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PSICOLOGIA

APLICADA
AO CUIDADO

Itala Daniela da Silva


O processo de
desenvolvimento humano:
da gestação à velhice
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Descrever a fase do desenvolvimento da gestação à infância.


„„ Analisar a fase do desenvolvimento da adolescência à vida adulta.
„„ Explicar o desenvolvimento da fase adulta à velhice.

Introdução
Ao longo da história, várias perspectivas filosóficas e científicas surgiram,
na tentativa de explicar fenômenos naturais, físicos, biológicos, sociais,
políticos, econômicos e culturais. A área de estudos sobre o desenvol-
vimento humano também se configurou dessa forma. A multiplicidade
de perspectivas sobre as fases da vida assinala a complexidade do ser
humano. Partindo-se do pressuposto da multiplicidade, os principais
autores que estudam o desenvolvimento humano são Jean Piaget,
Erik Erikson, Henri Wallon e Lev Vygotsky. Em geral, as fases do desenvol-
vimento são divididas em gestação, infância, adolescência, fase adulta
e idoso, ao passo que as áreas do desenvolvimento são divididas em
psicomotora, cognitiva, comunicacional, socioafetiva e de personalidade.
No entanto, é importante destacar que, por mais que haja indicações
de experiências vividas em cada fase, elas não são prescritivas. Cada
cultura e sociedade viverá (ou não) distintamente os aspectos aqui apre-
sentados. Assim, levar em consideração o cenário político-econômico é
imprescindível para se construir reflexões acadêmicas maduras e con-
textualizadas no cenário brasileiro.
2 O processo de desenvolvimento humano: da gestação à velhice

Neste capítulo, você estudará sobre as áreas de desenvolvimento


humano, articulando-as com as diversas fases da vida: da gestação à
infância; adolescência e vida adulta: da construção à realização; e terceira
idade: implicações biológicas e sociais.

1 Da gestação à infância: primeiros passos


da vida
Uma nova vida se inicia com o processo de fecundação. O óvulo é fecundado
pelo espermatozoide e, em condições favoráveis, inicia-se a maturação do
zigoto. As gestações podem ser individuais ou gemelares. O 23º cromossomo,
chamado de cromossomo sexual, determina o sexo do bebê. O cromossomo
do óvulo é X, ao passo que o do espermatozoide é X e Y. Na fecundação, a
junção do XX caracteriza uma fêmea, e a junção do XY, um macho. Durante
o processo gestacional, há o amadurecimento do feto, a formação dos órgãos
e o desenvolvimento neural (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Além dos aspectos biológicos, a gestação perpassa a dimensão psíquica
do desejo de ser mãe, uma vez que o vínculo materno-fetal e a relação esta-
belecida com o genitor, a família e o meio social interferem na constituição
subjetiva do ser mãe e do bebê (MARCIANO; AMARAL, 2015). Além disso,
as singularidades do parto, normal ou cesárea, podem influenciar nos aspectos
biológicos e psíquicos da mãe e do bebê (ODENT, 2016).
Após o nascimento, o crescimento da criança pode ser dividido em fases,
para melhor compreensão: primeira infância (de 0 a 2 anos), segunda infância
(de 2 a 6 anos) e terceira infância (de 6 a 12 anos). Esses marcadores facilitam
o processo de compreensão da maturação física e, portanto, são utilizados
como referências. A maturação subjetiva depende da articulação de diversos
fatores. Conforme Palacios (2004), para o teórico Henri Wallon, a subjetividade
humana é constituída pela relação entre o inconsciente biológico e o social
(WALLON, 1941 apud PALACIOS, 2004).
Enquanto Wallon (1941 apud PALACIOS, 2004), ao analisar o desenvol-
vimento humano infantil, estava preocupado em compreender a “evolução
do indivíduo nas suas vertentes emocional, intelectual e social” (PALACIOS,
2004, p. 29), Piaget “estava centrado no desenvolvimento intelectual, e o seu
principal objetivo é procurar descrever e explicar como é produzida a passagem
do ser biológico que é o bebê recém-nascido para o conhecimento abstrato e
altamente organizado que encontramos no adulto” (PALACIOS, 2004, p. 27).
Já para Vygotsky (1934, apud PALACIOS, 2004, p. 38),
O processo de desenvolvimento humano: da gestação à velhice 3

Fundamentalmente, o desenvolvimento não segue uma sequência predeter-


minada e, internamente guiada, mas um curso sociogeneticamente media-
do e dependentes dos processos de aprendizagem que ocorrem no duplo e
complementar plano de interação educativa e da participação em situações
culturais e socialmente organizadas, entre as quais a escolarização tem um
papel-chave em diversas culturas.

Partindo-se desses pressupostos distintos, mas por vezes complementares,


são apresentadas, a seguir, algumas características do desenvolvimento infantil
nas três fases. Assim que chega ao mundo, a criança se depara com novas
circunstâncias de vida. As primeiras semanas, o chamado período neonatal,
são caracterizadas pela dependência sustentada pela mãe. Na primeira infância,
as habilidades motoras não precisam ser ensinadas. Os reflexos vão dando
espaço a ações voluntárias, como agarrar, sugar e interagir, que passam a
fazer parte da relação bebê–mundo. A aprendizagem se dá pelo condiciona-
mento, que ocorre por meio das relações dos cuidadores com o bebê. Assim,
o comportamento da criança vai se adaptando ao mundo apresentado a ela.
Para Piaget, conforme discutido por Palacios (2004), nessa etapa da vida,
as crianças aprenderão acerca de si e do mundo, bem como experimentarão
atividades sensoriais e motoras (estágio sensório-motor). À medida que as
habilidades sensoriais e motoras são desenvolvidas, a personalidade da criança
começa a ser construída. Essas áreas são desenvolvidas a partir das relações
estabelecidas com o meio. Papalia e Feldman (2013, p. 219) apontem que:

O primeiro dos oito estágios do desenvolvimento psicossocial de Erikson


é confiança básica versus desconfiança. Esse estágio começa no início da
primeira infância e continua até por volta dos 18 meses. Nesses primeiros
meses, o bebê desenvolve o senso de confiança nas pessoas e nos objetos de
seu mundo. Ele precisa desenvolver um equilíbrio entre confiança (que lhe
permite formar relacionamentos íntimos) e desconfiança (que lhe permite
proteger-se).

Na segunda infância, há um fortalecimento musculoesquelético, e as crian-


ças passam a explorar o mundo, correndo, saltitando e pulando. O córtex
cerebral delas passa por um desenvolvimento, que permite a realização de
atividades que exigem coordenação motora. Para Piaget, essa fase se caracte-
riza como estágio pré-operatório, que é a fase do desenvolvimento cognitivo.
Esse período é caracterizado por uma grande expansão no uso do pensamento
simbólico, ou capacidade representacional, que surge, pela primeira vez,
durante o estágio sensório-motor (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Nessa fase
do desenvolvimento, a criança começa a assimilar sua imagem e a articular
4 O processo de desenvolvimento humano: da gestação à velhice

com o modo como os outros a veem. Portanto, é um período marcado por mais
controle emocional e dos sentimentos. As brincadeiras constituem a principal
atividade dessa etapa da vida.
Na terceira infância, o crescimento físico é mais lento, mais perceptível.
É o momento de transição para o início da puberdade, que será marcada por
muitas mudanças. Para Piaget, esse período é o estágio operatório concreto,
durante o qual as crianças conseguem lidar e resolver problemas reais e ar-
ticular pensamentos lógicos. Nesse estágio, é possível lidar com problemas
complexos. No que concerne à relação com o mundo, as crianças começam a
viver relações grupais, que surgem de forma espontânea durante as brincadeiras
(PAPALIA; FELDMAN, 2013).
A infância passa por uma mudança a partir do momento em que as condições
biológicas colocam a criança em transição para a adolescência, por meio dos
processos de puberdade.

2 Adolescência: a construção
Ao investigar sobre a adolescência ao longo da história, percebe-se com-
preensões e contextos socioculturais distintos em cada época. As mudanças
físicas vividas pelos adolescentes são empíricas, porém o modo de lidar com
essas pessoas, que estão passando por mudanças do corpo, foram diferentes
em cada cultura e em cada século. A forma de lidar com os adolescentes e a
ideia de que esse período é qualitativamente diferente da idade adulta, per-
meia os séculos, desde a Antiguidade. Contudo, a diferenciação entre esses
períodos da vida só surgiu em meados do século XIX, com as mudanças de
estruturas sociais, quando o período da adolescência passou a ser concebido
como época de transição.
A partir de então, passou-se a ter a concepção de que entra na adolescência
quem está saindo da infância. Na infância, a criança ainda não fala por conta
própria, ficando sob o jugo e a decisão de seus responsáveis. Assim, a criança
ouve a voz dos adultos e acata suas decisões. Quando os processos de mudança
biológica se instauram no corpo da criança, está sendo sinalizada a entrada na
fase da adolescência. A adolescência inicia-se, portanto, com a puberdade. “O
púbere-pubes= pelo, sente em si as mudanças. Não é mais infante e sente-se
iniciado na autonomia” (LIBANIO, 2004, p. 17).
O processo de desenvolvimento humano: da gestação à velhice 5

A adolescência é uma das fases do ciclo da vida, a qual perpassa por grandes
mudanças físicas, visto que o corpo da criança passa por transformações e
maturações. A puberdade é marcada pelo crescimento e o amadurecimento dos
órgãos sexuais, bem como pela ativação de glândulas suprarrenais e o aumento
da produção de alguns hormônios e das glândulas sebáceas, que contribuem
para a produção da pele oleosa e da acne (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
O aumento e a produção de alguns hormônios contribuem para a instabilidade
do humor característico desse período. Segundo Papalia e Feldman (2013,
p. 388), as “emoções negativas como angústia e hostilidade, bem como sinto-
mas de depressão em meninas, tendem a aumentar à medida que a puberdade
avança”.
No que concerne às características físicas, os seios das meninas começam
a crescer, os ombros dos meninos alargam e, em ambos os sexos, ocorre o
desenvolvimento da massa muscular e o crescimento dos pelos. Nos meninos,
inicia-se a produção de espermatozoides, e a espermarca/semenarca, primeira
ejaculação masculina, poderá ocorrer por meio da polução noturna, isto é, a
eliminação do sêmen enquanto o adolescente dorme. Nas meninas, ocorre a
menarca, isto é, a primeira menstruação. Contudo, é importante destacar que a
maturação dos sistemas reprodutores feminino e masculino está correlacionada
com fatores biológicos e genéticos, mas também está atrelada a influências
ambientais, sociais, psíquicas e alimentares. Essa correlação estimulará ou
retardará o processo de maturação sexual (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Outro fator de desenvolvimento é a cognição. Os aspectos cognitivos na
adolescência são marcados por mudanças estruturais. O pensamento, que
antes era concreto, passa a contemplar raciocínios abstratos, aumentando
a capacidade de realizar julgamentos morais, planejamentos de execução e
memória. Nesse sentido, “os adolescentes entram no que Piaget chamou de
o nível mais alto de desenvolvimento cognitivo — o operatório-formal —
quando desenvolvem a capacidade de pensar em termos abstratos” (PAPALIA;
FELDMAN, 2013, p. 404).
Essas alterações físicas ocorridas geram sentimentos diversos no adoles-
cente. O corpo muda e, com isso, é necessário mudar o modo de lidar com ele.
A higiene demanda atenção, há o aparo dos pelos, o cuidado com os odores
exalados, a necessidade de se adaptar ao uso de absorventes ou coletores
menstruais. As meninas sofrem com outras readaptações, como o uso de
sutiã, peça socialmente estabelecida para proteção dos seios, e a lida com as
cólicas menstruais.
6 O processo de desenvolvimento humano: da gestação à velhice

Portanto, o adolescente se encontra diante de um novo corpo, que surge


convocando-o a perder sua condição de criança. Essa transição também reflete
nas relações interpessoais, de modo que a necessidade de construção da auto-
nomia começa a se fazer presente. Segundo Aberastury e Knobel (1981, p. 13):

As mudanças psicológicas que se produzem nesse período, e que são correla-


ções de mudanças corporais, levam a uma nova relação com os pais e com o
mundo. Isto só é possível quando se elabora, lenta e dolorosamente, o luto pelo
corpo de criança, pela identidade infantil e pela relação com os pais da infância.

Além disso, esse momento da vida se caracteriza pelas alterações nas rela-
ções intrapessoais e interpessoais. A adolescência consiste em uma época de
construção da personalidade e da identidade e de compreensão da orientação
sexual. Para Erik Erikson, a identidade diz respeito a “uma concepção coerente
do self, constituída de metas, valores e crenças com os quais a pessoa está
solidamente comprometida” (PAPALIA; FELDMAN, 2013, p. 423). Nessa
fase da vida, o adolescente realiza um esforço de compreender a construção
individual do self, do eu. Assim, é comum que haja crises identitárias nesse
processo de construção. As descobertas são gradativas, assim como as escolhas
e as identificações sociais. Para Erikson, conforme cita Papalia e Feldman
(2013, p. 422), a identidade se forma “quando os jovens resolvem três questões
importantes: a escolha de uma ocupação, a adoção de valores sob os quais
viver e o desenvolvimento de uma identidade sexual satisfatória”.
Em relação à orientação sexual, é necessário demarcar que ela não diz
respeito a uma escolha. Por isso, utilizamos o termo orientação. No momento
em que o/a adolescente se percebe como um ser sexual, é possível que se
inicie o processo de reconhecimento e percepção da sua orientação. O seu
desejo é orientado para um objeto/pessoa, e esse direcionamento possibilita
a compreensão da sua orientação sexual.
O processo de desenvolvimento humano: da gestação à velhice 7

Você sabia que sexo, identidade de gênero e orientação sexual são coisas distintas?
O sexo se refere aos órgãos sexuais e, portanto, é uma característica biológica. Já a
identidade de gênero diz respeito ao modo como a pessoa se sente e percebe. Essa
percepção pode ser distinta da relação genital. Algumas das identidades de gênero
podem ser: cisgênero, transgênero e não binário. Por fim, a orientação sexual diz
respeito à atração sexual e/ou emocional que é direcionada para o objeto/pessoa de
desejo. Algumas das orientações sexuais são: heterossexualidade, homossexualidade,
bissexualidade, pansexualidade e assexualidade.
Para ampliar seu conhecimento a respeito do tema, leia o artigo A relação entre sexo,
identidades sexual e de gênero no campo da saúde da mulher, no site da Facenf Uerj.

Outro aspecto da vida, vivido com muita intensidade pelos adolescentes,


diz respeito às relações interpessoais, sobretudo com os seus pares, ou seja,
seus grupos. Nessa etapa, existe uma cisão com as relações com os adultos.
Enquanto a criança, agora adolescente, sofre o luto pela perca da identidade
e do corpo infantil, os pais sofrem pela perca da sua criança. As construções
de identidade do adolescente demarcam, para os pais, o processo de diferen-
ciação. A rebeldia do adolescente diz respeito ao processo de individuação
e é permeada por diversas experiências emocionais, conflitos familiares e
rejeição aos valores postos pelos adultos. Em contrapartida, os adolescentes
tendem a se inserir em grupos com os mesmos interesses. Os pares são fontes
de acolhimento, afeto e compreensão. Além disso, as experiências nos grupos
possibilitam a experimentação da autonomia e da independência (PAPALIA;
FELDMAN, 2013).

3 Vida adulta e velhice


A vida adulta e a velhice também são marcadas por especificidades. A seguir,
são discutidas as especificidades de cada etapa.
8 O processo de desenvolvimento humano: da gestação à velhice

Vida adulta: realização


A vida adulta é caracterizada pelo momento de realização. Contudo, cada vez
mais, na sociedade contemporânea, tem havido uma moratória na transição
entre a adolescência e a vida adulta. Essa moratória diz respeito a um alívio
nas expectativas de crescimento dos jovens, o que permite viver essa transição
com mais liberdade (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Esse tempo de moratória tem crescido cada vez mais em nosso contexto
social, uma vez que a transição tem sido marcada por um tempo maior na
escolarização. Os cursos superiores, as especializações, os mestrados e dou-
torados têm sido caminhos para alguns jovens antes do ingresso no mercado
de trabalho. Contudo, vale acrescentar que esse aumento da moratória também
está correlacionado com a realidade socioeconômica do jovem adulto, uma
vez que, dependendo das condições de vida, é possível, ou não, estender essa
moratória.
Essa fase do desenvolvimento humano é marcada pela maturação psico-
lógica e a vivência da identidade construída. O pensamento complexo e a
inteligência emocional também podem caracterizar essa fase da vida. Além
disso, a sociedade caracteriza a adultidade a partir da independência finan-
ceira, a responsabilidade pelas suas ações e a tomada de decisões importantes
(PAPALIA; FELDMAN, 2013). Por isso, é importante ressaltar o caráter
cultural no processo de reconhecimento da adultidade.
A vida do adulto é permeada por algumas preocupações, desde as atividades
sexuais e reprodutivas, a saúde física e psíquica até as demandas profissionais.
Sobre as atividades sexuais e os relacionamentos íntimos:

Erikson considerava o desenvolvimento dos relacionamentos íntimos a tarefa


crucial no período adulto jovem. A necessidade de estabelecer relacionamentos
fortes, estáveis, estreitos e carinhosos é um forte motivador do comportamen-
to humano. As pessoas se tornam íntimas — e permanecem íntimas — por
meio de revelações compartilhadas, receptividade às necessidades do outro
e aceitação e respeito mútuos. Os relacionamentos íntimos requerem auto-
consciência; empatia; capacidade de comunicar emoções, resolver conflitos
e manter compromissos; e, se o relacionamento é potencialmente sexual,
tomar decisões sobre sexo. Essas habilidades são fundamentais quando os
adultos jovens decidem se querem se casar ou formar parcerias íntimas e ter
ou não ter filhos (Lambeth e Hallett, 2002). Além disso, a formação de novos
relacionamentos (como com parceiros amorosos), e a renegociação de relacio-
namentos existentes (como com os pais), têm implicações para se a persona-
lidade permanece a mesma ou muda (PAPALIA, FELDMAN, 2013, p. 494).
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No que diz respeito à profissionalização e ao ingresso no mercado de


trabalho, essas áreas da vida têm demandado dos adultos mudanças efetivas
nos investimentos formativos. As novas tecnologias, como as inteligências
artificiais, impõem aos que adentram esse universo readaptações constantes.
Além das readaptações, as urgências contemporâneas e o cenário capitalista
indicam parâmetros de sucesso. A busca por sucesso e adequação aos novos
padrões sociais tem favorecido os adoecimentos físicos e psíquicos nessa etapa
da vida. Nos últimos anos, os índices de depressão, transtorno do pânico,
ansiedade, hipertensão e diabetes aumentaram consideravelmente.
O modo de lidar com essas particularidades é singular, e cada singulari-
dade é construída em uma teia de relações políticas (ARENDT, 2016). Logo,
são várias as influências do meio social que podem propiciar e favorecer
cuidados físicos e psíquicos ou a relegação da necessidade desse cuidado. Os
fatores influenciadores, além das relações, são: gênero, instrução acadêmica
e realidade social, política, social, econômica e cultural.

Joana, uma adulta de 35 anos de idade, estava apresentando um quadro de tristeza


recorrente, falta de ânimo para realizar as atividades cotidianas, dores de cabeça e
choro constante. Ela é funcionária doméstica, com escolarização de nível fundamental.
Em um determinado dia, Joana foi à unidade de saúde da família (USF) no seu bairro,
em busca de atendimento médico. Ao chegar à Unidade, ela foi atendida por um
cardiologista, que lhe receitou antidepressivo e ansiolítico. Ao retornar para o trabalho,
Joana contou sobre o atendimento ao seu patrão, Gabriel, que é professor universitário.
Na ocasião, Gabriel perguntou a Joana se foi feito algum encaminhamento para o
psiquiatra e o psicólogo, já que o diagnóstico do médico tinha sido depressão. Joana
disse que não houve encaminhamento. Gabriel, por compreender a importância do
psicólogo no tratamento de pacientes com adoecimentos psíquicos, sugeriu que ela
pedisse o encaminhamento.
No retorno ao médico, Joana fez essa solicitação. Contudo, o médico negou o
pedido, dizendo que ele tinha capacidade técnica para resolver o problema da paciente
com o tratamento que passou, o qual ela deveria seguir corretamente. Joana apenas
concordou e seguiu a proposta terapêutica do médico.
No exemplo exposto, pode-se observar que a falta de conhecimento da paciente
e a situação de vulnerabilidade social vivida por ela a silenciaram diante do saber
médico. Seus direitos não puderam ser reivindicados, e, portanto, o cuidado para com
a saúde dela ficou à mercê do tecnicismo do profissional que está no lugar social de
suposto saber.
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Velhice: implicações biológicas e sociais


Tanta a vida adulta intermediária (meia-idade) quanto a tardia (velhice) com-
põem fases da vida com novas alterações físicas, cognitivas e psicossociais.
Utiliza-se o termo intermediário para referir aos anos ativos antes dos 40 ou
50 anos. São anos ativos, mas que já apresentam singularidades que conduzirão
às experiências da velhice.
Antes de apresentar as singularidades dessas fases, faz-se necessário com-
preender e analisar a época na qual estamos inseridos, uma vez que, na con-
temporaneidade, com os avanços das técnicas da medicina, tem-se aumentado
as perspectivas de vida. Em contrapartida, esse mesmo cenário desvaloriza
os não producentes e modernos. Logo, um conflito se instaura entre a pessoa
que envelhece e a sociedade do novo, do descartável e do moderno.
Com o aumento da perspectiva de vida, há novas demandas para a saúde.
Os declínios das funções físicas, cognitivas e psicológicas são perceptíveis
em pessoas que passam pelo processo de envelhecimento. As dificuldades
na visão, audição, memória, capacidade executiva e locomoção acometem
aqueles em que a idade já está mais avançada. A pele, mais flácida, é a capa
que denuncia a passagem do tempo, mesmo com o advento de intervenções
estéticas. A menopausa e a diminuição da lubrificação, da testosterona e
da produção de espermatozoides demandam cuidado para as questões que
concernem à atividade sexual. As pessoas em processo de envelhecimento
não perdem os desejos sexuais, mas podem ter essa disposição afetada pelas
alterações biológicas, o que demanda atenção da equipe de saúde, já que a
dimensão sexual é um componente importante na vida do ser humano.
Em contrapartida, a maturidade apresenta características peculiares nessa
fase da vida. Conforme Papalia e Feldman (2013, p. 543):

[...] os teóricos humanistas como Abraham Maslow e Carl Rogers viam a


meia-idade como uma oportunidade para mudança positiva. De acordo com
Maslow (1968), a realização plena do potencial humano, que ele chamava de
autorrealização, pode vir apenas com a maturidade. Rogers (1961) afirmava
que o funcionamento humano pleno exige um processo constante, por toda a
vida, para conduzir o self em harmonia com a experiência.
O processo de desenvolvimento humano: da gestação à velhice 11

Todavia, mesmo atingindo o ponto profundo de maturidade, na sociedade


capitalista, essa maturidade não tem sido aproveitada pelo mercado de tra-
balho, uma vez que, nesse período, os adultos intermediários começam a se
preparar para o processo de aposentadoria e saída do mercado. Já os idosos
se deparam com a necessidade de reinventarem a vida ao saírem do mercado
de trabalho. A aposentadoria traz para o idoso o sentimento de inutilidade,
podendo acarretar o adoecimento psíquico.
Contudo, nem todos os idosos vivem essas experiências, seja pelo fato
de não terem a oportunidade de se aposentarem, seja pelo fato de, quando
aposentados, poderem experimentar outros modos de cuidados na vida. Essas
singularidades estão atreladas aos fatores econômicos e sociais daquele que
envelhece. Logo, é importante ressaltar que nenhuma indicação feita neste
capítulo tem características prescritivas, mas indicativas do que pode, ou não,
ser vivido nas fases de desenvolvimento humano.
Mas, afinal, o que causa o envelhecimento? Qual é a causa da senescência?
As pesquisas sobre o envelhecimento biológico assinalam dois fatores: a pro-
gramação genética e as taxas variáveis. Para Papalia e Feldman (2013, p. 576):

As teorias de programação genética sustentam que o corpo da pessoa envelhece


de acordo com o relógio evolutivo normal inato dos genes. Uma dessas teorias
diz que o envelhecimento resulta da senescência programada: “desligamen-
to” de genes específicos antes que as perdas relativas à idade (por exemplo,
na visão, audição e controle motor) tornem-se evidentes. [...] As teorias de
taxas variáveis, algumas vezes chamadas de teorias dos erros, consideram
o envelhecer como resultado de processos randômicos que variam de pessoa
para pessoa e envolvem danos resultantes de erros aleatórios, ou agressões
ambientais, nos sistemas biológicos.

Essas perspectivas ressaltam a importância de se levar em consideração


o entrelaçamento biológico e as questões ambientais, bem como as relações
sociais, econômicas e culturais que atravessam a constituição do ser humano.
A respeito das relações interpessoais, por vezes, a velhice é vista como uma
época de solidão e isolamento. Se o idoso construiu família, há uma proba-
bilidade de que seus filhos já tenham construído novas famílias ou saído de
casa. Os cônjuges, quando vivos, passam a ser o suporte existencial para o
outro. Entretanto, outra demanda se apresenta: a proximidade com a morte
e a despedida da vida. Os idosos se deparam o tempo todo com despedidas:
dos amigos, do cônjuge, etc. Alguns idosos lidam com o aspecto da morte
com resiliência, outros, com mais sofrimento. As singularidades apresentam
demandas distintas para cada um.
12 O processo de desenvolvimento humano: da gestação à velhice

ABERASTURY, A.; KNOBEL, M. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico. Porto


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LIBANIO, J. B. Jovens em tempo de pós-modernidade: considerações socioculturais e
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