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Adolescências
A ambivalência da adolescência relaciona-se com as transformações globais que ocorrem no
indivíduo e que tornam este nível etário de difícil compreensão: pelos outros e pelos
próprios. Coabitam, nesta fase, desejos ambivalentes de crescer e de regredir, de se sentir
ainda criança e já adulto, de autonomia e de dependência, de ligação ao passado e de
vontade de se projectar no futuro.
A sociedade de consumo em que vivemos faz da juventude um público-alvo de exploração:
há cada vez mais produtos dirigidos ao adolescente. São cada vez mais significativas as
camadas de jovens que detêm - directa ou indirectamente - poder de compra. Os jovens
são, hoje, consumidores efectivos.
O actual período de escolaridade, na nossa sociedade, prolongou-se no tempo, o que torna o
adolescente familiar e socialmente dependente; contudo, são-lhe exigidas, ao mesmo tempo,
autonomia e responsabilidade. Esta situação reflecte-se em expressões que são
contraditórias e paradoxais. O mesmo adulto pode dizer ao mesmo adolescente: já não és
criança, tens idade para ser responsável; ainda não tens idade para saberes o que queres. E
o adolescente reconhece e sente bem esta ambivalência. A fragilidade sentida pode estimular
surtos regressivos, alienações, comportamentos associais, dificuldades várias. Para muitos
autores, o mal-estar sentido pelos jovens, na sociedade actual, tem a ver com a indefinição
do seu estatuto social.
No entanto, a adolescência não é obrigatoriamente uma fase perturbada, até porque grande
parte dos problemas são ultrapassados na passagem para jovem adulto.
A adolescência não pode ser compreendida sem se ter em conta os aspectos psicológicos,
físicos, cognitivos, socioculturais e económicos. A antropologia, a sociologia e a história
mostram que o modo como se vive e manifesta a adolescência varia, sendo esta muito
influenciada pelo meio sociocultural.
Muitas sociedades primitivas estruturam a passagem para o mundo adulto através de ritos
iniciáticos que dão as regras e legitimam essa passagem. O texto que a seguir
transcrevemos aborda esta questão.
"Na maior parte das sociedades primitivas existem cerimónias, estranhas aos olhos dos
ocidentais, que introduzem os adolescentes na sociedade dos adultos. (...) Estes ritos podem
ser de curta duração ou desenrolar-se durante vários anos; podem realizar-se por ocasião de
uma cerimónia simples ou exigir manifestações importantes, que necessitem de construções
especiais e de longos preparativos, podem ser celebrados durante uma festa alegre ou em
cerimónias impressionantes que implicam provas perigosas, ridicularizações físicas e toda
uma cirurgia ritual como a limagem dos dentes, as escarificações1, a circuncisão, etc. (...).
A literatura etnológica revela a existência, em variadíssimas tribos, de rituais pubertários em
que a ideia de renascimento, quer seja através da reprodução simbólica do nascimento ou de
um psicodrama muito complicado, ocupa um lugar central (...). O acesso a uma vida nova no
termo da iniciação é, muitas vezes, reforçado pela atribuição de um nome novo, diferente do
da infância, ou pela reaprendizagem dos gestos outrora familiares (...).
A iniciação introduz o adolescente no domínio das regras sociais e culturais e assegura o
reconhecimento por parte dos outros membros da sociedade.
"A adolescência termina quando o indivíduo atinge a maturidade social e emocional e adquire
a experiência, a habilidade e a vontade requeridas para assumir, de maneira consistente, o
papel de um adulto, que é definido pela cultura em que vive."
Apesar de todos os problemas inerentes ao conceito de adolescência e das variações
individuais, podemos dizer, de forma genérica, que esta etapa existencial, na nossa cultura
actual, abrange um período entre os 12-13 anos e os 18 anos.
Adolescência e desenvolvimento
Aspectos fisiológicos
Numa fase de pré-puberdade, que dura mais ou menos dois anos, ocorrem mudanças
corporais (caracteres sexuais secundários)1 que preparam as transformações fisiológicas da
puberdade, isto é, a possibilidade de ejaculação e a menstruação.
Os órgãos sexuais entram em funcionamento e são estas modificações que vão marcar a
sexualidade adolescente por uma genitalidade e possibilitam a capacidade da função
reprodutora.
São muitas as transformações que ocorrem durante a puberdade. Nos rapazes aparecem
pêlos nas pernas, no peito, nos braços, nas axilas e na região púbica. A voz muda e aparece
a barba. O pénis cresce e a sua pele fica mais escura; os testículos aumentam.
Nas raparigas as ancas alargam e os seios aumentam; aparecem pêlos nas axilas e na zona
púbica. Os órgãos genitais crescem e a sua pele escurece.
Nos rapazes e nas raparigas aumenta a transpiração e o odor corporal modifica-se. Aumenta
a altura e o peso; o cabelo e a pele tornam-se mais gordurosos podendo aparecer
temporariamente seborreia e acne.
Outras maturações físicas acontecem durante a adolescência, como a ossificação da mão que
se completa, um aumento do tamanho do coração e dos pulmões.
Existe, entre as raparigas e os rapazes, cerca de um ano e meio de diferença na idade média
de chegada à puberdade (12/13 anos e 13/15 anos)1. Esta diferença está relacionada com a
estatura, que é, estatisticamente, mais elevada nos rapazes. Regra geral, só se cresce
significativamente cerca de cinco anos após a puberdade. Assim, se o processo pubertário é
mais precoce nas raparigas, elas deixam de crescer mais cedo.
As transformações que ocorrem na puberdade são da responsabilidade do sistema endócrino.
São as hormonas segregadas pelas glândulas sexuais (estrogénios e progesterona nas
mulheres e testosterona nos homens) que vão causar as transformações corporais que
acabámos de descrever.
Aspectos afectivos
Dá-se um alargamento das perspectivas temporais. "Vai ser possível pensar o futuro e
pensar no futuro".
O raciocínio hipotético-dedutivo é, no desenvolvimento psicossocial, uma arma poderosa nas
opções profissionais, nos caminhos que aspiram, na construção de projectos de futuro.
O exercício destas novas capacidades cognitivas de abstracção, de reflectir antes de agir,
pode permitir uma distância relativamente aos conflitos emocionais.
O gosto pela fantasia e pela imaginação, pelo debate de valores, leva a uma melhor
compreensão de si próprio e do mundo. Há uma exigência de coerência nas discussões
intermináveis, no questionar dos problemas e nos argumentos expressos na defesa de uma
filosofia de vida, que são importantes na formação de ideias próprias.
Esta mudança intelectual da adolescência vai, pois, permitir construir o "seu sistema
pessoal", como diz Piaget. Existe como que um reaparecimento do egocentrismo. Mas trata-
se agora de um egocentrismo intelectual - sente-se o centro e as suas teorias sobre o mundo
aparecem como as únicas correctas.
Como consequência do egocentrismo intelectual o adolescente pode sentir-se alvo dos
olhares e atenções dos outros.
Aspectos sociomorais
Construção da identidade
Também se pode considerar como moratória sexual-afectiva o tempo de namoro, dos flirts,
dos pequenos e grandes investimentos amorosos, que permitem vivências e experiências
antes de se definirem orientações sexuais e de se poderem fazer escolhas amorosas para
uma ligação perspectivada com certa estabilidade e durabilidade.
Muitos adolescentes têm uma evolução "truncada" por terem entrado de forma demasiado
rápida na vida adulta, sem se terem permitido um amadurecimento interior.
Erikson, preocupado com as interacções com o meio envolvente, falou na importância de o
jovem ser "reconhecido socialmente" no sentido do seu estatuto. Refere ainda muitos
comportamentos marginais como tentativas de encontrar uma moratória.
Apresentamos-te um texto que te ajudará a compreender melhor o conceito de moratória
psicossocial.
"A moratória é, frequentemente, o resultado de uma decisão difícil e deliberada de dar uma
trégua às preocupações habituais, tais como as da escola, da universidade ou do primeiro
emprego. O objectivo consiste em fazer uma pausa, no sentido de o indivíduo poder
explorar, de um modo mais completo, quer o próprio eu psicológico, quer a realidade
objectiva. A diferença aparente entre a moratória e a difusão pode parecer muito subtil;
todavia, vistas bem as coisas, essa diferença é bastante grande. Na moratória existe uma
verdadeira procura de alternativas, e não apenas uma espera prolongada, até que surja a
oportunidade certa. O indivíduo sente uma grande necessidade de se testar a si próprio,
numa variedade de experiências, no sentido de obter um conhecimento cada vez mais
pormenorizado do seu eu. Os compromissos são, temporariamente, evitados, com base em
razões legítimas: 'Preciso de mais tempo e experiência, antes de me dedicar inteiramente a
uma carreira, como, por exemplo, a medicina.' Ou, 'ainda não estou preparado para iniciar o
doutoramento em História. Existem bastantes coisas desconhecidas que preciso de explorar
primeiro.' Desta forma, a moratória não é simplesmente uma fuga às responsabilidades, que
possibilita ao indivíduo andar sem destino. Em vez disso, esta fase constitui um processo de
procura activa, que tem como objectivo principal prepará-lo para estabelecer compromissos.
A própria vida de Erikson, como documenta a sua biografia, contém uma moratória muito
significativa, assim como dedicação ainda maior a uma causa. Erikson talvez afirmasse que
uma derivou da outra."
"A adolescência é o período de transição que separa a infância da idade adulta, tendo por
centro a puberdade. Em boa verdade, os seus limites são fluidos.
Aquilo a que mais se assemelha é, sem dúvida, o nascimento. No nascimento, separam-nos
da nossa mãe cortando-nos o cordão umbilical, mas esquecemo-nos frequentemente de que
entre a mãe e o filho havia um órgão de ligação extraordinário: a placenta. A placenta dava-
nos tudo aquilo que era necessário à nossa sobrevivência e filtrava muitas substâncias
perigosas que circulam no sangue materno. Sem ela, não era possível a vida antes do
nascimento, mas à nascença há, em absoluto, que a abandonar para viver.
A adolescência é como um segundo nascimento que se cumprirá progressivamente. Há que
abandonar pouco a pouco a protecção familiar como um dia se abandonou a placenta
protectora. Abandonar a infância, fazer desaparecer em nós a criança, é uma mutação. Dá
por momentos a sensação de se morrer. Tudo é rápido, por vezes, demasiado rápido. A
natureza trabalha no seu ritmo próprio. Há que prosseguir e nem sempre se está pronto.
Conhece-se aquilo que morre, mas ainda se não vê para onde nos dirigimos. Já nada
"encaixa" mas não se sabe bem porquê nem como foi. Nada mais é como antes, mas é
indefinível."
http://www.netprof.pt/netprof/servlet/getDocumento?id_versao=2942