicar todos os fenômenos; as concepções teológicas que
possam sugerir qualquer intenção e necessidade metafísica no estudo da realidade, ainda que
não seja por isso que devam ser invalidadas, não são tomadas em consideração. As ciências da
cognição em geral, e particularmente, a psicologia evolucionista, adotaram o paradigma do
estudo naturalista do homem. Lembramos que os fenômenos biológicos são estudados de
197

acordo com as categorias que constituem o discurso biológico e os paradigmas nos quais se
desenvolve hoje a ciência biológica. Por outra parte, se integra assim com o discurso ético.
Para produzir dita integração com o discurso biológico, deve-se ter em conta algo mais que o
discurso científico em si: a racionalidade científica, a valoração científica, já que são pelo
menos estes discursos (o científico e o ético) os que se encontram na bioética. Para a Biologia,
os indivíduos ou espécies têm uma razão de ser (finalidade, teleologia) e, por exemplo, seria
eticamente negativo distorcer esta teleologia. Se isto é o que entendemos à natureza, ocorrerá
o mesmo. Esta situação merece ser abordada interdisciplinarmente, com o objetivo de criar
um marco referencial comum. É, pois, sumamente importante a clarificação dos conceitos que
definem o discurso biológico, espécie, natureza, pessoa humana, ser humano, teleologia etc.
O naturalismo ético identifica as propriedades morais com propriedades naturais.
Deste modo, a ética deixa de ser epistemologicamente problemática, uma vez que podemos
conhecer os fatos éticos através dos meios sensoriais comuns pelos quais conhecemos os fatos
naturais, pois os fatos éticos são apenas fatos naturais. O bem pode analisar-se ou explicar-se;
pode reduzir-se a outra coisa ou identificar-se com outra propriedade. Na realidade, os
naturalistas pensam que o bem, uma propriedade única e sui generis, não existe (e o mesmo
vale, naturalmente, para a maldade, a retidão e seu contrário). Se isto é verdadeiro, as
propriedades morais não colocariam dificuldades filosóficas especiais. Uma vez que o
naturalismo nega qualquer transcendência ou destino sobrenatural para a humanidade, os
valores devem encontrar-se dentro do âmbito social. Os valores, logo, são relativos aos
valores vitais ou da vida, aqueles valores de que é portadora a vida (vigor vital, a força, a
saúde etc.) no sentido naturalista desta palavra, isto é, o Bios. Foram estes os valores que se
reputaram como os mais elevados de todos na sua escala axiológica, como os únicos mesmo,
correspondendo ao que se chama também biologismo ético ou naturalismo. Em alguns
aspectos do naturalismo, seja pela via do apriorismo, seja pela do empirismo utilitarista,
promoveu-se com o pragmatismo mais recentente um giro completo, sem lugar para o
retorno ao naturalismo ético.
Na ética naturalista, a ordem moral baseia-se na ordem natural, em costumes,
inclinações ou em alguma forma de utilitarismo, pensamento segundo o qual o útil é bom,
uma posição defensiva que implica em que cada um deve esforçar-se em desenvolver um bom
caráter porque a posse de bons critérios morais pela maioria das pessoas maximiza a utilidade
geral. O utilitarismo é uma teoria naturalista sobre os fundamentos da moralidade. Na
verdade, este dado referencial pode ser indicado por aquilo que se denomina princípio da
198

utilidade, destacando que para autores do século XVIII, como David Hume (1711-1776) e
Immanuel Kant (17 24-1804), por exemplo, o termo “princípio” se referia a algo que está
realizado na mente de uma pessoa.
David Hume (1711-1776) é considerado o grande introdutor do termo “utilidade” em
nosso vocabulário moral, utilidade esta fundamentada em sentimentos humanos apenas e sem
apelo a comandos morais divinos, o que resultou em uma crítica ferrenha à sua doutrina por
ser concebida sem Deus. Na concepção de Hume (1995), que diferenciava dos fisiocratas por
postularem uma ordem de mundo providencial, harmoniosa, imutável e beneficiosa, tudo
aquilo que estava além do conhecimento humano era muito mais afeto à natureza do homem
que à natureza do mundo. O homem é uma criatura mais de percepção sensível e prática, que
de razão. Vale salientar que Hume praticava a observação e para ele os conhecimentos surgem
da experiência sensível, sendo um empírico defensor de que as oportunidades para realizar
experimentos genuínos eram muito limitadas dentro do âmbito das ciências sociais,
confiando, por isto mesmo, muito mais na introspecção e nas lições da história. Foi, talvez,
tendo como ponto central o estudo dos valores e interesses, pertinentes ao ser humano, diante
do conceito comum do bem e do mal, um dos precursores a fazer uma aguda distinção entre o
que é (o que as coisas são, como são e por que são) e o que deveria ser, entre juízo de fato e
juízo de valor (afirmações emitidas baseadas em crenças, valores, princípios ou percepções de
cada indivíduo), quer dizer, entre as “afirmações positivas” e as “normativas”, distinção esta
que haveria de tornar-se algo fundamental nas modernas ciências sociais. Hume via a
experiência enquanto a associação de idéias por costume e hábito, sendo esta a essência da
inferência causal. Uma vez que existe limitação na observação humana e é assim que o
observador passa de uma impressão para uma idéia, regularmente associada com ela, não
significa que um evento primeiro seja a causa do outro, concluindo Hume que pode haver
uma relação entre um e outro evento, mas não uma causalidade. Marcou com isso sua ética,
admitindo que o homem deve recusar todo sistema ético que não está fundamentado nos fatos
e na observação, indicando que o problema moral e o princípio moral coincidem com a
agradabilidade ou a utilidade de alguma coisa, gerando dúvida na sua aprovação ou
desaprovação, logo, os juízos morais expressam essencialmente nossos sentimentos, reações
emotivas perante uma utilidade que é, de certo modo, um fim para alcançar a felicidade. Para
Hume, as qualidades estimáveis são a virtude de algo e esta virtude é primária; por sua vez, os
atos pertinentes adquirem mérito somente na medida em que manifestem um caráter virtuoso,
ou seja, somente serão atos bons desde que tenham uma relação estreita com os motivos
199

virtuosos. Neste aspecto, considerado cada caso em particular, as qualidades de alguma coisa
são valorizadas seja pela sua utilidade ou por sua agradabilidade, tanto para os que a possuem
como para os outros, de modo que o sentimento de aprovação surge da consideração
simpática face aos efeitos aprazíveis do motivo em jogo.
Entendemos assim que, na visão de Hume, com base em seu sistema moral, o que
pode produzir a aprovação da nanotecnologia e suas aplicações está necessariamente
vinculado ao fato de que as mesmas objetivem a felicidade das pessoas em geral e do próprio
eu, o que não quer dizer que seja exigida uma fórmula apropriada à realização de uma
felicidade maior para o maior número possível de indivíduos. Importa que suas qualidades
sejam aprovadas conforme sua utilidade, ou os efeitos aprazíveis que são capazes de
proporcionar. Os atos, as decisões, os procedimentos todos realizados em torno à
nanotecnologia, não podem permanecer indiferentes ao bem-estar dos indivíduos, nem serem
julgados facilmente por si mesmos, sem a consideração ulterior de que é um bem o que
promove a felicidade dos outros e um mal o que tende a conduzi-los à miséria. O interesse
pessoal não é o único móvel do homem; há, além disso, um bem comum: o bem-estar e a
felicidade individual, proporcionados pela nanotecnologia e suas aplicações devem estar
estreitamente unidos ao bem-estar e à felicidade coletiva. A teoria utilitarista de Hume se
colocou como a precursora imediata das concepções utilitaristas clássicas dos mais
expressivos representantes do pensamento utilitarista, embora tenha um certo caráter
hedonista enquanto uma versão que identifica o bem-estar com o prazer e a ausência de
sofrimento. Vemos a correspondência com um utilitarismo altruísta, de modo que, nesse
caso, o que responde pela maior parte da moralidade envolvida com a nanotecnologia é a
preocupação com os outros, devendo a justiça todo o seu mérito à utilidade pública no sentido
de acompanhar se os atos respondem ou não à inclinação e à utilidade para a vida social; daí
sua importância.
No seio do utilitarismo estão as éticas teleológicas (ou materiais), rivais das éticas
deontológicas (estudo do que convém, em termos de ação) segundo as quais o centro do valor
moral está nas regras morais.
Na obra, Crítica da razão pura, Kant aborda os limites do conhecimento humano,
buscando superar o ceticismo de Hume, colocando a razão pura, e não a prática, como o
centro da criação filosófica. Todo nosso conhecimento começa com a experiência, mas nem
por isso todo ele procede dela; nesse caso, se entende por conhecimento a priori (formas
como intuição, espaço e tempo, inerentes, não aos objetos, senão ao sujeito que os intui) todo
200

aquele que é absolutamente independente de toda a experiência, e por conhecimento a


posteriori o empírico, ou seja, o que só é possível mediante a experiência. A natureza humana
é (ao menos em parte) produzível por si mesma, através da ação livre do homem, e este é
incapaz de conhecer a essência das coisas, de dizer com precisão o que determinada coisa é,
pois o conhecimento não ultrapassa a esfera das efetivas ou possíveis experiências
sensoriais, ficando vazias as formas estruturais da razão, por não serem preenchidas pelo
material aportado pelas sensações, marcando-se, assim, a separação essencial do homem
moderno da grande objetividade do mundo inapreensível aos sentidos, que atuam na
perspectiva da escala humana, e não extra-humana. Um sentido no qual alguma coisa é útil,
é que ela pode ser aplicada a nós, com o intuito de transformar a nós mesmos e esse
conhecimento prático do ser humano contribui para a sua prudência em relação as suas
escolhas.
Kant se distingue dos utilitaristas tentando resolver impasses morais, afirmando em
sua filosofia moral, que a essência da moralidade está no “motivo” pelo qual um ato qualquer
é praticado, buscando imputar à razão, e somente a ela, a capacidade para criar leis morais de
aplicação. O filósofo propõe o imperativo categórico ou dever, cujo fundamento está no
princípio objetivo da vontade, segundo o qual a natureza racional existe como fim, o que nos
mostra uma visão sobre a ética e sobre o juízo moral baseado na racionalidade e somente nela.
O imperativo afirma que devemos operar somente segundo uma máxima tal, em que
desejemos, ao mesmo tempo, que esta se converta em uma lei universal, permitindo-nos
inferir se uma dada ação é moralmente correta e se a regra nela envolvida é moral. Os
imperativos da razão não têm em vista nenhum resultado imediato, a não ser a obediência
irrestrita ao dever, que é o que determina e dita as normas do ser humano consigo mesmo,
com a sociedade e com o próprio Deus. Não há o bem e o mal como noções fundamentais;
estes são determinados de acordo com o dever. Assim, bem é tudo que é necessariamente
ordenado por tal imperativo e o mal é tudo que não pode ser objeto de um imperativo
categórico: é tudo que não pode ser lei universal. Desse modo, as inclinações do homem ao
mal, das quais é dotado por natureza, somente dificultam a execução do bem; o mal autêntico,
em troca, consiste em alguém não querer resistir àquelas inclinações quando o incitam à
transgressão, e esta má intenção é propriamente o verdadeiro inimigo. Kant valoriza a
intenção da ação. O dever de agir (ética deontológica) sobrepõe-se, pois, às conseqüências da
ação. Agir bem implica uma boa intenção (razão ou motivo) e uma boa vontade; ou seja, toda
ação é boa se a intenção subjacente a ela for boa e se for pensada como boa vontade, se for
201

universal, no sentido de que o que for decidido fazer seja bom não apenas para si próprio, mas
para todos os outros. Se não for uma ação egoísta ou só pensada em função do eu unicamente,
então terá uma dimensão ética, nesse caso, os imperativos podem ser indispensáveis para a
convivência na sociedade, sobretudo, quando esta não tem as condições de decidir por si
mesma, de caminhar com suas próprias pernas. Uma liderança moral é um bom negócio,
representando a tarefa superior de supervisionar as atividades que possam gera riscos e
prejudicar a terceiros. O bom é que, desde a ética em qualquer situação, possamos perguntar-
nos por que devemos cumprir essas normas, de onde vem a sua legitimidade, tratando-se de
buscar o fundamento dessas normas.
Sob o prisma da visão kantiana, analisemos o caso de uma determinada organização,
por exemplo, que intenta lutar contra a aplicação na agricultura de produtos que contenham
nanopartículas, uma vez que estas parecem apresentar uma toxicidade diferente das versões
maiores do mesmo composto, criando um fundo para gerir os recursos que se destinarão aos
mecanismos de combate ao uso de insumos agrícolas que incorporem nanotecnologia. Ajudar
os agricultores a não serem acometidos pela toxicidade das nanopartículas é uma boa ação,
suposta numa intenção boa de lhes facilitar melhoria da qualidade de vida. A intenção pode
ser boa, no entanto pode ter conseqüências desastrosas se a organização tiver como intenção a
de impor seus interesses e monopólio pelos clássicos produtos, porque a mesma possui
investimentos no mercado da agricultura ocupada diretamente com a venda ou troca de
sementes viáveis para o cultivo. Caso existam interesses próprios a defender e a intenção de
tirar algum proveito desses interesses, a ação dessa organização é diretamente correspondente
à mesma das empresas que vendem produtos com base em transgênicos ou tecnologias
nanoscópicas para uso na alimentação e na agricultura. Em um e outro caso, não é diferente
do que fazem os EUA, ao investirem no fomento de violência e guerras para proteger seus
interesses econômicos, com bons propósitos ao servir determinado país com armamentos,
mantimentos e o que demais seja preciso.
O que se conclui, é que a pessoa pode agir de acordo com o dever, mas pode muito
bem agir movida por interesses egoístas. É o mesmo caso da atitude de qualquer comerciante
que é honesto para com os seus clientes apenas para ter mais lucros, que promove campanhas
em prol do ambiente, quando, por exemplo, vende coisas que afetam o mesmo. Ora, ele não
engana ninguém, não rouba, nem viola as leis. Exteriormente, a sua ação está de acordo com o
que deve ser feito. Mas, ao fazer tudo isso a fim de promover o seu próprio negócio, este
202

comerciante não age moralmente bem. A sua ação é praticada apenas como um meio para
atingir um fim pessoal.
Uma ação pode ser então conforme ao dever e, no entanto, não ser moralmente boa. O
fato de uma determinada organização atuar contrariamente à aplicação de produtos à base de
nanoparticulados na agricultura e ajudar a proteger os trabalhadores contra riscos
significativos que possam ser apresentados mediante a aplicação dos mesmos, é feito porque
dá prazer a esta organização ajudar, porque para seus membros a virtude, por si só, é parte
integrante de sua felicidade, de sua paz de espírito e de sua ausência de dor ou de culpa. É
porque isso é o certo, não porque se é bom! Afinal, não existe um prazer em dar tapinhas nas
costas das pessoas e mostrar-lhes ajuda e proteção para assegurar-se de que se é um cidadão
compromissado e legal? A virtude, para alguns, dá ibope! Mas nada é dito sobre o modo
como concretamente se deve fazer para tratar os outros como “fins em si”, do tipo, como fazer
para proteger o agricultor da toxidade das nanopartículas. Na ética kantiana não há legislador,
em geral, são sugeridas posturas universais aplicáveis a todas as situações, no sentido de que
todos as percebemos como obrigatórias.
É uma ética interessante para a discussão dos grandes princípios, pois tem que ver com
as expectativas de comportamento recíproco, ou seja, quanto ao que eu espero dos demais e o
que os demais esperam que façamos, mas é vazia de conteúdo, tornada uma coisa estéril, de
escassa validade na nossa conduta cotidiana por ser incapaz de ser aplicada nas questões
importantes dada sua incapacidade de nos dar respostas concretas sobre como devemos
deliberar e agir em situação contextual, já que não nos indica regras concretas do agir,
pautando-se em princípios formais, abstratos que não resolvem problema moral algum, não
ordenam o que fazer, mas que são a referência para o modo de agir. O imperativo carrega em
si as marcas de noções religiosas fundamentais (a idéia de céu e inferno, de recompensa e
castigo), como no modo: Seja misericordioso com as pessoas, com a humanidade, te
entranhes de misericórdia perante seu sofrimento!
Em resumo, o certo e o bem (que fazem o indivíduo desenvolver-se) e o errado e o
mal (que impedem o indivíduo de ter esse desenvolvimento), foram conceitos que sofreram
profundas modificações no seu significado ao longo do tempo, mas com sua tese do
imperativo categórico, ninguém mais que Kant levou tão longe essa mudança de significado.
Sua ética, de caráter deontológico, centrado no dever e na racionalidade, o valor moral da
ação reside na intenção e não nas conseqüências do ato (lembrando que o enfoque
conseqüencialista é uma forma particular de utilitarismo em que a ação moralmente correta é
203

a que tem como conseqüência um bem maior para as pessoas envolvidas). O filósofo, no seu
idealismo transcendental, não concede nenhuma garantia de que nosso saber sobre o cosmos
corresponda com a realidade, pois que anseia por conhecer aquilo que as coisas são “em si
mesmas” sem introduzir para nada a experiência. Deste modo, Kant afeta a pergunta em torno
de como é possível o conhecimento da realidade das coisas que conhecemos tal como resultam
em sua organização pelas formas próprias de nosso intelecto e com as intuições próprias de nossa
sensibilidade, abrindo precedentes para a época do relativismo e do dever ser moral.
Com respeito à naturalização da moral, Aristóteles e Hume são dois autores
especialmente considerados. Platão, Aristóteles e Kant crêem firmemente que existem
verdades morais universais que são independentes de convenções sociais particulares.
Aristóteles chama a consciência moral e seus princípios de “razão prática”. Kant ressuscita
essa denominação aplicando à consciência moral o nome de razão prática, sendo apontado
como o contraponto racionalista a um projeto de naturalização da moral, defendendo um
subjetivismo que afeta o conhecimento matemático e o saber sobre o mundo físico, como os
únicos conhecimentos certos que o homem pode ter. Uma determinada ação poderá ser boa ou
má, dependendo das circunstâncias e das conseqüências. Já a felicidade foi uma das questões
abertas em Aristóteles que define o bem do homem como um estar bem e fazer o bem,
defendendo o exercício das virtudes como a parte central de nossa vida. Seu sistema ético
ganha seu sentido neste exercício, que proporciona a escolha de uma boa ação como resultado
imediato. Para o filósofo, os meios para atingir um fim pedem juízo, e por isto mesmo é que
as virtudes entram em ação, sendo necessárias como capacidade para proceder ao julgamento,
à opinião (considerando que particularmente, uma opinião correta pode ser o verdadeiro), e
atingir assim a ação correta, o fazer correto, no lugar certo, no momento certo e da forma
mais correta, ação esta que por si só revela o caráter da pessoa.
Vale dizer que Kant (2000) tem como um dos conceitos centrais na sua doutrina moral
também o de felicidade. Para ele só é moral tudo aquilo que contribui por todos os meios para
que se realize o soberano bem possível no mundo, ou seja, a felicidade geral no universo,
associada à mais pura moralidade e conforme com ela. O pensador usa a palavra
“pragmático” para referir-se e caracterizar os conselhos de prudência que diferem das regras
de destreza e dos mandamentos da moral (fundamentação da metafísica dos costumes), sendo
que o seu princípio da primazia da razão prática é já uma antecipação do pragmatismo. Mas
foi a reflexão sobre a obra kantiana, Crítica da razão pura, que levou inicialmente Peirce a
formular a doutrina de que as confusões da metafísica podem ser deslindadas se tiver-se em
204

consideração as conseqüências práticas das idéias.


Pode-se dizer que o pragmatismo norte-americano não é uma corrente filosófica
unitária, mas que nasceu basicamente com Charles Sanders Peirce, e se envolveu
imediatamente no senso utilitarista com William James e também no senso instrumentalisa
com John Dewey. Dewey fez a síntese das aspirações sociais norte-americanas da segunda
metade do século XIX, tomando como base o evolucionismo de Charles Darwin e o
pragmatismo de William James em sua concepção de experiência para englobar todas as
dimensões da ação vivida, sem privilegiar apenas o papel que ela desempenha na produção do
conhecimento científico. O pragmatismo de Dewey se aproxima mais da filosofia social ou
mesmo de uma prática mais política, orientando para que a filosofia deva reproduzir na área
sociopolítica, o que a ciência moderna realiza na área tecnológica. Dewey buscou trazer do
pragmatismo, numa perspectiva conseqüencialista, a contribuição para o conhecimento
social a tornar mais consciente e responsável uma sociedade, ao mostrar-lhe que a mesma é
produto dos atos criativos dos atores coletivos, ilustrando-se que na filosofia a visão
pragmatista está mais vinculada às discussões em torno da teoria do conhecimento, da estética
e da ética.
Podemos então melhor delimitar que o pragmatismo americano tem em seu solo o
pragmatismo metodológico de Peirce, o pragmatismo utilitarista de James e o
instrumentalismo de Dewey. Assim, temos correntes pragmatistas afins, o que não quer dizer
iguais. Enquanto Dewey procura romper a dicotomia entre a ciência e a filosofia, por seu
turno Émile Durkheim, pleiteando a sociologia como uma ciência positiva, a partir das críticas
que foram feitas à corrente americana, concebe que o pragmatismo, tal como a sociologia, se
debruça sobre a “ação” e a “vida”. Durkheim (2004), revendo suas posições anteriores, entre
outras contribuições, faz uma rigorosa revisão teórica e critica do excessivo individualismo
que marcou o pragmatismo clássico (e que já não caracteriza o pragmatismo atual), na
relação entre indivíduo e sociedade, mostrando a importância do indivíduo no coletivo. Para o
sociólogo, o indivíduo tem como papel o de ser um verdadeiro criador cujo principal fator de
renovação do social ele relaciona à consciência. Posteriormente renovou o racionalismo
francês com relação à questão da verdade e do conhecimento, ressaltando do pragmatismo o
sentido da “vida” e a “ação”. Desacreditando a ortodoxia que marca o antigo racionalismo,
defende que este deva ser substituído por um outro que considere a verdade a partir de um
quadro, necessariamente, tanto histórico quanto social. Mas, o pensador não deixou de
enfatizar a superioridade da Sociologia como ciência que possibilita o entendimento e as
205

ações inerentes ao progressivo desenvolvimento humano, rumo a uma sociedade formada não
apenas por fatos reais, mas, sobretudo, constituída por ideais morais. Durkheim tenta
fundamentar porque a Sociologia requer hoje do pragmatismo e, sobretudo, porque é vital
que este se abra agora para a Sociologia o que é fundamental, supomos, para definir o lugar
central que ocupa a ação para explicar a gênese social das categorias mentais.
O que vemos, é que Dewey, Durkheim110 e Pierce compartilham com Darwin a
responsabilidade com o sentido da vida e das ações, inerente ao progresso humano, que
também subjaz ao pragmatismo, no mesmo rumo naturalista evolucionista.
De acordo com Peirce, que articulou problemas modernos da ciência, a verdade e o
conhecimento, conhecemos as coisas pelo leque das conseqüências que seu desempenho
causa na experiência possível. Peirce reformula o ceticismo cartesiano com o falibilismo111,
recorre ao suporte do evolucionismo como uma possibilidade de avançar em relação ao
nominalismo e ao associacionismo, ataca o mecanicismo determinista e a crença numa
necessidade causal, e elabora uma interpretação evolucionista do cosmos e do lugar do
homem, com a articulação que faz entre novidade-continuidade.
Tentando desvencilhar-se nos últimos anos da denominação “pragmatismo” devido
às más interpretações que deram a esta corrente, Peirce prefere cunhar sua filosofia como
pragmaticismo. O filósofo norte-americano, atento aos procedimentos que regem as
atividades do organismo humano e seguindo o modelo de funcionamento biológico dos
sistemas cognitivos manifesta uma clara preferência pelo modo de operar da ciência,
considerando sua capacidade de predizer resultados e forma evoluída de investigação, daí a
razão do seu cunho valorativo com relação ao pensamento científico na certificação de uma
verdade de uma idéia ou objeto.
A verdade, portanto, pode ser ‘medida’ através da investigação científica conforme
seu caráter vinculado à utilidade e com este aspecto marcando o realismo do pensamento
peirceano como a tentativa de escapar das armadilhas, tanto do idealismo quanto do
110
Também constamos que outra figura destacada neste vínculo com o pragmatismo, foi o filosofo e sociólogo
Georg Herbert Mead (1863-1931), mediante a psicologia social, que traria com Dewey a proposta do que
referencia como “evolução emergente”. Esta evolução é compreendida no sentido da capacidade de modificação
que têm os atores, através de inovações não planejadas, dos estandartes culturais que aparentemente são os
determinantes últimos da conduta social. Desse modo, a liberdade do agente social se estabelece não apenas com
respeito às normas e valores senão, também, frente à necessidade de mudança das estruturas dentro das quais
ambos se realizam, correspondendo a “emergência” à irrupção do não planejado, mas possível de acontecer e
que aparece como um componente da ação que foi pensada por Mead.
111
Doutrina inicialmente desenvolvida por Karl Popper nos anos 30 do século XX. Karl Popper que admite o
reconhecimento do erro como possibilidade do conhecimento científico, quebrando o paradigma de validade
inquestionável do conhecimento adquirido. Assim, qualquer crença individual pode estar errada, isto é, aberta à
dúvida, como uma conseqüência necessária do reconhecimento da limitação e finitude do ego humano.
206

materialismo, na questão do conhecimento. O ato cognitivo situa-se diretamente articulado à


percepção e à ação do sujeito cognitivo, em seu processo de interação evolutiva com o
ambiente, o que impregnou a ciência norte-americana do “espírito de laboratório”.
Peirce (1877) formula sua teoria com os pés fincados na “realidade”, em uma
perspectiva eminentemente empirista, ao qual denomina de “método científico de obtenção da
crença”, e na direção da importância que concede também ao ato de “duvidar”, entendendo
que, embora sejam bem diferentes, tanto a dúvida como a crença têm efeitos positivos sobre
nós. Peirce faz esse argumento, tendo em conta sua preocupação com as situações em que
queremos perguntar uma questão ou pronunciar um julgamento, em face de sua constatação
de que existe uma divergência entre a “sensação de duvidar” e a de “acreditar”. Considera que
a nossa realidade, posta em crença - a crença também guia os nossos desejos e orienta as
nossas ações -, não nos faz agir imediatamente, colocando-nos numa posição em que nos
comportaremos de certa forma, quando surge uma ocasião para a qual não temos ainda
respostas, a dispormos, assim, de um estado de satisfação, de equilíbrio entre nós e o
ambiente, como uma espécie de “hábito” da mente que nos coloca de acordo com a realidade.
Isso não quer dizer que para Peirce, exista uma realidade independente de nós, mas não cinde,
nos parece, “realidade” e “experiência”, argumentando que é com base em nossa
“experiência” que fazemos a contemplação imediata de algo com que entramos em contato, a
dizermos que estamos já vivendo na “realidade”. A “dúvida”, segundo o filósofo, não tem um
efeito deste tipo, mas motiva-nos de algum modo a agir até que a mesma seja dissipada e
tenhamos a resposta que julgamos precisar. Peirce faz analogia entre desta situação com o que
acontece durante a excitação de um nervo e a ação reflexa consequentemente produzida,
explicando que, como no caso da crença, falando em termos de sistema nervoso, precisamos
atender às denominadas “associações nervosas”, por exemplo, às apropriadas para aquele
“hábito” dos nervos em consequência do qual o cheiro de um pêssego maduro pode fazer
“crescer água em nossa boca”.
Tomando a “experiência”, então, como ponto de partida apropriado para qualquer
investigação filosófica, para Peirce, a existência do mundo não se dá fora do alcance da
experiência. É a partir das interações entre as coisas em nossa experiência que vai se
constituindo um tecido de relações evidenciáveis ou semióticas, em que umas coisas se
convertem em evidência ou signo de outras. Forma-se assim, no processo de adequação e de
realidade, uma espécie de rede neuronal ou sináptica. Peirce admite os significados como
207

regras para usar e interpretar as coisas, sendo a interpretação sempre uma imputação de
potencialidade para algumas conseqüências.
James, por sua vez, vai assumir assume o método pragmático de Peirce em sua teoria
pragmatista da verdade, segundo a qual a verdade é uma virtude de algumas de nossas
crenças, sendo verdadeiras as crenças que se adequam à realidade. Esclarece, porém, que o
pragmatismo aceita esta definição, porém discutindo, no entanto, o que deve entender-se por
“adequação” e por “realidade”. Assim, para James o conceito de realidade deve incluir fatos
concretos, gêneros abstratos de coisas e suas relações intuitivamente percebidas entre elas e,
também, de todo o corpo de verdades de que já dispomos, encaminhando uma nova
concepção pragmatista mediante uma aproximação com os modelos filosóficos do senso
comum, concebendo que “adequação” pode ser entendida como instância metafísica, fora do
alcance da experiência, mas é conduzida pela realidade.
Não é para nós nem um pouco fácil, ainda, dizer o que é o pragmatismo, desde
Peirce, de um modo que satisfaça a todos e a cada um de nós, mesmo porque atualmente esta
corrente se difunde e amplia com o reconhecimento inevitável do impacto imediato da
experiência e da significação da ação sobre a teoria. É igualmente difícil falar sobre a ética
pragmática. Normalmente, a encontramos associada à idéia de que alguma coisa somente é
verdadeira se funciona, se tem pleno êxito, o que nos remete à tendência de afirmar que o
conhecimento é um instrumento a serviço da atividade e que todo pensamento possui uma
finalidade prática. Nesse caso, a função do pensamento é guiar a ação, e a verdade deve ser
examinada preeminentemente por meio das conseqüências práticas, sendo esta uma
proposição que consiste em afirmar que é útil e bom tudo aquilo que é exitoso, que funciona
bem e que traz satisfação. Aponta-se aqui a crítica comumente feita aos pragmatistas de que
tal posição não é ética, pois, a sugestão do pragmatismo é a de obter vantagem, de apostar-se
em decisões que tragam as melhores vantagens. Em síntese, o traço característico das teorias
pragmatistas reside na centralidade que estas concedem às práticas no que diz respeito à
gênese e estrutura da normatividade cognitiva, deslocamento até as práticas este que significa
uma definitiva ruptura com a epistemologia clássica, tendo como tal aquela que fundia suas
raízes no ideal de ausência de pressuposições do cartesianismo.
Enquanto que para os deontologistas, os problemas são levantados em torno da
dificuldade que eles têm em dizer exatamente o que são os deveres e os direitos
concomitantes, havendo muito pouco consenso a respeito disso pendendo os impasses para o
208

debate subjetivismo-objetivismo que parece infindável, com o utilitarismo não é diferente em


termos de repercussões críticas.
O utilitarismo é uma espécie de conseqüencialismo ético (lembrando que outras são
o egoísmo ético e o altruísmo ético) que sustenta que uma ação só é moralmente correta
caso os seus resultados sejam mais bons do que maus e promovam a felicidade do máximo
possível de pessoas, tendo como conseqüência portanto um bem maior para todos, inclusive
para o agente. Do contrário, a ação é moralmente incorreta. Os ataques mais freqüentes ao
mesmo têm se dado de muitas maneiras, sobretudo, no sentido que acarreta a mentalidade de
que “o fim justifica os meios” e por não oferecer argumentos satisfatórios pelos quais seja
possível estabelecer uma diferença entre o conjunto de ações que conduzem ao mais prazer
para um maior número de pessoas e o daquele que não conduz, levantando praticamente
grandes questões, a exemplo de: Como definir esse bem? Por quem? Que fazer no caso de
bens incompatíveis? O número total das pessoas envolvidas deve ou não contar? E caso conte,
como é que conta? Estes são apenas alguns dos problemas iniciais apontados, com o
precedente de que se nos ativermos ferrenhamente ao conseqüencialismo utilitário,
ficaremos sujeitos a passar todo o tempo tentando calcular o efeito preciso de cada ação,
correndo o risco de não fazermos seja lá o que for, lembrando ainda que os opositores do
pensamento utilitarista vêem diversos problemas no cálculo utilitarista que mede a
moralidade por suas conseqüências e que qualquer ação é potencialmente justificável quando
se baseia no aumento de utilidade para as partes envolvidas.
Para Jeremy Bentham e John Stuart Mill, dois outros grandes precursores desta
corrente de que estamos falando, a utilidade é o princípio de todos os valores no âmbito da
ação, enquanto que para o pragmatismo, o mesmo acontece, porém, no terreno do
conhecimento.
O utilitarismo representa a aproximação conseqüencialista da ética, que não parte de
regras, mas do objetivo de maximizar a felicidade de todos os envolvidos, e de minimizar a
sua infelicidade ou sofrimento. Jeremy Benthan concebia o princípio da utilidade como um
ato mental, um sentimento de aprovação, um sentimento que, quando aplicado a uma ação
aprova a utilidade que é considerada uma qualidade (da ação) e mediante a qual deve ser
governada a medida da aprovação ou da reprovação. Isto parece significar que “aprovar” a
aprovação de ações se baseia na sua utilidade. Este princípio pode ser exposto de uma
maneira ainda mais simples e precisa: uma ação é útil e, portanto, justa, ética e correta,
quando proporciona mais felicidade e prazer, do que sofrimento aos indivíduos. Deste modo,
209

o prejuízo de alguns pode ser justificado pelo benefício de outros, desde que os outros estejam
em maior número (cálculo de maximização do bem). Isso quer dizer que quando os interesses
do outro têm que ser considerados, recorre-se ao cálculo de maximização do bem e de
minimização do mal, uma vez que se instaura o conflito justamente pelas divergentes
necessidades de cada um. Assim, é procedente o uso de cálculos na regulagem das ações
desde que os benefícios sejam mais elevados no usufruir de alguma situação prazerosa ou
para minimizar uma situação penosa, otimizando assim o bem-estar do conjunto dos seres
humanos.
Para Bentham, o princípio da utilidade consiste em encarar a felicidade, o prazer ou o
bem apenas no seu aspecto quantitativo, cabendo à razão calcular a quantidade de prazer
implicada, levando em conta a especificidade de cada ação, a que se possa determinar se deve
ou não ser efetuada. A qualificação dos efeitos tem como base a utilidade, sendo o bom tudo
aquilo que traz prazer e mau o que causa dor, sofrimento, acrescentando-se que, sob o ponto
de vista social, bom e justo correspondem ao que tende a aumentar a felicidade geral em que o
prazer e a dor combinam com motivação da ação correta. Bentham, fundamentado então na
ética hedonista, denota a prevalência da necessidade de fundar uma moral racional, mediante
um cálculo de tipo matemático, agregando uma escala de valores aos atos e mensurando seus
objetivos. Na moral utilitarista (utilidade, motivo e causa da ação, fontes do prazer,
intencionalidade etc.), os interesses do indivíduo concordam com os da sociedade.
Para exemplificar a questão utilitarista, analisemos uma situação, bastante recente, no
que diz respeito ao uso da língua eletrônica, nome dado ao dispositivo (um sensor gustativo),
desenvolvido pela Embrapa Instrumentação Agropecuária - EMBRAPA (São Carlos/SP)112,
projeto considerado mais famoso de nanotecnologia desenvolvido no Brasil. Trata-se de uma
ferramenta mais sensível que a língua humana para degustação e análise de bebidas, entre
elas, a água, vinho e café com rapidez, precisão, simplicidade e a um custo baixo.
A língua eletrônica é capaz de verificar a qualidade da água com precisão ímpar, a
detectar se existem contaminantes, pesticidas, substâncias húmicas e até metais pesados. As
bebidas são analisadas por degustadores e a avaliação de água é feita por análise química em
laboratório e são processos muitas vezes demorados, sendo possível fazer testes contínuos na
linha de produção em tempo real e em segundos, já que se trata de um equipamento que
permite medidas contínuas e de maior precisão. É evidente que essa ação produzirá um bem

112
Unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, em parceria com a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
210

por possibilitar a eficiência na diferenciação sem dificuldade dos padrões básicos de paladar,
doce, salgado, azedo e amargo, em concentrações abaixo do limite de detecção do ser
humano, ilustrando que para algumas pessoas é algo totalmente desprovido de importância,
pois, questionam por que não continuamos dispondo de nossos próprios sentidos para fazê-lo,
se dão conta disso, sem ser por esse fator de caráter sentimental, a introdução da língua
eletrônica no mercado pode produzir também certo sofrimento, um certo prejuízo para os
técnicos degustadores de bebidas alcoólicas, intimamente relacionados com a viticultura e os
testes para avaliação do paladar de bebidas em geral.
Para o bem ou para o mal, a nanotecnologia tornará produtos obsoletos e produzirá
desemprego, ao menos num primeiro momento. Quanto ao mal, este pode ser reduzido se as
empresas reembolsarem as perdas e até ampliar as funções desempenhadas pelos
degustadores. Mas, fazemos notar então que, uma vez que o prazer resulta mediante os ajustes
feitos, pode se tornar muito maior que o sofrimento causado aos trabalhadores; nesse caso, o
comércio de línguas eletrônicas torna-se, quando medido por seus prováveis efeitos, uma boa
ação, em nossa reflexão sobre este caso.
Podemos sentir indignação diante de uma injustiça, sermos movidos por uma
necessária responsabilidade e também pela solidariedade nas relações que mantemos com os
outros, e neste aspecto nossos sentimentos e nossas ações exprimem nosso senso moral, nossa
consciência moral, que nascem e existem, portanto, como parte de nossa vida intersubjetiva.
Podemos dizer que bem e mal, são interpretados respectivamente como prazer e sofrimento,
em que o homem toma como fundamento de suas ações morais as condições de possibilidade
para o seu próprio existir como espécie.
Se Peirce se sentiu particularmente atraído pelo fato de que a teoria evolucionista de
Darwin era alimentada e enriquecida pela observação positiva, a possibilitar que provar-se-ia
“mortal” perante outras doutrinas, como o empirismo de John Stuart Mill, este foi um
incansável defensor da liberdade e da racionalidade em seu desejo de modificar o mundo
através de reformas sociais e políticas113. Mill faz sua critica à perspectiva kantiana, por
desconfiar da importância que a mesma atribui ao motivo da ação em detrimento das
conseqüências da ação, mas, nos parece, não avança no que tange à defesa dos direitos
humanos para fora da questão calculativa da felicidade e em relação ao que faz a diferença
nos cálculos, quanto à multiplicação da felicidade como sendo o objeto da virtude, embora

113
Mill foi deputado por breve período, tentou promover a igualdade das mulheres e defendeu o uso livre de
métodos contraceptivos, iniciativa esta que o levou à prisão.
211

hoje em dia estudiosos de Mill estejam considerando que o mesmo avançou bastante quanto à
importância que o mesmo concede a considerações orientadas pelo horizonte da justiça e do
direito. A máxima felicidade para toda a humanidade surge como o objetivo principal da sua
filosofia utilitarista e nisso consiste sua ética. Assim é que Mill tentou atenuar os impasses
que o utilitarismo calculista hedonista que Bentham acentuou, buscando redefinir a posição
do mesmo, corrigindo-a e reformulando o princípio de utilidade.
Mill elaborou a crítica ao método que Bentham designou para definir a quantidade ou
valor das condutas, denominado “cálculo”, muito próximo, na verdade, de uma fórmula
matemática, acautelando-se, porém, com relação a esta fonte matemática a partir da qual se
constituiu a engenhosa classificação das qualidades específicas de ações, com valorações
designadas a cada ato praticado pelos membros da sociedade. Passou assim a admitir que um
exame atento e fundamental da felicidade, do prazer, do bom e do bem não poderia
desconsiderar, de modo algum o aspecto qualitativo, a ser reconhecido tanto quanto o
quantitativo. Deste modo, a razão utilitária deveria proceder não apenas através do cálculo,
mas igualmente de modo a fazer distinção, dentre as várias modalidades de prazer, os que
fossem julgados mais desejáveis e valiosos.
A novidade em Mill está em que este concebe a existência de prazeres superiores e
inferiores, significando que para ele podemos dispor de prazeres intrinsecamente melhores do
que outros. Em termos simples, há prazeres que, devido à sua natureza, têm mais valor do que
outros, como os relacionados aos prazeres do pensamento, da imaginação, dos sentimentos
nobres (os da amizade, da honestidade, do amor e afins) e da virtude, indispensáveis à
formação do caráter humano e resultantes, sobretudo, da relação mantida com a experiência
de apreciação da beleza, da verdade, do amor, da liberdade, do conhecimento e da criação
artística. Nesta direção, segue sua pretensão em afirmar o homem, os seus direitos e
liberdades fundamentais, acreditando que cada indivíduo se encontra em processo de
evolução, vendo neste desenvolvimento a única esperança para a humanidade, em sua mais
rica diversidade, esperança esta que não considerava impossível de alcançar, de modo algum.
Por isso o ser humano é um ser de constante progresso moral e dotado de elevadas faculdades
intelectuais e morais.
Na sua afirmação de que toda a racionalidade prática é governada pelo princípio do
interesse, Mill admitia que a única razão a justificar a interferência na vida individual é a
possibilidade de que existam riscos de danos a terceiros, acautelando a sociedade a interferir
de forma legitima e autorizada na imposição de restrições à liberdade individual somente com
212

vistas a prevenir danos aos demais. O que importa no espaço público é julgar as ações a partir
de suas conseqüências sobre o interesse geral. Desse modo, acentuava em toda a sua obra a
possibilidade de regeneração do homem insistindo em que a maioria dos grandes males
positivos da humanidade é, em si mesma, eliminável e que os assuntos humanos continuaram
aperfeiçoando-se, chegando a reduzir-se a estreitos limites. Podemos exemplificar o
utilitarismo de Mill quando nos deparamos com afirmações como a de que de tudo o que se
conhece da ciência, os efeitos benéficos superam de longe os maléficos, e, no caso da
nanotecnologia, a sociedade tem que conhecer os riscos, mas também os benefícios que ela
traz, sua parte bonita, sua maior eficiência e fazer de tudo para que não se interrompa a
evolução tecnológica.
É bem possível que certos indivíduos possam preferir alguma soma de sacrifícios,
esforços, dor ou privação no seu caminho para atingir metas mais elevadas, alcançando
alguma coisa de valor que está acima e além de seus prazeres e desejos imediatos, pois lhe
vale sofrer um mal, a dor, se o agir produz maior prazer, o bem, maior bem para o maior
número de pessoas. Há muitos exemplos de sofrimentos pessoais na luta individual por algum
objetivo mais alto, como no caso de uma liderança em guerrilha, que enfrenta torturas e os
meios mais adversos de sobrevivência por uma causa cuja natureza corresponde a uma
felicidade individual e, por conseqüência, acabar produzindo a maior felicidade do grupo, da
comunidade, visando ao interesse comum. Há que se levar em conta que há uma renúncia a
um prazer passageiro e a um conforto, tendo em vista a conquista de uma meta duradoura e,
logo, um maior prazer. O indivíduo aumenta sua utilidade geral ao suportar uma inutilidade
transitória, uma menor quantidade de dor, digamos, compensa-lhe a troca por uma maior
quantidade de prazer, uma prosperidade de amplo alcance, mais global, mais definitiva.
Salientamos que, com o passar do tempo, o utilitarismo vem comportando várias e
distintas compreensões e desdobramentos, mas, nos parece ainda, não deixou de perseguir a
concepção de felicidade e de ética, conforme a ações meditadas, medidas, e que confluam a
um fim último. Em síntese, referido pelos filósofos como sistema “teleológico”, numa alusão
a um sistema ético que determina a moral com base no resultado final, o utilitarismo
prevalece ainda até nossos dias. Ambos, utilitarismo e pragmatismo, são dados como os
resultados práticos de um juízo ou de uma teoria cuja pedra de toque para apreciar seu valor é
a sustentação de que “verdade é utilidade”. È, por certo, o preço que se tem ainda a pagar face
à superação da vida instintiva pelos critérios racionais teleológicos do homem, que continua
ávido de apetites por satisfazer, cheio de “desejos”, exigindo uma correta relação entre estes,
213

cada vez mais crescentes e a sua satisfação.


Os considerados mais expressivos representantes do utilitarismo, desde o século
XVIII até os dias de hoje, além dos já citados, James e Mill, são: James Mill, seguidor de
Bentham e pai de John Stuart Mill; Karl Raimund Popper; John Borden Rawls; Henry
Sidgwick; George Edward Moore e Peter Singer.
214

5.1 BASES ATUAIS PARA A RELAÇÃO DA NANOTECNOLOGIA COM O


CONHECIMENTO RACIONAL E A POSTURA ÉTICA

Objetivamente, o desenvolvimento técnico e científico marcou “a ferro e fogo” a


humanidade, sobretudo, a história das sociedades mais desenvolvidas. Por isso nos cabe, de
uma vez por todas, parar para pensar sobre este processo todo e abrir novas possibilidades de
rever nosso modo de viver para sabermos quais posições podem vir a favorecer mudanças
necessárias para a mais íntima aproximação entre a natureza, os homens e a sociedade, tão
fragmentados entre si e tão sós!
Não podemos desconsiderar que este tenha sido, talvez, o maior impulso que nos
levou até aqui a uma preocupação mais epistemológica do que a nos fazer colocarmos o dedo
diretamente na questão ética. Foi esta a nacessidade de situar velhos e tentar entender melhor
novos olhares epistemológicos, para termos alicerces mais firmes a acompanhar crítica e
reflexivamente o que tange agora às novidades nanotecnológicas, para nós uma tarefa por si
só espinhosa, considerando que precisamos sair dos muros da dogmatização da ciência e da
absolutização das verdades com que aprendemos a tratar de tais questões.
Antes que a teoria quântica constituísse enorme salto cognitivo no sentido da
compreensão da realidade física, tudo era domínio de sólidas certezas, sobretudo, de
determinismos fatalistas. A esse respeito, recordarmos que a experiência, com relevância para
a racionalidade ocidental, em função da visão mecanicista tradicional e já com suas
sofisticadas tecnologias de visualização, sustenta-se na descrição observacional do fenômeno
perceptual e fundamenta o conhecimento, ou o material com o qual ele é construído, através
dos cinco sentidos. Em poucas palavras, os conteúdos da experiência perceptual equivalentes
a representações mentais internas (sensações, impressões, cópias, idéias, afecções da alma
etc., como em Descartes), são bastante questionados. Até então, a realidade das coisas era
criada pela percepção do observador, como no empirismo (que pressupõe o tempo como uma
quantidade mensurável pelos sentidos e a realidade compreendida como objetiva e comum a
todos os indivíduos) e no racionalismo intuicionista (sem a influência dos sentidos empíricos,
cuja caracteristica predominante é a separação entre o tempo e sua medida de modo que o
tempo se reduz aos procedimentos de sua medição). Em ambos os casos há medição em jogo,
215

implicando necessariamente a existência de aparelhos de medida que, simultaneamente,


marcam e definem a grandeza tempo, de modo que percepção e razão são bases de
sustentação dos homens como intrinsecamente iguais na representação da realidade,
afirmando assim o igualitarismo antropocêntrico da modernidade.
Para entender melhor o contexto moderno e sua riqueza científica e tecnológica, e a
pretensa posmodernidade e sua crítica ao iluminismo, destacamos por sua participação nesta
tentativa de ruptura, tão controversa e de enormes complexidades. Os trabalhos de autores
como John Rawls, Richard Rorty, Hilary Putnam e Habermas, vozes filosóficas, sociológicas,
políticas e históricas, nos propondo que a modernidade deixou algumas promessas para trás e
de que seu projeto precisa ser corrigido e completado, o que um deles, Habermas, designa
como “projeto inacabado”.
Com os norte-americanos, a fusão do critério utilitarista com o de adaptação,
fundamentado este no evolucionismo desenvolvido como doutrina pelos positivistas ingleses,
conduziu à formulação do pragmatismo, que, do mesmo modo que o utilitarismo do qual em
parte nasceu, encontra seus limites na ocultação da dimensão ética e dos interesses dos atos
que promovem seus defensores. Rawls aparece como uma eminente resposta ao utilitarismo
reinante, tentando apartar-se do rudimentar coletivismo moral de Mill e abandonar a
preocupação pelo fomento do bem-estar geral maximizado. Rawls retoma a discussão
buscando combater todo intuicionismo moral, inevitavelmente associado a alguma forma de
utilitarismo e pretensamente justificado pela falácia naturalista, comungando com o
individualismo de uma forma em que a ética de Mill não pode fazê-lo, concedendo ao
indivíduo uma posição original de poder vetar as políticas que maximizariam o bem-estar
geral às custas de imporem limitações à liberdade e obstáculos aos interesses de alguns.
Abarcando um enfoque contratualista114, que propõe que os princípios de ação sejam
validados por um contrato entre as partes interessadas (tendo Thomas Hobbes e David
Gauthier como seus maiores defensores), o filósofo americano revigorou a filosofia política
para fundamentar uma moderna teoria da justiça, cujos princípios para a estrutura básica da
sociedade sejam o objeto do consenso original.
Em seu modo de conceber, Rawls busca contestar a velha pergunta filosófica acerca
de que coisa é a justiça, quando se discute que modelo de pautas normativas enfrenta e
responde melhor às demandas de uma sociedade pluralista115, considerando que na grande

114
Rawls inspira-se em Locke, Rousseau e Kant. São obras contratualista, as de Locke, Hobbes e Rousseau.
115
Concepção que considera os indivíduos livres, iguais e capazes de formularem e de procurarem realizar sua
216

maioria ficam de fora muitas instituições básicas da sociedade, configurando-se nesse ficar de
fora um ato carregado de injustiça. a exemplo das denominadas “minorias” como a familiar, a
econômica (o mercado) e a política (a constituição), sendo esta última a mais importante. A
obra de Rawls, de caráter anglo-saxônico, é, pois, destacada como um marco próprio das
democracias liberais modernas caracterizadas pelo pluralismo, sustentando a grande pergunta
do liberalismo político acerca de como pode existir, durante um tempo prolongado, uma
sociedade justa e estável de cidadãos livres e iguais, quando os mesmos permanecem
profundamente divididos por doutrinas razoáveis, religiosas, filosóficas e morais? Assim,
Rawls com sua teoria filosófica da justiça fundamentada no contratualismo e tendo como base
por os direitos e as obrigações políticas, cujo objeto são, em primeiro lugar, essas instituições
enquanto as estruturas pilares das sociedades avançadas (CAMPS, 1990), justifica a
desigualdade social e econômica sempre que se maximiza a utilidade dos piores situados na
sociedade.
Rorty enfatiza que as condições sociais de produção científica determinam em larga
medida a evolução da ciência, cuja tese epistemológica surge englobada em um projeto
filosófico mais amplo do pragmatismo: abandona o estudo de Peirce e recupera o
pragmatismo de Dewey, na verdade, um neopragmatismo. Rorty foi criticado por suas idéias
acerca do fim da filosofia e por seu pretenso relativismo. Considerado, principalmente, um
discípulo de Dewey, também é fortemente inspirado pelos grandes nomes de Hegel,
Nietzsche, Heidegger, Foucault e Derrida, sobrevivendo na sua teoria pragmatista a idéia
perceiana de “tychism”, ou seja, uma espécie de teoria darwinista de adaptação biológica e
cultural com base na evolução das espécies, que ele aplica nas ciências humanas como se
fosse uma seleção natural que conduziria à melhoria da humanidade e de seus projetos.
A análise histórica do pensamento científico em Rorty nos reporta, de certo modo, à
tese de Kuhn, segundo a qual a evolução da atividade científica se pauta por longos períodos
de continuidade (a "ciência normal") interrompidos esporadicamente por momentos de
ruptura (as "revoluções científicas"). Quanto a Kuhn, é sublinhado o fato de que o filósofo
tentou evitar um ‘evolucionismo teleológico’ em direção a um fim designado por

concepção de bem, aceitando a tolerância às diversas formas de vida. Logo, uma posição plural defende uma
sociedade aberta a todos os tipos de concepções culturais possíveis, que devem coexistir de forma harmônica
assim como deve haver a existência de pluralidade de doutrinas morais, de modo que todos aceitem e saibam que
os outros igualmente aceitam os mesmos princípios de justiça. Bastante característico da sociedade moderna,
quanto do dito estado democrático de direito, uma vez que, através da Constituição, procura harmonizar as
diferenças existentes no convívio social e, também, abarcar direitos e garantias que preservem e assegurem os
diversos grupos sociais.
217

“correspondência com a realidade”, analisando que deve ser superada a concepção de que o
que muda nas revoluções científicas é a forma de interpretação dos fatos ou a maior
aproximação da realidade, não surgindo o conhecimento da confrontação com os fatos, mas
de uma transformação da nossa própria forma de apreensão da realidade. Segundo Filipe
Carreira da Silva (2006), tanto para Kuhn como para Rorty, as condições sociais de produção
científica determinam em larga medida a evolução da ciência. Para tal como Kuhn defende
em “nós não decidimos [...] que a Terra não era o centro do Universo. [...] Em vez disso, [...]
os europeus deram consigo próprios a falar de um modo que tomava como certas estas teses
interligadas. [...]. Não deveríamos, nestas matérias, procurar quaisquer critérios de decisão
dentro de nós, nem no mundo” (Apud SILVA, 2006).
Silva complementa que, tanto para Kuhn como para Rorty, a evolução da ciência é
determinada em larga medida pelas condições sociais de produção científica, ainda que para
Rorty essa tese epistemológica advenha “englobada em um projeto filosófico mais amplo em
que a recuperação do pragmatismo clássico americano (nomeadamente, na sua versão
deweyana) surge como alternativa à filosofia analítica” (Idem). Rorty teria subscrito a noção
kuhniana de ciência normal enquanto uma atividade de resolução de ‘enigmas’, sugerindo
que o que os cientistas normalmente nada mais fazem senão usar os mesmos métodos que nós
usamos em todas as nossas atividades humanas. De Kuhn, Rorty também traz a importância
do vocabulário usado em cada teoria (lembrando que a ciência extraordinária ou
revolucionária é, pelo menos na primeira versão do argumento de Kuhn, extremamente rara, e
cada vocabulário é responsável pela incomensurabilidade que as separa), bem como a noção
de “resolução de enigmas” como atividade científica fundamental.
Ao mesmo tempo que Rorty faz sérias e pertinentes críticas ao individualismo, que
marca o pragmatismo clássico (que já não caracteriza tanto o neopragmatismo atual, a versão
pragmatista mais recente), pode-se descrever que as ideias deste pensador se movem por dois
interesses fundamentais: um deles, a sua tentativa de afastar-se da herança kantiana e, com
ela, a preocupação epistemológica; o outro, o de abandonar uma filosofia que para muitos já
não cumpre os objetivos a que se propôs, em favor de uma “pós-filosofia” despreocupada
com a objetividade exacerbada, dando lugar à preocupação com a “solidariedade”. Rorty
associa a solidariedade à esperança social e também a uma esperança comum, objetivando
que o mundo de cada um não seja egoisticamente mantido, sendo então mais otimista quanto
ao destino comum da humanidade e não quanto à perseguição pela meta de “partilhar uma
verdade”.
218

Rorty busca recuperar no debate epistemológico dos anos 1960 a linguagem e um


método científico mais próximo da vida cotidiana do que dos manuais científicos, como dois
elementos basilares para a sua própria posição epistemológica. Com relação à sua posição,
rechaça a necessidade de a filosofia ser fundamentadora, mas a mantém como uma força de
persuasão em seu projeto de lutar por situações de liberdade o que envolve um grande esforço
pela liberdade de expressão. Sua alusão ao fim da filosofia é justificada pela busca incansável
da “verdade” que esta faz, não sendo tampouco a única descrição possível em nossa cultura,
sobretudo, levando em conta o cientificismo dominante; também pretende recolocar de novo
a filosofia entre as humanidades, com tudo isso que implica sua limitação, porém, com outro
caminho, o que quer dizer que é preciso renunciar às verdades estabelecidas. Para Rorty, o
verdadeiro significa aproximadamente o que se pode fazer frente a qualquer coisa que se
apresente; a racionalidade não é mais que o respeito às distintas opiniões de quem quer que
esteja ao nosso redor, sendo indiferente o objeto ou sucesso articulador das explicações com
que intentamos dotar de sentido o mundo e os nossos fatos, uma vez que o mundo, no seu
entretecer, não necessita ser uma ciência positiva e é filosoficamente irrelevante se já está
povoado por “objetos duros ou brandos”. Por esse modo de pensar, Rorty tem uma postura
epistemologicamente democrática, ao considerar todos os objetos que povoam o mundo,
desde os quarks (e poderíamos incluir as nanopartículas) por nossa conta) até as instituições
democráticas, simetricamente, rompendo com as distinções epistemológicas entre os objetos
“duros” da ciência e os objetos “brandos” das humanidades, que tem legitimado a hierarquia
entre os saberes. Na sua concepção, todo objeto, seja ele um átomo ou um grande shopping, é
como um número, nada havendo que saber sobre ele, exceto as infinitas relações que mantém
com os outros objetos. Neste sentido, desde o ponto de vista abertamente pragmatista de
Rorty, não há diferença importante entre uma cama e o texto de um livro, entre um próton e
um poema, pois para um pragmatista, todas estas coisas são simplesmente permanentes
possibilidades de uso, e, por conseguinte, de redescrição, reinterpretação e manipulação.
Em Rorty não se evidencia um vinculo estreito do pragmatismo com a Sociologia.
Alguns estudiosos do autor entendem que se trata ainda de estabelecer, de modo mais claro e
explícito, um tipo de inter-relação entre pragmatismo e teoria social que conduziria a um
novo programa de investigação. Pensamos que se trata não apenas de repensar o modo de
fazer Sociologia, mas de ir mais além, distinguindo-se desde seu começo os estilos de
pragmatismo radicalmente diferentes que dão razão a tantas e diversas manifestações, como é
o caso de linhas que se pautam no pragmatismo reformista e no pragmatismo revolucionário.
219

Na sua posição de rechaçar a necessidade de a filosofia ser fundamentadora, ainda


assim a mantém como uma força de persuasão em seu projeto de lutar por situações de
liberdade o que envolve um grande esforço pela liberdade de expressão. Do ponto de vista
político, este esforço tem a ver com a luta de Habermas que envolve, fora do campo da
fundamentação, o querer ver na realidade a “situação ideal de fala”.
Putnam, com seu pragmatismo de caráter pluralista, tenta oferecer uma filosofia mais
democrática e vinculada à vida, concedendo grande importância às nossas práticas, entre as
quais se encontram a ciência e a filosofia. Sustenta que não é algo tão rígido uma idéia
privilegiada do homem e do mundo, nem a que a ciência nos oferece, tampouco a filosofia, a
que se possa concluir de vez que cada uma delas seja uma única resposta verdadeira e, por
conseguinte, comportem um único conjunto de regras para descrever tanto o universo como o
que significa uma “vida perfeita”. Nestes exclusivismos, científico e filosófico, Putnam nos
faz ver que prevalece a suposição de que podemos alcançar uma descrição do mundo (ou da
na natureza humana) sem que nela estejam refletidos nossos interesses e valores, ou que ela
não expressa nenhum pouco nossas escolhas conceptuais. Essa mesma suposição manifesta
ainda um interesse muito humano, que é o desejo de eliminar tudo o que em nossas
descrições ou teorias possa “cheirar” a interesse ou à perspectiva humana. As ciências
somente têm sentido por serem atividades humanas cooperativas e comunicativas, mediante
as quais os seres humanos progridem realmente, ainda que não o façam sem titubeios nem
erros, em sua compreensão do mundo e de si mesmos.
Para o autor, quando se trata de falar sobre ética, a relação entre linguagem e
realidade torna-se problemática. Explica que toda a história da filosofia moderna e
contemporânea impregnou de pressupostos “metafísicos” a própria filosofia, impedindo que o
assunto das éticas fosse tratado como uma área do conhecimento que apreciasse regras
objetivas, por meio das quais fosse possível ser provada a verdade e a validade das indicações
éticas formuladas, tanto nos espaços diários, quanto prático e teórico da vida humana. Este
fato levou boa parte dos filósofos modernos e contemporâneos a pensar que o único âmbito
no qual se pode falar com segurança objetiva é o das ciências exatas. Putnam considera que a
atividade científica, como a ética e o resto da vida, consiste em uma constante tomada de
decisões sobre a ação que devemos seguir, individual ou coletivamente, decisões que
tomamos em virtude dos interesses que temos, os quais não dependem de um âmbito
metafísico senão de necessidades que julgamos valorativamente segundo a urgência que nos
apresentem para ser supridas.
220

O filósofo ainda chama a nossa atenção para o fato de que em certos casos, se um
indivíduo tem certo manejo dos princípios de um determinado corpo teórico, seja o da lógica
clássica ou da álgebra linear, por exemplo, pode acontecer que à primeira vista ele julgue um
problema como aporético (que encerra uma contradição) ou impossível de provar seu valor.
Ao parar para desenvolver um problema, no entanto, vive a experiência de ter o que pensava
não ter solução. Nesta experiência, o indivíduo se dá conta de que existe um princípio, um
parâmetro ou regra que não conhecia antes e que lhe é dado pela teoria em questão com ainda
mais coerência e validade, ou que a partir desta experiência se pode desenvolver uma teoria
inovadora com respeito às já existentes. Este tipo de conhecimento experimental-experiencial
tem ainda a virtude de que não envolve a comparação com entidades metafísicas ou
“estruturas lógicas do mundo”, senão que é verdadeiro em virtude de que faz parte da solução
prática de um problema que se supunha não ter solução, e isto vale para a lógica, a
matemática, a física, a ética, e toda outra ocupação, teórica ou prática, que se pode enfrentar
com problemas cuja solução não está dada pelo corpo teórico sobre o qual se apóia
normalmente.
Em seu pluralismo, não relativista, Putnam segue o rastro de Rorty e de Kuhn. Khun
não concebia o mundo como uma “espécie de real”, independente do ser humano, de modo
que as coisas do mundo aconteceriam independentemente das interpretações humanas, a
colocar-se a ciência como uma atividade não de “descoberta”, mas de construção. Nesse
aspecto, considerando que o critério de escolha entre teorias científicas não pode ser algo
objetivo, ou de “fora” é que, segundo Putnam (1999, p. 212):
Quando a teoria entra em conflito com o que é tomado como facto, por vezes, desistimos da
teoria e, por vezes, desistimos do "facto"; quando a teoria entra em conflito com a teoria, a
decisão não pode ser sempre tomada na base dos factos observáveis conhecidos (a teoria da
gravitação de Einstein foi aceite e a teoria alternativa de Whitehead foi rejeitada anos antes de
alguém pensar que uma experiência pudesse efectuar a decisão entre as duas).

Face às dicotomias radicais e simplistas, entre ‘fatos’ e ‘valores’ (havendo também


confusão existente entre ambos), entre ‘fatos’ e ‘teorias’, entre ‘fatos’ e ‘interpretações’, entre
‘ciência’ e ‘ética’, Putnam chama a atenção para que observemos a interpenetração de todas
essas conceptualizações com nossos objetivos e nossas práticas humanas a respeitar-se e
reconhecer-se a existência de posições divergentes, em que se tolere a verdade alheia, mas
desde que se mantenha a própria e sem fanatismo. Quanto à ciência, esta não visa somente
descobrir enunciados verdadeiros, mas também busca encontrar enunciados simples,
pertinentes e coerentes, e pautar-se em tais noções também implica colocar em jogo um vasto
221

conjunto de interesses e valores, lembrando que os valores ‘simplicidade’ e ‘coerência’,


podem ser igualmente problemáticos como os valores ‘bondade’ e ‘maldade’, sendo,
portanto, fundamental não ignorar os questionamentos em torno a essas questões, apenas por
considerar que se referem à esfera meramente subjetiva. Bem ao contrário, argumenta
Putnam (Idem, 214), é preciso não perder de vista que a autoridade conferida a todos esses
valores provém da nossa idéia de prosperidade humana e de razão,
Nas reviravoltas que a ciências dá e na escolha entre teorias científicas, notadamente
no campo das ciências físicas e da natureza, tidas como mais objetivas que as ciências
sociais, Putnam aponta que, existe, também, uma evidente e clara aproximação entre os
questionamentos ditos éticos e os considerados científicos, o que é um requisito indispensável
a ser pensado em uma organização social que se pretenda realmente democrática. A tentativa
de aproximar fato e valor vai significar uma aproximação entre ciência e ética, culminando na
consideração de que, mesmo um saber que se diga científico, terá de lidar com conceitos
valorativos. O saber científico é valorativo, mas o saber por si só também o é. Os argumentos
de Putnam constituem importante resultado da investigação científica contemporânea,
avaliando uma possível aproximação do pensamento com a vida, de forma que o rigor do
pensamento analítico ganhe profundidade e relevância humanas, o que é condição
indispensável para a sua fecundidade.
Remetendo-nos agora a Habermas, que trabalha a partir da relação entre conhecimento
e interesse, colocando-se o interesse como um a priori do conhecimento e, que tem um
denominador comum com Rorty que é político, assentado no empenho em defesa de causas
como justiça, tolerância e a favor de uma comunidade global (SOUZA, 2005).
Habermas vê na abordagem pragmática de Peirce uma promessa de reconciliação entre
transcendentalismo e evolucionismo, preocupando-se com os processos modernos de
diferenciação, complexificação e racionalização das estruturas culturais da vida moderna, mas
critica seriamente o tratamento que Weber dá à racionalidade, que com seu pragmatismo,
agudizou a discussão em torno da ciência “isenta de valores” e deslocou os debates para além
das escaramuças metodológicas e vislumbrando o aspecto do pragmatismo ocidental
associado a uma ética das convicções, inseparável da ética da responsabilidade. Para
Habermas, não existe conhecimento desinteressado, prevalecendo sempre o interesse como
fenômeno controlador e orientador do conhecimento numa perspectiva do paradigma da
consciência. Suas concepções também acompanharam o giro lingüístico assinalado por
Richard J. Bernstein, importante filósofo norte-americano e notável interlocutor nos debates
222

mais significativos do século XX, defendendendo as posições do pragmatismo, e que trouxe


sua inspiração na filosofia da linguagem como oposição à filosofia do sujeito e a filosofia da
consciência. Com sua teoria do ato da fala, contribuiu para os desenvolvimentos mais
recentes da Filosofia, em relação a temas como valores, linguagem, verdade e conhecimento.
Enquanto propõe um tipo ideal de sociedade, cujo eixo central seja a ação
comunicativa seja e onde o sujeito com ela se relacione a partir de processos dialógicos,
concebendo sua idéia de transubjetividade com o argumento de que os sujeitos que se auto-
conhecem podem interrelacionar-se com outros, sob uma racionalidade comunicativa. Não se
pode negar que esta é uma abordagem otimista.
Habermas, por sua vez, examina os confrontos da razão moderna, que perpassam pelos
deslocamentos de âmbito econômico, tecnológico e técnico, em direção a uma nova teoria que
permita um conhecimento que tenha como base valores que permitam a sociedade alcançar o
desenvolvimento e a liberdade social. Busca conciliar elementos teóricos da sociologia, da
psicanálise, das ciências políticas e da lingüística no sentido de estabelecer análises mais
amplas, dedicadando-se ao estudo da evolução do conceito de razão, assinalando a superação
da mesma, antes tida como uma razão puramente científica, imutável, absolutamente
verdadeira, perante o surgimento de uma razão limitada, em constante modificação, de acordo
com a história. Habermas preocupa-se com as questões em torno à tentação de aperfeiçoar a
espécie por meio da seleção de genes, chamando essa intervenção hipoteticamente bem-
intencionada de “eugenia liberal”, distinguindo-a assim (ao mesmo tempo em que a aproxima)
da eugenia racista praticada na Alemanha durante a II Guerra. Seu ensaio sobre a eugenia
liberal serviu de resposta ao filósofo Peter Sloterdijk, que em 1999 defendeu, numa palestra
intitulada de “Regras para o parque humano” a idéia de que o avanço da genética é uma
oportunidade para “reinventar o que significa ser humano”. Habermas, por sua vez, vê na
sociedade um tipo especifico de agir racional com relação a fins ou razão instrumental, que
se funda na justificativa dos fins pela ação dos meios, sustentando que é a partir da
racionalidade comunicativa que os sujeitos se tornam altamente “individuados”. Entende que
isto dependerá basicamente da autoconsciência que eles tomem em sua ação social, da crítica
que fizerem às epistemes e discursos estabelecidos pelo poder e sua autoridade, a que se
fortaleça uma democracia que jogue necessariamente um papel superlativo e que por este
caminho sejam legitimidas as instituições, jogando nessa imcumbência o uso da própria
técnica. Assim, os conflitos se irão minimizando, ou seja, o conflito entre “o mundo da vida”
e o sistema de poder se irão diluindo.
223

É importante acrescentar que Rorty e Habermas estão entre os mais importantes


intelectuais e filósofos hoje em atividade, no mundo, tendo como denominador comum,
dominante o político, concebendo que este empenho é necessário a favor de causas como
justiça, tolerância e uma comunidade humana global, sendo ambos, provavelmente, os
pensadores do pragmatismo que têm maior público, dentro e fora das universidades.
Segundo SOUZA (2005), Habermas e Rorty debatem e dialogam, entre si, sobre suas
concepções mais gerais tratando criticamente de assuntos como a verdade, a base de nossas
posições morais e políticas e a solução e em especial, sobre filosofia, cultura, razão e política,
num confronto que envolve posições de outros importantes pensadores, de ontem e de hoje,
como o filósofo alemão que propôs a ética da razão comunicativa, Apel e os pós-modernos
franceses Dewey e Wittgenstein, bem como os filósofos alemães Heidegger, Nietzsche, Hegel
e Kant. Habermas sintetiza as perspectivas dos fundacionistas116 (importante dentro da
epistemologia porque representa a opção clássica acerca da definição da justificação, e como
esta noção se relaciona com a noção de conhecimento). No seu caso, uma proposição é
verdadeira se pode vencer argumentativamente em uma situação ideal de fala; em relação a
Putnam, se puder ser justificada sob condições epistêmicas ideais e quanto a Apel, se vencer
argumentativamente em uma comunidade ideal de comunicação.
Michel Foucault investiga os domínios históricos precisos em que as formas de
racionalidade exercem seu poder sobre nós. O filósofo francês concebe o homem moderno
não como cidadão com garantias, senão um ser calculável e objetivável, no qual a
individualidade é produto de uma transformação dos dispositivos tecnológicos sobre o corpo.
Fez uma economia analítica ao promover modificações na ordem discursiva e reunir o que
resultou para a humanidade com as transformações tecnológicas - no que denominou
“técnicas disciplinarias” -, defendendo que o poder disciplinário ilustra a maneira em que se
estabelece uma física do poder sobre o corpo, necessária a um processo de individualização.
Foucault, primeiramente, partiu de uma análise que pode ser considerada bastante
pessimista, por seu realismo. Sem dúvida, o filósofo não coloca para nenhum tipo de
sociedade qual o futuro ou qual meta que esta deve seguir, mas efetua uma descrição e

116
Na epistemologia ou teoria do conhecimento, justificação é um tipo de autorização a crer em alguma coisa,
Quando o indivíduo acredita em alguma coisa verdadeira, e está justificado a crer, sua crença é conhecimento.
Assim, a justificação é um elemento fundamental do conhecimento. Lembramos que os coherentistas da
justificação são aqueles que defendem duas idéias centrais que os distinguem dos fundacionistas, ou seja, a de
que não existem crenças básicas que sirvam de fundamento às demais crenças, e de que toda a justificação entre
as crenças não é linear, quer dizer, a justificação não é unidirecional, que vai das crenças básicas às demais
crenças.
224

explicação da sociedade atual, a partir da sua genealogia, situando o sujeito-corpo que se acha
imerso nessa sociedade, como determinado por ela, a partir das normas e regras que exercem
influência sobre os mesmos, num indicativo que não podemos apartar-nos do poder-
manipulação. Foucault vê o sujeito interconectado com a sociedade a partir das relações de
poder que se exercem e que padece, sob sua episteme específica. Entende que a história é a
determinante das instituções-norma da atualidade, e que a possibilidade de transformar as
instituições somente se pode dar a partir da não-norma, uma forma de contracultura que
busque criar novas regras de jogo.
Importante acrscentar que Habermas veio a discordar em alguns pontos de Foucault e
observou que a modernidade deveria criar sua normatividade a partir de si mesma. Ambos os
filósofos concordaram quanto à problemática conjunção da ética e da política na
modernidade, divergindo quanto à sua fundamentação em torno da relação entre verdade,
poder, ética e a genealogia da modernidade. Habermas dirá que a “genealogia do saber” em
Foucault está “fundamentada em uma teoria do poder”, enquanto que muitos críticos
entendem de outro modo este debate entre Habermas e Foucault. Consideram que o que
Foucault faz em suas obras é questionar se ainda permanecemos ancorados em uma visão
tradicional do funcionamento do “Poder”, o que é importante verificar caso se queira construir
novos postulados para uma intervenção “teórica” ou efetiva racional, construídos como
“crítica social”. Ressaltam ainda que com seu trabalho, Foucault busca elucidar as análises de
certas instituições do poder quanto à maneira como funcionam determinadas práticas
governamentais, suas racionalidades políticas, seus discursos, os modos mediante os quais se
regulam discursivamente as práticas, como se constituem em sua efetividade histórica
(consciente das especificidades históricas que nos ligam ao nosso movimento histórico) na
imanência social que projetam, de que maneira os fenômenos relativos à população são
integrados no interior dessas racionalidades governamentais, entre outras preocupações,
abrindo, assim, espaço para o problema da biopolítica.
Agamben (2005) é um autor que se inspira em Foucault e busca explorar as zonas de
indiferenciação, onde “soberania” e “técnica” se imbricam, abarcando a passagem do “poder”
ao “biopoder” e as questões éticas embutidas nas práticas científicas, que considera terem se
tornado cada vez mais prementes, afetando as fronteiras biopolíticas e problematizando a
própria condição de vulnerabilidade da vida. Desse modo, direciona nosso pensar para algo
que normalmente não o fazemos, pelo menos fora da Academia ou das práticas resultantes da
passagem nela, que não entram nessas questões: a maneira e por que meios são hierarquizados
225

e fragmentados os elementos biológicos constituídos em população, como se dá o cálculo que


classifica a população no padrão “normal” e “sadia”, as populações consideradas infectas, as
anormais, as biologicamente perigosas, entre outras, conforme as práticas governamentais
racionalmente organizadas na história. Sobre Foucault, não apenas Agamben, segundo ele
próprio diz117, faz seu trabalho num sentido muito próximo ao deste pensador francês; embora
não completamente coincidente com ele, também Deleuze fez um interessante mapa da
arquitetura de seu discurso buscando expor a ruptura de Foucault com a fenomenologia e a
hermenêutica, sobretudo se encarregando de explicar a diferença entre o pensamento de
Foucault e o marxismo.
Fora dos âmbitos francês, alemão e estadunidense, em relação com o pragmatismo e
envolvido com a questão da técnica moderna, está o espanhol José Ortega y Gassett que
dedicou intensa ocupação à mesma, considerado um dos pioneiros da filosofia da tecnologia,
que denomina filosofia raciovitalista (o sujeito é o centro dos pensamentos, de experiências e
de sentimentos), estabelecendo assim um precedente na filosofia espanhola e ao mesmo
tempo vanguarda européia do momento. Para Ortega, que também penetrou no emaranhado
de idéias a respeito do pragmatismo como um intento apreciável (ou não) de captar a
realidade radical que é a vida humana, queira ou não, o homem tem que inventar-se a si
mesmo, “autofabricar-se” (DUQUE, 2002, p. 170), uma qualidade exclusiva somente dele,
sendo, pois, a característica mais marcante da tecnologia a criação de novas possibilidades e
abertura ao incremento da liberdade. Ortega vê a técnica como uma demarcação com respeito
à animalidade da qual o homem provém, mas, trata-se de um luxo vinculado a aspirações
culturais de quem busca pelo bem-estar, pelo bem viver, e não apenas como meio para o
sobreviver, o que implica em um alto preço a pagar. Por isso dirá: “La técnica es lo contrario
de la adaptación del sujeto ao medio, puesto que es la adaptación del medio al sujeto (Apud
DUQUE, 2001, p. 170). A diferença de Ortega em relação a outros críticos da técnica, como
Heidegger, é que ele aposta numa visão mensurada da tecnologia sem considerá-la como uma
tendência maligna inerente ao homem, cujo caminho agora a tomar na época atual é buscar o
equilíbrio mensurado entre meios e fins, “reinventando” uma nova forma de enfrentamento
com a técnica moderna capaz de zelar pela cultura restante e potenciar elementos mais
propriamente humanos.

117
COSTA, Flavia. “Entrevista com Giorgio Agamben”. In: Revista do Departamento de Psicologia/UFF.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-80232006000100011&script=sci_arttext>. Acesso
em: 12 de janeiro de 2008.
.
226

Lembramos também da importância as contribuições de Hans Georg Gadamer e de


Peter Sloterdijk, que cruzarão o caminho traçado por Heidegger, sendo seus seguidores muito
preocupados com o problema do homem, ainda que segundo Duque (2002, p. 29), Gadamer
agirá mais como um mediador entre Sloterdijk e Heidegger. A posição filosófica
gadameriana remexe as idéias heideggerianas, com o destaque que ele dá ao poder da
linguagem como a “casa do ser e do homem” (o sujeito para Heidegger, supomos),
ressaltando o papel da compreensão, mas não a compreensão no sentido de explicar e definir
próprio das ciências, mas num sentido mais epistemológico que remete à idéia de que toda a
atividade humana, seja ela qual for, tem sua base de compreensão. Num caráter ontológico,
Gadamer vincula o homem ao modo de “ser-no-mundo”, de pensar e atuar por conta própria,
de modo diverso em relação a outros.
Quando a paz parecia reinar, além de Gadamer que a tivera conturbado, Sloterdijk,
como dirá Duque (Idem, p. 119) “pone de nuevo en carne viva la <<herida Heidegger>>”,
despontando com muito mais radical pessimismo antropológico que Heidegger. No âmbito
da domesticação da razão ocidental que supõe ao homem, reportando-se ao “parque
humano”, Sloterdijk assinala (Idem, p. 131) seu salto à metafísica, pela definição do homem
como “besta que se há de apascentar, apartar, designando-lhe posto, função e ordem”. O
filosofo alemão não acredita que possa haver algo assim como o que uma época acultural,
pela simples razão de que os homens, dos pés a cabeça, são criaturas da civilização, embora
haja diferentes modos de civilização, e por isso podemos falar de ruptura de uma época.
Acrescenta ainda que nesta sociedade de consumo, os homens comparam entre si sua
felicidade, tornando-se por isso mais difícil de dizer quando se é feliz ou pelo menos se está
contente. Caso se esteja em uma situação, por assim dizer, de paz, se pode pensar em algo
superior, e então se intenta não somente viver, mas, também se tem outras aspirações vitais, o
que Sloterdijk denomina de lucro de vida ou vida ganha. Mas como se pensa constantemente
em que se pode ser mais feliz do que se é, o conceito de vida ganha é um conceito perigoso,
porque é o conceito da vida ganha dos outros. Para o filósofo, o romantismo e a técnica foram
cúmplices numa colonização da obscuridade.
Buscou-se recolher nestas reflexões sobre o novo (ou velho) que suscita a questão em
torno do que a crença deve ter para ser considerada conhecimento bem como das propostas
da verdade nas sociedades modernas, com a retomada do pragmatismo e marcada pelo
relativismo, como dogma fundamental, que se converteu no argumento máximo para exigir a
tolerância frente a toda opinião e todo tipo de comportamento. Mostra-se que, sem sombra de
227

dúvida, algo se move, mas também que, em meio a tantas teorias e explicações provisórias e à
tão propalada publicidade de pensamentos efêmeros, parece ouvir-se a proclamação de um
novo imperativo categórico.
Assinalamos que existem ainda outros e muitos outros tantos nomes da mesma
maneira expressivos, que abordaram de algum lugar e modo aspectos importantes
relacionados à temática de nosso interesse neste estudo e que o diálogo interdisciplinar
deveria tornar possível uma reflexão mais interessada sobre a vigência da realidade e iniciar
muitas conversas, mais serenas entre a técnica e a ciência por uma parte e a ética por outro,
tendo em conta que a mesma fundamentação da instância ética determina a orientação quase
que profética de todo pronunciamento moral. Consideramos que esta é uma forma de
podermos avançar em uma contemporaneidade enriquecida a cada dia com cada vez mais e
mais elementos, como nos diz Bruseke (2003, p. 335), “[...] vivendo num mundo onde as
coisas e os homens perambulam pelos lugares sem poder estabelecer uma relação de sentido
com estes”. Sobre essa necessidade de ampliar e enriquecer nossos conhecimentos e nossa
rede de relações
228

6. A NANOTECNOLOGIA NO CENÁRIO: O QUE BRASILEIROS PENSAM DA


PESQUISA NESTA ÁREA

Transportando de barco um pedante por águas revoltas, um sábio barqueiro humilde


disse qualquer coisa que contrariava as regras gramaticais.
- Você nunca estudou gramática? perguntou o erudito.
- Não.
- Nesse caso, a metade de sua vida se perdeu.
Minutos depois, o barqueiro voltou-se para o passageiro.
- Você sabe nadar?
- Não. Por que?
- Nesse caso, toda a sua vida se perdeu. Estamos afundando.

(Pequeno conto de sabedoria da Tradição oral oriental, retirado


de Shah, 1985)

A percepção que têm as pessoas em geral, sobre a nanotecnologia, é algo ainda pouco
definido. Temos dito sempre que nossa capacidade de lidar com algo que escapa à nossa
percepção imediata de início sempre implica em alguma coisa estranha para nós, por isso
mesmo nós nos fizemos muitas perguntas o tempo inteiro, enquanto realizávamos esta
pesquisa. De antemão, pudemos ter uma idéia do que representou o primeiro contato com a
mesma, para muitas pessoas com as quais pudemos conversar a respeito. Pudemos apenas
constatar a enorme distância da grande maioria dos cidadãos brasileiros da nova técnica,
sobretudo em seus parâmetros mensuráveis usuais para poderem confrontar na sua vida entre
si magnitudes da ordem do nano, tão ínfimas, melhor dizendo, “invisíveis” até para os
sentidos mais apurados.
Na biologia, na física e na química, tanto internacionalmente como no Brasil, não
observamos interlocuções expressivas que favoreçam aproximações às implicações da nano
em novos modos de viver. Muito menos, em relação ao viver ético na convivência com a
técnica. E este é um acontecimento que já veio para ficar, mas somente uma minoria apenas
de pessoas deste imenso universo tem idéia do que isso representa. Consideramos que uma
tarefa tem sido lidar com a variedade incrível de seres vivos e objetos inorgânicos, de um grão
de areia a uma galáxia, de um vírus a uma baleia; mas lidar com tipos de elementos diferentes
que constituem a intimidade da natureza, necessários para produzir o mundo em que vivemos,
com, por exemplo, é da ordem do esotérico, não nos sendo, certamente, familiares do mesmo
229

modo que nos situamos com relação ao mosquito da dengue, ou a uma constelação; a situação
muda completamente. Ficamos impactados diante de novos comportamentos dos corpos com
os quais lidamos cotidianamente a partir do conhecimento emanado pelo comportamento de
propriedades dessas pequenas unidades “invisíveis” da matéria, os átomos e as moléculas (as
moléculas são átomos do mesmo tipo ou de tipos diferentes, fortemente ligados entre si,
formando novas entidades, com propriedades físico-químicas distintas). Nossos métodos
convencionais não nos permitem gerar informação detalhada sobre a dinâmica molecular;
permitem-nos no máximo circularmos no âmbito de uma microgênese social, por onde ainda é
possível transitarmos. Talvez agora compreendamos melhor o que Pierre Lévy queria dizer
quando falava que chegar a uma sociedade nanotecnológica implicaria em ações finas, em
outros modos de ações coletivas, o que certamente faria Foucault se ocupar agora, em vez da
microfísica do poder, da nanofísica do poder - um patamar bem mais distinto de redesenho da
sociedade, com uma transformação histórica nos mecanismos operatórios práticos para modos
sutis na constituição dos dispositivos construtores de relações, que exige ações coletivas
inteligentes.
É importante destacar que nos foi possível observar que as idéias, que estão sob as
práticas de pesquisa vinculadas à nanotecnologia e à fabricação de produtos a partir dela,
inquietam tanto os estudiosos das ciências naturais quanto os das sociais, e também a alguns
administradores e a cidadãos que têm acompanhado e alcançado os avanços desta pesquisa.
Mas para a sociedade em geral, não está devidamente claro a que esta tecnologia veio e qual
é o pensamento que subjaz ao trabalho dos responsáveis pela pesquisa nanotecnológica,
tampouco os objetivos subjacentes às exigências de sua prática de investigação científica e
ao serviço dos seus mantenedores. Existem simultaneamente coerências e divergências entre
discursos técnicos ou intelectuais e as práticas, que contêm em si as principais características
das correntes de pensamento e abordagens que, por repercussão, sintetizam também
importantes tensões e contradições que permeiam as ciências sociais, pondo-lhes a complexa
tarefa de enfrentar os desafios que a nanotecnologia delineia, cuja ordem não se deixa
perceber facilmente para os cientistas sociais enquanto tal no nível da superfície, ou seja, no
plano dos seus discursos e pensamentos nem das suas práticas cotidianas. Foi com esta
preocupação que abordamos no Capítulo 5 sobre o desenvolvimento tecnológico e a
fundamentação ética.
É compreensível que possamos ficar um tanto impactados, mas não podemos é ficar
indiferentes nem imobilizados diante do novo. Foucault (1996), já falou do caráter de toda
230

forma de ordenação e classificação do conhecimento que advém no que se refere à existência


“bruta” ou “muda” dessa própria ordem nova, como condição de possibilidade desse
conhecimento. Estamos sendo assim colocados frente à relação da nanotecnologia.
Precisamos ‘conversar’ com esta técnica, tirá-la de sua realidade bruta e trazê-la para nossa
convivência.
Considerando tal iniciativa, vale dizer que, na velocidade com que sopram os ventos
tecnológicos, com relação às restrições ao desenvolvimento da nanotecnologia no Brasil, não
se tem a clareza satisfatória se tais limitações são de ordem ética, moral, legal, política e
econômica. Mas, queiramos ou não, sempre acabamos assumindo uma posição perante os
acontecimentos e às inovações tecnológicas, que implica atos valorativos. Existem já muitas
aproximações empíricas e teóricas, e profícuas análises e prognósticos sobre as temáticas
concernentes às nanotecnologias como sobre sua atuação no desenvolvimento de uma nova
cultura tecnológica, mas não se dispõe de respostas conclusivas e claras para que a sociedade
decida sobre quais implicações da manipulação atômico-molecular são dignas de suas maiores
preocupações neste momento.
Para enriquecermos nosso estudo tivemos que introduzir os problemas decisivos, - em
termos heideggerianos e à guisa de Sloterdijk - como o da “permanência no mundo”
(experiência de campo). Realizamos este procedimento, como já anunciamos na Introdução,
na apresentação deste capítulo, com o envio de questionário a uma pequena amostra de
pessoas com um conjunto de perguntas sobre o tema nanotecnologia e ética, visando ‘colher’
opiniões, interesses ou aspectos de personalidade e informações importantes para o objetivo
da pesquisa, relacionando as questões de forma a constituir uma população-alvo pretendida e
uma amostra selecionada. Interessou-nos particularmente o contexto social da aplicação do
instrumento, sobretudo no que diz respeito à experiência e referências dos pesquisados, para
que tivéssemos um retorno favorável às nossas expectativas, definidas intencionalmente em
função da influência do convidado na pesquisa em nanotecnologia e como formador de
opinião por uma parte, e de outra a aposta em um critério acidental de escolha levando em
conta a facilidade de acesso a algumas pessoas que dispunham de formação e preparo em suas
áreas específicas, domínio e compreensão do assunto ou certa familiaridade com o mesmo,
além da disposição em colaborar, respondendo ao questionário apresentado.
É interessante destacar que o trabalho de campo como método de pesquisa é também
uma atividade que não deixa de ter grande valor para o conhecimento dos direcionamentos
que vêm sendo tomados na sociedade em relação à ética da nanotecnologia, permitindo
231

estabelecer com mais precisão a prevalência das posições, principalmente quanto às formas e
formatos do saber brasileiro e da posição-sujeito de conhecimento neles investida. Mais do
que simplesmente estabelecer fronteiras conceituais, estabelece-se uma relação de
contigüidade com o mundo vivido, que se possa mostrar que muitas das ações que se dizem
“políticas” de fato, muitas vezes, não o são, pensando como Castoriadis (1987, p. 290), que
diz entender por política não intrigas de corte, nem tampouco, acrescenta, as lutas entre
grupos sociais na defesa de seus interesses ou posições; para o autor, trata-se de uma atividade
coletiva cujo objetivo é a instituição da sociedade enquanto tal. A condução exploratória, por
sua vez, é apropriada para situações ainda pouco examinadas entre as comunidades, a
exemplo da nanotecnologia, de modo que as investigações desta natureza aproximam o
pesquisador do fenômeno a ser explorado para que se familiarize melhor com as
características e peculiaridades do mesmo, e possa assim obter percepções, idéias
desconhecidas e inovadoras a respeito.
Na análise do material, levamos em conta o que consideramos mais expressivo aos
nossos propósitos, em cada resposta, sendo recortados os elementos mais significativos dos
discursos enunciados, assinalando que optamos por apresentar as respostas sem alterar o
conteúdo das mesmas, mantendo-as tais como as recebemos. Estes dados se constituíram em
fragmentos que trabalhamos e buscamos interpretar, fazendo também comparações entre as
respostas dos pesquisados, de forma a se estabelecerem possíveis similaridades e diferenças
entre suas posições.
Estruturamos desde o início um roteiro ideal de perguntas que satisfizessem nossos
propósitos e fosse adequado ao perfil curricular do participante, pensando justamente na
organização do trabalho, nos critérios de escolha de nossos pesquisados e na amostragem
final. O questionário apresentado, anexo, ao final da tese, foi aplicado pela pesquisadora
utilizando o e-mail. Compreendendo oito perguntas, o mesmo versou sobre temas relativos à
problemática nanotecnologia-vida-ética e foi estruturado com questões semi-abertas (com
respostas possíveis fornecidas ao pesquisado), relacionadas aos objetivos da pesquisa,
formuladas de modo a possibilitar que os questionados nos dessem a conhecer a sua forma de
inserção na respectiva problemática e manifestassem aspectos relativos às mesmas e como as
percebem, relacionadas à sua prática.
Para elegermos as questões que constamos no questionário, tivemos o auxílio teórico
de Negri, Galimberti e Agamben, por terem preocupações que particularmente chamaram a
nossa atenção, quando se referem:
232

- à forma de assinalar o domínio próprio da nanotecnologia, no sentido de seu significado;


- ao diferencial conferido à nanotecnologia como prerrogativa exclusiva do homem, como
condição de interpretar o mundo e dado o primado da certeza científica sobre a incerteza do
mundo da vida, comparativamente às demais tecnologias;
- às conseqüências técnicas decorrentes para a sociedade, levando em conta os avanços da
pesquisa que envolvem potenciais aplicações com a condição da finalidade técnica, e as
possíveis articulações do “viver bem” e do “viver” na relação nanotecnologia-política e vida
(inclusão e exclusão);
- a situação da nanotecnologia no âmbito de vantagens ou de riscos, em sua programação
como progresso técnico e face ao predomínio da visão maniqueísta que ainda impregna a
técnica;
- à coordenação entre organismo-ambiente e a expressão “carência biológica” como traço
constitutivo do corpo humano, em sua insuficiência instintual e ambiental, na sua abertura ao
mundo (abalo à teoria evolutiva);
- à ação do corpo humano e sua relação com a ordem da magnitude instrumental dos aparatos
nanotecnológicos e seu significado e instância de controle, implicação na construção de
saberes e como cálculo do mundo (processo de ordenamento técnico da natureza íntima da
matéria, em virtude da possibilidade de dispor dela);
- à incapacidade humana de pôr-se a altura do evento quando é preciso superar uma certa
grandeza e a técnica vista como hipótese biológica (vitalismo);
- ao ideal regulativo e ao critério do exercício da técnica, em vista de sua maior eficiência e
prerrogativa da razão na determinação do “fazer” e do “fazer produtivo”, seu sentido ético e
efeitos sobre a natureza e o corpo (a introdução da “perfeição” na confusão da vida a na
imperfeição do mundo e do corpo, a tensão fáustico-prometéica, segundo Hermínio Martins
(2003), derivada da crescente presença material da ciência na condução da vida moderna que
suscitaram a filosofia da técnica).
Constatamos que os impasses que vêm sendo gerados a partir do pouco convívio de
determinadas áreas com a nano, podem representar uma forma de diálogo entre as ciências
naturais e as sociais e humanas, vislumbrando, com isso, a possibilidade de integração entre
diferentes aspectos, o aprofundamento de temas relativos à sobrevivência da humanidade, à
dignidade e liberdade humanas e na séria discussão interdisciplinar, diante dos desafios dos
avanços tecnológicos emergentes, de todos os tipos.
Foram enviados e-mails, na sua totalidade, aproximadamente a 100 pessoas
233

convidando-as a participar deste trabalho. Dessas 100, foram justamente 23 as que aceitaram
participar e com cujas respostas trabalhamos nesta pesquisa. Muitos dos que não participaram,
demonstraram boa vontade em atender ao convite da pesquisadora, mas por razões que lhes
dizem respeito, não deram retorno.
O critério básico que usamos para encaminhar nossas escolhas, lembrando aqui o que
já dissemos na Introdução, na apresentação breve deste capítulo, foi o de consultar os que
denominamos “pesquisadores-experimentadores”, diretamente envolvidos com a pesquisa em
nanotecnologia, e os “pesquisadores da área não-nano”, incluíndo aqui as pessoas que estão
empenhadas em abordar o assunto nanotecnologia, fazendo perguntas, levantando questões
existenciais mais profundas, apresentando suas proposições sobre as implicações da “nano”
para a sociedade, à natureza, ao homem, à vida em geral, o que não deixa de ser uma parcela
representativa do público “expert” no assunto. Esclarecemos que concedemos grande
importância também à participação dos que denominamos “público informado sobre o tema
nano” e “público não-informado sobre o tema nano”, levando em conta ainda a intenção que
temos de democratizar as informações (pesquisas, inovações, conceitos de nanociência e
nanotecnologia, por exemplo). Assim, reconhecemos a necessidade de nos pautarmos numa
linguagem que represente, com a máxima fidelidade, o fenômeno científico pesquisado e o
torne compreensível a públicos não especializados.
Nossa tentativa foi não nos limitarmos simplesmente à reprodução de falas, à
transcrição de textos e relatos fragmentados do material, mas demonstramos muito cuidado
para não desvirtuar determinados posicionamentos, nem ignorar qualquer resposta por mais
que nos pareça uma abordagem superficial a respeito do que queremos saber e nos
colocarmos da melhor maneira possível no lugar de quem disse o que disse, para saber porque
foi dito dessa ou daquela maneira, pois o texto de divulgação científica para o público leigo
pede muito mais. Nessa análise de resultados, estamos produzindo como resultado final não a
ciência, mas um discurso sobre ela, mais precisamente, um discurso a partir de discursos, por
isso mesmo a qualidade desse discurso depende, em grande medida, do que provém da
formação e do envolvimento dos pesquisados com o assunto. Quanto à pesquisadora, sabe que
produz um resultado de seu próprio olhar sobre todos os elementos envolvidos na realidade
investigada, mas é algo mais que um simples relato, ou pelo menos deveria ser, das
observações e entrevistas feitas na direção de uma interpretação de fatos, de fenômenos
científicos, de interesses diversos, apoiados na sua visão particular de mundo e na de seus
colaboradores.
234

Para seguirmos com esses direcionamentos apresentados, nós adequamos as oito


perguntas constantes no questionário a oito situações (ou enfoques analíticos) que julgamos
apropriadas para discernir melhor nossas pretensões com o uso deste instrumento, conforme
constam no início deste sub-capítulo, estratégia que julgamos bem mais favorável, porque nos
permitiu não nos desviarmos de determinado caminho, sabendo onde estamos e onde
podemos ir e o que queremos alcançar. Tivemos em mente que não se fala de viajar por um
caminho de estrelas para encontrar a nanotecnologia. Temos muita técnica bem aqui na Terra,
e há mais dela surgindo todo o tempo e há mais dela por vir.
Com a relação à forma de assinalar o domínio próprio da nanotecnologia, a
conhecermos as idéias que os pesquisadores têm do lugar que a mesma ocupa em relação a
outras técnicas de impacto que a precederam, a exemplo da biotecnologia, verificamos que, de
modo geral as respostas foram no sentido de defini-la por seu fator de escala representativo ou
no sentido da sua relação com o “pequeno invisível”. Fizemos assim alguns registros: Para 13
dos 22 questionados, a nano é a tecnologia baseada nas propriedades físicas e químicas que
os objetos com dimensões inferiores a algumas centenas de nanômetros, ou seja, são
tecnologias abordadas em escala nanométrica. Interessante que 9 destes 12, trabalham
diretamente com pesquisas e aplicações nanotecnológicas, fazendo com maior precisão a
relação entre a nanotecnologia e as estruturas do tamanho da ordem de grandeza do
nanômetro, ou, o que é o mesmo, a um conceito de miniaturização ao extremo, equivalente à
bilionésima parte do metro. Esta relação de cálculo, associada à fabricação de dispositivos
próprios da engenharia à escala molecular que permite o conhecimento de novas propridades
da matéria, é o conteúdo fundamental da nanotecnologia.
Observamos que a definição da nanotecnologia aparece revestida de poucos nuances
diferenciadores, e que pouco ainda se sabe quanto à sua aplicação que no Brasil só não é mais
significativa, conforme Toma (professor e pesquisador da USP, da área de Química) a todos
os setores, devido a “[...] um descompasso acentuado entre a universidade e o setor industrial”
(2004, p. 93).
Desde o físico Richard Feynman, um dos pioneiros da nanotecnologia, a nano já foi
concebida como a técnica da criação de novos materiais e desenvolvimento de novos produtos
e processos, baseados na crescente capacidade da tecnologia moderna de ver, manipular e
controlar átomos, moléculas e coisas em escala atômica. Feynman (1959) adintava que os
princípios da física não são contrários à possibilidade de manipular as coisas átomo por
átomo; logo, não representa uma violação da lei. Para o físico, trata-se de algo que,
235

teoricamente pode ser feito, mas que nunca tinha sido levado a cabo na prática, porque
“somos grandes” demais para arranjar os átomos da maneira que gostaríamos.
Neste aspecto particular, perante a praticidade e o modo descomplicado com que
Feynmann se coloca para apresentar a nanotecnologia a partir de agora, trabalharemos com os
resultados obtidos através das respostas que nossos pesquisados deram às perguntas
formuladas no questionário que lhes enviamos e que tinham vínculo com tudo o que já
tratamos e vamos especialmente tratar, ao indagarmos a sociedade sobre a nanotecnologia e
suas implicações.
Para preservarmos a identidade dos entrevistados, porque nos comprometemos a não
os identificarmos e para nós mesmos nos sentirmos mais à vontade ao trabalhar com suas
respostas, vamos indicar os vinte e três participantes com as seguintes abreviaturas, ADTR,
AMOS, BDSP, BJRS, BSEE, CCHI, CUNE, DCSB, ECAM, ECED, GSEN, LPMB, MDEN,
MFBR, FMMG, MSSP, NFIM, PDFM, PLUM, OSCI, RASB, RPSI e TDFC.
Iniciando então as discussões que queremos entabular sobre a relação entre
nanotecnologia e ética, achamos importante destacar que, mediante o estudo das respostas de
nossos entrevistados, constatamos o que já havíamos detectado com a pesquisa bibliográfica:
temos pessoas com pensamentos diferentes sobre a relação ética e nanotecnologia. De modo
geral, a nanotecnologia concebida como “meio” e a maior parte dos entrevistados pensa que o
problema a resolver está na ética, e não na técnica. Mas, ainda que encontremos algumas
posições ressaltando este aspecto, outras avançam em desconfiar disso e manifestam a visão
de que alguma coisa mudou ou pelo menos a técnica já não é vista de uma forma radicalmente
instrumental, a serviço de fins meramente utilitários.
Iniciamos nossos comentários com a pergunta que fizemos sobre se a nanotecnologia
implica em aumentar ou diminuir as desigualdades sociais. Segundo ECTE, na sua condição
de filósofo e sociólogo, quando discorre sobre essa possibilidade, considera ser este um ponto
de vista “falacioso”. E argumenta:
- Primeiro, porque parte de uma ideologia identitária. Platão à frente do Modelo da
Idéia. Tudo deve pautar-se ao modelo do igual, do Uno, do mesmo [...] Já não é nem mesmo
filosofia, é uma deontologia a apontar os dedos para os simulacros, as más cópias e a todos
os que desconfiam de certas formas de comunitarismo igualitário que não é capaz de aceitar
a diferença, ou simplesmente, diferenças econômicas ou sociais, o estrangeiro, o movimento
feminista, o movimento do negro, de novos tipos de família, e assim por diante.

Complementa que:
236

Além disso, no discurso atual presente nas universidades brasileiras, que se iguala ao
das midias que reduzem tudo a realidades duais de oposição, esta pergunta: ”desigual ou
igual” não permite a modulação do diferente, ou como diz Derrida, do mesmo que é diferente
ao mesmo tempo[...].

Apontanto a ênfase do caráter normativo nos modos de pensar desta natureza que não
indaga por aquilo que é, mas por aquilo que deve ser, considera que estes remontam à ética
platônica que só percebe a ética relacionada com o bem e em que existe uma estreita unidade
da moral e da política, ponto de vista paral o qual a distinção igualdade-desigualdade é
moralmente relevante. A moral platônica já não é adequada para a época da revolução
tecnológica, o mesmo valendo para o imperativo categórico kantiano-utilitarista que resulta
muito estreito para nosso tempo de revolução cognitiva, em que a mentalidade emergente é
muito distinta. Terms como norma e obrigação, moral e dever, já não podem ser
compreendidos como o foram em épocas de convicções mais estáveis.
Quase de modo similar, CESP que é também um cientista das humanas diz que em
princípio não vê relação entre nanotecnologia com as desigualdades sociais, alegando não
saber bem o que é “desigualdade”, tanto no “singular” quanto no “plural”. CESP
complementa, registrando a posição da nano como meio, dizendo que:
- A desigualdade é uma questão política, econômica e cultural. A tecnologia é um
instrumental que poderá permitir, por exemplo, o acesso a bens em face do barateamento,
assim como permitir acesso às informações. A tecnologia, para ter influência política de
modo a interferir nas desigualdades sociais, precisa ser secularizada.

E exemplifica dizendo:
- Países como a China, Cuba, Irã, Coréia do Norte [...] utilizam-se na Internet, mas
criaram enormes barreiras para que os cidadãos comuns tenham acesso. Mesmo aqui no
Brasil, grupos religiosos e grupos políticos que temem as novas tecnologias, fazem com que
as desigualdades perdurem.

BJRS, também vinculado às humans, mas cuja realidade da prática profissional está
ligada à mídia, nos parece, entende também que a nanotecnologia não diminui ou aumenta
desigualdades sociais, o que existe são diversos interesses em jogo, cabendo à sociedade unir
as forças aos objetivos da “nanotecnologia”, tais como política e economia, até mesmo, em
questões de poder militar, o que para nós caracteriza, como nos argumentos anteriores, uma
posição ética no sentido de que não formulam juízo valorativo, mas sim explicam as razões e
proporcionam a reflexão sobre a nanotecnologia como meio para determinados fins. No caso
particular em que BJRS alega que as implicações sociais vinculadas à nanotecnologia
dependem de procedimentos (normas, regras procedimentos, que configuram, digamos, um
237

código de moral), entramos no campo da moral como dever, que pressupõe regras de ação e
imperativos que se manifestam concretamente nas diferentes sociedades enquanto resposta às
suas necessidades, consistindo precisamente em regulamentar as relações entre os indivíduos
e entre estes e a nano, contribuindo para a estabilidade da ordem social. O argumento tem
caráter normativo, pois reclama a existência de procedimentos para que sejam alcançados os
objetivos ou motivações pertinentes ao que a nano se propõe. Estes procedimentos – humanos
– são os meios que indicariam a melhor forma de atingir o fim almejado pela nano, enquanto
técnica.
No modo de conceber de MSSP, que já há algum tempo debate questões pertinentes à
nanotecnologia em sua atuação no campo da Sociologia, é possível observar que o modo de
pensar pauta-se em padrões deontológicos apriorísticos que ignora o reconhecimento da
necessidade de uma ruptura com as teorias éticas convencionais para a formulaçaõ de uma
ética compatível com a nanotecnologia:
- No que toca às mudanças incrementais advindas da nanotecnologia, esta sociedade
global já tem experiência anterior para realizar uma regulação, fundada em valores éticos e
morais que possam não repetir os erros localizados no processo de introdução dos
transgênicos. Quanto às mudanças revolucionárias advindas da nanotecnologia, estas não
têm precedentes históricos em nossas sociedades. Aqui as dificuldades de regulação
fundamentadas em valores éticos e morais que tornem os homens melhores serão de difícil
discussão e realização.

A este respeito PLUM, com formação em física e atuação profissional vinculada à


empresa, coloca uma questão instigante, em que vincula a conduta ética a necessidades
humanas, indicando o caráter da técnica como importante meio de evolução:
- Uma balança, este é o instrumento mais importante quando se está diante de se fazer
uma análise de uma nova tecnologia [...] Quais foram as considerações que o homem fez ao
criar a primeira roda? Não sei! Pode ser até que ele tivesse levantado pontos positivos e
negativos a respeito de sua invenção e fizesse uma média de tudo isto. A roda facilita o
transporte, tudo passou a ser mais leve ao carregar e eu nem canso mais. Mas se a roda for
usada por um rival, que observou o meu invento e o aplicar para um fim que não o mais
nobre? E se ele me jogar uma destas coisas rolando morro abaixo de forma a acabar comigo
e com minha família? Bom, o cara concretizou seu invento e a roda mudou toda a história da
humanidade.

Este aspecto levantado pelo entrevistado nos lembrou um pouco a campanha brasileira
pelo desarmamento. Também sua fala, bem como a de outros entrevistados, deixa clara a
evidência de propósitos humanos presentes, e não da técnica por si mesma, a exemplo de um
machado sair sozinho de seu lugar e incidir sobre a cabeça de alguém, sem que o fosse por
controle remoto. Entram meios e fins em jogo, entram pensamentos, idéias, vontades, desejos,
238

determinados por eleições condicionadas pelas consequências. ADTR, que tem alguma
aproximação com embates em torno do papel da tecnologia em relação ao ambiente, na sua
atuação ligada com o campo do Direito, nos parece reclamar a discussão ética também
relacionada à normatividade, ao ponderar que:
- Falar de natureza humana é algo extremamente complexo, pois sempre vai depender
das ideologias a que uma pessoa se apega e das experiências de sua vida. O meu viver é para
alcançar o equilíbrio, mesmo que o considere utópico. Infelizmente, nesta encruzilhada, sou
pessimista em relação ao homem. Há muitas pessoas boas, que fazem o certo e vivem bem,
porém o “mal” tem mais poder e domina. Então, vale a pena viver em paz com a consciência
[...] retomo o conceito expressado pelo princípio da precaução e milito em falarmos nesse
instante sobre a questão da “tolerabilidade dos riscos”. Considerando que, hoje, as decisões
sobre qualquer assunto, sobre questões ligadas ao meio ambiente devem ser pautadas pelos
sentidos de probabilidade dos fenômenos, a necessária certeza sobre os acontecimentos caiu
por terra.

O entrevistado completa seu posicionamento acrescentando, algo que para nós trouxe
certa dificuldade de compreensão quanto ao que quer expressar, ao dizer que, em função do
que pensa: - todo controle e submissão à sociedade dos novos rumos da pesquisa deve ser
preservado. Nós entendemos que seja uma referência à participação maior da sociedade no
controle das pesquisas, mas aqui nos vem um quadro de dificuldades que precisam ser
superadas para realizar este processo, oferecido pela própria distância da universidade e da
pesquisa em relação à população, outra herança da oposição natureza-cultura. MDEN, que
além de sua formação nas ciências naturais também trabalha diretamente com a aplicação da
nanopartícula em sua atuação profissional, relacionada à saúde, considera que:
- [...] se for bem entendida em sua filosofia, a utilização para fins pacíficos só poderá
trazer benefícios para a humanidade. Porém, é necessário criar órgãos que administrem de
forma coerente e ética cientifica o uso destas tecnologias [...] é uma questão de domínio de
informação sobre a tecnologia, depende dos interesses políticos e econômicos que vão estar
atrelados a esta tecnologia. Quanto aos riscos e vantagens, também dependem de quem vai
estar por trás disto, de quem vai estar com este poder nas mãos e de quem vai controlar. É
como se fosse uma corrida armamentista nuclear. Muitos valores vão mudar e tudo vai
depender de estratégias que vão gerar conflitos éticos e sociais. Vejo como uma questão
existencialista, uma questão de valores. Vejo como uma questão de foro íntimo de cada ser.
Da formação e concepção de mundo de cada pessoa. Cada uma vai entender de uma forma e
usar da maneira que melhor entender. É uma questão de concepção antropológica e
filosófica.

Nesta altura, lembramo-nos do questionamento aos entrevistados, sobre sua posição


diante da ameaça que foi bastante enfatizada, julgamos, mais no início da explosão das
pesquisas em nano, do fenômeno “grey goo”, referente ao fato das nanopartículas ou
nanomáquinas se auto-replicariam e produzirem autonomamente cópias de si mesmas, não se
239

tendo garantias do controle sobre o resultado disso, como no caso de uma contaminação do
meio ambiente, de aplicações militares ou de maior controle sobre o comportamento humano.
RPSI, ligado também às ciências humanas com desempenho no campo da Psicologia, que não
se trata somente desta questão, mas também de outras a partir de outras técnicas:
- Mais uma vez, o emprego dessa tecnologia para fins militares – sem nenhum
controle social – poderia nos levar a mais um possível desastre, como a guerra
bacteriológica, ameaça muito mais tangível. A questão dos limites éticos é fundamental, não
só para a nanotecnologia, como para qualquer outra tecnologia. A meu ver, toda pesquisa
para fins militares é eticamente reprovável, pois não só não contribui para a melhoria das
condições de vida humana, como desvia importantes recursos de pesquisas socialmente
relevantes. Assim, não é a nanotecnologia que pode gerar uma contribuição ética, pois ela é
apenas a ferramenta e não a mão.

O entrevistado nos apresenta a idéia de que tudo o que se reporta aos fins militares é
perigoso, é o mal, ao mesmo tempo em que enfatiza o bem que a técnica, como meio,
representa.
CCHI na sua visão educacional, campo em que atua e no qual tem formação
específica, expressa já uma desconfiança do papel da nano como mero meio, argumentando
que, com relação à mesma que surge com alguma particularidade nova:
- [...] é uma característica humana inicialmente resistir e ter medo do desconhecido,
como foi com outras descobertas da ciência. Num primeiro momento, o ser humano resistirá,
num segundo, vendo que traz benefícios aceitará. Vide exemplo dos cosméticos que trazem
inúmeros benefícios à pele de mulheres com mais de 40 anos - foram aceitos até mesmo sem
saber que continham partículas nanotecnológicas. Da mesma forma aconteceu, acontece e
acontecerá com os alimentos transgênicos. É provável que se possa utilizar a nanotecnologia
como um meio para determinados fins que não se possa ter controle [...] e será que um dia se
terá controle sobre o uso dos avanços tecnológicos? De uma forma geral, não acredito que a
nanotecnologia poderá contribuir para tornar os seres humanos melhores sob o ponto de
vista moral e ético. Infelizmente, sob o ponto de vista legal, sempre existirão aqueles que
utilizarão a nanotecnologia para fins escusos não beneficiando nem seres humanos muito
menos a sociedade em geral.

Seguindo por uma trilha mais cautelosa, RASB, que trabalha diretamente com
tecnologias de informação, se mostra receptiva à nanotecnologia como meio, mas quanto ao
“grey goo” tem um viés que segue uma deontologia utilitarista, considerando com seriedade
as conseqüências das implicações morais com base em resultados imediatos, quando ainda é
cedo para assegurar com antecedência as conseqüências dos atos sociais implicados à
nanotecnologia. RASB diz:
- Não tenho conhecimento suficiente para ter uma resposta concreta. Mas, tudo o que
é feito artificialmente, que não existe naturalmente na natureza pode ter um efeito contrário
que não foi previsto anteriormente. Todo cuidado é pouco quando se trata de nanotecnologia.
240

O homem está diante de uma tecnologia que pode revolucionar todos os setores da economia.
Além do que, o homem diante da ciência sempre quis brincar de Deus, sempre buscou recriar
artificialmente o que a natureza criou espontaneamente. E, agora ele está com a tecnologia
certa para fazer o que ele bem entender, portanto depende do próprio ser humano o destino
que essa tecnologia terá. Na minha opinião, o grande problema não é a nanotecnologia em
si, mas o uso que o homem vai fazer dela. Muito pelo contrário, o homem com o poder da
nanotecnologia nas mãos tende a ser mais autodestrutivo. Pois, poucos vão ter acesso a essa
nova tecnologia, e aqueles que detiverem seu poder se sentirão donos do mundo e se acharão
no direito de usar a nanotecnologia em seu próprio benefício. Para obter mais lucro, mais
poder político e econômico. A história já provou que o homem, quando tem poder
tecnológico, usa este poder contra o próprio ser humano, haja vista as guerras ocorridas
desde o começo da civilização.

Numa outra posição, mostrando familiaridade com a nano no campo da medicina, em


sua rotina de trabalho com a pesquisa nesta área, LPMB considera que

- O potencial para apresentar vantagens ao meio ambiente é enorme. Mas, sem


dúvida, entre os muitos materiais sintetizados, sempre poderá surgir aqueles que representam
riscos para o meio ambiente [...] não acredito nesta auto-replicação das nanomáquinas, a
menos que moléculas como DNA introduzidas nos organismos sejam definidas como
nanomáquinas.

MFBR, com atuação no campo da física, contra a hipótese do “grey goo”, pondera que

- Existem vírus cuja dimensão física encaixa-se no domínio do que entendemos como
“NANO”, ou seja, é uma estrutura material nanométrica produzida pela natureza e
organizada a partir de moléculas biológicas conhecidas. Estas nanopartículas (os vírus) são
capazes de auto-replicarem e o fazem quando encontram células (tecidos, órgãos,...)
hospedeiras favoráveis. Portanto, entendo que estamos falando de algo que já conhecemos.
Neste contexto, entendo que a nanotecnologia pode permitir a produção de novas estruturas
supra-moleculares com a capacidade de auto-replicação em um ambiente adequado para tal.

O grey goo, realmente, desde que entramos em contato pela primeira com a
significação deste fenômeno, nos reportou à ficção, porque já sabíamos de antemão que o
DNA é capaz de auto-replicação desde que a vida é vida, e temos uma riqueza de diversidade
no mundo, a custa de muita auto-replicação, e não de aberrações. Neste sentido, assinalamos o
argumento de LPMB, que diz não acreditar que ocorra esta auto-replicação das
nanomáquinas, a menos que moléculas como DNA introduzidas nos organismos sejam
definidas como nanomáquinas.
Acentuamos o ponto de vista de BJRS, que defende um ponto de vista indeterminista
que de certo modo restringe os limites acerca do grau de precisão da nanotecnologia almejado
pelas explicações da própria nanociência, abrindo espaço para posições relativistas, quando
expõe que:
- O problema está quando este mesmo homem, por meio das suas descobertas frente
241

ao seu tempo, desconhece os resultados destes avanços para o fator natureza; quando isso
ocorre, tanto para o homem, como para a natureza, as conseqüências são cruéis para ambos
os lados [...] Neste caso, lembro do filme “BLADE RUNNER”, bem como, outros que
abordam tal questão por meio da denominada ficção científica, tal qual, o escritor de renome
mundial, JÚLIO VERNE; porém, todas as conquistas do homem frente ao seu tempo podem
acrescentar avanços e retrocessos em todas as áreas afins aos seus objetivos como
pesquisador e/ou cientista. A indeterminação faz parte da determinação neste caso, bem
como, o contrário disto e daquilo, assim, as nanopartículas podem desenvolver e precipitar
uma indeterminação por meio da determinação, mas, tal determinação pode levar a uma
indeterminação da tecnologia.

Para ECTE, em relação a este debate sobre o grey goo, é interesssante a relação que
faz sobre os efeitos do consequencialismo trágico nos modos existentes na sociedade de
pensar a técnica, ao reconhecer que:

- Goethe já cantou a força do feitiço: vassoura atacando o feiticeiro. Vassoura pode


limpar e ajudar ao homem, como também pode me levar a um tombo se tropeço
descuidadamente contra ela num lugar e momento inadequados, como também pode servir
para bater no outro. A diferença é de escala, porém [...] Não vai nenhuma indeterminação
nisso. Os homens já jogaram gases morais sobre os outros, antraz, e outros contaminantes
biológicos [...].

Quando complementa seu pensamento, temos a impressão de que deixa transparecer


em sua idéia uma intencionalidade da nano enquanto meio que em si representa, ao dizer que

- Ela sozinha – a nanotecnologia – nada faz. Acordos, contratos e civilização serão


mais prementes do que hoje. Mas hoje estamos dependendo de um telefone vermelho e de um
aperto de botão de um super-submarino que alcança todas as partes do mundo [...] Creio que
as pressões poderão tornar-se maiores. Do que se trata antes de tudo, é de produzir em nós
mesmos uma eticidade anterior a todas as leis morais e jurídicas, isto é, novos modos de
sentir, ver, pensar e agir. Só a força dos Estados atuais em derrocada nada poderá fazer.

De todo modo, questões como esta nos remetem sempre à pergunta pelo papel da
técnica. Um ponto de vista também interessante sobre mitos, medos e afins, nos vem de
NFMG, com um acenar para mudanças paradigmáticas inerentes à nanotecnologia. O
entrevistado diz que:
- É difícil antever se as modificações serão radicais, mas elas ocorrerão, trazendo
principalmente, mas não exclusivamente, benefícios [...] Mudar a concepção do
funcionamento da natureza pode ser muito bom. Por exemplo, há pouco mais de 100 anos a
concepção da natureza proibia o homem de andar de avião [...] Vírus são essencialmente
nano-máquinas que se auto-replicam. Ou seja, os riscos de “grey goo” não são maiores que
os riscos de uma epidemia de um vírus ainda desconhecido.
MFBR, por sua vez, em sua resposta, nos demonstra uma preocupação mais voltada à
pergunta “o que é ética” do que à “o que é técnica”:
- A nanociência e a nanotecnologia representam sim uma oportunidade para reflexão
científica, ética e moral por parte da sociedade. Difícil julgá-las como um instrumento para
242

tornar os homens melhores ou piores, mesmo porque teríamos que ter um entendimento mais
aprofundado sobre o que significa ser melhor ou pior.

FMMG, que atua na área da medicina e da pesquisa farmacêutica, segue no rumo de


nossa preocupação quanto ao envolvimento mais estreitado da sociedade com a pesquisa,
quando entende que falar de moral e a ética... - é muito mais um problema cultural, onde a
nanotecnologia poderá contribuir, porém somente de forma indireta.
TDFC, que também trabalha com pesquisas na área farmacêutica, em seu modo de ver
concebe que ocorrerá ajustamento às situações, mas ao mesmo tempo considera que são
necessárias mudanças simultâneas no ser humano para que acompanhe o avanço da
nanotecnologia. Por sua vez, acrescenta que
- [...] a moral e a ética serão aspectos importantes em qualquer instância, com ou sem
tecnologia. Tudo depende da índole humana. Criar-se-ão novos limites e novos sensos-
comuns para a adaptação à nova era.

Com sua posição, TDFC nos transporta, de certo modo, às questões em torno do
homem “pós-humano”, “pós-moderno”, “pós-orgânico” e outras denominações mais. Do
mesmo modo, nos transporta à questão da relação da nanotecnologia com os debates em torno
à adaptação do homem ao meio ou do meio ao homem.
CESP, com sua visão otimista é receptivo à nano, expõe:
- Finalmente, novas tecnologias (as nanotecnologias inclusive) têm sido utilizadas em
intervenções com o objetivo vencer a eterna luta contra a morte. Esta luta no mundo
ocidental tem um significado especial. Oswald Spengler escreveu há mais de meio século que
o ocidental vive numa corrida para o infinito onde a morte, no meio do caminho é um corte,
uma interrupção, que precisa ser vencida. Será que nesta luta haverá uma fusão entre o
orgânico e o inorgânico? Não sei.

Esta indecisão do entrevistado, que é a da maior parte de nossos entrevistados, apenas


reafirma o que já constatamos faz tempo, quanto à oposição entre orgânico e inorgânico, que
também presente esteve na formação científica da pesquisadora, na área das Ciências
Biológicas, outro grande empecilho a que entendamos a vida, a natureza, a nós mesmos.
Como pode o homem pensar-se sem sais minerais, água, ar, elementos atômico-moleculares?
Não vamos para o trabalho deixando em casa nosso inorgânico? Nem tampouco, quando
vamos dormir, desligamos nosso orgânico e fica apenas nosso inorgânico em ação! Temos
aqui pontos importantes, colocados por CESP e ECTE. Quanto ao primeiro, fazendo alusão a
uma colocação do professor e pesquisador Henrique Toma (cujo nome já mencionamos neste
trabalho), numa entrevista que ele deu para o boletim “Agência FAPESP”, em que diz que “a
nanotecnologia se aproxima cada vez mais à vida”. E CESP complementa:
243

- Mas será que antes disto ainda teremos uma pico, uma femto ou uma
attotecnologia? [...] Natureza humana! O “ser humano” é sinônimo de “ser social” (ou “ser
cultural”). Esta hibridação homem-máquina será mais bem compreendida como a máquina
em auxílio à manutenção da vida. Os exemplos são muitos e a mídia não cansa de apresentá-
los. Os enxertos, marca-passos, as cirurgias de mudança de sexo e os tratamentos,
adequação de um gênero a outro etc., demonstram que a “natureza humana” é passível de
intervenções. O corpo, diz Mary Douglas (uma antropóloga inglesa), é a metáfora da
sociedade, e por isto procura-se, sempre, adequá-lo a padrões estéticos. Ou para adequações
psicológicas, como já acontece nas cirurgias de mudança de sexo.

CESP nos coloca diante do que a pesquisadora mesma sente, quando contempla uma
escultura moderna e se pergunta: “Onde está a técnica ali? E a arte?” Ora, o que pensamos é
que ambas estão de tal modo imiscuídas, que olhar para um automóvel incrementado de
aparatos muito avançados, que chama a atenção de qualquer pessoa que passa na rua, ou pegar
na mão um Ipod nano, último modelo, causa esta sensação de perplexidade e dúvida. ECTE
vai mais fundo na desestruturação de nossas dicotomias quando expõe que:
- [...] a fusão do orgânico e do inorgânico que a ciência está realmente produzindo,
vem exatamente ao encontro da VIDA: VIDA é a própria atividade criadora da natureza da
qual somos estruturas formadas. Somos fusão produzida e estruturada pela e com a
Natureza. Portanto, com Deleuze vou além da concepção de vida como a autopoiése de
Maturana e Varela. Para este último, a FORMA é a vida. Para mim, a vida é anterior à
FORMA, ainda que esta seja autopoiética, auto-organizativa. Logo, não há contradição nesta
fusão do orgânico e do inorgânico, mas antes, pelo contrário, há encontros...

BSEE, no olhar da especialização pedagógica, faz uma observação sobre a técnica,


que é por ela vista como natureza aperfeiçoada. Entende que
- [...] essa tendência à hibridização, mescla do natural e técnica, vem do desejo
manifesto dos seres humanos de fundir-se com a natureza, mas uma fusão diferenciada na
qual, ele não é anulado, mas constrói sua identidade numa relação de equilíbrio entre homem
e natureza. Partindo do pressuposto de que muitas doenças se originam do desequilíbrio
entre homem e natureza, teríamos a cura para muitos males que hoje assolam a humanidade,
pois no mundo nanotecnológico, poderão ser construídos conhecimentos interdisciplinares
que possibilitarão a invenção de minúsculos dispositivos possibilitando o exame, a
manipulação e mesmo a imitação de sistemas biológicos, tornando possível a redução dos
efeitos maléficos causados pelos problemas ambientais, entre outros, pois não mais existirão.

Outra posição que chamou nossa atenção foi a de PLUM. Nesta, há o reconhecimento
da nano como meio, mas uma posição que nos lembra Ortega uma vez que o entrevistado
concebe a nano em suas inter-relações entre vida, técnica e mundo, a que focalizemos a
atenção não estritamente sobre a vida humana como a única perspectiva mais radical desde a
qual se deva dar sentido à colocação do problema da técnica, mas é preciso reconhecer que a
técnica representa um inevitável substrato ontológico em que tem o ser humano está imerso.
244

O homem, desde sua mais radical realidade, obedece a uma razão ontológica pelo fato de ser
um “ser” estranho ao “ser” do mundo; por esta razão, não se adapta totalmente a circunstância
e, à diferença do animal - cujo ser se adapta totalmente à natureza (o que nos remeteu às
posições de Hegel e de Gehlen, para o qual a partir da substituição da força orgânica pela
anorgânica, o homem alargou seu campo de intervenção, autonomia e potencial de
desenvolvimento) - o ser humano aparece como um ser estranho ao ambiente e ao mesmo
tempo misterioso. Segundo o entrevistado, a nano traz
– [...] benesses, reveses, facilidades e dificuldades que esta impele ao longo de sua
implementação e uso. Sem dúvida, quem tiver os recursos necessários, quer sejam
financeiros, intelectuais, sociais, irá fazer uso das novas tecnologias, dentre elas das nano.
Mesmo que venham a ser consideradas seres híbridos, mutantes ou sei lá eu! Pode ser até
que isto confira algum “status” para o portador... Eu considero o uso de nanopartículas
muito semelhante ao uso de óculos, perna mecânica, implante capilar, seio de silicones,
implante dentário etc. Estas adaptações e complementações artificiais do corpo sempre
existiram e continuarão a existir [...] O que dizer dos piratas da perna-de-pau? Do homem de
olho de vidro? Dos implantes cocleares e da possibilidade de voltar ou começar a ouvir? De
um transplante de rosto? E me parece que são dois. Tudo isto são adaptações do homem ao
meio, para que possa transitar melhor à frente das adversidades e facilidades que ele lhe
impõe. As tecnologias evoluem, as ferramentas são outras, mas as necessidades de adaptação
vão continuar a existir.

Do ponto de vista das ciências sociais, MSSP ao nosso modo de ver explica o ser
humano na fusão orgânico-inorgânico concebendo a técnica como meio de adaptação,
mantendo a oposição entre homem e natureza. Entende que:
- A fusão de orgânico e inorgânico proporcionada pelo progresso técnico, se trata de
uma nova fase do desenvolvimento capitalista em que as barreiras entre o orgânico e o
inorgânico são abolidas, ou pelo menos destruídas de forma significativa para que o capital
se aposse de áreas em que ele não construía mercadorias – portanto não se reproduzia – e
agora o faz, ampliando assim seu universo de reprodução ampliada. Este processo envolve
condições objetivas e também subjetivas: a) a posição crítica se refere a que o controle da
introdução da nanopartícula não se encontra com a sociedade, mas sim com os grandes
capitais, materializados nas empresas multinacionais e Estados que são seus representantes;
b) se trata de uma adaptação do homem e do meio à reprodução ampliada do capital. Porque
este é o cerne do sistema capitalista. Homem e natureza subordinados ao capital via o
trabalho morto materializado em tecnologias.

TDFC, que trabalha com a pesquisa em nano, vê a “tecnologia nanica” chegando ao


nosso mundo particularizando-se em tecnologia nanométrica, sem reificar a mesma. Assim
argumenta que:
- Acredito que o homem, antes de tudo, guardando as proporções, age instintivamente
para sobreviver. Procura novas formas de cura, de alimentação, de facilitação de
procedimentos etc. Antes de tudo, os envolvimentos emocionais com os problemas muitas
245

vezes nos levam a mudar de opinião em relação a determinados aspectos. No caso de


doenças graves ou incuráveis em pessoas da família ou muito próximas, se o procedimento
para salvar o indivíduo envolver a inserção de órgãos ou células de outros seres ou mesmo
do inorgânico, é mais fácil aceitar. É muito confortável ser de opinião contrária, quando não
se está envolvido diretamente na tomada de decisão. Acredito que é a adaptação do homem
ao meio [...] o homem instintivamente luta para manter-se vivo. Além disso, por mais que
venhamos interferir no meio, de uma forma ou de outra perderemos, pois a natureza
readapta-se provocando algum fenômeno catastrófico de alto poder destrutivo para os seres
vivos [...] a degradação ambiental já está ocorrendo e em grandes proporções com pouca
tecnologia, com machados, serras e tratores, na derrubada de florestas; com jatos d’água e
picaretas no garimpo; com dinamite na exploração de montanhas de granito e de mármore.
Penso pelo contrário, uma agropecuária coordenada, para o mínimo de perdas e
desperdícios, poderá utilizar áreas menores para o plantio e criação de animais e evitar
maiores desmatamentos. Este sem dúvida é o caminho para evitar a fome no mundo.

Nesta direção, a posição de MFBR se mostra ilustrativa porque divisa uma


compreensão da técnica como equilíbrio entre homem e natureza, considerando que
- [...] a sobrevivência de uma civilização, ou mesmo da própria espécie humana,
depende fundamentalmente da busca de um equilíbrio entre homem e natureza. Basta olhar a
história. Veja o caso da ilha de Páscoa: o último homem da última civilização que ocupou a
ilha cortou a última árvore e desapareceu!!! Ele construiu o seu próprio caixão.
Enfatizamos a colocação de PLUM, que caminha neste sentido. Ele concebe que:
- Bom seria poder afirmar que todas estas tecnologias garantirão a evolução e a
perenidade de todo o planeta. Contudo, fazer isto, em minha modesta opinião, seria
leviandade. Não devemos ser pessimistas ou mesmo levantar a bandeira de um pensamento
com base no holocausto, somente porque estamos face ao desconhecido. Em contrapartida,
não podemos chegar a um entusiasmo exacerbado e turvo que nos remova a capacidade de
análise crítica e ação frente aos problemas, que sem dúvida ocorrerão[...] tenho a certeza e
convicção de que nossa civilização está iniciando um processo de quebra com o passado e
experimentando uma transformação que virá modificar a forma do homem agir, se
relacionar e viver.

Em todas as exposições se percebe uma relação muito íntima entre a nano e a vida.
OSCI, que tem atuação na pesquisa científica contribui neste sentido, talvez algo que não
poderemos pensar se fizermos uma comparação entre o que representou a passagem do
bucólico e pastoril para o mundo industrializado. Coisas grandes e pequenas aconteceram.
Para o entrevistado, tem havido boa sinergia nas nossas interações dos pesquisdores da nano
com os diferentes grupos das diferentes redes, mas, do ponto de vista geral, ainda existem
dificuldades nas atividades em rede, sobretudo porque se trata de um tipo de organização da
pesquisa que exige uma forte vontade de interagir com outros grupos e de efetivamente
trabalhar dentro de uma perspectiva multidisciplinar. OSCI acredita que a pesquisa na área
nano pode contribuir expressivamente na solução de problemas que afetam diretamente os
246

cidadãos, oportunizando: remediação ambiental, purificação de água, remoção dos


contaminantes, melhoria e fertilidade dos solos, construção de kits de diagnóstico para
doenças infecciosas e endêmicas, novas formulações de medicamentos e veículos para sua
liberação, novas formas de energia, entre outras. O entrevistado chama nossa atenção a um
ponto de partida, que não se pode esquecer, colocando que se deve
- Lembrar que o nanômetro é a bilionésima parte do metro. Em termos comparativos,
trata-se de uma grandeza cerca de 70.000 vezes menor que o diâmetro de um fio de cabelo. É
importante que se tenha presente que não basta simplesmente ser pequeno, e, sim, ser um
“tipo especial” de pequeno. Esta consideração me parece importante, na medida em que leva
ao entendimento de que existem propriedades fundamentais dos materiais - químicas, físicas
mecânicas e biológicas -, as quais dependem do tamanho, ou, melhor dizendo, estabelecem,
abusivamente falando, uma "cumplicidade" com ele, cumplicidade esta que se constitui na
chave de toda a Nanotecnologia [...] não podemos perder de vista que a Nanotecnologia pode
também ser uma oportunidade singular para o desenvolvimento do País.

Ficamos imaginando muita coisa que hoje acontece no mundo, coisas descomplicadas
para falarmos aqui, como do casamento entre um japonês nato e uma mulher brasileira, a
brincadeira de uma criança alemã com uma criança natural de Luanda, o contato entre um
urso polar e pulgas e carrapatos, a questão da própria transgenia e da clonagem, a união de um
alemão com uma mulher da tribo Padung, da tribo das mulheres-girafas, que usam anéis
dourados ao longo do pescoço comprido, e em outras relações. Pensamos nas palavras do
entrevistado ECTE, quando fala agora que a diferença se mostra como tal ela deliciosamente
assusta e galvaniza nossos sentimentos e nossos pensamentos mais secretos. Lembramos
também de OSCI, ao dizer que:
- No que se refere às questões sociais, ambientais e, acrescentamos éticas [...] há
muito que fazer. A questão da informação qualificada é fundamental neste processo [...] a
nanotecnologia - graças a um forte apelo mediático -, teve seu universo povoado por
nanorobôs, nanomáquinas, nano-X, etc., aos quais são atribuídas às mais diversas funções,
sendo grande parte delas altamente especulativa. Certamente esse tema assusta, se colocado
para o grande público, sem qualquer explicação prévia, clara, ponderada e, sobretudo,
abalizada. A dificuldade de compreensão transforma tudo numa “grande interrogação” que,
no limite, pode até mesmo levar ao medo. O que geralmente nunca se diz é que coisas que lhe
estão muito próximas, que fazem parte do seu cotidiano, as quais, muitas, inclusive consome,
são produtos que já se apropriaram desta tecnologia e que, certamente, nada têm a ver com
as “criaturas” que muitas vezes são mostradas em vários veículos de comunicação.

De certo modo, somos reportados aqui a pensar nas posições em que é assumida a
idéia de natureza humana e a implicação da nanotecnologia como possibilidade de alteração
da mesma – uma natureza pós-humana, pós-orgânica... -, complementando que não
encontramos em nossos pesquisados uma idéia tão radical quanto à do co-fundador e principal
247

cientista da Sun Microsystems Bill Joy (Apud SANTOS, 2003, p. 273), em seu argumento de
que “estamos no limiar de aperfeiçoamento do mal extremo” com as novas tecnologias,
equivalente, segundo Santos (Ibid.), “à perda total do controle pelos humanos e a ameaça à
espécie”. Quando formulamos a questão para nossos pesquisados sobre como definiriam a
“natureza humana”, uma vez que muitos críticos que escrevem ou discursam sobre a
nanotecnologia afirmam que esta tecnologia representa o fim da mesma, ECTE coloca que
afirmações deste tipo se relacionam com a oposição entre “natureza” e “natureza humana”,
que “são criações da filosofia ocidental essencialista”. No seu modo de analisar esta condição
consequencialista, ele diz que:
- [...] são oposiçõs irredutíveis [...] qualquer costura aí se tornou impossível depois
da ruptura da fysis e do nomo, da natureza e da cultura, do homem e do animal... Impensável
logicamente qualquer evolução [...] sempre de novo aquela oposição binária: ou isto ou
aquilo [...] oposições binárias corpo versus alma, corpo “onde os impulsos humanos
condenáveis e perigosos” tramam nossa destruição, natureza versus cultura, identidade
supostamente eterna versus desigualdade/devir, não dão conta do que se passa ao nosso
redor.

Desta forma de pensar, podemos derivar algumas indicações quanto às possibilidades


de riscos e benefícios, vantagens e desvantagens, igualdade e desigualdade, vinculados ao uso
da nanotecnologia, sobretudo, nos entrevistados que trabalham diretamente com a mesma e
em alguns outros que, conforme pudemos perceber, têm uma referência informativa maior
sobre a nano. Dentre os que classificamos como “pesquisadores de área não-nano”,
“pesquisadores de área não-nano”, “público informado sobre o tema nano” e “público não-
informado sobre o tema nano”, em sua maior parte é clara a visão das nanotecnologias como
ferramentas que, na sua descrição e caracterização como técnicas especiais no âmbito da
física, química, ou mesmo da biologia, desempenham um papel de facilitadoras e mediadoras
do trabalho de outras técnicas. MFMG, por exemplo, que trabalha diretamente com a pesquisa
nesta área, vê um diferencial no caso das aplicações da nano ao desenvolvimento de novos
tipos de sistemas associados a fármacos. Estes são, na sua concepção, ferramentas mais
inteligentes e seletivas por sua escala de dimensões nanométricas e propriedades especiais de
direcionamento, dentro dos organismos vivos, no tratamento de doenças complexas, graves, e
mesmo para melhoria da eficácia de drogas já utilizadas na terapêutica (adentrando já no ramo
da nanotecnologia, que muitos chamam de nanobiotecnologias, mediante a aplicação de
fármacos). Assim, com respeito às “nanotecnologias”, acha que
- [...] as pessoas exageram e a idéia de algo novo traz consigo promessas mal
compreendidas e exageradas. A nanotecnologia nada mais é que o estudo de sistemas de
248

tamanho nanométrico e que por isso exige técnicas especiais de estudo, às vezes até muito
onerosos. Mas é importante dizer que muitos desses estudos já eram realizados antes, sem
que esse nome “nanotecnologia” tenha sido utilizado. Esses estudos só são possíveis hoje
pelo avanço das tecnologias de detecção ao nível atômico etc.

E complementa:

- [...] a nanotecnologia não tem o mesmo impacto da modificação genética, por


exemplo, que realmente altera a natureza. A nanotecnologia é mais uma ferramenta e que
tem aplicações interdisciplinares [...] atualmente o homem tende mais para uma
reengenharia radical do homem que tende para a necessidade de modificar o corpo e de
desenhar sua própria identidade do jeito que quer, mas ao mesmo tempo aumentou nos
últimos anos a consciência sobre os riscos para o equilíbrio tênue do artificial x natureza.
O ponto de vista de ECTE também denota o caráter de “meio” apropriado para a nano,
mas vai mais além e nos dá o que pensar com sua visão bastante otimista. Ele assinala que:
- [...] podemos dizer que toda vez que se introduzem novas mediações (sejam simples
técnicas ou grandes tecnologias), os homens terão tantos ou “n” graus de liberdade a mais
para serem diferentes uns dos outros e para afirmarem suas diferenças. Marx dizia na
Ideologia Alemã que os homens só poderão ser verdadeiramente diferentes, criadores e
livres, quando tiverem uma tecnologia avançada e, conseqüentemente, ilimitados graus de
liberdade [...] com as tecnologias atuais de reprodução assistida, temos gente nascida de
uma mãe genitora que deu seu óvulo para outra mãe de aluguel que carregou o embrião até
seu nascimento, e uma terceira mãe social que cria e educa esta criatura. Três mães e um
bebê. Veja que beleza, um mundo diferente de relações. Diferenças se pondo cada vez mais
demandando o reconhecimento e todos os direitos de ser diferente. É o mesmo homem, mas
diferente, nunca igual, nem quando saímos de uma só mãe [...]

DCSB, que atua diretamente com o setor da economia na empresa não vai longe, nos
fazendo repensar a relação homem-natureza e a nos perguntar: “O homem é natureza, é parte
dela, ou não é natureza?”. O entrevistado, em questão, afirma que concebe a nanotecnologia:
Como uma reengenharia radical do homem que tende para a necessidade de
modificar o corpo e de desenhar sua própria identidade do jeito que quer. A nanotecnologia é
uma prova de que o homem tenta adaptar a natureza de acordo com suas necessidades [...]
Creio que seja a adaptação do meio ao homem. O uso de células-tronco é uma forma de
corrigir possíveis imperfeições existentes na natureza. Adaptações da natureza às
necessidades do homem.

BDSP, falando do lugar das ciências sociais, conclama para estas discussões as idéias
de Latour, para quem a técnica é representada por meio de um saber-fazer e a cognição deixa
de ser o agente central de uma ação para ser um dos atores envolvidos numa rede dada -. Ela
entende que: - “A natureza humana é uma construção social, histórica. Como a noção de
natureza em geral. Vide Latour. Para ele existe são naturezas. E quanto à questão da
249

implicação da nanotecnologia com adaptações, questiona se não podem ser as duas coisas,
num processo interativo.
Uma posição que ressalta o papel do homem na natureza, mais do que necessidades de
adaptar o meio a si, é a que apresenta de forma muito tranquila PDFM, que como físico
trabalha há um bom tempo diretamente com a nano e suas aplicações. Ele recomenda um
balanço favorável entre os riscos e benefícios envolvidos, no sentido de um utilitarimo
altruísta, em que a nova técnica seja capaz de maximizar os benefícios, afirmando que não vê
– [...] uma evolução muito diferente da observada no século passado, com o surgimento da
energia nuclear e o advento dos computadores, por exemplo [...] Diz ainda que é
extremamente favorável ao desenvolvimento da nanotecnologia (na nossa visão, concebendo-
a como ferramenta). Para o pesquisador: - Os benefícios serão imensos! Os riscos também.
Tudo estará dependente de como nações, principalmente as desenvolvidas, conduzirão esta
questão!
Com o desenvolvimento das ciências físicas, que foi simultâneo ao desenvolvimento e
avanço das instrumentalidades, cada vez mais sofisticadas e eficazes, esperávamos mais
posicionamentos sobre a importância específica e a tarefa da nanotecnologia frente às
condições da vida e da ação, diante do quadro de muitos produtos que invadem a vida e que
não deveriam ser - ao menos pensamos - indiferentes aos assuntos humanos. Este foi um bom
motivo para consideramos que devemos dedicar atenção especial a tal situação e também
porque julgamos que experiência, natureza e instrumentação foram separados de modo
injustificável pela tradição, corte, em grau semelhante à cisão natureza-homem ou à natureza
cultura, oposições que trouxeram consigo um sem número de problemas já apontados nos
capítulos anteriores.
Ante tais retornos, apontamos alguns tipos acentuados de problemas em evidência: 1)
problemas práticos, que são os problemas e as pressões da vida cotidiana: 1) problemas
teóricos, que são os problemas dos quais se ocupa a ciência e a técnica; 2) problemas de
valor, que compreendem as circunstâncias nas quais é preciso saber o que é a coisa e o que se
deve fazer em relação a ela; 4) e os chamados problemas de fato, em que há um esforço por
descrever algo.
Pudemos verificar que com relação à nanotecnologia, como em cada tipo de problema
com que se deparam os seres humanos, para sua resolução, é empregado um padrão comum
que não está inscrito em nenhum código normativo ideal, senão que é o resultado empírico
que tem acompanhado e feito a espécie humana ao largo de sua constituição, lembrando que
250

os mecanismos que regem o processo evolutivo continuam sendo discutidos, como também é
objeto de debate a sua sustentação nas leis que encontramos nas teorias biológicas. Existem
novas reflexões sobre o conhecimento humano, como estratégia de resolução de dilemas da
vida, mas de modo geral não se remetem às raízes biológicas, capazes de abrir outro caminho
para a compreensão do significado das ciências naturais, a que, por conseguinte, abram
também para definir o das ciências humanas e sociais. Pensamos que esta realidade talvez nos
tenha mostrado uma oportunidade de abandonar de modo definitivo velhas perguntas
substituindo-as por outras novas, mediante acordos com a natureza, a vida e a cultura humana,
que tenham relação com a capacidade de decisão sábia, consciente e solidária dos seres
humanos, os verdadeiros protagonistas com falas e ações deste poder da natureza.
Consideramos que conhecer mais sobre nanociência, sobre nanotecnologia, neste
aspecto, de um modo que se possa debater com mais fluidez as questões em torno a estes
campos, discutir conceitos de forma descomplicada e encontrar formas de fazer coisas
parecidas na vida cotidiana com os modos próprios dos cientistas e parecidos com os produtos
que estão na sociedade, é um bom passo para a partida. São procedimentos simples, ágeis,
colaborativos, imediatos (quanto à urgência do momento) e, ao modo de falar pragmatista,
eficazes em sua contribuição como instrumentos capazes de redefinir ou recolocar questões
novas sobre a vida, a técnica, a ética e sobre os seres humanos, que hoje são objeto de
discussão em todas as áreas do conhecimento, cujas preocupações já seguem além da ética do
‘grande’, do ‘concebível’, do ‘mensurável’, do ‘palpável’.
Não se trata aqui de investigar a origem e o desenvolvimento de posicionamentos e
mais posicionamentos, enquanto tais, que têm sido examinados sempre que surgem dilemas
afrontando a normalidade, já bastante perscrutados por muitos autores atuais nos debates que
abarcam a relação técnica-ética. É importante que se examine a capacidade que alguns deles
possam ter de iluminar problemas específicos à relação nanotecnologia-ética, no modo como
se vincula com interesses e manifestações que hoje se apresentam como problemas de todos
os homens.
Acreditamos que obtivemos algum sucesso revisitando as idéias manifestadas quanto à
capacidade de tomar decisões e quanto ao caminho a seguir para responder a algumas
perguntas que, de certo modo, foram bastante freqüentes neste estudo. Reportando-nos
constantemente a tais perguntas - porque diante de algo tão inusitado não conseguimos deixar
de fazê-las e porque não temos ainda a lucidez para entender se muitas delas já têm ou não a
resposta - pensamos como Agamben (2002, pp. 273-287), que as questões problemáticas se
251

tornam mais claras se as reformularmos como perguntas sobre o significado das palavras.
Nesta direção, nos parece que Agamben caminha a partir do campo “poder” aberto por
Foucault, acolhendo caminhos apontados por este filósofo e por Benjamin de interrogar
tematicamente a relação entre “vida nua” (vida sem nenhum valor) e “política” que governa
subliminarmente as ideologias da modernidade.
Agamben tenta forçar que o político seja extraído de sua ocultação e, ao mesmo
tempo, restitua o pensamento à sua vocação prática, abordando as relações biopolíticas
existentes entre a “vida nua” e a “soberania” na história política ocidental. A partir dessas
relações, esclarece de que forma o advento da pólis assinala, pelo princípio ontológico de
exceção constitutivo da “soberania”, a inclusão por exclusão da zoé na pólis, da “vida nua” no
ordenamento jurídico, a contribuir nas discussões que giram em torno a problemas que
continuam atuais e a que sejam solucionados.
Precisamos pensar que, com a emergência da nano muda de forma significativa o
modo de viver nas sociedades contemporâneas e nas relações entre todos os atores envolvidos
nos mais diversos campos de trabalho. Basta aqui apenas lembrar que a chamada “terceira
idade” hoje é também do tempo do computador e pessoas desta faixa etárias estão cada vez
mais tendo acesso a informática e à Internet.
Precisamos pensar a técnica de outro modo diferente do que a temos pensado, no
sentido da reconciliação do homem com a natureza, da natureza consigo mesma, do homem
consigo mesmo. Temos certa dificuldade em dizer o que a técnica é, mas, mais do que pensar
que o homem triunfa sobre a natureza, é possível dizer que a técnica seja este processo mesmo
da natureza aperfeiçoar-se, uma vez que se vê forçada a fazê-lo no sentido de cuidar de si
mesma, do que criou e cria, no sentido da vida seguir em frente.
Necessitamos compreender o significado dos questionamentos em torno à relação
entre a nanotecnologia e as preocupações éticas, sobretudo, para ampliar nossa capacidade de
reconsiderar as oposições binárias que estão acompanhando as interpretações a respeito desta
tecnologia. Quase sempre implícitas nos efeitos da técnica sobre o homem, esta tendência
perturbou em demasia, a que se queira sair da velha discussão entre natureza e natureza
humana, natureza e cultura, técnica do bem e do mal e entender igualmente o que pode
significar a anulação surpreendente dessa bi-polaridade, pois a exclusão de quaisquer
dimensões importantes da condição humana produz, por certo, conseqüências éticas
importantes, dentro e fora do âmbito das teorias científicas.
252

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo possibilitou-nos ir além do conhecimento que tínhamos a respeito de


nanotecnologia. Foi-nos possível, por nos sentirmos estar participando do início de algo como
uma “nanoaventura”, já dominada por experts no assunto, também avaliar como a
universidade, a sociedade e as pessoas em geral (elo que foi simultaneamnete se estreitando)
estão reagindo às transformações técnicas que vêm ocorrendo no seu entorno, seus
comportamentos e esforços para se adequar à nova realidade, quando têm esta possibilidade.
Não apenas constatamos que ainda existe dificuldade em conectar a técnica com a
ética e, sobretudo, a natureza com a técnica, mas avaliar algo dessa natureza permitiu-nos
destacar alguns dos nossos próprios pontos fortes e fracos no estudo que fizemos, bem como
nos trouxe oportunidades de melhor conduzir a discussão a respeito da hipótese que nos
acompanhou desde que nos interessamos pelo assunto, porém com linhas mais seguras, novos
caminhos teóricos capazes de proporcionar novas trajetórias institucionais nos âmbitos
científico, tecnológico e de relação com a sociedade. Além disso, hoje vemos a diferença
enorme no que se refere às fontes que existem agora e o crescimento das pesquisas em relação
a quando começamos a ensaiar este estudo. A aplicação de tecnologias inovadoras nos
últimos anos fez com que as divulgações sobre nanotecnologia assumissem maior relevância,
tendo em vista a necessidade de fazer avançar o conhecimento, testemunhas que somos da
ignorância imensa que havia sobre o mesmo no início desta pesquisa e que em boa dose, ainda
existe, fora dos centros de pesquisa e das equipes institucionais que lidam com a questão.
Enfatizamos ainda que, nos dias atuais, as conquistas no campo da nanotecnologia dão origem
a um outro vasto campo de questões éticas e morais, porque estamos novamente colocados
diante do impasse humano que perdura em todos os tempos: O que é a técnica?
Dado o desdobramento que o estudo foi tendo, parecíamos estar presenciando o
ressurgimento de um novo Prometeu, em que o homem, e não um deus menor ou um titã118

118
Os titãs são denominados deuses menores, não primordiais, porque se referem, nos estudos mitológicos, aos
antigos deuses que antecederam o reinado de Zeus. Originalmente, eram filhos dos primitivos senhores do
universo, Gaia, a Terra, e Urano, o Céu. Trata-se, contudo, de uma série de divindades muito antigas, da segunda
geração dos deuses gregos, descendentes de Urano, que, por uma razão ou outra, continuaram a ter uma certa
vigência dentro da mitologia grega clássica, destacando-se na sua ascensão ao poder, por ousarem enfrentar o
próprio Zeus e os deuses olímpicos, ou seja, os supremos entre os deuses, e que sucederam os titãs. Apenas para
enriquecer tais esclarecimentos, observamos que as divindades em geral estão presentes nas obras de Homero, o
que nos possibilita conhecer seus hábitos, características e costumes, além de nos transportar ao Olimpo ou à
morada divina, fazendo-nos de algum modo, ter uma idéia do cotidiano dos seres ditos imortais.
253

premeditador, desta vez roubou a sabedoria da intimidade da matéria, roubou o âmago do


próprio fogo. A sensação primeira assinalava que mais tarde ou mais cedo poderia se produzir
uma coisa estranha, profana, mas ímpar e magnífica, capaz de reorientar o espírito inventivo
dos homens para se defenderem da morte e de si mesmos (na esperança de alcançar a
perfeição, poderes e imortalidade dos deuses).
Novos desafios à escala humana foram colocados, porque um mundo, até então mais
imaginado que explorado pelo conhecimento, tornou-se possível, de uma parte,
reacendendendo preocupações éticas para garantir a sobrevivência não apenas do homem,
mas de todos os seres, da terra, do Universo inteiro. Tornou-se cada vez mais evidente que o
desenvolvimento das sociedades passou a depender cada vez mais da produção e aplicação do
saber, do conhecimento, conclamando a humanidade inteira a uma urgência em discutir os
caminhos para mudar sua forma de viver, a que possamos continuar ‘morando’ no Planeta. A
cada momento surgem novos problemas que exigem respostas novas no que diz respeito à
análise e compreensão da experiência convivencial com a nanotecnologia e com as próximas
técnicas que possam surgir.
Todos os mais recentes passos da ciência têm vindo com grandes questionamentos
éticos, como os que fizeram eco junto aos avanços da biologia molecular, da biotecnologia, da
física quântica e, agora, da nanotecnologia. Com este estudo, pudemos nos inteirar melhor da
complexidade que envolve os fundamentos da nanotecnologia, para podermos afastar
preconceitos morais, religiosos, ou sentimentos inconsistentes de medo em relação aos seus
possíveis avanços.
Existem para todo mundo, atualmente, muitas questões sobre a ética-técnica e nós
muitas vezes ficamos petrificados perante elas, como se estivéssemos presos ao olhar da
medusa, sem conseguirmos extrair deste olhar um aprendizado para entender o que está
acontecendo, a que possamos ter uma visão melhor do conjunto de elementos e dados novos
apresentados. Existem modificações do retrato do mundo com a introdução da nanotecnologia
em relação ao ato da medição (mais manipulável diante de uma maior intimidade entre o
observador e os objetos), ao novo papel atribuído ao observador e aos equipamentos de
observação e medição inusitados, como representam, por exemplo, tanto um microscópio de
força atômica quanto um nano Ipod, a trazerem questionamentos sobre o que somos e o que já
não somos a partir da convivência crescente com técnicas minúsculas e que cada evz mais se
parecem com coisas de nós mesmos, com a vida.
Se sabemos o que ainda somos, contudo, já não somos mais a parte de um sistema que
254

nós observamos ou com o qual nós interagimos, ou um habitante interno e retido às suas
fronteiras; nós podemos não apenas observar todo esse sistema e a relação do exterior/interior,
mas também intervir, criar, recriar, afetar e mudar, concebendo as novas imbricações em
termos de uma necessidade também estética associada à medição. As marcas destas incisões
são bastante evidentes, por exemplo, em anúncios do surgimento de novos produtos, mais
úteis, práticos, leves e econômicos do que os que conhecemos resultantes das pesquisas em
nanotecnologia. Chamamos a atenção que aqui a invisibilidade está relacionada à arquitetura
da leveza do menor, como uma propriedade detentora de um ‘novo poder’ a expressar um
novo ângulo da profundidade da natureza, como na obra de Kandynsky (Figura 23).

Figura 23: "No azul", de Kandinsky (1866-1944).


Fonte: Art.com. Disponível em: <http://www.art.com/asp/sp-asp/_/pd--10020013/Blue.htm>. Acesso em
22 de outubro de 2007).

Ao mesmo tempo em que a nanotecnologia possibilita o acesso a estruturas cada vez


menores, coisas mais lá do ‘fundo’, lembrando Feynmann, aumenta, também, a capacidade
humana de trabalhar com elementos numa nova escala igualmente menor, o que potencializa a
elaboração de novas idéias e explicações.
Temos algo de novo até na relação da teoria com a prática, e uma ilustração disso está
na quase indistinção entre nanociência e nanotecnologia, não satisfatoriamente bem
delimitadas ainda, de modo que a separação entre teoria e prática parece desaparecer
totalmente. Por sua vez, o arsenal prático em seu conjunto, ou seja, a tecnologia “trabalhando
no mundo” afetou a ciência e suas experiências, fazendo da ciência um laboratório em escala
magistral e uma incubadora de novas e outras tantas novas perguntas que traz a si mesma,
255

num “circuito sem fim”. Isto foi, de certo modo, fascinante para nosso estudo!
Confirmamos Jonas quando nos faz ver, que na atividade da ciência está o homem, e
esta segue sempre mais e mais impulsionada por sua aspiração ao conhecimento.
Seguramente, como o filósofo nos faz ver, esse “eros teórico”, antes voraz pela verdade, é
agora arrojado pela tecnologia que o incita a expandir-se por todos os poros. Mas se disso
resultou o desenvolvimento acelerado de um conjunto de atividades de pesquisa que se
mostram cada vez mais sutis, mais finas, fazendo com que os objetos sejam muito mais
diversificados e ricos em modos de funcionamento, o que consideramos relevante e deve ser
celebrado sem presunção, é que nosso pensamento já consegue mergulhar num campo de
dimensões que antes não alcançávamos fora do campo da imaginação. Ora, isto representa um
desafio de porte até mesmo para o mais fértil sonho, mas ao mesmo tempo ameniza o que
aparenta ser extraordinariamente inalcançável e fictício na nanotecnologia, colocando rumos
para podermos acompanhar algo que queremos que seja mais do que uma quinta ou última
revolução, queremos um revolucionar, como diz Jonas (Idem, p. 24), de “nuestra propria vida
en su aplicación práctica a través de la técnica”.
No que se refere a dificuldades encontradas na delimitação das coisas nano, em seus
contornos particulares, questionamentos existentes em relação à nanotecnologia, assumem
importância para que se possa avaliar as relações que existem entre os desafios de um mundo
que começa a ser povoado por coisas “fabricadas” de outra forma. Já se pressupõe que as
implicações serão mais relevantes de algum modo, mudarão – e já têm mudado
significativamente - o jeito de viver em sociedade, o modo de viver de cada um, os valores e
princípios de vida, principalmente, no que se refere às significações que as tecnologias em
escala nanométrica acabam por constituir à existência, como se saíssemos de uma terra de
gigantes para um mundo de pigmeus. Convivemos inegavelmente com um grande
desenvolvimento tecnológico sem precedentes, que se por uma parte tem propiciado uma vida
mais confortável para o ser humano, acesso tornado possível para muitos de nós, por outra
leva a uma organização de mundo em que as próprias relações inter-humanas não são mais
pensadas sem a mediação tecnológica. Lembramos que se antes não tínhamos fácil condição
de acompanharmos os acontecimentos do mundo, hoje já ficamos sabendo de tragédias por
enchentes, de assassinatos, de tráfico de crianças, da miséria de muitos povos, enfim, pelo
rádio, televisão ou jornal, sem falar em internet, quase que simultaneamente. Muitos povos
considerados desprovidos em termos de recursos para pesquisa e avanço da ciência - o que
representa um grande questionamento para alguns economistas -, produzem tecnologia de
256

ponta e fazem frente até ao próprio armamento norte-americano sem que se saiba com
garantia como eles desenvolveram tecnologias e atividades de investigação.
Não fosse a tecnologia necessária, não tivesse mesmo um potencial mediador, teria
sentido falar tanto como se fala atualmente em “inclusão digital”, um apelo que cada vez mais
ultrapassa e se estende até abranger o mundo inteiro? É o que está acontecendo em muitos
países, como no Brasil. Este grau de coisas, que emergiu já com a modernidade, preocupou
demasiadamente a Hans Jonas (1995, p. 40) em seu imperativo, formulado como age de tal
forma que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida
autêntica sobre a terra. Entretanto, tendo ciência de que o homem não pode viver sem
explicar o mundo, supomos que também não consegue ainda viver sem medidas e à falta de
consciência ordenadora das coisas, quando sente uma responsabilidade nova.
Uma vez que falamos em responsabilidade, nos reportamos aos processos de
precaução que se manifestam quando se trata de alertar para os perigos do emprego de uma
técnica, sem que haja responsabilidade para com sua influência. Não é nossa pretensão definir
de uma vez o campo dos perigos, riscos, vantagens e desvantagens da nanotecnologia como se
a mesma coisa que indicarmos determindas conseqüências apenas pelo odor ou por nossas
impressões visíveis. Neste sentido, como lembra Duque (1986, p. 243), nossa época “não é
em absoluto a era atômica”, época que muito valeu para a ciência mecanicista, tampouco é
seguro afirmar qualquer coisa a respeito do viver num mundo em que novas propriedades
serão geradas a partir da intimidade da matéria, e em que se avançou em relação às
representações do universo da forma euclidiana tridimensional, como fomos habituados a
pensar desde a infância.
A rigor, talvez possamos dizer que nunca nos defrontamos tanto, como na
contemporaneidade, com a aproximação finitude-infinitude. Tampouco, já não se afirma mais
com solidez que as coisas e fenômenos são formados apenas por matéria, enquanto referência
a objetos físicos, nem que matéria e energia são coisas opostas ou o que moldam o nosso
Universo, embora sefale agora emo em “ondas” e “partículas”!
Diante do clima de imprecisões que vivemos, é um grande desafio procurar respostas
para a pergunta: O que é que faz tudo ser o que é? Em momentos assim, precisamos contar
com razão, com imaginação e com o inimaginável. Shakespeare já disse que existe mais
“mistério” entre o céu e a terra do que podemos imaginar. Esse “mistério” tem incitado o
homem a agir, a buscar sempre um “facho de luz” para não se sentir vencido perante o
desconhecido!
Nos valeu muito termos termos buscado ampliar certos horizontes para os seres
257

humanos se sentirem menos contrastados à natureza, como seres privilegiados, e também


averiguado a possibilidade de recuo de oposições que perduram entre natureza e cultura,
natureza e técnica, matéria e energia e entre observador, instrumento e observado, como tem
sido pensado durante anos e anos. Com relação à polaridade matéria-energia, mesmo quando
há predisposição em conciliá-las, como a física quântica nos parece ter tentado fazer com a
dualidade onda-partícula, defrontamos-nos ainda com a idéia de substâncias opostas e com
um sistema que supõe a natureza sujeita a influências exercidas por circunstâncias imprevistas
e forças incontroladas ou ocultas. Julgamos que elas possam resultar, por necessidades
racionais mesmo, para justificar a ausência de grandezas mensuráveis, às quais não se tem
qualquer acesso direto. É preciso esclarecer que notamos que isso se dá particularmente em
algumas interpretações da mecânica quântica, mais especificamente no que se refere à relação
possibilidades-indeterminismo (descrição essencialmente probabilista) e determinismo
(inerente à física clássica), quando olhados sob a perspectiva de culturas distintas.
Para peregrinar há que se ter em conta que não se trata apenas do ato de caminhar (no
caso da peregrinação a pé), ou executar um trajeto com um determinado número de
quilômetros; é reconhecido que peregrinar carece caminhar-se motivado “por” ou “para algo”.
A peregrinação tem, assim, um sentido e um valor acrescentado cuja descoberta é necessária a
cada pessoa que a executa.
Parte de nosso estudo debruçou-se sobre alguns importantes domínios das técnicas
mais radicais, como a biotecnologia e a nanotecnologia, feitas sob o emblemático desígnio do
fim do humano, ou do que alguns designam como o “trans-humano” ou o “pós-humano”,
sobretudo diante das novas possibilidades de manipulação da natureza ao modo como a
própria opera é algo. O ser humano, que se habituou a pensar a vida por um processo
evolucionista e determinista para o meio e para o momento dos acontecimentos, com base em
fatos biológicos predeterminados e na identificação da vida biológica com a vida social e
política, portanto explicáveis, debate-se de novo com a indecisão quanto ao que ele próprio é
e sobre sua sobrevivência como espécie humana. Sobre este dilema, temos ainda a
desconfortável distância para afirmar com segurança, a arriscar uma resposta definitiva, tarefa
deixada para quem ousar tomá-la em suas mãos!
O ser humano na sua vida se mostrou sempre um peregrino: um ser em busca de si
mesmo, da sua própria identidade e da transcendência. O tempo da nossa vida é como uma
peregrinação que tem um ponto de partida, um caminho e uma meta a que devemos chegar:
somos homo viator, porque seres ligados à prática do caminho e à aprendizagem que essa
258

prática implica. Temos, afinal, a viagem intrínseca ao nosso dia-a-dia, extraindo daí o saber
da ciência. A moral é, pois, um caminho do homo viator, mais um dos processos de auto-
realização do ser, daquilo que estamos constantemente “chamados a ser”, a existir. Existir, em
sua etimologia - ex sister - é “sair de um lugar para outro”, isto é, somos alguém que caminha,
portanto, tendo um horizonte, com um sentido. Inerente à nossa “caminhada” vital temos além
dos companheiros de estrada objetivos, rumos, horizontes, sonhos, utopias etc. uma nova
tecnologia que aperfeiçoou a natureza e a aproximou mais de nós mesmos, possibilitando ao
homem caminhar dentro de si mesmo e no extramundo.
Seres humanos viajantes que somos, já capazes de ver melhor em nós mesmos um
fragmento de escala nanométrico da natureza - que nós nunca deixamos de ser -, podendo
olhar dentro de nós, mergulhar na nossa maior intimidade, nos parece que dá em resultado
uma ocupação ética com o mais sutil da vida, com as mais finas ações, e talvez esta seja a
ética da nano. Evidentemente, da escolha do caminho depende a grandeza ou a mesquinhez do
ser humano. Esta viagem que elimina fronteiras entre macro, micro e nano (e outras mais...), é
agora dada com passos mais precisos para a travessia da própria vida, com seus percalços e
tropeços, e por isso a ética dos passos para lidar com a técnica do cristal da vida é algo de
muito precioso com que devemos nos preocupar.
Por isso, para nós, a diferença fundamental que há agora na idéia de homo viator, é a
de que o ser humano não é tão somente um mero passante pelo mundo: homem e mundo,
objeto e sujeito da travessia, coisas estanques; mas se atravessam e vão concretizando novos
mundos e novos seres ao longo desta travessia em que ambos se fazem, se desfazem, se
refazem e mudam as concepções de natureza.
Com o avanço das ciências físicas e das ciências humanas, temos então que
reinterpretar o que a tradição do homo viator nos foi legando. Reinterpretar supõe uma nova
linguagem, nova terminologia, novo olhar, novo modo de pensar, de dizer, de fazer. Max
Scheller, um admirador de São Francisco, entendia que o ser humano sofre de uma empatia
estruturante enquanto um “ser-para-os outros”. “Um sendo em busca do Ser” (Heidegger).
Scheller se considera um “homo viator”, um viajante do “sumo bem”. Sofremos todos de uma
empatia, um sentir comum (emphatein) que nos impulsiona para a busca do outro, e vice-
versa. Habilita-nos a sermos nós mesmos, peregrinos por nossa livre auto-realização ética e
heterônoma. No começo do século XXI, ainda seguem valendo as palavras que Max Scheler
escreveu há quase uma centúria: «En la historia de más de diez mil años somos nosotros la
primera época en que el hombre se ha convertido para sí mismo radical y universalmente en
259

un ser "problemático": el hombre ya no sabe lo que es y se da cuenta de que no lo sabe».


Então, nossas seguranças e nossa própria existência cambaleiam frente à pergunta pelo
destino final do humano, ou pelo fim do humano, que ressurge com toda sua força: Qual é a
meta última de nosso caminhar? Qual tem sido? Se somos vida, natureza, nossa meta com a
técnica é de sempre transformá-las, não para pior, mas para melhor. Ao falar da temporalidade
do ser humano, caracterizando-o de homo viator, sua identidade se encontra precisamente em
sua capacidade de chegar sempre aonde nunca chegou. E o homem chegou ao mais profundo
de si mesmo.
Por isso, nossas decisões atuais em relação à nanotecnologia, à técnica de modo geral,
devem contribuir para preparar o presente que, sem dúvida, permanece sempre, em último
termo, como novidade imprevisível que é gerada pelas livres decisões vindas dos indivíduos.
Todo o obrar é para um ser errante uma forma de lhe ser dado compreender mais vivamente
sua condição essencial de “desterrado” no mundo, em direção à perenidade de um futuro
vivido a cada passo, equilibrista no fio da tensão constante do ser individual, que intenta
rebaixar seus limites para encontrar-se a si mesmo no mundo e nos outros, e cada vez
descobre que seus limites são mais amplos do que acreditara até então.
Acreditamos que nosso estudo possa despertar e aguçar outros quanto ao modo de
analisar a relação natureza-vida-técnica-ética-homem, dar hoje novo sentido às nossas ações,
contribuir para que os projetos de cientistas contemplem preocupações e reflexões que se
ocupem das mudanças do ser humano com suas representações, vínculos, sentimentos e novas
formas de pensar em todas as fases da vida. Isso é necessário para que possam ser abertos
espaços mais amplos, para que os cidadãos em geral melhor se situem, acompanhando o
desenrolar das criações científicas e técnicas, tomem decisões sobre o que representa para si
mesmos passar a conviver com uma tecnologia da ordem do bilionésimo e não mais do metro,
do macro nem do micro, saibam situar melhor o “é” e o “deve ser”, a tomarem nas mãos com
mais firmeza e conhecimento de seus próprios destinos. O problema agora talvez não seja
tanto o de sair a buscar a ética da nano, mas o da falta de conhecimentos básicos da
matemática para ultrapassar a cultura do metro e dominar o conhecimento necessário que nos
permita decidir de forma sábia, consciente e com segurança o cotidiano em que vamos viver a
escala nanométrica do seu projetar.
260

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278

ANEXOS
279

ANEXO A

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA


DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E CIÊNCIA POLITICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS
HUMANAS

ÁREAS DE CONCENTRAÇÃO: Condição Humana na Modernidade CHM)

ORIENTADOR: SELVINO J. ASSMANN


DOUTORANDA: MARISE BORBA DA SILVA

Questionário da Pesquisa de Doutorado: NANOTECNOLOGIA E A CONDIÇÃO


HUMANA NO FUTURO: a radicalidade técnica contemporânea, os questionamentos
éticos do homo viator e a visão de natureza

Instruções de preenchimento: Este questionário é de caráter dirigido, parcialmente


aberto/parcialmente fechado e de feitio qualitativo, tendo um espaço para observações e
sugestões as quais, solicita-se, devem ser digitadas no campo para este fim. Alguns contatos
poderão ser feitos pessoalmente, usando-se a gravação caso o (a) pesquisado(a) concorde.
Solicita-se que o questionário seja enviado para o e-mail da autora: marise@matrix.com.br (à
época).

POR FAVOR, VOCÊ PODE DISPOR DE ALGUNS MINUTOS PARA RESPONDER ÀS


QUESTÕES PROPOSTAS, TENDO EM CONTA A ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR
E COLETIVA DA TEMÁTICA? MUITO OBRIGADA!

QUESTIONÁRIO

1. Considerando o que já ouviu falar ou sabe a respeito, o que é para você “nanotecnologia”?

2. Biotecnologia, transgenia, tecnologias de reprodução assistida, clonagem, células-tronco,


nanotecnologia e, mais recentemente, nanobiotecnologia. Qual é o diferencial que você
confere à nanotecnologia comparativamente às demais tecnologias: você concebe que esta
inovação poderá resultar em uma transformação radical do que são os seres da Terra ou do
que podem vir a ser?

3. Se é possível, mediante a nanotecnologia, manipular os átomos, na sua opinião, quais


280

conseqüências podem automaticamente decorrer para a sociedade, levando em conta os


avanços da pesquisa que envolve potenciais aplicações industriais, nos setores de alta
tecnologia, na medicina, na defesa, no campo da alimentação e da agricultura etc? Você
considera que o papel da nanotecnologia pode diminuir ou aumentar as desigualdades sociais?

4 Quando a técnica não mais representa um processo interessado e dirigido de domínio do


homem sobre a natureza, mas a modificação do que até então concebemos como a própria
natureza, como você interpreta a intervenção da nanotecnologia no ambiente? Com base nos
argumentos que carregam a promessa de solução decisiva dos problemas ambientais ou de
que podem causar dramáticas mudanças na agricultura, por exemplo, você coloca a
nanotecnologia mais no âmbito de vantagens ou de riscos?

5. É cada vez mais crescente a fusão entre o orgânico e o inorgânico, “a Era das Mesclas, de
hibridações de natureza e artifício, de carne e mente...”119, o que nos faz pensar em formas de
vida mistas: biológicas e mecânicas. Como você melhor identifica, então, a natureza humana:
como uma luta pela natureza ou a favor dela; como a vontade do homem em se diferenciar do
animal irracional; como a própria luta do homem contra a "sua" natureza de ser humano;
como uma reengenharia radical do homem que tende para a necessidade de modificar o corpo
e desenhar sua própria identidade do jeito que quer; como uma nova relação de
responsabilidade com a natureza; como um alívio para todos os impulsos humanos
condenáveis e perigosos contra os quais lutamos, ou como um necessário equilíbrio entre
homem e natureza?

6. As nanopartículas são partículas de magnitude nanométrica. Para Christopher Lampton120,


“existem poucos limites para o que a nanotecnologia pode fazer”. Pensemos em uma
nanopartícula introduzida no organismo por uma necessidade de complementação, de
ampliação ou de um aperfeiçoamento artificial do corpo natural. Qual sua posição crítica
frente à incorporação da nanotecnologia: você considera que se trata de uma adaptação do
homem ao meio ou de uma adaptação do meio ao homem? Por quê?

7. Existem vertentes argumentativas de que a nanotecnologia favorecerá a ameaça de “grey


goo” (nanopartículas ou nanomáquinas se auto-replicariam, produzindo cópias de si mesmas),
não se tendo garantias do controle sobre o resultado disso, como no caso de uma
contaminação do meio ambiente, de aplicações militares ou de maior controle sobre o

119 Luis Alberto


OLIVEIRA, . Nanotecnologia assemelha homens e máquinas. Ver em:
http://www.comciencia.br/entrevistas/nanotecnologia/oliveira.htm.
120
LAMPTON, C. Divertindo-se com Nanotecnologia: construindo máquinas a partir de átomos. São Paulo:
Berkeley, 1994.
281

comportamento humano. O que você pensa sobre isso: as nanopartículas teriam mesmo o
poder tecnológico de nos precipitar a tal indeterminação?

8. O que você pensa a respeito dos limites éticos e legais, face aos novos conflitos, para o
desenvolvimento científico e nanotecnológico? Tudo leva a crer que ele exige, além dos
acordos sobre princípios éticos, intervenções reguladoras. Você considera que a
nanotecnologia poderá contribuir para tornar os homens melhores do ponto de vista moral e
ético?

Alguma observação ou sugestão?


_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________

Se quiser, identifique-se para futuros contatos.

Nome completo:
Titulação:
Profissão atual:
Endereço:
Telefones:
E-mails:
Muito obrigada por participar desta pesquisa! Com certeza, suas contribuições valerão para
que se possa definir com mais clareza e conhecimento de causa o rumo da nanotecnologia em
nossa sociedade! Serão especiais, porque estamos tratando de um assunto que é ainda pouco
compreendido, e para que possamos não ficar restritos ao âmbito do otimismo ou do
pessimismo mais radicais.

Marise Borba da Silva


e-mail marise.borba@terra.com.br
mariseborba@gmail.com

Florianópolis, Santa Catarina


fones: (xxx) 048 30251576 - 048 99122354.

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