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PSICOLOGIA DO

DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
Desenvolvimento
físico e psicomotor
na segunda infância
Maria Beatriz Rodrigues

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Caracterizar o desenvolvimento físico e psicomotor na segunda infância.


> Descrever os marcos de desenvolvimento motor na segunda infância.
> Reconhecer os aspectos que influenciam o desenvolvimento físico e psico-
motor na segunda infância.

Introdução
A segunda infância é o período que vai dos três aos seis anos de idade, dependendo
das diferentes teorias, e marca a crescente autonomia da criança. Ela adquire
controle e destreza sempre maior nos movimentos e na linguagem, tem seu corpo
mudado e se prepara para maior independência de pensamentos e decisões.
É um período de ingresso na escola, e os relacionamentos sociais tornam-se
fundamentais para o crescimento.
O desenvolvimento físico e psicomotor marca a criança dessa fase pelo aumento
de peso, altura, tamanho e funcionamento do cérebro e pelas capacidades e ha-
bilidades que vão sendo conquistadas a partir desse desenvolvimento integrado.
A criança fica mais sujeita a acidentes e provas constantes de suas destrezas, o
que exige dos cuidadores um equilíbrio entre permissão e proibição.
Neste capítulo, você vai estudar o desenvolvimento físico, psicológico, cogni-
tivo e motor. Quando falamos em desenvolvimento físico, pensamos somente no
2 Desenvolvimento físico e psicomotor na segunda infância

corpo, mas ele se associa estreitamente a outras esferas do desenvolvimento.


A segunda infância é marcada pela mobilidade crescente e pelos ganhos de
autonomia. Você também vai conhecer o significado de desenvolvimento físico
e psicomotor e seus marcos de desenvolvimento. Por fim, vai ver as influências
internas e externas, sendo estas últimas dependentes da constituição e do
ambiente da criança.

Segunda infância: desenvolvimento físico


e psicomotor
A segunda infância compreende o grupo de crianças entre três e seis anos
de idade e é conhecida como a fase em que o bebê se torna criança. Seu
corpo muda e o crescimento é acelerado, pois em poucos anos a criança
torna-se mais alta e ágil. Muitas transformações acontecem, e a expressão
psicomotricidade é a referência para integrar mudanças psicológicas, cog-
nitivas e motoras, difíceis de serem concebidas separadamente. Segundo
Fonseca (2008), psicomotricidade é um campo transdisciplinar que investiga
as relações entre a motricidade e o psiquismo. A criança nessa fase domina
a linguagem e é capaz de se comunicar e de expressar ideias e pensamentos,
pois reflete sobre o mundo e aprende por meio de sua grande curiosidade.
Aos três anos, a segunda infância já começa pela conhecida fase dos porquês,
em que as perguntas se sucedem em uma contínua descoberta do mundo,
dos fenômenos e das coisas. Os porquês permitem às crianças obterem
conhecimento sobre o que acontece fora delas. É como se percebessem
tudo pela primeira vez, e uma curiosidade puxa a outra. O desafio também
é para os adultos, que precisam responder tudo. Pode ser uma forma bem
divertida de lazer e aproximação entre crianças e adultos, propondo jogos,
adivinhações, desenhos, filmes, entre outras possibilidades.
O desenvolvimento físico na infância é marcado por aumentos conside-
ráveis de altura, peso e músculos. Quando bebê, o desenvolvimento físico é
mais acelerado e, posteriormente, por volta dos dois anos, vai desacelerando,
até um novo pico na puberdade (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013). Alguns
marcos são (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013):

„ em torno de quatro anos, a criança dobra a altura em relação ao


nascimento;
„ a altura cresce em torno de 5 cm ao ano;
Desenvolvimento físico e psicomotor na segunda infância 3

„ o ganho de peso é de mais ou menos 2,3 kg por ano;


„ o início da infância marca uma diminuição no tecido adiposo;
„ o tecido muscular se mantém em torno de 25% do peso corporal.

As variações de peso e altura, conforme o gênero, são pequenas, apesar


de os meninos terem mais massa muscular e serem ligeiramente mais altos
e pesados durante a infância. Esse crescimento e robustecimento serve aos
movimentos e às habilidades motoras que as crianças vão conquistando,
desde engatinhar, levantar e caminhar até correr, andar de bicicleta, jogar
bola, praticar um esporte. Aqui, demonstram também uma preferência por
usar a mão direita ou a esquerda (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013; PAPA-
LIA; MARTORELL, 2022). É curioso como nessa fase de crescimento o físico de
meninos e meninas são comparáveis. Posteriormente, eles mudam muito, e
essas transformações dependem de constituição, hormônios e diferentes
interesses.
As proporções corporais também mudam muito, se pensarmos que
bebês têm cabeças e troncos grandes e membros pequenos. Pelas taxas
de crescimento na segunda infância, as proporções mudam: o peito fica
mais largo, o abdome diminui, o crescimento ósseo é dinâmico e depende
das características de cada criança, das condições de saúde e dos cuidados
que teve. O cérebro aos três anos tem mais ou menos 75% do peso que
terá definitivamente. Aos 6 anos, atinge 90%. Depois dos quatro anos, o
córtex se desenvolve completamente, em função do processo chamado
de mielinização (desenvolvimento da mielina em torno aos neurônios).
A mielina serve para a transmissão de impulsos nervosos pelo sistema
nervoso, o que favorece movimentos complexos. A visão ainda tem limites,
pois o globo ocular só atinge o pleno desenvolvimento em torno dos 12
anos de idade, e a retina está em formação até o sexto ano (GALLAHUE;
OZMUN; GOODWAY, 2013).
Em idade pré-escolar, a criança tem mais papilas gustativas do que
o adulto, sendo especialmente sensível aos sabores, além de ter maior
proximidade entre os órgãos constituintes do ouvido, o que pode favorecer
infecções (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013). É por isso que as crianças
são mais sensíveis aos gostos, fazendo caretas quando provam pela primeira
vez um alimento ou rejeitando facilmente verduras e outras comidas com
gosto forte.
4 Desenvolvimento físico e psicomotor na segunda infância

Ainda que continue com sua grande plasticidade, o cérebro sofre muitas
transformações na segunda infância, com o crescimento das áreas frontais,
responsáveis pela capacidade de planejamento e metas. A plasticidade
se refere à flexibilidade das áreas cerebrais, e algumas ainda não estão
completamente especializadas. Se uma área está com problemas ou lesões,
se não for muito extensa, outra área pode assumir a função, se adequada-
mente estimulada. Há também um maior desenvolvimento do corpo caloso,
parte do cérebro que possibilita a comunicação entre os dois hemisférios
cerebrais e é responsável pela coordenação de sentidos, atenção e fala, e
sua mielinização continua até a adolescência (PAPALIA; MARTORELL, 2022).
O corpo caloso é um elemento do cérebro muito importante. Algumas ex-
periências demonstraram que, com intervenções cirúrgicas que separam
os dois hemisférios, os sujeitos da pesquisa mostraram quase como se
tivessem dois cérebros autônomos. Até mesmo a visão mudava, com os
olhos percebendo coisas diferentes ao mesmo tempo (BEAR; CONNORS;
PARADISO, 2017).
A atividade predominante do início da infância é brincar, que ocupa
todo o tempo da criança quando ela não está dormindo, se alimentando, se
higienizando ou cumprindo outras determinações dos adultos. O brinquedo
tem inúmeras funções, principalmente nessa fase da vida: aprendizagem
sobre os corpos e potencialidades, facilitador do desenvolvimento cog-
nitivo e afetivo, exercício da motricidade ampla e fina, desenvolvimento
do pensamento lógico e da abstração, etc. A criança vai adquirindo a
capacidade de pensar a partir dos outros e não somente sobre os seus
próprios pensamentos. No início da infância, as crianças são totalmente
egocêntricas. Essa fase é chamada de fase pré-conceitual, quando o
pensamento é concreto e as conclusões que chegam viram verdades
(GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013). No brinquedo, as crianças imitam
o que veem, inventam um mundo próprio, pensam a respeito do que
acontece em suas vidas, etc.
O desenvolvimento afetivo contribui com as mudanças, assim como se
beneficia delas, e seus desafios maiores são a autonomia e a iniciativa.
A busca por autonomia faz com que as crianças tendam a contrariar tudo
o que lhes é solicitado, tendo facilidade para dizer não, como se fosse
um exercício de liberdade mais do que de desobediência. A iniciativa,
por outro lado, vem muito atrelada ao desenvolvimento motor e à ca-
pacidade de correr, subir, pular, pegar e lançar objetos, etc. Se não for
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permitido esse exercício e a conscientização das capacidades, a criança


tenderá a sentir culpa, vergonha, incapacidade e frustração. As crianças
expandem seus horizontes rapidamente à medida que se tornam mais
seguras fisicamente. A imaginação e a fantasia as fazem criar um mundo
fantástico a ser explorado, e esse mundo vai propiciando a formação
e a estruturação da personalidade (FONSECA, 2008; GALLAHUE; OZMUN;
GOODWAY, 2013).
Os padrões de sono também modificam na segunda infância. Por volta
dos cinco anos, as crianças dormem em média 11 horas por noite e vão
abandonando as sonecas durante o dia. Os distúrbios de sono são frequentes
entre 1 e 5 anos de idade e podem ser causados por problemas cerebrais
situacionais ou permanentes, despertar incompleto de sono profundo,
problemas respiratórios e agitação das pernas. Esses distúrbios podem
ser associados à ansiedade de separação (já que a progressiva autonomia
é um dos desafios das crianças nesse período), má formação do aparelho
respiratório e sobrepeso. Crianças com deficiências e transtornos de apren-
dizagem parecem ter prevalência nos distúrbios de sono. Esses problemas
tendem a desaparecer com o tempo e muitos têm origem em problemas
comportamentais, como recusa a dormir e contínuos despertares noturnos.
As práticas ineficientes dos pais para o controle desses problemas ou a
falta de paciência com a superação podem agravá-los. Terrores noturnos,
sonambulismo (caminhar enquanto dorme), sonilóquio (falar enquanto
dorme) e pesadelos, se persistirem com a idade, precisam ser investigados
(PAPALIA; MARTORELL, 2022).
Os pesadelos são frequentes nesse período de desenvolvimento e são
associados ao temperamento da criança (se mais ansiosa e rebelde) e a
práticas nocivas de parentalidade, como brincadeiras agitadas, filmes
impróprios, histórias inquietantes, ameaças e sustos de diversos tipos.
Pesadelos que deixam marcas durante o dia, de medo ou pânico, podem
estar relacionados ao excesso de estresse e a problemas emocionais e de
conduta. Outro problema associado aos hábitos de sono é a enurese, que
é o não controle da urina durante o sono. Ela é frequente, e muitos casos
se resolvem naturalmente até os oito anos, mas outros persistem e neces-
sitam de auxílio especializado. As crianças não podem ser culpabilizadas
ou castigadas, sob pena de se sentirem inferiorizadas e discriminadas,
o que é muito prejudicial nessa fase de intensa socialização (PAPALIA;
MARTORELL, 2022).
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Quando as crianças apresentam problemas de sono, os pais se preocu-


pam, porque é difícil entender o que está se passando com elas quando
dormem. O problema geralmente se resolve sozinho, pois é algo transitório
e próprio da idade, provavelmente por causa do ganho de experiências, das
atividades, das novas exigências e das capacidades do corpo. Entretanto, o
medo deve ser investigado, pois pode ter causas emocionais ou ser motivado
por algum abuso sofrido pela criança. A princípio, é importante conversar
com a criança para tentar entender o que ela sente. Deve-se observá-la e,
se o problema persistir, buscar auxílio.
Nesta seção, vimos o desenvolvimento físico e psicomotor na segunda
infância (3 a 6 anos), pois ele possibilita a integração das capacidades
motoras, afetivas e cognitivas em um processo dinâmico e, esperanço-
samente, harmônico. A criança começa a conquistar a sua independência
e a tomar as suas próprias iniciativas e decisões, alicerçada em um
desenvolvimento físico (músculos, ossos, cérebro, etc.), cognitivo (pen-
samento lógico e abstração, conscientização e desenvolvimento de suas
capacidades mentais) e afetivo (maior consciência do outro, iniciativa
e autonomia). Na próxima seção, vamos estudar os marcos do desen-
volvimento motor, um dos responsáveis pelos atingimentos que vimos
nesta seção.

Marcos do desenvolvimento motor


na segunda infância
Na seção anterior, definimos o desenvolvimento motor e apresentamos as
mudanças gerais no corpo, na mente e no afeto das crianças de 3 a 6 anos.
Nesta seção, vamos focar no desenvolvimento motor, que é uma das grandes
conquistas dessa fase. Os atingimentos dessa fase dependem de conquistas da
fase anterior, da primeira infância e do progressivo amadurecimento cerebral,
que vai propiciar maior coordenação entre intenções e realizações físicas.
Os ossos e os músculos foram suficientemente fortalecidos para permitir
à criança correr, saltar, subir escadas, etc., com maior precisão e rapidez.
O Quadro 1 demonstra as habilidades motoras que as crianças atingem na
segunda infância (MARTORELL, 2014).
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Quadro 1. Habilidades motoras na segunda infância

3 anos 4 anos 5 anos

Não sabe girar ou Tem maior controle do Pode arrancar, girar e


parar de repente ou ato de parar, arrancar parar de repente em
rapidamente. e girar. jogos.

Salta a uma distância Salta a uma distância de Corre e salta a uma


de 38 a 60 cm. 60 a 84 cm. distância de 71 a 91 cm.

Sobe escadas sozinho, Desce escadas Desce escadas longas


alternando os pés. alternando os pés e alternando os pés e
usando apoio. sem apoio.

Saltita usando uma Saltita de quatro a seis Saltita facilmente por


série de saltos passos com um pé. uma distância de 5 m.
irregulares.

Fonte: Adaptado de Papalia e Martorell (2022).

Por volta dos 2 anos e meio, as crianças são capazes de saltar com as
duas pernas, algo que não conseguem antes disso, e com uma perna só são
capazes em torno dos 4 anos. Com 3 anos e meio, as crianças conseguem
subir escadas (mais fácil do que descer). Elas conseguem descer as escadas
alternando os pés aos 5 anos. Pular é difícil, e a conquista é atingida entre 4
e 6 anos. Esses desenvolvimentos são possíveis a partir da constituição de
cada criança, associada a oportunidades para que ela se exercite livremente
(MARTORELL, 2014).
Crianças nessa idade têm energia de sobra e não param quietas, mas é
claro que cada uma é diferente da outra. A forma de ser de cada um já vai se
delineando bem cedo, e comparações na educação não ajudam o desenvol-
vimento das crianças. É importante respeitar o jeito de ser de cada uma e
lembrar que estimular é diferente de comparar. Os marcos do desenvolvimento
servem como padrões, como proteção para as crianças, permitindo que um
atraso significativo possa ser observado e atendido.
Para melhor compreender as aquisições das crianças nesse período, nor-
malmente as habilidades motoras são divididas em amplas e finas. As amplas
envolvem os grandes músculos e são atividades como saltar e correr, já as finas
são habilidades de manipulação, que envolvem músculos pequenos e exigem a
coordenação dos olhos com os movimentos das mãos. Nas habilidades finas,
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está grandemente envolvida a lateralidade, que é a preferência pelo uso da


mão direita ou da esquerda. Ainda existe discussão sobre a definição dessa
preferência, mas sabe-se que os meninos são mais propensos a utilizar a mão
esquerda do que as meninas. Conforme Gallahue, Ozmun e Goodway (2013),
as habilidades motoras amplas da segunda infância são preparatórias para
os esportes e para a dança, uma vez que antes dos seis anos as crianças não
praticam essas atividades de forma estruturada, exatamente porque seria
frustrante não ser capaz de desempenhar o que é exigido. Inclusive, essas
normas estão presentes nas federações esportivas de muitos países, que
reconhecem os danos físicos e psicológicos de uma prática precoce.
As habilidades finas, como amarrar sapatos e utilizar tesouras, exigem
destreza, cuidados e responsabilidade pelo uso. Essas habilidades se comple-
mentam e, à medida que a criança atinge algumas, favorecem as outras. Aos
três anos, uma criança pode servir leite ou algum outro líquido em uma tigela,
utilizar talheres e ir ao banheiro sozinha. Ela desenha uma pessoa por meio
de uma forma mais ou menos circular, sem braços. Com quatro anos, pode se
vestir sozinha e, com auxílio, recortar seguindo uma linha, desenhar uma pessoa
mais completa, formas e letras e fazer pequenas dobraduras. Com cinco anos,
ela já se veste mais autonomamente, copia figuras e acrescenta mais detalhes
no desenho de uma pessoa (MARTORELL, 2014; PAPALIA; MARTORELL, 2022).
Você já viu uma criança com cores de roupas misturadas, sapatos trocados
ou botões abotoados de forma errada? É importante que a criança se sinta
capaz de fazer essas atividades cotidianas, pois elas incrementam a sua
autoestima e as suas habilidades. Os adultos precisam controlar compor-
tamentos excessivamente corretivos e obsessivos de ordem para que não
afetem o desenvolvimento infantil.
À medida que adquirem novas habilidades motoras, as crianças as mes-
clam com as que já têm, e essa combinação possibilita às crianças o desen-
volvimento de outras habilidades ainda mais complexas. Esse fenômeno é
conhecido como sistemas de ação. Esses sistemas permitem a aquisição
de movimentos mais amplos e precisos e, portanto, um controle maior do
ambiente. A lateralidade mais definitiva ocorre por volta dos três anos, e
isso depende do hemisfério cerebral dominante que, em 90% dos casos, é o
esquerdo, que controla o lado direito do corpo. Dessa forma, a lateralidade
se define como destra ou do lado direito do corpo. A origem da lateralidade
é discutida: pesquisadores estudam se ela é predominantemente definida
pelo ambiente ou pela genética (PAPALIA; MARTORELL, 2022).
O modelo bidimensional de Gallahue (Quadro 2) propõe marcos do desen-
volvimento motor que podem auxiliar a entender as funções dos diferentes
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movimentos em cada fase do desenvolvimento. O autor propõe quatro fases,


e as duas intermediárias têm relação com a segunda infância. A primeira delas
(fase do movimento rudimentar) inicia por volta dos dois anos de idade, já a
segunda (fase do movimento fundamental) ocorre até os seis anos (GALLAHUE;
OZMUN; GOODWAY, 2013).

Quadro 2. Modelo bidimensional de Gallahue para a classificação de


movimentos

Estabilidade
Locomoção Manipulação
(ênfase no equi-
Fases do (ênfase no (ênfase na força
líbrio do corpo
desenvolvi- transporte do transmitida a
em situações de
mento motor corpo de um um objeto ou
movimento está-
ponto a outro) recebida dele)
tico e dinâmico)

Fase de movi- „  Reflexo de „  Reflexo de „  Reflexo palmar


mento reflexo correção rastejar de apreensão
(capacidades de labiríntico „  Reflexo „  Reflexo plantar
movimento com „  Reflexo de primário de de apreensão
controle subcorti- correção do andar „  Reflexo de
cal involuntário, no pescoço „  Reflexo de flexão dos
útero e no início da „  Reflexo de nadar braços
vida do bebê) correção do corpo

Fase de movi- „  Controle da „  Rastejar „  Alcançar


mento rudimentar cabeça e do „  Engatinhar „  Pegar
(capacidades de pescoço „  Marcha ereta „  Soltar
movimento do „  Controle do tronco
bebê influen- „  Posição sentada
ciadas pela sem apoio
maturação) „  Posição de pé

Fase de movimento „  Equilibrar-se „  Caminhar „  Arremessar


fundamental apoiado em um pé „  Correr „  Apanhar
(habilidades de „  Caminhar em uma „  Saltitar „  Chutar
movimento básicas barra baixa „  Pular „  Rebater
da infância) „  Movimentos
axiais

Fase de movimento „  Realizar a rotina „  Correr 100 m „  Chutar um tiro


especializado da trave de rasos ou um de meta no
(habilidades com- equilíbrio da evento com futebol
plexas do final da ginástica barreiras no „  Rebater uma
infância e períodos „  Defender um atletismo bola lançada
posteriores) chute a gol no „  Caminhar em
futebol uma rua cheia
de gente

Fonte: Adaptado de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013).


10 Desenvolvimento físico e psicomotor na segunda infância

Os movimentos reflexos, ou involuntários, nascem ainda dentro da


mãe e propiciam a coleta de informações sobre o ambiente: toques, luzes,
sons, mudanças de pressão e temperatura, etc. Posteriormente, já na vida
pós-natal, esses movimentos involuntários desempenham um importante
papel no conhecimento do próprio corpo e do ambiente circundante. Os
movimentos reflexos envolvem também os reflexos primitivos e os posturais.
Os primeiros são filogenéticos, ou seja, associados à alimentação, sobrevi-
vência, nutrição e proteção. Sem eles, o bebê não conseguiria mamar. Já os
posturais se relacionam com as condições a serem adquiridas na locomoção
e na manipulação, como engatinhar e pegar objetos (GALLAHUE; OZMUN;
GOODWAY, 2013).
Na fase dos movimentos rudimentares, relacionados à segunda infância,
é onde nascem os movimentos voluntários, como movimentar a cabeça, o
pescoço e os músculos do tronco, alcançar objetos, se arrastar, engatinhar
e caminhar. Essas aquisições exigem o gradativo controle e equilíbrio do
corpo. A fase dos movimentos fundamentais é um período de muitas no-
vas experimentações com o corpo, de descobertas sobre como executar
movimentos de estabilidade, locomoção e manipulação, isolados e em
combinações com outros. As habilidades desenvolvidas nesse período têm
utilidade ao longo da vida, como caminhar, subir escadas e se equilibrar em
diferentes posições (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013).
Os marcos do desenvolvimento motor, vistos do ponto de vista de
autores da psicologia e das ciências do movimento, indicam o desejável
na aquisição de habilidades em cada idade e fase do desenvolvimento.
Existem tempos mínimos e máximos para o atingimento desses marcos,
baseados em estudos com muitas crianças de diferentes países. Alguns
marcos podem sofrer ligeiras variações, mas os limites propostos nas
principais teorias são aceitos como válidos e universais. Os marcos, além
de serem guias para a observação e o controle do desenvolvimento infantil,
são importantes pois protegem as crianças, permitindo que sejam diag-
nosticadas e atendidas precocemente em suas necessidades. As causas
para as variações no desenvolvimento podem ser inúmeras, dependendo
da constituição genética e das influências do ambiente. Algumas costumam
interferir no desenvolvimento e, portanto, estão previstas nos manuais. A
próxima seção será dedicada à discussão de alguns fatores intervenientes
no desenvolvimento físico e psicomotor.
Desenvolvimento físico e psicomotor na segunda infância 11

Influências no desenvolvimento físico


e psicomotor na segunda infância
Como visto na seção anterior, os marcos do desenvolvimento são guias
para o estabelecimento da normalidade no crescimento infantil. Mesmo
que a ideia não seja a patologização do desenvolvimento, atrasos podem
ser alertas, e os marcos favorecem o atendimento precoce de possíveis
problemas. Até mesmo frente a um problema irreversível, como algum
tipo de deficiência, déficit cognitivo ou dano neurológico, o atendimento
às necessidades da criança e de sua família é de extrema relevância para a
adaptação e redução dos prejuízos na continuidade do desenvolvimento. O
sujeito é integral, e as consequências de um problema afetam todas as áreas
do desenvolvimento. Assim, nesta seção, vamos estudar possíveis causas,
consequências e abordagens sobre as influências no desenvolvimento da
segunda infância.
Em relação à saúde e segurança das crianças, é possível pensar que, em
alguns lugares, principalmente nos países em desenvolvimento, as crianças
não têm acesso a medicação e vacinas e as mães não têm atendimento pré-
-natal. As deficiências físicas e mentais são mais frequentes em sociedades
carentes, por partos inadequados, hospitais e clínicas improvisados, infec-
ções mal curadas, má nutrição, carência de vitaminas, contato com germes
e bactérias, entre outras razões. Se o parto demora, se o hospital não conta
com uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) pré-natal, se faltam remé-
dios e equipamentos, pouco pode ser feito para evitar problemas graves e
irreversíveis.
A obesidade é um problema que ocorre em todos os tipos de sociedade,
pois o estilo de vida, o tempo para preparar e consumir uma refeição mais
nutritiva, a carência financeira, entre outras razões, podem levar à ingestão
de alimentos hipercalóricos e carentes de nutrientes. Papalia e Martorell
(2022) reportam que, em 2016, 41 milhões de crianças com menos de 5 anos no
mundo eram obesas. A perspectiva é que esse número chegue a 70 milhões
em 2025, se a tendência continuar e não forem produzidas políticas públicas
para enfrentar e combater o problema. A obesidade pode ser hereditária,
mas é comprovado que grande parte dos casos são de origem ambiental,
por maus hábitos alimentares e carências de diversos tipos. O prognóstico
da obesidade para crianças na segunda infância é reservado, crítico, pois o
tratamento é difícil, principalmente se a família for obesa também. Nesses
12 Desenvolvimento físico e psicomotor na segunda infância

casos, a criança tende a ser um adulto obeso. Por outro lado, se o problema
for atendido precocemente (a tendência à obesidade pode ser percebida
desde os seis meses de idade), contar com o auxílio da família e tornar a
criança sempre mais ativa, pode haver sucesso no tratamento. É importante
pensar que o excesso de massa corporal é prejudicial à saúde (PAPALIA;
MARTORELL, 2022).
A prevenção da obesidade depende da ingestão de alimentos, sua quali-
dade e quantidade, e deve-se ter horas adequadas de sono e assistir pouca
televisão. É provado que cada hora adicional de TV, além das duas sugeridas
ao dia, aumenta a probabilidade de obesidade em 7%, a não ser que as ho-
ras adicionais sejam compensadas com exercícios na mesma proporção. As
crianças precisam consumir nutrientes adequados para favorecer o cresci-
mento saudável, pois esse período tem grandes exigências de crescimento,
com aumento do cérebro, dos ossos e dos músculos. A má nutrição não está
associada somente à pobreza, mas preponderantemente aos maus hábitos
alimentares (PAPALIA; MARTORELL, 2022).
Algumas famílias incentivam, até sem perceberem, a alimentação desorde-
nada, em que as crianças têm acesso irrestrito a alimentos em qualquer hora
do dia. Ninguém deve proibir as crianças de comerem, mas se elas obedecerem
a certos horários, sem rigidez, isso vai organizar a necessidade de aporte
calórico durante o dia. Existem diferenças entre sentir fome e querer comer
por gula ou por necessidades de doces e farináceos. É claro que as crianças
gostam de doces e devem consumi-los, mas com cuidado para não exceder.
A questão não é punir, mas sim ficar atento para maus hábitos alimentares
que, uma vez estabelecidos, são difíceis de modificar.

O desenvolvimento infantil, em todas as fases, mas principalmente na


primeira e na segunda infância, quando a criança ainda não consegue
se defender, escapar ou denunciar maus tratos, é importante para o bem-
-estar futuro. Maus tratos e negligência, além de outras violências, como abuso
sexual e espancamentos, podem causar sérios problemas físicos, emocionais
e cognitivos. Os bebês desenvolvem apegos a partir de suas necessidades de
atenção e carinho. Segundo Papalia e Martorell (2022), crianças que não recebem
cuidados e afeto podem sofrer de déficit de crescimento não orgânico, que
resulta em atrasos ou lentidão do crescimento físico, baixo ganho de peso e
problemas emocionais e de desenvolvimento. São crianças que demonstram
irritabilidade precoce, sonolência, ausência de sorriso, de vocalização e outros
atrasos motores. A pobreza é apontada como a principal causa para a síndrome,
que também pode ser causada por relacionamentos conflitivos, má nutrição,
dificuldades de amamentação, entre outras. Além disso, se a mãe (ou o principal
Desenvolvimento físico e psicomotor na segunda infância 13

cuidador) está submetida a um forte estresse, faz uso de drogas e álcool, está
deprimida ou sofrendo algum outro tipo de transtorno mental que a impede de
demonstrar afeto, o bebê vai estar sujeito a maiores riscos.

Por outro lado, a subnutrição é uma realidade em muitos países em desen-


volvimento. Nesse caso, crianças podem ter peso normal, mas estatura mais
baixa do que o esperado para a idade. Também podem ter deficiências físicas
e cognitivas associadas. A fome persistente leva a essa condição, chamada de
interrupção do crescimento. Outra forma de desnutrição é o emaciamento,
quando a altura é normal, mas o peso muito baixo. Em ambos os casos há
carência de nutrientes adequados ao desenvolvimento físico. A Organização
Mundial da Saúde (OMS), em um levantamento de 2018, apontou que cerca
de 150,8 milhões de crianças sofriam de interrupção do crescimento e 50,5
milhões estavam emaciadas (PAPALIA; MARTORELL, 2022). Esses problemas são
significativos no número de mortes de crianças até os cinco anos de vida. As
consequências são atrozes e afetam de forma duradoura o bem-estar geral
e o desenvolvimento cognitivo e psicossocial (PAPALIA; MARTORELL, 2022).
A saúde bucal é uma preocupação com o bem-estar infantil e, em muitos
casos, se associa à má alimentação pelo excesso de consumo de doces e falta
de profilaxia. O leite adoçado e consumido na cama faz com que crianças
durmam com os dentes com açúcar, provocando cáries precoces. A transição
entre os dentes de leite e os definitivos é um período importante e exige
cuidados de prevenção e tratamento. Crianças que desenvolvem a dentadura
definitiva já deficitária terão maiores chances de perder os dentes cedo na
vida. Além disso, a má oclusão das arcadas dentárias provoca inúmeros pro-
blemas, como dores, mudanças nos ossos e na face, infecções, dificuldades
de mastigação, retração de gengivas e perdas de outros dentes (PAPALIA;
MARTORELL, 2022).
Como a segunda infância é marcada pela maior atividade física das crian-
ças, há também a influência de acidentes e quedas no desenvolvimento físico
e psicomotor. Muitos acidentes ocorrem em casa, a partir de brincadeiras com
objetos, ou em lugares inadequados, podendo causar incêndios, afogamentos,
intoxicação, sufocamento, etc. Acidentes automobilísticos e atropelamentos
também ocorrem nessa idade. Contudo, as causas mais frequentes de morte
em crianças nessa fase são câncer, doenças congênitas, agressões, homicídio,
doenças cardíacas e respiratórias e septicemia (PAPALIA; MARTORELL, 2022).
Quanto mais baixo for o nível econômico e social da família, maiores
serão os riscos de doenças e morte. Além de condições crônicas devido à
desnutrição e carências de diversos tipos, essas crianças têm menos acesso
14 Desenvolvimento físico e psicomotor na segunda infância

aos serviços. As crianças, muitas vezes, são deixadas sozinhas por longos
períodos, inclusive cuidando ou sendo cuidadas por outras crianças, para
que os pais possam trabalhar. A falta de moradia contribui para os riscos da
infância, como o desenvolvimento de doenças pulmonares, estupros, maus
tratos, doença mental de genitores e cuidadores, contato com parasitas e
locais infectos, uso de álcool e drogas. O contato com tabagismo, a poluição
atmosférica e os venenos de lavouras são outros riscos adicionais (PAPALIA;
MARTORELL, 2022).
São inúmeras as influências do desenvolvimento físico e psicomotor. As
crianças precisam ser protegidas em todas as fases de desenvolvimento, para
que possam gozar de boa saúde e ter o direito de serem crianças felizes e
despreocupadas, tornando-se adultos saudáveis e responsáveis. Estudar o
desenvolvimento infantil em todos os âmbitos é de suma importância para
compreender de forma ampla e crítica os padrões, os marcos esperados e
os marcos menos esperados, mas que caracterizam as condições de vida de
muitas crianças.

Referências
BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando o sistema
nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
FONSECA, V. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2008.
GALLAHUE, D. L.; OZMUN, J. C.; GOODWAY, J. D. Compreendendo o desenvolvimento motor:
bebês, crianças, adolescentes e adultos. 7. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
MARTORELL, G. O desenvolvimento da criança: do nascimento à adolescência. Porto
Alegre: AMGH, 2014.
PAPALIA, D. E.; MARTORELL, G. Desenvolvimento humano. 14. ed. Porto Alegre: AMGH,
2022. E-book.

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